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A QUESTÃO DO DUPLO EM DUAS NARRATIVAS BRASILEIRAS

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doutrinas espíritas aportam no Brasil na segunda metade do século XIX, constituindo<br />

mais um filão de imaginário fantasista a ser explorado pela literatura.<br />

Um dos pontos desfavoráveis que a crítica aponta no escritor é seu estilo<br />

beletrista que empola parte dos textos, perdendo-se o conteúdo em um mar de termos<br />

rebuscados e de frases de efeito. Isso, em algumas obras realmente parece ser verdade,<br />

todavia em outras o que falta, às vezes, é um olhar mais próximo do gênero no qual se<br />

encaixam tais produções, como torna-se o caso do romance Esfinge (1908) estudado por<br />

Roberto de Sousa Causo (2003), que aponta o seguinte em relação à obra:<br />

Nesse sentido, o romance do prolífico Coelho Neto (1864-1934),<br />

Esfinge (1908), incorre na maioria desses ‘pecados’, mas consegue<br />

sobreviver como leitura e como exercício de horror nacional. Talvez<br />

porque o estilo rebuscado, beletrista ao extremo, característico do<br />

autor, nubla apenas parcialmente uma estrutura romanesca muito<br />

precisa e competente. Cada cenário é montado com cuidado, o grau de<br />

sobrenatural de cada evento fantástico é calculado para amparar o<br />

suspense, e os diálogos contribuem para a caracterização dos<br />

personagens, dando a cada um voz própria. (pp. 112 – 113)<br />

Ao também trabalhar com o duplo nesse romance, Coelho Neto consegue levar<br />

o tema à profundidade. Na obra, aparece a figura andrógina de James Marian,<br />

personagem possuidor de um físico atlético masculino, mas com rosto de uma bela<br />

mulher. O nome da personagem já traz ligado a ele o aspecto da duplicidade que atinge<br />

conotações sexuais – o primeiro nome masculino e o segundo feminino.<br />

Fruto de uma experiência excêntrica produzida por um místico oriental de<br />

nome Arhat, James Marian foi criado a partir da junção de uma cabeça feminina cosida<br />

a um corpo masculino, sendo que cada uma dessas partes foi recuperada de um acidente,<br />

no qual uma menina teve seu corpo estraçalhado e um menino foi decapitado.<br />

Qualquer semelhança com o Frankenstein de Mary Shelley não é mera<br />

coincidência, certamente a obra da escritora está na base do pensamento de Coelho<br />

Neto. Há de se observar, também, que em Frankenstein é possível assinalar a presença<br />

do duplo, no jogo de interesses entre criatura e criador, no antagonismo entre o monstro<br />

e o cientista – algo tão consciente ou inconscientemente percebido pelo público receptor<br />

da obra que, com o decorrer dos anos, passou-se a se confundir a criatura (sem nome)<br />

com o próprio criador – Victor Frankenstein – associando-se o nome deste àquela.<br />

O drama de James Marian, porém, difere daquele vivido pela criatura de<br />

Frankenstein, por conduzir a um problema bem mais emblemático: a indefinição da<br />

própria sexualidade. Na pensão onde mora, ele se apresenta como homem, contudo<br />

todos notam sua face extremamente delicada e bela de mulher. Feminina era a<br />

identidade com a qual a criatura híbrida havia se identificado ao longo de sua existência<br />

ao lado de Arhat; agora, no Rio de Janeiro, ele procura identificar-se como homem.<br />

Quando Arhat revela a James Marian como este fora criado a partir de pedaços<br />

de dois corpos, também desfere uma sentença que confirma o drama da duplicidade<br />

sexual que a personagem enfrentará:<br />

Se em ti predominar o feminino que transluz na beleza do teu rosto, o<br />

rosto de tua irmã, serás um monstro; se vencer o espírito do homem,<br />

como faz acreditar o vigor dos teus músculos, serás como um imã de<br />

lascívia; mas infeliz serás como ainda não houve outro no mundo se as<br />

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