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Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa

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Sexta-feira<br />

10 Julho 2009<br />

www.ipsilon.pt<br />

ROBIN VAN LONKHUIJSEN/REUTERS/UNITED PHOTOS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7038 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />

João Coração Stan Matthias Langhoff Marie Chouinard Miguel Vale <strong>de</strong> Almeida


Flash<br />

Sumário<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> 4<br />

mostra tudo em “Bruno”<br />

João Coração 12<br />

Caminha para a pop<br />

Brandford Marsalis 17<br />

Incansável explorador<br />

Tg STAN 20<br />

O mundo está a pedir uma<br />

comédia<br />

Marie Chouinard 24<br />

Don’t look back in anger<br />

Miguel Vale <strong>de</strong> Almeida 28<br />

Eis a voz mais consistente do<br />

activismo “gay” português<br />

Ficha Técnica<br />

Director José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />

Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />

(adjunta)<br />

Conselho editorial Isabel<br />

Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />

Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />

Design Mark Porter, Simon<br />

Esterson, Kuchar Swara<br />

Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />

Designers Ana Carvalho, Carla<br />

Noronha, Mariana Soares<br />

Editor <strong>de</strong> fotografia Miguel<br />

Ma<strong>de</strong>ira<br />

E-mail: ipsilon@publico.pt<br />

Barack<br />

Obama quer uma<br />

Casa menos Branca<br />

Por fora, a Casa Branca vai<br />

continuar tão branca como no dia<br />

da inauguração, há 209 anos, mas é<br />

só por fora: Barack Obama está a<br />

revolucionar a colecção <strong>de</strong> arte<br />

contemporânea da presidência com<br />

uma política <strong>de</strong> aquisições que<br />

preten<strong>de</strong> corrigir o défice <strong>de</strong><br />

representação das minorias (e das<br />

mulheres) nos fundos da residência<br />

oficial.<br />

Des<strong>de</strong> que fez as contas (apenas<br />

cinco negros representados numa<br />

colecção que já vai em 400 obras),<br />

conta o “The In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt”, a<br />

presidência tem-se <strong>de</strong>sdobrado em<br />

abordagens discretas a negociantes<br />

<strong>de</strong> arte e coleccionadores com<br />

ligações a artistas afro-americanos,<br />

hispânicos e asiáticos. A campanha<br />

está a ser directamente coor<strong>de</strong>nada<br />

pelo gabinete da Primeira Dama,<br />

que já pediu emprestadas ao<br />

Hirshhorn Museum and Sculpture<br />

Gar<strong>de</strong>n pinturas <strong>de</strong> artistas como<br />

Não está vivo, como Elvis: po<strong>de</strong> é ter sido<br />

assassinado, segundo uma nova teoria<br />

da conspiração<br />

Glenn Ligon (“Black like Me #2”),<br />

cuja obra reflecte a trajectória <strong>de</strong><br />

um afro-americano gay vindo do<br />

Bronx, e <strong>de</strong> Alma Thomas (“Watusi<br />

(Hard Edge)” e “Sky Light”), a<br />

primeira americana <strong>de</strong> raça negra a<br />

ter uma exposição individual no<br />

Whitney Museum of American Art,<br />

em 1971.<br />

A nova política <strong>de</strong> aquisições – e <strong>de</strong><br />

empréstimos a longo prazo - da<br />

Casa Branca está a ser bem recebida<br />

pelo meio, que vê a <strong>de</strong>cisão como<br />

um gesto profundamente<br />

sintomático do programa <strong>de</strong> Barack<br />

Obama. Kinshasha Holman Conwill,<br />

directora do National Museum of<br />

African American History and<br />

Culture do Smithsonian, disse ao<br />

“In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt” que a América está<br />

“em pulgas”: “Um gesto <strong>de</strong>stes<br />

vindo <strong>de</strong> um lugar tão influente teve<br />

compreensivelmente um efeito<br />

catalisador, provocando o <strong>de</strong>bate e<br />

fazendo subir as expectativas. E isso<br />

é muito bom”. Kerry Brougher, o<br />

curador do Hirshhorn que<br />

trabalhou com a Casa Branca para<br />

formalizar os empréstimos,<br />

confessou-se “impressionado” com<br />

a lista <strong>de</strong> escolhas entregue pelos<br />

Obama: “Não acredito que alguma<br />

vez tenha havido outra<br />

Administração tão interessada na<br />

arte contemporânea”.<br />

Noel Gallagher quer<br />

outra banda<br />

Noel Gallagher não pára, mas os<br />

seus Oasis po<strong>de</strong>rão parar durante<br />

Espaço<br />

Público<br />

muito tempo. Há alguns meses, o<br />

irmão guitarrista afirmou que um<br />

novo álbum, sucessor <strong>de</strong> “Dig Out<br />

Your Soul”, po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>morar cinco<br />

anos a ser gravado. Agora, em<br />

entrevista ao diário italiano<br />

“Corriere Della Sera”, citada<br />

pelo britânico “Guardian”,<br />

foi mais longe. “Preciso <strong>de</strong><br />

algo diferente, talvez outra<br />

banda”, afirmou,<br />

acrescentando que<br />

apreciaria limitar-se a<br />

tocar guitarra, sem ter<br />

que se preocupar em<br />

“cantar ou compor<br />

canções”.<br />

Não se infira daqui que<br />

o fim dos Oasis está<br />

próximo. Gallagher<br />

é peremptório: “Os<br />

Oasis não se vão<br />

separar. Acontece<br />

que neste<br />

momento não<br />

consigo ver que<br />

mais po<strong>de</strong>mos<br />

fazer. Maiores<br />

digressões? Mais<br />

dinheiro? Preciso<br />

<strong>de</strong> algo diferente<br />

para manter o<br />

interesse”.<br />

A relação <strong>de</strong><br />

Gallagher com<br />

a música dos<br />

Oasis está,<br />

portanto, a<br />

mudar. A sua<br />

relação com o<br />

mundo, essa,<br />

mantém-se a<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

“Black like Me #2”, <strong>de</strong> Glenn Ligon, uma das primeiras escolhas da família Obama<br />

Noel Gallagher:<br />

os Oasis já não<br />

lhe chegam<br />

Michael Jackson morreu há<br />

duas semanas e já há quem<br />

garanta que o Rei da Pop<br />

encenou a sua morte e que<br />

andará pela Terra anónimo,<br />

afastado da pressão<br />

mediática e livre das<br />

monstruosas dívidas que<br />

acumulou. Nada <strong>de</strong><br />

surpreen<strong>de</strong>nte. Afinal, para<br />

muitos, Elvis continua vivo<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que morreu em 1977.<br />

Já quanto a Jimi Hendrix, as<br />

dúvidas relativas às<br />

circunstâncias da sua morte,<br />

tendo existido, nunca<br />

atingiram dimensão <strong>de</strong> mito<br />

urbano. “Rock Roadie”,<br />

livro <strong>de</strong> memórias <strong>de</strong> James<br />

“Tappy” Wright, antigo<br />

“road manager” <strong>de</strong> Hendrix,<br />

po<strong>de</strong> alterar tudo isso: Jimi<br />

foi assassinado, diz.<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

<strong>de</strong> sempre e, como é hábito, Noel<br />

aproveitou a entrevista para lançar<br />

algumas farpas. O alvo? Os Coldplay<br />

e, mais especificamente, Chris<br />

Martin: “Olho para o Chris Martin,<br />

que diz que nunca tomou<br />

drogas na vida, e acho que<br />

ele é um idiota. Tomar<br />

drogas é aquilo que <strong>de</strong><br />

mais bonito po<strong>de</strong>s fazer<br />

numa banda rock”.<br />

Farpa lançada, Noel fez<br />

contas <strong>de</strong> cabeça: até 1998,<br />

terá gasto um milhão <strong>de</strong><br />

libras [1,16 milhões <strong>de</strong> euros]<br />

em drogas. Depois, <strong>de</strong>ixou-as.<br />

“Parei porque são<br />

prejudiciais para a tua<br />

saú<strong>de</strong>, cérebro, vida e<br />

para as pessoas à tua<br />

volta”.<br />

Tudo somado, eisnos<br />

perante um<br />

aforismo da filosofia<br />

Noeliana: Chris<br />

Martin po<strong>de</strong> ter uma<br />

boa vida, mas vive<br />

<strong>de</strong>certo um mau<br />

rock’n’roll.<br />

A praia do Sr.<br />

Hulot já não<br />

vem no mapa<br />

Os habitantes da pequena<br />

estância balnear <strong>de</strong> Saint-<br />

Marc-sur-Mer - on<strong>de</strong> Jacques<br />

Tati pôs o seu Sr. Hulot a<br />

passar férias num filme <strong>de</strong><br />

1953 - estão em protesto<br />

E se Jimi Hendrix t<br />

A premissa é simples, mas<br />

digna <strong>de</strong> guião <strong>de</strong> filme <strong>de</strong><br />

Máfia. O britânico “The<br />

Times”, o primeiro jornal a<br />

entrevistar Wright acerca <strong>de</strong><br />

revelação, divulgada há<br />

cerca <strong>de</strong> um mês, apresentaa<br />

pormenorizadamente. Dia<br />

18 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1970, o<br />

guitarrista <strong>de</strong> “Purple Haze”<br />

não terá sufocado no seu<br />

próprio vómito, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

uma noite regada a álcool e<br />

da ingestão <strong>de</strong> vários<br />

comprimidos. Wright alega<br />

que um grupo invadiu o<br />

quarto <strong>de</strong> hotel on<strong>de</strong> Jimi<br />

estava hospedado, forçandoo<br />

a ingerir o vinho e os<br />

comprimidos que o<br />

vitimaram. O “road<br />

manager” sabe-o porque<br />

isso mesmo lhe terá<br />

2 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


O Hôtel <strong>de</strong> la Plage, on<strong>de</strong> o Sr. Hulot passou férias em 1953<br />

contra uma <strong>de</strong>cisão das autorida<strong>de</strong>s<br />

locais que preten<strong>de</strong> tirar do mapa<br />

(literalmente) o nome da localida<strong>de</strong>.<br />

As novas placas instaladas na cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> St. Nazaire, <strong>de</strong> que Saint-Marcsur-Mer<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

administrativamente, omitem<br />

quaisquer referências à estância -<br />

on<strong>de</strong> uma estátua do Sr. Hulot, em<br />

tamanho real, continua a vigiar os<br />

banhistas. Algumas das antigas<br />

placas foram roubadas antes da<br />

<strong>de</strong>molição; muitas das novas foram<br />

vandalizadas. Dominique Guiet,<br />

cuja mãe assistiu às filmagens <strong>de</strong><br />

“As Férias do Sr. Hulot” durante o<br />

Verão <strong>de</strong> 1951, explicou ao<br />

“Guardian” que “Saint-Marc-sur-<br />

Mer tem a sua própria história e os<br />

seus próprios hábitos”,<br />

absolutamente distintos dos da<br />

região circundante.<br />

O “timing” da medida enfureceu<br />

particularmente os habitantes da<br />

al<strong>de</strong>ia: 2009 está a ser um ano Tati<br />

em França, com uma<br />

retrospectiva e uma exposição<br />

na Cinemateca e o<br />

lançamento <strong>de</strong> cópias<br />

restauradas <strong>de</strong> alguns dos<br />

seus filmes.<br />

Vikram Seth<br />

mais um bom<br />

partido<br />

O indiano Vikram Seth<br />

está a escrever uma<br />

sequela para o seu<br />

romance mais<br />

Vikram Seth:<br />

salto quântico<br />

para a Índia<br />

contemporânea<br />

celebrado, o monumental “Um<br />

Bom Partido”, que em Portugal foi<br />

publicado pela Editorial Presença.<br />

Já há “plot” - Lata, a heroína <strong>de</strong><br />

“Um Bom Partido”, é agora uma<br />

avô em busca da noiva i<strong>de</strong>al para o<br />

neto. A Penguin, que terá o livro cá<br />

fora em 2013 (se tudo correr bem:<br />

“Um Bom Partido” <strong>de</strong>morou <strong>de</strong>z<br />

anos a ser escrito), anunciou que<br />

Seth vai trazer a narrativa para o<br />

presente, “acompanhando assim<br />

algumas das enormes mudanças<br />

sociais e económicas que a Índia<br />

atravessou nos últimos 60 anos”.<br />

Em entrevista à Reuters, Seth<br />

explicou que não lhe interessava<br />

voltar a fazer um romance<br />

histórico e que este salto quântico<br />

lhe permitirá reflectir sobre a Índia<br />

do pós-in<strong>de</strong>pendência.<br />

Wen<strong>de</strong>rs <strong>de</strong>ixa cair<br />

projecto Pina Bausch<br />

Quando Pina Bausch morreu<br />

inesperadamente, há pouco mais<br />

<strong>de</strong> uma semana, Wim Wen<strong>de</strong>rs<br />

estava a trabalhar num filme <strong>de</strong><br />

animação 3D sobre a coreógrafa. Já<br />

não está: o realizador <strong>de</strong>cidiu não<br />

dar continuida<strong>de</strong> ao projecto, pelo<br />

menos para já. O trabalho <strong>de</strong> préprodução<br />

foi interrompido e<br />

“Pina” está em “standby”.<br />

Depois do luto,<br />

a produtora <strong>de</strong><br />

Wen<strong>de</strong>rs, Neue<br />

Road Movies,<br />

e a<br />

companhia<br />

<strong>de</strong> Pina<br />

Bausch, o Tanztheater<br />

Wuppertal, retomarão o contacto<br />

para <strong>de</strong>cidir se é oportuno<br />

terminar o filme. Quando foi<br />

apresentado, em Maio, Wen<strong>de</strong>rs<br />

<strong>de</strong>clarou que a animação era a<br />

única técnica à altura da<br />

fisicalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pina Bausch: “O<br />

cinema bidimensional não é capaz<br />

<strong>de</strong> captar o trabalho <strong>de</strong>la, tanto<br />

emocional como esteticamente”.<br />

“Pina”, o filme, está em “stand-by”<br />

tiver sido assassinado?<br />

confessado em 1973 Mike<br />

Jeffery, presumível autor<br />

moral do crime, “manager”<br />

<strong>de</strong> Hendrix e personagem<br />

<strong>de</strong> percurso nebuloso:<br />

serviu os serviços secretos<br />

britânicos no canal do Suez,<br />

dava-se com a máfia<br />

americana e tinha<br />

conhecimentos na CIA e no<br />

FBI. Jeffery já não po<strong>de</strong>rá<br />

confirmar a história -<br />

morreu num aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

avião, um mês <strong>de</strong>pois da<br />

alegada confissão.<br />

O motivo para o assassinato,<br />

investiga o “Times”, seriam<br />

as dívidas monstruosas que<br />

Jeffery vinha acumulando.<br />

Dividas que se veria<br />

impossibilitado <strong>de</strong> saldar se<br />

Hendrix, <strong>de</strong>scontente com<br />

as <strong>de</strong>cisões do “manager”<br />

(em 1967 meteu-o numa<br />

digressão <strong>de</strong>sastrosa com os<br />

Monkees; em 1968, tentou<br />

impedi-lo <strong>de</strong> lançar o álbum<br />

duplo “Electric Ladyland”;<br />

em 1969 pretendia obrigá-lo<br />

a contratar músicos brancos<br />

para a sua banda), levasse<br />

em frente a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> o<br />

<strong>de</strong>spedir. Um seguro <strong>de</strong> vida<br />

<strong>de</strong> Jimi Hendrix, no valor <strong>de</strong><br />

dois milhões <strong>de</strong> dólares e<br />

revertendo em nome <strong>de</strong><br />

Mike Jeffery, que este<br />

celebrara algum tempo<br />

antes, como era norma no<br />

meio, po<strong>de</strong>ria ser a sua<br />

salvação. Como escreve o<br />

“Times”, Jimi vivo não<br />

valeria nada ao seu quase<br />

ex-manager. Morto, é fazer<br />

as contas.<br />

James Wright conta que, à<br />

altura, o medo que Jeffery<br />

lhe incutia o impediu <strong>de</strong><br />

revelar a confissão.<br />

Acrescenta que se manteve<br />

calado após a sua morte por<br />

receio <strong>de</strong> ser directamente<br />

implicado no caso.<br />

Entre os entrevistados no<br />

artigo do “Times”, figuras<br />

próximas do guitarrista, as<br />

reacções divi<strong>de</strong>m-se. Alguns<br />

reconhecem que po<strong>de</strong><br />

existir um fundo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />

nas alegações <strong>de</strong> Wright.<br />

Outros, mesmo recordando<br />

o fundo sinistro <strong>de</strong> Jeffery,<br />

negam peremptoriamente<br />

que possa ter or<strong>de</strong>nado o<br />

crime. Joe Boyd, o histórico<br />

produtor que, em 1973,<br />

realizou o primeiro<br />

documentário <strong>de</strong>dicado a<br />

Jimi Hendrix, é um <strong>de</strong>les.<br />

Isto até lhe serem revelados<br />

os relatórios médicos e as<br />

memórias do polícia e dos<br />

enfermeiros que acorreram<br />

ao quarto <strong>de</strong> hotel londrino<br />

naquele 17 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong><br />

1970 – a história é contada<br />

em “The Final Days of Jimi<br />

Hendrix”, <strong>de</strong> Tony Brown,<br />

publicado em 1997.<br />

Segundo eles, a porta do<br />

quarto estaria escancarada,<br />

sugerindo uma saída<br />

apressada, e Hendrix<br />

completamente vestido, o<br />

que contraria a tese oficial,<br />

segundo a qual teria<br />

ingerido uma quantida<strong>de</strong><br />

exagerada <strong>de</strong> comprimidos<br />

para conseguir dormir<br />

durante várias horas. Mais:<br />

o autor da autópsia<br />

<strong>de</strong>scobriu-lhe uma gran<strong>de</strong><br />

quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool nos<br />

pulmões, mas pouco tinha<br />

sido, à altura da morte,<br />

absorvida pela corrente<br />

sanguínea – o que vai ao<br />

encontro da tese <strong>de</strong><br />

assassinato.<br />

O agora sexagenário James<br />

Wright não <strong>de</strong>dica gran<strong>de</strong><br />

espaço a toda esta história<br />

no seu novo livro, centrado<br />

na sagrada trinda<strong>de</strong> “sexo,<br />

drogas & rock’n’roll”. Dela,<br />

mais sexo, menos droga,<br />

sabemos praticamente tudo.<br />

Já uma teoria da<br />

conspiração, para mais bem<br />

montada, com pormenores<br />

aparentemente credíveis, é<br />

sempre um festim para os<br />

cultores da mitologia pop. Já<br />

fazia falta uma assim para<br />

Hendrix. Ei-la. Mário Lopes<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 3


ROBIN VAN LONKHUIJSEN/REUTERS/UNITED PHOTOS<br />

4 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


O humor<br />

tira<br />

as calças<br />

Hoje é preciso escândalo para chamar<br />

a atenção. <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />

consegue-o com “Brüno”, filme sobre<br />

o jornalista <strong>de</strong> moda, austríaco,<br />

homossexual. Mostra tudo. E <strong>de</strong>ixa o<br />

espectador nu. Que limites, hoje, para<br />

o humor? Joana Amaral Cardoso<br />

Nu<strong>de</strong>z frontal masculina (e dançante).<br />

Dildos, muitos. Sexo com pigmeus.<br />

Mães e pais que admitem expor os<br />

filhos bebés a ácido ou emagrecê-los<br />

rapidamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que entrem numa<br />

sessão fotográfica. Um pastor evangélico<br />

com o dom <strong>de</strong> curar a homossexualida<strong>de</strong>.<br />

Adopção <strong>de</strong> uma criança<br />

negra – chamada O.J. para fazer<br />

justiça à herança afro-americana – por<br />

um jornalista <strong>de</strong> moda que quer ser<br />

célebre à força, usa maquilhagem,<br />

pinta o cabelo, é gay.<br />

O que o choca mais nesta lista? Nada?<br />

Tudo? Perante <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />

e “Brüno” o espectador não po<strong>de</strong><br />

ficar passivo: <strong>de</strong>sconforto, riso,<br />

confronto. Tudo, da nu<strong>de</strong>z masculina<br />

aos pais se<strong>de</strong>ntos por uma gota <strong>de</strong><br />

fama por interposto bebé, está em<br />

“Brüno”. E está lá para si.<br />

“São temas incontornáveis porque<br />

são os mais importantes, que trazem<br />

divisão, polémica”, diz o humorista<br />

Nuno Duarte, aliás Jel, ao Ípsilon. Sexo,<br />

raça, género. Um “buffet” que faz<br />

dos temas ditos sensíveis aquilo a que<br />

Jel, o Homem da Luta que provoca os<br />

homens com o seu machista gay, chama<br />

<strong>de</strong> “hiper-realismo”.<br />

Os métodos são os que tornaram<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> ou, melhor dizendo,<br />

Borat, numa celebrida<strong>de</strong>. “Brüno”<br />

é mais uma viagem <strong>de</strong> um jovem em<br />

busca da fama na terra das oportunida<strong>de</strong>s.<br />

E, pelo caminho, e com a fiabilida<strong>de</strong><br />

que o género “mockumentary”<br />

permite, coloca um espelho em<br />

frente à cultura oci<strong>de</strong>ntal. Surpreen<strong>de</strong><br />

gente mais ou menos conhecida com<br />

as suas perguntas, com a sua sexualida<strong>de</strong>,<br />

com a sua estupi<strong>de</strong>z. E <strong>de</strong>sarmaos<br />

e <strong>de</strong>sarma-nos. Forçando-nos a<br />

pensar nos limites do humor, do bom<br />

gosto. Pelo caminho, o “walk of fame”<br />

<strong>de</strong> Brüno torna-se “walk of shame”.<br />

“Brüno” é, verda<strong>de</strong>, “Borat” com<br />

melhor guarda-roupa. E Brüno é Borat,<br />

que é Ali G, que é <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong>.... No trabalho do humorista<br />

“Não existem limites<br />

no humor. O limite é<br />

se tem piada ou não.”<br />

Rui Sinel <strong>de</strong> Cor<strong>de</strong>s,<br />

humorista<br />

britânico, uma máscara mediática escon<strong>de</strong><br />

sempre outra. Descodifique-se,<br />

para se avançar: ele encara as personagens,<br />

exageros dos exagerados, “diseurs”<br />

do indizível, como ferramentas.<br />

Sobre Borat, disse, em rara entrevista<br />

à “Rolling Stone” (2006): “Pelo<br />

facto <strong>de</strong> ele ser anti-semita, ele permite<br />

às pessoas baixarem as <strong>de</strong>fesas e<br />

exporem o seu próprio preconceito,<br />

seja o anti-semitismo ou a aceitação<br />

do anti-semitismo”.<br />

Capa<br />

PAWEL KOPCZYNSKI/REUTERS<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 5


TOBY MELVILLE/REUTERS<br />

O palhaço da turma<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> adora estereótipos<br />

e sabe quais são os pontos<br />

sensíveis em que espeta o<br />

<strong>de</strong>do. Isso faz <strong>de</strong>le um comentador,<br />

corrobora Robert Thompson,<br />

director do Centro Bleier para<br />

a Cultura Popular e Televisão. “Ele é<br />

alguém cujas opiniões ouvimos”. E,<br />

mais <strong>de</strong>pressa do que conseguirá dizer<br />

“Borat: Apren<strong>de</strong>r Cultura da América<br />

Para Fazer Benefício Glorioso à Nação<br />

do Cazaquistão”, já está a girar a mira<br />

para outro alvo. Agora é a moda mas,<br />

mais do que tudo, a homofobia. Não<br />

é a homossexualida<strong>de</strong>.<br />

<strong>Cohen</strong> “incorpora as características<br />

que quer parodiar e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia” assim<br />

as reacções mais cruas, compara<br />

Filipe Homem Fonseca, um dos autores<br />

<strong>de</strong> “Contra-Informação”, meta<strong>de</strong><br />

dos Cebola Mol, argumentista total.<br />

“É o agente provocador perfeito. É o<br />

humor <strong>de</strong> observação levado ao extremo.<br />

E isso é brilhante”.<br />

Depois <strong>de</strong> Borat Sagdiyev reflectir<br />

os preconceitos em relação aos estrangeiros<br />

(a “Vanity Fair” escrevia, num<br />

perfil <strong>de</strong> 2006, que <strong>Cohen</strong> vestiu Borat<br />

<strong>de</strong> fato cinzento, mal amanhado, porque<br />

“sabe que a maior parte dos americanos<br />

esperam que um estrangeiro<br />

cheire mal”) e aos ju<strong>de</strong>us,<br />

Brüno vem embalado como<br />

uma efígie do que o cidadão<br />

médio acha que é um homossexual-tipo.<br />

Sempre vestido <strong>de</strong> forma extra-chocante<br />

e hiper-sexual (porque<br />

também se esperará, arrisquemos,<br />

que um homossexual seja provocador<br />

e exibicionista), viaja pelos EUA com<br />

o objectivo <strong>de</strong> se tornar célebre. E<br />

isso cruza-se com a sua capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> capturar o “zeitgeist” e <strong>de</strong> o regurgitar<br />

– a comédia <strong>de</strong> <strong>Cohen</strong> é tão visceral<br />

quanto isso. Usa, tal como Jel<br />

na sua comédia “Vai Tudo Abaixo”<br />

(SIC Radical) – Jel sente-se honrado<br />

com este paralelismo –, uma “estética<br />

<strong>de</strong> apanhados mas com personagens<br />

bem <strong>de</strong>finidas. E nesses<br />

apanhados, há o injectar <strong>de</strong> um<br />

certo surrealismo, <strong>de</strong> uma<br />

certa provocação na<br />

realida<strong>de</strong>. Isto é<br />

muito mo<strong>de</strong>rno,<br />

é uma reacção<br />

aos tempos. É<br />

contemporâneo,<br />

é agora”.<br />

Agora? “É a socieda<strong>de</strong><br />

do espectáculo,<br />

em que tudo<br />

é espectacularizado:<br />

a guerra, a política, o<br />

<strong>de</strong>sporto. E a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> intervir nisso, surrealizando,<br />

é muito tentadora”.<br />

Algures, ao longe, ao ver “Borat”<br />

e agora “Brüno”, ouvimos o ruído<br />

da cultura oci<strong>de</strong>ntal a partir-se<br />

em bocadinhos. Pelo choque, pelo<br />

<strong>de</strong>sconforto, mas também porque<br />

a mescla <strong>de</strong> situações reais<br />

e a ficção débil (serve apenas o<br />

“Uma das razões<br />

pelas quais vemos<br />

mais <strong>de</strong>sta comédia<br />

hoje é porque<br />

o ambiente cultural é<br />

mais tolerante: canais<br />

<strong>de</strong> cabo on<strong>de</strong> estas<br />

coisas po<strong>de</strong>m passar,<br />

uma indústria com<br />

um sistema <strong>de</strong><br />

classificações que<br />

as permitem”<br />

Robert Thompson,<br />

director do Centro<br />

Bleier para a Cultura<br />

Popular e Televisão<br />

propósito <strong>de</strong> coser um gag ao seguinte)<br />

se a<strong>de</strong>qua ao mundo da web, da<br />

tele-realida<strong>de</strong>, das celebrida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

pacote, dos “household names” instantâneos.<br />

E é suja, chocante, “in your<br />

face”.<br />

Robert Thompson, o académico<br />

mais citado dos EUA pelo interesse<br />

que <strong>de</strong>sperta hoje essa ampla secção<br />

da cultura a que se chama pop, vê <strong>Sacha</strong><br />

como o “palhaço da turma”, cuja<br />

última partida foi tão forte que todos<br />

esperam a seguinte com expectativa.<br />

E, ainda por cima, “estamos numa<br />

gran<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aulas em que há celebrida<strong>de</strong>s<br />

em tantas e múltiplas dimensões<br />

que é preciso baixar as calças e<br />

dizer asneiras<br />

na sala para chamar<br />

a atenção. E<br />

que po<strong>de</strong> ser humor<br />

politicamente esclarecedor,<br />

mas que também po<strong>de</strong><br />

ser nojento só para ser nojento”.<br />

Humor sem limites<br />

Três anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Borat”, o novo<br />

registo <strong>de</strong> <strong>Cohen</strong> está carregado <strong>de</strong><br />

mais e mais intencionalida<strong>de</strong>. A nu<strong>de</strong>z<br />

masculina, o homem-com-homem,<br />

Jesus vs. Gays, estão para <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong> como W. Bush e Charlton Heston<br />

estavam para Michael Moore. O<br />

valor-choque <strong>de</strong> <strong>Cohen</strong>, ora crucificado,<br />

ora elogiado como pioneiro – à<br />

saída <strong>de</strong> “Borat”, George Meyer, argumentista<br />

<strong>de</strong> “Os Simpsons”, dizia:<br />

“Sinto-me como alguém a quem <strong>de</strong>ram<br />

a ouvir o ‘Sgt. Pepper’s Lonely<br />

Heart Club Band’ pela primeira vez”<br />

–, é certeiro. Não só sabe escolher os<br />

temas, como é capaz <strong>de</strong> os atacar “directamente<br />

na jugular”. “E isso é que<br />

o torna relevante”, diz Thompson ao<br />

telefone com o Ípsilon a partir da Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Syracuse.<br />

Rui Sinel <strong>de</strong> Cor<strong>de</strong>s sabe bem do<br />

que se está a falar. Tal como Jel, já foi<br />

agredido na rua, já recebeu ameaças<br />

<strong>de</strong> morte por causa <strong>de</strong> “Preto no Branco”,<br />

o seu programa <strong>de</strong> humor na SIC<br />

Radical. Fátima, estrangeiros, góticos,<br />

mulheres vítimas <strong>de</strong> violência doméstica,<br />

cancro, ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> rodas, vale<br />

tudo. “Não existem limites no humor.<br />

O limite é se tem piada ou não.” Filipe<br />

Homem Fonseca, Jel e os três autores<br />

<strong>de</strong> “Bruno Aleixo” (SIC Radical) concordam.<br />

Pedro Santo, João Moreira e<br />

João Pombeiro classificam o trabalho<br />

<strong>de</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> como “um Apanhado<br />

evoluído, 2000, 2.0, redux”. E como<br />

não costumam navegar as áreas dos<br />

temas sensíveis, apenas acham que “a<br />

riqueza do humor não tem muito a


<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>,<br />

a anti-celebrida<strong>de</strong><br />

Não gosta <strong>de</strong> se mostrar fora das personagens para não<br />

distrair as atenções e porque é pessoa pouco atreita<br />

à exposição pública – afinal, o seu trabalho é apanhar<br />

figuras públicas <strong>de</strong>sarmadas.<br />

ver com pôr ou não o <strong>de</strong>do na ferida.<br />

Há bom e mau humor que põe<br />

o <strong>de</strong>do na ferida e o mesmo se aplica<br />

ao que não põe o <strong>de</strong>do na ferida. Pôr<br />

o <strong>de</strong>do é uma opção”.<br />

Já Rui Sinel <strong>de</strong> Cor<strong>de</strong>s é fervoroso<br />

a<strong>de</strong>pto do humor das partes on<strong>de</strong> o<br />

sol não brilha. “Faço humor negro<br />

porque gosto. E se gosto existem mais<br />

pessoas que gostam”. Ao pensar em<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>, lembra-se da comédia<br />

<strong>de</strong> Bill Hicks e George Carlin –<br />

que <strong>de</strong>safiaram limites humorísticos<br />

e culturais há duas, três décadas. “Nos<br />

EUA fazia falta um humorista que voltasse<br />

a <strong>de</strong>safiar o sistema. <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong> é capaz <strong>de</strong> ser o humorista que<br />

conseguiu, nos últimos 20 anos, seguir<br />

o trabalho <strong>de</strong>les”.<br />

São tempos bons para a comédia,<br />

assegura-nos Thompson. “Especialmente<br />

agora, neste ambiente em que<br />

há tantos programas, filmes e séries<br />

televisivas que apostam nesse género<br />

<strong>de</strong> temas não-acredito-que-eles-fizeram-isto.<br />

Na Comedy Central, o ‘South<br />

Park’ fá-lo todas as semanas e mesmo<br />

nos generalistas, temos o ‘Family<br />

Guy’ e afins. No breve período <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que ‘Borat’ se estreou, estranhamente,<br />

a noção <strong>de</strong> comédia escandalosa e<br />

excessiva tornou-se praticamente ortodoxa”.<br />

Como as comédias <strong>de</strong> Judd<br />

Apatow (“Virgem aos 40 anos”, “Um<br />

Azar do Caraças”) têm comprovado,<br />

professor Thompson? “Sim, são um<br />

exemplo <strong>de</strong> quão ‘mainstream’ isto se<br />

está a tornar.”<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> é, então, como<br />

um miúdo com fósforos num mundo<br />

regado a querosene, e on<strong>de</strong> há já fogueiras<br />

a bruxulear lá ao longe. A polémica,<br />

os tais temas fracturantes, são<br />

o seu ponto <strong>de</strong> partida. Depois, resta<br />

marcar a diferença. Nas semanas que<br />

antece<strong>de</strong>ram a estreia <strong>de</strong> “Brüno”, ele<br />

assombrava as redacções dos jornais<br />

e a Internet. Exímio manipulador,<br />

KEVIN WINTER/GETTY IMAGES/AFP<br />

Jel (à<br />

esquerda) e<br />

Rui Sinel <strong>de</strong><br />

Cor<strong>de</strong>s, dois<br />

humoristas<br />

portugueses<br />

que se revêem<br />

no humor<br />

“kamikaze”<br />

Exímio<br />

manipulador,<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong> tem<br />

estado em<br />

digressão<br />

promocional:<br />

aparições em<br />

figurinos<br />

surreais em<br />

todas as<br />

cida<strong>de</strong>s<br />

LUCY NICHOLSON/REUTERS<br />

Perfil<br />

É um ju<strong>de</strong>u que cumpre o<br />

regime kosher, que respeita o<br />

Sabat sempre que possível e<br />

que tem uma filha com a actriz<br />

Isla Fisher. São-lhe conhecidas<br />

escassas entrevistas e há<br />

poucas imagens <strong>de</strong> <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong> fora <strong>de</strong> uma personagem:<br />

para não distrair as atenções e<br />

porque é pessoa pouco atreita à<br />

exposição pública e ao conceito<br />

<strong>de</strong> celebrida<strong>de</strong>; afinal, o seu<br />

trabalho é apanhar figuras<br />

públicas <strong>de</strong>sarmadas, sejam<br />

elas um furioso Harrison<br />

Ford ou um complacente e,<br />

<strong>de</strong>pois, indignado Ron Paul,<br />

congressista republicano.<br />

O mais novo <strong>de</strong> três<br />

irmãos, nasceu em 1971 em<br />

Hammersmith, Londres. O pai<br />

tinha uma loja <strong>de</strong> roupa em<br />

Picadilly Circus e a mãe, nascida<br />

em Israel, era professora <strong>de</strong><br />

dança. Nos primeiros anos <strong>de</strong><br />

escola não se <strong>de</strong>stacou. Era,<br />

aliás, discreto. Os colegas não<br />

sabiam que adorava breakdance<br />

e rap. Numa entrevista<br />

à “Rolling Stone”, recorda que,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 12 anos, a mãe o levava<br />

(e à sua “crew”, os Black on<br />

White) até Covent Gar<strong>de</strong>n, on<strong>de</strong><br />

actuava com amigos – todos<br />

É fortemente<br />

influenciado pelos<br />

Monty Python e<br />

sobretudo pelo seu<br />

ídolo, Peter Sellers – o<br />

actor que se queixava<br />

<strong>de</strong> não ter<br />

personalida<strong>de</strong> fora<br />

das personagens<br />

ju<strong>de</strong>us, brancos e aculturados<br />

pelo hip-hop.<br />

Estudou em Cambridge e<br />

actuava no famoso Footlights ao<br />

mesmo tempo que se centrava<br />

na construção <strong>de</strong> personagens...<br />

na vida real. Para entrar em<br />

sítios sem pagar, por exemplo.<br />

Fortemente influenciado<br />

pelos Monty Python (um dos<br />

irmãos fê-lo entrar à socapa<br />

num cinema para ver “A<br />

Vida <strong>de</strong> Brian”) e sobretudo<br />

pelo seu ídolo, Peter Sellers<br />

– o actor que se queixava <strong>de</strong><br />

não ter personalida<strong>de</strong> fora<br />

das personagens –, <strong>Cohen</strong><br />

estabeleceu metas: tinha cinco<br />

anos para vingar na comédia e<br />

ganhar dinheiro ou <strong>de</strong>sistia.<br />

Teve uma série <strong>de</strong> pequenos<br />

trabalhos na TV (Windsor TV,<br />

London Weekend Television,<br />

Paramount Comedy Channel)<br />

e até foi mo<strong>de</strong>lo em catálogos.<br />

E <strong>de</strong> repente Ali G, cujas raízes<br />

estão no amor <strong>de</strong> adolescente<br />

pelo break-dance, nasceu. Um<br />

dia estava em filmagens e viu<br />

um grupo <strong>de</strong> skaters, com ar<br />

durão mas brancos como a cal, a<br />

comportarem-se como membros<br />

da anti-elite do gangsta rap. Isto<br />

juntou-se a uma personagem<br />

que construía a partir do DJ<br />

da Radio One da BBC, o filho<br />

<strong>de</strong> um bispo que falava como<br />

um “dread”. Mergulhou nessa<br />

composição e anos mais tar<strong>de</strong><br />

nasceria Ali G, o “rapper” branco<br />

inconveniente que tornou o fato<br />

<strong>de</strong> treino amarelo icónico muito<br />

antes <strong>de</strong> Tarantino e “Kill Bill”.<br />

Entretanto, sem dinheiro,<br />

<strong>Sacha</strong> foi convidado a integrar<br />

o programa <strong>de</strong> humor The 11<br />

O’Clock Show, do Channel 4,<br />

on<strong>de</strong> Ali G daria os primeiros<br />

passos até ganhar autonomia<br />

televisiva em 2000. A SIC<br />

Radical começou a exibir o<br />

programa e em 2002 saía o filme<br />

“Ali G Inda-House”. A série<br />

migraria para a americana HBO<br />

e, entretanto, Ali G tornavase<br />

o motorista <strong>de</strong> Madonna<br />

no vi<strong>de</strong>oclip <strong>de</strong> “Music”. No<br />

programa “Da Ali G Show” já<br />

apareciam as personagens<br />

Brüno, o correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

moda <strong>de</strong> um canal austríaco que<br />

enviava as suas histórias,<br />

e Borat Sagdiyev, que fazia<br />

reportagens e entrevistas<br />

– Borat “nasceu” a partir <strong>de</strong><br />

Alexi Krickler, jornalista<br />

moldavo que um dia se<br />

cruzou com <strong>Cohen</strong> e<br />

o divertiu com o seu<br />

inglês macarrónico e a<br />

admiração por tudo o<br />

que era anglo-saxónico.<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />

apareceu em “Calma,<br />

Larry” e no “Saturday<br />

Night Live”, fez “Talla<strong>de</strong>ga<br />

Nights: The Ballad of<br />

Ricky Bobby” (2006)<br />

com o amigo Will Ferrell,<br />

<strong>de</strong>pois juntou-se a Tim<br />

Burton e foi dramático em<br />

“Sweeney Todd”. Agora,<br />

está na rua com “Brüno”,<br />

mas já está garantido num<br />

filme, ainda sem título,<br />

sobre Sherlock Holmes.<br />

J.A.C.<br />

Borat<br />

“nasceu” a<br />

partir <strong>de</strong> Alexi<br />

Krickler,<br />

jornalista<br />

moldavo que<br />

um dia<br />

divertiu<br />

<strong>Cohen</strong> com o<br />

seu inglês<br />

macarrónico<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 7


O performer<br />

Andy<br />

Kaufman<br />

(1949-1984)<br />

é uma<br />

genealogia<br />

possível para<br />

o humor <strong>de</strong><br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong><br />

TIM WIMBORNE/REUTERS<br />

estava em todo o lado em digressão<br />

promocional. Aparições em figurinos<br />

surreais em todas as cida<strong>de</strong>s. Entrevistas<br />

<strong>de</strong>ntro da personagem (“Quero<br />

ser o austríaco mais famoso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Hitler”;<br />

“O filme que acabei <strong>de</strong> fazer é o<br />

mais importante documentário sobre<br />

um gay branco <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ‘A Paixão <strong>de</strong><br />

Cristo’”). Filipe Homem Fonseca elogia-lhe<br />

a consistência. “<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong> é o Dias Loureiro da comédia.<br />

Mantém a história até ao fim”. Como<br />

Andy Kaufman (1949-1984, performer<br />

americano – Jim Carrey interpretou-o<br />

em “Homem na Lua”), em relação ao<br />

qual nunca sabíamos on<strong>de</strong> acabava a<br />

personagem e começava o homem, é<br />

tudo parte do espectáculo.<br />

JUAN MEDINA/ REUTERS<br />

“É a socieda<strong>de</strong><br />

do espectáculo,<br />

em que tudo é<br />

espectacularizado:<br />

a guerra, a política,<br />

o <strong>de</strong>sporto.<br />

E a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

intervir nisso,<br />

surrealizando,<br />

é muito tentadora”<br />

Jel, humorista<br />

Espírito kamikaze<br />

E, como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, com<br />

ele vem a polémica. A Gay and Lesbian<br />

Alliance Against Defamation (GLAAD)<br />

viu duas versões inacabadas do filme,<br />

a convite da Universal. E Rashad Robinson,<br />

director dos programas <strong>de</strong><br />

média da GLAAD, foi à imprensa dizer<br />

que “as intenções <strong>de</strong> quem fez o filme<br />

estão no lugar certo – a sátira <strong>de</strong>ste<br />

género po<strong>de</strong> <strong>de</strong>smascarar a homofobia<br />

– mas ao mesmo tempo ele po<strong>de</strong><br />

aumentar o <strong>de</strong>sconforto das pessoas<br />

em relação à nossa comunida<strong>de</strong>”.<br />

Eis a palavra-chave: <strong>de</strong>sconforto.<br />

Tal como a Human Rights Campaign,<br />

a GLAAD acha que “Brüno” <strong>de</strong>via vir<br />

com um aviso prévio. Qualquer coisa<br />

como: “Este filme tem como objectivo<br />

expor a homofobia”. Mas Aaron Hicklin,<br />

editor da revista “Out”, vê mais<br />

além. “O filme faz algo enormemente<br />

importante, que é mostrar que as atitu<strong>de</strong>s<br />

das pessoas po<strong>de</strong>m mudar, num<br />

segundo, quando elas se apercebem<br />

que és gay. Os ‘habituées’ dos multiplexes<br />

normalmente não se sentariam<br />

para ver uma palestra <strong>de</strong> duas horas<br />

sobre homofobia, mas é exactamente<br />

isso que vai acontecer”, disse ao “New<br />

York Times”. E vai pôr <strong>Sacha</strong> na capa<br />

<strong>de</strong> Agosto, tal como a “GQ” fez este<br />

mês nos EUA.<br />

Uma das mais-valias do fenómeno<br />

<strong>Cohen</strong> é a tal lógica das bonecas russas:<br />

há vários níveis <strong>de</strong> entendimento<br />

<strong>de</strong> uma piada, <strong>de</strong> uma caricatura, e se<br />

há espectadores que vão vê-lo<br />

“ao engano, acabam<br />

também por<br />

ser alvo da paródia.<br />

Isso é a sofisticação<br />

maior”, comenta<br />

Filipe Homem<br />

Fonseca.<br />

Não esquecendo<br />

os danos colaterais – neste<br />

caso os entrevistados, os apanhados.<br />

“Às vezes tem <strong>de</strong> haver baixas entre<br />

civis”, ri-se Filipe Homem Fonseca.<br />

“Isso faz parte do dispositivo. Quando<br />

fazes uma piada, mesmo quando contas<br />

uma simples anedota, há sempre<br />

uma rasteira.”<br />

O risco não é só para os incautos<br />

apanhados (que po<strong>de</strong>m ser muito<br />

pouco inocentes – “Uma coisa é eu<br />

fazer uma imitação do José Sócrates,<br />

outra é apanhar o José Sócrates à minha<br />

frente com o meu megafone. Tem<br />

muito mais força, força política”, sublinha<br />

Jel). Também sobra risco para<br />

os protagonistas que têm boas hipóteses<br />

<strong>de</strong> apanhar. Melhor ainda, garante<br />

Jel no seu espírito kamikaze.<br />

“Dispara a nossa adrenalina, é sem<br />

re<strong>de</strong>. Criativamente, é muito inspirador.”<br />

<strong>Cohen</strong>, na tal entrevista à<br />

“Rolling Stone”, apenas resume que<br />

o carinho intensivo dos seus pais lhe<br />

dá hoje “a força para sair para junto<br />

<strong>de</strong> uma multidão <strong>de</strong> pessoas que te<br />

o<strong>de</strong>iam”. No fundo, o mundo é a sua<br />

ostra e os EUA a sua pérola <strong>de</strong> experiência<br />

sociológica. Ou serão um<br />

irrecuperável grão <strong>de</strong> areia? Ele testa<br />

os limites porque “o timing é tão volátil<br />

que é rico para a comédia e [ele]<br />

vai atrás <strong>de</strong> coisas que nos <strong>de</strong>ixam<br />

<strong>de</strong>sconfortáveis, que nos testam”,<br />

postula Thompson no seu púlpito <strong>de</strong><br />

peritagem pop.<br />

“Brüno” chega numa altura em que<br />

parece existir mais espaço para todos<br />

os tipos <strong>de</strong> comédia. Agora, diz-nos<br />

Thompson, nos EUA a última fronteira<br />

dos tabus é a palavra “preto”, mas<br />

continua a haver “regras diferentes<br />

para salas diferentes”. Se for a <strong>de</strong> Jay<br />

Leno, como era a <strong>de</strong> Herman José no<br />

infame episódio censório da Rainha<br />

Santa, é melhor não abusar. O “mainstream”<br />

é <strong>de</strong>masiado condicionado<br />

pelas regras e convenções genéricas.<br />

Nos nichos, no cabo, já é outra coisa.<br />

A chegada <strong>de</strong> mais um objecto <strong>Cohen</strong><br />

à comédia é como a chegada <strong>de</strong><br />

mais um filme <strong>de</strong> Michael Moore aos<br />

EUA – e cabe agora a “Brüno” provar<br />

se a partida seguinte do palhaço da<br />

turma vale a pena. Mas uma coisa ele<br />

conseguiu: é um dos ingredientes <strong>de</strong><br />

um caldo cultural mais tolerante e<br />

ajudou a confeccioná-lo porque a cada<br />

aparição mais ultrajante/hilariante<br />

(risque o que não interessa) se clarificam<br />

os novos limites. E <strong>de</strong>pois há o<br />

resto.<br />

“Uma das razões pelas quais vemos<br />

mais <strong>de</strong>sta comédia hoje é porque o<br />

ambiente cultural é muito mais tolerante.<br />

Temos canais <strong>de</strong> cabo on<strong>de</strong><br />

estas coisas po<strong>de</strong>m passar, uma indústria<br />

cinematográfica com um sistema<br />

<strong>de</strong> classificações que as permitem. Há<br />

um lugar para elas que não existia nos<br />

anos 1950”, diz Robert Thompson.<br />

“Outra coisa é um ambiente cultural<br />

tão fragmentado, com milhares <strong>de</strong><br />

músicas disponíveis no iTunes, um<br />

número infinito <strong>de</strong> coisas na Internet<br />

e 300 canais <strong>de</strong> cabo, muitos dos quais<br />

a produzir programação original. É<br />

preciso fazer uma coisa muito escandalosa<br />

para chamar a atenção”.<br />

Diríamos que “Brüno” o conseguiu.<br />

“Olhem<br />

para o<br />

Cristiano<br />

Ronaldo.<br />

A forma<br />

como ele se<br />

veste é<br />

totalmente<br />

Brüno”,<br />

disse ao<br />

“Guardian”<br />

o criador<br />

Julien<br />

MacDonald<br />

RUI GAUDÊNCIO<br />

Cristiano Ronaldo<br />

“é totalmente Brüno”<br />

Segundo o criador Julien MacDonald,<br />

Brüno é plausível, existente.<br />

A frase promocional diz tudo: “Borat é tão 2006”.<br />

Até parece que ouvimos o “tão” arrastado e<br />

afectado que um “fashionista” diria para comentar<br />

um fenómeno passado e ultrapassado. Brüno é<br />

o guardião das tendências, figura que conjuga<br />

estereótipos gay, sim, mas também “fashion”. Com<br />

toda a controvérsia e <strong>de</strong>bate a girar em torno da<br />

temática homossexual, o aspecto moda cai para<br />

segundo plano. Mas o mundo da moda também<br />

terá motivos para se contorcer na ca<strong>de</strong>ira, talvez<br />

mais do que quando viu “Zoolan<strong>de</strong>r”, “O Diabo<br />

Veste Prada” ou “Pronto-a-Vestir”, <strong>de</strong> Altman. O<br />

“Telegraph” pôs-se a comparar os comentários no<br />

Twitter feitos por Brüno e Karl Lagerfeld, o mestre<br />

da casa Chanel, e <strong>de</strong>safiou os leitores a encontrar<br />

as diferenças. O grau <strong>de</strong> comicida<strong>de</strong> equiparava-se.<br />

A questão é, para o jornalista Simon Mills (que até<br />

já <strong>de</strong>sfilou na passerelle), que “o mundo da moda é<br />

em gran<strong>de</strong> parte imune à paródia essencialmente<br />

porque faz um trabalho relativamente bom a<br />

parodiar-se, constantemente”. <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong> não falou muito sobre a construção da sua<br />

personagem, mas Brüno é o exagero do exagero,<br />

o que no fundo é uma certa parcela <strong>de</strong>sta cultura<br />

focada na estética e no “look”. Brüno resulta<br />

porque “é tão, tão plausível”, escreve Mills. A<br />

excentricida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brüno é apenas um espelho <strong>de</strong><br />

Feira Popular posto à frente da tribo “fashionista”.<br />

Já na rodagem do filme, <strong>Cohen</strong> foi <strong>de</strong>tido <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

ter andado pelos bastidores da Semana da Moda<br />

<strong>de</strong> Milão e <strong>de</strong> ter “caído” na passerelle durante um<br />

<strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> Agatha Ruiz <strong>de</strong> la Prada.<br />

O criador britânico Julien MacDonald comenta,<br />

divertido, que Brüno é, <strong>de</strong> facto, plausível,<br />

possível, existente. E toca, em <strong>de</strong>clarações ao<br />

“Guardian”, numa referência próxima ao planeta<br />

Portugal: Ronaldo. “Há <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> homens como<br />

Bruno em East London ou à porta da Topshop<br />

num sábado à tar<strong>de</strong>. Já vi homens a usar o ‘look’<br />

total tirolês que ele tem. E, honestamente, o novo<br />

corte <strong>de</strong> cabelo <strong>de</strong> Bruno é basicamente uma cópia<br />

directa do cabelo que os manequins masculinos<br />

tinham no último <strong>de</strong>sfile da Gucci. E não são só os<br />

gay. Olhem para o Cristiano Ronaldo. A forma como<br />

ele se veste é totalmente Brüno”. Ronaldo é muitas<br />

vezes citado como uma forte influência<br />

na moda masculina portuguesa.<br />

Especialmente pelo factor pólo<br />

cor-<strong>de</strong>-rosa: antes uma peça <strong>de</strong><br />

roupa conotada pela cor com um<br />

universo homossexual, agora<br />

está no tronco <strong>de</strong> milhares<br />

<strong>de</strong> “machos latinos”<br />

país fora. A<br />

diversida<strong>de</strong><br />

fica-lhes<br />

bem. J.A.C.<br />

GREG WOOD/AFP PHOTO<br />

8 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Consulte a agenda cultural Fnac em


Quatro minutos<br />

<strong>de</strong> fama<br />

É o retrato dos anos da Silver<br />

Factory. Os anos 60 <strong>de</strong> Warhol<br />

passam pelos “Screen Tests”.<br />

O último filme concerto do Curtas<br />

<strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>, amanhã, faz<br />

<strong>de</strong>les o motivo <strong>de</strong> uma viagem<br />

através <strong>de</strong> rostos em lenta<br />

combustão. A música é <strong>de</strong><br />

Dean & Brita. Óscar Faria<br />

Dean & Brita, autores da música<br />

<strong>de</strong>ste filme concerto<br />

“Screen Test”<br />

<strong>de</strong> Edie<br />

Sedgwick, um<br />

dos 13 que irão<br />

ser exibidos<br />

amanhã em<br />

Vila do Con<strong>de</strong>:<br />

instantes <strong>de</strong><br />

absoluta e<br />

lenta magia<br />

Cinema<br />

São 472 os “screen tests” produzidos<br />

por Andy Warhol, sobretudo entre<br />

1964 e 1968, na Silver Factory, Nova<br />

Iorque, a primeira das linhas <strong>de</strong> montagem<br />

habitada pelo artista americano<br />

e assim <strong>de</strong>signada <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>coração<br />

prateada concebida pelo fotógrafo<br />

Billy Name, que também ali<br />

instalou o famoso sofá vermelho, encontrado<br />

na rua – por isso alguns<br />

aproximam esses retratos filmados<br />

<strong>de</strong> uma sessão <strong>de</strong> psicanálise.<br />

Situado no quinto andar do nº 231<br />

na East 47th Street, em Midtown Manhattan,<br />

este “loft” foi o epicentro da<br />

cena artística nova-iorquina nos anos<br />

1960. Frequentado por artistas, viciados<br />

em anfetaminas e outras drogas,<br />

estrelas porno, drag queens, músicos,<br />

era o espaço <strong>de</strong> todos os encontros,<br />

do absoluto artifício e permissivida<strong>de</strong>.<br />

Como sublinhou Jonh Cale, um dos<br />

fundadores dos Velvet Un<strong>de</strong>rground,<br />

“enquanto uma pessoa fazia uma serigrafia,<br />

outra estava a filmar um<br />

‘screen test’.” E acrescentou: “Todos<br />

os dias algo <strong>de</strong> novo.”<br />

No catálogo “Andy Warhol: A Factory”,<br />

exposição que passou pelo Museu<br />

<strong>de</strong> Serralves, no Porto, há <strong>de</strong>z<br />

anos, o comissário da mostra, Germano<br />

Celant, consi<strong>de</strong>ra que a primeira<br />

ruptura realizada pelo artista está relacionada<br />

com a sua produção cinematográfica:<br />

“O tempo, o tema, o<br />

<strong>de</strong>sperdício, o falso, a abjecção, a pornografia,<br />

a sedução, a excitação, o<br />

duplo, a duração aparecem como<br />

confins transponíveis”, nota o curador<br />

italiano. De forma a sustentar a<br />

sua afirmação, anexa uma frase <strong>de</strong><br />

Warhol, tirada do livro “Popism”, escrito<br />

por Drella – esse misto <strong>de</strong> Drácula<br />

e Cin<strong>de</strong>rela que <strong>de</strong>finia o artista<br />

– em colaboração com Pat Hackett:<br />

“Consi<strong>de</strong>ro que os filmes <strong>de</strong>veriam<br />

apelar aos interesses mais escabrosos,<br />

isto é, da maneira que as coisas estão<br />

actualmente – os indivíduos estão alienados<br />

uns dos outros. Os filmes <strong>de</strong>viam<br />

então excitá-los”<br />

A vida e a morte<br />

Tal intenção, a excitação do espectador,<br />

parece porém distante dos “screen<br />

tests” e outros filmes minimalistas<br />

realizados por Warhol, que muitas<br />

vezes, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> colocar a câmara fixa<br />

sobre um tripé e escolhido o plano,<br />

abandonava a rodagem, entregando<br />

à máquina e aos protagonistas o <strong>de</strong>stino<br />

das imagens. Criava assim um<br />

ponto <strong>de</strong> vista único: o enquadramento<br />

<strong>de</strong>finia os acontecimentos; tudo<br />

<strong>de</strong>pendia não só das instruções dadas<br />

por Warhol, mas também da forma<br />

como cada um dos sujeitos filmados,<br />

os quais eram transformados em puros<br />

objectos, reagia às situações. A<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “tableau vivant” – a recriação<br />

<strong>de</strong> uma pintura num palco, em que<br />

se exigia a imobilida<strong>de</strong> dos intérpretes,<br />

prática usual no século XIX, nomeadamente<br />

após a invenção da fotografia<br />

–, po<strong>de</strong> ser aproximada <strong>de</strong>ste<br />

modo <strong>de</strong> fazer, o qual cria uma distância<br />

intransponível entre cada trabalho<br />

e o espectador: é como se Warhol<br />

quisesse captar a vida na sua<br />

própria duração, contudo, nesse<br />

gesto, entrega-a irremediavelmente<br />

a uma morte – não<br />

existem diferenças entre o<br />

“Empire” (1964) – o Empire<br />

State Building filmado<br />

em tempo real, a<br />

preto e branco, sem<br />

som, durante oito horas<br />

–, e John Giorno a<br />

É como se Warhol<br />

quisesse captar a vida<br />

na sua própria<br />

duração, contudo,<br />

nesse gesto, entrega-a<br />

irremediavelmente<br />

a uma morte<br />

dormir em “Sleep” (1963), uma película<br />

com cinco horas.<br />

Os “screen tests” – o último filme<br />

concerto do Curtas <strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>,<br />

protagonizado pela dupla Dean &<br />

Brita, ex-elementos dos Luna, acompanhados<br />

por Matt Sumrow e Anthony<br />

LaMarca, tem como ponto <strong>de</strong><br />

partida 13 <strong>de</strong>stes filmes – po<strong>de</strong>m ser<br />

vistos como prolongamento das séries<br />

fotográficas realizadas por Warhol,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Primavera <strong>de</strong> 1963, nas<br />

“photomatons”, cabines nas quais se<br />

obtêm uma sucessão <strong>de</strong> retratos, muitas<br />

vezes em diferentes poses, que ali<br />

são revelados em curto espaço <strong>de</strong><br />

tempo – os instantâneos eram ainda<br />

usados como base das serigrafias criadas<br />

pelo pintor.<br />

O primeiro “screen test” é o do seu<br />

assistente e performer Gerard Malanga,<br />

tendo sido realizado com uma<br />

câmara Bolex <strong>de</strong> 16mm, no primeiro<br />

estúdio <strong>de</strong> Warhol, a Fire House, assim<br />

<strong>de</strong>signado por se situar num antigo<br />

quartel <strong>de</strong> bombeiros – quase<br />

todo o corpo <strong>de</strong> trabalho incluído sob<br />

a <strong>de</strong>signação “screen test” foi concebido<br />

na Silver Factory, mas há excepções,<br />

como é também o caso do filme<br />

protagonizado por Marcel Duchamp.<br />

Os fins dos “screen tests” eram diversos:<br />

tanto podiam servir para testar<br />

o potencial <strong>de</strong> cada retratado em<br />

vir a transformar-se numa estrela, ou<br />

numa “superstar”, segundo a <strong>de</strong>signação<br />

<strong>de</strong> Warhol, como para serem<br />

vendidos ao protagonista – um coleccionador,<br />

por exemplo. A cada mo<strong>de</strong>lo,<br />

o artista pedia para olhar para<br />

a câmara instalada num tripé, <strong>de</strong>vendo<br />

manter-se quieto, sem mexer os<br />

olhos, durante o tempo <strong>de</strong> rodagem,<br />

cerca <strong>de</strong> três minutos: um exercício<br />

<strong>de</strong> resistência. Quem passava pela<br />

Factory era quase sempre sujeito a<br />

este ritual iniciático, resultando o conjunto<br />

dos filmes – a preto e branco e<br />

sem som – num impressionante documento<br />

<strong>de</strong> quem era quem na Nova<br />

Iorque dos anos 1960. O resultado era<br />

exibido informalmente na Factory –<br />

muitas vezes os “screen tests” eram<br />

agrupados nessas ocasiões – ou na<br />

cooperativa <strong>de</strong> realizadores (Filmmakers’<br />

Co-op), em sessões semanais<br />

intituladas “Andy Warhol Serial”.<br />

Em Vila do Con<strong>de</strong> irão passar pelo<br />

ecrã, amanhã, às 24h, Edie Sedgwick,<br />

Billy Name, Dennis Hopper, Nico, Ingrid<br />

Superstar, Lou Reed, Jane Holzer,<br />

entre outros. Embora fossem captados<br />

durante três minutos, o facto <strong>de</strong><br />

serem projectados com uma velocida<strong>de</strong><br />

mais lenta dá a estes retratos<br />

uma duração <strong>de</strong> quatro minutos,<br />

acentuando-lhes a estranheza e revelando-lhes<br />

outros <strong>de</strong>talhes. São instantes<br />

<strong>de</strong> absoluta e lenta magia: a<br />

revelação <strong>de</strong> cada face a face, entre<br />

máquina e mo<strong>de</strong>lo. Como aponta o<br />

ensaista David E. James: “A câmara é<br />

o analista silencioso que abandonou<br />

o sujeito à necessida<strong>de</strong> das suas fantásticas<br />

auto-projecções.”


Música<br />

Meio ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Nº1: Sessão <strong>de</strong><br />

Cezimbra”, eis “Muda Que Muda”, o<br />

excelente segundo disco <strong>de</strong> João Coração.<br />

O mais idiossincrático bala<strong>de</strong>iro<br />

da nação transformou-se no rei<br />

das canções para beira <strong>de</strong> piscina <strong>de</strong><br />

“resort” <strong>de</strong> férias e a mudança é <strong>de</strong><br />

monta: on<strong>de</strong> antes havia canções <strong>de</strong><br />

Inverno, melancólicas e cheias <strong>de</strong><br />

angústia e charme, agora há canções<br />

<strong>de</strong> Verão, melancólicas e cheias <strong>de</strong><br />

alegria angustiada. Na altura chamámos-lhe<br />

“vagabundo romântico em<br />

pantufas”; agora ele parece um sedutor<br />

existencialista em chinelas. O<br />

Gainsbourg <strong>de</strong> Sesimbra. O Hank<br />

Williams dos letrados. O futuro vencedor<br />

do Festival da Canção.<br />

Mas mesmo entre os amigos <strong>de</strong><br />

Coração há quem o <strong>de</strong>fenda ferreamente<br />

e quem não o aprecie.<br />

“Não chego a perceber se alguns<br />

amigos não gostam das minhas canções<br />

ou implicam comigo. Como são<br />

pouco claros não faço perguntas”,<br />

diz, antes <strong>de</strong> acrescentar que tudo<br />

po<strong>de</strong> ter mudado, porque “agora até<br />

o Manel [Fúria, vocalista e lí<strong>de</strong>r d’Os<br />

Golpes] gosta <strong>de</strong>ste disco”.<br />

A ambiguida<strong>de</strong> da recepção a Coração<br />

começou com uma canção que<br />

está em “Muda Que Muda”, mas que<br />

tinha saltado cá para fora <strong>de</strong> forma<br />

oficiosa aquando do primeiro disco:<br />

“Sofia”.<br />

A 21 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2008, dia em<br />

que o Ípsilon fez capa com Coração,<br />

Tiago Guillul, Manuel Fúria (d’Os Golpes)<br />

e Samuel Úria - uma capa sobre<br />

a chegada <strong>de</strong> novos cantautores em<br />

português - João gravou um ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong><br />

uma canção que acabara <strong>de</strong> compor.<br />

Tinha acabado <strong>de</strong> lançar “Nº1: Sessão<br />

<strong>de</strong> Cezimbra” e talvez fosse sensato<br />

lançar um ví<strong>de</strong>o bem preparado <strong>de</strong><br />

uma canção terminada e disponível.<br />

Mas não. No ví<strong>de</strong>o Coração canta<br />

“Sofia” ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> raparigas com ar<br />

blasé, que ora lêem ora olham o infinito,<br />

indiferentes à performance do<br />

bardo, que canta <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>safinada<br />

uma canção que nitidamente ainda<br />

precisa <strong>de</strong> trabalho. Ao contrário<br />

do que acontece com os ví<strong>de</strong>os oficiais,<br />

o som não está pré-gravado (ele<br />

nem tinha gravado a canção), é som<br />

directo.<br />

O ví<strong>de</strong>o foi a <strong>de</strong>sculpa que os <strong>de</strong>tractores<br />

precisavam para o qualificar<br />

<strong>de</strong> frau<strong>de</strong>. Quando lhe perguntamos<br />

agora se aquele ví<strong>de</strong>o era uma piada,<br />

mantém-se semi-críptico: “Alguém<br />

pôs um comentário no ví<strong>de</strong>o da ‘Sofia’:<br />

‘Mas isto é a sério ou é a brincar?’<br />

E o Pedro Fernan<strong>de</strong>s Duarte, que fez<br />

o ví<strong>de</strong>o, respon<strong>de</strong>u: ‘Isso terás <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />

o coração respon<strong>de</strong>r’”.<br />

Isto é como o humor <strong>de</strong> João Coração<br />

funciona: nunca há um laçarote<br />

no final que nos diga “Hey, isto<br />

era uma piada” que nos permita ficar<br />

<strong>de</strong>scansados e seguir com a nossa<br />

vida. Como todo o bom tipo que não<br />

joga <strong>de</strong> acordo com as regras convencionais,<br />

atira: “Aquilo era o ví<strong>de</strong>o<br />

para a última canção que tinha feito.<br />

Só isso”.<br />

É nítido que não lhe interessa proteger<br />

a sua imagem, ou <strong>de</strong>ixar sair<br />

apenas o que está perfeito. Ele próprio<br />

diz que mesmo agora, com “Sofia”<br />

editada oficialmente em “Muda<br />

Que Muda”, a canção “ainda não atingiu,<br />

em nenhuma das duas versões,<br />

o que po<strong>de</strong>ria atingir”. E no entanto<br />

não se importa que haja aquele ví<strong>de</strong>o.<br />

“Só o tempo falará sobre o valor da<br />

coisa e nunca haverá uma versão final<br />

<strong>de</strong> uma música”.<br />

Tem uma visão curiosa do negócio<br />

da música, que oscila entre o racional<br />

e o ingénuo: “Quando dou uma<br />

canção às pessoas é só a versão que<br />

gravei naquele dia. Não quer dizer<br />

que não tenha feito melhor sozinho<br />

em casa, ou que não vá fazer melhor<br />

vinte anos <strong>de</strong>pois ao vivo. É um processo<br />

que nunca acaba. Não vou perguntar-me<br />

muitas vezes se já é a versão<br />

final ou não. Senão nunca acabava<br />

uma canção”.<br />

Não é só no ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> “Sofia” que o<br />

estranho humor <strong>de</strong> Coração <strong>de</strong>ixa as<br />

pessoas sem saber o que pensar. A capa<br />

<strong>de</strong> “Muda Que Muda” também tem<br />

“Não chego<br />

a perceber se<br />

alguns amigos<br />

não gostam<br />

das minhas canções<br />

ou implicam comigo.<br />

Como são pouco<br />

claros não faço<br />

perguntas”<br />

<strong>de</strong>ixado muitos sem saber o que pensar:<br />

Coração surge <strong>de</strong> camisa aberta,<br />

olhar <strong>de</strong> carneiro mal morto, e aquilo<br />

está próximo das capas <strong>de</strong> Michael<br />

Carreira ou <strong>de</strong> Julio Iglesias.<br />

“As pessoas ficam sem jeito com<br />

aquela capa. Não sabem o que hão-<strong>de</strong><br />

fazer. São pessoas que não estão confortáveis<br />

consigo próprias e sentem-se<br />

ameaçadas com quem está. A liberda<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong> parecer uma ameaça mas<br />

não é. É só um tipo a fazer uma coisa<br />

que lhe apeteceu fazer”.<br />

Isto é o lado filosófico <strong>de</strong> Coração,<br />

rapaz <strong>de</strong> quase trinta anos que faz<br />

muitas perguntas a si mesmo e é <strong>de</strong><br />

uma honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sarmante. “Eu<br />

também nunca sei quando é que<br />

estou a gozar e quando é que não<br />

estou”. Ele simplesmente experimenta.<br />

Aristocrata falido<br />

Encontrámo-nos em Sesimbra, on<strong>de</strong><br />

a esposa <strong>de</strong> Coração tem um pequeno<br />

e simpático apartamento, para conversar<br />

acerca <strong>de</strong> “Muda Que Muda”.<br />

A expansiva barba que ostentava da<br />

primeira vez que o víramos, há meses,<br />

<strong>de</strong>sapareceu para dar lugar ao cinzento<br />

<strong>de</strong> pelos <strong>de</strong> três dias. Vem <strong>de</strong> calções,<br />

t-shirt e sandálias e mantém<br />

aquele ar <strong>de</strong> quem não sabe muito<br />

bem porque está ali mas quer ver até<br />

on<strong>de</strong> a coisa vai parar.<br />

Estava ali em retiro: “Para saber o<br />

que vou fazer da minha vida”. A dado<br />

momento da tar<strong>de</strong>, quando lhe<br />

perguntamos se vai continuar a fazer<br />

discos a cada semestre, atira: “Sei lá<br />

se vou continuar a fazer música”.<br />

Depois continua: “Sinto que ainda<br />

tenho canções para dar. Mas não<br />

penso sobre isso. Deixo que a música<br />

<strong>de</strong>cida. A obra tem <strong>de</strong> nascer <strong>de</strong> forma<br />

visceral”.<br />

Por mais contraditório que isso pareça<br />

num tipo doce e educado, essa<br />

visceralida<strong>de</strong> cabe-lhe bem. É o tipo<br />

<strong>de</strong> homem que está sossegado e discreto<br />

a noite toda antes <strong>de</strong> cometer<br />

um acto inesperado só para ver no<br />

que dá. É um solitário: “Não tenho<br />

grupos <strong>de</strong> amigos. Nunca tive”.<br />

Percebemos melhor as suas angústias<br />

acerca do seu futuro musical<br />

quando nos confessa que ficou ofendido<br />

por termos <strong>de</strong>scrito as suas canções<br />

como produto do tédio burguês.<br />

“Que é que sabes sobre a minha<br />

vida?”, atira, com o tom doce mesclado<br />

por certa amargura. “Não sou<br />

burguês. Sou um aristocrata falido”.<br />

É verda<strong>de</strong>: na família corre sangue<br />

azul, e embora não faça gala em falar<br />

disso, as obrigações inerentes interrompem-lhe<br />

o sono: herdou uma<br />

casa que está na família <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século<br />

XVI e não tem dinheiro para a<br />

arranjar porque gasta-o todo em instrumentos<br />

e microfones.<br />

Consegue ser <strong>de</strong>sconcertante sem<br />

esforço. É capaz <strong>de</strong> atirar uma frase<br />

como: “Só compro o jornal quando<br />

me dizem que escreveram sobre<br />

mim” com uma candura que retira<br />

qualquer vestígio <strong>de</strong> narcisismo. Por<br />

vezes parece um homem que não<br />

sente à vonta<strong>de</strong> “neste mundo com<br />

excesso <strong>de</strong> iconografia”. Durante uns<br />

minutos versa acerca do actual excesso<br />

<strong>de</strong> dados, <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> referências,<br />

<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> Deus. “Temos<br />

dados sem informação, que não se<br />

transformam em conhecimento. Temos<br />

falta <strong>de</strong> sabedoria”.<br />

Não é - <strong>de</strong> todo - encaixável numa<br />

“figura-tipo”. Num segundo diz: “Tenho<br />

andado alheado das novida<strong>de</strong>s.<br />

Dou por mim com prateleiras <strong>de</strong> discos<br />

parecidas às dos meus pais e dos<br />

meus tios” e podíamos tomar esta<br />

frase como provocação blasé. Mas<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa pausa (faz pausas<br />

longas) conclui <strong>de</strong> forma impiedosa:<br />

“Anda tudo muito preocupado<br />

com a estética e pouco com o que<br />

interessa, que é a vida”.<br />

E está a falar muito a sério.<br />

Meio ano<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

“Nº1: Sessão<br />

<strong>de</strong> Cezimbra”,<br />

eis “Muda Que<br />

Muda”. O mais<br />

idiossincrático<br />

bala<strong>de</strong>iro<br />

da nação<br />

transformouse<br />

no rei das<br />

canções<br />

para beira <strong>de</strong><br />

piscina <strong>de</strong><br />

“resort”<br />

<strong>de</strong> férias<br />

o<br />

Não po<strong>de</strong>mos<br />

coração<br />

adiar<br />

FOTOGRAFIAS DE VERA MARMELO<br />

“Muda Que Muda” é o segundo disco <strong>de</strong> João Coração em seis meses. Vê-o transformado em Gains b<br />

arruinado dançando um último bolero. É um disco <strong>de</strong> Verão, mas cheio <strong>de</strong> angústia, como o seu eni g<br />

12 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Tudo instinto<br />

“O que une estas canções é serem<br />

canções <strong>de</strong> a<strong>de</strong>us”, confessa a dada<br />

altura, munido <strong>de</strong> guitarra na varanda<br />

do apartamento com vista para a<br />

praia <strong>de</strong> Sesimbra.<br />

A tar<strong>de</strong> toda foi explicando que o<br />

novo disco é acerca <strong>de</strong> aceitar mudanças,<br />

seguir em frente, etc. Nunca concretiza<br />

a i<strong>de</strong>ia com exemplos da vida<br />

pessoal, porque nitidamente preza<br />

a sua intimida<strong>de</strong> e um certo pudor.<br />

Surge - <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ganhar confiança<br />

- como um homem à procura <strong>de</strong><br />

chão, <strong>de</strong> algo fiável, mas cuja natureza<br />

inquieta não o <strong>de</strong>ixa estar sossegado<br />

no mesmo sítio. As palavras<br />

que mais repete são “liberda<strong>de</strong>” e<br />

“verda<strong>de</strong>”. Proclama várias vezes o<br />

seu empenho em “viver em verda<strong>de</strong>”,<br />

em não mentir acerca do que<br />

<strong>de</strong>seja. Diz querer constantemente<br />

perceber o que quer <strong>de</strong> cada situação<br />

e levar o que <strong>de</strong>scobre a fundo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

das consequências.<br />

“O tentar viver com a verda<strong>de</strong> obrigate<br />

a um gran<strong>de</strong> esforço se não queres<br />

tornar-te um misantropo”.<br />

A frase implica teimosia e obsessão<br />

e Tiago Guillul confirma. Guillul,<br />

músico, compositor e um dos fundadores<br />

da editora Flor Caveira, conta<br />

que aquando da gravação do ví<strong>de</strong>o<br />

<strong>de</strong> “Sofia” Coração <strong>de</strong>cidiu que <strong>de</strong>via<br />

cantar ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> raparigas. “Ele<br />

foi pedir a todas as raparigas que estavam<br />

por ali para se juntarem a ele.<br />

É assim que ele funciona”.<br />

A cena repetiu-se recentemente:<br />

quando marcámos a entrevista dissemos-lhe<br />

que <strong>de</strong>via ter fotos <strong>de</strong> promoção<br />

ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> raparigas, num<br />

gozo ao ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> “Sofia”. Uns dias<br />

mais tar<strong>de</strong> encontrámo-lo num showcase<br />

d’Os Golpes na FNAC do Chiado.<br />

Tinha umas maracas e quando<br />

o concerto acabou andava a convencer<br />

as raparigas a tirarem uma<br />

foto com ele. (E conseguiu.)<br />

Os exemplos tornam nítido que<br />

o lado solitário <strong>de</strong> Coração anda<br />

<strong>de</strong> mão dada com um lado impulsivo.<br />

“Eu não sou tanto <strong>de</strong> andar<br />

em matilha. É difícil fazer uma viagem<br />

própria quando se está sempre<br />

em grupo.”<br />

Conta que todos os músicos que<br />

estão com ele estão-no graças à sua<br />

lata. Aborda-os sem os conhecer <strong>de</strong><br />

lado algum e convence-os a gravar.<br />

Não lhes dá pistas: reúne-os, mostra<br />

as canções e eles que se <strong>de</strong>senrasquem.<br />

“Não dou sugestões porque<br />

quero que os músicos se entreguem<br />

e <strong>de</strong>scubram algo <strong>de</strong> original no pouco<br />

tempo que temos. Aproveito a<br />

energia da espontaneida<strong>de</strong>. Eles fazem<br />

o que têm <strong>de</strong> fazer sem se poluírem<br />

com i<strong>de</strong>ias”.<br />

Quando inquirimos Guillul, que é<br />

fã, acerca dos méritos musicais <strong>de</strong><br />

Coração ele atira prontamente: “Aquilo<br />

é tudo instinto”.<br />

Sentados no sofá do apartamento<br />

da Ericeira acreditamos. Coração<br />

“Tenho andado<br />

alheado das<br />

novida<strong>de</strong>s. Dou<br />

por mim com<br />

prateleiras <strong>de</strong><br />

discos<br />

parecidas<br />

às dos meus<br />

pais e dos<br />

meus tios.<br />

Anda tudo<br />

muito<br />

preocupado<br />

com a estética<br />

e pouco com o<br />

que interessa,<br />

que é a vida”<br />

mostra os seus<br />

instrumentos,<br />

exibindo orgulhosamente<br />

um Omnichord,<br />

instrumento<br />

<strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira<br />

dos<br />

anos 70.<br />

Tem um<br />

botão<br />

por cada<br />

acor<strong>de</strong><br />

simples,<br />

outro<br />

por cada respectivo<br />

acor<strong>de</strong><br />

menor, e outro<br />

ainda por cada<br />

acor<strong>de</strong> <strong>de</strong> sétima.<br />

Do lado direito tem<br />

uma espécie <strong>de</strong> autocolante<br />

com uma escala que<br />

se toca <strong>de</strong>slizando o <strong>de</strong>do.<br />

(Funciona aproximadamente<br />

como um acor<strong>de</strong>ão).<br />

A dada altura <strong>de</strong>monstra como<br />

o Omnichord funciona e tudo<br />

aquilo sai-lhe <strong>de</strong> um rojo: música<br />

celestial, divina, uma ponte entre Bach<br />

e música <strong>de</strong> elevador, um primo<br />

bastardo dos Air, o <strong>de</strong>do médio da<br />

mão direita <strong>de</strong>slizando e saltitando<br />

a velocida<strong>de</strong> espantosa por<br />

aquela escala, os <strong>de</strong>dos da<br />

esquerda fazendo<br />

bruscas mudanças,<br />

criando melodias lindíssimas.<br />

Pedimos-lhe para repetir, mas não<br />

tem a mínima noção do que acabou<br />

<strong>de</strong> tocar.<br />

Mas é essa impetuosida<strong>de</strong> que o<br />

impele, foi ela que o levou a fazer um<br />

segundo disco tão <strong>de</strong>pressa. “Eu tinha-lhe<br />

dito que este ano não o podíamos<br />

editar, porque só tínhamos<br />

dinheiro para o disco do Samuel Úria<br />

e do B Fachada”, conta Guillul. Mas<br />

Coração não <strong>de</strong>sarmou “e gravou tudo<br />

às escondidas”. Quando Guillul<br />

ouviu o produto final ce<strong>de</strong>u.<br />

Perguntamos por fim a Coração o<br />

que ele próprio acha <strong>de</strong>ste disco e ele<br />

mostra-se orgulhoso. Com graça diz<br />

que “a festivida<strong>de</strong> na música portuguesa<br />

é uma coisa muito contida” e<br />

que por isso se orgulha <strong>de</strong> na cançãotítulo<br />

haver “uma espontaneida<strong>de</strong><br />

que é muito curiosa”. Gostaria que<br />

“Passo a passo” servisse <strong>de</strong> bandasonora<br />

para a reprodução <strong>de</strong> portugueses.<br />

“Seria bom, num país que<br />

está a envelhecer, que eu pu<strong>de</strong>sse<br />

contribuir para o rejuvenescimento<br />

da população”.<br />

Quando lhe perguntamos se ele<br />

acha que finalmente vai <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

haver dúvidas a seu respeito, ele atira<br />

com ferocida<strong>de</strong>: “Estou-me<br />

a cagar para o que as pessoas<br />

dizem <strong>de</strong> mim.<br />

Estou mesmo”.<br />

s bourg <strong>de</strong> Sesimbra, aristocrata<br />

i gmático criador. João Bonifácio<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 13


A nova pele d<br />

Ele <strong>de</strong>testava-se. Os fãs adoravam-no. Ele é Brian Molko, lí<strong>de</strong>r dos Placebo, grupo que procura regene r<br />

Um cantor rock <strong>de</strong>sequilibrado, com<br />

problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> álcool<br />

e drogas, olhos pintados, pele pálida,<br />

sexualmente ambíguo, solitário, apesar<br />

<strong>de</strong> ter banda, os Placebo. Era essa<br />

a nossa imagem <strong>de</strong> Brian Molko,<br />

cantor, guitarrista, lí<strong>de</strong>r dos Placebo<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> há quinze anos, quando entrámos<br />

num hotel <strong>de</strong> Paris para o entrevistar.<br />

À saída, a nossa perspectiva<br />

tinha mudado. O próprio admite-o:<br />

está a transformar-se. Por agora é<br />

mais <strong>de</strong>sejo que realização, mas está<br />

a acontecer.<br />

Depois <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> excessos, o grupo<br />

mudou <strong>de</strong> baterista, está a encarar<br />

o negócio da música <strong>de</strong> forma diferente,<br />

tendo saído da editora <strong>de</strong> há<br />

muitos anos, e quis, no novo álbum,<br />

“Battle Of The Sun”, <strong>de</strong>ixar a claustrofobia<br />

do anterior “Meds”, concentrando-se<br />

num rock mais solto. Também<br />

neste capítulo, a ambição ainda<br />

não se materializou por completo,<br />

mas já esteve mais longe. Hoje os Placebo<br />

tocam no Festival Optimus Alive,<br />

ao lado dos Prodigy, Eagles Of Death<br />

Metal ou Ting Tings.<br />

Em Paris, fomos encontrar Brian<br />

Molko na companhia dos outros dois<br />

membros dos Placebo: Steven Forrest<br />

e Stefan Olsdal.<br />

Nos dois últimos concertos em<br />

<strong>Lisboa</strong> sentia-se tensão entre os<br />

músicos. Num <strong>de</strong>les [Creamfields<br />

2007] abandonaram o palco<br />

antes do previsto. De vez<br />

em quando são notícia por<br />

situações semelhantes. Têm essa<br />

percepção?<br />

Brian Molko - Sim. Mas é necessário<br />

separar as histórias. Um concerto envolve<br />

sempre uma série <strong>de</strong> riscos.<br />

Muitos <strong>de</strong>les po<strong>de</strong>m ser preparados,<br />

mas também existem aqueles que não<br />

se po<strong>de</strong>m controlar, do clima à reacção<br />

do público. Isso é uma coisa. A<br />

outra é a relação que se estabelece<br />

entre os músicos, no palco. Claro que,<br />

nesse contexto, aquilo que é exposto<br />

é a relação que se estabelece entre os<br />

músicos e, no nosso caso, nos últimos<br />

anos, essa relação era tensa. Pouco<br />

amistosa.<br />

O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mudança exposto<br />

neste álbum nasce daí?<br />

B.M. - Não só, mas também. Claro que<br />

havia divergências musicais, e também<br />

pessoais, com o baterista Steven<br />

Hewitt, daí termos optado por mudar.<br />

No final da última digressão já quase<br />

não falávamos, existia tensão constante<br />

entre nós. E, sim, claro que isso<br />

<strong>de</strong>via ser amplificado para o palco,<br />

on<strong>de</strong> há uma energia especial. Necessitávamos<br />

<strong>de</strong> alguém que tivesse uma<br />

atitu<strong>de</strong> mais disponível e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

alguma procura, encontrámos a pessoa<br />

certa - Steven Forrest.<br />

Como é entrar para um grupo<br />

- que acaba por ser um duo - já<br />

com dinâmicas instituídas?<br />

Steven Forrest - Foi fácil. Fui muito<br />

bem recebido. A minha anterior banda,<br />

os Evaline, abriram para os Placebo<br />

numa altura em que mal os conhecia.<br />

Mais tar<strong>de</strong>, quando soube que<br />

Steve Hewitt tinha saído, abriu-se esta<br />

possibilida<strong>de</strong>. Sei que parece um cliché<br />

mas estávamos <strong>de</strong>stinados a encontrarnos<br />

numa banda, <strong>de</strong> tal forma as nossas<br />

mentes funcionam bem quando<br />

14 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon<br />

Brian Molko, Steven Forrest<br />

e Stefan Olsdal<br />

Música


dos Placebo<br />

e rar-se em “Battle Of The Sun”, o álbum que apresenta hoje no Optimus Alive! Vítor Belanciano, em Paris<br />

estamos a compor. O primeiro concerto<br />

com eles foi no Camboja, junto a um<br />

templo budista do séc. XII. Estávamos<br />

nervosos, mas correu bem. Foi superdivertido.<br />

De repente, com eles, estava<br />

a tocar para 60 ou 80 mil pessoas e<br />

isso muda tudo. É uma experiência<br />

que muda a tua vida. É incrível!<br />

Stefan Olsdal - Ao nosso lado não diz<br />

“toda a verda<strong>de</strong>”... [risos].<br />

S.F. - Tocar ao lado <strong>de</strong>les, começou por<br />

ser uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, para<br />

se transformar num gran<strong>de</strong> prazer.<br />

B.M. - Foi este optimismo, californiano,<br />

que nos conquistou. É muito entusiasta<br />

e positivo e isso é, sem dúvida, importante.<br />

O novo álbum é, precisamente,<br />

mais optimista. “Meds” era<br />

claustrofóbico. “Battle Of The<br />

Sun” já é uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

intenções.<br />

B.M. - Sim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Meds” estávamos<br />

à beira do fim. A relação entre nós<br />

era difícil, estávamos no final do contrato<br />

com a editora, não sabíamos o<br />

que fazer. Mas essa pare<strong>de</strong> que se levantou<br />

à nossa frente obrigou-nos a<br />

pensar o que queríamos para o futuro.<br />

Não sabemos fazer mais nada. Esta é<br />

a nossa vida. Percebemos que se queríamos<br />

ter um grupo iríamos precisar<br />

uns dos outros e <strong>de</strong>mo-nos a nós próprios<br />

espaço para reflectir. Pusemonos<br />

em causa e isso foi fundamental.<br />

De alguma forma, os Placebo haviamse<br />

transformado num emprego com<br />

rotinas, e também <strong>de</strong>fesas, que nos<br />

isolaram. Quisemos tentar recuperar<br />

o espírito <strong>de</strong> grupo dos primeiros tempos.<br />

Sou sincero: não sei se o iremos<br />

conseguir por completo, mas estamos<br />

no processo <strong>de</strong> tentar e estamos a divertir-nos<br />

como há muito não acontecia.<br />

E, sim, <strong>de</strong>vemos isso também a<br />

Steven.<br />

Na forma como abordaram o<br />

disco o que resultou diferente?<br />

B.M. - Desta vez fomos um verda<strong>de</strong>iro<br />

grupo. Não vou mentir. Claro que<br />

existe a consciência <strong>de</strong> que é sobre<br />

mim que recaem muitas das atenções,<br />

mas também existe a consciência <strong>de</strong><br />

que precisamos uns dos outros. Quando<br />

isso terminar, mais vale cada um<br />

ir para o seu canto.<br />

S.O. - Quase que nos obrigámos a ouvir<br />

todos os géneros <strong>de</strong> música, menos<br />

rock. Quisemos sair das rotinas.<br />

Foi também por isso que optámos por<br />

sair <strong>de</strong> Londres e acabámos em Toronto.<br />

“Meds” respirava muito Londres<br />

e queríamos uma coisa mais<br />

isenta.<br />

B.M. - Ninguém nos pressionou e essa<br />

foi outra diferença importante. Não<br />

tivemos ninguém a dizer-nos: “Deviam<br />

ir por aqui ou por ali” ou a propor para<br />

single esta ou aquela canção. Não é<br />

que essas coisas nos tenham influenciado<br />

no passado, mas também não<br />

nos passam completamente ao lado.<br />

Desta vez, estávamos entregues a nós<br />

próprios e funcionou muito bem.<br />

Se o grupo terminasse,<br />

imaginavam-se a fazer o quê?<br />

B.M. - Des<strong>de</strong> a adolescência que não<br />

faço outra coisa. Inicialmente aquilo<br />

que me seduzia era o cinema. Depois<br />

foi a música. Sempre me interessaram<br />

coisas on<strong>de</strong> fosse possível encontrar<br />

a minha voz. Na música encontrei o<br />

meu lugar. A música salvou-me a vida.<br />

Deu-me a <strong>de</strong>terminação para enfrentar<br />

a minha família, que nunca me<br />

apoiou quando <strong>de</strong>cidi ir por aqui. Em<br />

parte, os Placebo são isso: a minha<br />

família <strong>de</strong> substituição.<br />

Foi-lhe colada a imagem <strong>de</strong><br />

rebel<strong>de</strong> do rock, como se<br />

incarnasse uma espécie <strong>de</strong><br />

marginalida<strong>de</strong>. Revê-se nela?<br />

B.M. - Sim, porque existe qualquer<br />

coisa em mim que me leva para esses<br />

territórios. Não, porque também me<br />

<strong>de</strong>fendo, como todas as pessoas: do<br />

sucesso, dos outros, dos meus fantasmas.<br />

Nesse sentido, sou eu, sempre,<br />

mas por excesso. Já tive a minha dose<br />

“Para mim, a música<br />

funciona como<br />

terapia. É ela que me<br />

permite<br />

atravessar<br />

estados<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão<br />

e tristeza.<br />

É ela que me<br />

permite<br />

confrontar<br />

comigo<br />

próprio e isso<br />

é qualquer<br />

coisa<br />

que agra<strong>de</strong>ço,<br />

profundamente”<br />

Brian Molko<br />

<strong>de</strong> álcool e drogas. Por fuga. Por rejeição<br />

da realida<strong>de</strong>. Por rejeitar que<br />

os Placebo iam mal, também. É lixado<br />

quando temos milhares e milhares <strong>de</strong><br />

pessoas à nossa frente, prontas para<br />

nos amarem, para fazerem tudo o que<br />

quisermos <strong>de</strong>las, e nós nos sentimos<br />

a maior merda do mundo. Pensamos:<br />

se vocês me conhecessem realmente,<br />

talvez não me amassem.<br />

Mas essa imagem da estrela<br />

à beira do precipício acaba<br />

por fazer também parte<br />

da mitologia rock. E o<br />

público acaba por gostar.<br />

Não é por isso que Amy<br />

Winehouse inspira tantos<br />

instintos protectores?<br />

B.M. - Talvez, mas também só<br />

embarca nessa história quem<br />

quer. Para além <strong>de</strong> ser perigoso.<br />

Só posso respon<strong>de</strong>r por mim. Para<br />

mim, a música funciona como<br />

terapia. É ela que me permite atravessar<br />

estados <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão e tristeza.<br />

É ela que me permite confrontar<br />

comigo próprio e isso é<br />

qualquer coisa que agra<strong>de</strong>ço, profundamente.<br />

O resto não me interessa<br />

muito.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> concertos<br />

págs. 44 e 45<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 15


Brandford Marsalis continua a tentar ser uma<br />

pessoa melhor<br />

O pai dizia-lhe que tocar é como ser uma pessoa melhor: é difícil mas tenta-se<br />

até ao fim. É um incansável explorador. Nome ilustre do jazz, tem dificulda<strong>de</strong> em resistir a<br />

outros apelos. Tanto po<strong>de</strong>mos encontrá-lo num álbum <strong>de</strong> Sting como a tocar Debussy<br />

e Stravinsky. Nos dias 16 e 17 o saxofonista apresenta o programa “Marsalis Brasilianos” com<br />

a Orquestra Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

Música<br />

Brandford Marsalis nunca se contentou<br />

com um caminho musical único.<br />

O seu lema é manter “os ouvidos alerta”<br />

e uma disponibilida<strong>de</strong> permanente<br />

para explorar novos estilos. Membro<br />

<strong>de</strong> uma ilustre família <strong>de</strong> músicos<br />

<strong>de</strong> jazz (é filho do pianista Ellis Marsalis<br />

e irmão do trompetista Wynton<br />

Marsalis), este saxofonista americano<br />

<strong>de</strong> espírito inquieto cresceu numa<br />

casa fervilhante <strong>de</strong> sons, ao mesmo<br />

tempo que absorvia as várias tradições<br />

musicais que se cruzavam nas<br />

ruas <strong>de</strong> Nova Orleães. Tocou com os<br />

Art Blakey’s Jazz Messengers e no<br />

quinteto do seu irmão Wynton<br />

antes <strong>de</strong> fundar o seu quarteto<br />

(cuja última gravação,<br />

“Metamorphosen”, foi objecto<br />

<strong>de</strong> recensão no último<br />

Ípsilon) mas sempre<br />

fez incursões noutros<br />

domínios. Colaborou<br />

com Sting em álbums<br />

como “Dream of the<br />

Blue Turtles” ou<br />

“The Soul Cages” e<br />

nos anos 90 criou<br />

o projecto Buckshot<br />

LeFonque,<br />

que combinava<br />

influências do<br />

jazz, Rhythm<br />

and Blues,<br />

hip-hop e pop<br />

rock. Com o<br />

início do novo<br />

milénio resolveu centrar-se também<br />

no repertório clássico, actuando<br />

como solista com várias orquestras<br />

americanas e europeias e gravando<br />

obras <strong>de</strong> Debussy, Stravinsky, Milhaud,<br />

Copland ou Vaughan Williams.<br />

Recentemente realizou uma importante<br />

digressão nos EUA com a Philarmonia<br />

Brasileira e o projecto “Marsalis<br />

Brasilianos”, que será agora retomado<br />

em Portugal com a Orquestra<br />

Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, sob a direcção<br />

<strong>de</strong> Cesário Costa. Nos dias 16 e 17,<br />

respectivamente no Centro Cultural<br />

<strong>de</strong> Belém, em <strong>Lisboa</strong>, e no Teatro <strong>de</strong><br />

Portimão, Marsalis toca obras <strong>de</strong><br />

Villa-Lobos (Fantasia para Saxofone<br />

e Bachianas Brasileiras nºs 5 e 9) e<br />

Darius Milhaud (“La Creation du<br />

Mon<strong>de</strong>” e “Scaramouche”) no âmbito<br />

<strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> forte influência<br />

brasileira.<br />

A sua experiência no campo<br />

do jazz influencia a foma como<br />

interpreta o repertório clássico?<br />

Experiências musicais diferentes implicam<br />

abordagens diferentes na interpretação.<br />

No repertório clássico<br />

não faz sentido tocar como um instrumentista<br />

<strong>de</strong> jazz. A música tem mesmo<br />

<strong>de</strong> soar clássica e esse tem sido<br />

para mim um dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios.<br />

Neste caso são também<br />

compositores especiais, já que<br />

foram influenciados pela música<br />

<strong>de</strong> tradição popular…<br />

Como o Brasil fica no Novo Mundo<br />

“No jazz os músicos<br />

po<strong>de</strong>m tocar muitas<br />

notas, mas po<strong>de</strong>m<br />

escolher quais<br />

as notas que querem<br />

tocar. Na clássica<br />

o compositor escreve<br />

e temos <strong>de</strong> ser fiéis<br />

à partitura. Não<br />

po<strong>de</strong>mos dizer: vou<br />

mudar estas notas<br />

ou estes acor<strong>de</strong>s para<br />

adaptar melhor<br />

a peça ao meu estilo”<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 17


não há tanto o estigma <strong>de</strong> ter <strong>de</strong><br />

apresentar algo que seja puramente<br />

europeu. Villa-Lobos conheceu a música<br />

<strong>de</strong> Milhaud, Ravel e Debussy em<br />

Paris mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> regressar ao Brasil<br />

continuou a conviver com os músicos<br />

do samba, do tango, com a música<br />

popular brasileira. Foi a familiarida<strong>de</strong><br />

com diversos estilos e uma<br />

compreensão profunda das suas linguagens<br />

– ele tanto dominava o choro<br />

como a harmonia clássica – que tornou<br />

a sua obra tão rica. Na Europa,<br />

muitos compositores <strong>de</strong>dicavam-se<br />

também a estudar outras músicas, o<br />

que se reflecte nas suas obras, mas<br />

essa atitu<strong>de</strong> era menos comum entre<br />

os intérpretes da tradição clássica.<br />

Tem trabalhado com músicos <strong>de</strong><br />

jazz, da clássica, do pop rock, da<br />

world music… É difícil interagir<br />

com pessoas com experiências<br />

tão distintas?<br />

Os músicos po<strong>de</strong>m ser muito diferentes<br />

mas o objectivo é sempre o mesmo:<br />

tocar as pessoas emocionalmente<br />

através do som. É mais fácil na pop<br />

porque há uma componente visual<br />

muito forte: a dança, as luzes, muitas<br />

coisas que impressionam visualmente.<br />

Em muitas socieda<strong>de</strong>s, como é o<br />

caso da norte-americana, as pessoas<br />

ainda vão aos concertos para ver e<br />

não não tanto para ouvir. É por isso<br />

que quando se fala do Michael Jackson<br />

os temas são as luvas, as jaquetas,<br />

o seu comportamento ou as coisas<br />

estranhas da vida <strong>de</strong>le, mas há muito<br />

pouca discussão sobre a voz. E ele<br />

tinha uma voz fantástica, sobretudo<br />

quando era mais novo, só que ninguém<br />

conversa sobre isso. Quanto se<br />

toca um estilo <strong>de</strong> música em que estamos<br />

sentados numa ca<strong>de</strong>ira, como<br />

acontece na clássica, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos<br />

apenas do som para envolver a audiência.<br />

Na música clássica o som ainda<br />

prevalece sobre a imagem…<br />

Há pessoas que dizem que gostam <strong>de</strong><br />

música, mas não é realmente da música<br />

que gostam mas sim do espectáculo.<br />

Há cantores que cantam muito<br />

mal e o público nem dá por isso. Mas<br />

num concerto clássico se alguém canta<br />

mal toda a gente nota. E também é<br />

mais fácil tocar música pop. Quando<br />

tinha 12 anos tocava quase todas canções<br />

do Elton John no piano e fazia-o<br />

bastante bem, mas não conseguiria<br />

tocar um concerto <strong>de</strong> Rachmaninov.<br />

Continuo a gostar <strong>de</strong> Elton John – a<br />

sua música faz-me sentir bem, gosto<br />

da sonorida<strong>de</strong>, da linha vocal, da parte<br />

do piano – mas ao mesmo tempo<br />

também acho espantoso um concerto<br />

clássico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> virtuosismo, sendo<br />

que nesse caso tenho a consciência<br />

<strong>de</strong> que o instrumentista precisou <strong>de</strong><br />

estudar muitas horas por dia.<br />

Mas o jazz po<strong>de</strong> ser também<br />

muito exigente tecnicamente…<br />

O repertório clássico é o mais exigente<br />

tecnicamente. No jazz os músicos<br />

po<strong>de</strong>m tocar muitas notas (na minha<br />

opinião tocam <strong>de</strong>masiadas!), mas po<strong>de</strong>m<br />

escolher quais as notas que querem<br />

tocar. Na clássica o compositor<br />

escreve e temos <strong>de</strong> ser fiéis à partitura.<br />

Não po<strong>de</strong>mos dizer: vou mudar<br />

estas notas ou estes acor<strong>de</strong>s para<br />

adaptar melhor a peça ao meu estilo.<br />

Quando comecei a abordar o repertório<br />

clássico mais a sério, há sete ou<br />

oito anos, precisei <strong>de</strong> ter aulas <strong>de</strong> saxofone.<br />

A minha técnica funcionava<br />

para o jazz e para a pop mas não servia<br />

para a música clássica.<br />

Não tinha tido antes uma<br />

preparação musical formal<br />

nessa área?<br />

Não tive uma formação clássica tradicional,<br />

mas o meu irmão Wynton<br />

teve. Eu simplesmente ouvia os discos<br />

que ele trazia para casa. O Wynton<br />

estudava o tempo todo, mas eu<br />

“Não acredito na<br />

obsessão pela<br />

inovação. Quando<br />

ouvimos muita<br />

música clássica<br />

(Mozart, Beethoven,<br />

Mahler…), por um<br />

lado todos os<br />

compositores soam<br />

<strong>de</strong> maneira<br />

semelhante, mas por<br />

outro todos são muito<br />

diferentes. Mas o mais<br />

incrível é que todos<br />

estes mundos sonoros<br />

foram construídos<br />

com as mesmas<br />

12 notas. A mesmas 12<br />

notas que Michael<br />

Jackson ou Prince<br />

também usaram!”<br />

Nos dias 16 e<br />

17 o<br />

saxofonista<br />

apresenta o<br />

programa<br />

“Marsalis<br />

Brasilianos”<br />

com a<br />

Orquestra<br />

Metropolitana<br />

<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>:<br />

toca obras <strong>de</strong><br />

Villa-Lobos e<br />

Darius<br />

Milhaud<br />

não praticava nada! Aos 15 anos <strong>de</strong>dicava-me<br />

a tocar numa banda <strong>de</strong> “covers”.<br />

Nessa altura ainda não se usavam<br />

DJs, contratavam bandas que<br />

tocavam as canções da moda. Aprendi<br />

por intuição e por imitação, sempre<br />

coloquei os meus ouvidos alerta.<br />

Fico espantado com o gran<strong>de</strong> número<br />

<strong>de</strong> músicos que não conseguem<br />

ouvir verda<strong>de</strong>iramente a música que<br />

tocam. Este é um problema que se<br />

verifica na música sinfónica mas também<br />

no jazz. Acontece porque hoje<br />

os jovens começam logo a ler música<br />

e não têm a experiência <strong>de</strong> tocar <strong>de</strong><br />

ouvido. Antes as pessoas não iam para<br />

a escola aos quatro ou cinco anos,<br />

aprendiam a tocar com o que ouviam<br />

nas ruas, <strong>de</strong>coravam canções infantis.<br />

Obrigo sempre os meus alunos a trabalhar<br />

uma série <strong>de</strong> canções <strong>de</strong> ouvido,<br />

que não estejam nos livros.<br />

É pouco comum um músico<br />

percorrer tantos universos,<br />

geralmente ten<strong>de</strong>-se para a<br />

especialização…<br />

É uma escolha pessoal. Um dia alguém<br />

perguntou a Sibelius: “quando<br />

está com os seus colegas sobre o que<br />

é que falam?” E ele respon<strong>de</strong>u: “não<br />

falo com músicos, falo com banqueiros.<br />

Os banqueiros gostam <strong>de</strong> falar<br />

sobre música, os músicos só falam<br />

sobre dinheiro”. Há pessoas que só<br />

são boas numa coisa, mas outras<br />

pensam: em que área é que posso<br />

fazer mais dinheiro? O meu pai sempre<br />

nos disse: “vocês são espertos,<br />

se querem ganhar dinheiro não toquem<br />

música”. Por isso num Verão<br />

trabalhei numa quinta e no Verão<br />

seguinte num hospital, mas no final<br />

<strong>de</strong>cidi que o que queria mesmo era<br />

ser um bom instrumentista. Nunca<br />

me preocupei em saber quanto dinheiro<br />

isso podia ren<strong>de</strong>r. Temos tendência<br />

para a catalogação: sou um<br />

músico clássico, sou um músico <strong>de</strong><br />

jazz, etc… Não concordo. Sei que<br />

nunca tocarei saxofone clássico tão<br />

bem como os fazem profissão da música<br />

clássica mas faço o melhor que<br />

posso e sei. O importante é que as<br />

coisas que fiz nesse campo me tornaram<br />

melhor como músico.<br />

Ficar apenas vinculado a um<br />

género seria limitativo?<br />

Sempre estive aberto a experimentar<br />

novos estilos e a ouvir muito. E nunca<br />

tive receio <strong>de</strong> ter lições nem <strong>de</strong> progredir.<br />

Digo sempre aos meus alunos<br />

que somos eternos estudantes. Noutras<br />

profissões recebemos um diploma<br />

e po<strong>de</strong>mos dizer: sou médico, sou<br />

advogado, sou contabilista, etc. A música<br />

é diferente. O meu pai costumava<br />

dizer: a música não é aquilo que tu<br />

és, mas aquilo que fazes. E se é aquilo<br />

que fazes, então nunca serás tão<br />

bom como po<strong>de</strong>rias ser. Ou seja, é<br />

como ser uma pessoa melhor. É muito<br />

difícil mas continuamos a tentar<br />

até ao fim da vida.<br />

Também é compositor. Como<br />

encara essa vertente da sua<br />

activida<strong>de</strong>?<br />

Não acredito na obsessão pela inovação.<br />

Quando ouvimos muita música<br />

clássica (Mozart, Beethoven, Mahler…),<br />

por um lado todos os compositores<br />

soam <strong>de</strong> maneira semelhante,<br />

mas por outro todos são muito diferentes.<br />

Mas o mais incrível é que todos<br />

estes mundos sonoros foram construídos<br />

com as mesmas 12 notas. A mesmas<br />

12 notas que Michael Jackson ou<br />

Prince também usaram! A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que<br />

temos sempre <strong>de</strong> inventar algo é absurda.<br />

Não se é original apenas porque<br />

se quer. O que temos a fazer é apren<strong>de</strong>r<br />

o máximo possível, <strong>de</strong>dicarmonos<br />

a ser os melhores músicos possíveis.<br />

O resto é uma consequência.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 44<br />

e segs.<br />

18 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


silva!<strong>de</strong>signers<br />

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FOTOGRAFIA: STEVE STOER<br />

WWW.TEATROSAOLUIZ.PT


A comédia<br />

serve-se fria<br />

com os STAN<br />

“of/niet” é uma rarida<strong>de</strong> porque não é todos os dias que vemos os quatro actores fundadores dos S<br />

palco. Dado o estado do mundo, estávamos a precisar <strong>de</strong> uma comédia, dizem. Vamos rir, mas c<br />

Kathleen Gomes<br />

Teatro<br />

Os belgas STAN não querem que nada<br />

se intrometa entre eles e os seus espectadores,<br />

por isso nunca trabalham<br />

com encenadores. Sem <strong>de</strong>us nem chefe<br />

- nem mesmo na sombra. As peças<br />

são sempre criações colectivas, como<br />

se não fossem uma companhia <strong>de</strong> teatro<br />

mas uma cooperativa. Por telefone,<br />

perguntamos a Jolente De Keersmaeker<br />

(n. 1967), um dos quatro fundadores<br />

dos STAN - cujo nome é o<br />

acrónimo <strong>de</strong> Stop Thinking About Names<br />

- se, no fundo, no fundo, não são<br />

uma companhia <strong>de</strong> actores-encenadores.<br />

“Acho que somos uma companhia<br />

<strong>de</strong> quatro actores-executantes” (o que<br />

ela diz, em inglês, é “actors-makers”).<br />

“Não encenadores, mas executantes.<br />

E isso está presente em nós <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

conservatório: uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />

as nossas coisas, <strong>de</strong> nos dirigirmos a<br />

nós próprios. O que significa, também,<br />

que, a dada altura, temos <strong>de</strong> distanciar-nos<br />

do que estamos a fazer.”<br />

“of/niet” (“ou/não”), o espectáculo<br />

que trazem este sábado e domingo à<br />

Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>, integrado no<br />

Festival <strong>de</strong> Almada, reúne em palco,<br />

pela primeira vez em muito tempo, o<br />

núcleo duro dos STAN - Jolente De<br />

Keersmaeker, Damiaan De Schrijver<br />

e Frank Vercruyssen, os três fundadores<br />

da companhia em 1989, e Sara<br />

“Conhecemo-nos<br />

há 25 anos, e por vezes<br />

parece que estamos<br />

numa relação<br />

matrimonial”<br />

Jolente De<br />

Keersmaeker<br />

<strong>de</strong> Roo, que se juntou a eles em 1992<br />

(Waas Gramser, o quarto fundador<br />

original, <strong>de</strong>ixou-os em 1994 e é hoje<br />

membro da Comp.Marius).<br />

A última vez que tinham feito uma<br />

peça juntos fora em 1997, com “Private<br />

Lives”, <strong>de</strong> Noël Coward, e Jolente<br />

De Keersmaeker está a notar, agora<br />

mesmo, a tendência: sempre que trabalham<br />

os quatro, as escolhas recaem<br />

em comédias conjugais ásperas. “Conhecemo-nos<br />

há 25 anos, e por vezes<br />

parece que estamos numa relação<br />

matrimonial”, admite Jolente sobre o<br />

quarteto <strong>de</strong> actores. Em 2006, quando<br />

os STAN estrearam “of/niet”, o<br />

jornal belga “De Morgen” <strong>de</strong>finiu o<br />

seu funcionamento como “uma relação<br />

aberta, em que, <strong>de</strong> tempos a tempos,<br />

os parceiros partem numa viagem<br />

individual, em vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixarem<br />

a casa batendo com a porta”.<br />

Na prática, isso significa que ocasionalmente<br />

seguem caminhos separados,<br />

<strong>de</strong>senvolvendo os seus projectos,<br />

a solo ou chamando outros colaboradores,<br />

e até chegam a trabalhar<br />

em produções exteriores, <strong>de</strong> outras<br />

companhias - Jolente fez “Just Before”,<br />

“I said I” e “Kassandra”, com a<br />

irmã, a coreógrafa Anne Teresa <strong>de</strong><br />

Keersmaeker, e Sara <strong>de</strong> Roo trabalhou<br />

com o grupo holandês Dood Paard.<br />

“É uma coisa que vai e vem”, explica<br />

Jolente. “Às vezes sentimos:<br />

‘Agora apetece-me fazer uma coisa a<br />

solo’. Ou: ‘Quero fazer um projecto<br />

sem eles’. É muito orgânico, na verda<strong>de</strong>.”<br />

E acabam sempre por voltar aos<br />

STAN. “Assim que eu sentir que já não<br />

estou a apren<strong>de</strong>r nada ou que nos<br />

estamos a repetir, páro”, diz. “Mas,<br />

até agora, tenho encontrado sempre<br />

novos <strong>de</strong>safios.”<br />

E é assim tão diferente quando são<br />

“of / niet” é<br />

mais uma<br />

comédia<br />

conjugal<br />

áspera, o tipo<br />

<strong>de</strong> coisa que<br />

acontece<br />

quando os<br />

quatro STAN<br />

se juntam<br />

20 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


s STAN juntos e em<br />

s com os pés na terra.<br />

só os quatro? O que é que isso tem <strong>de</strong><br />

especial? “Claro que é diferente. É<br />

fantástico porque só temos <strong>de</strong> mexer<br />

um <strong>de</strong>do para saber: ‘Oh, ele quer<br />

dizer isto’. Estamos juntos há mais<br />

<strong>de</strong> 20 anos, conhecemo-nos tão, tão<br />

bem que isso tem vantagens e também<br />

<strong>de</strong>svantagens. Mas, ao fim e ao<br />

cabo, quando olhamos para o resultado,<br />

sabe tão bem trabalhar num<br />

ambiente com estas três outras pessoas<br />

em quem posso confiar, com<br />

quem me sinto segura para correr<br />

riscos, para ser frágil, para cometer<br />

falhas. Tem sido um longo, longo percurso.<br />

E por vezes foi muito difícil<br />

atingir o ponto em que estamos agora.<br />

Houve altos e baixos. Mas sentimo-nos<br />

tão bem a fazer esta peça, ela<br />

lembra-nos o gozo que é estarmos os<br />

quatro juntos em palco.”<br />

Humor e uma guerra lá fora<br />

“of/niet” é uma montagem <strong>de</strong> duas<br />

peças, “Party Time”, escrita em 1991,<br />

por Harold Pinter, e “Relatively Speaking”,<br />

do também britânico Alan<br />

Ayckbourn (escrita em 1965, e representada<br />

em Londres em<br />

1967, foi a peça que trouxe<br />

notorieda<strong>de</strong> ao dramaturgo,<br />

que ainda<br />

não tinha 30 anos). O<br />

Ou/Não<br />

De Alan Ayckbourn<br />

e Harold Pinter<br />

<strong>Lisboa</strong>, Culturgest – Gran<strong>de</strong><br />

Auditório, sáb. 11 às 21h30,<br />

e dom., 12, às 17h<br />

texto <strong>de</strong> Pinter é uma alegoria ácida<br />

sobre um mundo <strong>de</strong> conforto e privilégio,<br />

isolado e indiferente à realida<strong>de</strong><br />

do exterior - o ambiente é o <strong>de</strong> uma<br />

“cocktail party” num clube selecto, e<br />

a peça é composta pelas conversas<br />

que os membros vão tendo entre si -<br />

sobre a piscina do clube, ilhas paradisíacas<br />

e outras frivolida<strong>de</strong>s - enquanto<br />

lá fora <strong>de</strong>corre uma guerra (a<br />

cida<strong>de</strong> está vazia, há soldados nas ruas,<br />

estradas bloqueadas). Pinter escreveu<br />

“Party Time” no ano em que<br />

eclodiu a primeira Guerra do Golfo.<br />

É uma sátira com uma violência e um<br />

sadismo latentes.<br />

“Relatively Speaking”, <strong>de</strong> Ayckbourn,<br />

é uma sofisticada comédia <strong>de</strong><br />

enganos envolvendo dois casais - um<br />

jovem visita o que julga ser a casa dos<br />

pais da namorada, quando, na verda<strong>de</strong>,<br />

trata-se da residência do antigo<br />

amante <strong>de</strong>la. Um hilariante enredo<br />

<strong>de</strong> mentiras e equívocos.<br />

A peça <strong>de</strong> Ayckbourn -<br />

dramaturgo que tem interessado<br />

o cinema <strong>de</strong><br />

Alain Resnais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

“Fumar”/ “Não Fumar”<br />

- constitui 85 por cento<br />

<strong>de</strong> “of/niet”, resume Jolente,<br />

e a <strong>de</strong> Pinter os restantes<br />

15 por cento. Esta<br />

última abre e fecha a versão dos<br />

STAN, e vai pontuando o espectáculo<br />

como interlúdios.<br />

Para lá dos temas comuns que po<strong>de</strong>mos<br />

apontar às peças <strong>de</strong> Pinter e<br />

Ayckbourn - dois microcosmos <strong>de</strong> falsas<br />

aparências sob o pano <strong>de</strong> fundo<br />

<strong>de</strong> uma “Britishness” emproada, dois<br />

mundos <strong>de</strong> faz-<strong>de</strong>-conta, cada um à<br />

sua maneira -, o que é que levou os<br />

STAN a juntá-las? “Sentimos que estava<br />

na altura <strong>de</strong> fazer uma comédia<br />

outra vez. Às vezes escolhemos peças<br />

que são, digamos, um pouco mais pesadas,<br />

mas isso tem muito a ver com<br />

o espírito e o momento em que se está.<br />

Sei lá, se há uma guerra em curso<br />

no mundo, qual é a nossa resposta a<br />

ela? Se calhar, temos <strong>de</strong> fazer qualquer<br />

coisa ligeira... A dada altura, foi<br />

uma coisa do género: ‘Vamos fazer<br />

uma comédia, vamos rir’.”<br />

O que explica a escolha da peça <strong>de</strong><br />

Ayckbourn, “o exemplo perfeito da<br />

comédia <strong>de</strong> enganos, sobre dois casais<br />

que estão no lugar errado à hora<br />

errada”, resume Jolente, em que “a<br />

única coisa que po<strong>de</strong>mos fazer é rir<br />

com os erros tão típicos <strong>de</strong> todos os<br />

seres humanos - enganar, cometer<br />

erros, mentir e não admitir a verda<strong>de</strong>,<br />

ter medo”. Mas não explica Pinter.<br />

Os STAN são conhecidos por as<br />

suas escolhas <strong>de</strong> textos e <strong>de</strong> espectáculos<br />

terem, implícita ou explicitamente,<br />

uma carga política. “Se me<br />

perguntar se [a escolha <strong>de</strong> Ayckbourn]<br />

tem algum significado político,<br />

diria que não. Claro que é um<br />

manifesto [“statement”, em inglês]<br />

dizer: não se esqueçam das pessoas<br />

nestes tempos <strong>de</strong> cinismo. Mas faltava<br />

mais qualquer coisa. Tínhamos <strong>de</strong><br />

trazer [a peça] <strong>de</strong> volta para o mundo.<br />

E o Pinter faz-nos assentar os pés<br />

na terra outra vez. ‘Party Time’ também<br />

é uma comédia mas tem uma<br />

nuance perversa, tem uma camada<br />

política subterrânea, é mais cínica e<br />

irónica. Isso é<br />

u m a<br />

“Eu também sou<br />

burguesa, e estou a<br />

criticar os burgueses.<br />

Também estamos<br />

a falar <strong>de</strong> nós. Na<br />

sexta-feira [hoje] vou<br />

apanhar um avião<br />

para actuar num<br />

teatro em <strong>Lisboa</strong><br />

- o que é muito<br />

confortável,<br />

obviamente”<br />

Jolente De<br />

Keersmaeker<br />

das coisas que gostamos muito no<br />

Pinter: as peças têm sempre uma dupla<br />

camada. Ao misturar ‘Party Time’<br />

na peça <strong>de</strong> Ayckbourn estamos como<br />

que a inserir pequenas agulhas. Para<br />

nós, isso era um bom equilíbrio. Se<br />

fosse só o Ayckbourn, teria sido <strong>de</strong>masiado<br />

fácil. O Pinter também tem<br />

imenso humor, mas ele lembra-nos<br />

que há um mundo lá fora - que há<br />

uma guerra em curso. O que nos pareceu<br />

uma bela metáfora do que estamos<br />

a fazer quando representamos<br />

a peça - somos actores e estamos a<br />

representar e a divertir-nos, mas aqui<br />

ao lado o mundo continua.”<br />

A actriz conclui: “Sem ser moralista,<br />

ele faz-nos pensar que estamos a<br />

viver num mundo extremamente privilegiado,<br />

rico e luxuoso. As pessoas<br />

que vão ao teatro não são as pessoas<br />

que não conseguem ganhar a vida...<br />

Claro que houve a crise financeira<br />

mas isso não é nada comparado com<br />

o que as pessoas em África, na América<br />

do Sul ou na Índia têm <strong>de</strong> fazer<br />

para ganhar a vida.”<br />

Não é a primeira vez que os STAN<br />

afiam as facas na mira da nossa burguesia<br />

<strong>de</strong> costumes (não é por acaso<br />

que um dos autores mais representados<br />

pela companhia é o austríaco Thomas<br />

Bernhard). Perguntamos a Jolente<br />

se a velha expressão “épater le bourgeois”<br />

(chocar a classe média) ainda<br />

faz sentido, para eles. “A primeira coisa<br />

que tem <strong>de</strong> perguntar é: quem é<br />

burguês? Eu também sou burguesa, e<br />

estou a criticar os burgueses. Também<br />

estamos a falar <strong>de</strong> nós. Na sexta-feira<br />

[hoje] vou apanhar um avião para actuar<br />

num teatro em <strong>Lisboa</strong> - o que é<br />

muito confortável, obviamente.”<br />

A comédia serve-se fria, e isso também<br />

se vê no dispositivo cénico. O<br />

palco é <strong>de</strong>scarnado em “of/niet”, o<br />

“décor” quase inexistente, os figurinos<br />

sóbrios e básicos. “Representamos<br />

com quatro ca<strong>de</strong>iras e quatro<br />

sacos <strong>de</strong> plástico, e tudo o que precisamos<br />

está <strong>de</strong>ntro do saco <strong>de</strong> plástico.<br />

Não há cenário”, nota. Porquê? “De<br />

outro modo, isso iria distrair da força<br />

e da espirituosida<strong>de</strong> do texto. Seria<br />

<strong>de</strong>masiada explicação, a nosso ver.<br />

Queremos dar ao público a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> construir a sua própria história.<br />

Não é preciso construir um cenário<br />

realista, com cortinas, isto e<br />

aquilo. Quanto mais <strong>de</strong>spido for, mais<br />

se consegue ir à essência da coisa.”<br />

“Of/niet” é representado em<br />

neerlandês, com legendas em<br />

francês.<br />

Ver agenda <strong>de</strong><br />

espectáculos págs. 39 e segs.<br />

MUSEU DO ORIENTE<br />

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Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 21


Matthias Langhoff teve um pesa<strong>de</strong>lo<br />

O mundo contemporâneo é o cadáver esquisito que Matthias Langhoff, um dos monstros inclassificáveis do teatro europeu, <strong>de</strong>vora em “Deus como<br />

Paciente - Assim Falava Isidore Ducasse”, dias 13 e 14 no Festival <strong>de</strong> Almada. Visto daqui, é um lugar terrível. Inês Nadais<br />

Quando era pequeno, o filho <strong>de</strong><br />

Matthias Langhoff acordava <strong>de</strong><br />

manhã “satisfeitíssimo” a dizer que<br />

“tinha feito” (Matthias Langhoff<br />

respon<strong>de</strong> às nossas perguntas em<br />

francês, por “email”, e os franceses<br />

não “têm” pesa<strong>de</strong>los: fazem-nos)<br />

“um enorme pesa<strong>de</strong>lo”.<br />

Imaginamos Matthias Langhoff<br />

a acordar <strong>de</strong> manhã, satisfeitíssimo<br />

(fantasia nossa: ele não po<strong>de</strong>ria<br />

estar mais angustiado com o que<br />

vê <strong>de</strong> manhã, quando acorda,<br />

<strong>de</strong>baixo do prédio on<strong>de</strong> vive),<br />

a dizer o mesmo. “Deus como<br />

Paciente - Assim Falava Isidore<br />

Ducasse”, o espectáculo construído<br />

a partir dos “Cantos <strong>de</strong> Maldoror”<br />

do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lautréamont<br />

(pseudónimo <strong>de</strong> Isidore Ducasse)<br />

que a Compagnie Rumpelpumpel<br />

traz ao Festival <strong>de</strong> Almada nos<br />

dias 13 e 14, é um enorme - e<br />

maravilhoso - pesa<strong>de</strong>lo. Visto das<br />

noites mal dormidas <strong>de</strong> Langhoff<br />

- e das escadas da Comédie<br />

Française, a gran<strong>de</strong> casa do teatro<br />

<strong>de</strong> repertório em Paris -, o mundo<br />

é um lugar terrível: “Para falar<br />

do escândalo contemporâneo,<br />

e apenas do escândalo que eu<br />

conheço, acho que 365 edições do<br />

seu jornal não seriam suficientes.<br />

Enquanto a injustiça mantiver o<br />

nosso mundo no escândalo, não<br />

posso mudar <strong>de</strong> assunto”.<br />

Matthias vê o escândalo em<br />

todo o lado - <strong>de</strong>baixo do prédio<br />

Três actores são uma multidão<br />

na nova criação <strong>de</strong> Matthias<br />

Langhoff<br />

on<strong>de</strong> mora, on<strong>de</strong> há “um grupo<br />

permanente <strong>de</strong> sem-abrigo cujo<br />

discurso, na sua incoerência<br />

alcoolizada”, lhe faz “lembrar os<br />

velhos contos que dizem sempre<br />

a verda<strong>de</strong>”, nas lojas chiques do<br />

Boulevard Raspail com o seus<br />

sapatos a mil euros que lhe dão<br />

“vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> partir os vidros<br />

das montras”, e nas escadas da<br />

Comédie Française, o lugar on<strong>de</strong><br />

começou a ter pesa<strong>de</strong>los com<br />

“Deus como Paciente”. “Um dia”,<br />

explica ao Ípsilon, “fui à Comédie<br />

Française on<strong>de</strong> tinha uma reunião<br />

para discutir um projecto. Para<br />

entrar, fui obrigado a passar pelos<br />

pobres que dormem <strong>de</strong>baixo das<br />

arcadas - e enquanto subia aquela<br />

bela escadaria compreendi que<br />

Racine e Molière estão muito longe<br />

<strong>de</strong> mim”. Voltou-se, sentou-se<br />

num banco ao lado do teatro: “Era<br />

um belo dia <strong>de</strong> sol, havia gente<br />

a passear, e vi um negro que,<br />

enquanto toda a gente se divertia,<br />

esvaziava sem parar os caixotes<br />

do lixo e controlava tudo o que as<br />

pessoas <strong>de</strong>itavam fora, à procura<br />

<strong>de</strong> qualquer coisa que pu<strong>de</strong>sse<br />

meter ao bolso. Tinha a câmara<br />

comigo e filmei. Esse homem é<br />

um dos actores principais <strong>de</strong>ste<br />

espectáculo”.<br />

O filme que Matthias Langhoff<br />

fez nessa tar<strong>de</strong> é a primeira<br />

coisa que vemos em “Deus como<br />

Paciente” - como se o nosso mundo<br />

fosse, mais do que um escândalo,<br />

um escândalo espectacular. Os<br />

três actores que escolheu para<br />

irem com ele em direcção ao<br />

abismo - Anne-Lise Heimburger,<br />

Frédérique Loliée e André Wilms,<br />

que há poucos anos vimos a <strong>de</strong>ixar<br />

a pele, sozinho, em “Eraritjaritjaka”,<br />

<strong>de</strong> Heiner Goebbels, no Porto - só<br />

aparecem <strong>de</strong>pois, misturando-se<br />

uns com os outros (“Construí uma<br />

história com três personagens<br />

<strong>de</strong> galáxias diferentes [anjos,<br />

prostitutas, vagabundos,<br />

marinheiros, loucos, enfermeiras,<br />

artistas <strong>de</strong> cabaré] que atravessam<br />

o passado, o presente e o futuro”)<br />

e com as imagens do filme. Nunca<br />

sabemos bem quem estamos a ver<br />

e quem estamos a ouvir, que parte<br />

da história está à nossa frente em<br />

carne viva, e a três dimensões, e<br />

que parte da história está à nossa<br />

frente apenas como assombração:<br />

“Como na minha cabeça não é<br />

claro o que pertence ao teatro e o<br />

que pertence ao cinema, e como<br />

também não é claro se o teatro<br />

está no chão ou em cima do palco,<br />

misturei tudo, como faço sempre.<br />

Agora que durmo cada vez menos,<br />

é possível que tenha até misturado<br />

<strong>de</strong> mais”, diz-nos. O pesa<strong>de</strong>lo<br />

que ele fez a dormir acordado, e<br />

que nos faz passar do cemitério<br />

ao naufrágio e do<br />

naufrágio ao “musichall”,<br />

como nesses<br />

apagões da consciência<br />

que acontecem durante o sono,<br />

é um transe, uma colagem <strong>de</strong><br />

experiências <strong>de</strong> vida (uma<br />

travessia marcada pelo exílio, por<br />

todos os <strong>de</strong>vastadores traumas da<br />

condição alemã, pelo comunismo<br />

e, em geral, por todas as feridas<br />

abertas do século XX europeu),<br />

<strong>de</strong> visões <strong>de</strong> Paris, do mundo em<br />

que vivemos - e das coisas que<br />

continua a re<strong>de</strong>scobrir “na língua<br />

<strong>de</strong> Lautréamont”.<br />

O espectáculo do estrondo<br />

É um francês singular - francês<br />

<strong>de</strong> estrangeiro, como o <strong>de</strong>le<br />

(Isidore Ducasse nasceu no<br />

Uruguai, Matthias Langhoff<br />

nasceu na Suíça, em 1941, filho <strong>de</strong><br />

um encenador comunista que já<br />

tinha estado internado em dois<br />

campos <strong>de</strong> concentração nazis<br />

e <strong>de</strong> uma actriz judia, ambos <strong>de</strong><br />

nacionalida<strong>de</strong> alemã). “Quando<br />

apanho o metro em Paris, quando<br />

vejo a energia <strong>de</strong>ssas pessoas, na<br />

sua maioria negras, a energia para<br />

continuar até à próxima estação,<br />

e ouço a mistura <strong>de</strong> monólogos<br />

e <strong>de</strong> diálogos, sinto-me próximo<br />

da língua <strong>de</strong> Ducasse. Não é<br />

um falso francês, é um francês<br />

diferente do francês. A língua<br />

<strong>de</strong>le funciona por imagens. Essa<br />

maneira <strong>de</strong> utilizar uma língua<br />

- ou <strong>de</strong> se encontrar numa língua<br />

- é-me familiar. Compreendo o<br />

francês do Lautréamont melhor e<br />

mais facilmente do que o francês<br />

<strong>de</strong> autores <strong>de</strong> origem francesa”.<br />

Sabe essa língua <strong>de</strong> cor - leu “Os<br />

“Se fosse tudo<br />

perfeito, não vejo<br />

por que razão<br />

continuaria<br />

a fazer teatro”<br />

Matthias Langhoff<br />

Deus<br />

como<br />

Paciente<br />

– Assim Falava<br />

Isidore<br />

Ducasse<br />

A partir <strong>de</strong> Isidore Ducasse<br />

Almada, Teatro <strong>Municipal</strong><br />

– Sala Principal, 2ª 13,<br />

e 3ª 14, às 21h30<br />

Cantos <strong>de</strong> Maldoror” durante a<br />

juventu<strong>de</strong>, “numa bela tradução<br />

alemã”, e releu-os mais tar<strong>de</strong> em<br />

francês. “É difícil explicar como<br />

fiz a montagem do texto,<br />

porque tenho-o na<br />

cabeça. Primeiro<br />

imaginei a história<br />

das personagens, e<br />

<strong>de</strong>pois fui buscar<br />

as palavras. Sabia<br />

exactamente<br />

on<strong>de</strong> estavam”,<br />

esclarece. De resto,<br />

há momentos em<br />

que o significado<br />

<strong>de</strong>ssas palavras é<br />

marginal: “Hoje, a catástrofe<br />

que está diante <strong>de</strong> nós cheganos<br />

direitinha do outro lado do<br />

Atlântico. Fiz questão <strong>de</strong> levar o<br />

grupo a passar um dia no mar, para<br />

que, à maneira <strong>de</strong> Lautréamont<br />

e através do ruído do rebentar<br />

das ondas na costa, os actores<br />

compreen<strong>de</strong>ssem a mensagem que<br />

era preciso fazer passar. Porque<br />

é a música do estrondo <strong>de</strong>ssas<br />

vagas que <strong>de</strong>vemos dar a ouvir<br />

com Isidore Ducasse”, escreveu<br />

no programa que acompanhou a<br />

apresentação do espectáculo no<br />

Théâtre <strong>de</strong> la Ville, em Paris.<br />

“Deus como Paciente” é o<br />

espectáculo <strong>de</strong>sse estrondo - do<br />

estrondo que o mundo faz a partirse.<br />

É <strong>de</strong>ssa energia <strong>de</strong>strutiva que<br />

o teatro <strong>de</strong> Langhoff se alimenta,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros trabalhos no<br />

Berliner Ensemble da fase Brecht,<br />

em 1962, até às colaborações<br />

com Heiner Müller, que foi o seu<br />

melhor amigo. Continua a fazer<br />

teatro para se lembrar <strong>de</strong>le (“Para<br />

um homem antigo como eu, é<br />

importante manter o diálogo<br />

com um velho amigo”) e para<br />

sobreviver ao escândalo do mundo<br />

contemporâneo: “Se fosse tudo<br />

perfeito, não vejo por que razão<br />

continuaria a fazer teatro”. Como<br />

nem tudo é perfeito, precisamos<br />

dos pesa<strong>de</strong>los <strong>de</strong>le para sobreviver<br />

à experiência <strong>de</strong> ser europeu<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> duas guerras mundiais,<br />

<strong>de</strong> uma Shoah, da bomba atómica<br />

e do estalinismo. É um “tesouro<br />

nacional vivo” do teatro europeu,<br />

como lhe chamou Bruno Tackels,<br />

da revista “Mouvement”, mas<br />

sente-se melhor no papel <strong>de</strong> besta<br />

negra (não se fixa em lado nenhum<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, à excepção dos 18<br />

meses que passou no Théâtre Vidy,<br />

<strong>de</strong> Lausanne, entre 1989 e 1991, e<br />

dos dois anos em que co-dirigiu<br />

o Berliner Ensemble, entre 1992 e<br />

1993): “De tempos a tempos, sou<br />

obrigado a institucionalizar-me,<br />

mas não tenho pressa. Depois<br />

<strong>de</strong> mortos, acabamos todos na<br />

instituição”.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> teatro págs. 30 e 40<br />

22 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Matthias Langhoff teve um pesa<strong>de</strong>lo<br />

O mundo contemporâneo é o cadáver esquisito que Matthias Langhoff, um dos monstros inclassificáveis do teatro europeu, <strong>de</strong>vora em “Deus como<br />

Paciente - Assim Falava Isidore Ducasse”, dias 13 e 14 no Festival <strong>de</strong> Almada. Visto daqui, é um lugar terrível. Inês Nadais<br />

Quando era pequeno, o filho <strong>de</strong><br />

Matthias Langhoff acordava <strong>de</strong><br />

manhã “satisfeitíssimo” a dizer que<br />

“tinha feito” (Matthias Langhoff<br />

respon<strong>de</strong> às nossas perguntas em<br />

francês, por “email”, e os franceses<br />

não “têm” pesa<strong>de</strong>los: fazem-nos)<br />

“um enorme pesa<strong>de</strong>lo”.<br />

Imaginamos Matthias Langhoff<br />

a acordar <strong>de</strong> manhã, satisfeitíssimo<br />

(fantasia nossa: ele não po<strong>de</strong>ria<br />

estar mais angustiado com o que<br />

vê <strong>de</strong> manhã, quando acorda,<br />

<strong>de</strong>baixo do prédio on<strong>de</strong> vive),<br />

a dizer o mesmo. “Deus como<br />

Paciente - Assim Falava Isidore<br />

Ducasse”, o espectáculo construído<br />

a partir dos “Cantos <strong>de</strong> Maldoror”<br />

do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lautréamont<br />

(pseudónimo <strong>de</strong> Isidore Ducasse)<br />

que a Compagnie Rumpelpumpel<br />

traz ao Festival <strong>de</strong> Almada nos<br />

dias 13 e 14, é um enorme - e<br />

maravilhoso - pesa<strong>de</strong>lo. Visto das<br />

noites mal dormidas <strong>de</strong> Langhoff<br />

- e das escadas da Comédie<br />

Française, a gran<strong>de</strong> casa do teatro<br />

<strong>de</strong> repertório em Paris -, o mundo<br />

é um lugar terrível: “Para falar<br />

do escândalo contemporâneo,<br />

e apenas do escândalo que eu<br />

conheço, acho que 365 edições do<br />

seu jornal não seriam suficientes.<br />

Enquanto a injustiça mantiver o<br />

nosso mundo no escândalo, não<br />

posso mudar <strong>de</strong> assunto”.<br />

Matthias vê o escândalo em<br />

todo o lado - <strong>de</strong>baixo do prédio<br />

Três actores são uma multidão<br />

na nova criação <strong>de</strong> Matthias<br />

Langhoff<br />

on<strong>de</strong> mora, on<strong>de</strong> há “um grupo<br />

permanente <strong>de</strong> sem-abrigo cujo<br />

discurso, na sua incoerência<br />

alcoolizada”, lhe faz “lembrar os<br />

velhos contos que dizem sempre<br />

a verda<strong>de</strong>”, nas lojas chiques do<br />

Boulevard Raspail com o seus<br />

sapatos a mil euros que lhe dão<br />

“vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> partir os vidros<br />

das montras”, e nas escadas da<br />

Comédie Française, o lugar on<strong>de</strong><br />

começou a ter pesa<strong>de</strong>los com<br />

“Deus como Paciente”. “Um dia”,<br />

explica ao Ípsilon, “fui à Comédie<br />

Française on<strong>de</strong> tinha uma reunião<br />

para discutir um projecto. Para<br />

entrar, fui obrigado a passar pelos<br />

pobres que dormem <strong>de</strong>baixo das<br />

arcadas - e enquanto subia aquela<br />

bela escadaria compreendi que<br />

Racine e Molière estão muito longe<br />

<strong>de</strong> mim”. Voltou-se, sentou-se<br />

num banco ao lado do teatro: “Era<br />

um belo dia <strong>de</strong> sol, havia gente<br />

a passear, e vi um negro que,<br />

enquanto toda a gente se divertia,<br />

esvaziava sem parar os caixotes<br />

do lixo e controlava tudo o que as<br />

pessoas <strong>de</strong>itavam fora, à procura<br />

<strong>de</strong> qualquer coisa que pu<strong>de</strong>sse<br />

meter ao bolso. Tinha a câmara<br />

comigo e filmei. Esse homem é<br />

um dos actores principais <strong>de</strong>ste<br />

espectáculo”.<br />

O filme que Matthias Langhoff<br />

fez nessa tar<strong>de</strong> é a primeira<br />

coisa que vemos em “Deus como<br />

Paciente” - como se o nosso mundo<br />

fosse, mais do que um escândalo,<br />

um escândalo espectacular. Os<br />

três actores que escolheu para<br />

irem com ele em direcção ao<br />

abismo - Anne-Lise Heimburger,<br />

Frédérique Loliée e André Wilms,<br />

que há poucos anos vimos a <strong>de</strong>ixar<br />

a pele, sozinho, em “Eraritjaritjaka”,<br />

<strong>de</strong> Heiner Goebbels, no Porto - só<br />

aparecem <strong>de</strong>pois, misturando-se<br />

uns com os outros (“Construí uma<br />

história com três personagens<br />

<strong>de</strong> galáxias diferentes [anjos,<br />

prostitutas, vagabundos,<br />

marinheiros, loucos, enfermeiras,<br />

artistas <strong>de</strong> cabaré] que atravessam<br />

o passado, o presente e o futuro”)<br />

e com as imagens do filme. Nunca<br />

sabemos bem quem estamos a ver<br />

e quem estamos a ouvir, que parte<br />

da história está à nossa frente em<br />

carne viva, e a três dimensões, e<br />

que parte da história está à nossa<br />

frente apenas como assombração:<br />

“Como na minha cabeça não é<br />

claro o que pertence ao teatro e o<br />

que pertence ao cinema, e como<br />

também não é claro se o teatro<br />

está no chão ou em cima do palco,<br />

misturei tudo, como faço sempre.<br />

Agora que durmo cada vez menos,<br />

é possível que tenha até misturado<br />

<strong>de</strong> mais”, diz-nos. O pesa<strong>de</strong>lo<br />

que ele fez a dormir acordado, e<br />

que nos faz passar do cemitério<br />

ao naufrágio e do<br />

naufrágio ao “musichall”,<br />

como nesses<br />

apagões da consciência<br />

que acontecem durante o sono,<br />

é um transe, uma colagem <strong>de</strong><br />

experiências <strong>de</strong> vida (uma<br />

travessia marcada pelo exílio, por<br />

todos os <strong>de</strong>vastadores traumas da<br />

condição alemã, pelo comunismo<br />

e, em geral, por todas as feridas<br />

abertas do século XX europeu),<br />

<strong>de</strong> visões <strong>de</strong> Paris, do mundo em<br />

que vivemos - e das coisas que<br />

continua a re<strong>de</strong>scobrir “na língua<br />

<strong>de</strong> Lautréamont”.<br />

O espectáculo do estrondo<br />

É um francês singular - francês<br />

<strong>de</strong> estrangeiro, como o <strong>de</strong>le<br />

(Isidore Ducasse nasceu no<br />

Uruguai, Matthias Langhoff<br />

nasceu na Suíça, em 1941, filho <strong>de</strong><br />

um encenador comunista que já<br />

tinha estado internado em dois<br />

campos <strong>de</strong> concentração nazis<br />

e <strong>de</strong> uma actriz judia, ambos <strong>de</strong><br />

nacionalida<strong>de</strong> alemã). “Quando<br />

apanho o metro em Paris, quando<br />

vejo a energia <strong>de</strong>ssas pessoas, na<br />

sua maioria negras, a energia para<br />

continuar até à próxima estação,<br />

e ouço a mistura <strong>de</strong> monólogos<br />

e <strong>de</strong> diálogos, sinto-me próximo<br />

da língua <strong>de</strong> Ducasse. Não é<br />

um falso francês, é um francês<br />

diferente do francês. A língua<br />

<strong>de</strong>le funciona por imagens. Essa<br />

maneira <strong>de</strong> utilizar uma língua<br />

- ou <strong>de</strong> se encontrar numa língua<br />

- é-me familiar. Compreendo o<br />

francês do Lautréamont melhor e<br />

mais facilmente do que o francês<br />

<strong>de</strong> autores <strong>de</strong> origem francesa”.<br />

Sabe essa língua <strong>de</strong> cor - leu “Os<br />

“Se fosse tudo<br />

perfeito, não vejo<br />

por que razão<br />

continuaria<br />

a fazer teatro”<br />

Matthias Langhoff<br />

Deus<br />

como<br />

Paciente<br />

– Assim Falava<br />

Isidore<br />

Ducasse<br />

A partir <strong>de</strong> Isidore Ducasse<br />

Almada, Teatro <strong>Municipal</strong><br />

– Sala Principal, 2ª 13,<br />

e 3ª 14, às 21h30<br />

Cantos <strong>de</strong> Maldoror” durante a<br />

juventu<strong>de</strong>, “numa bela tradução<br />

alemã”, e releu-os mais tar<strong>de</strong> em<br />

francês. “É difícil explicar como<br />

fiz a montagem do texto,<br />

porque tenho-o na<br />

cabeça. Primeiro<br />

imaginei a história<br />

das personagens, e<br />

<strong>de</strong>pois fui buscar<br />

as palavras. Sabia<br />

exactamente<br />

on<strong>de</strong> estavam”,<br />

esclarece. De resto,<br />

há momentos em<br />

que o significado<br />

<strong>de</strong>ssas palavras é<br />

marginal: “Hoje, a catástrofe<br />

que está diante <strong>de</strong> nós cheganos<br />

direitinha do outro lado do<br />

Atlântico. Fiz questão <strong>de</strong> levar o<br />

grupo a passar um dia no mar, para<br />

que, à maneira <strong>de</strong> Lautréamont<br />

e através do ruído do rebentar<br />

das ondas na costa, os actores<br />

compreen<strong>de</strong>ssem a mensagem que<br />

era preciso fazer passar. Porque<br />

é a música do estrondo <strong>de</strong>ssas<br />

vagas que <strong>de</strong>vemos dar a ouvir<br />

com Isidore Ducasse”, escreveu<br />

no programa que acompanhou a<br />

apresentação do espectáculo no<br />

Théâtre <strong>de</strong> la Ville, em Paris.<br />

“Deus como Paciente” é o<br />

espectáculo <strong>de</strong>sse estrondo - do<br />

estrondo que o mundo faz a partirse.<br />

É <strong>de</strong>ssa energia <strong>de</strong>strutiva que<br />

o teatro <strong>de</strong> Langhoff se alimenta,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros trabalhos no<br />

Berliner Ensemble da fase Brecht,<br />

em 1962, até às colaborações<br />

com Heiner Müller, que foi o seu<br />

melhor amigo. Continua a fazer<br />

teatro para se lembrar <strong>de</strong>le (“Para<br />

um homem antigo como eu, é<br />

importante manter o diálogo<br />

com um velho amigo”) e para<br />

sobreviver ao escândalo do mundo<br />

contemporâneo: “Se fosse tudo<br />

perfeito, não vejo por que razão<br />

continuaria a fazer teatro”. Como<br />

nem tudo é perfeito, precisamos<br />

dos pesa<strong>de</strong>los <strong>de</strong>le para sobreviver<br />

à experiência <strong>de</strong> ser europeu<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> duas guerras mundiais,<br />

<strong>de</strong> uma Shoah, da bomba atómica<br />

e do estalinismo. É um “tesouro<br />

nacional vivo” do teatro europeu,<br />

como lhe chamou Bruno Tackels,<br />

da revista “Mouvement”, mas<br />

sente-se melhor no papel <strong>de</strong> besta<br />

negra (não se fixa em lado nenhum<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, à excepção dos 18<br />

meses que passou no Théâtre Vidy,<br />

<strong>de</strong> Lausanne, entre 1989 e 1991, e<br />

dos dois anos em que co-dirigiu<br />

o Berliner Ensemble, entre 1992 e<br />

1993): “De tempos a tempos, sou<br />

obrigado a institucionalizar-me,<br />

mas não tenho pressa. Depois<br />

<strong>de</strong> mortos, acabamos todos na<br />

instituição”.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> teatro págs. 30 e 40<br />

22 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Dança<br />

Carol Prieur<br />

em “Orphée et<br />

Eurydice”,<br />

que na leitura<br />

<strong>de</strong> Chouinard<br />

é uma<br />

imaginativa<br />

celebração do<br />

<strong>de</strong>sejo, da<br />

luxúria e do<br />

sexo<br />

Olhar para trás também p<br />

Marie Chouinard regressa a Portugal com uma versão pessoalíssima do mito <strong>de</strong> Orfeu e Eurídice, i<br />

em olharmos para trás. T<br />

A primeira vez que Marie Chouinard<br />

veio a Portugal foi em 2002, apresentando<br />

no Rivoli – Teatro <strong>Municipal</strong>,<br />

no Porto, “Les 24 Prelu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Chopin”<br />

(1998) e “Le cri du mon<strong>de</strong>”<br />

(2000). Agora que vamos po<strong>de</strong>r ver<br />

em Portugal “Orphée et Eurydice”,<br />

estreada em 2008 e que encerra o ciclo<br />

Dancem!09, a <strong>de</strong>correr no Porto<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> Junho, aquelas duas peças<br />

parecem pertencer a uma outra<br />

assinatura. As dinâmicas alternadas<br />

que constituíam a obra inspirada na<br />

obra <strong>de</strong> Chopin, dando margem para<br />

diálogos entre força e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za a<br />

partir das marcas <strong>de</strong>ixadas pelos solos,<br />

duos, ou trios dançados pelo conjunto<br />

da companhia, <strong>de</strong>ram lugar a<br />

uma massa disforme, on<strong>de</strong> não parece<br />

haver regras.<br />

“Orphée et Eurydice”, na sua imaginativa<br />

celebração do <strong>de</strong>sejo, da luxúria<br />

e do sexo, é a pedra <strong>de</strong> toque <strong>de</strong><br />

um discurso que se autonomizou <strong>de</strong><br />

uma reciclagem do mo<strong>de</strong>rnismo norte-americano<br />

transvestido pelas famílias<br />

coreográficas europeias, dando<br />

lugar à singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um discurso<br />

que partiu da exploração das tensões<br />

criadas pelo movimento para chegar<br />

a uma ficcionalização <strong>de</strong>ssas mesmas<br />

tensões. São <strong>de</strong>sse período as suas<br />

leituras <strong>de</strong> “L’Après-midi d’un faune”<br />

(1987) “Sagração da Primavera (1993,<br />

remontada para o Ballet Gulbenkian<br />

em 2003) e “Prélu<strong>de</strong> à l’après-midi<br />

d’un faune” (1994), hoje peças que<br />

remetem para um tempo on<strong>de</strong> a coreógrafa<br />

buscava na ultrapassagem<br />

da linearida<strong>de</strong> uma lisura cénica que<br />

fosse progressivamente disruptiva.<br />

Eram tempos <strong>de</strong> pesquisa mais centrada<br />

nos efeitos que o movimento<br />

podia provocar no corpo e que teve<br />

o seu momento alto em “Le cri du<br />

mon<strong>de</strong>”, on<strong>de</strong> os corpos, explorando<br />

essa tensão, buscavam formas <strong>de</strong> a<br />

subverterem.<br />

A mesma i<strong>de</strong>ia voltou em “Body<br />

Remix - Goldberg Variations”, apresentado<br />

no CCB, em <strong>Lisboa</strong>, em 2006.<br />

Quem se lembrar dos corpos sustentados<br />

por muletas a quererem rasgar<br />

aquelas limitações, abrindo assim espaço<br />

para um outro corpo menos autómato<br />

e capaz <strong>de</strong> se lançar numa<br />

voragem criativa que não <strong>de</strong>via nada<br />

à ilustração, vai encontrar em “Orphée<br />

et Eurydice” o mesmo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

abertura do corpo para o espaço e<br />

<strong>de</strong>ste para algo mais que a metáfora.<br />

A peça está longe <strong>de</strong> ser consensual<br />

e eleva o trabalho <strong>de</strong> Chouinard a<br />

um outro patamar. A sua distanciação<br />

da tragédia dos amantes amaldiçoados<br />

faz-se não na exploração gratuita<br />

da violência contida na história, mas<br />

numa autonomização, fundamentalmente<br />

conceptual, on<strong>de</strong> a narrativa<br />

se torna secundária e formal servindo<br />

assim, e apenas, <strong>de</strong> pretexto para uma<br />

celebração da liberda<strong>de</strong> que as escolhas<br />

difíceis garantem.<br />

A liberda<strong>de</strong> da escolha<br />

Desta vez Chouinard não vem a Portugal,<br />

entrou <strong>de</strong> férias há dias e por<br />

isso não po<strong>de</strong> falar com o Ípsilon.<br />

Quem nos aten<strong>de</strong> o telefone é Carol<br />

Prieur, bailarina na companhia que<br />

leva o mesmo nome da coreógrafa e<br />

que <strong>de</strong>la faz parte há 14 anos. A bailarina<br />

revela que esta peça “vai às raízes<br />

<strong>de</strong> Marie Chouinard como intérprete,<br />

on<strong>de</strong> existia um caos criativo e diferentes<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura”.<br />

“Orfeu et Eurídice”, o mito, conta<br />

a história <strong>de</strong> um homem e <strong>de</strong> uma<br />

mulher que se <strong>de</strong>scobrem ligados pelo<br />

<strong>de</strong>stino e, por isso, dispostos a <strong>de</strong>safiar<br />

os <strong>de</strong>uses. Orfeu insiste em resgatá-la<br />

do Inferno e o que lhe é pedido<br />

é que nunca olhe para trás, sob<br />

prejuízo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r Eurídice para sempre.<br />

Inevitavelmente Orfeu <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce<br />

aos <strong>de</strong>uses e é culpado pela morte<br />

da amada. Orfeu morrerá, com<br />

Chouinard escolhe<br />

apresentar os <strong>de</strong>uses<br />

como seres divertidos,<br />

pân<strong>de</strong>gos,<br />

<strong>de</strong>sresponsabilizandoos<br />

dos erros <strong>de</strong> Orfeu.<br />

E, assim, Orfeu não<br />

po<strong>de</strong>rá olhar para<br />

trás com raiva<br />

e culpá-los<br />

Eurídice nos braços, por vingança <strong>de</strong><br />

uma das suas muitas amantes.<br />

“A história é universal e é apenas<br />

um veículo”, insiste a bailarina. “Há<br />

muito mais para além disso: o trabalho<br />

com o corpo, os músculos, os orgãos,<br />

com tudo o que é humano”.<br />

Chouinard trabalha os corpos dos bailarinos<br />

como uma massa disforme<br />

que vai moldando ao longo da peça.<br />

Se é verda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>senvolve com eles<br />

um trabalho a partir das tensões dos<br />

movimentos, também é verda<strong>de</strong> que<br />

leva essa tensão mais longe, a uma<br />

espécie <strong>de</strong> possessão (tal como Marcel<br />

Camus fez no filme “Orfeu Negro”)<br />

luxuriante e sedutora.<br />

“Orphée et Eurydice”, na versão <strong>de</strong><br />

Chouinard, com música original <strong>de</strong><br />

Louis Dufort, parece situar-se no momento<br />

em que os <strong>de</strong>uses pe<strong>de</strong>m a<br />

Orfeu para os convencer a <strong>de</strong>volverem-lhe<br />

Eurídice, mostrando-lhe que<br />

há mais do que essa mulher. Há um<br />

mundo inteiro <strong>de</strong> prazer, <strong>de</strong> carne e<br />

paixão dispostos a receberem Orfeu.<br />

A vingança dos <strong>de</strong>uses – os bailarinos,<br />

cujas sensações Prieur <strong>de</strong>screve como<br />

“um gozo imenso, uma viagem magnífica<br />

e rara porque não temos muitas<br />

oportunida<strong>de</strong> para nos expressarmos<br />

<strong>de</strong> forma tão ampla” – faz-se, pelo<br />

menos assim parece na versão <strong>de</strong><br />

Chouinard, porque Orfeu ousa dizer<br />

que não aos <strong>de</strong>uses e prosseguir com<br />

Eurídice, mesmo que morta. Chouinard<br />

escolhe apresentar os <strong>de</strong>uses<br />

como seres divertidos, pân<strong>de</strong>gos, <strong>de</strong>sresponsabilizando-os<br />

dos erros <strong>de</strong><br />

Orfeu. E, assim, Orfeu não po<strong>de</strong>rá<br />

olhar para trás com raiva e culpálos.<br />

Carol Prieur diz que esta é “uma<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura porque enten<strong>de</strong><br />

o trágico, a crueza e a intensida<strong>de</strong><br />

do amor que une Orfeu e Eurídice.<br />

Na peça há momentos muito<br />

poéticos que alargam a diversida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sentimentos que se po<strong>de</strong>m transmitir”<br />

e, diz, “é natural, e expectável,<br />

que se possam ler as obras <strong>de</strong> forma<br />

correspon<strong>de</strong>nte”. Para a bailarina, o<br />

facto <strong>de</strong> se apresentar o submundo<br />

como “espaço <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>” quer<br />

também dizer que “Orfeu podia ser<br />

feliz ali” e que, no fundo, “escolhe o<br />

caminho que escolhe totalmente<br />

consciente do que está a per<strong>de</strong>r”.<br />

Burlesco musical<br />

Chouinard começa a peça com um<br />

prólogo on<strong>de</strong> percebemos claramente<br />

que não é a narrativa que lhe vai<br />

interessar. Ao longo da peça vamos<br />

assistindo a este festim <strong>de</strong>sregrado –<br />

“mas essa liberda<strong>de</strong> coreográfica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um rigor intenso”, esclarece<br />

a bailarina a propósito das rígidas<br />

marcações <strong>de</strong> cena –, on<strong>de</strong> somos,<br />

também nós espectadores, seduzidos.<br />

O momento <strong>de</strong> viragem para essa partilha<br />

da responsabilida<strong>de</strong> acontece<br />

quando uma das bailarinas sai do palco<br />

e prolonga o movimento pela plateia,<br />

por cima das ca<strong>de</strong>iras e das cabeças<br />

dos espectadores pedindo-lhes,<br />

precisamente, para não olharem para<br />

trás. Nessa altura o amplo palco<br />

on<strong>de</strong> permanentemente entram a<strong>de</strong>reços<br />

transfere-se para a plateia, os<br />

bailarinos interrompem as suas sequencias<br />

alegóricas e fantasmáticas<br />

(umas apostadas na blasfémia, outras<br />

divertidas no gozo evi<strong>de</strong>nte da sua<br />

<strong>de</strong>sconstrução), as luzes, sempre<br />

quentes e hipnotizantes encan<strong>de</strong>iam<br />

os espectadores e a banda sonora<br />

transforma-se num burlesco musical<br />

on<strong>de</strong> antes vivia em crescente tensão.<br />

Nessa altura, em que já não se sabe<br />

quem foi buscar o quê ou quem e on<strong>de</strong>,<br />

abre-se o jogo <strong>de</strong>ste “Orphée et<br />

Eurydice”. A peça, explica-nos Carol,<br />

“é muito intuitiva, como é intuitivo o<br />

movimento da Marie, que nunca parte<br />

da história. A história chega sempre<br />

<strong>de</strong>pois”.<br />

Para ela, o “caos criativo” da peça<br />

não é mais do que uma “metaforização<br />

do mundo subterrâneo” on<strong>de</strong><br />

Orfeu vai buscar Eurídice. “Estão lá<br />

os símbolos, como a serpente e a árvore,<br />

e está lá o gozo e o prazer”. E<br />

“Orphée et Eurydice” é, sobretudo,<br />

uma peça sobre o prazer. E as consequências<br />

<strong>de</strong> se ter prazer. Olhar para<br />

trás também po<strong>de</strong> ser uma boa hipótese,<br />

parece dizer Marie Chouinard.<br />

“Ela quer que abandonemos a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> perceber e ler directamente<br />

o que se está a passar”, explica<br />

Prieur. “A peça quer que as pessoas<br />

se relacionem com o que lhes é orgânico<br />

e, nesse caminho, que cheguem<br />

à essência da peça”. Por isso, Carol<br />

Prieur acredita que é uma tentativa<br />

<strong>de</strong> Chouinard afirmar “que somos veículos<br />

para algo maior”.<br />

Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos<br />

págs. 39 e 40<br />

24 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


FOTOGRAFO<br />

o<strong>de</strong> ser uma boa hipótese<br />

, imaginativa celebração do <strong>de</strong>sejo, da luxúria e do sexo. No limite diz-nos que não há mal nenhum<br />

. Tiago Bartolomeu Costa<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 25


Exposições<br />

Homens e mulheres bailam e rodopiam<br />

ao som <strong>de</strong> northern soul, género<br />

britânico dos anos 60 inspirado<br />

pela soul negra dos EUA. Os movimentos<br />

são atléticos e arrojados e há<br />

corpos que suam. A sala escura acentua<br />

a energia, quase clan<strong>de</strong>stina, da<br />

dança e o espectador interroga-se:<br />

<strong>de</strong>vo ver apenas ou também dançar?<br />

Eis uma das situações que Marzlive<br />

propõe na Galeria Marz, em <strong>Lisboa</strong>,<br />

até 30 <strong>de</strong> Julho. Afinal, on<strong>de</strong> acaba a<br />

arte e começa a música popular?<br />

A ambiguida<strong>de</strong> começa logo na natureza<br />

<strong>de</strong> Marzlive: não é um concerto<br />

e não é propriamente uma exposição.<br />

Não é um concerto porque,<br />

apesar do sufixo “live”, não conta<br />

com artistas/músicos fisicamente presentes.<br />

Não é uma exposição tradicional,<br />

porque consiste na projecção<br />

semanal <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os. O primeiro e o<br />

segundo, respectivamente, <strong>de</strong> Julian<br />

Rosefeldt e Johanna Billing foram projectados<br />

entre 27 <strong>de</strong> Junho e 9 <strong>de</strong> Julho<br />

e até ao fim do mês serão mostrados<br />

trabalhos <strong>de</strong> Matt Stokes, Filmgruppe<br />

West (Kai Althoff, Michaela<br />

Eichwald, Ralf Schauff e Jens Wagner)<br />

e Iain Forsyth & Jane Pollard.<br />

A presença nas obras <strong>de</strong> sons, canções,<br />

<strong>de</strong> certos diálogos ou reconhecidas<br />

referências visuais i<strong>de</strong>ntificam<br />

as relações entre a música popular e<br />

a arte contemporânea como o tópico<br />

geral do programa. Mas a exposição<br />

não é ilustrativa. A selecção dos nomes<br />

foi precedida <strong>de</strong> um período <strong>de</strong><br />

pesquisa na qual se privilegiou um<br />

dos assuntos que o encontro entre a<br />

arte e a música pop faz emergir: o<br />

questionamento da autorida<strong>de</strong> e autoria<br />

do artista enquanto criador solitário.<br />

Ou seja, os ví<strong>de</strong>os apresentados<br />

lidam com o gesto que é pensar<br />

a arte contemporânea com tipologias,<br />

realida<strong>de</strong>s e contextos provenientes<br />

da música pop.<br />

Voltemos ao trabalho <strong>de</strong>scrito no<br />

início: “Long After Tonight” (2005),<br />

“A arte<br />

contemporânea<br />

tornou-se uma<br />

componente<br />

da cultura pop<br />

contemporânea<br />

e ao fazê-lo pisou o<br />

território<br />

da produção musical”<br />

João Paulo Feliciano,<br />

artista, mentor<br />

do Real Combo<br />

Lisbonense e ex-Tina<br />

and The Top Ten<br />

<strong>de</strong> Matt Stokes (Cornualha, 1973), que<br />

po<strong>de</strong> ser visto dias 11, 14, 15 e 16 <strong>de</strong><br />

Julho. A dança foi organizada e encenada<br />

numa igreja em Dun<strong>de</strong>e on<strong>de</strong><br />

nos anos 70 se realizaram as primeira<br />

celebrações northern soul da cida<strong>de</strong><br />

escocesa. Desta vez, no entanto,<br />

os dançarinos não se limitam (como<br />

no passado) a uma ala contígua da<br />

igreja, mas bailam na nave, cercados<br />

<strong>de</strong> ícones e imagens religiosas. O<br />

acesso ao “novo” espaço foi permitido<br />

pela igreja ao artista, que assim<br />

aproxima a festa <strong>de</strong> uma subcultura<br />

ao lugar <strong>de</strong> uma comunhão. Mais do<br />

que ao corpo, à dança, é à memória<br />

<strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, mesmo temporária,<br />

que “Long After Tonight” dirige<br />

o seu repto.<br />

À comunida<strong>de</strong> e à comunhão (também<br />

patentes nas obras <strong>de</strong> Iain Forsyth<br />

& Jane Pollard ou Johanna<br />

Billing) acrescentam-se outros conceitos.<br />

Em “Aus lauter Haut do Filmgruppe<br />

West” (18, 21, 22 e 23 <strong>de</strong> Julho)<br />

Em “File<br />

Un<strong>de</strong>r Sacred<br />

Music” (25,<br />

28, 29 e 30 <strong>de</strong><br />

Julho), Iain<br />

Forsyth & Jane<br />

Pollard reconstituíram<br />

um concerto<br />

dos Cramps,<br />

em 1978,<br />

no Napa State<br />

Mental<br />

Institute,<br />

Califórnia<br />

26 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon<br />

Quando a arte vê<br />

a música pop no e<br />

Na galeria Marz, em <strong>Lisboa</strong> um conjunto <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os da autoria <strong>de</strong> artistas internacionais inspiram u<br />

aparecimento no panorama internacional da arte <strong>de</strong> exposições sobre música pop? Moda? Ou um i


é a colaboração que surge evocada<br />

através <strong>de</strong> um metáfora (histórica)<br />

da música pop: o grupo rock. Filmado<br />

em ví<strong>de</strong>o, num registo caseiro,<br />

mostra-nos o quotidiano <strong>de</strong> um conjunto<br />

com as suas tensões, expectativas<br />

e estratégias. De fora estão os<br />

concertos, as canções, o palco; sobra<br />

apenas o grupo como estrutura que<br />

revelar o artista enquanto sujeito e<br />

colaborador (Kai Althoff, um dos<br />

membros do Filmgruppe West, é músico<br />

na banda alemã Workshop)<br />

Já o último trabalho projectado,<br />

“File Un<strong>de</strong>r Sacred Music”, <strong>de</strong> Iain<br />

Forsyth & Jane Pollard (25, 28, 29 e<br />

30 <strong>de</strong> Julho), é aquele que mais explicitamente<br />

cita as narrativas da<br />

música popular urbana. Trata-se <strong>de</strong><br />

uma “reconstrução” <strong>de</strong> um concerto<br />

que os Cramps realizaram em 1978<br />

para os doentes do Napa State Mental<br />

Institute, na Califórnia. Com uma<br />

série <strong>de</strong> amigos e colaboradores, a<br />

dupla britânica reconstituiu o registo<br />

do espectáculo para inventar uma<br />

reprodução “imperfeita” on<strong>de</strong> a comunhão<br />

se confun<strong>de</strong> com a encenação<br />

e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da autoria artística<br />

se dilui na participação; uma crítica<br />

do “espectáculo” através <strong>de</strong> uma<br />

celebração diferida <strong>de</strong> um acontecimento<br />

da história do rock.<br />

Museus e música pop<br />

Marz Live é, provavelmente, a primeira<br />

exposição colectiva em Portugal<br />

exclusivamente subordinada às<br />

incursões da arte contemporânea no<br />

território da música popular. Não<br />

esgota todas as possibilida<strong>de</strong>s, mas<br />

torna-se significativa, para além das<br />

obras apresentadas, pela sua oportunida<strong>de</strong><br />

ou não reflectisse uma realida<strong>de</strong><br />

sobretudo internacional: o<br />

interesse dos curadores e dos museus<br />

por exposições sobre música<br />

pop. Fiquemo-nos só por 2009: no<br />

Kunsthalle <strong>de</strong> Düsseldorf esteve, até<br />

Maio, “Sensational Fix”, <strong>de</strong>dicada<br />

aos Sonic Youth e o Kunsverein <strong>de</strong><br />

Colónia recebeu, em Abril, “Après<br />

Crépuscule”, mostra que reunia a<br />

produção visual da editora Les Disques<br />

du Crépuscule. “Rock - Paper<br />

- Scissors” é a exposição mais recente,<br />

inaugurou no Kunsthaus Graz, na<br />

Aústria, com obras <strong>de</strong> Cory Arcangel,<br />

Sam Durant, Kim Gordon e Jutta Koether,<br />

Renée Green, Mike Kelley e<br />

Albert Oehlen.<br />

Po<strong>de</strong>mos aventar três hipóteses<br />

que explicam a aparição recorrente<br />

<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> iniciativas. Resultam <strong>de</strong><br />

tendências efémeras (vulgo modas);<br />

são organizadas com o intuito <strong>de</strong> cruzar<br />

e atrair públicos ou espelham tão<br />

somente um interesse genuíno sobre<br />

uma realida<strong>de</strong> complexa e, por isso,<br />

merecedora <strong>de</strong> uma perspectiva mais<br />

analítica.<br />

João Paulo Feliciano, artista, mentor<br />

do Real Combo Lisbonense e ex-<br />

Tina and The Top Ten, subscreve a<br />

três “teses”, não sem antes lembrar<br />

antigas genealogias: “Por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>ssas<br />

modas há antece<strong>de</strong>ntes históricos,<br />

remotos ou não tão remotos<br />

como foram os anos 60, quando se<br />

<strong>de</strong>u um miscigeneganção das artes<br />

estáticas e performativas. Acontece<br />

que hoje o contexto propicia essa<br />

miscigenação. A arte contemporânea<br />

tornou-se uma componente da cultura<br />

pop contemporânea e ao fazê-lo<br />

pisou o território da produção musical.<br />

Por outro lado a produção <strong>de</strong><br />

música expandiu-se e incorporou os<br />

componentes visuais e sonoros que<br />

implicam uma outra relação com o<br />

espaço e aproximam a experiência<br />

sonora e musical das experiências<br />

da instalação”.<br />

À evolução da produção musical<br />

juntaram-se necessida<strong>de</strong>s pragmáticas<br />

cuja existência o artista reconhece:<br />

“O catálogo <strong>de</strong> temas para os curadores<br />

inventarem exposições tem que<br />

ser alargado. E este é apetecível pois<br />

através da música po<strong>de</strong>-se chegar a<br />

públicos que não estão muito próximos<br />

da arte, mas que também não<br />

estão assim tão distantes”.<br />

Diedrich Die<strong>de</strong>richsen é dos poucos<br />

autores internacionais que pensa<br />

e escreve, ao mesmo tempo, sobre<br />

Captain Beefheart e os Melvins e John<br />

Bal<strong>de</strong>ssari ou Martin Kippenberger.<br />

“Rock - Paper – Scissors”, aliás, resulta<br />

da sua curadoria, o que não o impe<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> criticar as exposição que se<br />

limitam fazer da música pop um tema:<br />

“Detesto-as, pois prejudicam ou<br />

menosprezam as especificida<strong>de</strong>s da<br />

práticas e das obras, embora a música<br />

pop seja, <strong>de</strong> facto, um dos poucos<br />

temas abordados pelos artistas <strong>de</strong><br />

uma forma que permite comparações<br />

ou justaposições. Creio que a história<br />

das relações entre os dois campos já<br />

é conhecida. O que está por investigar<br />

é o modo como os artistas <strong>de</strong>senvolvem<br />

a sua arte através do olhar que<br />

vertem sobre a música pop”<br />

É nesta pesquisa que tem centrado<br />

a sua activida<strong>de</strong>, pesquisa a que não<br />

é alheio um entendimento aberto da<br />

própria música pop: “Interessa-me<br />

como um híbrido feito <strong>de</strong> formatos<br />

artísticos distintos, <strong>de</strong> práticas, medias,<br />

sociologias. Ora as artes visuais<br />

também são um híbrido. Por isso vejo-a<br />

como o único espelho disponível<br />

à arte contemporânea. Ao contrário<br />

do cinema e do teatro, acontece em<br />

todo lado e os seus receptores limitam-se<br />

a reunir coisas que viram,<br />

<strong>de</strong>scobriam ou fizeram. Em casa,<br />

diante da capa <strong>de</strong> um disco, <strong>de</strong> um<br />

disco ou <strong>de</strong> uma revista. Numa sala<br />

<strong>de</strong> concertos, num espaço público,<br />

com os amigos”.<br />

spelho<br />

uma pergunta: o que motiva o<br />

interesse genuíno? José Marmeleira<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 27


CARLOS MANUEL MARTINS<br />

No seu novo livro, “A Chave do<br />

Armário: Homossexualida<strong>de</strong>,<br />

Casamento, Família”, cruza<br />

abertamente o activismo com<br />

as teorias da Antropologia<br />

– e não vê nisso problema<br />

28 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Miguel Vale <strong>de</strong> Almeida<br />

Senhor <strong>de</strong> si<br />

Acaba <strong>de</strong> publicar “A Chave do Armário:<br />

Homossexualida<strong>de</strong>, Casamento, Família”, diz que<br />

homossexualida<strong>de</strong> e rebeldia já não colam, gosta da i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> “lobby” gay e quer casar-se com o companheiro mal<br />

o casamento gay seja legal em Portugal. Eis a voz mais<br />

consistente do activismo gay português. Bruno Horta<br />

Livros<br />

Dir-se-ia que se<br />

aburguesou. Sem<br />

dor ou culpa. Membro<br />

da Juventu<strong>de</strong><br />

Comunista no fim<br />

dos anos 70, militante<br />

da Política XXI e do Bloco<br />

<strong>de</strong> Esquerda até 2006, 48<br />

anos, é um dos protagonistas da luta<br />

dos homossexuais portugueses pelo<br />

casamento. Mas admite ter-se afastado<br />

do activismo esquerdista para agora<br />

abraçar i<strong>de</strong>ias liberais <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>.<br />

No seu novo livro, “A Chave do Armário:<br />

Homossexualida<strong>de</strong>, Casamento,<br />

Família”, cruza abertamente o<br />

activismo com as teorias da Antropologia.<br />

E não vê nisso problema. É o<br />

nono livro científico que escreve e o<br />

quarto ensaio editado em Portugal<br />

no último ano e meio sobre o casamento<br />

entre pessoas do mesmo (segue-se<br />

a “O Casamento entre Pessoas<br />

do Mesmo Sexo”, <strong>de</strong> Pamplona Côrte-Real<br />

e outros; “Casamento entre<br />

Pessoas do Mesmo Sexo – Sim ou<br />

Não?”, <strong>de</strong> Pedro Múrias e Miguel Nogueira<br />

<strong>de</strong> Brito; e “O Casamento Sempre<br />

foi Gay e Nunca Triste”, <strong>de</strong> José<br />

António Almeida).<br />

Frontal, polémico e bom comunicador,<br />

nasceu e vive em <strong>Lisboa</strong> e doutorou-se<br />

em Antropologia pelo ISCTE<br />

em 1994. Bloguista inveterado, escreve<br />

“Os Tempos Que Correm”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

Maio <strong>de</strong> 2003. Tímido, lê muito, sobretudo<br />

ficção das Américas. O mexicano<br />

Jorge Volpi é um dos autores que<br />

actualmente lhe interessam.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se um ficcionista e artista<br />

plástico no armário, mas já publicou<br />

um romance (“Euronovela”, 1998) e<br />

um livro <strong>de</strong> contos e <strong>de</strong>senhos (“Quebrar<br />

em Caso <strong>de</strong> Emergência”, 1996).<br />

De entre os seus livros mais conhecidos<br />

<strong>de</strong>staca-se “Senhores <strong>de</strong> Si: Uma<br />

Interpretação Antropológica da Masculinida<strong>de</strong>”<br />

(1995).<br />

Sente-se bem na pele <strong>de</strong> militante<br />

e activista e confessa que o tempo lhe<br />

ensinou que sair do armário “dá imenso<br />

po<strong>de</strong>r a uma pessoa”.<br />

Na introdução do livro diz que<br />

não é fácil para o antropólogo<br />

olhar com distância as causas em<br />

que se envolve como cidadão.<br />

É, portanto, um antropólogo<br />

activista.<br />

Sou e não tenho nenhum problema<br />

com isso.<br />

Os seus pares terão problemas<br />

com isso?<br />

Que eu saiba, não.<br />

Sempre assumi<br />

que gran<strong>de</strong> parte<br />

do que faço é para<br />

ter um efeito social<br />

específico. No passado,<br />

submetia as minhas<br />

análises antropológicas à sua<br />

utilida<strong>de</strong> social. E nas intervenções<br />

como activista tentava ser suficientemente<br />

crítico a partir do que sei da<br />

Antropologia. Com este livro quase<br />

acaba essa distinção. Isso não prejudica<br />

uma coisa ou outra. A mistura é<br />

libertadora, o que tem a ver com o<br />

amadurecimento. Se as pessoas amadurecerem<br />

bem, libertam-se <strong>de</strong> coisas.<br />

Agora, a questão é se aquilo que<br />

se produz do ponto <strong>de</strong> vista do activismo<br />

e do da Antropologia é ou não<br />

mais rico. Se for, tudo bem.<br />

Parece haver uma matriz anglosaxónica<br />

no seu modo <strong>de</strong> estar. É<br />

uma pessoa <strong>de</strong> reflexão e acção,<br />

<strong>de</strong> aca<strong>de</strong>mismo e activismo. Que<br />

lugar ocupa no espaço público<br />

português?<br />

Essa maneira <strong>de</strong> estar surgiu naturalmente,<br />

tem a ver com razões <strong>de</strong> origem<br />

e educação, e com experiências<br />

noutros lugares, nomeadamente nos<br />

EUA [fez o mestrado em Antropologia,<br />

em 1986, pela State University <strong>de</strong> Nova<br />

Iorque]. O espaço que gosto <strong>de</strong> ocupar,<br />

e on<strong>de</strong> me sinto bem, é o da militância<br />

e activismo, mas não dou<br />

muito o corpo ao manifesto.<br />

Mas <strong>de</strong>sfila sempre na Marcha do<br />

Orgulho LGBT [Lésbicas, Gays,<br />

Bissexuais e Transgéneros], em<br />

<strong>Lisboa</strong>.<br />

Sim, mas <strong>de</strong>pois não sou bom no tra-<br />

“Gosto <strong>de</strong> correr<br />

o risco <strong>de</strong> sair<br />

do conforto <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>finição categorial<br />

muito certa:<br />

o académico,<br />

o activista, isto ou<br />

aquilo. Curiosamente,<br />

isto bate certo com<br />

o ar dos tempos”<br />

balho colectivo e associativo, sou melhor<br />

a escrever. Tenho esse problema,<br />

sou intelectual. Mas gosto que o que<br />

escrevo dialogue com a socieda<strong>de</strong> e<br />

gosto <strong>de</strong> ter um registo radical. Não<br />

faço Antropologia para <strong>de</strong>ntro, mas<br />

para fora. Escrevo não apenas em livros,<br />

mas também nos media, para<br />

permitir o acesso <strong>de</strong> outras pessoas.<br />

Gosto <strong>de</strong> escrever com cuidado e tratar<br />

bem a língua, mas não gosto <strong>de</strong> ter<br />

uma língua elitista, gosto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

dizer asneiras, falar coloquialmente.<br />

É um jogo <strong>de</strong>licado.<br />

Se tivesse <strong>de</strong> me <strong>de</strong>screver diria que<br />

gosto <strong>de</strong> correr o risco <strong>de</strong> sair do conforto<br />

<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição categorial muito<br />

certa: o académico, o activista, isto<br />

ou aquilo. Curiosamente, isto bate<br />

certo com o ar dos tempos. A partir<br />

dos anos 80, 90, com a transformação<br />

da socieda<strong>de</strong> em termos dos meios <strong>de</strong><br />

comunicação, das legitimações do que<br />

as pessoas fazem e da divisão do<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Av. Frei Miguel Contreiras, 52 | 1700-213 <strong>Lisboa</strong><br />

telefone: 218 438 800 | www.teatromariamatos.egeac.pt<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 29


NUNO FERREIRA SANTOS<br />

trabalho, <strong>de</strong>u-se essa mistura <strong>de</strong><br />

estilos. Entrei nela algures nos anos<br />

80, na universida<strong>de</strong>. Mais até através<br />

<strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s artísticas ou associativas<br />

estudantis, do que do ponto <strong>de</strong><br />

vista científico ou activista. Foi através<br />

<strong>de</strong> leituras, <strong>de</strong> filmes que víamos, da<br />

forma como olhávamos o mundo que<br />

eu e um certo grupo <strong>de</strong> amigos, que<br />

tínhamos 13 ou 14 anos no 25 <strong>de</strong> Abril,<br />

criámos nos anos 80 um modo <strong>de</strong> estar<br />

que foi a reacção <strong>de</strong> quem recusou<br />

<strong>de</strong>siludir-se com o 25 <strong>de</strong> Abril.<br />

Uma reacção muito Bloco <strong>de</strong><br />

Esquerda (BE), diríamos hoje.<br />

Ao BE foram parar muitas pessoas<br />

<strong>de</strong>sse tipo, sim.<br />

O início da sua militância<br />

política coinci<strong>de</strong> com o do<br />

activismo gay?<br />

Não exactamente. Ao formar-se o BE<br />

[1999] fui introduzindo no partido<br />

questões <strong>de</strong> temática LGBT. Mas já<br />

participava em conferências ou <strong>de</strong>bates,<br />

como antropólogo e gay assumido.<br />

Mas o meu activismo não é o activismo<br />

das associações. É o activismo<br />

<strong>de</strong> cronista, sobretudo quando escrevia<br />

no PÚBLICO [1992-1995], e da participação<br />

cívica.<br />

Sente-se o principal responsável<br />

pela dinâmica LGBT do BE?<br />

Não, porque havia todo um segmento<br />

que vinha do Grupo <strong>de</strong> Trabalho Homossexual<br />

do PSR [um dos partidos<br />

que <strong>de</strong>ram origem ao BE]. Mas lembro-me<br />

<strong>de</strong> introduzir as coisas a partir<br />

<strong>de</strong> uma perspectiva menos i<strong>de</strong>ológica<br />

e mais preocupada com igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

direitos e cumprimento da <strong>de</strong>mocracia,<br />

sobretudo no que se refere ao casamento.<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se o teórico do<br />

movimento gay português?<br />

Espero que não, é um troféu que não<br />

me agrada muito. E há outras pessoas.<br />

Aceito que seja um dos teóricos, mas<br />

é uma responsabilida<strong>de</strong> e não especial<br />

prazer.<br />

No livro faz a distinção entre o<br />

activismo gay “left”, originário<br />

dos anos 60 e 70, e o activismo<br />

gay pós-sida, mais actual. O seu<br />

será este último.<br />

Po<strong>de</strong> dizer-se que sim, mas tenho as<br />

duas coisas na minha bagagem. Pensei<br />

muito em termos da ligação entre uma<br />

teoria social <strong>de</strong> esquerda e as questões<br />

O movimento [gay]<br />

“[está] agora mais<br />

preocupado com<br />

a integração e o<br />

reconhecimento da<br />

igualda<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong><br />

direitos e menos<br />

preocupado em fazer<br />

da orientação sexual,<br />

nomeadamente<br />

a homossexual, uma<br />

fonte necessária<br />

<strong>de</strong> rebeldia”<br />

O livro <strong>de</strong> Miguel Vale <strong>de</strong><br />

Almeida é o quarto ensaio<br />

editado em Portugal no último<br />

ano e meio sobre o casamento<br />

entre pessoas do mesmo sexo<br />

JOÃO HENRIQUES<br />

<strong>de</strong> orientação sexual, <strong>de</strong>pois fui fazendo<br />

o meu percurso e acompanhando<br />

os tempos. Assim que nos EUA<br />

começou a reivindicação do casamento<br />

percebi que muita coisa já se tinha<br />

transformado. E isso correspon<strong>de</strong> a<br />

uma sociologia do período pós-sida.<br />

Mas então a sua é uma atitu<strong>de</strong><br />

recente, porque a reivindicação<br />

do casamento nos EUA é coisa já<br />

dos anos dois mil.<br />

É quase já dos anos dois mil, mas resulta<br />

<strong>de</strong>ssa reconfiguração da comunida<strong>de</strong><br />

e do movimento [gay], agora<br />

mais preocupado com a integração e<br />

o reconhecimento da igualda<strong>de</strong> jurídica<br />

<strong>de</strong> direitos e menos preocupado<br />

em fazer da orientação sexual, nomeadamente<br />

a homossexual, uma fonte<br />

necessária <strong>de</strong> rebeldia. Isto é, <strong>de</strong>ixou<br />

<strong>de</strong> se ver nisso qualquer acto anti-sistémico.<br />

O que é bom ou mau?<br />

Faz parte da realida<strong>de</strong>. Se queremos<br />

promover maiores oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

felicida<strong>de</strong> para um maior número <strong>de</strong><br />

pessoas, e é isso que me interessa como<br />

programa político, seja ele qual<br />

for, temos que ter propostas o mais<br />

abrangentes possível. Não impe<strong>de</strong> que<br />

se faça um trabalho crítico, e aí a Antropologia<br />

entra, que fale sobre o patriarcado,<br />

a heteronormativida<strong>de</strong> e a<br />

ligação <strong>de</strong>ssas realida<strong>de</strong>s a outras,<br />

económicas, políticas, etc. Agora, do<br />

ponto <strong>de</strong> vista estratégico, prefiro<br />

apostar no cumprimento<br />

das promessas liberais.<br />

Foi difícil assumir-se<br />

como gay?<br />

Foi problemático do<br />

ponto <strong>de</strong> vista psicológico,<br />

<strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>.<br />

Coincidiu com o fim da<br />

adolescência e o início<br />

da ida<strong>de</strong> adulta jovem,<br />

em que toda a gente passa<br />

por complicações i<strong>de</strong>ntitárias.<br />

Eu tinha esta a mais,<br />

por falta <strong>de</strong> informação e<br />

receio <strong>de</strong> reacções. Finalmente,<br />

já tar<strong>de</strong>, em 1984, quando<br />

concluí a licenciatura e fui<br />

para os EUA, fiz o “coming<br />

out” [assunção da homossexualida<strong>de</strong>]<br />

para os amigos. Na<br />

família foi mais tar<strong>de</strong>, em 1986,<br />

quando tive a primeira relação<br />

estável. Depois comecei a trabalhar<br />

na universida<strong>de</strong> e disse a toda a gente<br />

para que no trabalho a coisa ficasse<br />

logo estabelecida. Dois ou três<br />

anos <strong>de</strong>pois, comecei a ter activida<strong>de</strong><br />

pública e aí a coisa foi por si. Publicamente,<br />

assumi numa crónica no<br />

PÚBLICO, <strong>de</strong> forma indirecta.<br />

Alguma vez se sentiu<br />

prejudicado no trabalho por ser<br />

gay assumido?<br />

Directamente, não. Indirectamente,<br />

não sei. Aliás, é um dos mistérios <strong>de</strong>sta<br />

questão. Muitos gays e lésbicas são<br />

prejudicados <strong>de</strong> forma frontal, violentíssima,<br />

terrível. Mas também são<br />

prejudicadas sem nunca saberem<br />

que o foram. Agora, em <strong>de</strong>terminados<br />

meios, para <strong>de</strong>terminadas origens<br />

sociais privilegiadas, como reconheço<br />

que tenho, as coisas acontecem<br />

menos. A verda<strong>de</strong>, porém, é<br />

que fazer o “coming out” dá imenso<br />

po<strong>de</strong>r a uma pessoa. Permite uma<br />

guerra preventiva, como diria George<br />

Bush.<br />

Desarma os outros?<br />

Completamente. Colocamos as cartas<br />

na mesa e isso torna difícil o ataque.<br />

As pessoas sofrem muitas vezes por<br />

causa da sua orientação sexual porque<br />

a vivem secretamente e os outros,<br />

ao saberem, po<strong>de</strong>m manipular<br />

o segredo.<br />

Já foi beneficiado por ser gay?<br />

Isso não. Não consigo ver situações<br />

on<strong>de</strong> os critérios não tivessem sido<br />

os do mérito.<br />

Dá i<strong>de</strong>ia que em Portugal a<br />

assunção <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da profissão<br />

que se exerce. Ou se assumem<br />

os profissionais liberais, artistas<br />

incluídos, ou os académicos.<br />

Concorda?<br />

Percebo que se possa ter essa percepção,<br />

mas não concordo. Nos últimos<br />

anos tenho participado mais na vida<br />

associativa e conheci pessoas das<br />

mais diversas origens sociais, geracionais,<br />

profissionais, com capitais<br />

culturais completamente diferentes.<br />

Uma das coisas que mais me doem é<br />

ver que o meio artístico e do “entertainment”<br />

fecha-se completamente.<br />

Há um “coming out” interno, para os<br />

amigos, mas não para a socieda<strong>de</strong>.<br />

Logo temos uma amostra pouco representativa<br />

da diversida<strong>de</strong>. Nos últimos<br />

anos surgiu um pequeno número<br />

<strong>de</strong> intelectuais e académicos<br />

que o fizeram, sim, mas no mundo<br />

do “entertainment” só recentemente<br />

começou a acontecer alguma coisa<br />

[apresentadores Solange F. e Manuel<br />

Luís Goucha].<br />

Em Portugal não se usa<br />

o método <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar<br />

publicamente a orientação<br />

sexual das figuras públicas. Que<br />

pensa disso?<br />

É uma estratégia errada, só seria admissível<br />

no caso extremo <strong>de</strong> uma<br />

pessoa francamente homofóbica que<br />

praticasse actos políticos persecutórios.<br />

Mas o princípio é o do respeito<br />

pela vonta<strong>de</strong> dos outros, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> isso ser prejudicial<br />

para o avanço colectivo.<br />

Diz neste livro que o seu<br />

companheiro é Paulo Côrte-<br />

Real [presi<strong>de</strong>nte da associação<br />

ILGA Portugal e professor<br />

na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Economia<br />

da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>].<br />

Vivem em união <strong>de</strong> facto <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

quando?<br />

Des<strong>de</strong> 2001.<br />

Se o casamento gay for possível<br />

em Portugal tencionam casarse?<br />

Sim.<br />

Essa é uma opção nova para si.<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> casamento cresceu entre nós<br />

e em função da luta que temos feito.<br />

Hoje parece-me inquestionável que o<br />

faria, mas houve uma altura em que<br />

pensava que não seria necessário casar.<br />

De um ponto <strong>de</strong> vista simbólico e pragmático<br />

a união <strong>de</strong> facto não é suficiente<br />

para um conjunto <strong>de</strong> coisas.<br />

A discussão sobre o casamento<br />

gay em Portugal foi lançada pela<br />

ILGA, através <strong>de</strong> uma petição<br />

[entregue na Assembleia da<br />

República a 16 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong><br />

2006]. Se o activismo tivesse<br />

cedido na palavra casamento e<br />

aceitasse outra figura jurídica,<br />

mas com os mesmos direitos, a<br />

esta hora já haveria portugueses<br />

a beneficiar das vantagens que o<br />

casamento gay vai trazer?<br />

Felizmente, acho que não, porque se<br />

não ficávamos numa posição complicada<br />

do ponto <strong>de</strong> vista histórico.<br />

Gran<strong>de</strong> parte das reacções que houve<br />

<strong>de</strong> hesitação ou contra as propostas<br />

que foram feitas, ainda na fase da discussão<br />

das uniões <strong>de</strong> facto e mais<br />

tar<strong>de</strong> com o casamento, não tinham<br />

nem têm a ver com o nome, mas com<br />

o reconhecimento. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o<br />

casamento já estar colocado na agenda<br />

política é que surgiram questões<br />

do tipo “está bem, mas com outro<br />

nome”.<br />

E por que não outro nome?<br />

Pela questão do reconhecimento simbólico.<br />

O mundo social é feito <strong>de</strong> material<br />

e <strong>de</strong> simbólico, <strong>de</strong> forma indissociável.<br />

Se uma pessoa tem dinheiro,<br />

tem simbolicamente po<strong>de</strong>r e reconhecimento.<br />

Se uma pessoa tem um diploma,<br />

que é um reconhecimento<br />

simbólico, tem maior probabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> obter bens materiais.<br />

Isso é partir do princípio <strong>de</strong> que<br />

a instituição casamento está<br />

muito bem cotada.<br />

Não estou a falar <strong>de</strong> prestígio, mas do<br />

reconhecimento que o Estado faz da<br />

capacida<strong>de</strong> que os cidadãos têm <strong>de</strong><br />

ace<strong>de</strong>r ou não a <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong><br />

instituições.<br />

Mas uma instituição é tanto mais<br />

importante simbolicamente<br />

quanto maior prestígio tiver.<br />

Uma instituição <strong>de</strong>sacreditada<br />

não é simbolicamente relevante.<br />

Mas ela não é tão <strong>de</strong>sacreditada quanto<br />

isso, porque foi reformulada pela<br />

dinâmica social. Deixou <strong>de</strong> ser uma<br />

instituição patriarcal há muito. Do<br />

ponto <strong>de</strong> vista jurídico, há absoluta<br />

igualda<strong>de</strong> entre homens e mulheres<br />

30 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


no casamento. Nas práticas sociais<br />

foi reconfigurado sob a forma da pura<br />

relação, <strong>de</strong> que fala [o sociólogo<br />

inglês] Anthony Gid<strong>de</strong>ns. Cada vez<br />

mais, o casamento é supostamente<br />

por amor, supostamente para durar<br />

enquanto os sentimentos durarem,<br />

para mútua gratificação das pessoas,<br />

feito na base do elogio da igualda<strong>de</strong><br />

máxima possível entre os membros<br />

do casal, etc. O reconhecimento simbólico<br />

tem a ver com isto: consi<strong>de</strong>rar<br />

que aquelas pessoas [gays e lésbicas]<br />

são exactamente como as outras, porque<br />

po<strong>de</strong>m ace<strong>de</strong>r a tudo. A prova<br />

<strong>de</strong> que isso é verda<strong>de</strong> está em que<br />

quem se opõe ao casamento ainda<br />

tenta dizer que há uma diferença [entre<br />

casais gay e “hetero”].<br />

Admite que o <strong>de</strong>bate público<br />

sobre o casamento gay estava<br />

por fazer quando em Outubro o<br />

Partido Socialista inviabilizou no<br />

Parlamento as propostas do BE<br />

e <strong>de</strong> Os Ver<strong>de</strong>s para o casamento<br />

gay?<br />

Admitira que sim se essa tivesse sido<br />

a verda<strong>de</strong>ira razão. Mas a razão foi<br />

apenas uma clara estratégia políticopartidária.<br />

O <strong>de</strong>bate já estava a acontecer<br />

e houve sempre a recusa <strong>de</strong><br />

admitir isso. Tinha havido uma petição,<br />

<strong>de</strong>bates na TV e nos jornais, crónicas,<br />

livros recentes… Mas isso agora<br />

é pouco relevante. Houve uma<br />

aceleração extraordinária nos últimos<br />

meses e resulta <strong>de</strong> um trabalho<br />

<strong>de</strong> sapa feito durante muitos anos,<br />

quando muitas pessoas achavam que<br />

não havia <strong>de</strong>bate.<br />

Acha que se vai casar ainda este<br />

ano?<br />

Este ano já não, ainda temos <strong>de</strong> ir a<br />

eleições, ver o resultado das ditas e<br />

em função disso ver os “timings” legislativos.<br />

Antes das Europeias estava mais<br />

convicto <strong>de</strong> que o casamento gay<br />

seria uma realida<strong>de</strong> este ano?<br />

A maioria política existe. Os partidos<br />

que apoiam a alteração do Código Civil<br />

têm uma maioria, mesmo comparando<br />

com os resultados das Europeias.<br />

Estou convencido <strong>de</strong> que não<br />

esperaremos muito tempo. Agora, digo<br />

sinceramente, se o PSD tiver uma<br />

maioria absoluta é uma <strong>de</strong>rrota para<br />

nós e teremos <strong>de</strong> esquecer o assunto<br />

durante quatro anos.<br />

Tem <strong>de</strong>fendido que se <strong>de</strong>ve<br />

discutir a adopção por casais gay<br />

ao mesmo tempo que se discute<br />

o casamento, para não dar<br />

argumentos aos opositores. Mas<br />

o que é facto é que ninguém fala<br />

<strong>de</strong> adopção. Porquê?<br />

O que digo é que não <strong>de</strong>ve haver<br />

receio <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a qualquer pergunta<br />

sobre a adopção. E a resposta<br />

que se <strong>de</strong>ve dar é a <strong>de</strong> que o assunto<br />

está mal colocado. Está a ser utilizado<br />

como espantalho para assustar as<br />

pessoas em relação ao casamento. A<br />

adopção não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da alteração à<br />

lei do casamento, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros<br />

articulados da lei. E é apenas uma<br />

parte <strong>de</strong> um conjunto mais vasto <strong>de</strong><br />

questões que são a homoparentalida<strong>de</strong><br />

e a reprodução. Quando um<br />

certo tipo <strong>de</strong> opositores elegem a<br />

adopção como questão, não posso<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dizer que estão a mexer<br />

no fantasma da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma<br />

criança a viver com um casal <strong>de</strong><br />

homens – com um casal <strong>de</strong> mulheres<br />

aceita-se melhor. Tem <strong>de</strong><br />

se dar uma resposta a<br />

esse argumento falacioso<br />

e explicar que<br />

o que está em<br />

causa é a igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> acesso<br />

ao casamento,<br />

o que não<br />

CARLOS MANUEL MARTINS<br />

“‘Lobby’ é o que<br />

o movimento social<br />

tem <strong>de</strong> fazer. Falar<br />

com <strong>de</strong>putados,<br />

jornalistas, ven<strong>de</strong>r<br />

o seu peixe.<br />

É absolutamente<br />

salutar”<br />

JOÃO HENRIQUES<br />

quer dizer que não haja outras coisas<br />

por cumprir. A luta contra a homofobia<br />

não acabará <strong>de</strong>pois da aprovação<br />

do casamento. O casamento é<br />

apenas uma <strong>de</strong> muitas formas jurídicas<br />

que garantem que a homofobia<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> acontecer.<br />

Não lhe parece que a luta contra<br />

a homofobia passa também por<br />

acabar com a falta <strong>de</strong> respeito<br />

entre os próprios homossexuais<br />

e o tratamento pouco humano<br />

que por vezes dispensam uns aos<br />

outros?<br />

Respon<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> duas maneiras. Precisamos<br />

<strong>de</strong> tornar os homossexuais<br />

mais visíveis e visíveis na sua enorme<br />

diversida<strong>de</strong>, porque a questão da<br />

orientação sexual é absolutamente<br />

transversal à socieda<strong>de</strong>. Muitas vezes<br />

passamos a imagem <strong>de</strong> que o homossexual<br />

é homem, e não mulher, urbano,<br />

<strong>de</strong> classe média, com algum dinheiro<br />

e gosta <strong>de</strong> ir às discotecas. Ao<br />

fazer isso estamos a esquecer o canalizador<br />

e a lava<strong>de</strong>ira.<br />

Por outro lado, temos <strong>de</strong> fazer uma<br />

luta contra a homofobia interiorizada.<br />

Os gays e as lésbicas crescem na mesma<br />

socieda<strong>de</strong> que os heterossexuais,<br />

por isso interiorizam também a homofobia.<br />

Gran<strong>de</strong> parte da sua luta é<br />

para se aceitarem a si próprios, mas<br />

muitas vezes projectam a homofobia<br />

nos outros. É preciso esse respeito<br />

mútuo, <strong>de</strong> facto. Agora, não me parece<br />

que haja nenhuma pecha particular<br />

dos gays e lésbicas em termos <strong>de</strong> falta<br />

<strong>de</strong> respeito que seja diferente da falta<br />

<strong>de</strong> respeito que há entre qualquer outro<br />

grupo social.<br />

Fica bem em televisão,<br />

argumenta bem, está à-vonta<strong>de</strong>.<br />

De on<strong>de</strong> lhe vem esse jogo <strong>de</strong><br />

cintura mediático?<br />

Não sei, mas vou-lhe dizer uma coisa<br />

que é capaz <strong>de</strong> ter piada: só me sinto<br />

bem na televisão. Descobri que gosto<br />

imenso daquele meio e em particular<br />

<strong>de</strong> estar em directo. As coisas gravadas<br />

tiram-me completamente o tesão, como<br />

se costuma dizer. No entanto, sou<br />

um bocado tímido e pouco sociável.<br />

Tem razões <strong>de</strong> queixa dos media<br />

em relação a si ou ao movimento<br />

gay?<br />

Em relação a mim, não. Em relação<br />

ao movimento gay, há cada vez menos<br />

razões <strong>de</strong> queixa e que já foi muito<br />

pior. Muitas vezes faziam coisas mal<br />

por ignorância e não por malva<strong>de</strong>z.<br />

Houve um gran<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> pedagogia<br />

feito movimento, no sentido <strong>de</strong><br />

enviar materiais, contactar as pessoas,<br />

chamar a atenção.<br />

Fazer “lobby”.<br />

Sim, sim, excelente palavra, sem qualquer<br />

problema. É irreal como certas<br />

expressões são apropriadas e transformadas<br />

numa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> maçonaria<br />

ou socieda<strong>de</strong> secreta. “Lobby” é o que<br />

o movimento social tem <strong>de</strong> fazer. Falar<br />

com <strong>de</strong>putados, jornalistas, ven<strong>de</strong>r o<br />

seu peixe. É absolutamente salutar.<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 31


Livros<br />

O tom irónico<br />

e <strong>de</strong>smedido das<br />

primeiras obras<br />

<strong>de</strong> Jay McInerney,<br />

alimentadas<br />

a álcool, drogas<br />

e sexo, foi<br />

lentamente<br />

substituído por<br />

uma toada elegíaca<br />

que, em “A Boa<br />

Vida”, atinge<br />

o apogeu<br />

Espaço<br />

Público<br />

Ficção<br />

Elegia<br />

Meditação pungente <strong>de</strong> um<br />

homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> que<br />

chora a sua juventu<strong>de</strong> na<br />

Nova Iorque ferida do “11/9”.<br />

Helena Vasconcelos<br />

A Boa Vida<br />

Jay McInerney<br />

(Trad. Carla Lopes)<br />

Edição Teorema<br />

mmmmn<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

“A Boa Vida”<br />

começa em<br />

vésperas <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />

Setembro <strong>de</strong> 2001,<br />

quando Nova<br />

Iorque vive as<br />

últimas horas<br />

antes da<br />

catástrofe. Entre<br />

os seus habitantes encontram-se dois<br />

casais em lugares opostos <strong>de</strong><br />

Manhattan: no Upper East Si<strong>de</strong>, os<br />

abastados Luke e Sasha preparam-se<br />

para uma festa <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> no Jardim<br />

Zoológico em Central Park, por entre<br />

o frenesim <strong>de</strong> fotógrafos e<br />

“socialites”. Em TriBeCa, Corrine e<br />

Russell – o casal que protagonizou<br />

“Quando o Brilho Cai” e alguns<br />

contos do autor – recebem amigos<br />

para jantar no seu “loft” alugado,<br />

on<strong>de</strong> vivem com os filhos gémeos,<br />

conseguidos graças à fertilização dos<br />

óvulos da pouco<br />

recomendável irmã<br />

<strong>de</strong> Corrine,<br />

Hillary.<br />

O<br />

ambiente –<br />

Salman<br />

(Rushdie)<br />

cancelou,<br />

mas entre<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

“Um Outro”, <strong>de</strong> Kertész, é um “road movie” por cenários europeus<br />

que documenta um sentimento <strong>de</strong> nojo do mundo<br />

os convidados está um cineasta e o<br />

dono <strong>de</strong> um restaurante, ambos<br />

célebres – é <strong>de</strong> sofisticada<br />

<strong>de</strong>scontracção, enquanto Russell,<br />

armado em “chef” e embrenhado<br />

“na nova esfera <strong>de</strong> acção competitiva<br />

masculina” da restauração (o próprio<br />

McInerney escreveu um livro sobre<br />

vinhos) se afadiga na preparação do<br />

repasto que envolve “Sturm und<br />

Drang, angst e adrenalina”.<br />

É mais uma noite <strong>de</strong> azáfama novaiorquina<br />

mas tanto na reunião da alta<br />

finança como na da “inteligentsia”<br />

são visíveis alguns sinais <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sespero e <strong>de</strong>sconforto. Corrine<br />

teme que a irmã lhe tire os filhos e<br />

suspeita <strong>de</strong> que Russell tem uma<br />

amante, Luke, financeiro que <strong>de</strong>cidiu<br />

reformar-se para “dar mais atenção à<br />

família”, apercebe-se <strong>de</strong> que a<br />

mulher e a filha pouco precisam <strong>de</strong>le,<br />

Sasha continua as suas activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

boneca <strong>de</strong> luxo e Ashley, com 14 anos<br />

(“ter 14 anos em Manhattan é o<br />

equivalente a ter 27 noutro local”),<br />

encontra-se em estado avançado na<br />

exploração do radiante universo das<br />

drogas, sexo e consumismo.<br />

McInerney é suficientemente hábil<br />

para introduzir a catástrofe <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />

Setembro como catalisadora sem a<br />

<strong>de</strong>screver em <strong>de</strong>talhe, embora seja<br />

claro que tudo muda num instante<br />

com a rapi<strong>de</strong>z mortífera <strong>de</strong> uma<br />

bomba atómica. O ambiente é<br />

apocalíptico, os pesa<strong>de</strong>los inva<strong>de</strong>m<br />

as mentes dos sobreviventes, as<br />

famílias e os grupos amputados –<br />

toda a gente conhece alguém<br />

<strong>de</strong>saparecido – discutem entre si se<br />

<strong>de</strong>vem partir ou ficar, e, como uma<br />

maré torrencial, as pessoas afastamse<br />

do que anteriormente lhes<br />

fornecia a segurança <strong>de</strong> uma<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, enlouquecendo ao<br />

respirar o ar rarefeito e envenenado<br />

dos escombros e dos milhares <strong>de</strong><br />

corpos incinerados.<br />

Corrine, que se cruza na manhã do<br />

dia 12 com Luke na rua enegrecida<br />

pelo fumo e pelos <strong>de</strong>tritos – existem<br />

várias referências a Pompeia –,<br />

abandona a família, tão dificilmente<br />

construída e mantida, para passar as<br />

noites com os voluntários no Ground<br />

Zero. É aí que reencontra Luke, <strong>de</strong><br />

quem se torna amante, numa relação<br />

que tem tanto <strong>de</strong> prazer como <strong>de</strong><br />

culpa. Não é por acaso que McInerney<br />

cita directamente Graham Greene,<br />

colocando Corrine a trabalhar no<br />

guião <strong>de</strong> “O Coração da Matéria”, o<br />

livro em que o escritor católico<br />

explora as agonias <strong>de</strong> um homem<br />

preso a duas mulheres no seguimento<br />

<strong>de</strong> uma catástrofe. (Note-se que na<br />

Manhattan do século XXI o “affair”<br />

entre duas pessoas <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong><br />

cujos respectivos cônjuges lhes são<br />

também infiéis é reconhecidamente<br />

banal e por vezes ganha contornos <strong>de</strong><br />

uma “sitcom”, só alcançando o<br />

“pathos” necessário <strong>de</strong>vido às<br />

circunstâncias em que se <strong>de</strong>senrola).<br />

Entre a Nova Iorque que converge<br />

para o ponto <strong>de</strong> impacto – à noite, a<br />

“feérie” do cenário das escavações é<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

tão hipnótica como o sol<br />

adorado num<br />

tabernáculo – e a que<br />

procura afastar-se <strong>de</strong>sse<br />

“buraco” vertiginoso e horrendo,<br />

existe um abissal <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong><br />

forças, semelhante ao que divi<strong>de</strong><br />

aqueles que buscam uma espécie <strong>de</strong><br />

re<strong>de</strong>nção e <strong>de</strong> catarse e os que se<br />

<strong>de</strong>ixam levar pela trivialida<strong>de</strong><br />

absurda das suas vidas. A contrapor à<br />

doçura fitzgeraldiana das cenas com<br />

Corrine e Luke, McInerney faz uso da<br />

sátira – contaminações <strong>de</strong> Martin<br />

Amis, <strong>de</strong> Tom Wolfe e <strong>de</strong> Jonathan<br />

Swift (“The Lady’s Dressing Room”,<br />

1732, na cena em que Sasha se está a<br />

arranjar para sair) – para <strong>de</strong>screver<br />

personagens como o filantropo<br />

bilionário Bernie Melman, a “Barbie”<br />

Sasha, Trisha (amante <strong>de</strong> Russell),<br />

Hillary e Ashley, figuras que parecem<br />

sair directamente <strong>de</strong> “O Sexo e a<br />

Cida<strong>de</strong>”. McInerney remete-nos para<br />

a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um universo que lhe é<br />

familiar – toda a gente está a escrever<br />

livros ou a <strong>de</strong>dicar-se a causas sociais<br />

(com maior ou menor cinismo),<br />

activida<strong>de</strong>s essenciais do tecido<br />

urbano <strong>de</strong> Manhattan – enquanto<br />

explora a perda repetida da<br />

“inocência”, esse tema tão<br />

fortemente inscrito na cultura<br />

americana e que, ciclicamente,<br />

contamina a sua Literatura, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

finais do século XVIII.<br />

McInerney publicou “Bright Lights,<br />

Big City” em 1984, quando o romance<br />

era consi<strong>de</strong>rado género em extinção.<br />

Na esteira <strong>de</strong> escritores como<br />

Raymond Carver (que foi seu<br />

professor <strong>de</strong> Escrita Criativa) e Ann<br />

Beattie, re<strong>de</strong>senhou o mapa literário,<br />

arrastando consigo autores como Bret<br />

Easton Ellis (com quem tem trocado<br />

personagens), Mark Lindquist e Tama<br />

Janowitz. Foram apelidados <strong>de</strong> “Brat<br />

Pack“ e assumiram-se como fiéis<br />

her<strong>de</strong>iros da “geração perdida” dos<br />

anos vinte, incluindo no seu<br />

“curriculum” os excessos e as<br />

extravagâncias que os catapultaram<br />

para o circuito dos ricos e famosos.<br />

McInerney acompanhou os altos e<br />

baixos das últimas décadas numa<br />

escrita com um cunho fortemente<br />

autobiográfico mas o tom rápido,<br />

contun<strong>de</strong>nte, irónico e <strong>de</strong>smedido<br />

dos primeiros anos, alimentados a<br />

álcool, drogas e sexo, foi lentamente<br />

substituído por uma toada elegíaca<br />

que, em “A Boa Vida”, atinge o seu<br />

apogeu e se transforma na meditação<br />

pungente <strong>de</strong> um homem <strong>de</strong> meiaida<strong>de</strong><br />

que chora a sua juventu<strong>de</strong> na<br />

metrópole esplendorosa, seriamente<br />

ferida, envolta em cinzas e cheirando<br />

a morte. Se Jay Gatsby é o ícone <strong>de</strong><br />

uma época – o final amargo da gran<strong>de</strong><br />

festa dos anos vinte – McInnerney<br />

entoa o canto fúnebre <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>cadência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />

anos 80 e sujeita ao golpe quase<br />

mortal do início do novo milénio,<br />

quando as luzes se apagaram e os<br />

versos <strong>de</strong> Rimbaud se inscreveram, a<br />

néon, no céu: “Jadis, si je me souviens<br />

bien, ma vie était un festin où<br />

s’ouvraient tous<br />

les coeurs, où tous<br />

les vins coulaient.” É<br />

verda<strong>de</strong> que o “barco<br />

ébrio” do poeta francês não<br />

chegou a bom porto mas McInerney<br />

espera, ainda, que a re<strong>de</strong>nção seja<br />

possível e que o brilho regresse.<br />

Nota: reconhecendo-se a dificulda<strong>de</strong><br />

numa tradução on<strong>de</strong> abundam os<br />

termos e o jargão “locais”, é <strong>de</strong><br />

lamentar alguns erros – um exemplo:<br />

“Canal” não é um “canal” mas sim<br />

uma rua, “Canal Street”, importante<br />

neste contexto porque separa Little<br />

Italy <strong>de</strong> China Town e é uma das<br />

<strong>de</strong>limitações <strong>de</strong> TriBeCa (Triangle<br />

Below Canal Street) – e as múltiplas<br />

notas <strong>de</strong> rodapé, que po<strong>de</strong>riam ter<br />

sido remetidas para um glossário.<br />

Crónica da<br />

estranheza<br />

Reflexões <strong>de</strong> uma das<br />

vozes mais angustiadas da<br />

literatura da Europa Central.<br />

José Riço Direitinho<br />

Um Outro<br />

Imre Kertész<br />

(tradução do húngaro <strong>de</strong> Ernesto<br />

Rodrigues)<br />

Editorial Presença, €11,00<br />

mmmmm<br />

Quando, em 2002, a<br />

Aca<strong>de</strong>mia Sueca<br />

<strong>de</strong>cidiu distinguir<br />

com o Prémio Nobel<br />

<strong>de</strong> Literatura o<br />

húngaro Imre<br />

Kertész (n. 1929),<br />

este continuava<br />

ainda a ser um<br />

quase <strong>de</strong>sconhecido no seu país.<br />

Durante décadas, por circunstâncias<br />

estranhas, os seus livros não tinham<br />

passado <strong>de</strong> umas exíguas primeiras<br />

edições e as instituições estatais, por<br />

intermédio dos “secretários<br />

kafkianos” do regime (que, no<br />

entanto, o vigiavam), <strong>de</strong>dicavam-lhe<br />

uma propositada indiferença e falso<br />

<strong>de</strong>sdém. Como diz uma sua<br />

personagem: “Para quê liquidá-lo?<br />

Ele vai sucumbir sozinho.”<br />

Imre Kertész nasceu em Budapeste<br />

numa família judia assimilada, e em<br />

1944 (com 15 anos) foi <strong>de</strong>portado para<br />

Auschwitz e mais tar<strong>de</strong> transferido<br />

para o campo <strong>de</strong> Buchenwald, <strong>de</strong><br />

on<strong>de</strong> foi libertado em 1945.<br />

Regressado a Budapeste, entre outras<br />

ocupações exerceu o jornalismo num<br />

periódico, mas no início da década <strong>de</strong><br />

50 foi <strong>de</strong>mitido quando o jornal se<br />

transformou numa espécie <strong>de</strong> órgão<br />

oficial do Partido Comunista. Passou<br />

a viver do ofício <strong>de</strong> tradutor, vertendo<br />

da língua alemã autores como<br />

Nietzsche, Hofmannsthal, Freud,


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

O segundo romance <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />

publicado em 1988, chega agora às livrarias<br />

em terceira edição<br />

Wittgenstein, Schnitzler, Canetti,<br />

Thomas Bernhard, entre outros.<br />

Curiosamente, todos autores que<br />

acabaram por influenciar bastante a<br />

sua obra. Em 1989, com a queda do<br />

Muro <strong>de</strong> Berlim e dos regimes<br />

europeus pró-soviéticos, a ele, que<br />

se consi<strong>de</strong>ra “filho incorrigível das<br />

ditaduras”, é-lhe oferecida a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair da Hungria e <strong>de</strong><br />

ver o mundo. “Simplesmente,<br />

aconteceu que me <strong>de</strong>volveram a<br />

‘conditio minima’, a minha liberda<strong>de</strong><br />

individual – rangendo, abriu-se,<br />

assim, a porta da cela em que me<br />

fecharam durante quarenta anos, e<br />

po<strong>de</strong> dar-se que seja bastante para<br />

me perturbar. Não se po<strong>de</strong> viver a<br />

liberda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se viveu o cativeiro.<br />

Seria preciso ir para qualquer lado, ir<br />

para muito longe daqui.” Tendo<br />

então já alguns dos seus livros<br />

traduzidos para alemão, Kertész<br />

começa a aceitar todos os convites<br />

para sessões <strong>de</strong> leitura, conferências,<br />

apresentações e <strong>de</strong>bates, bolsas,<br />

residências artísticas, visitando<br />

cida<strong>de</strong>s (por vezes ficando durante<br />

semanas) uma após outra: Viena,<br />

Zurique, Frankfurt, Berlim,<br />

Hamburgo, Leipzig, Paris… Chega a<br />

passar apenas três meses por ano<br />

em Budapeste. “Assim vivo, como<br />

um fugitivo.”<br />

Mas esta nova e estranha “leveza<br />

do ser” traz-lhe uma inesperada e<br />

irracional nostalgia do passado, os<br />

“novos tempos” começam a parecerlhe<br />

uma traição ao seu antigo modo<br />

<strong>de</strong> vida espartano (“viver<br />

constantemente face a forças <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>struição”), era esse que lhe tinha<br />

conferido uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrita.<br />

“Porque me sinto assim tão perdido?<br />

Manifestamente, porque estou<br />

perdido?” É, em parte, <strong>de</strong>sse<br />

sentimento e <strong>de</strong>sses “novos tempos”<br />

que Kertész nos dá conta em “Um<br />

Outro – Crónica <strong>de</strong> uma<br />

metamorfose”.<br />

Este livro, apresentado<br />

intencionalmente pelo autor como<br />

uma obra <strong>de</strong> ficção, é um diário <strong>de</strong><br />

reflexões pessoais anotadas entre o<br />

Outono <strong>de</strong> 1991 e a “Primavera fria e<br />

lamacenta <strong>de</strong> 1995”. Mas porquê,<br />

então, chamar-lhe obra <strong>de</strong> ficção,<br />

sendo um diário? A resposta é-nos<br />

dada pela epígrafe <strong>de</strong> Rimbaud, a<br />

fórmula que este <strong>de</strong>ixou para o<br />

Mo<strong>de</strong>rnismo: “Je est un autre” (Eu é<br />

um outro). O autor é Imre Kertész,<br />

mas a personagem (narrador) é o<br />

escritor I. K. (“eu vivo a vida <strong>de</strong> um<br />

escritor chamado I. K.”), que nos diz<br />

que o “Eu” é “uma ficção <strong>de</strong> que<br />

somos, quando muito, co-autores”.<br />

Kertész sente que per<strong>de</strong>u a sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> anterior, que se<br />

metamorfoseou, e estas reflexões<br />

apresentadas como ficção são uma<br />

tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> uma outra,<br />

<strong>de</strong> se reinventar como um “outro”.<br />

Mas a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é apenas a da<br />

escrita. “Confesso-vos, pois: tenho<br />

uma só i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da<br />

escrita. (Eine sich selbst schreiben<strong>de</strong><br />

I<strong>de</strong>ntität.)” (Uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que a si<br />

mesma se escreve.). E durante estes<br />

tempos Kertész acha que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

“saber escrever”.<br />

“Um Outro” é uma espécie <strong>de</strong><br />

“road movie” por uma sequência <strong>de</strong><br />

cenários europeus e que documenta<br />

a nova maneira <strong>de</strong> viver do escritor,<br />

<strong>de</strong> leitura em leitura, <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> em<br />

cida<strong>de</strong>, mas em que são raros (talvez<br />

não exista mesmo algum) os<br />

momentos <strong>de</strong> espanto, <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> um pequeno interesse que<br />

justifique a viagem. Um sentimento<br />

<strong>de</strong> nojo do mundo. Há um cansaço<br />

que perpassa todo o texto. São<br />

cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> chove quase sempre e<br />

que, sem que o leitor perceba bem<br />

porquê, convocam a Kertész<br />

memórias <strong>de</strong> Auschwitz<br />

confrontando-o com o passado, com<br />

a infância, provocando momentos<br />

reflexivos sobre o que é a existência<br />

num mundo pós-Auschwitz, sobre o<br />

totalitarismo, o terror, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

judaica, a inutilida<strong>de</strong> da luci<strong>de</strong>z, a<br />

vergonha <strong>de</strong> ter sobrevivido, mas<br />

recusando sempre o heroísmo do<br />

sofrimento, o papel <strong>de</strong> vítima, e<br />

prescindindo, <strong>de</strong> maneira<br />

implacável, <strong>de</strong> encontrar qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> consolo.<br />

As cinco<br />

Arlington Park<br />

Rachel Cusk<br />

(Trad. Tânia Ganho)<br />

ASA<br />

mmmnn<br />

O que levará críticos<br />

conspícuos a<br />

consi<strong>de</strong>rarem<br />

Rachel Cusk (n.<br />

1967) uma espécie<br />

<strong>de</strong> Jane Austen do<br />

século XXI, como<br />

apareceu escrito no<br />

“Times Literary<br />

Supplement”, ou mesmo a falar <strong>de</strong><br />

Stendhal? Em 2003, quando a revista<br />

“Granta” incluiu o seu nome na lista<br />

dos vinte melhores jovens<br />

romancistas britânicos, já ela havia<br />

publicado cinco romances. “Arlington<br />

Park” é o sétimo. O livro integrou a<br />

lista <strong>de</strong> finalistas do Orange Prize, e<br />

se Rachel o tivesse ganho teria<br />

sido o quarto prémio em <strong>de</strong>z<br />

anos. Isto para dizer que a<br />

autora, docente do New<br />

College <strong>de</strong> Oxford, é hoje um<br />

nome <strong>de</strong> referência da<br />

literatura <strong>de</strong> língua inglesa.<br />

À superfície, “Arlington Park”<br />

lembra “A Festa <strong>de</strong> Mrs<br />

Dalloway”, o livro <strong>de</strong> contos<br />

<strong>de</strong> Virginia Woolf que<br />

teve publicação<br />

póstuma em 1973<br />

(não confundir com<br />

o romance “Mrs<br />

Dalloway”, <strong>de</strong><br />

1925). Tudo<br />

acontece num único<br />

dia, tendo como<br />

O que levará críticos<br />

conspícuos a consi<strong>de</strong>rarem<br />

Rachel Cusk uma Jane<br />

Austen do século XXI?<br />

ponto culminante o jantar. Ponto<br />

prévio: nenhuma das cinco amigas <strong>de</strong><br />

“Arlington Park” tem a mais remota<br />

afinida<strong>de</strong> com Clarissa Dalloway,<br />

ainda que Christine a cite <strong>de</strong> viés.<br />

Mulheres do nosso tempo,<br />

Christine, Solly, Maisie, Amanda e<br />

Juliet querem ser, ou pelo menos<br />

parecer, belas, cultas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

e respeitáveis. Também querem<br />

provocar <strong>de</strong>sejo no homem da rua.<br />

Maridos e filhos são peças da mesma<br />

engrenagem. Christine é a que tem a<br />

responsabilida<strong>de</strong> do jantar; Solly<br />

hospeda estudantes estrangeiras para<br />

equilibrar o orçamento do mês;<br />

Maisie, cujos pais têm uma vivenda<br />

em Portugal, trocou Londres por<br />

Arlington e sente dificulda<strong>de</strong> em<br />

adaptar-se ao novo estilo <strong>de</strong> vida;<br />

Amanda troca um emprego <strong>de</strong><br />

executiva bem sucedida pela rotina<br />

da vida em família, e Juliet, a<br />

professora, dinamiza o Clube<br />

Literário do liceu do bairro. Arlington<br />

é um subúrbio ficcionado <strong>de</strong> Londres,<br />

<strong>de</strong>calcado, se assim se po<strong>de</strong> dizer, <strong>de</strong><br />

Agrestic, o condomínio asséptico<br />

on<strong>de</strong> Craig Zisk situa a série <strong>de</strong><br />

televisão “Weeds”. Rachel não tem<br />

culpa da coincidência, mas o<br />

“mo<strong>de</strong>lo” não nos larga à medida que<br />

a leitura progri<strong>de</strong>. Infelizmente, a<br />

falta <strong>de</strong> espessura das personagens<br />

contribui para potenciar esse efeito<br />

<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>. Porém, lá on<strong>de</strong> as<br />

personagens <strong>de</strong> Zisk vivem na linha<br />

<strong>de</strong> fronteira da transgressão, as <strong>de</strong><br />

Rachel (mau grado o cinismo amargo<br />

<strong>de</strong> Christine e o <strong>de</strong>sencanto <strong>de</strong> Juliet)<br />

não têm arestas. Noutro patamar,<br />

qualquer tentativa <strong>de</strong> relacionar o<br />

“plot” com o psicologismo <strong>de</strong> Virginia<br />

Woolf é pura perda <strong>de</strong> tempo.<br />

A história vive dos <strong>de</strong>talhes.<br />

Rachel é extremamente feminina no<br />

relato do quotidiano (pequenoalmoço,<br />

compras, trapos, tricas,<br />

cozinhados), bem como na minúcia<br />

com que <strong>de</strong>screve a cupi<strong>de</strong>z geral:<br />

“Elas po<strong>de</strong>m não ser licenciadas,<br />

nem doutoradas, nem ter empregos<br />

fascinantes... po<strong>de</strong>m não ser as<br />

pessoas mais ricas que já conheceste<br />

na vida, nem as mais famosas e<br />

importantes, mas acredita que o<br />

grupo <strong>de</strong> pessoas que eu vejo aqui<br />

todos os dias é o mais variado,<br />

interessante e corajoso que vais<br />

encontrar seja on<strong>de</strong> for!” Tão<br />

especiais que não querem<br />

viver em Londres. E<br />

explicam porquê: “O raio da<br />

capital terrorista do mundo.<br />

Estão lá todos, a conviver<br />

alegremente em Bayswater,<br />

livres como passarinhos, e<br />

ainda por cima a<br />

arranjarem os<br />

<strong>de</strong>ntes à borla<br />

através do<br />

Serviço Nacional<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.” Ali,<br />

naquele<br />

subúrbio sem<br />

textura, não há<br />

sobressaltos<br />

nem intrusos.<br />

Entre o “jogging” e discussões sobre<br />

as irmãs Brontë (Heathcliff é um<br />

canalha “sexy” ou um vulgar<br />

patife?), o tédio abre-se a todas as<br />

possibilida<strong>de</strong>s.<br />

Das cinco, Juliet é a única que<br />

questiona o padrão <strong>de</strong> vida <strong>de</strong><br />

Arlington: “As raparigas a quem<br />

Juliet dava aulas eram criaturinhas<br />

satisfeitas consigo próprias, que<br />

saíam do mesmo mol<strong>de</strong> que as mães<br />

[...] sem a mínima noção da sua<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>.” Fora essas<br />

ocasionais perplexida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

natureza existencial, tudo repousa<br />

numa “beleza <strong>de</strong>strutiva”. Por vezes,<br />

a narrativa aproxima-se da epifania,<br />

mas se Rachel não tivesse os<br />

pergaminhos académicos que tem,<br />

seria expeditamente arrumada na<br />

prateleira das autoras “do coração”.<br />

Eduardo Pitta<br />

História Trágico-<br />

Marítima<br />

Naufrágio <strong>de</strong> Sepúlveda<br />

Vasco Graça Moura<br />

Quetzal, € 16,90<br />

mmmnn<br />

“Relação da mui<br />

notável perda do<br />

galeão gran<strong>de</strong> S.<br />

João em que se<br />

contam os gran<strong>de</strong>s<br />

trabalhos e<br />

lastimosas cousas<br />

que aconteceram ao<br />

capitão Manoel <strong>de</strong><br />

Sousa Sepulveda, e o lamentável fim<br />

que ele, e a sua mulher, e filhos, e<br />

toda a mais gente houveram na Terra<br />

do Natal, on<strong>de</strong> se per<strong>de</strong>ram a 24 <strong>de</strong><br />

Junho <strong>de</strong> 1552”. Este célebre episódio<br />

da “História Trágico-Marítima” serve<br />

<strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida ao segundo<br />

romance <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />

publicado em 1988, cuja terceira<br />

edição chega agora às livrarias.<br />

O histórico naufrágio encontra eco<br />

em duas mortes contemporâneas: os<br />

aparentes suicídios <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong><br />

Montalvor, editor e poeta do<br />

mo<strong>de</strong>rnismo português, e do<br />

ficcional Manuel <strong>de</strong> Sousa Sepúlveda,<br />

homem <strong>de</strong> negócios homónimo do<br />

capitão quinhentista. Montalvor e<br />

Sepúlveda morreram em décadas<br />

diferentes mas com um método<br />

semelhante, ambos num automóvel<br />

atirado ao rio no cais <strong>de</strong> Belém. Isso<br />

<strong>de</strong>ixa o narrador do romance<br />

bastante intrigado. Através <strong>de</strong> jornais<br />

antigos e conversas, investiga os<br />

estranhos casos, relatando ao mesmo<br />

tempo outros naufrágios pessoais e<br />

colectivos. Acontecimento real ou<br />

metafórico, o naufrágio tem uma<br />

longa tradição, <strong>de</strong> Homero a<br />

Hopkins, e aqui representa vários<br />

colapsos económicos ou mentais <strong>de</strong><br />

gente que viveu na transição da<br />

ditadura para a <strong>de</strong>mocracia.<br />

Como acontece com frequência<br />

nos romances <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />

há uma intenção polémica <strong>de</strong>clarada.<br />

Essa intenção manifesta-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

logo no retrato <strong>de</strong>liberadamente<br />

grotesco dos anos imediatos do pós-<br />

Revolução, vistos em gran<strong>de</strong> medida<br />

como o triunfo <strong>de</strong> um “tropel<br />

andrajoso” que não <strong>de</strong>scansava<br />

enquanto não metesse “a direita no<br />

Campo Pequeno”. Vinte anos <strong>de</strong>pois,<br />

o discurso parece menos ousado,<br />

mas mantém a mesma recusa face a<br />

uma memória geracional i<strong>de</strong>alizada.<br />

Tanto mais que este “narrador”<br />

não se distingue do chamado “autor<br />

empírico”: é escritor, foi advogado,<br />

secretário <strong>de</strong> Estado, director da RTP<br />

e administrador da Imprensa<br />

Nacional (o currículo actual seria bem<br />

mais extenso). Recusando a ficção<br />

pura, o romance ganha assim uma<br />

dimensão <strong>de</strong> testemunho, cheio das<br />

idiossincrasias que conhecemos a<br />

V.G.M. O texto está pejado <strong>de</strong><br />

referências culturais, pintura e<br />

música clássica sobretudo, e nelas<br />

<strong>de</strong>tectamos os sofisticados gostos do<br />

autor. Mas há também <strong>de</strong>sgostos, que<br />

são muitos, <strong>de</strong> Brecht ao Bairro Alto,<br />

passando pela UNESCO e o<br />

conceptualismo. A experiência<br />

institucional faz o “narrador” ver o<br />

mundo da cultura como uma<br />

sucessão <strong>de</strong> “reivindicações,<br />

retaliações, <strong>de</strong>missões, perversões,<br />

legislações”, diagnóstico<br />

especialmente divertido, uma vez que<br />

em 1988 o “autor empírico” exercia<br />

funções oficiais.<br />

Além das embirrações, o texto<br />

recicla tudo o que vai acontecendo,<br />

um recurso <strong>de</strong>cisivo no estilo<br />

romanesco <strong>de</strong> Graça Moura. Uma<br />

entrevista <strong>de</strong> José Mattoso ao<br />

“Expresso”, o trânsito em <strong>Lisboa</strong>, a<br />

biblioteca, “Les Demoiselles<br />

d’Avignon”, o “caso Hei<strong>de</strong>gger”, tudo<br />

entrou no romance, provavelmente à<br />

medida que este foi sendo escrito, em<br />

tempo real. Redigido num único<br />

parágrafo compacto (não por acaso<br />

se cita Bernhard), “Naufrágio <strong>de</strong><br />

Sepúlveda” é “um texto ondulante <strong>de</strong><br />

tempos enca<strong>de</strong>ados sem costuras<br />

nem pausas”, sucessão rápida, num<br />

fôlego, <strong>de</strong> diálogos, actos, <strong>de</strong>scrições,<br />

concerto <strong>de</strong> vozes que, do princípio<br />

ao fim, se suce<strong>de</strong>m <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong><br />

chuvadas, trovoadas, tempesta<strong>de</strong>s,<br />

como nos <strong>de</strong>sastres em mar alto.<br />

Essa maleabilida<strong>de</strong> do texto é o<br />

mais estimulante em “Naufrágio do<br />

Sepúlveda”, que às vezes tem<br />

personagens apenas esboçadas e<br />

minúcias enfadonhas. Ao mesmo<br />

tempo, há uma pulsão poética em<br />

Graça Moura que <strong>de</strong>senha com<br />

exactidão tonalida<strong>de</strong>s e texturas<br />

quotidianas. Não é por acaso: além<br />

do naufrágio, o tema do<br />

romance é a representação. Essa<br />

representação que no Oci<strong>de</strong>nte foi<br />

evoluindo da mimese para o próprio<br />

processo criativo, originando assim<br />

vários mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>,<br />

mo<strong>de</strong>los testados ao longo do<br />

romance, aplicados à História<br />

portuguesa e à história dos seus<br />

naufrágios. Pedro Mexia<br />

34 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Cinema<br />

Estreiam<br />

Isto é<br />

hardcore<br />

É um filme explícito e a sua<br />

estrutura é a repetição: muda<br />

<strong>de</strong> quarto, não sai do sexo.<br />

O que, como no porno, é<br />

experiência <strong>de</strong> tolerância<br />

limitada. Mas é <strong>de</strong> admirar a<br />

ferocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong>. Vasco Câmara<br />

Bruno<br />

Brüno<br />

De Larry Charles,<br />

com <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>, Richard<br />

Bey, Ron Paul. M/16<br />

MMNNN<br />

<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h20, 17h20, 19h30,<br />

21h50 6ª Sábado 13h20, 15h20, 17h20, 19h30,<br />

21h50, 00h20; Castello Lopes - Loures<br />

Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h, 15h, 16h50, 18h50, 21h50, 00h15; CinemaCity<br />

Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h30,<br />

15h30, 17h35, 19h30, 21h30, 23h30 Sábado Domingo<br />

11h45, 13h30, 15h30, 17h35, 19h30, 21h30,<br />

23h30; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />

2ª 3ª 4ª 13h35, 15h30, 17h35, 19h30, 21h35, 23h30<br />

Sábado Domingo 11h50, 13h35, 15h30, 17h35, 19h30,<br />

21h35, 23h30; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h05,<br />

20h, 21h45, 23h35 Sábado Domingo 11h55, 14h, 16h,<br />

18h05, 20h, 21h45, 23h35; Me<strong>de</strong>ia<br />

Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h, 16h45, 18h30, 20h15,<br />

22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13:<br />

5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h10, 18h10, 20h10,<br />

22h10, 00h15 Domingo 11h30, 14h10, 16h10, 18h10,<br />

20h10, 22h10, 00h15; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 2: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h15, 17h05,<br />

As estrelas do público<br />

19h, 21h15, 23h45; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h40, 17h45,<br />

19h50, 21h55; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50,<br />

21h05, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h15, 17h25,<br />

19h35, 21h45, 24h; ZON Lusomundo Odivelas<br />

Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h20,15h40, 17h50, 21h30, 23h40; ZON Lusomundo<br />

Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h15, 15h35, 17h40, 19h50, 21h50, 24h; ZON<br />

Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h45, 16h20, 18h40, 21h30, 23h40; ZON<br />

Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h20, 17h20, 19h20,<br />

21h20, 24h; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: 5ª<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 17h30, 19h30, 21h45 6ª<br />

Sábado 15h30, 17h30, 19h30, 21h45, 24h; Castello<br />

Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª<br />

4ª 13h, 15h20, 17h30, 19h20, 21h50 6ª Sábado 13h,<br />

15h20, 17h30, 19h20, 21h50, 00h10; Castello Lopes -<br />

Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 3ª 4ª 13h20, 15h40, 17h40, 19h40, 21h50,<br />

24h; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h25, 18h05,<br />

21h05, 23h25; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h10, 17h20,<br />

19h30, 21h40, 23h50;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 13h45, 15h45, 17h55, 20h05, 22h15,<br />

00h40 3ª 4ª 15h45, 17h55, 20h05, 22h15,<br />

00h40; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h40, 17h50,<br />

20h, 22h10, 00h20; ZON Lusomundo Marshopping:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h,<br />

21h30, 23h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª<br />

6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h30,<br />

20h, 22h25, 00h50; ZON Lusomundo Parque<br />

Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />

15h, 17h10, 19h30, 21h50, 00h15; ZON Lusomundo<br />

Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 14h05, 16h30, 18h55, 21h20,<br />

23h45;<br />

Talvez seja altura <strong>de</strong><br />

começarmos a pedir<br />

a <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />

<strong>Cohen</strong>, e a quem faz<br />

os filmes com ele,<br />

que nos dê<br />

Jorge<br />

Mourinha<br />

Luís M.<br />

Oliveira<br />

Mário<br />

J. Torres<br />

do norte-americano Andy Kaufman<br />

(1949-1984) – o humorista (neste caso<br />

ajuda pouco o termo...) que fez <strong>de</strong><br />

“humor” outro nome para loucura –<br />

partilha a mesma pulsão “kamikaze”.<br />

Tivemos Borat, temos Brüno, outra<br />

personagem que o britânico <strong>Cohen</strong><br />

<strong>de</strong>senvolveu no seu “show” televisivo<br />

– é o jornalista <strong>de</strong> moda austríaco,<br />

homossexual, que ambiciona a<br />

notorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> outro austríaco, o<br />

pequeno Adolf. Depois <strong>de</strong> estragar<br />

“shows” <strong>de</strong> moda na Europa, on<strong>de</strong> se<br />

torna “persona non grata”, Brüno<br />

parte para a América para ser célebre<br />

entre as celebrida<strong>de</strong>s. E aí junta-se a<br />

fome com a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> comer...<br />

E em “Brüno” junta-se a “câmara<br />

escondida” com a encenação, os<br />

“apanhados” e a simulação <strong>de</strong><br />

espontaneida<strong>de</strong>, e o resultado é<br />

próximo <strong>de</strong> uma orgia<br />

confrontacional. Sexo, sexo, sexo,<br />

sobretudo sexo, atirado à cara –<br />

literalmente, pois até há uma altura<br />

em que temos a sensação <strong>de</strong> que se<br />

nos mexermos muito na ca<strong>de</strong>ira da<br />

sala <strong>de</strong> cinema apanhamos com um<br />

pénis que abana no ecrã. Como num<br />

porno, “Brüno” é um filme explícito e<br />

a sua estrutura é a repetição: muda o<br />

quarto mas nunca saímos da<br />

cama, o que, e isso acontece<br />

quando se assiste a um<br />

porno, é uma experiência <strong>de</strong><br />

tolerância limitada – aliás,<br />

“Brüno” não só progri<strong>de</strong><br />

através da repetição<br />

como todas as<br />

situações criadas são<br />

variações das posições<br />

mais ou menos<br />

acrobáticas <strong>de</strong><br />

“Borat”.<br />

O que é<br />

espontâneo<br />

e o que é<br />

Vasco<br />

Câmara<br />

Brüno mmnnn mnnnn nnnnn mmnnn<br />

Deixa-me Entrar mmmmn mmnnn mmmnn mmmnn<br />

Elegia mmmnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />

Cida<strong>de</strong> das Sombras mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />

Histórias <strong>de</strong> Caça<strong>de</strong>ira mmmmn mmmnn mmmnn mmmnn<br />

Home-Lar Doce Lar mmmnn mmmnn mmnnn mmmnn<br />

A Ida<strong>de</strong> do Gelo 3 mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />

Ligações Perigosas mmmnn mmnnn mmmnn nnnnn<br />

A Ressaca mmnnn nnnnn mnnnn nnnnn<br />

Transformers A nnnnn nnnnn nnnnn<br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> nunca <strong>de</strong>ixa<br />

o espectador em lugar seguro<br />

mercado americano por respeito a<br />

Michael), perante a tentativa <strong>de</strong><br />

engate do senador republicano Ron<br />

Paul, perante a aventura pelo Médio<br />

Oriente on<strong>de</strong> Brüno confun<strong>de</strong><br />

“hummus” com “Hamas” ou perante<br />

o anúncio da adopção <strong>de</strong> bebé negro<br />

em “talk show” com assistência afroamericana<br />

chocada. Essas dúvidas,<br />

contudo, não nos salvam do<br />

<strong>de</strong>sconforto. Porque – é a principal<br />

diferença entre <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> e<br />

outro especialista em “apanhados”,<br />

Michael Moore – o que se passa no<br />

ecrã nunca é apenas uma questão<br />

entre o comediante e as suas<br />

“vítimas”; o que se passa no ecrã<br />

nunca <strong>de</strong>ixa o espectador em lugar<br />

seguro. <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>/Brüno<br />

não é o justiceiro que <strong>de</strong>nuncia, nem<br />

o filme é a clássica <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />

uma aventura <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia. <strong>Sacha</strong><br />

<strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>/Brüno e o espectador<br />

fazem parte da história. O filme não é<br />

o que se passa no ecrã, o “filme” é o<br />

que se passa entre o ecrã e o<br />

espectador. Tudo encenado ou tudo<br />

espontâneo – “Brüno” é um filme que<br />

procura <strong>de</strong>terminadamente os seus<br />

efeitos –, é tudo feito para nos<br />

envolver. Para nos envolver? Para nos<br />

agredir, saquear. A prova <strong>de</strong> que o<br />

que se passa em “Brüno” não se<br />

passou entre “eles”, comediante e um<br />

“apanhado”, mas entre “nós”, está na<br />

mais incómoda “performance” <strong>de</strong> um<br />

<strong>de</strong>stemido actor que temos visto<br />

ultimamente: ele, sozinho, sem<br />

“partenaire”, pois o “partenaire” é<br />

um fantasma, tacteando,<br />

lambendo as várias hipóteses <strong>de</strong><br />

uma ementa sexual. Imaginando e<br />

puxando pela nossa imaginação. É<br />

hardcore.<br />

Cida<strong>de</strong> das Sombras<br />

City of Ember<br />

De Gil Kenan,<br />

com Bill Murray, Tim Robbins,<br />

Saoirse Ronan, Martin Landau. M/12<br />

MMMnn<br />

mais cinema e não apenas<br />

emanação do(s)<br />

pequeno(s) ecrã(s), TV ou<br />

YouTube – que é o<br />

“habitat” <strong>de</strong>stes<br />

“apanhados”, da sua<br />

estética e da sua ética.<br />

Mas não é razão<br />

para não<br />

admirarmos a<br />

ferocida<strong>de</strong> e a<br />

coragem física <strong>de</strong><br />

<strong>Cohen</strong>, que se não<br />

mergulha, para bem<br />

da sua saú<strong>de</strong> mental,<br />

nas profun<strong>de</strong>zas<br />

esquizofrénicas das<br />

“performances”<br />

encenado?<br />

O que é<br />

imaculadamente<br />

suicidário na<br />

“performance” <strong>de</strong><br />

<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />

e o que é que foi<br />

assistido? É o que<br />

po<strong>de</strong>mos<br />

perguntar, com<br />

maiores ou<br />

menores certezas,<br />

perante o “foreplay”<br />

homossexual em<br />

ringue <strong>de</strong> wrestling,<br />

com multidão a<br />

vaiar os actos,<br />

perante a ofensa<br />

a LaToya<br />

Jackson (ao<br />

que se diz,<br />

sequência<br />

cortada no<br />

<strong>Lisboa</strong>: ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h10, 18h25, 21h35,<br />

23h50; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 17h50, 21h15,<br />

23h40; UCI Freeport: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h35,<br />

18h30, 21h20 6ª 15h35, 18h30, 21h20, 23h55 Sábado<br />

13h30, 15h35, 18h30, 21h20, 23h55 Domingo 13h30,<br />

15h35, 18h30, 21h20; ZON Lusomundo Almada<br />

Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />

15h30, 18h10, 21h15, 23h50;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h45, 00h20 3ª 4ª 16h40,<br />

19h05, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo<br />

GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h30,<br />

17h50, 21h20 6ª Sábado 13h10, 15h30, 17h50, 21h20,<br />

00h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 13h40, 16h20, 18h40, 21h50 6ª Sábado Domingo<br />

13h40, 16h20, 18h40, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo<br />

Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h40, 16h30, 18h50, 21h40, 24h; ZON Lusomundo<br />

Fórum Aveiro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h45, 16h20, 18h50, 21h20, 23h50;<br />

Que vos parece uma aventura<br />

adolescente sobre dois miúdos que<br />

procuram <strong>de</strong>scobrir os segredos da<br />

cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vivem? Contado assim,<br />

nada <strong>de</strong> novo, provavelmente mais<br />

uma fita para miúdos na linhagem<br />

dos velhos filmes <strong>de</strong> imagem real da<br />

36 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Uma intrigante aventura distópica <strong>de</strong><br />

ficção científica: “Cida<strong>de</strong> das Sombras”<br />

Coixet não fez Roth, fez Coixet e “fazer Coixet”<br />

é algo <strong>de</strong> muito pouco interessante<br />

Disney<br />

dos anos<br />

1960 ou da linhagem das produções<br />

Spielberg dos anos 1980. E se vos<br />

dissermos que essa cida<strong>de</strong> é um oásis<br />

<strong>de</strong> luz no meio <strong>de</strong> uma escuridão<br />

subterrânea para lá da qual nada<br />

parece existir, estabelecida como<br />

uma arca <strong>de</strong> Noé que permitiu à<br />

humanida<strong>de</strong> sobreviver a um<br />

apocalipse inexplicado, e que a saída<br />

que os miúdos procuram po<strong>de</strong><br />

também ser a salvação <strong>de</strong> uma<br />

Ember que, pensada para sobreviver<br />

apenas 200 anos, está à beira do<br />

colapso? A tal fita para miúdos<br />

transforma-se noutra coisa — uma<br />

intrigante aventura distópica <strong>de</strong><br />

ficção científica, ambientada num<br />

futuro <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte e retro-futurista<br />

misto <strong>de</strong> Revolução Industrial e anos<br />

1950 ingleses, sobre a juventu<strong>de</strong><br />

como salvação do amanhã, dirigida<br />

com habilida<strong>de</strong> e economia pelo<br />

anglo-israelita Gil Kenan, revelado há<br />

três anos com a bem interessante<br />

animação “A Casa Fantasma”. Em<br />

abono da verda<strong>de</strong>, “A Cida<strong>de</strong> das<br />

Sombras” parece mais interessado na<br />

sua prodigiosa cenografia <strong>de</strong> conto<br />

<strong>de</strong> fadas (cortesia do <strong>de</strong>signer Martin<br />

Laing) do que nas suas personagens,<br />

reduzidas a arquétipos <strong>de</strong>calcados.<br />

Mas, paradoxalmente, esse<br />

funcionalismo acaba por emprestar<br />

ao filme um certo charme <strong>de</strong> série B<br />

clássica, muito sublinhado pelo<br />

luxuoso elenco <strong>de</strong> veteranos actores<br />

<strong>de</strong> composição (Bill Murray, Tim<br />

Robbins, Martin Landau, Toby Jones)<br />

convocados para preencher os papéis<br />

secundários do que não <strong>de</strong>ixa por<br />

isso <strong>de</strong> ser uma peculiar variação<br />

sobre temas clássicos da ficção<br />

científica, feita com inteligência e<br />

alguma originalida<strong>de</strong> (o guião,<br />

adaptação <strong>de</strong> um romance juvenil, é<br />

<strong>de</strong> Caroline Thompson, a<br />

argumentista <strong>de</strong> “A Noiva Cadáver”,<br />

“O Estranho Mundo <strong>de</strong> Jack” e<br />

“Eduardo Mãos <strong>de</strong> Tesoura” para<br />

Tim Burton). É mais uma das<br />

surpresas que têm andado a emergir<br />

pelo meio do refugo que anda a<br />

chegar às salas e que não merecia<br />

este lançamento meio <strong>de</strong>samparado.<br />

Jorge Mourinha<br />

MNNNN<br />

<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />

Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50,<br />

19h20, 21h50, 00h20; UCI Cinemas -<br />

El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª Sábado<br />

2ª 3ª 4ª 14h10, 16h30, 19h, 21h30,<br />

23h55 Domingo 11h30, 14h10, 16h30,<br />

19h, 21h30, 23h55; ZON Lusomundo<br />

Alvaláxia: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h05,<br />

18h40, 22h 6ª Sábado Domingo 13h35,<br />

16h05, 18h40, 22h, 00h30;<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 14h05, 16h40, 19h20, 22h, 00h35 3ª 4ª<br />

16h40, 19h20, 22h, 00h35;<br />

A espanhola Isabel Coixet anda há<br />

anos (“Coisas que Nunca Te Disse”, “A<br />

Minha Vida Sem Mim”, “A Vida<br />

Secreta das Palavras”) a filmar<br />

histórias <strong>de</strong> personagens “sensíveis”<br />

vítimas <strong>de</strong> crises existenciais <strong>de</strong> todo<br />

o tipo, numa mistura (nada explosiva,<br />

“hélas!”) <strong>de</strong> filosofia positiva digna <strong>de</strong><br />

magazine dominical e melancolia<br />

artificial criada e caucionada pela sua<br />

própria pose (ou seja, uma versão<br />

“soft”, e portanto aceitável, do que<br />

alguns vêem como “tiques” do<br />

“cinema <strong>de</strong> autor”). Dentro do seu<br />

género, filmes tão honestos quanto<br />

enfadonhos. Mas que fazem <strong>de</strong> Coixet<br />

a última pessoa que nos<br />

lembraríamos <strong>de</strong> recomendar para<br />

filmar uma história <strong>de</strong> Philip Roth.<br />

Em todo o caso ninguém nos<br />

perguntou nada (leitores “online”,<br />

pela vossa saú<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>ixem tanta<br />

presunção passar em claro), e eis<br />

“Elegia”, título que pudicamente<br />

escon<strong>de</strong> o “Animal Moribundo” do<br />

escritor americano. A angústia crua,<br />

egoísta, mesmo “isolacionista”, do<br />

macho solitário e envelhecido<br />

reconvertida na neblina sentimental<br />

<strong>de</strong> um mau melodrama. Que não tem<br />

bem “cenas”, antes “vinhetas”<br />

ilustrativas à espera do diálogo (ou da<br />

frase, ou pior, da máxima) que as vem<br />

resolver e justificar. Que não tem<br />

“personagens”, mas (<strong>de</strong> Kingsley e<br />

Cruz a Dennis Hopper e Patricia<br />

Clarkson) “exemplos”, retóricos e<br />

ambulantes. Que não tem<br />

“ambiente”, e muito menos<br />

Continuam<br />

Elegia<br />

Elegy<br />

De Isabel Coixet,<br />

com Sonja Bennett, Patricia Clarkson,<br />

Penélope Cruz, Ben Kingsley. M/12<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 37


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

“meteorologia”, mas uma<br />

fotografia <strong>de</strong> enjoativos cinzentos e<br />

azuis que nos grita “reparem, é o<br />

Outono da vida”. E que faz o que<br />

po<strong>de</strong> (interlúdios musicais e tudo)<br />

para que o espectador não saia sem a<br />

sua lagrimita. O po<strong>de</strong>r do cinema:<br />

Coixet não fez Roth, fez Coixet.<br />

Infelizmente, “fazer Coixet” é algo <strong>de</strong><br />

muito pouco interessante. Luís<br />

Miguel Oliveira<br />

A Ida<strong>de</strong> do Gelo 3: Despertar dos<br />

Dinossauros<br />

Ice Age 3: Dawn of The Dinosaurs<br />

De Carlos Saldanha,<br />

com John Leguizamo (Voz), Queen<br />

Latifah (Voz), Denis Leary (Voz). M/4<br />

MMMNN<br />

<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />

15h45, 21h45 (V.Port.) Sábado Domingo 15h45,<br />

18h30, 21h45 (V.Port.); Castello Lopes - Cascais<br />

Villa: Sala 5: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h05,<br />

17h10, 19h15, 21h20 (V.Port.) 6ª Sábado 13h, 15h05,<br />

17h10, 19h15, 21h20, 23h50 (V.Port.); Castello Lopes -<br />

Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />

19h, 21h30 (V.Port.) 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h,<br />

21h30, 24h (V.Port.); Castello Lopes - Loures<br />

Shopping: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

<br />

<br />

<br />

12h40, 14h50, 17h, 19h10, 21h15, 23h30; CinemaCity<br />

Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />

3ª 4ª 11h30, 13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 21h55,<br />

24h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 11h50, 13h55, 16h, 18h30,<br />

21h30, 23h35 (V.Port.); CinemaCity Beloura<br />

Shopping: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

11h40, 13h45, 15h50, 18h30, 21h30, 23h35 (V.<br />

Port.); CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

11h30, 13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 21h55, 24h (V.<br />

Port.); CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />

Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

11h45, 13h50, 15h55, 18h, 21h30, 23h40 (V.<br />

Port.); Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h05, 18h, 19h55, 21h50<br />

(V.Port.); Me<strong>de</strong>ia Nimas: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h (V.<br />

Port.); Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª<br />

Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />

24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h10<br />

Domingo 11h30, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h10; UCI<br />

Cinemas - El Corte Inglés: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />

3ª 4ª 14h10, 16h20, 19h40, 21h (V.Port.) Domingo<br />

11h30, 14h10, 16h20, 19h40, 21h (V.Port.); UCI<br />

Cinemas - El Corte Inglés: Sala 6: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />

3ª 4ª 14h20, 16h40, 19h, 21h15, 23h30 (V.Port.)<br />

Domingo 11h30, 14h20, 16h40, 19h, 21h15, 23h30 (V.<br />

Port.); UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />

3ª 4ª 13h45, 15h50, 18h30, 21h10, 23h30 (V.Port.)<br />

Domingo 11h30, 13h45, 15h50, 18h30, 21h10, 23h30<br />

(V.Port.); UCI Dolce Vita Tejo: Sala 3: 5ª 6ª Sábado<br />

2ª 3ª 4ª 14h, 16h15, 18h50, 21h25, 23h50 15h25,<br />

17h40, 19h45, 21h45, 24h (V.Port.) Domingo 11h30,<br />

14h, 16h15, 18h50, 21h25, 23h50 15h25, 17h40, 19h45,<br />

21h45, 24h (V.Port.); ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />

6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50,<br />

<br />

<br />

<br />

22h, 00h10 (V.Port.) Domingo 11h, 13h20, 15h30,<br />

17h40, 19h50, 22h, 00h10 (V.Port.); ZON Lusomundo<br />

Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />

16h20, 18h10, 21h20, 23h30 (V.Port.); ZON<br />

Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />

4ª 13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 24h (V.Port.)<br />

Domingo 11h, 13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 24h<br />

(V.Port.); ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />

Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h45, 21h20,<br />

23h50; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 13h10, 13h20,<br />

15h25, 15h40, 17h40, 18h, 19h50, 21h10, 00h20 (V.<br />

Port.) 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h10, 13h20, 15h25,<br />

15h40, 17h40, 18h, 19h50, 21h10, 22h, 23h35, 00h20<br />

(V.Port.) Domingo 11h, 13h10, 13h20, 15h25, 15h40,<br />

17h40, 18h, 19h50, 21h10, 22h, 23h35, 00h20 (V.<br />

Port.); ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª 2ª<br />

3ª 4ª 15h10, 17h30, 19h40, 21h50 (V.Port.) 6ª Sábado<br />

15h10, 17h30, 19h40, 21h50, 24h (V.Port.) Domingo<br />

11h, 15h10, 17h30, 19h40, 21h50 (V.Port.); ZON<br />

Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />

4ª 13h15, 15h30, 18h15, 21h15, 23h30 (V.Port.)<br />

Domingo 11h, 13h15, 15h30, 18h15, 21h15, 23h30 (V.<br />

Port.); ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h10, 17h30, 19h45, 22h,<br />

00h25 (V.Port.) Domingo 10h45, 12h55, 15h10, 17h30,<br />

19h45, 22h, 00h25 (V.Port.); ZON Lusomundo Torres<br />

Vedras: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h, 15h10, 17h20,<br />

19h30, 21h45, 00h20 (V.Port.) Domingo 10h45, 13h,<br />

15h10, 17h20, 19h30, 21h45, 00h20 (V.Port.); ZON<br />

Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />

4ª 13h05, 15h15, 17h30, 19h40, 21h50, 23h55 (V.Port.)<br />

Domingo 11h, 13h05, 15h15, 17h30, 19h40, 21h50,<br />

23h55 (V.Port.); Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1:<br />

5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 17h20, 19h25, 21h30<br />

(V.Port.) 6ª Sábado 15h15, 17h20, 19h25, 21h30,<br />

23h40 (V.Port.); Castello Lopes - Fórum<br />

Barreiro: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10,<br />

17h20, 19h30, 21h40 6ª Sábado 12h50, 15h10, 17h20,<br />

<br />

19h30, 21h40, 23h50; Castello Lopes - Rio Sul<br />

Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h20, 17h25, 19h30, 21h30, 23h40 (V.<br />

Port.); UCI Freeport: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h25,<br />

17h40, 19h45, 21h45 (V.Port.) 6ª 15h25, 17h40, 19h45,<br />

21h45, 24h (V.Port.) Sábado 13h25, 15h25, 17h40,<br />

19h45, 21h45, 24h (V.Port.) Domingo 13h25, 15h25,<br />

17h40, 19h45, 21h45 (V.Port.) ; ZON Lusomundo<br />

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

13h30, 16h, 18h20, 21h35, 23h55; ZON Lusomundo<br />

Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />

15h10, 17h25, 19h40, 22h, 00h20 (V.Port.) Domingo<br />

10h30, 12h50, 15h10, 17h25, 19h40, 22h, 00h20 (V.<br />

Port.); ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h40, 18h, 21h10, 23h30 (V.<br />

Port.) Domingo 11h, 13h15, 15h40, 18h, 21h10, 23h30<br />

(V.Port.); ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 18h50, 21h20, 23h40<br />

(V.Port.) Domingo 11h, 13h50, 16h30, 18h50, 21h20,<br />

23h40 (V.Port.);<br />

Porto: Arrábida 20: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 13h40, 15h45, 18h, 20h15, 22h30, 00h45 (V.Port.)<br />

3ª 4ª 15h45, 18h, 20h15, 22h30, 00h45 (V.<br />

Port.); Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />

2ª 14h05, 16h30, 19h, 21h25, 24h (V.Port.) 3ª 4ª<br />

16h30, 19h, 21h25, 24h (V.Port.); Arrábida 20: Sala 15:<br />

5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h40, 17h, 19h25, 21h55,<br />

00h20 3ª 4ª 17h, 19h25, 21h55, 00h20; Cinemax -<br />

Cinema da Praça : Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h45<br />

(V.Port.) 6ª 15h30, 21h45, 23h55 (V.Port.) Sábado 15h,<br />

17h30, 21h45, 23h55 (V.Port.) Domingo 15h, 17h30,<br />

21h45 (V.Port.); Cinemax - Penafiel: Sala 2: 5ª 2ª 3ª<br />

4ª 15h30, 21h45 (V.Port.) 6ª 15h30, 21h45, 23h55 (V.<br />

Port.) Sábado 15h, 17h30, 21h45, 23h55 (V.Port.)<br />

Domingo 15h, 17h30, 21h45 (V.Port.); Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong><br />

do Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

14h05, 16h05, 18h, 19h55, 21h50 (V.Port.); ZON<br />

Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />

4ª 13h, 15h10, 17h20, 19h30, 21h40, 23h50 (V.Port.)<br />

Domingo 10h50, 13h, 15h10, 17h20, 19h30, 21h40,<br />

23h50 (V.Port.); ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª<br />

2ª 3ª 4ª 15h20, 17h30, 19h40, 21h40 (V.Port.) 6ª<br />

Sábado 15h20, 17h30, 19h40, 21h40, 23h50 (V.Port.)<br />

Domingo 11h, 13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h40 (V.<br />

Port.); ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />

12h40, 15h, 17h20, 19h40, 21h50 (V.Port.) 6ª Sábado<br />

12h40, 15h, 17h20, 19h40, 21h50, 00h10 (V.Port.)<br />

Domingo 10h40, 12h40, 15h, 17h20, 19h40, 21h50<br />

(V.Port.); ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª 3ª 4ª<br />

13h10, 15h45, 18h30, 21h10 (V.Port.) 6ª Sábado 13h10,<br />

15h45, 18h30, 21h10, 23h20 (V.Port.) Domingo 10h50,<br />

13h10, 15h45, 18h30, 21h10, 23h20 (V.Port.) 2ª 10h50,<br />

13h10, 15h45, 18h30, 21h10 (V.Port.); ZON Lusomundo<br />

Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />

12h50, 15h10, 17h30, 19h50, 22h, 00h30; ZON<br />

Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />

13h50, 16h10, 18h40, 21h, 23h20 (V.Port.) Domingo<br />

11h10, 13h50, 16h10, 18h40, 21h, 23h20 (V.Port.); ZON<br />

Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 12h40,<br />

15h, 17h20, 19h50, 22h15, 00h40 (V.Port.) Sábado<br />

Domingo 10h30, 12h40, 15h, 17h20, 19h50, 22h15,<br />

00h40 (V.Port.); ZON Lusomundo Parque Nascente:<br />

5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 12h40, 14h50, 17h20, 19h40,<br />

22h10, 00h30 (V.Port.) Domingo 10h30, 12h40,<br />

14h50, 17h20, 19h40, 22h10, 00h30 (V.Port.); Castello<br />

Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />

17h30, 19h30, 21h40, 23h50 (V.Port.) Sábado<br />

Domingo 13h20, 15h30, 17h30, 19h30, 21h40, 23h50<br />

(V.Port.); Cinema Paraíso - Dolce Vita Ovar: Sala 1: 5ª<br />

2ª 3ª 4ª 14h20, 16h30, 18h30, 21h30 (V.Port.) 6ª<br />

Sábado 14h20, 16h30, 18h30, 21h30, 23h30 (V.Port.)<br />

Domingo 11h, 14h20, 16h30, 18h30, 21h30 (V.<br />

Port.); ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª 6ª<br />

Sábado 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h30, 19h05, 21h40, 00h20<br />

(V.Port.) Domingo 10h50, 13h55, 16h30, 19h05,<br />

21h40, 00h20 (V.Port.); ZON Lusomundo Glicínias:<br />

5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h,<br />

00h30 (V.Port.) Domingo 11h15, 14h30, 17h, 19h30,<br />

22h, 00h30 (V.Port.);<br />

Resumamos: uma preguiça que<br />

adopta três bebés dinossáurios<br />

esfomeados; uma mamã<br />

dinossáuria que não acha<br />

graça nenhuma à adopção; dois<br />

gambás palermas; uma mamute<br />

muito grávida e o seu cônjuge<br />

neurótico com a paternida<strong>de</strong>; um<br />

tigre <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sabre com palpitações;<br />

uma esquila pré-histórica que sabe<br />

fazer uso do seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sedução; e,<br />

sobretudo, uma doninha zarolha<br />

<strong>de</strong>svairada armada em Rambo da<br />

selva mesozóica, se é que isto tudo se<br />

passa no Mesozóico. O que não temos<br />

certeza, porque tudo isto pressupõe<br />

que na ida<strong>de</strong> do gelo havia um oásis<br />

<strong>de</strong> dinossáurios escondido por baixo<br />

do gelo. E que os mamutes, tigres<br />

<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sabre, preguiças, gambás e<br />

doninhas tivessem um sentido <strong>de</strong><br />

humor herdado das sitcoms<br />

americanas. Mas não faz mal, porque<br />

a terceira (e a melhor) animação da<br />

série da “Ida<strong>de</strong> do Gelo” chuta para<br />

canto muito longínquo as animações<br />

tecnicamente impecáveis mas<br />

narrativamente preguiçosas da<br />

Dreamworks, reivindicando com<br />

graça e inteligência o espírito<br />

anárquico dos velhos cartoons da<br />

Warner. A culpa é em gran<strong>de</strong> parte da<br />

tal doninha zarolha <strong>de</strong>svairada, a que<br />

o inglês Simon Pegg dá inspiradíssima<br />

voz ao nível do Génio <strong>de</strong> Robin<br />

Williams em “Aladino” ou do Rei<br />

Lemur <strong>de</strong> <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> no<br />

primeiro “Madagáscar”. A culpa volta<br />

a ser também, em parte igualmente<br />

gran<strong>de</strong>, da interminável perseguição<br />

da bolota fugidia pelo esquilo Scrat,<br />

aqui transformada numa das mais<br />

<strong>de</strong>liciosas guerras dos sexos a que<br />

assistimos recentemente (muita<br />

atenção ao hilariante tango da<br />

bolota). Mas é também <strong>de</strong> um guião<br />

engenhoso e esquizofrénico que<br />

consegue urdir em paralelo três<br />

percursos (Scrat e a bolota; Sid, a<br />

preguiça, e os dinossáurios; e a<br />

missão <strong>de</strong> salvamento <strong>de</strong> Sid pelos<br />

outros todos) com uma harmonia<br />

inesperada, construindo<br />

efectivamente uma narrativa que lá<br />

por ser consistente não abdica <strong>de</strong><br />

alinhar piadas <strong>de</strong> sitcom com graça.<br />

Ou, trocando por miúdos: a<br />

animação é espantosa mas “Ida<strong>de</strong> do<br />

Gelo 3” tem mais história em <strong>de</strong>z<br />

minutos que a maior parte dos<br />

Dreamworks recentes na sua duração<br />

inteira. A tristeza <strong>de</strong> “Monstros e<br />

Aliens” e a preguiça <strong>de</strong> “Madagáscar<br />

2”, ao pé disto, são esforços<br />

amadores. Jorge Mourinha<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

www.uau.pt<br />

“Ida<strong>de</strong> do Gelo 3” tem mais história em <strong>de</strong>z minutos que a maior<br />

parte dos Dreamworks recentes na sua duração inteira.<br />

38 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Teatro<br />

NELSON GARRIDO<br />

Estreias<br />

A Me<strong>de</strong>ia<br />

está na moda<br />

O encenador Nuno Cardoso<br />

também é actor nesta<br />

recriação intimista do texto<br />

<strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s pelas Boas<br />

Raparigas. Mariana Duarte<br />

Me<strong>de</strong>ia<br />

De Eurípi<strong>de</strong>s. Pelas Boas Raparigas.<br />

Encenação <strong>de</strong> Luís Mestre. Com<br />

Carla Miranda, Daniel Pinto, Maria<br />

do Céu Ribeiro e Nuno Cardoso.<br />

Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, nº 86. Tel.:<br />

225373265. 3ª a Sáb. às 21h45; Dom. às 16h. De<br />

10/07 a 26/07 e <strong>de</strong> 18/09 a 30/09. Bilhetes entre<br />

2,5€ e 8€.<br />

As Boas Raparigas gostam <strong>de</strong> ir<br />

buscar a actualida<strong>de</strong> à dramaturgia<br />

clássica. Desta vez, foram à procura<br />

da mulher contemporânea que existe<br />

em “Me<strong>de</strong>ia”. Na recriação do texto<br />

<strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s, a companhia formada<br />

por Carla Miranda e Maria do Céu<br />

Ribeiro privilegia a dimensão privada<br />

da estória, que se traduz,<br />

principalmente, na relação entre<br />

Me<strong>de</strong>ia e Jasão.<br />

“Temos uma ligação muito forte<br />

aos textos fundadores, não só por<br />

funcionarem como arquétipo, mas<br />

também por se conseguir encontrar<br />

sempre neles uma gran<strong>de</strong><br />

contemporaneida<strong>de</strong>”, diz Carla<br />

Miranda ao Ípsilon. Afinal, Me<strong>de</strong>ia<br />

matou por amor, foi traída por Jasão<br />

e assassinou os filhos como vingança.<br />

Daniel Pinto (Jasão) e Maria do Céu Ribeiro (Me<strong>de</strong>ia)<br />

O Teatro Maria Matos<br />

<strong>de</strong>u-lhes um prazo - três<br />

semanas para fazerem<br />

três espectáculos - e eles<br />

E tudo isto é “incrivelmente<br />

contemporâneo”, dizem eles.<br />

Resumindo, “é aquilo a que se chama<br />

dor <strong>de</strong> corno”, graceja Nuno<br />

Cardoso, o encenador que é actor “<strong>de</strong><br />

vez em quando” (mas já lá vamos).<br />

O texto foi cortado cirurgicamente<br />

“num trabalho conjunto entre todos<br />

os actores”. “Mantivemos os pontos<br />

prepon<strong>de</strong>rantes do texto – a relação<br />

entre a Me<strong>de</strong>ia e o Jasão, a expulsão<br />

<strong>de</strong>la da cida<strong>de</strong> pelo rei, Creonte, o<br />

relato do mensageiro, o coro e a ama”<br />

[protagonizados por Carla Miranda,<br />

num grito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa das mulheres] –<br />

para conservar a “linearida<strong>de</strong> da<br />

narrativa” e “<strong>de</strong>ixámos partes <strong>de</strong><br />

fora, como a intervenção das<br />

crianças”, explica Carla Miranda.<br />

Nesta tragédia “sem ‘frou-frou’”, o<br />

<strong>de</strong>safio mais complicado coube a<br />

Daniel Pinto, o Jasão que enfrenta<br />

uma Me<strong>de</strong>ia (Maria do Céu) irascível.<br />

“Quando comecei senti alguma<br />

dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o Jasão<br />

porque o acho estúpido”, atira. “A<br />

Me<strong>de</strong>ia sacrifica tudo por ele.<br />

Ajudou-o a conseguir o velo <strong>de</strong> ouro,<br />

fez-lhe a papinha toda para ele po<strong>de</strong>r<br />

ser consi<strong>de</strong>rado um herói. E ele não<br />

reconhece que a Me<strong>de</strong>ia foi quem fez<br />

<strong>de</strong>le o homem que é. Depois fica<br />

embasbacado com uma jovem<br />

rapariga com posses e abandona-a.<br />

Exactamente como se vê hoje em<br />

dia”, lembra Daniel Pires.<br />

“A Me<strong>de</strong>ia faz tudo por amor mas<br />

comete crimes [para além dos filhos,<br />

matou o irmão]. Não é propriamente<br />

simpática! E consegue sempre<br />

escapar”, contrapõe Carla Miranda. E<br />

isto também está na moda. “A vida<br />

privada do Jasão está muito presente<br />

no nosso quotidiano”, consi<strong>de</strong>ra<br />

Nuno Cardoso. “Este sentimento <strong>de</strong><br />

traição e o facto <strong>de</strong> o traidor achar<br />

que tem razão estão no cerne <strong>de</strong><br />

muitos divórcios”. Já Nuno Cardoso<br />

simboliza a dimensão pública da<br />

peça: o rei Creonte, pai da futura<br />

mulher <strong>de</strong> Jasão, que entra pela casa<br />

<strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia dizendo que a vai expulsar<br />

da cida<strong>de</strong>. “O mais refrescante<br />

quando se faz uma tragédia é que ela,<br />

na sua simplicida<strong>de</strong> e acutilância,<br />

recorda-nos cenários sociais e<br />

políticos <strong>de</strong> agora”, diz. Mas não foi só<br />

por isso que Nuno Cardoso <strong>de</strong>spiu o<br />

traje <strong>de</strong> encenador. Foi também para<br />

nos lembrar que nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />

actor. “Meia volta faço-o para<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

estão a cumprir. “Sempre”,<br />

que está <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem e até<br />

amanhã na Sala Principal,<br />

é a primeira criação<br />

colectiva dos portugueses<br />

Cláudia Gaiolas, Paula<br />

Diogo e Tiago Rodrigues<br />

com os brasileiros Felipe<br />

Rocha, Michel Blois,<br />

perceber porque é que os meus<br />

actores bloqueiam”. É uma questão<br />

<strong>de</strong> “pôr o corpo on<strong>de</strong> costumo pôr as<br />

minhas palavras”, afirma. E, afinal, o<br />

Estúdio Zero é um lugar especial para<br />

Nuno Cardoso. “Depois do TeCA (o<br />

meu último e primeiro amor), gosto<br />

muito <strong>de</strong>sta casa. Fiz aqui coisas <strong>de</strong><br />

que me orgulho muito, como ‘Os<br />

Purificados’ e ‘Os Parasitas’”. Nesta<br />

“Me<strong>de</strong>ia”, eles são todos produtos<br />

“<strong>de</strong> uma época feliz no Porto, os anos<br />

90”. Por isso, estes encontros dão<br />

“um gozo” que, “com sorte, passará<br />

também para o público”, remata.<br />

Acto sem<br />

palavras<br />

Um trabalho do Projecto<br />

Teatral sobre uma figura<br />

ausente: o actor. Óscar Faria<br />

vazio do teatro<br />

Pelo Projecto Teatral. Com Gonçalo<br />

Ferreira <strong>de</strong> Almeida, Helena<br />

Tavares, João Rodrigues, Maria<br />

Duarte, André Maranha.<br />

<strong>Lisboa</strong>. O Negócio. R. do O Século, 9 - Páteo <strong>de</strong> Santa<br />

Clara Ptª 5. Tel.: 213430205. De 10/7 a 11/07, das 22h<br />

às 23h. Entrada livre.<br />

mmmmm<br />

Há uma figura ausente <strong>de</strong>ste trabalho:<br />

o actor. Esse vazio, que é também o<br />

do teatro, sublinha essa falta, porque<br />

ninguém sabe quando será possível a<br />

voz regressar à cena. Um lugar,<br />

contudo, está disponível para quem<br />

Thiare Maia e Alex Casal,<br />

construída no âmbito<br />

do projecto Estúdios.<br />

A seguir vêm “Pedro<br />

Procura Inês” (<strong>de</strong> 16 a 18) e<br />

“Bobby Sands Vai Morrer<br />

Thatcher Assassina” (<strong>de</strong><br />

23 a 25).<br />

“o vazio do teatro”, gesto radical <strong>de</strong> renúncia ao actor<br />

vê, aquele que se move entre dois<br />

abismos, à procura <strong>de</strong> um acontecer<br />

sempre adiado. Uma espera diante <strong>de</strong><br />

um entrançado <strong>de</strong> luz e <strong>de</strong> um<br />

volume em terra. Não existem<br />

palavras, porque os palcos estão<br />

povoados <strong>de</strong> frases, tutelas,<br />

distracções. Aqui convida-se a um<br />

recolhimento: em certos instantes, o<br />

calar é mesmo a melhor forma <strong>de</strong> se<br />

dizer. Nesse intervalo tudo é possível:<br />

uma comunida<strong>de</strong> sem nome, um<br />

texto sem corpo, uma troca sem<br />

comércio. De um ao outro lado, em<br />

volta, imóvel: tantos gestos por<br />

cumprir nesse percurso entre<br />

vislumbres da morte – a que se<br />

prepara em vida, a que se anuncia<br />

através <strong>de</strong> um silêncio vindo do<br />

passado.<br />

Neste gesto radical <strong>de</strong> renúncia ao<br />

actor, figura colocada em potência,<br />

numa espécie <strong>de</strong> bartlebiano<br />

“preferia não fazer”, coloca-se<br />

sempre esta questão: <strong>de</strong> que falamos<br />

quando falamos <strong>de</strong> teatro. É que, tal<br />

como acontece hoje com tantas<br />

palavras – arte, cultura, política, etc. –<br />

, há uma homonímia que afecta a<br />

distinção entre uma prática ancorada<br />

num diálogo com a tradição e uma<br />

activida<strong>de</strong> absolutamente veiculada<br />

ao instante da sua realização,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da economia e variantes<br />

(publicida<strong>de</strong>, mercado). Distante<br />

<strong>de</strong>sta submissão, o Projecto Teatral<br />

tem vindo a apontar para outras<br />

formas <strong>de</strong> activar o exercício <strong>de</strong><br />

representar: construindo-o em filme,<br />

convocando-o através <strong>de</strong> uma<br />

sucessão <strong>de</strong> momentos – o trabalho<br />

“Estufa”, realizado entre 2005 e 2007<br />

–, manifestando-o em textos<br />

entretanto publicados.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 39


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Orphée<br />

et Eurydice<br />

Em 2001, o Projecto Teatral<br />

edita um pequeno livro <strong>de</strong> Samuel<br />

Beckett: “imaginação morta<br />

imaginem”. “Em parte alguma traço<br />

<strong>de</strong> vida, dizem vocês, pah, gran<strong>de</strong><br />

coisa, imaginação não morta, sim,<br />

bom, imaginação morta imaginem”,<br />

diz-nos o início do texto. É <strong>de</strong>sse<br />

lugar que nos fala este “vazio do<br />

teatro”, um gesto entre dois<br />

momentos, duas translações, dois<br />

volumes sublinhados por uma ténue<br />

luz, <strong>de</strong> modo a que as sombras se<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

confundam com a ari<strong>de</strong>z da terra e<br />

com o pano-cru que anuncia a morte.<br />

Tudo acontece nesse espaço entre<br />

duas vozes – elas estão lá, sem corpo,<br />

sem som, apenas entrevistas numa<br />

sequência <strong>de</strong> que emergem os<br />

retratos <strong>de</strong> Faium, o salto <strong>de</strong> Yves<br />

Klein e o nascimento da tragédia,<br />

esse instante em que o actor se quis<br />

<strong>de</strong>stacar do comum, interpretando<br />

personagens.<br />

“vazio do teatro” começa por nos<br />

dizer que cada acto po<strong>de</strong> ser apenas<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

pensamento: uma forma <strong>de</strong> fazer<br />

<strong>de</strong>stinada não só aos presentes, mas<br />

também, e sobretudo, à memória dos<br />

antepassados, <strong>de</strong> cada voz contida<br />

nesse espaço que se abre no chão.<br />

Aqui não há disciplinas, há uma<br />

disciplina no dizer o silêncio: daí o<br />

rigor com que cada volume é posto<br />

no seu actual lugar, criando-se <strong>de</strong>sse<br />

modo as condições para uma<br />

ausência – em tudo diferente <strong>de</strong> uma<br />

retirada, pois há sempre a<br />

expectativa <strong>de</strong> um regresso,<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

anunciado em cada proposta do<br />

Projecto Teatral. Em rigor, esta peça<br />

é completada por cada espectador,<br />

que se intromete entre as vozes,<br />

<strong>de</strong>ixadas na expectativa. Po<strong>de</strong>mos<br />

imaginar-nos cobertos por um<br />

entrançado ou <strong>de</strong>baixo da terra: a<br />

nossa fragilida<strong>de</strong> é também a do<br />

teatro, <strong>de</strong>sse vazio dito por uma<br />

morte, uma ausência, um calar. O<br />

“sonho <strong>de</strong> uma sombra”, como nos<br />

diz um verso no qual Píndaro<br />

<strong>de</strong>screve aquilo que um homem é.<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

<br />

Agenda<br />

Estreiam<br />

Festival <strong>de</strong> Almada<br />

Ou/Não<br />

De Alan Ayckbourn e Harold Pinter.<br />

Pelos Tg Stan.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />

De 11/07 a 12/07. Sáb. às 21h30. Dom. às 17h. 5€ a<br />

15€.<br />

Ver texto págs. 20 e segs.<br />

Deus Como Paciente - Assim<br />

Falava Isidore Ducasse<br />

De Isidore Ducasse. Encenação <strong>de</strong><br />

Matthias Langhoff.<br />

Almada. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Professor Egas<br />

Moniz. De 12/07 a 13/07. 2ª e 3ª às 21h30. Tel.:<br />

212739360. 12€ a 20€.<br />

Ver texto págs. 20 e segs.<br />

A Criada Zerlina<br />

De Hermann Broch. Encenação <strong>de</strong><br />

Robert Cantarella.<br />

Almada. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Professor Egas<br />

Moniz. De 10/07 a 11/07. 6ª às 19h. Sáb. às 11h. Tel.:<br />

212739360. 7€ a 13€.<br />

Compota Russa<br />

De Liudmila Ulítskaia. Encenação<br />

<strong>de</strong> Andrzej Bubien.<br />

Almada. Palco Gran<strong>de</strong> - Escola D. António da<br />

Costa. Av. Professor Egas Moniz. Dia 10/07. 6ª às<br />

22h. Tel.: 212745294. 7€ a 13€.<br />

Uivos<br />

De Jesús Peña. Encenação <strong>de</strong> Jesús<br />

Peña.<br />

Almada. Palco Gran<strong>de</strong> - Escola D. António da<br />

Costa. Av. Professor Egas Moniz. Dia 11/07. Sáb. às<br />

22h. Tel.: 212745294. 7€ a 13€.<br />

Para Louis <strong>de</strong> Funès<br />

De Valère Novarina. Com Jorge<br />

Silva Melo.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar,<br />

91. De 12/07 a 13/07. 2ª às 19h. Dom. às 17h. Tel.:<br />

213111400. 5€ a 10€.<br />

Dezembro<br />

De Guillermo Cal<strong>de</strong>rón. Encenação<br />

<strong>de</strong> Guillermo Cal<strong>de</strong>rón.<br />

Almada. Fórum <strong>Municipal</strong> Romeu Correia.<br />

Pç. Liberda<strong>de</strong>. Dia 12/07. Dom. às 20h30. Tel.:<br />

212724928. 5€ a 10€.<br />

Flores Arrancadas à Névoa<br />

De Arísti<strong>de</strong>s Vargas. Encenação <strong>de</strong><br />

Pepe Bablé.<br />

Almada. Palco Gran<strong>de</strong> - Escola D. António da<br />

Costa. Av. Professor Egas Moniz. Dia 12/07. Dom.<br />

às 22h15. Tel.: 212745294. 7€ a 13€.<br />

Contracções<br />

De Mike Bartlett. Encenação <strong>de</strong><br />

Solveig Nordlund.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />

De 13/07 a 18/07. 2ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

217905155. 5€ a 12€.<br />

Dança<br />

Estreiam<br />

Orphée et Eurydice<br />

<strong>de</strong> Marie Chouinard.<br />

Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De<br />

10/07 a 12/07. 6ª, Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.:<br />

223401905. 5€ a 15€.<br />

Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque.<br />

De 15/07 a 16/07. 4ª e 5ª às 21h30. Tel.: 232480110.<br />

10€ a 20€.<br />

Ver texto págs. 24 e segs.<br />

Continuam<br />

Solo<br />

De Philippe Decouflé.<br />

Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque.<br />

De 10/07 a 11/07. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.:<br />

232480110. 10€ a 20€.<br />

40 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Discos<br />

“Sometimes I Wish We Were<br />

an Eagle” assinala o<br />

fim da <strong>de</strong>cantação <strong>de</strong> toda a<br />

violência que marcava<br />

os primeiros disco <strong>de</strong> Callahan<br />

Pop<br />

A salvação <strong>de</strong><br />

Bill Callahan<br />

Não há muitos discos por aí<br />

em que entremos <strong>de</strong> gatas<br />

e saiamos apoiados apenas<br />

nas patas traseiras.<br />

João Bonifácio<br />

Bill Callahan<br />

Sometimes I Wish We Were an Eagle<br />

Domino; distri. Flur<br />

mmmmm<br />

O movimento<br />

traçado pela música<br />

<strong>de</strong> Bill Callahan ao<br />

longo <strong>de</strong> 17 anos é<br />

uma lenta elipse em<br />

direcção à<br />

normalida<strong>de</strong> possível, cujo ponto<br />

culminar é “Sometimes I Wish We<br />

Were an Eagle”. O disco assinala o<br />

fim <strong>de</strong> uma recente e progressiva<br />

<strong>de</strong>cantação <strong>de</strong> toda a provocação e<br />

violência que marcavam os<br />

primeiros discos <strong>de</strong> Callahan.<br />

O milagre <strong>de</strong> “Sometimes I Wish<br />

We Were an Eagle” consiste em usar<br />

a favor <strong>de</strong> uma beleza simples mas<br />

exacta os elementos fundamentais<br />

que marcam a escrita <strong>de</strong> Callahan:<br />

usar um mínimo <strong>de</strong> recursos,<br />

assentes numa estrutura repetitiva à<br />

guitarra, com enorme economia<br />

vocal e palavras lapidares. Esta<br />

estrutura mantém-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início,<br />

mas nessa altura Callahan<br />

procurava resultados<br />

diferentes.<br />

Vejamos o que ele<br />

caminhou. A sua<br />

primeira cançãoban<strong>de</strong>ira,<br />

“Your<br />

Wedding”, está em “Julius<br />

Caeser” (1993) e foi<br />

editada sob o nome<br />

Smog, <strong>de</strong>nominação que<br />

só abandonou há dois<br />

anos com “Woke on a<br />

Waleheart”. Sob um manto<br />

<strong>de</strong> violoncelos lúgubres, o<br />

que parece ser um oboé a<br />

<strong>de</strong>senhar uma harmonia<br />

<strong>de</strong>sagradável e uma guitarra<br />

<strong>de</strong>safinada, Callahan canta,<br />

com voz ébria, enquanto o<br />

ruído se acumula à sua volta: “I’m<br />

gonna be drunk, so drunk, at your<br />

wedding”. Os riffs bluesy<br />

disfuncionais, as guitarras<br />

<strong>de</strong>safinadas e repetitivas<br />

tornaram-se a marca <strong>de</strong><br />

água <strong>de</strong> Callahan, que<br />

nessa altura usava o<br />

ruído com<br />

abundância.<br />

Espaço<br />

Público<br />

No ano <strong>de</strong> 2009, The<br />

Smiths, The Cure e Echo<br />

and the Bunnymen<br />

<strong>de</strong>cidiram juntar-se<br />

para gravar um dico<br />

<strong>de</strong> beneficiência.<br />

Claro que se trata<br />

<strong>de</strong> um boato<br />

gigantesco,<br />

mas ao<br />

escutar<br />

o disco<br />

homónimo dos<br />

The Pains of<br />

Being Pure at<br />

O mérito foi o <strong>de</strong> ser credível a<br />

enfiar-se na cabeça <strong>de</strong> gente<br />

colocada em fronteiras emocionais.<br />

A infância, por exemplo, era terrível:<br />

em “Battysphere” (“Wild Love”,<br />

1995) um miúdo quer ir para o fundo<br />

do mar e não se importa <strong>de</strong> ficar por<br />

lá; em “Cold Bloo<strong>de</strong>d Old Times”<br />

(“Knock Knock”, 1999), um adulto<br />

recorda a infância e só encontra a<br />

separação dos pais quando era<br />

criança.<br />

As mulheres também não foram<br />

fonte <strong>de</strong> alegria. Em “Be Hit” (“Wild<br />

Love”) Callahan advogava a violência<br />

doméstica como método para evitar<br />

separações. Em “All your women<br />

things” (“Doctor Came At Dawn”,<br />

1996) um homem recorda uma<br />

mulher perdida e pergunta porque é<br />

só a conseguiu amar quando ela o<br />

<strong>de</strong>ixou.<br />

Essa distância face às emoções é<br />

abordada em “River Guard”,<br />

extraordinária canção <strong>de</strong> “Knock<br />

Knock”. Canta-se: “We are<br />

constantly on trial/ it’s a way to be<br />

free”. Aqui a consciência serve como<br />

forma <strong>de</strong> prisão e é esse o gran<strong>de</strong><br />

Heart fico com a sensação<br />

<strong>de</strong> já ter escutado aquele<br />

riff, aquela rima ou aquele<br />

tom <strong>de</strong> voz num dos<br />

vinis que se encontram<br />

religiosamente arrumados<br />

na prateleira da sala. É<br />

para mim estranho que o<br />

disco tenha sido levado<br />

ao colo por gran<strong>de</strong> parte<br />

da imprensa musical,<br />

convencida <strong>de</strong> que<br />

estaremos perante um<br />

meteorito musical capaz<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir todos os<br />

tema <strong>de</strong> Callahan. Essa reflexão<br />

sobre a consciência teve o seu<br />

epítome em “Rain On Lens”, disco<br />

sufocante, <strong>de</strong> guitarras ásperas e voz<br />

cada vez mais seca, em que canta<br />

“The mind is always working out/<br />

ways to see/ the things I shouldn’t<br />

see” (em “Natural <strong>de</strong>cline”). Em<br />

Callahan a consciência é castradora<br />

e o inconsciente é sabotador – vença<br />

quem vencer é a alegria que per<strong>de</strong>.<br />

A partir <strong>de</strong> “Supper” (2003) as<br />

canções procuram a beleza, a<br />

calmaria domina e aqui e ali nota-se<br />

uma procura <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>, que<br />

domina o tremendo “A River Ain’t<br />

Too Much To Love” (2005). Se antes<br />

tínhamos a impressão <strong>de</strong> estar a<br />

assistir a uma inevitável tragédia pelo<br />

buraco da fechadura, agora Callahan<br />

abria-se para o exterior.<br />

“Sometimes I Wish I Was an<br />

Eagle” é o primeiro gran<strong>de</strong> disco em<br />

nome próprio. Abre com “Jim Cain”,<br />

canção <strong>de</strong>dicada ao escritor “noir”<br />

James M Cain. Há um simples<br />

entrançado <strong>de</strong> guitarras enquanto<br />

cordas idílicas sobrevoam a voz<br />

quente <strong>de</strong> Callahan, que traça um<br />

planetas que encontrar<br />

pela frente na sua<br />

travessia. Por aqui, o<br />

disco passou claramente<br />

ao lado, sobretudo por<br />

nele sentir uma falta <strong>de</strong><br />

originalida<strong>de</strong> não muito<br />

recomendável. Um longaduração<br />

a que aconselho<br />

vivamente a realização <strong>de</strong><br />

5.5 TAC`s (em 10).<br />

Pedro Miguel Silva, técnico<br />

<strong>de</strong> comunicação, 35 anos<br />

paralelo entre a sua vida e a do<br />

escritor, cantando “I started out in<br />

search of ordinary things/ how much<br />

of a tree bends in the wind”, para<br />

chegar aqui: “I used to be darker/<br />

then I got lighter/ then I got dark<br />

again”.<br />

“Jim Cain” serve <strong>de</strong> programa ao<br />

disco, um conjunto <strong>de</strong> canções<br />

meticulosamente <strong>de</strong>senhadas,<br />

assentes nos jogos harmónicos entre<br />

as guitarras, com as melodias <strong>de</strong> voz<br />

(sempre seca, sempre controlada) à<br />

frente, enquanto em fundo cortinas<br />

<strong>de</strong> cordas e sopros acentuam e<br />

pontuam o que se canta. Todo o<br />

disco assenta numa premissa: a<br />

aceitação dos erros passados, a<br />

dissolução do ego num bem maior.<br />

Isto po<strong>de</strong>ria correspon<strong>de</strong>r a filosofia<br />

new-age, mas Callahan tem<br />

<strong>de</strong>masiados filtros para ser autocomplacente.<br />

Em “Eid Ma Clack Shaw” uma brisa<br />

<strong>de</strong> cordas varre o minimalismo do<br />

piano enquanto nos bastidores<br />

sopros trabalham na beleza. Em “The<br />

wind and the dove” estamos <strong>de</strong> volta<br />

aos entraçados <strong>de</strong> guitarra com<br />

www.obidos.pt<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 41


aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

Ao quarto álbum, Stephen Wilkinson, ou melhor Bibio,<br />

encontrou a verda<strong>de</strong>ira inspiração, aquela que lhe permite<br />

<strong>de</strong>scortinar uma linguagem sua<br />

<strong>de</strong>bruado <strong>de</strong> cordas e sopros<br />

evocativos. Numa pequena ponte em<br />

ascensão, prenuncia-se uma epifania<br />

que se concretiza no refrão. As<br />

qualida<strong>de</strong>s evocativas das cordas<br />

atingem o zénite em “Rococo<br />

Zephiyr”. Callahan canta: “I used to<br />

be sort of blind/ Now I can sort of<br />

see” e o génio está naquele “sort of”.<br />

“Too many birds” é canção <strong>de</strong><br />

fogueira, inapelavelmente imediata,<br />

com órgão a saltitar no refrão. “My<br />

friend” talvez seja a gran<strong>de</strong> canção<br />

do disco: “We share a common<br />

dream/ To <strong>de</strong>stroy what will harm<br />

other men/ My friend” e Callahan<br />

canta aquele “my friend” como se<br />

fosse um anti-herói <strong>de</strong> série B a fazer<br />

uma ameaça, dando uma intensida<strong>de</strong><br />

teatral inusitada à canção. Até ao fim<br />

ainda há um disparate ambiental<br />

(“Invocation of Ratiotination”) e duas<br />

tremendas canções, “All thoughts are<br />

prey to some beats” e “Faith/Void”,<br />

com Callahan a cantar “It’s time to<br />

put God away”.<br />

A salvação costuma ser<br />

esteticamente repreensível, mas<br />

Callahan consegue torná-la<br />

comovente. Não há muitos discos por<br />

aí em que entremos <strong>de</strong> gatas e<br />

saiamos apoiados apenas nas patas<br />

traseiras. Extraordinário, senhor<br />

Callahan, extraoridnário.<br />

Divagações pop<br />

numa avenida da<br />

cida<strong>de</strong><br />

Bibio<br />

Ambivalence Avenue<br />

Warp, distri. Symbiose<br />

mmmmn<br />

Na música, como<br />

noutros campos<br />

artísticos, há a i<strong>de</strong>ia<br />

feita que é nas<br />

estreias que existe<br />

dose maior <strong>de</strong><br />

espontaneida<strong>de</strong>. Os anos vindouros<br />

serão <strong>de</strong> superação ou consolidação<br />

e, supostamente, o gesto instintivo<br />

será mais difícil <strong>de</strong> se manifestar.<br />

Não digam isso a Stephen<br />

Wilkinson, ou melhor Bibio, britânico<br />

que já lançou três álbuns e que, ao<br />

quarto, parece ter encontrado a<br />

verda<strong>de</strong>ira inspiração, aquela que lhe<br />

permite, com gesto <strong>de</strong>sprendido,<br />

<strong>de</strong>scortinar uma linguagem sua,<br />

on<strong>de</strong> se sente confortável,<br />

conseguindo transmitir o prazer, que<br />

é também leveza, <strong>de</strong> ter chegado a<br />

um lugar seu. Coisas que levam<br />

tempo.<br />

Não que o novo álbum seja<br />

radicalmente diferente dos anteriores<br />

registos, combinação <strong>de</strong> planície e<br />

cida<strong>de</strong>, repetição electrónica urbana<br />

e elegância acústica, folk bucólica e<br />

ambientalismo caleidoscópico. Não<br />

é. Mas possui um travo diferente: o<br />

travo <strong>de</strong> quem é capaz <strong>de</strong> olhar a<br />

paisagem por inteiro, saboreando<br />

com tempo todos os contornos, a<br />

finura das texturas, a abstracção das<br />

cores, e traduzi-la numa música<br />

aberta.<br />

A maior parte dos temas aproximase<br />

da estrutura da canção pop, mas<br />

nem todos o são exactamente.<br />

“Lovers carvings” ou “Jealous of<br />

roses” partem <strong>de</strong> variações simples e<br />

repetitivas para guitarra,<br />

<strong>de</strong>sembocando num clima <strong>de</strong> pop<br />

primaveril, com a voz em falsete <strong>de</strong><br />

Wilkinson em acção. “Fire ant” ou<br />

“Sugarette” são construídos segundo<br />

as premissas <strong>de</strong> corte-e-costura do<br />

hip-hop, libertando uma energia em<br />

forma <strong>de</strong> arco-íris. “Abrasion” respira<br />

naturalmente o ar da Inglaterra rural,<br />

num registo folk psicadélico.<br />

É uma avenida cheia <strong>de</strong> árvores,<br />

aquela que ilustra a capa <strong>de</strong> um<br />

álbum <strong>de</strong> canções diversas, unidas<br />

pela mesma atmosfera vagamente<br />

nostálgica. Não faltará quem as<br />

contemple e as encare como mera<br />

revisitação ao passado. Mas é uma<br />

visão redutora. Em “Ambivalence<br />

Avenue” fun<strong>de</strong>m-se múltiplas<br />

temporalida<strong>de</strong>s. E mesmo que isso<br />

não acontecesse, haveria sempre<br />

uma mão cheia <strong>de</strong> canções<br />

inspiradas, daquelas que não estão<br />

presas a nenhuma época, capazes <strong>de</strong><br />

contaminar, com frescura, o Verão na<br />

cida<strong>de</strong>. Vítor Belanciano<br />

O inspirado regresso<br />

dos Madness<br />

Madness<br />

The Liberty Of Norton Folgate<br />

Naïve; distri. Andante<br />

mmmnn<br />

Aqui se mostra<br />

como envelhecer<br />

graciosamente. Os<br />

Madness, eles <strong>de</strong><br />

“One step beyond”,<br />

eles, a par dos<br />

Specials, representantes do<br />

revivalismo ska na Inglaterra dos<br />

anos 1970 e 1980, editam o seu<br />

primeiro álbum numa década e<br />

conseguem a proeza <strong>de</strong> não repetir<br />

nenhum dos dois erros habituais<br />

nestas circunstâncias. A ver: tentar<br />

uma mo<strong>de</strong>rnização que, neste caso,<br />

incluiria colaborações com alguma<br />

luminária actual do ragga, Mark<br />

Ronson a dar um toque “vintage<br />

digital” ao single <strong>de</strong> apresentação e<br />

uma participação especial <strong>de</strong> Pete<br />

Doherty; ou, pelo contrário, ir lá<br />

atrás e regurgitar o passado como se<br />

o presente não existisse, tornando a<br />

banda um artefacto, certamente vivo,<br />

mas capaz <strong>de</strong> suscitar vergonha<br />

alheia ao mais generoso dos corações<br />

(é ver o que andam a fazer os New<br />

York Dolls).<br />

Não, neste “The Liberty Of Norton<br />

Folgate” os Madness estão iguais a si<br />

próprios no sotaque “cockney”, na<br />

“britishness” impoluta, na forma<br />

como cada canção apresenta uma<br />

Madness: aqui se mostra como<br />

envelhecer graciosamente<br />

cartografia precisa da geografia e da<br />

personalida<strong>de</strong> londrinas. Estão<br />

iguais a si próprios, entenda-se,<br />

como banda formada por distintos<br />

quarentões que, agora, já não se<br />

atiram ao humor tão<br />

<strong>de</strong>spudoradamente como antes, que<br />

passaram longo tempo a aperfeiçoar<br />

cada orquestração, que olham para<br />

o mundo à volta com sensibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> adulto.<br />

Álbum conceptual, vagueia por<br />

Londres, acompanhando Norton<br />

Folgate da euforia à <strong>de</strong>pressão, da<br />

adolescência em que tudo é belo e<br />

possível à inevitável queda que se<br />

segue. Álbum <strong>de</strong> sabor clássico,<br />

parte do padrão obrigatório (os<br />

Kinks <strong>de</strong> “Village Green Preservation<br />

Society”) e junta-se a uma genealogia<br />

que teve continuida<strong>de</strong> nos Blur <strong>de</strong><br />

“Parklife” e, mais recentemente, nos<br />

Streets <strong>de</strong> Mike Skinner.<br />

“Sugar and spice” tem a leveza<br />

encantatória e os coros <strong>de</strong> um single<br />

dos Hollies. “Forever Young” é um<br />

pedaço <strong>de</strong> melancolia embrulhada<br />

em congas e linha <strong>de</strong> baixo resgatada<br />

ao dub. “Idiot child”, “always<br />

<strong>de</strong>stined to fail / always ending in<br />

jail”, dá ares <strong>de</strong> single clássico dos<br />

Madness, com o piano a comandar a<br />

acção e virtu<strong>de</strong>s trauteáveis<br />

impossíveis <strong>de</strong> negligenciar.<br />

“Clerkenwell polka”, por sua vez,<br />

começa com tuba a marcar o ritmo a<br />

há-<strong>de</strong> acabar em festa rija: metais ao<br />

alto e um pouco <strong>de</strong> fanfarra cigana no<br />

centro <strong>de</strong> Londres.<br />

É certo que algumas canções<br />

menos inspiradas – como essa<br />

“Africa” atormentada por perigoso<br />

solo <strong>de</strong> saxofone – parecem servir<br />

apenas para dar maior dimensão ao<br />

álbum – afinal, <strong>de</strong>morou três anos a<br />

gravar, tempo para compor cerca <strong>de</strong><br />

cinco <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> músicas. Isso,<br />

porém, está longe <strong>de</strong> diminuir “The<br />

Liberty Of Norton Folgate” como<br />

álbum que recoloca os Madness, com<br />

dignida<strong>de</strong> assinalável, no presente<br />

pop. Para tal, <strong>de</strong> resto, bastaria o<br />

tema título, o último do álbum. Suite<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos, estabelece uma<br />

ponte imaginária entre a Londres <strong>de</strong><br />

outros tempos e a Londres <strong>de</strong> hoje.<br />

Uma e outra, terra <strong>de</strong> emigrantes. A<br />

canção, eloquente, celebratória,<br />

junta tudo: orquestrações Bollywood<br />

e ritmo ska, valsas psicadélicas e<br />

piano <strong>de</strong> pub, chineses a ven<strong>de</strong>r<br />

DVDs na rua e irlan<strong>de</strong>ses a acostar no<br />

porto. Não po<strong>de</strong>ria haver melhor<br />

forma <strong>de</strong> encerrar o álbum. Mário<br />

Lopes<br />

Jazz<br />

Um<br />

admirável<br />

mundo<br />

O trompetista Jon Hassel<br />

reafirma-se como um dos<br />

mais importantes músicos<br />

do séc XX. Rodrigo Amado<br />

Jon Hassell<br />

Last Night the Moon Came<br />

Dropping its Clothes in the Street”<br />

ECM, dist. Dargil<br />

mmmmm<br />

que exploraram<br />

a fundo a<br />

alquimia dos<br />

sons, como<br />

Miles Davis ou<br />

Brian Eno, o<br />

trompetista Jon<br />

Hassell<br />

construiu uma<br />

carreira que<br />

atravessa <strong>de</strong><br />

forma oblíqua<br />

toda a música<br />

do final do<br />

século XX,<br />

projectando-a<br />

Apesar <strong>de</strong> não ser<br />

tão conhecido<br />

como outros<br />

músicos<br />

agora, po<strong>de</strong>rosamente, para o novo<br />

século. Com este novo disco e uma<br />

extensa digressão norte-americana,<br />

Hassell revela uma vitalida<strong>de</strong><br />

surpreen<strong>de</strong>nte para um músico <strong>de</strong> 72<br />

anos que re<strong>de</strong>finiu parâmetros, nos<br />

anos 80 e 90, nos mais variados<br />

géneros músicais, do “ambient” ao<br />

jazz, electrónica, pop, ou à chamada<br />

“música do mundo”. Regressado à<br />

ECM, 23 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Power<br />

Spot”, Hassell encontra nos valores<br />

<strong>de</strong> produção da editora o contexto<br />

i<strong>de</strong>al para uma re-actualização dos<br />

seus princípios sonoros, que aqui<br />

surgem mágicos, mais brilhantes do<br />

que nunca, evocando diversos<br />

pontos chave da sua discografia,<br />

nomeadamente a série “Fourth<br />

World”, o já referido “Power Spot”,<br />

“City: Works of Fiction”, “Dressing<br />

for Pleasure” ou “Fascinoma”.<br />

Simultâneamente acessível e<br />

experimental, a música <strong>de</strong> Hassell<br />

<strong>de</strong>safia categorizações e é baseada<br />

em estímulos sensoriais não<br />

tangíveis. Para isso, o trompetista<br />

realiza inúmeras sessões <strong>de</strong> estúdio,<br />

pesquisando sons, explorando ritmos<br />

e arranjos, num ritual que tem tanto<br />

<strong>de</strong> racional como <strong>de</strong> instintivo. Em<br />

“Last Night the Moon...”, a música<br />

<strong>de</strong>senvolve-se lentamente, numa<br />

polirritmia subtil que é acentuada<br />

pelas linhas profundas do baixo e<br />

pelas melodias intemporais do<br />

trompete <strong>de</strong> Hassell - metamorfose<br />

constante <strong>de</strong> formas e sons que<br />

fazem do álbum uma peça única.<br />

Com sucessivas audições, o admirável<br />

mundo <strong>de</strong> Hassell é-nos<br />

progressivamente revelado numa<br />

imensidão <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes sónicos. Um<br />

mundo que, apesar <strong>de</strong> já não ser<br />

novo (os alquimistas fizeram<br />

escola e estão<br />

por todo o<br />

lado),<br />

raramente<br />

nos é<br />

revelado<br />

com<br />

tamanho<br />

brilho.<br />

Um trompetista cuja carreira atravessa toda<br />

a música do final do século XX<br />

42 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Concertos<br />

Prodigy, cabeças <strong>de</strong> cartaz<br />

Pop<br />

Os<br />

regenerados<br />

Prodigy...<br />

Depois dos encontros<br />

imediatos <strong>de</strong> terceiro graus<br />

<strong>de</strong> ontem, o Optimus Alive<br />

entra em velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

cruzeiro. Mário Lopes<br />

Optimus Alive! 09<br />

Algés. Passeio Marítimo <strong>de</strong> Algés. Passeio Marítimo<br />

<strong>de</strong> Algés. 6ª e sáb. às 17h00. 50€ (dia) a 90€ (passe).<br />

Dia 10<br />

Palco Optimus: Os Pontos Negros (17h30), Eagles of<br />

Death Metal (18h30), The Kooks (19h50), Blasted<br />

Mechanism (21h15), Placebo (22h45), The Prodigy<br />

(00h30).<br />

Palco Super Bock: The Gaslight Anthem (17h00),<br />

John Is Gone (18h10), Late Of The Pier (19h15),<br />

Hadouken! (20h25), Does It Offend You, Yeah?<br />

(21h45), Fischerspooner! (23h15), The Ting Tings<br />

(01h00), Zombie Nation (02h15).<br />

Palco Optimus Discos: Youthless (18h30), Bezegol<br />

(19h30), DJ Ri<strong>de</strong> (20h30), Coldfinger (21h30), Zig<br />

Zag Warriors (22h40).<br />

Dia 11<br />

Palco Optimus: Boss AC (17h30), Ayo (19h00), Chris<br />

Cornell (20h30), The Black Eyed Peas (22h15), Dave<br />

Matthews Band (00h00).<br />

Palco Super Bock: X-Wife (17h00), A Silent Film<br />

(18h15), Los Campesinos! (19h40), Trouble Andrew<br />

(21h10), Autokratz (22h30), Lykke Li (23h40),<br />

Ghostland Observatory (01h00), Deadmau5<br />

(02h30).<br />

Palco Optimus Discos: Olive Tree Dance (18h30), The<br />

Pragmatic (19h30), Madame Godard (20h30), Linda<br />

Martini(21h30), Sofia M (22h40), DJ Kitten (00h20).<br />

Ontem houve metal <strong>de</strong> um<br />

lado, comunida<strong>de</strong> indie<br />

do outro ou tudo junto<br />

em alegre convívio - as<br />

“leggings” e o cabedal,<br />

o cabelo escorrido e o<br />

penteado<br />

cuidadosamente <strong>de</strong>spenteado. Hoje,<br />

no Optimus Alive, a história é outra.<br />

“Tudo ao molho” e vamos em frente.<br />

No palco Optimus, o principal, há<br />

Placebo com álbum novo (“Battles<br />

For The Sun”), Brian Molko com<br />

cabelo também novo e, logo a seguir,<br />

os cabeças <strong>de</strong> cartaz Prodigy,<br />

regenerados por um álbum bem<br />

recebido, “Inva<strong>de</strong>rs Must Die”, e pela<br />

sensação <strong>de</strong> que o terrorismo rave<br />

que os tornou uma das bandas mais<br />

célebres dos anos 90 faz todo o<br />

sentido no século XXI.<br />

No mesmo palco, veremos ainda o<br />

festim tribal-cósmico dos Blasted<br />

Mechanism, a pop britânica dos<br />

Kooks, os excessos roqueiros e o<br />

bigo<strong>de</strong> “à maneira” dos Eagles Of The<br />

Death Metal e, para início <strong>de</strong> festa, as<br />

canções perfeitas para cantarolar e<br />

i<strong>de</strong>ais para dançar dos Pontos Negros<br />

e seu pope-roque.<br />

O dia, naturalmente, não se esgota<br />

ali – a distracção chama-nos <strong>de</strong> todo o<br />

lado e isso, como sabemos, é uma das<br />

“maravilhas” dos festivais <strong>de</strong> Verão.<br />

No palco secundário, os Ting Tings, à<br />

uma da manhã, concentrarão<br />

atenções. “We Started Nothing” foi<br />

um dos bons álbuns <strong>de</strong> 2008 e as<br />

canções do duo britânico têm a<br />

qualida<strong>de</strong> trauteável e a sofisticação<br />

pop para pôr o pessoal a saltar da<br />

forma correcta. Antes dos Ting Tings,<br />

os Fischerspooner vêm mostrar, com<br />

as canções do novo “Entertainment”,<br />

se sobreviveram à queda do<br />

electroclash, primeiro, e, <strong>de</strong>pois, à<br />

megalomania floydiana <strong>de</strong><br />

“Odyssey”, o seu segundo álbum. Ali<br />

ao lado, no palco Optimus Discos,<br />

apresenta-se o funk acetinado dos<br />

Coldfinger e o terramoto rítmico <strong>de</strong><br />

DJ Ri<strong>de</strong> (do hip hop para o mundo).<br />

Amanhã, no encerramento do<br />

Optimus Alive, dia <strong>de</strong> virtuosismo<br />

para as massas. O virtuosismo da<br />

Dave Matthews Band, que é<br />

idolatrada por milhões, entre os<br />

quais todos os membros <strong>de</strong> todas as<br />

bandas <strong>de</strong> bar <strong>de</strong> todo o mundo, e<br />

que apresentará “Big Whiskey and<br />

the GrooGrux King”, o primeiro<br />

álbum <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. O virtuosismo do<br />

vocalista Chris Cornell, ex-<br />

Soundgar<strong>de</strong>n e ex-Audioslave, que<br />

vem apresentar “Scream”, o álbum<br />

em que a postura rock surge<br />

embrulhada em produções <strong>de</strong><br />

Timbaland. E, por fim, o virtuosismo<br />

dos Black Eyed Peas, menos óbvio,<br />

mas que <strong>de</strong> alguma forma se<br />

manifestará – é o que dizem os<br />

milhões vendidos mundo fora, é o<br />

diz o toque <strong>de</strong> Midas do produtor<br />

will.i.am, que ultrapassou o contexto<br />

da sua própria banda. O palco<br />

principal abre com Boss AC e, nos<br />

restantes, <strong>de</strong>staque para a pop<br />

electrónica da sueca Lykke Li,<br />

revelação <strong>de</strong> 2008 com o álbum<br />

“Youth Novels”, para a adolescência<br />

feita canção indie dos Los<br />

Campesinos! e para os X-Wife,<br />

autores <strong>de</strong> “Are You Ready For The<br />

Blackout?”, um dos melhores discos<br />

nacionais <strong>de</strong> 2008. M.L.<br />

Depeche Mo<strong>de</strong>, um dos últimos<br />

grupos <strong>de</strong> estádio da década <strong>de</strong> 80<br />

a manter uma base <strong>de</strong> apoio fiel<br />

Depeche<br />

Mo<strong>de</strong><br />

versão<br />

Super<br />

Rock<br />

Aqui vamos nós outra vez<br />

em direcção aos anos 80.<br />

Vítor Belanciano<br />

Festival Super Bock Super Rock<br />

2009<br />

Porto. Estádio do Bessa Séc. XXI. R. 1º Janeiro. 6ª e<br />

Sáb. às 20h00. Tel.: 226071004. 40€ (dia) a 70€<br />

(passe).<br />

Palco Principal: Depeche Mo<strong>de</strong>, Nouvelle Vague,<br />

Peter, Bjorn & John, Motor e Soapbox.<br />

Trinta anos e muitas crises <strong>de</strong>pois, os<br />

Depeche Mo<strong>de</strong> continuam activos,<br />

sobreviventes num universo, o do<br />

entretenimento, on<strong>de</strong> a voragem do<br />

tempo faz vítimas todos os dias. A<br />

digressão que agora passa por<br />

Portugal tem como pretexto “Sounds<br />

Of The Universe”, o 12ª álbum da<br />

carreira, disco que se divi<strong>de</strong> entre<br />

canções dinâmicas e contemplativas,<br />

em contexto pop electrónico.<br />

Dave Gahan, voz, Martin Gore,<br />

multi-instrumentista e voz, e Andrew<br />

Fletcher, teclas, voltaram a reunir-se<br />

com o produtor Ben Hillier, como já<br />

havia sucedido no anterior álbum.<br />

Talvez por isso, os elementos<br />

contidos no novo registo não sejam<br />

muito diferentes daquilo que já se<br />

conhecia, com guitarras dissonantes,<br />

sintetizadores borbulhantes e ruídos<br />

percussivos, embora o resultado final<br />

exponha uma paleta sonora um<br />

pouco diferente.<br />

Mas naturalmente ninguém vai a<br />

um concerto dos Depeche Mo<strong>de</strong><br />

apenas para ouvir as últimas<br />

novida<strong>de</strong>s do trio, sendo por isso <strong>de</strong><br />

esperar que se oiçam os inúmeros<br />

êxitos que a banda, um dos últimos<br />

grupos <strong>de</strong> estádio da década <strong>de</strong> 80 a<br />

manter uma base <strong>de</strong> apoio fiel, foi<br />

acumulando ao longo dos anos.<br />

Depois <strong>de</strong> o vocalista ter sido vítima<br />

<strong>de</strong> uma gastroentrite, chegou a<br />

temer-se pela realização do concerto<br />

em Portugal, mas os Depeche Mo<strong>de</strong><br />

retomariam a digressão em 8 <strong>de</strong><br />

Junho, a tempo da presença,<br />

amanhã, no Estádio do Bessa.<br />

Dos Primal Scream<br />

aos Scorpions<br />

Festival Marés Vivas 2009 -<br />

Dia 16<br />

Vila Nova <strong>de</strong> Gaia. Afurada (Foz do Douro). 5ª, às<br />

19h00. Tel.: 229389978. 25€ (dia) a 38€ (passe).<br />

Na quinta, Gaia estreitará a sua<br />

centenária ligação a Inglaterra.<br />

Antes, vinham industriais e<br />

comerciantes investir no vinho do<br />

Porto, agora, no Festival Marés<br />

Vivas, é a cultura musical britânica<br />

que se anuncia. Investida<br />

multifacetada.<br />

Os Kaiser Chiefs, dignos<br />

representantes da pop da Velha<br />

Albion, regressam com “Off With<br />

Their Heads” e uma história inglesa,<br />

com início nos Beatles e nos Kinks e<br />

passagem por The Jam e Blur,<br />

transformada em canções <strong>de</strong><br />

digestão imediata.<br />

Antes <strong>de</strong>les, os veteranos Primal<br />

Scream, grupo histórico (bastaria<br />

“Screama<strong>de</strong>lica” para o ser) que, nos<br />

últimos tempos, os <strong>de</strong> “Riot City<br />

Blues” (2006) e “Beautiful Future”<br />

(2008), se reconverteu em banda <strong>de</strong><br />

putos a tocar rock’n’roll, muito<br />

glam, muito pecaminoso, como se os<br />

anos 1970 nunca tivessem<br />

<strong>de</strong>saparecido. Quinta-feira é<br />

também dia <strong>de</strong> regresso dos Lamb,<br />

banda fetiche do público português.<br />

No palco Novos Portugueses on<strong>de</strong><br />

actuam os John Is Gone, recomendase<br />

uma olha<strong>de</strong>la atenta ao concerto<br />

dos Sizo, banda portuense que se<br />

prepara para editar um segundo<br />

álbum, “Got To Love People Who Set<br />

Themselves Up For Disaster”, todo<br />

ele urgência rock’n’roll correndo<br />

<strong>de</strong>sgovernada (elogio).<br />

O Marés Vivas prossegue sexta,<br />

com concertos dos eternos<br />

bala<strong>de</strong>iros do rock, os Scorpions, e o<br />

regresso inesperado dos Guano<br />

Apes, a banda germânica que o<br />

público português adoptou ali na<br />

passagem dos anos 1990 para o<br />

século XXI e que, <strong>de</strong>pois da<br />

separação em 2005, regressa para<br />

averiguar se ainda estamos<br />

interessados em riffs metaleiros<br />

abrindo caminho para a voz gutural<br />

<strong>de</strong> Sandra Nasic. Seconhand<br />

Serena<strong>de</strong>, os portugueses Fonzie e<br />

Cazino completam o cartaz <strong>de</strong> dia 17.<br />

Para que a <strong>de</strong>spedida seja suave, o<br />

último dia do Marés Vivas será<br />

<strong>de</strong>lico-doce. Os Keane trazem<br />

teclados e pop <strong>de</strong> refrão orelhudo,<br />

Jason Mraz e Colbie Caillat serão os<br />

mui veraneantes bala<strong>de</strong>iros <strong>de</strong><br />

serviço (entre a calma da esplanada<br />

e uma fogueira na praia) e Gabriella<br />

Cilmi vem mostrar o que é isso <strong>de</strong><br />

ser a resposta australiana a<br />

Amy Whinehouse. No palco<br />

Novos Portugueses estarão<br />

os Sinal e a elegância discosound<br />

dos<br />

Soulbizness.<br />

M.L.<br />

Um grupo histórico convertido<br />

em banda <strong>de</strong> putos a tocar<br />

rock’n’roll, muito glam, muito<br />

pecaminoso: Primal Scream<br />

44 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Real Combo Lisbonense<br />

Clássica<br />

Cantores sem<br />

fronteiras<br />

The King’s Singers<br />

apresentam em Espinho um<br />

programa que testemunha<br />

a enorme versatilida<strong>de</strong> do<br />

grupo. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />

The King’s Singers<br />

Espinho. Auditório <strong>de</strong> Espinho. Rua 34, 884. Dom.<br />

às 22h00. Tel.: 227340469. 7€.<br />

FIME 2009 - 35.º Festival Internacional <strong>de</strong> Música<br />

<strong>de</strong> Espinho.<br />

A activida<strong>de</strong> do agrupamento<br />

vocal britânico The King’s Singers é<br />

um dos mais notáveis exemplos <strong>de</strong><br />

versatilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do actual<br />

panorama musical. Para este<br />

conjunto <strong>de</strong> seis vozes<br />

masculinas, fundado em 1968 no<br />

King’s College <strong>de</strong> Cambridge e<br />

especializado no repertório “a<br />

cappella”, géneros tão diversos<br />

como a polifonia renascentista, a<br />

música contemporânea ou as<br />

canções dos Beatles não têm<br />

segredos. Igualmente bem sucedido<br />

nos universos erudito e popular, o<br />

grupo já recebeu numerosos<br />

prémios, entre os quais um dos<br />

Grammys <strong>de</strong> 2009 pelo álbum<br />

“Simple Gifts”. O seu percurso tem<br />

sido marcado por colaborações com<br />

artistas <strong>de</strong> vários quadrantes como<br />

é o caso dos agrupamentos <strong>de</strong><br />

música antiga Saraband, Concordia<br />

e L’Arpeggiata, da WDR Big Band,<br />

do Mormon Tabernacle Choir, da<br />

Cincinnati Pops Orchestra, <strong>de</strong><br />

pianistas da área do jazz (George<br />

Shearing) e da clássica (Emanuel<br />

Ax, Roger Vignoles), <strong>de</strong> cantoras<br />

líricas como Kiri te Kanawa e<br />

Marilyn Horne ou ainda da<br />

percussionista Evelyn Glennie. Têm<br />

procurado ampliar o repertório<br />

através <strong>de</strong> encomendas, contando já<br />

com 200 obras <strong>de</strong>dicadas ao grupo.<br />

Algums <strong>de</strong>las foram escritas por<br />

Ligeti, Berio, Menotti, Pen<strong>de</strong>recki,<br />

Ned Rorem, Takemitsu e John<br />

Tavener.<br />

No domingo, apresentam-se no<br />

Festival <strong>de</strong> Espinho com um<br />

programa que retoma um dos seus<br />

últimos trabalhos discográficos<br />

(“Romance du Soir”) em<br />

combinação com peças ibéricas dos<br />

séculos XV e XVI, das quais se<br />

<strong>de</strong>staca a exuberante “ensalada” “La<br />

Bomba”, <strong>de</strong> Mateo Flecha. A<br />

expressão “Romance du Soir”,<br />

extraída da peça homónica <strong>de</strong> Saint-<br />

Säens, serve <strong>de</strong> fio condutor a um<br />

conjunto <strong>de</strong> canções <strong>de</strong> amor <strong>de</strong><br />

várias épocas — dos madrigalistas<br />

ingleses (Thomas Welkees e John<br />

Wilbye) a compositores dos séculos<br />

XIX e XX como Schubert, Elgar ou<br />

Libby Larsen.<br />

Agenda<br />

sexta 10<br />

Jazzanova + Paul Randolph<br />

Cascais. Cida<strong>de</strong>la. Av. D. Carlos I, às 22h00. Tel.:<br />

214826730. 30€.<br />

Cool Jazz Fest 2009<br />

Suzanne Vega<br />

Sintra. CC Olga Cadaval. Pç. Dr. Francisco Sá<br />

Carneiro, às 22h00. Tel.: 219107110. 15€ a 25€.<br />

Vinícius Cantuária + Takuya<br />

Nakamura<br />

Vila do Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> - Sala 1. Av. Dr.<br />

João Canavarro, às 00h30. Tel.: 252646516. 7,5€.<br />

Esperanza Spalding<br />

Estombar. Sítio das Fontes, às 22h00. Tel.:<br />

211205050. 20€.<br />

Deolinda<br />

Freamun<strong>de</strong>. Lg. 1º <strong>de</strong> Maio, às 21h00. Tel.:<br />

919412056. Entrada livre.<br />

Cesária Évora<br />

Viana do Castelo. Forte <strong>de</strong> Santiago da Barra.<br />

Campo do Castelo, às 22h00. Entrada livre.<br />

Mundo Cão<br />

São João da Ma<strong>de</strong>ira. Paços da Cultura. R. 11 <strong>de</strong><br />

Outubro, 89, às 21h45. Tel.: 256827783. 6€.<br />

Joana Amendoeira e Orquestra<br />

Nacional do Porto<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 22h00. Tel.: 220120220. 7,5€.<br />

Direcção Musical: Osvaldo Ferreira.<br />

Grândolas: Bernardo Sassetti +<br />

Mário Laginha<br />

<strong>Lisboa</strong>. Castelo <strong>de</strong> São Jorge às 22h00. Tel.:<br />

218800620. Entrada livre.<br />

sábado 11<br />

Dean & Britta<br />

Vila do Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> - Sala 1. Av. Dr. João<br />

Canavarro, às 00h00. Tel.: 252646516. 10€ a 12,5€.<br />

Ver texto pág. 9<br />

Gala Drop<br />

<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />

Av. <strong>de</strong> Berna, 45A, às 21h30. Tel.: 217823700. 10€.<br />

Ma<strong>de</strong>leine Peyroux<br />

Portimão. Teatro <strong>Municipal</strong>. Lg. 1.º <strong>de</strong> Dezembro,<br />

às 22h00. Tel.: 282402475. 20€.<br />

Amélia Muge + Siba e a Fuloresta<br />

Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />

<strong>de</strong> Albuquerque, às 22h00. Tel.: 220120220. 10€.<br />

Festival Uma Casa Portuguesa.<br />

Fazil Say<br />

Espinho. Auditório <strong>de</strong> Espinho. R. 34, 884, às<br />

22h00. Tel.: 227340469. 7€.<br />

FIME 2009 - 35.º Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Música <strong>de</strong><br />

Espinho. Obras <strong>de</strong> Mussorgsky,<br />

Janacek e Prokofiev.<br />

Cristina Branco<br />

Arcos <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez. Casa das Artes.<br />

Jardim dos Centenários, às 22h00.<br />

Tel.: 258520520. Entrada livre.<br />

Chico César<br />

Vila Real. Teatro - Auditório<br />

Exterior. Al. <strong>de</strong> Grasse, às 22h30.<br />

Tel.: 259320000. Entrada livre.<br />

Real Combo<br />

Lisbonense + Roda<br />

<strong>de</strong> Choro <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Lisboa</strong>. Castelo <strong>de</strong> São Jorge, às<br />

21h30. Tel.: 218800620. 5€.<br />

domingo 12<br />

Buraka Som Sistema<br />

Freamun<strong>de</strong>. Lg. 1º <strong>de</strong> Maio, às<br />

23h59. Tel.: 919412056. Entrada<br />

livre.<br />

Suzanne Vega<br />

Chico César<br />

em Vila Real<br />

Renata Rosa e Galandum<br />

Galundaina<br />

Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />

Albuquerque, às 22h00. Tel.: 220120220. 10€.<br />

Festival Uma Casa Portuguesa.<br />

Real Combo Lisbonense + Roda<br />

<strong>de</strong> Choro <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Lisboa</strong>. Jardim da Estrela. Pç. Estrela, às 18h00.<br />

Entrada livre.<br />

segunda 13<br />

Vana Gierig e Paquito D’Rivera<br />

Com Vana Gierig (piano), Paquito<br />

D’Rivera (clarinete e saxofone alto),<br />

Sean Conly (contrabaixo), Marcello<br />

Pellitteri (bateria), Vinícius Barros<br />

(percussão).<br />

Espinho. Auditório. R. 34, 884, às 22h00. Tel.:<br />

227340469. 7€.<br />

FIME 2009 - 35.º Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Espinho.<br />

terça 14<br />

Mariza<br />

Oeiras. Jardim do Palácio Marquês <strong>de</strong> Pombal. Lg.<br />

do Marquês <strong>de</strong> Pombal - Palácio, às 22h00. Tel.:<br />

214465300. 20€ a 30€.<br />

quarta 15<br />

António Zambujo & Ivan Lins<br />

Cascais. Parque Marechal Carmona às 22h00. 20€<br />

a 35€.<br />

Cool Jazz Fest 2009.<br />

Maria João e Mário Laginha<br />

Com Maria João (voz), Mário Laginha<br />

(piano).<br />

Caldas da Rainha. CC e Congressos - Gran<strong>de</strong><br />

Auditório. R. Doutor Leonel Sotto Mayor, às 21h30.<br />

Tel.: 262889650. 12,5€ a 20€.<br />

quinta 16<br />

Andreas Staier<br />

Rates. Igreja <strong>de</strong> São Pedro <strong>de</strong> Rates. Lugar do<br />

Mosteiro - Estrada <strong>Municipal</strong> 504, às 21h45. Tel.:<br />

252298120. 3€ a 5€. Passe Festival: 25€.<br />

XXXI Festival Internacional <strong>de</strong> Música<br />

da Póvoa <strong>de</strong> Varzim. Obras <strong>de</strong> Bach e<br />

Scarlatti.<br />

Branford Marsalis + Orquestra<br />

Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />

<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. do Império, às<br />

21h00. Tel.: 213612400. 10€ a 35€. No Gran<strong>de</strong><br />

Auditório.<br />

Marsalis Brasilianos - Heitor<br />

Villa-Lobos. Direcção Musical:<br />

Cesário Costa.<br />

Ver texto pág. 17 e segs.<br />

Vaya Con Dios<br />

Mafra. Jardim do Cerco, às 22h00. 20€<br />

a 35€.<br />

Cool Jazz Fest 2009.<br />

Stewart Sukuma +<br />

Chico César +<br />

Lamatumbá<br />

Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo<br />

Ciclo ACERT. R. Dr. Ricardo<br />

Mota, a partir das 22h. Tel.:<br />

232814400. 10€ (dia) a 30€<br />

(passe).<br />

Tom <strong>de</strong> Festa - 19.º<br />

Festival <strong>de</strong> Músicas<br />

do Mundo 2009.<br />

Alan Braxe +<br />

D.I.S.C.O. Texas +<br />

Rocket + Xinobi<br />

<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av.<br />

Infante D. Henrique,<br />

Armazém A, às 23h00.<br />

Tel.: 218820890.<br />

Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 45


Exposições<br />

Uma<br />

incessante<br />

<strong>de</strong>riva<br />

A galeria enquanto jangada:<br />

um projecto <strong>de</strong> António <strong>de</strong><br />

Sousa. ” Óscar Faria<br />

Acerca da sobrevivência<br />

De António <strong>de</strong> Sousa.<br />

Porto. Galeria Extéril. R. do Bonjardim, 1176. T. Até<br />

18/7. Só por marcação via exteril@gmail.com.<br />

Outros.<br />

mmmmn<br />

Aos 27 anos, Henry David Thoreau<br />

<strong>de</strong>cidiu construir uma cabana nas<br />

margens do lago glaciar Wal<strong>de</strong>n,<br />

on<strong>de</strong> viveu isoladamente durante<br />

dois anos, entre 1845 e 1847. Dessa<br />

experiência resultou aquele que é o<br />

seu livro mais conhecido: “Wal<strong>de</strong>n<br />

ou a vida nos bosques” (Antígona,<br />

2009), publicado em 1854. Como<br />

nota Júlio Henriques, é nesse<br />

território que o escritor norteamericano<br />

irá apren<strong>de</strong>r “que a arte<br />

<strong>de</strong> escrever e a arte <strong>de</strong> viver são<br />

inseparáveis.” O responsável pela<br />

revisão e adaptação do livro para<br />

português, trabalho realizado a partir<br />

da tradução <strong>de</strong> Astrid Cabral,<br />

sublinha ainda que neste texto<br />

Thoreau se mostra “como exemplo<br />

<strong>de</strong> uma possível vida vivida ‘com<br />

simplicida<strong>de</strong> e inteligência’.”<br />

Próximo <strong>de</strong> Emerson, a quem<br />

pertencia o terreno on<strong>de</strong> ergueu a<br />

cabana, e do pensamento<br />

transcen<strong>de</strong>ntalista, Thoreau escreveu<br />

ainda “A <strong>de</strong>sobediência civil” (1849),<br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>screve a sua passagem pela<br />

prisão após ter recusado pagar<br />

impostos, atitu<strong>de</strong> justificada pela sua<br />

posição contrária quer à guerra que<br />

opunha os EUA ao México, quer à<br />

Espaço<br />

Público<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

A jangada parece assumir não só uma função <strong>de</strong><br />

espaço <strong>de</strong> resistência, mas também <strong>de</strong> comentário<br />

ao actual momento da arte<br />

escravatura. Essa experiência levou-o<br />

a reflectir sobre as relações entre o<br />

indivíduo e o Estado, propondo o<br />

direito à auto-governação como<br />

modo <strong>de</strong> enfrentar os abusos do<br />

po<strong>de</strong>r. O ensaio, que se inicia com a<br />

célebre frase “o melhor governo é o<br />

que governa menos”, inclui ainda<br />

esta passagem: “Num governo que<br />

aprisiona qualquer pessoa<br />

injustamente, o verda<strong>de</strong>iro lugar <strong>de</strong><br />

um homem justo é também na<br />

prisão”<br />

Estes dois textos<br />

encontram-se entre o<br />

material utilizado por<br />

António <strong>de</strong> Sousa<br />

(Matosinhos,<br />

1966) para<br />

preparar a<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

intervenção que apresenta na Galeria<br />

Extéril, um projecto <strong>de</strong> Teixeira<br />

Barbosa com <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> existência e<br />

sintetizado na frase “produzir o<br />

máximo com o mínimo” – o ponto<br />

em comum entre os trabalhos<br />

mostrados é uma estrutura portátil,<br />

um cubo com 2x2x2 metros; até<br />

2005, as exposições tinham lugar<br />

numa antiga fábrica ocupada, na<br />

zona do Marquês, no Porto.<br />

Intitulada “Acerca da sobrevivência”,<br />

a proposta actual preten<strong>de</strong> dotar o<br />

espaço expositivo <strong>de</strong> uma imaginada<br />

mobilida<strong>de</strong> – a arquitectura préexistente<br />

foi colocada sobre paletes<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, às quais o artista<br />

adicionou outros materiais (fios,<br />

garrafas <strong>de</strong> água em plástico, uma<br />

cana com uma camisa a<br />

<strong>de</strong>sempenhar a função <strong>de</strong> uma<br />

ban<strong>de</strong>ira, etc.), <strong>de</strong> modo a sugerir<br />

uma jangada.<br />

Segundo Michel Foucault, o barco,<br />

pedaço flutuante <strong>de</strong> espaço, é a<br />

heterotopia por excelência; é aí,<br />

nesse lugar <strong>de</strong> contestação não só<br />

mítica, mas também real dos<br />

territórios em que vivemos, que se<br />

situa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI, a “maior<br />

reserva <strong>de</strong> imaginação.” Através da<br />

transformação da galeria em jangada<br />

somos convidados a ocupar um lugar<br />

vazio, o do náufrago. Pensar a partir<br />

<strong>de</strong>ssa condição extrema e tantas<br />

vezes solitária – o filósofo alemão<br />

Hans Blumenberg <strong>de</strong>fine a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como “naufrágio com<br />

espectador” – potencia o<br />

aparecimento <strong>de</strong> imagens<br />

provenientes <strong>de</strong> acontecimentos que<br />

vão do <strong>de</strong>saparecimento no mar da<br />

fragata Medusa, assunto pintado por<br />

Géricault entre 1817 e 1818 aos<br />

balseros cubanos, passando pelas<br />

tentativas <strong>de</strong> travessia do estreito <strong>de</strong><br />

Gibraltar por cidadãos africanos que<br />

<strong>de</strong>sejam trabalhar na Europa.<br />

A jangada parece assumir não só<br />

uma função <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> resistência<br />

– é nessas construções precárias que<br />

os sobreviventes aos diferentes<br />

<strong>de</strong>sastres jogam as suas vidas –, mas<br />

também <strong>de</strong> comentário ao actual<br />

momento da arte, cada vez mais<br />

necessitada <strong>de</strong> um lugar solitário,<br />

flutuante ou não, para evitar o<br />

naufrágio presente, entrevisto nas<br />

diferentes formas como hoje o fazer<br />

artístico se confun<strong>de</strong>, é confundido,<br />

com objectivos alheios – o turismo<br />

cultural, as indústrias criativas, os<br />

leilões, os fundos <strong>de</strong> investimento, ,<br />

a <strong>de</strong>coração <strong>de</strong> hotéis, a<br />

gastronomia, etc. Como escreve<br />

António <strong>de</strong> Sousa no curto texto que<br />

associa à sua intervenção: “Num<br />

contexto político, económico e<br />

cultural <strong>de</strong> crise, já <strong>de</strong> si adverso à<br />

experiência, este simbiótico corpo<br />

sobrevive <strong>de</strong>vido à sua estranha<br />

natureza e à sua incessante <strong>de</strong>riva.”<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

Retratos, 10 Anos do<br />

Microcrédito em Portugal<br />

Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />

Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />

222076310. Até 31/08. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,<br />

Dom. e Feriados das 15h às 19h. Inaugura 11/7 às 16h.<br />

Projecto 09<br />

De vários autores.<br />

Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />

Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />

222076310. Até 30/08. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,<br />

Dom. e Feriados das 15h às 18h. Trabalho final dos<br />

Estudantes do Curso <strong>de</strong> Tecnologia da Comunicação<br />

Audiovisual ESMAE/IPP. Inaugura 11/7 às 16h.<br />

Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />

Continuam<br />

Feijoeiro<br />

De João Pedro Vale.<br />

<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa<br />

Pinto, 4. Tel.: 213432148. Até 30/10. 3ª a Dom. das<br />

10h às 18h. No Piso 1.<br />

Depois do Dilúvio<br />

De Gao Xingjian.<br />

Sintra. Sintra Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna Colecção<br />

Berardo. Av. Heliodoro Salgado. T. 219248170. Até<br />

27/9. 3ª a dom. das 10h às 18h.<br />

Dan Flavin na Colecção Panza<br />

De Dan Flavin.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império -<br />

CCB. Tel.: 213612878. Até 30/08. 6ª das 10h às 22h<br />

(última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das<br />

10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />

Serralves 2009 - a Colecção<br />

De vários autores.<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210. Tel.: 226156500. Até 27/09. 3ª a 6ª das 10h às<br />

17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.<br />

Ombro a Ombro: Retratos<br />

Políticos<br />

<strong>Lisboa</strong>. MUDE - Museu do Design e da Moda. R.<br />

Augusta 24. Tel.: 218886117. Até 13/09. 6ª e Sáb. das<br />

10h às 22h. 3ª a 5ª e Dom. das 10h às 20h.<br />

Vermelho ou Azul/Red or Blue<br />

De Daan van Gol<strong>de</strong>n.<br />

<strong>Lisboa</strong>.<br />

Culturgest.<br />

R. Arco do<br />

Cego -<br />

Edifício da<br />

CGD. Tel.:<br />

217905155. Até<br />

06/09. 2ª, 4ª, 5ª<br />

e 6ª das 11h às<br />

19h (última<br />

admissão às<br />

18h30). Sáb.,<br />

Dom. e Feriados<br />

das 14h às 20h<br />

(última admissão às<br />

19h30).<br />

Colecção #1 - Ana<br />

Jotta<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco<br />

do Cego - Edifício da CGD.<br />

Tel.: 217905155. Até<br />

06/09. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />

11h às 19h (última<br />

admissão às 18h30).<br />

Sáb., Dom. e Feriados<br />

Retratos <strong>de</strong> políticos no MUDE<br />

das 14h às 20h (última admissão às 19h30).<br />

Colecção #2 - Francisco<br />

Tropa<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. Até 06/09. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />

11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

MARZLIVE<br />

De Julian Rosefeldt, Johanna Billing,<br />

Matt Stokes, Jens Wagner, Michaela<br />

Eichwald, Kai Althoff, Ralf Schauff,<br />

Iain Forsyth, Jane Pollard.<br />

<strong>Lisboa</strong>. MARZ - Galeria. R. Reinaldo Ferreira, 20A.<br />

Tel.: 915769723. De 26/06 a 30/07. 3ª a Sáb. das 12h<br />

às 20h. De 26/6 a 2/7: Julian Rosefeldt. De 3/7 a 9/7:<br />

Johanna Billing. De 10/7 a 16/7: Matt Stokes. De 17/7<br />

a 23/7: Jens Wagner, Michaela Eichwald, Kai Althoff<br />

e Ralf Schauff. De 24/7 a 30/7: Iain Forsyth e Jane<br />

Pollard.<br />

Gao Xingjian<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Graça Brandão. R. dos Caetanos, 26A<br />

(Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 31/07. 3ª a Sáb. das<br />

11h às 20h.<br />

Salla Tykkä<br />

Vila do Con<strong>de</strong>. Solar - Galeria <strong>de</strong> Arte Cinemática.<br />

Solar <strong>de</strong> S. Roque. Tel.: 252646516. Até 06/09. 3ª,<br />

4ª e 5ª das 14h30 às 18h. 6ª das 14h30 às 00h.<br />

Sáb. das 10h às 00h. Dom. das 10h às 18h. 17º<br />

Curtas Vila do Con<strong>de</strong> Festival Internacional <strong>de</strong><br />

Cinema.<br />

Wish We Could Tell<br />

De Joana Hadjithomas, Khalil Joreige.<br />

Vila do Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Dr. João<br />

Canavarro. Tel.: 252646516. Até 30/07. 2ª a Dom.<br />

das 14h às 00h. 17º Curtas Vila do Con<strong>de</strong> Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Cinema.<br />

Quantos Artistas um Artista<br />

po<strong>de</strong> ser<br />

De João Paulo Feliciano.<br />

Castelo Branco. 102-100 Galeria <strong>de</strong> Arte. R. <strong>de</strong><br />

Santa Maria, 100. Tel.: 933180211. Até 01/08. 3ª a<br />

6ª das 15h às 19h. Sáb. das 10h30 às 19h.<br />

Lições <strong>de</strong> Música, Vol. II<br />

De João Paulo Feliciano.<br />

Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel<br />

Bombarda, 526/536. Tel.: 226061090. Até 30/07. 3ª<br />

a 6ª das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.<br />

46 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon


Exposições<br />

Uma<br />

incessante<br />

<strong>de</strong>riva<br />

A galeria enquanto jangada:<br />

um projecto <strong>de</strong> António <strong>de</strong><br />

Sousa. ” Óscar Faria<br />

Acerca da sobrevivência<br />

De António <strong>de</strong> Sousa.<br />

Porto. Galeria Extéril. R. do Bonjardim, 1176. T. Até<br />

18/7. Só por marcação via exteril@gmail.com.<br />

Outros.<br />

mmmmn<br />

Aos 27 anos, Henry David Thoreau<br />

<strong>de</strong>cidiu construir uma cabana nas<br />

margens do lago glaciar Wal<strong>de</strong>n,<br />

on<strong>de</strong> viveu isoladamente durante<br />

dois anos, entre 1845 e 1847. Dessa<br />

experiência resultou aquele que é o<br />

seu livro mais conhecido: “Wal<strong>de</strong>n<br />

ou a vida nos bosques” (Antígona,<br />

2009), publicado em 1854. Como<br />

nota Júlio Henriques, é nesse<br />

território que o escritor norteamericano<br />

irá apren<strong>de</strong>r “que a arte<br />

<strong>de</strong> escrever e a arte <strong>de</strong> viver são<br />

inseparáveis.” O responsável pela<br />

revisão e adaptação do livro para<br />

português, trabalho realizado a partir<br />

da tradução <strong>de</strong> Astrid Cabral,<br />

sublinha ainda que neste texto<br />

Thoreau se mostra “como exemplo<br />

<strong>de</strong> uma possível vida vivida ‘com<br />

simplicida<strong>de</strong> e inteligência’.”<br />

Próximo <strong>de</strong> Emerson, a quem<br />

pertencia o terreno on<strong>de</strong> ergueu a<br />

cabana, e do pensamento<br />

transcen<strong>de</strong>ntalista, Thoreau escreveu<br />

ainda “A <strong>de</strong>sobediência civil” (1849),<br />

on<strong>de</strong> <strong>de</strong>screve a sua passagem pela<br />

prisão após ter recusado pagar<br />

impostos, atitu<strong>de</strong> justificada pela sua<br />

posição contrária quer à guerra que<br />

opunha os EUA ao México, quer à<br />

Espaço<br />

Público<br />

Este espaço vai ser<br />

seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />

teatro, livro, exposição,<br />

disco, álbum, canção,<br />

concerto, DVD viu e<br />

gostou tanto que lhe<br />

apeteceu escrever<br />

A jangada parece assumir não só uma função <strong>de</strong><br />

espaço <strong>de</strong> resistência, mas também <strong>de</strong> comentário<br />

ao actual momento da arte<br />

escravatura. Essa experiência levou-o<br />

a reflectir sobre as relações entre o<br />

indivíduo e o Estado, propondo o<br />

direito à auto-governação como<br />

modo <strong>de</strong> enfrentar os abusos do<br />

po<strong>de</strong>r. O ensaio, que se inicia com a<br />

célebre frase “o melhor governo é o<br />

que governa menos”, inclui ainda<br />

esta passagem: “Num governo que<br />

aprisiona qualquer pessoa<br />

injustamente, o verda<strong>de</strong>iro lugar <strong>de</strong><br />

um homem justo é também na<br />

prisão”<br />

Estes dois textos<br />

encontram-se entre o<br />

material utilizado por<br />

António <strong>de</strong> Sousa<br />

(Matosinhos,<br />

1966) para<br />

preparar a<br />

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

sobre ele, concordando<br />

ou não concordando<br />

com o que escrevemos?<br />

Envie-nos uma nota até<br />

500 caracteres para<br />

ipsilon@publico.pt. E<br />

nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />

intervenção que apresenta na Galeria<br />

Extéril, um projecto <strong>de</strong> Teixeira<br />

Barbosa com <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> existência e<br />

sintetizado na frase “produzir o<br />

máximo com o mínimo” – o ponto<br />

em comum entre os trabalhos<br />

mostrados é uma estrutura portátil,<br />

um cubo com 2x2x2 metros; até<br />

2005, as exposições tinham lugar<br />

numa antiga fábrica ocupada, na<br />

zona do Marquês, no Porto.<br />

Intitulada “Acerca da sobrevivência”,<br />

a proposta actual preten<strong>de</strong> dotar o<br />

espaço expositivo <strong>de</strong> uma imaginada<br />

mobilida<strong>de</strong> – a arquitectura préexistente<br />

foi colocada sobre paletes<br />

<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, às quais o artista<br />

adicionou outros materiais (fios,<br />

garrafas <strong>de</strong> água em plástico, uma<br />

cana com uma camisa a<br />

<strong>de</strong>sempenhar a função <strong>de</strong> uma<br />

ban<strong>de</strong>ira, etc.), <strong>de</strong> modo a sugerir<br />

uma jangada.<br />

Segundo Michel Foucault, o barco,<br />

pedaço flutuante <strong>de</strong> espaço, é a<br />

heterotopia por excelência; é aí,<br />

nesse lugar <strong>de</strong> contestação não só<br />

mítica, mas também real dos<br />

territórios em que vivemos, que se<br />

situa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI, a “maior<br />

reserva <strong>de</strong> imaginação.” Através da<br />

transformação da galeria em jangada<br />

somos convidados a ocupar um lugar<br />

vazio, o do náufrago. Pensar a partir<br />

<strong>de</strong>ssa condição extrema e tantas<br />

vezes solitária – o filósofo alemão<br />

Hans Blumenberg <strong>de</strong>fine a<br />

mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como “naufrágio com<br />

espectador” – potencia o<br />

aparecimento <strong>de</strong> imagens<br />

provenientes <strong>de</strong> acontecimentos que<br />

vão do <strong>de</strong>saparecimento no mar da<br />

fragata Medusa, assunto pintado por<br />

Géricault entre 1817 e 1818 aos<br />

balseros cubanos, passando pelas<br />

tentativas <strong>de</strong> travessia do estreito <strong>de</strong><br />

Gibraltar por cidadãos africanos que<br />

<strong>de</strong>sejam trabalhar na Europa.<br />

A jangada parece assumir não só<br />

uma função <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> resistência<br />

– é nessas construções precárias que<br />

os sobreviventes aos diferentes<br />

<strong>de</strong>sastres jogam as suas vidas –, mas<br />

também <strong>de</strong> comentário ao actual<br />

momento da arte, cada vez mais<br />

necessitada <strong>de</strong> um lugar solitário,<br />

flutuante ou não, para evitar o<br />

naufrágio presente, entrevisto nas<br />

diferentes formas como hoje o fazer<br />

artístico se confun<strong>de</strong>, é confundido,<br />

com objectivos alheios – o turismo<br />

cultural, as indústrias criativas, os<br />

leilões, os fundos <strong>de</strong> investimento, ,<br />

a <strong>de</strong>coração <strong>de</strong> hotéis, a<br />

gastronomia, etc. Como escreve<br />

António <strong>de</strong> Sousa no curto texto que<br />

associa à sua intervenção: “Num<br />

contexto político, económico e<br />

cultural <strong>de</strong> crise, já <strong>de</strong> si adverso à<br />

experiência, este simbiótico corpo<br />

sobrevive <strong>de</strong>vido à sua estranha<br />

natureza e à sua incessante <strong>de</strong>riva.”<br />

Agenda<br />

Inauguram<br />

Retratos, 10 Anos do<br />

Microcrédito em Portugal<br />

Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />

Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />

222076310. Até 31/08. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,<br />

Dom. e Feriados das 15h às 19h. Inaugura 11/7 às 16h.<br />

Projecto 09<br />

De vários autores.<br />

Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />

Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />

222076310. Até 30/08. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,<br />

Dom. e Feriados das 15h às 18h. Trabalho final dos<br />

Estudantes do Curso <strong>de</strong> Tecnologia da Comunicação<br />

Audiovisual ESMAE/IPP. Inaugura 11/7 às 16h.<br />

Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />

Continuam<br />

Feijoeiro<br />

De João Pedro Vale.<br />

<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa<br />

Pinto, 4. Tel.: 213432148. Até 30/10. 3ª a Dom. das<br />

10h às 18h. No Piso 1.<br />

Depois do Dilúvio<br />

De Gao Xingjian.<br />

Sintra. Sintra Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna Colecção<br />

Berardo. Av. Heliodoro Salgado. T. 219248170. Até<br />

27/9. 3ª a dom. das 10h às 18h.<br />

Dan Flavin na Colecção Panza<br />

De Dan Flavin.<br />

<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império -<br />

CCB. Tel.: 213612878. Até 30/08. 6ª das 10h às 22h<br />

(última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das<br />

10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />

Serralves 2009 - a Colecção<br />

De vários autores.<br />

Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />

210. Tel.: 226156500. Até 27/09. 3ª a 6ª das 10h às<br />

17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.<br />

Ombro a Ombro: Retratos<br />

Políticos<br />

<strong>Lisboa</strong>. MUDE - Museu do Design e da Moda. R.<br />

Augusta 24. Tel.: 218886117. Até 13/09. 6ª e Sáb. das<br />

10h às 22h. 3ª a 5ª e Dom. das 10h às 20h.<br />

Vermelho ou Azul/Red or Blue<br />

De Daan van Gol<strong>de</strong>n.<br />

<strong>Lisboa</strong>.<br />

Culturgest.<br />

R. Arco do<br />

Cego -<br />

Edifício da<br />

CGD. Tel.:<br />

217905155. Até<br />

06/09. 2ª, 4ª, 5ª<br />

e 6ª das 11h às<br />

19h (última<br />

admissão às<br />

18h30). Sáb.,<br />

Dom. e Feriados<br />

das 14h às 20h<br />

(última admissão às<br />

19h30).<br />

Colecção #1 - Ana<br />

Jotta<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco<br />

do Cego - Edifício da CGD.<br />

Tel.: 217905155. Até<br />

06/09. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />

11h às 19h (última<br />

admissão às 18h30).<br />

Sáb., Dom. e Feriados<br />

Retratos <strong>de</strong> políticos no MUDE<br />

das 14h às 20h (última admissão às 19h30).<br />

Colecção #2 - Francisco<br />

Tropa<br />

<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Edifício da<br />

CGD. Tel.: 217905155. Até 06/09. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />

11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />

Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />

19h30).<br />

MARZLIVE<br />

De Julian Rosefeldt, Johanna Billing,<br />

Matt Stokes, Jens Wagner, Michaela<br />

Eichwald, Kai Althoff, Ralf Schauff,<br />

Iain Forsyth, Jane Pollard.<br />

<strong>Lisboa</strong>. MARZ - Galeria. R. Reinaldo Ferreira, 20A.<br />

Tel.: 915769723. De 26/06 a 30/07. 3ª a Sáb. das 12h<br />

às 20h. De 26/6 a 2/7: Julian Rosefeldt. De 3/7 a 9/7:<br />

Johanna Billing. De 10/7 a 16/7: Matt Stokes. De 17/7<br />

a 23/7: Jens Wagner, Michaela Eichwald, Kai Althoff<br />

e Ralf Schauff. De 24/7 a 30/7: Iain Forsyth e Jane<br />

Pollard.<br />

Gao Xingjian<br />

<strong>Lisboa</strong>. Galeria Graça Brandão. R. dos Caetanos, 26A<br />

(Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 31/07. 3ª a Sáb. das<br />

11h às 20h.<br />

Salla Tykkä<br />

Vila do Con<strong>de</strong>. Solar - Galeria <strong>de</strong> Arte Cinemática.<br />

Solar <strong>de</strong> S. Roque. Tel.: 252646516. Até 06/09. 3ª,<br />

4ª e 5ª das 14h30 às 18h. 6ª das 14h30 às 00h.<br />

Sáb. das 10h às 00h. Dom. das 10h às 18h. 17º<br />

Curtas Vila do Con<strong>de</strong> Festival Internacional <strong>de</strong><br />

Cinema.<br />

Wish We Could Tell<br />

De Joana Hadjithomas, Khalil Joreige.<br />

Vila do Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Dr. João<br />

Canavarro. Tel.: 252646516. Até 30/07. 2ª a Dom.<br />

das 14h às 00h. 17º Curtas Vila do Con<strong>de</strong> Festival<br />

Internacional <strong>de</strong> Cinema.<br />

Quantos Artistas um Artista<br />

po<strong>de</strong> ser<br />

De João Paulo Feliciano.<br />

Castelo Branco. 102-100 Galeria <strong>de</strong> Arte. R. <strong>de</strong><br />

Santa Maria, 100. Tel.: 933180211. Até 01/08. 3ª a<br />

6ª das 15h às 19h. Sáb. das 10h30 às 19h.<br />

Lições <strong>de</strong> Música, Vol. II<br />

De João Paulo Feliciano.<br />

Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel<br />

Bombarda, 526/536. Tel.: 226061090. Até 30/07. 3ª<br />

a 6ª das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.<br />

46 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon

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