Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa
Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa
Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Sexta-feira<br />
10 Julho 2009<br />
www.ipsilon.pt<br />
ROBIN VAN LONKHUIJSEN/REUTERS/UNITED PHOTOS ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 7038 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />
João Coração Stan Matthias Langhoff Marie Chouinard Miguel Vale <strong>de</strong> Almeida
Flash<br />
Sumário<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> 4<br />
mostra tudo em “Bruno”<br />
João Coração 12<br />
Caminha para a pop<br />
Brandford Marsalis 17<br />
Incansável explorador<br />
Tg STAN 20<br />
O mundo está a pedir uma<br />
comédia<br />
Marie Chouinard 24<br />
Don’t look back in anger<br />
Miguel Vale <strong>de</strong> Almeida 28<br />
Eis a voz mais consistente do<br />
activismo “gay” português<br />
Ficha Técnica<br />
Director José Manuel Fernan<strong>de</strong>s<br />
Editor Vasco Câmara, Inês Nadais<br />
(adjunta)<br />
Conselho editorial Isabel<br />
Coutinho, Óscar Faria, Cristina<br />
Fernan<strong>de</strong>s, Vítor Belanciano<br />
Design Mark Porter, Simon<br />
Esterson, Kuchar Swara<br />
Directora <strong>de</strong> arte Sónia Matos<br />
Designers Ana Carvalho, Carla<br />
Noronha, Mariana Soares<br />
Editor <strong>de</strong> fotografia Miguel<br />
Ma<strong>de</strong>ira<br />
E-mail: ipsilon@publico.pt<br />
Barack<br />
Obama quer uma<br />
Casa menos Branca<br />
Por fora, a Casa Branca vai<br />
continuar tão branca como no dia<br />
da inauguração, há 209 anos, mas é<br />
só por fora: Barack Obama está a<br />
revolucionar a colecção <strong>de</strong> arte<br />
contemporânea da presidência com<br />
uma política <strong>de</strong> aquisições que<br />
preten<strong>de</strong> corrigir o défice <strong>de</strong><br />
representação das minorias (e das<br />
mulheres) nos fundos da residência<br />
oficial.<br />
Des<strong>de</strong> que fez as contas (apenas<br />
cinco negros representados numa<br />
colecção que já vai em 400 obras),<br />
conta o “The In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt”, a<br />
presidência tem-se <strong>de</strong>sdobrado em<br />
abordagens discretas a negociantes<br />
<strong>de</strong> arte e coleccionadores com<br />
ligações a artistas afro-americanos,<br />
hispânicos e asiáticos. A campanha<br />
está a ser directamente coor<strong>de</strong>nada<br />
pelo gabinete da Primeira Dama,<br />
que já pediu emprestadas ao<br />
Hirshhorn Museum and Sculpture<br />
Gar<strong>de</strong>n pinturas <strong>de</strong> artistas como<br />
Não está vivo, como Elvis: po<strong>de</strong> é ter sido<br />
assassinado, segundo uma nova teoria<br />
da conspiração<br />
Glenn Ligon (“Black like Me #2”),<br />
cuja obra reflecte a trajectória <strong>de</strong><br />
um afro-americano gay vindo do<br />
Bronx, e <strong>de</strong> Alma Thomas (“Watusi<br />
(Hard Edge)” e “Sky Light”), a<br />
primeira americana <strong>de</strong> raça negra a<br />
ter uma exposição individual no<br />
Whitney Museum of American Art,<br />
em 1971.<br />
A nova política <strong>de</strong> aquisições – e <strong>de</strong><br />
empréstimos a longo prazo - da<br />
Casa Branca está a ser bem recebida<br />
pelo meio, que vê a <strong>de</strong>cisão como<br />
um gesto profundamente<br />
sintomático do programa <strong>de</strong> Barack<br />
Obama. Kinshasha Holman Conwill,<br />
directora do National Museum of<br />
African American History and<br />
Culture do Smithsonian, disse ao<br />
“In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt” que a América está<br />
“em pulgas”: “Um gesto <strong>de</strong>stes<br />
vindo <strong>de</strong> um lugar tão influente teve<br />
compreensivelmente um efeito<br />
catalisador, provocando o <strong>de</strong>bate e<br />
fazendo subir as expectativas. E isso<br />
é muito bom”. Kerry Brougher, o<br />
curador do Hirshhorn que<br />
trabalhou com a Casa Branca para<br />
formalizar os empréstimos,<br />
confessou-se “impressionado” com<br />
a lista <strong>de</strong> escolhas entregue pelos<br />
Obama: “Não acredito que alguma<br />
vez tenha havido outra<br />
Administração tão interessada na<br />
arte contemporânea”.<br />
Noel Gallagher quer<br />
outra banda<br />
Noel Gallagher não pára, mas os<br />
seus Oasis po<strong>de</strong>rão parar durante<br />
Espaço<br />
Público<br />
muito tempo. Há alguns meses, o<br />
irmão guitarrista afirmou que um<br />
novo álbum, sucessor <strong>de</strong> “Dig Out<br />
Your Soul”, po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>morar cinco<br />
anos a ser gravado. Agora, em<br />
entrevista ao diário italiano<br />
“Corriere Della Sera”, citada<br />
pelo britânico “Guardian”,<br />
foi mais longe. “Preciso <strong>de</strong><br />
algo diferente, talvez outra<br />
banda”, afirmou,<br />
acrescentando que<br />
apreciaria limitar-se a<br />
tocar guitarra, sem ter<br />
que se preocupar em<br />
“cantar ou compor<br />
canções”.<br />
Não se infira daqui que<br />
o fim dos Oasis está<br />
próximo. Gallagher<br />
é peremptório: “Os<br />
Oasis não se vão<br />
separar. Acontece<br />
que neste<br />
momento não<br />
consigo ver que<br />
mais po<strong>de</strong>mos<br />
fazer. Maiores<br />
digressões? Mais<br />
dinheiro? Preciso<br />
<strong>de</strong> algo diferente<br />
para manter o<br />
interesse”.<br />
A relação <strong>de</strong><br />
Gallagher com<br />
a música dos<br />
Oasis está,<br />
portanto, a<br />
mudar. A sua<br />
relação com o<br />
mundo, essa,<br />
mantém-se a<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
“Black like Me #2”, <strong>de</strong> Glenn Ligon, uma das primeiras escolhas da família Obama<br />
Noel Gallagher:<br />
os Oasis já não<br />
lhe chegam<br />
Michael Jackson morreu há<br />
duas semanas e já há quem<br />
garanta que o Rei da Pop<br />
encenou a sua morte e que<br />
andará pela Terra anónimo,<br />
afastado da pressão<br />
mediática e livre das<br />
monstruosas dívidas que<br />
acumulou. Nada <strong>de</strong><br />
surpreen<strong>de</strong>nte. Afinal, para<br />
muitos, Elvis continua vivo<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que morreu em 1977.<br />
Já quanto a Jimi Hendrix, as<br />
dúvidas relativas às<br />
circunstâncias da sua morte,<br />
tendo existido, nunca<br />
atingiram dimensão <strong>de</strong> mito<br />
urbano. “Rock Roadie”,<br />
livro <strong>de</strong> memórias <strong>de</strong> James<br />
“Tappy” Wright, antigo<br />
“road manager” <strong>de</strong> Hendrix,<br />
po<strong>de</strong> alterar tudo isso: Jimi<br />
foi assassinado, diz.<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
<strong>de</strong> sempre e, como é hábito, Noel<br />
aproveitou a entrevista para lançar<br />
algumas farpas. O alvo? Os Coldplay<br />
e, mais especificamente, Chris<br />
Martin: “Olho para o Chris Martin,<br />
que diz que nunca tomou<br />
drogas na vida, e acho que<br />
ele é um idiota. Tomar<br />
drogas é aquilo que <strong>de</strong><br />
mais bonito po<strong>de</strong>s fazer<br />
numa banda rock”.<br />
Farpa lançada, Noel fez<br />
contas <strong>de</strong> cabeça: até 1998,<br />
terá gasto um milhão <strong>de</strong><br />
libras [1,16 milhões <strong>de</strong> euros]<br />
em drogas. Depois, <strong>de</strong>ixou-as.<br />
“Parei porque são<br />
prejudiciais para a tua<br />
saú<strong>de</strong>, cérebro, vida e<br />
para as pessoas à tua<br />
volta”.<br />
Tudo somado, eisnos<br />
perante um<br />
aforismo da filosofia<br />
Noeliana: Chris<br />
Martin po<strong>de</strong> ter uma<br />
boa vida, mas vive<br />
<strong>de</strong>certo um mau<br />
rock’n’roll.<br />
A praia do Sr.<br />
Hulot já não<br />
vem no mapa<br />
Os habitantes da pequena<br />
estância balnear <strong>de</strong> Saint-<br />
Marc-sur-Mer - on<strong>de</strong> Jacques<br />
Tati pôs o seu Sr. Hulot a<br />
passar férias num filme <strong>de</strong><br />
1953 - estão em protesto<br />
E se Jimi Hendrix t<br />
A premissa é simples, mas<br />
digna <strong>de</strong> guião <strong>de</strong> filme <strong>de</strong><br />
Máfia. O britânico “The<br />
Times”, o primeiro jornal a<br />
entrevistar Wright acerca <strong>de</strong><br />
revelação, divulgada há<br />
cerca <strong>de</strong> um mês, apresentaa<br />
pormenorizadamente. Dia<br />
18 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1970, o<br />
guitarrista <strong>de</strong> “Purple Haze”<br />
não terá sufocado no seu<br />
próprio vómito, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
uma noite regada a álcool e<br />
da ingestão <strong>de</strong> vários<br />
comprimidos. Wright alega<br />
que um grupo invadiu o<br />
quarto <strong>de</strong> hotel on<strong>de</strong> Jimi<br />
estava hospedado, forçandoo<br />
a ingerir o vinho e os<br />
comprimidos que o<br />
vitimaram. O “road<br />
manager” sabe-o porque<br />
isso mesmo lhe terá<br />
2 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
O Hôtel <strong>de</strong> la Plage, on<strong>de</strong> o Sr. Hulot passou férias em 1953<br />
contra uma <strong>de</strong>cisão das autorida<strong>de</strong>s<br />
locais que preten<strong>de</strong> tirar do mapa<br />
(literalmente) o nome da localida<strong>de</strong>.<br />
As novas placas instaladas na cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> St. Nazaire, <strong>de</strong> que Saint-Marcsur-Mer<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
administrativamente, omitem<br />
quaisquer referências à estância -<br />
on<strong>de</strong> uma estátua do Sr. Hulot, em<br />
tamanho real, continua a vigiar os<br />
banhistas. Algumas das antigas<br />
placas foram roubadas antes da<br />
<strong>de</strong>molição; muitas das novas foram<br />
vandalizadas. Dominique Guiet,<br />
cuja mãe assistiu às filmagens <strong>de</strong><br />
“As Férias do Sr. Hulot” durante o<br />
Verão <strong>de</strong> 1951, explicou ao<br />
“Guardian” que “Saint-Marc-sur-<br />
Mer tem a sua própria história e os<br />
seus próprios hábitos”,<br />
absolutamente distintos dos da<br />
região circundante.<br />
O “timing” da medida enfureceu<br />
particularmente os habitantes da<br />
al<strong>de</strong>ia: 2009 está a ser um ano Tati<br />
em França, com uma<br />
retrospectiva e uma exposição<br />
na Cinemateca e o<br />
lançamento <strong>de</strong> cópias<br />
restauradas <strong>de</strong> alguns dos<br />
seus filmes.<br />
Vikram Seth<br />
mais um bom<br />
partido<br />
O indiano Vikram Seth<br />
está a escrever uma<br />
sequela para o seu<br />
romance mais<br />
Vikram Seth:<br />
salto quântico<br />
para a Índia<br />
contemporânea<br />
celebrado, o monumental “Um<br />
Bom Partido”, que em Portugal foi<br />
publicado pela Editorial Presença.<br />
Já há “plot” - Lata, a heroína <strong>de</strong><br />
“Um Bom Partido”, é agora uma<br />
avô em busca da noiva i<strong>de</strong>al para o<br />
neto. A Penguin, que terá o livro cá<br />
fora em 2013 (se tudo correr bem:<br />
“Um Bom Partido” <strong>de</strong>morou <strong>de</strong>z<br />
anos a ser escrito), anunciou que<br />
Seth vai trazer a narrativa para o<br />
presente, “acompanhando assim<br />
algumas das enormes mudanças<br />
sociais e económicas que a Índia<br />
atravessou nos últimos 60 anos”.<br />
Em entrevista à Reuters, Seth<br />
explicou que não lhe interessava<br />
voltar a fazer um romance<br />
histórico e que este salto quântico<br />
lhe permitirá reflectir sobre a Índia<br />
do pós-in<strong>de</strong>pendência.<br />
Wen<strong>de</strong>rs <strong>de</strong>ixa cair<br />
projecto Pina Bausch<br />
Quando Pina Bausch morreu<br />
inesperadamente, há pouco mais<br />
<strong>de</strong> uma semana, Wim Wen<strong>de</strong>rs<br />
estava a trabalhar num filme <strong>de</strong><br />
animação 3D sobre a coreógrafa. Já<br />
não está: o realizador <strong>de</strong>cidiu não<br />
dar continuida<strong>de</strong> ao projecto, pelo<br />
menos para já. O trabalho <strong>de</strong> préprodução<br />
foi interrompido e<br />
“Pina” está em “standby”.<br />
Depois do luto,<br />
a produtora <strong>de</strong><br />
Wen<strong>de</strong>rs, Neue<br />
Road Movies,<br />
e a<br />
companhia<br />
<strong>de</strong> Pina<br />
Bausch, o Tanztheater<br />
Wuppertal, retomarão o contacto<br />
para <strong>de</strong>cidir se é oportuno<br />
terminar o filme. Quando foi<br />
apresentado, em Maio, Wen<strong>de</strong>rs<br />
<strong>de</strong>clarou que a animação era a<br />
única técnica à altura da<br />
fisicalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pina Bausch: “O<br />
cinema bidimensional não é capaz<br />
<strong>de</strong> captar o trabalho <strong>de</strong>la, tanto<br />
emocional como esteticamente”.<br />
“Pina”, o filme, está em “stand-by”<br />
tiver sido assassinado?<br />
confessado em 1973 Mike<br />
Jeffery, presumível autor<br />
moral do crime, “manager”<br />
<strong>de</strong> Hendrix e personagem<br />
<strong>de</strong> percurso nebuloso:<br />
serviu os serviços secretos<br />
britânicos no canal do Suez,<br />
dava-se com a máfia<br />
americana e tinha<br />
conhecimentos na CIA e no<br />
FBI. Jeffery já não po<strong>de</strong>rá<br />
confirmar a história -<br />
morreu num aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
avião, um mês <strong>de</strong>pois da<br />
alegada confissão.<br />
O motivo para o assassinato,<br />
investiga o “Times”, seriam<br />
as dívidas monstruosas que<br />
Jeffery vinha acumulando.<br />
Dividas que se veria<br />
impossibilitado <strong>de</strong> saldar se<br />
Hendrix, <strong>de</strong>scontente com<br />
as <strong>de</strong>cisões do “manager”<br />
(em 1967 meteu-o numa<br />
digressão <strong>de</strong>sastrosa com os<br />
Monkees; em 1968, tentou<br />
impedi-lo <strong>de</strong> lançar o álbum<br />
duplo “Electric Ladyland”;<br />
em 1969 pretendia obrigá-lo<br />
a contratar músicos brancos<br />
para a sua banda), levasse<br />
em frente a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> o<br />
<strong>de</strong>spedir. Um seguro <strong>de</strong> vida<br />
<strong>de</strong> Jimi Hendrix, no valor <strong>de</strong><br />
dois milhões <strong>de</strong> dólares e<br />
revertendo em nome <strong>de</strong><br />
Mike Jeffery, que este<br />
celebrara algum tempo<br />
antes, como era norma no<br />
meio, po<strong>de</strong>ria ser a sua<br />
salvação. Como escreve o<br />
“Times”, Jimi vivo não<br />
valeria nada ao seu quase<br />
ex-manager. Morto, é fazer<br />
as contas.<br />
James Wright conta que, à<br />
altura, o medo que Jeffery<br />
lhe incutia o impediu <strong>de</strong><br />
revelar a confissão.<br />
Acrescenta que se manteve<br />
calado após a sua morte por<br />
receio <strong>de</strong> ser directamente<br />
implicado no caso.<br />
Entre os entrevistados no<br />
artigo do “Times”, figuras<br />
próximas do guitarrista, as<br />
reacções divi<strong>de</strong>m-se. Alguns<br />
reconhecem que po<strong>de</strong><br />
existir um fundo <strong>de</strong> verda<strong>de</strong><br />
nas alegações <strong>de</strong> Wright.<br />
Outros, mesmo recordando<br />
o fundo sinistro <strong>de</strong> Jeffery,<br />
negam peremptoriamente<br />
que possa ter or<strong>de</strong>nado o<br />
crime. Joe Boyd, o histórico<br />
produtor que, em 1973,<br />
realizou o primeiro<br />
documentário <strong>de</strong>dicado a<br />
Jimi Hendrix, é um <strong>de</strong>les.<br />
Isto até lhe serem revelados<br />
os relatórios médicos e as<br />
memórias do polícia e dos<br />
enfermeiros que acorreram<br />
ao quarto <strong>de</strong> hotel londrino<br />
naquele 17 <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong><br />
1970 – a história é contada<br />
em “The Final Days of Jimi<br />
Hendrix”, <strong>de</strong> Tony Brown,<br />
publicado em 1997.<br />
Segundo eles, a porta do<br />
quarto estaria escancarada,<br />
sugerindo uma saída<br />
apressada, e Hendrix<br />
completamente vestido, o<br />
que contraria a tese oficial,<br />
segundo a qual teria<br />
ingerido uma quantida<strong>de</strong><br />
exagerada <strong>de</strong> comprimidos<br />
para conseguir dormir<br />
durante várias horas. Mais:<br />
o autor da autópsia<br />
<strong>de</strong>scobriu-lhe uma gran<strong>de</strong><br />
quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> álcool nos<br />
pulmões, mas pouco tinha<br />
sido, à altura da morte,<br />
absorvida pela corrente<br />
sanguínea – o que vai ao<br />
encontro da tese <strong>de</strong><br />
assassinato.<br />
O agora sexagenário James<br />
Wright não <strong>de</strong>dica gran<strong>de</strong><br />
espaço a toda esta história<br />
no seu novo livro, centrado<br />
na sagrada trinda<strong>de</strong> “sexo,<br />
drogas & rock’n’roll”. Dela,<br />
mais sexo, menos droga,<br />
sabemos praticamente tudo.<br />
Já uma teoria da<br />
conspiração, para mais bem<br />
montada, com pormenores<br />
aparentemente credíveis, é<br />
sempre um festim para os<br />
cultores da mitologia pop. Já<br />
fazia falta uma assim para<br />
Hendrix. Ei-la. Mário Lopes<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 3
ROBIN VAN LONKHUIJSEN/REUTERS/UNITED PHOTOS<br />
4 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
O humor<br />
tira<br />
as calças<br />
Hoje é preciso escândalo para chamar<br />
a atenção. <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />
consegue-o com “Brüno”, filme sobre<br />
o jornalista <strong>de</strong> moda, austríaco,<br />
homossexual. Mostra tudo. E <strong>de</strong>ixa o<br />
espectador nu. Que limites, hoje, para<br />
o humor? Joana Amaral Cardoso<br />
Nu<strong>de</strong>z frontal masculina (e dançante).<br />
Dildos, muitos. Sexo com pigmeus.<br />
Mães e pais que admitem expor os<br />
filhos bebés a ácido ou emagrecê-los<br />
rapidamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que entrem numa<br />
sessão fotográfica. Um pastor evangélico<br />
com o dom <strong>de</strong> curar a homossexualida<strong>de</strong>.<br />
Adopção <strong>de</strong> uma criança<br />
negra – chamada O.J. para fazer<br />
justiça à herança afro-americana – por<br />
um jornalista <strong>de</strong> moda que quer ser<br />
célebre à força, usa maquilhagem,<br />
pinta o cabelo, é gay.<br />
O que o choca mais nesta lista? Nada?<br />
Tudo? Perante <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />
e “Brüno” o espectador não po<strong>de</strong><br />
ficar passivo: <strong>de</strong>sconforto, riso,<br />
confronto. Tudo, da nu<strong>de</strong>z masculina<br />
aos pais se<strong>de</strong>ntos por uma gota <strong>de</strong><br />
fama por interposto bebé, está em<br />
“Brüno”. E está lá para si.<br />
“São temas incontornáveis porque<br />
são os mais importantes, que trazem<br />
divisão, polémica”, diz o humorista<br />
Nuno Duarte, aliás Jel, ao Ípsilon. Sexo,<br />
raça, género. Um “buffet” que faz<br />
dos temas ditos sensíveis aquilo a que<br />
Jel, o Homem da Luta que provoca os<br />
homens com o seu machista gay, chama<br />
<strong>de</strong> “hiper-realismo”.<br />
Os métodos são os que tornaram<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> ou, melhor dizendo,<br />
Borat, numa celebrida<strong>de</strong>. “Brüno”<br />
é mais uma viagem <strong>de</strong> um jovem em<br />
busca da fama na terra das oportunida<strong>de</strong>s.<br />
E, pelo caminho, e com a fiabilida<strong>de</strong><br />
que o género “mockumentary”<br />
permite, coloca um espelho em<br />
frente à cultura oci<strong>de</strong>ntal. Surpreen<strong>de</strong><br />
gente mais ou menos conhecida com<br />
as suas perguntas, com a sua sexualida<strong>de</strong>,<br />
com a sua estupi<strong>de</strong>z. E <strong>de</strong>sarmaos<br />
e <strong>de</strong>sarma-nos. Forçando-nos a<br />
pensar nos limites do humor, do bom<br />
gosto. Pelo caminho, o “walk of fame”<br />
<strong>de</strong> Brüno torna-se “walk of shame”.<br />
“Brüno” é, verda<strong>de</strong>, “Borat” com<br />
melhor guarda-roupa. E Brüno é Borat,<br />
que é Ali G, que é <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong>.... No trabalho do humorista<br />
“Não existem limites<br />
no humor. O limite é<br />
se tem piada ou não.”<br />
Rui Sinel <strong>de</strong> Cor<strong>de</strong>s,<br />
humorista<br />
britânico, uma máscara mediática escon<strong>de</strong><br />
sempre outra. Descodifique-se,<br />
para se avançar: ele encara as personagens,<br />
exageros dos exagerados, “diseurs”<br />
do indizível, como ferramentas.<br />
Sobre Borat, disse, em rara entrevista<br />
à “Rolling Stone” (2006): “Pelo<br />
facto <strong>de</strong> ele ser anti-semita, ele permite<br />
às pessoas baixarem as <strong>de</strong>fesas e<br />
exporem o seu próprio preconceito,<br />
seja o anti-semitismo ou a aceitação<br />
do anti-semitismo”.<br />
Capa<br />
PAWEL KOPCZYNSKI/REUTERS<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 5
TOBY MELVILLE/REUTERS<br />
O palhaço da turma<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> adora estereótipos<br />
e sabe quais são os pontos<br />
sensíveis em que espeta o<br />
<strong>de</strong>do. Isso faz <strong>de</strong>le um comentador,<br />
corrobora Robert Thompson,<br />
director do Centro Bleier para<br />
a Cultura Popular e Televisão. “Ele é<br />
alguém cujas opiniões ouvimos”. E,<br />
mais <strong>de</strong>pressa do que conseguirá dizer<br />
“Borat: Apren<strong>de</strong>r Cultura da América<br />
Para Fazer Benefício Glorioso à Nação<br />
do Cazaquistão”, já está a girar a mira<br />
para outro alvo. Agora é a moda mas,<br />
mais do que tudo, a homofobia. Não<br />
é a homossexualida<strong>de</strong>.<br />
<strong>Cohen</strong> “incorpora as características<br />
que quer parodiar e <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ia” assim<br />
as reacções mais cruas, compara<br />
Filipe Homem Fonseca, um dos autores<br />
<strong>de</strong> “Contra-Informação”, meta<strong>de</strong><br />
dos Cebola Mol, argumentista total.<br />
“É o agente provocador perfeito. É o<br />
humor <strong>de</strong> observação levado ao extremo.<br />
E isso é brilhante”.<br />
Depois <strong>de</strong> Borat Sagdiyev reflectir<br />
os preconceitos em relação aos estrangeiros<br />
(a “Vanity Fair” escrevia, num<br />
perfil <strong>de</strong> 2006, que <strong>Cohen</strong> vestiu Borat<br />
<strong>de</strong> fato cinzento, mal amanhado, porque<br />
“sabe que a maior parte dos americanos<br />
esperam que um estrangeiro<br />
cheire mal”) e aos ju<strong>de</strong>us,<br />
Brüno vem embalado como<br />
uma efígie do que o cidadão<br />
médio acha que é um homossexual-tipo.<br />
Sempre vestido <strong>de</strong> forma extra-chocante<br />
e hiper-sexual (porque<br />
também se esperará, arrisquemos,<br />
que um homossexual seja provocador<br />
e exibicionista), viaja pelos EUA com<br />
o objectivo <strong>de</strong> se tornar célebre. E<br />
isso cruza-se com a sua capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> capturar o “zeitgeist” e <strong>de</strong> o regurgitar<br />
– a comédia <strong>de</strong> <strong>Cohen</strong> é tão visceral<br />
quanto isso. Usa, tal como Jel<br />
na sua comédia “Vai Tudo Abaixo”<br />
(SIC Radical) – Jel sente-se honrado<br />
com este paralelismo –, uma “estética<br />
<strong>de</strong> apanhados mas com personagens<br />
bem <strong>de</strong>finidas. E nesses<br />
apanhados, há o injectar <strong>de</strong> um<br />
certo surrealismo, <strong>de</strong> uma<br />
certa provocação na<br />
realida<strong>de</strong>. Isto é<br />
muito mo<strong>de</strong>rno,<br />
é uma reacção<br />
aos tempos. É<br />
contemporâneo,<br />
é agora”.<br />
Agora? “É a socieda<strong>de</strong><br />
do espectáculo,<br />
em que tudo<br />
é espectacularizado:<br />
a guerra, a política, o<br />
<strong>de</strong>sporto. E a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> intervir nisso, surrealizando,<br />
é muito tentadora”.<br />
Algures, ao longe, ao ver “Borat”<br />
e agora “Brüno”, ouvimos o ruído<br />
da cultura oci<strong>de</strong>ntal a partir-se<br />
em bocadinhos. Pelo choque, pelo<br />
<strong>de</strong>sconforto, mas também porque<br />
a mescla <strong>de</strong> situações reais<br />
e a ficção débil (serve apenas o<br />
“Uma das razões<br />
pelas quais vemos<br />
mais <strong>de</strong>sta comédia<br />
hoje é porque<br />
o ambiente cultural é<br />
mais tolerante: canais<br />
<strong>de</strong> cabo on<strong>de</strong> estas<br />
coisas po<strong>de</strong>m passar,<br />
uma indústria com<br />
um sistema <strong>de</strong><br />
classificações que<br />
as permitem”<br />
Robert Thompson,<br />
director do Centro<br />
Bleier para a Cultura<br />
Popular e Televisão<br />
propósito <strong>de</strong> coser um gag ao seguinte)<br />
se a<strong>de</strong>qua ao mundo da web, da<br />
tele-realida<strong>de</strong>, das celebrida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
pacote, dos “household names” instantâneos.<br />
E é suja, chocante, “in your<br />
face”.<br />
Robert Thompson, o académico<br />
mais citado dos EUA pelo interesse<br />
que <strong>de</strong>sperta hoje essa ampla secção<br />
da cultura a que se chama pop, vê <strong>Sacha</strong><br />
como o “palhaço da turma”, cuja<br />
última partida foi tão forte que todos<br />
esperam a seguinte com expectativa.<br />
E, ainda por cima, “estamos numa<br />
gran<strong>de</strong> sala <strong>de</strong> aulas em que há celebrida<strong>de</strong>s<br />
em tantas e múltiplas dimensões<br />
que é preciso baixar as calças e<br />
dizer asneiras<br />
na sala para chamar<br />
a atenção. E<br />
que po<strong>de</strong> ser humor<br />
politicamente esclarecedor,<br />
mas que também po<strong>de</strong><br />
ser nojento só para ser nojento”.<br />
Humor sem limites<br />
Três anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Borat”, o novo<br />
registo <strong>de</strong> <strong>Cohen</strong> está carregado <strong>de</strong><br />
mais e mais intencionalida<strong>de</strong>. A nu<strong>de</strong>z<br />
masculina, o homem-com-homem,<br />
Jesus vs. Gays, estão para <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong> como W. Bush e Charlton Heston<br />
estavam para Michael Moore. O<br />
valor-choque <strong>de</strong> <strong>Cohen</strong>, ora crucificado,<br />
ora elogiado como pioneiro – à<br />
saída <strong>de</strong> “Borat”, George Meyer, argumentista<br />
<strong>de</strong> “Os Simpsons”, dizia:<br />
“Sinto-me como alguém a quem <strong>de</strong>ram<br />
a ouvir o ‘Sgt. Pepper’s Lonely<br />
Heart Club Band’ pela primeira vez”<br />
–, é certeiro. Não só sabe escolher os<br />
temas, como é capaz <strong>de</strong> os atacar “directamente<br />
na jugular”. “E isso é que<br />
o torna relevante”, diz Thompson ao<br />
telefone com o Ípsilon a partir da Universida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Syracuse.<br />
Rui Sinel <strong>de</strong> Cor<strong>de</strong>s sabe bem do<br />
que se está a falar. Tal como Jel, já foi<br />
agredido na rua, já recebeu ameaças<br />
<strong>de</strong> morte por causa <strong>de</strong> “Preto no Branco”,<br />
o seu programa <strong>de</strong> humor na SIC<br />
Radical. Fátima, estrangeiros, góticos,<br />
mulheres vítimas <strong>de</strong> violência doméstica,<br />
cancro, ca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> rodas, vale<br />
tudo. “Não existem limites no humor.<br />
O limite é se tem piada ou não.” Filipe<br />
Homem Fonseca, Jel e os três autores<br />
<strong>de</strong> “Bruno Aleixo” (SIC Radical) concordam.<br />
Pedro Santo, João Moreira e<br />
João Pombeiro classificam o trabalho<br />
<strong>de</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> como “um Apanhado<br />
evoluído, 2000, 2.0, redux”. E como<br />
não costumam navegar as áreas dos<br />
temas sensíveis, apenas acham que “a<br />
riqueza do humor não tem muito a
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>,<br />
a anti-celebrida<strong>de</strong><br />
Não gosta <strong>de</strong> se mostrar fora das personagens para não<br />
distrair as atenções e porque é pessoa pouco atreita<br />
à exposição pública – afinal, o seu trabalho é apanhar<br />
figuras públicas <strong>de</strong>sarmadas.<br />
ver com pôr ou não o <strong>de</strong>do na ferida.<br />
Há bom e mau humor que põe<br />
o <strong>de</strong>do na ferida e o mesmo se aplica<br />
ao que não põe o <strong>de</strong>do na ferida. Pôr<br />
o <strong>de</strong>do é uma opção”.<br />
Já Rui Sinel <strong>de</strong> Cor<strong>de</strong>s é fervoroso<br />
a<strong>de</strong>pto do humor das partes on<strong>de</strong> o<br />
sol não brilha. “Faço humor negro<br />
porque gosto. E se gosto existem mais<br />
pessoas que gostam”. Ao pensar em<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>, lembra-se da comédia<br />
<strong>de</strong> Bill Hicks e George Carlin –<br />
que <strong>de</strong>safiaram limites humorísticos<br />
e culturais há duas, três décadas. “Nos<br />
EUA fazia falta um humorista que voltasse<br />
a <strong>de</strong>safiar o sistema. <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong> é capaz <strong>de</strong> ser o humorista que<br />
conseguiu, nos últimos 20 anos, seguir<br />
o trabalho <strong>de</strong>les”.<br />
São tempos bons para a comédia,<br />
assegura-nos Thompson. “Especialmente<br />
agora, neste ambiente em que<br />
há tantos programas, filmes e séries<br />
televisivas que apostam nesse género<br />
<strong>de</strong> temas não-acredito-que-eles-fizeram-isto.<br />
Na Comedy Central, o ‘South<br />
Park’ fá-lo todas as semanas e mesmo<br />
nos generalistas, temos o ‘Family<br />
Guy’ e afins. No breve período <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
que ‘Borat’ se estreou, estranhamente,<br />
a noção <strong>de</strong> comédia escandalosa e<br />
excessiva tornou-se praticamente ortodoxa”.<br />
Como as comédias <strong>de</strong> Judd<br />
Apatow (“Virgem aos 40 anos”, “Um<br />
Azar do Caraças”) têm comprovado,<br />
professor Thompson? “Sim, são um<br />
exemplo <strong>de</strong> quão ‘mainstream’ isto se<br />
está a tornar.”<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> é, então, como<br />
um miúdo com fósforos num mundo<br />
regado a querosene, e on<strong>de</strong> há já fogueiras<br />
a bruxulear lá ao longe. A polémica,<br />
os tais temas fracturantes, são<br />
o seu ponto <strong>de</strong> partida. Depois, resta<br />
marcar a diferença. Nas semanas que<br />
antece<strong>de</strong>ram a estreia <strong>de</strong> “Brüno”, ele<br />
assombrava as redacções dos jornais<br />
e a Internet. Exímio manipulador,<br />
KEVIN WINTER/GETTY IMAGES/AFP<br />
Jel (à<br />
esquerda) e<br />
Rui Sinel <strong>de</strong><br />
Cor<strong>de</strong>s, dois<br />
humoristas<br />
portugueses<br />
que se revêem<br />
no humor<br />
“kamikaze”<br />
Exímio<br />
manipulador,<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong> tem<br />
estado em<br />
digressão<br />
promocional:<br />
aparições em<br />
figurinos<br />
surreais em<br />
todas as<br />
cida<strong>de</strong>s<br />
LUCY NICHOLSON/REUTERS<br />
Perfil<br />
É um ju<strong>de</strong>u que cumpre o<br />
regime kosher, que respeita o<br />
Sabat sempre que possível e<br />
que tem uma filha com a actriz<br />
Isla Fisher. São-lhe conhecidas<br />
escassas entrevistas e há<br />
poucas imagens <strong>de</strong> <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong> fora <strong>de</strong> uma personagem:<br />
para não distrair as atenções e<br />
porque é pessoa pouco atreita à<br />
exposição pública e ao conceito<br />
<strong>de</strong> celebrida<strong>de</strong>; afinal, o seu<br />
trabalho é apanhar figuras<br />
públicas <strong>de</strong>sarmadas, sejam<br />
elas um furioso Harrison<br />
Ford ou um complacente e,<br />
<strong>de</strong>pois, indignado Ron Paul,<br />
congressista republicano.<br />
O mais novo <strong>de</strong> três<br />
irmãos, nasceu em 1971 em<br />
Hammersmith, Londres. O pai<br />
tinha uma loja <strong>de</strong> roupa em<br />
Picadilly Circus e a mãe, nascida<br />
em Israel, era professora <strong>de</strong><br />
dança. Nos primeiros anos <strong>de</strong><br />
escola não se <strong>de</strong>stacou. Era,<br />
aliás, discreto. Os colegas não<br />
sabiam que adorava breakdance<br />
e rap. Numa entrevista<br />
à “Rolling Stone”, recorda que,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 12 anos, a mãe o levava<br />
(e à sua “crew”, os Black on<br />
White) até Covent Gar<strong>de</strong>n, on<strong>de</strong><br />
actuava com amigos – todos<br />
É fortemente<br />
influenciado pelos<br />
Monty Python e<br />
sobretudo pelo seu<br />
ídolo, Peter Sellers – o<br />
actor que se queixava<br />
<strong>de</strong> não ter<br />
personalida<strong>de</strong> fora<br />
das personagens<br />
ju<strong>de</strong>us, brancos e aculturados<br />
pelo hip-hop.<br />
Estudou em Cambridge e<br />
actuava no famoso Footlights ao<br />
mesmo tempo que se centrava<br />
na construção <strong>de</strong> personagens...<br />
na vida real. Para entrar em<br />
sítios sem pagar, por exemplo.<br />
Fortemente influenciado<br />
pelos Monty Python (um dos<br />
irmãos fê-lo entrar à socapa<br />
num cinema para ver “A<br />
Vida <strong>de</strong> Brian”) e sobretudo<br />
pelo seu ídolo, Peter Sellers<br />
– o actor que se queixava <strong>de</strong><br />
não ter personalida<strong>de</strong> fora<br />
das personagens –, <strong>Cohen</strong><br />
estabeleceu metas: tinha cinco<br />
anos para vingar na comédia e<br />
ganhar dinheiro ou <strong>de</strong>sistia.<br />
Teve uma série <strong>de</strong> pequenos<br />
trabalhos na TV (Windsor TV,<br />
London Weekend Television,<br />
Paramount Comedy Channel)<br />
e até foi mo<strong>de</strong>lo em catálogos.<br />
E <strong>de</strong> repente Ali G, cujas raízes<br />
estão no amor <strong>de</strong> adolescente<br />
pelo break-dance, nasceu. Um<br />
dia estava em filmagens e viu<br />
um grupo <strong>de</strong> skaters, com ar<br />
durão mas brancos como a cal, a<br />
comportarem-se como membros<br />
da anti-elite do gangsta rap. Isto<br />
juntou-se a uma personagem<br />
que construía a partir do DJ<br />
da Radio One da BBC, o filho<br />
<strong>de</strong> um bispo que falava como<br />
um “dread”. Mergulhou nessa<br />
composição e anos mais tar<strong>de</strong><br />
nasceria Ali G, o “rapper” branco<br />
inconveniente que tornou o fato<br />
<strong>de</strong> treino amarelo icónico muito<br />
antes <strong>de</strong> Tarantino e “Kill Bill”.<br />
Entretanto, sem dinheiro,<br />
<strong>Sacha</strong> foi convidado a integrar<br />
o programa <strong>de</strong> humor The 11<br />
O’Clock Show, do Channel 4,<br />
on<strong>de</strong> Ali G daria os primeiros<br />
passos até ganhar autonomia<br />
televisiva em 2000. A SIC<br />
Radical começou a exibir o<br />
programa e em 2002 saía o filme<br />
“Ali G Inda-House”. A série<br />
migraria para a americana HBO<br />
e, entretanto, Ali G tornavase<br />
o motorista <strong>de</strong> Madonna<br />
no vi<strong>de</strong>oclip <strong>de</strong> “Music”. No<br />
programa “Da Ali G Show” já<br />
apareciam as personagens<br />
Brüno, o correspon<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />
moda <strong>de</strong> um canal austríaco que<br />
enviava as suas histórias,<br />
e Borat Sagdiyev, que fazia<br />
reportagens e entrevistas<br />
– Borat “nasceu” a partir <strong>de</strong><br />
Alexi Krickler, jornalista<br />
moldavo que um dia se<br />
cruzou com <strong>Cohen</strong> e<br />
o divertiu com o seu<br />
inglês macarrónico e a<br />
admiração por tudo o<br />
que era anglo-saxónico.<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />
apareceu em “Calma,<br />
Larry” e no “Saturday<br />
Night Live”, fez “Talla<strong>de</strong>ga<br />
Nights: The Ballad of<br />
Ricky Bobby” (2006)<br />
com o amigo Will Ferrell,<br />
<strong>de</strong>pois juntou-se a Tim<br />
Burton e foi dramático em<br />
“Sweeney Todd”. Agora,<br />
está na rua com “Brüno”,<br />
mas já está garantido num<br />
filme, ainda sem título,<br />
sobre Sherlock Holmes.<br />
J.A.C.<br />
Borat<br />
“nasceu” a<br />
partir <strong>de</strong> Alexi<br />
Krickler,<br />
jornalista<br />
moldavo que<br />
um dia<br />
divertiu<br />
<strong>Cohen</strong> com o<br />
seu inglês<br />
macarrónico<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 7
O performer<br />
Andy<br />
Kaufman<br />
(1949-1984)<br />
é uma<br />
genealogia<br />
possível para<br />
o humor <strong>de</strong><br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong><br />
TIM WIMBORNE/REUTERS<br />
estava em todo o lado em digressão<br />
promocional. Aparições em figurinos<br />
surreais em todas as cida<strong>de</strong>s. Entrevistas<br />
<strong>de</strong>ntro da personagem (“Quero<br />
ser o austríaco mais famoso <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Hitler”;<br />
“O filme que acabei <strong>de</strong> fazer é o<br />
mais importante documentário sobre<br />
um gay branco <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ‘A Paixão <strong>de</strong><br />
Cristo’”). Filipe Homem Fonseca elogia-lhe<br />
a consistência. “<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong> é o Dias Loureiro da comédia.<br />
Mantém a história até ao fim”. Como<br />
Andy Kaufman (1949-1984, performer<br />
americano – Jim Carrey interpretou-o<br />
em “Homem na Lua”), em relação ao<br />
qual nunca sabíamos on<strong>de</strong> acabava a<br />
personagem e começava o homem, é<br />
tudo parte do espectáculo.<br />
JUAN MEDINA/ REUTERS<br />
“É a socieda<strong>de</strong><br />
do espectáculo,<br />
em que tudo é<br />
espectacularizado:<br />
a guerra, a política,<br />
o <strong>de</strong>sporto.<br />
E a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
intervir nisso,<br />
surrealizando,<br />
é muito tentadora”<br />
Jel, humorista<br />
Espírito kamikaze<br />
E, como não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, com<br />
ele vem a polémica. A Gay and Lesbian<br />
Alliance Against Defamation (GLAAD)<br />
viu duas versões inacabadas do filme,<br />
a convite da Universal. E Rashad Robinson,<br />
director dos programas <strong>de</strong><br />
média da GLAAD, foi à imprensa dizer<br />
que “as intenções <strong>de</strong> quem fez o filme<br />
estão no lugar certo – a sátira <strong>de</strong>ste<br />
género po<strong>de</strong> <strong>de</strong>smascarar a homofobia<br />
– mas ao mesmo tempo ele po<strong>de</strong><br />
aumentar o <strong>de</strong>sconforto das pessoas<br />
em relação à nossa comunida<strong>de</strong>”.<br />
Eis a palavra-chave: <strong>de</strong>sconforto.<br />
Tal como a Human Rights Campaign,<br />
a GLAAD acha que “Brüno” <strong>de</strong>via vir<br />
com um aviso prévio. Qualquer coisa<br />
como: “Este filme tem como objectivo<br />
expor a homofobia”. Mas Aaron Hicklin,<br />
editor da revista “Out”, vê mais<br />
além. “O filme faz algo enormemente<br />
importante, que é mostrar que as atitu<strong>de</strong>s<br />
das pessoas po<strong>de</strong>m mudar, num<br />
segundo, quando elas se apercebem<br />
que és gay. Os ‘habituées’ dos multiplexes<br />
normalmente não se sentariam<br />
para ver uma palestra <strong>de</strong> duas horas<br />
sobre homofobia, mas é exactamente<br />
isso que vai acontecer”, disse ao “New<br />
York Times”. E vai pôr <strong>Sacha</strong> na capa<br />
<strong>de</strong> Agosto, tal como a “GQ” fez este<br />
mês nos EUA.<br />
Uma das mais-valias do fenómeno<br />
<strong>Cohen</strong> é a tal lógica das bonecas russas:<br />
há vários níveis <strong>de</strong> entendimento<br />
<strong>de</strong> uma piada, <strong>de</strong> uma caricatura, e se<br />
há espectadores que vão vê-lo<br />
“ao engano, acabam<br />
também por<br />
ser alvo da paródia.<br />
Isso é a sofisticação<br />
maior”, comenta<br />
Filipe Homem<br />
Fonseca.<br />
Não esquecendo<br />
os danos colaterais – neste<br />
caso os entrevistados, os apanhados.<br />
“Às vezes tem <strong>de</strong> haver baixas entre<br />
civis”, ri-se Filipe Homem Fonseca.<br />
“Isso faz parte do dispositivo. Quando<br />
fazes uma piada, mesmo quando contas<br />
uma simples anedota, há sempre<br />
uma rasteira.”<br />
O risco não é só para os incautos<br />
apanhados (que po<strong>de</strong>m ser muito<br />
pouco inocentes – “Uma coisa é eu<br />
fazer uma imitação do José Sócrates,<br />
outra é apanhar o José Sócrates à minha<br />
frente com o meu megafone. Tem<br />
muito mais força, força política”, sublinha<br />
Jel). Também sobra risco para<br />
os protagonistas que têm boas hipóteses<br />
<strong>de</strong> apanhar. Melhor ainda, garante<br />
Jel no seu espírito kamikaze.<br />
“Dispara a nossa adrenalina, é sem<br />
re<strong>de</strong>. Criativamente, é muito inspirador.”<br />
<strong>Cohen</strong>, na tal entrevista à<br />
“Rolling Stone”, apenas resume que<br />
o carinho intensivo dos seus pais lhe<br />
dá hoje “a força para sair para junto<br />
<strong>de</strong> uma multidão <strong>de</strong> pessoas que te<br />
o<strong>de</strong>iam”. No fundo, o mundo é a sua<br />
ostra e os EUA a sua pérola <strong>de</strong> experiência<br />
sociológica. Ou serão um<br />
irrecuperável grão <strong>de</strong> areia? Ele testa<br />
os limites porque “o timing é tão volátil<br />
que é rico para a comédia e [ele]<br />
vai atrás <strong>de</strong> coisas que nos <strong>de</strong>ixam<br />
<strong>de</strong>sconfortáveis, que nos testam”,<br />
postula Thompson no seu púlpito <strong>de</strong><br />
peritagem pop.<br />
“Brüno” chega numa altura em que<br />
parece existir mais espaço para todos<br />
os tipos <strong>de</strong> comédia. Agora, diz-nos<br />
Thompson, nos EUA a última fronteira<br />
dos tabus é a palavra “preto”, mas<br />
continua a haver “regras diferentes<br />
para salas diferentes”. Se for a <strong>de</strong> Jay<br />
Leno, como era a <strong>de</strong> Herman José no<br />
infame episódio censório da Rainha<br />
Santa, é melhor não abusar. O “mainstream”<br />
é <strong>de</strong>masiado condicionado<br />
pelas regras e convenções genéricas.<br />
Nos nichos, no cabo, já é outra coisa.<br />
A chegada <strong>de</strong> mais um objecto <strong>Cohen</strong><br />
à comédia é como a chegada <strong>de</strong><br />
mais um filme <strong>de</strong> Michael Moore aos<br />
EUA – e cabe agora a “Brüno” provar<br />
se a partida seguinte do palhaço da<br />
turma vale a pena. Mas uma coisa ele<br />
conseguiu: é um dos ingredientes <strong>de</strong><br />
um caldo cultural mais tolerante e<br />
ajudou a confeccioná-lo porque a cada<br />
aparição mais ultrajante/hilariante<br />
(risque o que não interessa) se clarificam<br />
os novos limites. E <strong>de</strong>pois há o<br />
resto.<br />
“Uma das razões pelas quais vemos<br />
mais <strong>de</strong>sta comédia hoje é porque o<br />
ambiente cultural é muito mais tolerante.<br />
Temos canais <strong>de</strong> cabo on<strong>de</strong><br />
estas coisas po<strong>de</strong>m passar, uma indústria<br />
cinematográfica com um sistema<br />
<strong>de</strong> classificações que as permitem. Há<br />
um lugar para elas que não existia nos<br />
anos 1950”, diz Robert Thompson.<br />
“Outra coisa é um ambiente cultural<br />
tão fragmentado, com milhares <strong>de</strong><br />
músicas disponíveis no iTunes, um<br />
número infinito <strong>de</strong> coisas na Internet<br />
e 300 canais <strong>de</strong> cabo, muitos dos quais<br />
a produzir programação original. É<br />
preciso fazer uma coisa muito escandalosa<br />
para chamar a atenção”.<br />
Diríamos que “Brüno” o conseguiu.<br />
“Olhem<br />
para o<br />
Cristiano<br />
Ronaldo.<br />
A forma<br />
como ele se<br />
veste é<br />
totalmente<br />
Brüno”,<br />
disse ao<br />
“Guardian”<br />
o criador<br />
Julien<br />
MacDonald<br />
RUI GAUDÊNCIO<br />
Cristiano Ronaldo<br />
“é totalmente Brüno”<br />
Segundo o criador Julien MacDonald,<br />
Brüno é plausível, existente.<br />
A frase promocional diz tudo: “Borat é tão 2006”.<br />
Até parece que ouvimos o “tão” arrastado e<br />
afectado que um “fashionista” diria para comentar<br />
um fenómeno passado e ultrapassado. Brüno é<br />
o guardião das tendências, figura que conjuga<br />
estereótipos gay, sim, mas também “fashion”. Com<br />
toda a controvérsia e <strong>de</strong>bate a girar em torno da<br />
temática homossexual, o aspecto moda cai para<br />
segundo plano. Mas o mundo da moda também<br />
terá motivos para se contorcer na ca<strong>de</strong>ira, talvez<br />
mais do que quando viu “Zoolan<strong>de</strong>r”, “O Diabo<br />
Veste Prada” ou “Pronto-a-Vestir”, <strong>de</strong> Altman. O<br />
“Telegraph” pôs-se a comparar os comentários no<br />
Twitter feitos por Brüno e Karl Lagerfeld, o mestre<br />
da casa Chanel, e <strong>de</strong>safiou os leitores a encontrar<br />
as diferenças. O grau <strong>de</strong> comicida<strong>de</strong> equiparava-se.<br />
A questão é, para o jornalista Simon Mills (que até<br />
já <strong>de</strong>sfilou na passerelle), que “o mundo da moda é<br />
em gran<strong>de</strong> parte imune à paródia essencialmente<br />
porque faz um trabalho relativamente bom a<br />
parodiar-se, constantemente”. <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong> não falou muito sobre a construção da sua<br />
personagem, mas Brüno é o exagero do exagero,<br />
o que no fundo é uma certa parcela <strong>de</strong>sta cultura<br />
focada na estética e no “look”. Brüno resulta<br />
porque “é tão, tão plausível”, escreve Mills. A<br />
excentricida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Brüno é apenas um espelho <strong>de</strong><br />
Feira Popular posto à frente da tribo “fashionista”.<br />
Já na rodagem do filme, <strong>Cohen</strong> foi <strong>de</strong>tido <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
ter andado pelos bastidores da Semana da Moda<br />
<strong>de</strong> Milão e <strong>de</strong> ter “caído” na passerelle durante um<br />
<strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> Agatha Ruiz <strong>de</strong> la Prada.<br />
O criador britânico Julien MacDonald comenta,<br />
divertido, que Brüno é, <strong>de</strong> facto, plausível,<br />
possível, existente. E toca, em <strong>de</strong>clarações ao<br />
“Guardian”, numa referência próxima ao planeta<br />
Portugal: Ronaldo. “Há <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> homens como<br />
Bruno em East London ou à porta da Topshop<br />
num sábado à tar<strong>de</strong>. Já vi homens a usar o ‘look’<br />
total tirolês que ele tem. E, honestamente, o novo<br />
corte <strong>de</strong> cabelo <strong>de</strong> Bruno é basicamente uma cópia<br />
directa do cabelo que os manequins masculinos<br />
tinham no último <strong>de</strong>sfile da Gucci. E não são só os<br />
gay. Olhem para o Cristiano Ronaldo. A forma como<br />
ele se veste é totalmente Brüno”. Ronaldo é muitas<br />
vezes citado como uma forte influência<br />
na moda masculina portuguesa.<br />
Especialmente pelo factor pólo<br />
cor-<strong>de</strong>-rosa: antes uma peça <strong>de</strong><br />
roupa conotada pela cor com um<br />
universo homossexual, agora<br />
está no tronco <strong>de</strong> milhares<br />
<strong>de</strong> “machos latinos”<br />
país fora. A<br />
diversida<strong>de</strong><br />
fica-lhes<br />
bem. J.A.C.<br />
GREG WOOD/AFP PHOTO<br />
8 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Consulte a agenda cultural Fnac em
Quatro minutos<br />
<strong>de</strong> fama<br />
É o retrato dos anos da Silver<br />
Factory. Os anos 60 <strong>de</strong> Warhol<br />
passam pelos “Screen Tests”.<br />
O último filme concerto do Curtas<br />
<strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>, amanhã, faz<br />
<strong>de</strong>les o motivo <strong>de</strong> uma viagem<br />
através <strong>de</strong> rostos em lenta<br />
combustão. A música é <strong>de</strong><br />
Dean & Brita. Óscar Faria<br />
Dean & Brita, autores da música<br />
<strong>de</strong>ste filme concerto<br />
“Screen Test”<br />
<strong>de</strong> Edie<br />
Sedgwick, um<br />
dos 13 que irão<br />
ser exibidos<br />
amanhã em<br />
Vila do Con<strong>de</strong>:<br />
instantes <strong>de</strong><br />
absoluta e<br />
lenta magia<br />
Cinema<br />
São 472 os “screen tests” produzidos<br />
por Andy Warhol, sobretudo entre<br />
1964 e 1968, na Silver Factory, Nova<br />
Iorque, a primeira das linhas <strong>de</strong> montagem<br />
habitada pelo artista americano<br />
e assim <strong>de</strong>signada <strong>de</strong>vido à <strong>de</strong>coração<br />
prateada concebida pelo fotógrafo<br />
Billy Name, que também ali<br />
instalou o famoso sofá vermelho, encontrado<br />
na rua – por isso alguns<br />
aproximam esses retratos filmados<br />
<strong>de</strong> uma sessão <strong>de</strong> psicanálise.<br />
Situado no quinto andar do nº 231<br />
na East 47th Street, em Midtown Manhattan,<br />
este “loft” foi o epicentro da<br />
cena artística nova-iorquina nos anos<br />
1960. Frequentado por artistas, viciados<br />
em anfetaminas e outras drogas,<br />
estrelas porno, drag queens, músicos,<br />
era o espaço <strong>de</strong> todos os encontros,<br />
do absoluto artifício e permissivida<strong>de</strong>.<br />
Como sublinhou Jonh Cale, um dos<br />
fundadores dos Velvet Un<strong>de</strong>rground,<br />
“enquanto uma pessoa fazia uma serigrafia,<br />
outra estava a filmar um<br />
‘screen test’.” E acrescentou: “Todos<br />
os dias algo <strong>de</strong> novo.”<br />
No catálogo “Andy Warhol: A Factory”,<br />
exposição que passou pelo Museu<br />
<strong>de</strong> Serralves, no Porto, há <strong>de</strong>z<br />
anos, o comissário da mostra, Germano<br />
Celant, consi<strong>de</strong>ra que a primeira<br />
ruptura realizada pelo artista está relacionada<br />
com a sua produção cinematográfica:<br />
“O tempo, o tema, o<br />
<strong>de</strong>sperdício, o falso, a abjecção, a pornografia,<br />
a sedução, a excitação, o<br />
duplo, a duração aparecem como<br />
confins transponíveis”, nota o curador<br />
italiano. De forma a sustentar a<br />
sua afirmação, anexa uma frase <strong>de</strong><br />
Warhol, tirada do livro “Popism”, escrito<br />
por Drella – esse misto <strong>de</strong> Drácula<br />
e Cin<strong>de</strong>rela que <strong>de</strong>finia o artista<br />
– em colaboração com Pat Hackett:<br />
“Consi<strong>de</strong>ro que os filmes <strong>de</strong>veriam<br />
apelar aos interesses mais escabrosos,<br />
isto é, da maneira que as coisas estão<br />
actualmente – os indivíduos estão alienados<br />
uns dos outros. Os filmes <strong>de</strong>viam<br />
então excitá-los”<br />
A vida e a morte<br />
Tal intenção, a excitação do espectador,<br />
parece porém distante dos “screen<br />
tests” e outros filmes minimalistas<br />
realizados por Warhol, que muitas<br />
vezes, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> colocar a câmara fixa<br />
sobre um tripé e escolhido o plano,<br />
abandonava a rodagem, entregando<br />
à máquina e aos protagonistas o <strong>de</strong>stino<br />
das imagens. Criava assim um<br />
ponto <strong>de</strong> vista único: o enquadramento<br />
<strong>de</strong>finia os acontecimentos; tudo<br />
<strong>de</strong>pendia não só das instruções dadas<br />
por Warhol, mas também da forma<br />
como cada um dos sujeitos filmados,<br />
os quais eram transformados em puros<br />
objectos, reagia às situações. A<br />
i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> “tableau vivant” – a recriação<br />
<strong>de</strong> uma pintura num palco, em que<br />
se exigia a imobilida<strong>de</strong> dos intérpretes,<br />
prática usual no século XIX, nomeadamente<br />
após a invenção da fotografia<br />
–, po<strong>de</strong> ser aproximada <strong>de</strong>ste<br />
modo <strong>de</strong> fazer, o qual cria uma distância<br />
intransponível entre cada trabalho<br />
e o espectador: é como se Warhol<br />
quisesse captar a vida na sua<br />
própria duração, contudo, nesse<br />
gesto, entrega-a irremediavelmente<br />
a uma morte – não<br />
existem diferenças entre o<br />
“Empire” (1964) – o Empire<br />
State Building filmado<br />
em tempo real, a<br />
preto e branco, sem<br />
som, durante oito horas<br />
–, e John Giorno a<br />
É como se Warhol<br />
quisesse captar a vida<br />
na sua própria<br />
duração, contudo,<br />
nesse gesto, entrega-a<br />
irremediavelmente<br />
a uma morte<br />
dormir em “Sleep” (1963), uma película<br />
com cinco horas.<br />
Os “screen tests” – o último filme<br />
concerto do Curtas <strong>de</strong> Vila do Con<strong>de</strong>,<br />
protagonizado pela dupla Dean &<br />
Brita, ex-elementos dos Luna, acompanhados<br />
por Matt Sumrow e Anthony<br />
LaMarca, tem como ponto <strong>de</strong><br />
partida 13 <strong>de</strong>stes filmes – po<strong>de</strong>m ser<br />
vistos como prolongamento das séries<br />
fotográficas realizadas por Warhol,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Primavera <strong>de</strong> 1963, nas<br />
“photomatons”, cabines nas quais se<br />
obtêm uma sucessão <strong>de</strong> retratos, muitas<br />
vezes em diferentes poses, que ali<br />
são revelados em curto espaço <strong>de</strong><br />
tempo – os instantâneos eram ainda<br />
usados como base das serigrafias criadas<br />
pelo pintor.<br />
O primeiro “screen test” é o do seu<br />
assistente e performer Gerard Malanga,<br />
tendo sido realizado com uma<br />
câmara Bolex <strong>de</strong> 16mm, no primeiro<br />
estúdio <strong>de</strong> Warhol, a Fire House, assim<br />
<strong>de</strong>signado por se situar num antigo<br />
quartel <strong>de</strong> bombeiros – quase<br />
todo o corpo <strong>de</strong> trabalho incluído sob<br />
a <strong>de</strong>signação “screen test” foi concebido<br />
na Silver Factory, mas há excepções,<br />
como é também o caso do filme<br />
protagonizado por Marcel Duchamp.<br />
Os fins dos “screen tests” eram diversos:<br />
tanto podiam servir para testar<br />
o potencial <strong>de</strong> cada retratado em<br />
vir a transformar-se numa estrela, ou<br />
numa “superstar”, segundo a <strong>de</strong>signação<br />
<strong>de</strong> Warhol, como para serem<br />
vendidos ao protagonista – um coleccionador,<br />
por exemplo. A cada mo<strong>de</strong>lo,<br />
o artista pedia para olhar para<br />
a câmara instalada num tripé, <strong>de</strong>vendo<br />
manter-se quieto, sem mexer os<br />
olhos, durante o tempo <strong>de</strong> rodagem,<br />
cerca <strong>de</strong> três minutos: um exercício<br />
<strong>de</strong> resistência. Quem passava pela<br />
Factory era quase sempre sujeito a<br />
este ritual iniciático, resultando o conjunto<br />
dos filmes – a preto e branco e<br />
sem som – num impressionante documento<br />
<strong>de</strong> quem era quem na Nova<br />
Iorque dos anos 1960. O resultado era<br />
exibido informalmente na Factory –<br />
muitas vezes os “screen tests” eram<br />
agrupados nessas ocasiões – ou na<br />
cooperativa <strong>de</strong> realizadores (Filmmakers’<br />
Co-op), em sessões semanais<br />
intituladas “Andy Warhol Serial”.<br />
Em Vila do Con<strong>de</strong> irão passar pelo<br />
ecrã, amanhã, às 24h, Edie Sedgwick,<br />
Billy Name, Dennis Hopper, Nico, Ingrid<br />
Superstar, Lou Reed, Jane Holzer,<br />
entre outros. Embora fossem captados<br />
durante três minutos, o facto <strong>de</strong><br />
serem projectados com uma velocida<strong>de</strong><br />
mais lenta dá a estes retratos<br />
uma duração <strong>de</strong> quatro minutos,<br />
acentuando-lhes a estranheza e revelando-lhes<br />
outros <strong>de</strong>talhes. São instantes<br />
<strong>de</strong> absoluta e lenta magia: a<br />
revelação <strong>de</strong> cada face a face, entre<br />
máquina e mo<strong>de</strong>lo. Como aponta o<br />
ensaista David E. James: “A câmara é<br />
o analista silencioso que abandonou<br />
o sujeito à necessida<strong>de</strong> das suas fantásticas<br />
auto-projecções.”
Música<br />
Meio ano <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Nº1: Sessão <strong>de</strong><br />
Cezimbra”, eis “Muda Que Muda”, o<br />
excelente segundo disco <strong>de</strong> João Coração.<br />
O mais idiossincrático bala<strong>de</strong>iro<br />
da nação transformou-se no rei<br />
das canções para beira <strong>de</strong> piscina <strong>de</strong><br />
“resort” <strong>de</strong> férias e a mudança é <strong>de</strong><br />
monta: on<strong>de</strong> antes havia canções <strong>de</strong><br />
Inverno, melancólicas e cheias <strong>de</strong><br />
angústia e charme, agora há canções<br />
<strong>de</strong> Verão, melancólicas e cheias <strong>de</strong><br />
alegria angustiada. Na altura chamámos-lhe<br />
“vagabundo romântico em<br />
pantufas”; agora ele parece um sedutor<br />
existencialista em chinelas. O<br />
Gainsbourg <strong>de</strong> Sesimbra. O Hank<br />
Williams dos letrados. O futuro vencedor<br />
do Festival da Canção.<br />
Mas mesmo entre os amigos <strong>de</strong><br />
Coração há quem o <strong>de</strong>fenda ferreamente<br />
e quem não o aprecie.<br />
“Não chego a perceber se alguns<br />
amigos não gostam das minhas canções<br />
ou implicam comigo. Como são<br />
pouco claros não faço perguntas”,<br />
diz, antes <strong>de</strong> acrescentar que tudo<br />
po<strong>de</strong> ter mudado, porque “agora até<br />
o Manel [Fúria, vocalista e lí<strong>de</strong>r d’Os<br />
Golpes] gosta <strong>de</strong>ste disco”.<br />
A ambiguida<strong>de</strong> da recepção a Coração<br />
começou com uma canção que<br />
está em “Muda Que Muda”, mas que<br />
tinha saltado cá para fora <strong>de</strong> forma<br />
oficiosa aquando do primeiro disco:<br />
“Sofia”.<br />
A 21 <strong>de</strong> Novembro <strong>de</strong> 2008, dia em<br />
que o Ípsilon fez capa com Coração,<br />
Tiago Guillul, Manuel Fúria (d’Os Golpes)<br />
e Samuel Úria - uma capa sobre<br />
a chegada <strong>de</strong> novos cantautores em<br />
português - João gravou um ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong><br />
uma canção que acabara <strong>de</strong> compor.<br />
Tinha acabado <strong>de</strong> lançar “Nº1: Sessão<br />
<strong>de</strong> Cezimbra” e talvez fosse sensato<br />
lançar um ví<strong>de</strong>o bem preparado <strong>de</strong><br />
uma canção terminada e disponível.<br />
Mas não. No ví<strong>de</strong>o Coração canta<br />
“Sofia” ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> raparigas com ar<br />
blasé, que ora lêem ora olham o infinito,<br />
indiferentes à performance do<br />
bardo, que canta <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>safinada<br />
uma canção que nitidamente ainda<br />
precisa <strong>de</strong> trabalho. Ao contrário<br />
do que acontece com os ví<strong>de</strong>os oficiais,<br />
o som não está pré-gravado (ele<br />
nem tinha gravado a canção), é som<br />
directo.<br />
O ví<strong>de</strong>o foi a <strong>de</strong>sculpa que os <strong>de</strong>tractores<br />
precisavam para o qualificar<br />
<strong>de</strong> frau<strong>de</strong>. Quando lhe perguntamos<br />
agora se aquele ví<strong>de</strong>o era uma piada,<br />
mantém-se semi-críptico: “Alguém<br />
pôs um comentário no ví<strong>de</strong>o da ‘Sofia’:<br />
‘Mas isto é a sério ou é a brincar?’<br />
E o Pedro Fernan<strong>de</strong>s Duarte, que fez<br />
o ví<strong>de</strong>o, respon<strong>de</strong>u: ‘Isso terás <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />
o coração respon<strong>de</strong>r’”.<br />
Isto é como o humor <strong>de</strong> João Coração<br />
funciona: nunca há um laçarote<br />
no final que nos diga “Hey, isto<br />
era uma piada” que nos permita ficar<br />
<strong>de</strong>scansados e seguir com a nossa<br />
vida. Como todo o bom tipo que não<br />
joga <strong>de</strong> acordo com as regras convencionais,<br />
atira: “Aquilo era o ví<strong>de</strong>o<br />
para a última canção que tinha feito.<br />
Só isso”.<br />
É nítido que não lhe interessa proteger<br />
a sua imagem, ou <strong>de</strong>ixar sair<br />
apenas o que está perfeito. Ele próprio<br />
diz que mesmo agora, com “Sofia”<br />
editada oficialmente em “Muda<br />
Que Muda”, a canção “ainda não atingiu,<br />
em nenhuma das duas versões,<br />
o que po<strong>de</strong>ria atingir”. E no entanto<br />
não se importa que haja aquele ví<strong>de</strong>o.<br />
“Só o tempo falará sobre o valor da<br />
coisa e nunca haverá uma versão final<br />
<strong>de</strong> uma música”.<br />
Tem uma visão curiosa do negócio<br />
da música, que oscila entre o racional<br />
e o ingénuo: “Quando dou uma<br />
canção às pessoas é só a versão que<br />
gravei naquele dia. Não quer dizer<br />
que não tenha feito melhor sozinho<br />
em casa, ou que não vá fazer melhor<br />
vinte anos <strong>de</strong>pois ao vivo. É um processo<br />
que nunca acaba. Não vou perguntar-me<br />
muitas vezes se já é a versão<br />
final ou não. Senão nunca acabava<br />
uma canção”.<br />
Não é só no ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> “Sofia” que o<br />
estranho humor <strong>de</strong> Coração <strong>de</strong>ixa as<br />
pessoas sem saber o que pensar. A capa<br />
<strong>de</strong> “Muda Que Muda” também tem<br />
“Não chego<br />
a perceber se<br />
alguns amigos<br />
não gostam<br />
das minhas canções<br />
ou implicam comigo.<br />
Como são pouco<br />
claros não faço<br />
perguntas”<br />
<strong>de</strong>ixado muitos sem saber o que pensar:<br />
Coração surge <strong>de</strong> camisa aberta,<br />
olhar <strong>de</strong> carneiro mal morto, e aquilo<br />
está próximo das capas <strong>de</strong> Michael<br />
Carreira ou <strong>de</strong> Julio Iglesias.<br />
“As pessoas ficam sem jeito com<br />
aquela capa. Não sabem o que hão-<strong>de</strong><br />
fazer. São pessoas que não estão confortáveis<br />
consigo próprias e sentem-se<br />
ameaçadas com quem está. A liberda<strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong> parecer uma ameaça mas<br />
não é. É só um tipo a fazer uma coisa<br />
que lhe apeteceu fazer”.<br />
Isto é o lado filosófico <strong>de</strong> Coração,<br />
rapaz <strong>de</strong> quase trinta anos que faz<br />
muitas perguntas a si mesmo e é <strong>de</strong><br />
uma honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sarmante. “Eu<br />
também nunca sei quando é que<br />
estou a gozar e quando é que não<br />
estou”. Ele simplesmente experimenta.<br />
Aristocrata falido<br />
Encontrámo-nos em Sesimbra, on<strong>de</strong><br />
a esposa <strong>de</strong> Coração tem um pequeno<br />
e simpático apartamento, para conversar<br />
acerca <strong>de</strong> “Muda Que Muda”.<br />
A expansiva barba que ostentava da<br />
primeira vez que o víramos, há meses,<br />
<strong>de</strong>sapareceu para dar lugar ao cinzento<br />
<strong>de</strong> pelos <strong>de</strong> três dias. Vem <strong>de</strong> calções,<br />
t-shirt e sandálias e mantém<br />
aquele ar <strong>de</strong> quem não sabe muito<br />
bem porque está ali mas quer ver até<br />
on<strong>de</strong> a coisa vai parar.<br />
Estava ali em retiro: “Para saber o<br />
que vou fazer da minha vida”. A dado<br />
momento da tar<strong>de</strong>, quando lhe<br />
perguntamos se vai continuar a fazer<br />
discos a cada semestre, atira: “Sei lá<br />
se vou continuar a fazer música”.<br />
Depois continua: “Sinto que ainda<br />
tenho canções para dar. Mas não<br />
penso sobre isso. Deixo que a música<br />
<strong>de</strong>cida. A obra tem <strong>de</strong> nascer <strong>de</strong> forma<br />
visceral”.<br />
Por mais contraditório que isso pareça<br />
num tipo doce e educado, essa<br />
visceralida<strong>de</strong> cabe-lhe bem. É o tipo<br />
<strong>de</strong> homem que está sossegado e discreto<br />
a noite toda antes <strong>de</strong> cometer<br />
um acto inesperado só para ver no<br />
que dá. É um solitário: “Não tenho<br />
grupos <strong>de</strong> amigos. Nunca tive”.<br />
Percebemos melhor as suas angústias<br />
acerca do seu futuro musical<br />
quando nos confessa que ficou ofendido<br />
por termos <strong>de</strong>scrito as suas canções<br />
como produto do tédio burguês.<br />
“Que é que sabes sobre a minha<br />
vida?”, atira, com o tom doce mesclado<br />
por certa amargura. “Não sou<br />
burguês. Sou um aristocrata falido”.<br />
É verda<strong>de</strong>: na família corre sangue<br />
azul, e embora não faça gala em falar<br />
disso, as obrigações inerentes interrompem-lhe<br />
o sono: herdou uma<br />
casa que está na família <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século<br />
XVI e não tem dinheiro para a<br />
arranjar porque gasta-o todo em instrumentos<br />
e microfones.<br />
Consegue ser <strong>de</strong>sconcertante sem<br />
esforço. É capaz <strong>de</strong> atirar uma frase<br />
como: “Só compro o jornal quando<br />
me dizem que escreveram sobre<br />
mim” com uma candura que retira<br />
qualquer vestígio <strong>de</strong> narcisismo. Por<br />
vezes parece um homem que não<br />
sente à vonta<strong>de</strong> “neste mundo com<br />
excesso <strong>de</strong> iconografia”. Durante uns<br />
minutos versa acerca do actual excesso<br />
<strong>de</strong> dados, <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> referências,<br />
<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> Deus. “Temos<br />
dados sem informação, que não se<br />
transformam em conhecimento. Temos<br />
falta <strong>de</strong> sabedoria”.<br />
Não é - <strong>de</strong> todo - encaixável numa<br />
“figura-tipo”. Num segundo diz: “Tenho<br />
andado alheado das novida<strong>de</strong>s.<br />
Dou por mim com prateleiras <strong>de</strong> discos<br />
parecidas às dos meus pais e dos<br />
meus tios” e podíamos tomar esta<br />
frase como provocação blasé. Mas<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma longa pausa (faz pausas<br />
longas) conclui <strong>de</strong> forma impiedosa:<br />
“Anda tudo muito preocupado<br />
com a estética e pouco com o que<br />
interessa, que é a vida”.<br />
E está a falar muito a sério.<br />
Meio ano<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
“Nº1: Sessão<br />
<strong>de</strong> Cezimbra”,<br />
eis “Muda Que<br />
Muda”. O mais<br />
idiossincrático<br />
bala<strong>de</strong>iro<br />
da nação<br />
transformouse<br />
no rei das<br />
canções<br />
para beira <strong>de</strong><br />
piscina <strong>de</strong><br />
“resort”<br />
<strong>de</strong> férias<br />
o<br />
Não po<strong>de</strong>mos<br />
coração<br />
adiar<br />
FOTOGRAFIAS DE VERA MARMELO<br />
“Muda Que Muda” é o segundo disco <strong>de</strong> João Coração em seis meses. Vê-o transformado em Gains b<br />
arruinado dançando um último bolero. É um disco <strong>de</strong> Verão, mas cheio <strong>de</strong> angústia, como o seu eni g<br />
12 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Tudo instinto<br />
“O que une estas canções é serem<br />
canções <strong>de</strong> a<strong>de</strong>us”, confessa a dada<br />
altura, munido <strong>de</strong> guitarra na varanda<br />
do apartamento com vista para a<br />
praia <strong>de</strong> Sesimbra.<br />
A tar<strong>de</strong> toda foi explicando que o<br />
novo disco é acerca <strong>de</strong> aceitar mudanças,<br />
seguir em frente, etc. Nunca concretiza<br />
a i<strong>de</strong>ia com exemplos da vida<br />
pessoal, porque nitidamente preza<br />
a sua intimida<strong>de</strong> e um certo pudor.<br />
Surge - <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ganhar confiança<br />
- como um homem à procura <strong>de</strong><br />
chão, <strong>de</strong> algo fiável, mas cuja natureza<br />
inquieta não o <strong>de</strong>ixa estar sossegado<br />
no mesmo sítio. As palavras<br />
que mais repete são “liberda<strong>de</strong>” e<br />
“verda<strong>de</strong>”. Proclama várias vezes o<br />
seu empenho em “viver em verda<strong>de</strong>”,<br />
em não mentir acerca do que<br />
<strong>de</strong>seja. Diz querer constantemente<br />
perceber o que quer <strong>de</strong> cada situação<br />
e levar o que <strong>de</strong>scobre a fundo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
das consequências.<br />
“O tentar viver com a verda<strong>de</strong> obrigate<br />
a um gran<strong>de</strong> esforço se não queres<br />
tornar-te um misantropo”.<br />
A frase implica teimosia e obsessão<br />
e Tiago Guillul confirma. Guillul,<br />
músico, compositor e um dos fundadores<br />
da editora Flor Caveira, conta<br />
que aquando da gravação do ví<strong>de</strong>o<br />
<strong>de</strong> “Sofia” Coração <strong>de</strong>cidiu que <strong>de</strong>via<br />
cantar ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> raparigas. “Ele<br />
foi pedir a todas as raparigas que estavam<br />
por ali para se juntarem a ele.<br />
É assim que ele funciona”.<br />
A cena repetiu-se recentemente:<br />
quando marcámos a entrevista dissemos-lhe<br />
que <strong>de</strong>via ter fotos <strong>de</strong> promoção<br />
ro<strong>de</strong>ado <strong>de</strong> raparigas, num<br />
gozo ao ví<strong>de</strong>o <strong>de</strong> “Sofia”. Uns dias<br />
mais tar<strong>de</strong> encontrámo-lo num showcase<br />
d’Os Golpes na FNAC do Chiado.<br />
Tinha umas maracas e quando<br />
o concerto acabou andava a convencer<br />
as raparigas a tirarem uma<br />
foto com ele. (E conseguiu.)<br />
Os exemplos tornam nítido que<br />
o lado solitário <strong>de</strong> Coração anda<br />
<strong>de</strong> mão dada com um lado impulsivo.<br />
“Eu não sou tanto <strong>de</strong> andar<br />
em matilha. É difícil fazer uma viagem<br />
própria quando se está sempre<br />
em grupo.”<br />
Conta que todos os músicos que<br />
estão com ele estão-no graças à sua<br />
lata. Aborda-os sem os conhecer <strong>de</strong><br />
lado algum e convence-os a gravar.<br />
Não lhes dá pistas: reúne-os, mostra<br />
as canções e eles que se <strong>de</strong>senrasquem.<br />
“Não dou sugestões porque<br />
quero que os músicos se entreguem<br />
e <strong>de</strong>scubram algo <strong>de</strong> original no pouco<br />
tempo que temos. Aproveito a<br />
energia da espontaneida<strong>de</strong>. Eles fazem<br />
o que têm <strong>de</strong> fazer sem se poluírem<br />
com i<strong>de</strong>ias”.<br />
Quando inquirimos Guillul, que é<br />
fã, acerca dos méritos musicais <strong>de</strong><br />
Coração ele atira prontamente: “Aquilo<br />
é tudo instinto”.<br />
Sentados no sofá do apartamento<br />
da Ericeira acreditamos. Coração<br />
“Tenho andado<br />
alheado das<br />
novida<strong>de</strong>s. Dou<br />
por mim com<br />
prateleiras <strong>de</strong><br />
discos<br />
parecidas<br />
às dos meus<br />
pais e dos<br />
meus tios.<br />
Anda tudo<br />
muito<br />
preocupado<br />
com a estética<br />
e pouco com o<br />
que interessa,<br />
que é a vida”<br />
mostra os seus<br />
instrumentos,<br />
exibindo orgulhosamente<br />
um Omnichord,<br />
instrumento<br />
<strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira<br />
dos<br />
anos 70.<br />
Tem um<br />
botão<br />
por cada<br />
acor<strong>de</strong><br />
simples,<br />
outro<br />
por cada respectivo<br />
acor<strong>de</strong><br />
menor, e outro<br />
ainda por cada<br />
acor<strong>de</strong> <strong>de</strong> sétima.<br />
Do lado direito tem<br />
uma espécie <strong>de</strong> autocolante<br />
com uma escala que<br />
se toca <strong>de</strong>slizando o <strong>de</strong>do.<br />
(Funciona aproximadamente<br />
como um acor<strong>de</strong>ão).<br />
A dada altura <strong>de</strong>monstra como<br />
o Omnichord funciona e tudo<br />
aquilo sai-lhe <strong>de</strong> um rojo: música<br />
celestial, divina, uma ponte entre Bach<br />
e música <strong>de</strong> elevador, um primo<br />
bastardo dos Air, o <strong>de</strong>do médio da<br />
mão direita <strong>de</strong>slizando e saltitando<br />
a velocida<strong>de</strong> espantosa por<br />
aquela escala, os <strong>de</strong>dos da<br />
esquerda fazendo<br />
bruscas mudanças,<br />
criando melodias lindíssimas.<br />
Pedimos-lhe para repetir, mas não<br />
tem a mínima noção do que acabou<br />
<strong>de</strong> tocar.<br />
Mas é essa impetuosida<strong>de</strong> que o<br />
impele, foi ela que o levou a fazer um<br />
segundo disco tão <strong>de</strong>pressa. “Eu tinha-lhe<br />
dito que este ano não o podíamos<br />
editar, porque só tínhamos<br />
dinheiro para o disco do Samuel Úria<br />
e do B Fachada”, conta Guillul. Mas<br />
Coração não <strong>de</strong>sarmou “e gravou tudo<br />
às escondidas”. Quando Guillul<br />
ouviu o produto final ce<strong>de</strong>u.<br />
Perguntamos por fim a Coração o<br />
que ele próprio acha <strong>de</strong>ste disco e ele<br />
mostra-se orgulhoso. Com graça diz<br />
que “a festivida<strong>de</strong> na música portuguesa<br />
é uma coisa muito contida” e<br />
que por isso se orgulha <strong>de</strong> na cançãotítulo<br />
haver “uma espontaneida<strong>de</strong><br />
que é muito curiosa”. Gostaria que<br />
“Passo a passo” servisse <strong>de</strong> bandasonora<br />
para a reprodução <strong>de</strong> portugueses.<br />
“Seria bom, num país que<br />
está a envelhecer, que eu pu<strong>de</strong>sse<br />
contribuir para o rejuvenescimento<br />
da população”.<br />
Quando lhe perguntamos se ele<br />
acha que finalmente vai <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />
haver dúvidas a seu respeito, ele atira<br />
com ferocida<strong>de</strong>: “Estou-me<br />
a cagar para o que as pessoas<br />
dizem <strong>de</strong> mim.<br />
Estou mesmo”.<br />
s bourg <strong>de</strong> Sesimbra, aristocrata<br />
i gmático criador. João Bonifácio<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 13
A nova pele d<br />
Ele <strong>de</strong>testava-se. Os fãs adoravam-no. Ele é Brian Molko, lí<strong>de</strong>r dos Placebo, grupo que procura regene r<br />
Um cantor rock <strong>de</strong>sequilibrado, com<br />
problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> álcool<br />
e drogas, olhos pintados, pele pálida,<br />
sexualmente ambíguo, solitário, apesar<br />
<strong>de</strong> ter banda, os Placebo. Era essa<br />
a nossa imagem <strong>de</strong> Brian Molko,<br />
cantor, guitarrista, lí<strong>de</strong>r dos Placebo<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> há quinze anos, quando entrámos<br />
num hotel <strong>de</strong> Paris para o entrevistar.<br />
À saída, a nossa perspectiva<br />
tinha mudado. O próprio admite-o:<br />
está a transformar-se. Por agora é<br />
mais <strong>de</strong>sejo que realização, mas está<br />
a acontecer.<br />
Depois <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> excessos, o grupo<br />
mudou <strong>de</strong> baterista, está a encarar<br />
o negócio da música <strong>de</strong> forma diferente,<br />
tendo saído da editora <strong>de</strong> há<br />
muitos anos, e quis, no novo álbum,<br />
“Battle Of The Sun”, <strong>de</strong>ixar a claustrofobia<br />
do anterior “Meds”, concentrando-se<br />
num rock mais solto. Também<br />
neste capítulo, a ambição ainda<br />
não se materializou por completo,<br />
mas já esteve mais longe. Hoje os Placebo<br />
tocam no Festival Optimus Alive,<br />
ao lado dos Prodigy, Eagles Of Death<br />
Metal ou Ting Tings.<br />
Em Paris, fomos encontrar Brian<br />
Molko na companhia dos outros dois<br />
membros dos Placebo: Steven Forrest<br />
e Stefan Olsdal.<br />
Nos dois últimos concertos em<br />
<strong>Lisboa</strong> sentia-se tensão entre os<br />
músicos. Num <strong>de</strong>les [Creamfields<br />
2007] abandonaram o palco<br />
antes do previsto. De vez<br />
em quando são notícia por<br />
situações semelhantes. Têm essa<br />
percepção?<br />
Brian Molko - Sim. Mas é necessário<br />
separar as histórias. Um concerto envolve<br />
sempre uma série <strong>de</strong> riscos.<br />
Muitos <strong>de</strong>les po<strong>de</strong>m ser preparados,<br />
mas também existem aqueles que não<br />
se po<strong>de</strong>m controlar, do clima à reacção<br />
do público. Isso é uma coisa. A<br />
outra é a relação que se estabelece<br />
entre os músicos, no palco. Claro que,<br />
nesse contexto, aquilo que é exposto<br />
é a relação que se estabelece entre os<br />
músicos e, no nosso caso, nos últimos<br />
anos, essa relação era tensa. Pouco<br />
amistosa.<br />
O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> mudança exposto<br />
neste álbum nasce daí?<br />
B.M. - Não só, mas também. Claro que<br />
havia divergências musicais, e também<br />
pessoais, com o baterista Steven<br />
Hewitt, daí termos optado por mudar.<br />
No final da última digressão já quase<br />
não falávamos, existia tensão constante<br />
entre nós. E, sim, claro que isso<br />
<strong>de</strong>via ser amplificado para o palco,<br />
on<strong>de</strong> há uma energia especial. Necessitávamos<br />
<strong>de</strong> alguém que tivesse uma<br />
atitu<strong>de</strong> mais disponível e, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
alguma procura, encontrámos a pessoa<br />
certa - Steven Forrest.<br />
Como é entrar para um grupo<br />
- que acaba por ser um duo - já<br />
com dinâmicas instituídas?<br />
Steven Forrest - Foi fácil. Fui muito<br />
bem recebido. A minha anterior banda,<br />
os Evaline, abriram para os Placebo<br />
numa altura em que mal os conhecia.<br />
Mais tar<strong>de</strong>, quando soube que<br />
Steve Hewitt tinha saído, abriu-se esta<br />
possibilida<strong>de</strong>. Sei que parece um cliché<br />
mas estávamos <strong>de</strong>stinados a encontrarnos<br />
numa banda, <strong>de</strong> tal forma as nossas<br />
mentes funcionam bem quando<br />
14 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon<br />
Brian Molko, Steven Forrest<br />
e Stefan Olsdal<br />
Música
dos Placebo<br />
e rar-se em “Battle Of The Sun”, o álbum que apresenta hoje no Optimus Alive! Vítor Belanciano, em Paris<br />
estamos a compor. O primeiro concerto<br />
com eles foi no Camboja, junto a um<br />
templo budista do séc. XII. Estávamos<br />
nervosos, mas correu bem. Foi superdivertido.<br />
De repente, com eles, estava<br />
a tocar para 60 ou 80 mil pessoas e<br />
isso muda tudo. É uma experiência<br />
que muda a tua vida. É incrível!<br />
Stefan Olsdal - Ao nosso lado não diz<br />
“toda a verda<strong>de</strong>”... [risos].<br />
S.F. - Tocar ao lado <strong>de</strong>les, começou por<br />
ser uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, para<br />
se transformar num gran<strong>de</strong> prazer.<br />
B.M. - Foi este optimismo, californiano,<br />
que nos conquistou. É muito entusiasta<br />
e positivo e isso é, sem dúvida, importante.<br />
O novo álbum é, precisamente,<br />
mais optimista. “Meds” era<br />
claustrofóbico. “Battle Of The<br />
Sun” já é uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />
intenções.<br />
B.M. - Sim, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Meds” estávamos<br />
à beira do fim. A relação entre nós<br />
era difícil, estávamos no final do contrato<br />
com a editora, não sabíamos o<br />
que fazer. Mas essa pare<strong>de</strong> que se levantou<br />
à nossa frente obrigou-nos a<br />
pensar o que queríamos para o futuro.<br />
Não sabemos fazer mais nada. Esta é<br />
a nossa vida. Percebemos que se queríamos<br />
ter um grupo iríamos precisar<br />
uns dos outros e <strong>de</strong>mo-nos a nós próprios<br />
espaço para reflectir. Pusemonos<br />
em causa e isso foi fundamental.<br />
De alguma forma, os Placebo haviamse<br />
transformado num emprego com<br />
rotinas, e também <strong>de</strong>fesas, que nos<br />
isolaram. Quisemos tentar recuperar<br />
o espírito <strong>de</strong> grupo dos primeiros tempos.<br />
Sou sincero: não sei se o iremos<br />
conseguir por completo, mas estamos<br />
no processo <strong>de</strong> tentar e estamos a divertir-nos<br />
como há muito não acontecia.<br />
E, sim, <strong>de</strong>vemos isso também a<br />
Steven.<br />
Na forma como abordaram o<br />
disco o que resultou diferente?<br />
B.M. - Desta vez fomos um verda<strong>de</strong>iro<br />
grupo. Não vou mentir. Claro que<br />
existe a consciência <strong>de</strong> que é sobre<br />
mim que recaem muitas das atenções,<br />
mas também existe a consciência <strong>de</strong><br />
que precisamos uns dos outros. Quando<br />
isso terminar, mais vale cada um<br />
ir para o seu canto.<br />
S.O. - Quase que nos obrigámos a ouvir<br />
todos os géneros <strong>de</strong> música, menos<br />
rock. Quisemos sair das rotinas.<br />
Foi também por isso que optámos por<br />
sair <strong>de</strong> Londres e acabámos em Toronto.<br />
“Meds” respirava muito Londres<br />
e queríamos uma coisa mais<br />
isenta.<br />
B.M. - Ninguém nos pressionou e essa<br />
foi outra diferença importante. Não<br />
tivemos ninguém a dizer-nos: “Deviam<br />
ir por aqui ou por ali” ou a propor para<br />
single esta ou aquela canção. Não é<br />
que essas coisas nos tenham influenciado<br />
no passado, mas também não<br />
nos passam completamente ao lado.<br />
Desta vez, estávamos entregues a nós<br />
próprios e funcionou muito bem.<br />
Se o grupo terminasse,<br />
imaginavam-se a fazer o quê?<br />
B.M. - Des<strong>de</strong> a adolescência que não<br />
faço outra coisa. Inicialmente aquilo<br />
que me seduzia era o cinema. Depois<br />
foi a música. Sempre me interessaram<br />
coisas on<strong>de</strong> fosse possível encontrar<br />
a minha voz. Na música encontrei o<br />
meu lugar. A música salvou-me a vida.<br />
Deu-me a <strong>de</strong>terminação para enfrentar<br />
a minha família, que nunca me<br />
apoiou quando <strong>de</strong>cidi ir por aqui. Em<br />
parte, os Placebo são isso: a minha<br />
família <strong>de</strong> substituição.<br />
Foi-lhe colada a imagem <strong>de</strong><br />
rebel<strong>de</strong> do rock, como se<br />
incarnasse uma espécie <strong>de</strong><br />
marginalida<strong>de</strong>. Revê-se nela?<br />
B.M. - Sim, porque existe qualquer<br />
coisa em mim que me leva para esses<br />
territórios. Não, porque também me<br />
<strong>de</strong>fendo, como todas as pessoas: do<br />
sucesso, dos outros, dos meus fantasmas.<br />
Nesse sentido, sou eu, sempre,<br />
mas por excesso. Já tive a minha dose<br />
“Para mim, a música<br />
funciona como<br />
terapia. É ela que me<br />
permite<br />
atravessar<br />
estados<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão<br />
e tristeza.<br />
É ela que me<br />
permite<br />
confrontar<br />
comigo<br />
próprio e isso<br />
é qualquer<br />
coisa<br />
que agra<strong>de</strong>ço,<br />
profundamente”<br />
Brian Molko<br />
<strong>de</strong> álcool e drogas. Por fuga. Por rejeição<br />
da realida<strong>de</strong>. Por rejeitar que<br />
os Placebo iam mal, também. É lixado<br />
quando temos milhares e milhares <strong>de</strong><br />
pessoas à nossa frente, prontas para<br />
nos amarem, para fazerem tudo o que<br />
quisermos <strong>de</strong>las, e nós nos sentimos<br />
a maior merda do mundo. Pensamos:<br />
se vocês me conhecessem realmente,<br />
talvez não me amassem.<br />
Mas essa imagem da estrela<br />
à beira do precipício acaba<br />
por fazer também parte<br />
da mitologia rock. E o<br />
público acaba por gostar.<br />
Não é por isso que Amy<br />
Winehouse inspira tantos<br />
instintos protectores?<br />
B.M. - Talvez, mas também só<br />
embarca nessa história quem<br />
quer. Para além <strong>de</strong> ser perigoso.<br />
Só posso respon<strong>de</strong>r por mim. Para<br />
mim, a música funciona como<br />
terapia. É ela que me permite atravessar<br />
estados <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão e tristeza.<br />
É ela que me permite confrontar<br />
comigo próprio e isso é<br />
qualquer coisa que agra<strong>de</strong>ço, profundamente.<br />
O resto não me interessa<br />
muito.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos<br />
págs. 44 e 45<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 15
Brandford Marsalis continua a tentar ser uma<br />
pessoa melhor<br />
O pai dizia-lhe que tocar é como ser uma pessoa melhor: é difícil mas tenta-se<br />
até ao fim. É um incansável explorador. Nome ilustre do jazz, tem dificulda<strong>de</strong> em resistir a<br />
outros apelos. Tanto po<strong>de</strong>mos encontrá-lo num álbum <strong>de</strong> Sting como a tocar Debussy<br />
e Stravinsky. Nos dias 16 e 17 o saxofonista apresenta o programa “Marsalis Brasilianos” com<br />
a Orquestra Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
Música<br />
Brandford Marsalis nunca se contentou<br />
com um caminho musical único.<br />
O seu lema é manter “os ouvidos alerta”<br />
e uma disponibilida<strong>de</strong> permanente<br />
para explorar novos estilos. Membro<br />
<strong>de</strong> uma ilustre família <strong>de</strong> músicos<br />
<strong>de</strong> jazz (é filho do pianista Ellis Marsalis<br />
e irmão do trompetista Wynton<br />
Marsalis), este saxofonista americano<br />
<strong>de</strong> espírito inquieto cresceu numa<br />
casa fervilhante <strong>de</strong> sons, ao mesmo<br />
tempo que absorvia as várias tradições<br />
musicais que se cruzavam nas<br />
ruas <strong>de</strong> Nova Orleães. Tocou com os<br />
Art Blakey’s Jazz Messengers e no<br />
quinteto do seu irmão Wynton<br />
antes <strong>de</strong> fundar o seu quarteto<br />
(cuja última gravação,<br />
“Metamorphosen”, foi objecto<br />
<strong>de</strong> recensão no último<br />
Ípsilon) mas sempre<br />
fez incursões noutros<br />
domínios. Colaborou<br />
com Sting em álbums<br />
como “Dream of the<br />
Blue Turtles” ou<br />
“The Soul Cages” e<br />
nos anos 90 criou<br />
o projecto Buckshot<br />
LeFonque,<br />
que combinava<br />
influências do<br />
jazz, Rhythm<br />
and Blues,<br />
hip-hop e pop<br />
rock. Com o<br />
início do novo<br />
milénio resolveu centrar-se também<br />
no repertório clássico, actuando<br />
como solista com várias orquestras<br />
americanas e europeias e gravando<br />
obras <strong>de</strong> Debussy, Stravinsky, Milhaud,<br />
Copland ou Vaughan Williams.<br />
Recentemente realizou uma importante<br />
digressão nos EUA com a Philarmonia<br />
Brasileira e o projecto “Marsalis<br />
Brasilianos”, que será agora retomado<br />
em Portugal com a Orquestra<br />
Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>, sob a direcção<br />
<strong>de</strong> Cesário Costa. Nos dias 16 e 17,<br />
respectivamente no Centro Cultural<br />
<strong>de</strong> Belém, em <strong>Lisboa</strong>, e no Teatro <strong>de</strong><br />
Portimão, Marsalis toca obras <strong>de</strong><br />
Villa-Lobos (Fantasia para Saxofone<br />
e Bachianas Brasileiras nºs 5 e 9) e<br />
Darius Milhaud (“La Creation du<br />
Mon<strong>de</strong>” e “Scaramouche”) no âmbito<br />
<strong>de</strong> um programa <strong>de</strong> forte influência<br />
brasileira.<br />
A sua experiência no campo<br />
do jazz influencia a foma como<br />
interpreta o repertório clássico?<br />
Experiências musicais diferentes implicam<br />
abordagens diferentes na interpretação.<br />
No repertório clássico<br />
não faz sentido tocar como um instrumentista<br />
<strong>de</strong> jazz. A música tem mesmo<br />
<strong>de</strong> soar clássica e esse tem sido<br />
para mim um dos gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong>safios.<br />
Neste caso são também<br />
compositores especiais, já que<br />
foram influenciados pela música<br />
<strong>de</strong> tradição popular…<br />
Como o Brasil fica no Novo Mundo<br />
“No jazz os músicos<br />
po<strong>de</strong>m tocar muitas<br />
notas, mas po<strong>de</strong>m<br />
escolher quais<br />
as notas que querem<br />
tocar. Na clássica<br />
o compositor escreve<br />
e temos <strong>de</strong> ser fiéis<br />
à partitura. Não<br />
po<strong>de</strong>mos dizer: vou<br />
mudar estas notas<br />
ou estes acor<strong>de</strong>s para<br />
adaptar melhor<br />
a peça ao meu estilo”<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 17
não há tanto o estigma <strong>de</strong> ter <strong>de</strong><br />
apresentar algo que seja puramente<br />
europeu. Villa-Lobos conheceu a música<br />
<strong>de</strong> Milhaud, Ravel e Debussy em<br />
Paris mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> regressar ao Brasil<br />
continuou a conviver com os músicos<br />
do samba, do tango, com a música<br />
popular brasileira. Foi a familiarida<strong>de</strong><br />
com diversos estilos e uma<br />
compreensão profunda das suas linguagens<br />
– ele tanto dominava o choro<br />
como a harmonia clássica – que tornou<br />
a sua obra tão rica. Na Europa,<br />
muitos compositores <strong>de</strong>dicavam-se<br />
também a estudar outras músicas, o<br />
que se reflecte nas suas obras, mas<br />
essa atitu<strong>de</strong> era menos comum entre<br />
os intérpretes da tradição clássica.<br />
Tem trabalhado com músicos <strong>de</strong><br />
jazz, da clássica, do pop rock, da<br />
world music… É difícil interagir<br />
com pessoas com experiências<br />
tão distintas?<br />
Os músicos po<strong>de</strong>m ser muito diferentes<br />
mas o objectivo é sempre o mesmo:<br />
tocar as pessoas emocionalmente<br />
através do som. É mais fácil na pop<br />
porque há uma componente visual<br />
muito forte: a dança, as luzes, muitas<br />
coisas que impressionam visualmente.<br />
Em muitas socieda<strong>de</strong>s, como é o<br />
caso da norte-americana, as pessoas<br />
ainda vão aos concertos para ver e<br />
não não tanto para ouvir. É por isso<br />
que quando se fala do Michael Jackson<br />
os temas são as luvas, as jaquetas,<br />
o seu comportamento ou as coisas<br />
estranhas da vida <strong>de</strong>le, mas há muito<br />
pouca discussão sobre a voz. E ele<br />
tinha uma voz fantástica, sobretudo<br />
quando era mais novo, só que ninguém<br />
conversa sobre isso. Quanto se<br />
toca um estilo <strong>de</strong> música em que estamos<br />
sentados numa ca<strong>de</strong>ira, como<br />
acontece na clássica, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos<br />
apenas do som para envolver a audiência.<br />
Na música clássica o som ainda<br />
prevalece sobre a imagem…<br />
Há pessoas que dizem que gostam <strong>de</strong><br />
música, mas não é realmente da música<br />
que gostam mas sim do espectáculo.<br />
Há cantores que cantam muito<br />
mal e o público nem dá por isso. Mas<br />
num concerto clássico se alguém canta<br />
mal toda a gente nota. E também é<br />
mais fácil tocar música pop. Quando<br />
tinha 12 anos tocava quase todas canções<br />
do Elton John no piano e fazia-o<br />
bastante bem, mas não conseguiria<br />
tocar um concerto <strong>de</strong> Rachmaninov.<br />
Continuo a gostar <strong>de</strong> Elton John – a<br />
sua música faz-me sentir bem, gosto<br />
da sonorida<strong>de</strong>, da linha vocal, da parte<br />
do piano – mas ao mesmo tempo<br />
também acho espantoso um concerto<br />
clássico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> virtuosismo, sendo<br />
que nesse caso tenho a consciência<br />
<strong>de</strong> que o instrumentista precisou <strong>de</strong><br />
estudar muitas horas por dia.<br />
Mas o jazz po<strong>de</strong> ser também<br />
muito exigente tecnicamente…<br />
O repertório clássico é o mais exigente<br />
tecnicamente. No jazz os músicos<br />
po<strong>de</strong>m tocar muitas notas (na minha<br />
opinião tocam <strong>de</strong>masiadas!), mas po<strong>de</strong>m<br />
escolher quais as notas que querem<br />
tocar. Na clássica o compositor<br />
escreve e temos <strong>de</strong> ser fiéis à partitura.<br />
Não po<strong>de</strong>mos dizer: vou mudar<br />
estas notas ou estes acor<strong>de</strong>s para<br />
adaptar melhor a peça ao meu estilo.<br />
Quando comecei a abordar o repertório<br />
clássico mais a sério, há sete ou<br />
oito anos, precisei <strong>de</strong> ter aulas <strong>de</strong> saxofone.<br />
A minha técnica funcionava<br />
para o jazz e para a pop mas não servia<br />
para a música clássica.<br />
Não tinha tido antes uma<br />
preparação musical formal<br />
nessa área?<br />
Não tive uma formação clássica tradicional,<br />
mas o meu irmão Wynton<br />
teve. Eu simplesmente ouvia os discos<br />
que ele trazia para casa. O Wynton<br />
estudava o tempo todo, mas eu<br />
“Não acredito na<br />
obsessão pela<br />
inovação. Quando<br />
ouvimos muita<br />
música clássica<br />
(Mozart, Beethoven,<br />
Mahler…), por um<br />
lado todos os<br />
compositores soam<br />
<strong>de</strong> maneira<br />
semelhante, mas por<br />
outro todos são muito<br />
diferentes. Mas o mais<br />
incrível é que todos<br />
estes mundos sonoros<br />
foram construídos<br />
com as mesmas<br />
12 notas. A mesmas 12<br />
notas que Michael<br />
Jackson ou Prince<br />
também usaram!”<br />
Nos dias 16 e<br />
17 o<br />
saxofonista<br />
apresenta o<br />
programa<br />
“Marsalis<br />
Brasilianos”<br />
com a<br />
Orquestra<br />
Metropolitana<br />
<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>:<br />
toca obras <strong>de</strong><br />
Villa-Lobos e<br />
Darius<br />
Milhaud<br />
não praticava nada! Aos 15 anos <strong>de</strong>dicava-me<br />
a tocar numa banda <strong>de</strong> “covers”.<br />
Nessa altura ainda não se usavam<br />
DJs, contratavam bandas que<br />
tocavam as canções da moda. Aprendi<br />
por intuição e por imitação, sempre<br />
coloquei os meus ouvidos alerta.<br />
Fico espantado com o gran<strong>de</strong> número<br />
<strong>de</strong> músicos que não conseguem<br />
ouvir verda<strong>de</strong>iramente a música que<br />
tocam. Este é um problema que se<br />
verifica na música sinfónica mas também<br />
no jazz. Acontece porque hoje<br />
os jovens começam logo a ler música<br />
e não têm a experiência <strong>de</strong> tocar <strong>de</strong><br />
ouvido. Antes as pessoas não iam para<br />
a escola aos quatro ou cinco anos,<br />
aprendiam a tocar com o que ouviam<br />
nas ruas, <strong>de</strong>coravam canções infantis.<br />
Obrigo sempre os meus alunos a trabalhar<br />
uma série <strong>de</strong> canções <strong>de</strong> ouvido,<br />
que não estejam nos livros.<br />
É pouco comum um músico<br />
percorrer tantos universos,<br />
geralmente ten<strong>de</strong>-se para a<br />
especialização…<br />
É uma escolha pessoal. Um dia alguém<br />
perguntou a Sibelius: “quando<br />
está com os seus colegas sobre o que<br />
é que falam?” E ele respon<strong>de</strong>u: “não<br />
falo com músicos, falo com banqueiros.<br />
Os banqueiros gostam <strong>de</strong> falar<br />
sobre música, os músicos só falam<br />
sobre dinheiro”. Há pessoas que só<br />
são boas numa coisa, mas outras<br />
pensam: em que área é que posso<br />
fazer mais dinheiro? O meu pai sempre<br />
nos disse: “vocês são espertos,<br />
se querem ganhar dinheiro não toquem<br />
música”. Por isso num Verão<br />
trabalhei numa quinta e no Verão<br />
seguinte num hospital, mas no final<br />
<strong>de</strong>cidi que o que queria mesmo era<br />
ser um bom instrumentista. Nunca<br />
me preocupei em saber quanto dinheiro<br />
isso podia ren<strong>de</strong>r. Temos tendência<br />
para a catalogação: sou um<br />
músico clássico, sou um músico <strong>de</strong><br />
jazz, etc… Não concordo. Sei que<br />
nunca tocarei saxofone clássico tão<br />
bem como os fazem profissão da música<br />
clássica mas faço o melhor que<br />
posso e sei. O importante é que as<br />
coisas que fiz nesse campo me tornaram<br />
melhor como músico.<br />
Ficar apenas vinculado a um<br />
género seria limitativo?<br />
Sempre estive aberto a experimentar<br />
novos estilos e a ouvir muito. E nunca<br />
tive receio <strong>de</strong> ter lições nem <strong>de</strong> progredir.<br />
Digo sempre aos meus alunos<br />
que somos eternos estudantes. Noutras<br />
profissões recebemos um diploma<br />
e po<strong>de</strong>mos dizer: sou médico, sou<br />
advogado, sou contabilista, etc. A música<br />
é diferente. O meu pai costumava<br />
dizer: a música não é aquilo que tu<br />
és, mas aquilo que fazes. E se é aquilo<br />
que fazes, então nunca serás tão<br />
bom como po<strong>de</strong>rias ser. Ou seja, é<br />
como ser uma pessoa melhor. É muito<br />
difícil mas continuamos a tentar<br />
até ao fim da vida.<br />
Também é compositor. Como<br />
encara essa vertente da sua<br />
activida<strong>de</strong>?<br />
Não acredito na obsessão pela inovação.<br />
Quando ouvimos muita música<br />
clássica (Mozart, Beethoven, Mahler…),<br />
por um lado todos os compositores<br />
soam <strong>de</strong> maneira semelhante,<br />
mas por outro todos são muito diferentes.<br />
Mas o mais incrível é que todos<br />
estes mundos sonoros foram construídos<br />
com as mesmas 12 notas. A mesmas<br />
12 notas que Michael Jackson ou<br />
Prince também usaram! A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que<br />
temos sempre <strong>de</strong> inventar algo é absurda.<br />
Não se é original apenas porque<br />
se quer. O que temos a fazer é apren<strong>de</strong>r<br />
o máximo possível, <strong>de</strong>dicarmonos<br />
a ser os melhores músicos possíveis.<br />
O resto é uma consequência.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 44<br />
e segs.<br />
18 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
silva!<strong>de</strong>signers<br />
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FOTOGRAFIA: STEVE STOER<br />
WWW.TEATROSAOLUIZ.PT
A comédia<br />
serve-se fria<br />
com os STAN<br />
“of/niet” é uma rarida<strong>de</strong> porque não é todos os dias que vemos os quatro actores fundadores dos S<br />
palco. Dado o estado do mundo, estávamos a precisar <strong>de</strong> uma comédia, dizem. Vamos rir, mas c<br />
Kathleen Gomes<br />
Teatro<br />
Os belgas STAN não querem que nada<br />
se intrometa entre eles e os seus espectadores,<br />
por isso nunca trabalham<br />
com encenadores. Sem <strong>de</strong>us nem chefe<br />
- nem mesmo na sombra. As peças<br />
são sempre criações colectivas, como<br />
se não fossem uma companhia <strong>de</strong> teatro<br />
mas uma cooperativa. Por telefone,<br />
perguntamos a Jolente De Keersmaeker<br />
(n. 1967), um dos quatro fundadores<br />
dos STAN - cujo nome é o<br />
acrónimo <strong>de</strong> Stop Thinking About Names<br />
- se, no fundo, no fundo, não são<br />
uma companhia <strong>de</strong> actores-encenadores.<br />
“Acho que somos uma companhia<br />
<strong>de</strong> quatro actores-executantes” (o que<br />
ela diz, em inglês, é “actors-makers”).<br />
“Não encenadores, mas executantes.<br />
E isso está presente em nós <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />
conservatório: uma vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer<br />
as nossas coisas, <strong>de</strong> nos dirigirmos a<br />
nós próprios. O que significa, também,<br />
que, a dada altura, temos <strong>de</strong> distanciar-nos<br />
do que estamos a fazer.”<br />
“of/niet” (“ou/não”), o espectáculo<br />
que trazem este sábado e domingo à<br />
Culturgest, em <strong>Lisboa</strong>, integrado no<br />
Festival <strong>de</strong> Almada, reúne em palco,<br />
pela primeira vez em muito tempo, o<br />
núcleo duro dos STAN - Jolente De<br />
Keersmaeker, Damiaan De Schrijver<br />
e Frank Vercruyssen, os três fundadores<br />
da companhia em 1989, e Sara<br />
“Conhecemo-nos<br />
há 25 anos, e por vezes<br />
parece que estamos<br />
numa relação<br />
matrimonial”<br />
Jolente De<br />
Keersmaeker<br />
<strong>de</strong> Roo, que se juntou a eles em 1992<br />
(Waas Gramser, o quarto fundador<br />
original, <strong>de</strong>ixou-os em 1994 e é hoje<br />
membro da Comp.Marius).<br />
A última vez que tinham feito uma<br />
peça juntos fora em 1997, com “Private<br />
Lives”, <strong>de</strong> Noël Coward, e Jolente<br />
De Keersmaeker está a notar, agora<br />
mesmo, a tendência: sempre que trabalham<br />
os quatro, as escolhas recaem<br />
em comédias conjugais ásperas. “Conhecemo-nos<br />
há 25 anos, e por vezes<br />
parece que estamos numa relação<br />
matrimonial”, admite Jolente sobre o<br />
quarteto <strong>de</strong> actores. Em 2006, quando<br />
os STAN estrearam “of/niet”, o<br />
jornal belga “De Morgen” <strong>de</strong>finiu o<br />
seu funcionamento como “uma relação<br />
aberta, em que, <strong>de</strong> tempos a tempos,<br />
os parceiros partem numa viagem<br />
individual, em vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixarem<br />
a casa batendo com a porta”.<br />
Na prática, isso significa que ocasionalmente<br />
seguem caminhos separados,<br />
<strong>de</strong>senvolvendo os seus projectos,<br />
a solo ou chamando outros colaboradores,<br />
e até chegam a trabalhar<br />
em produções exteriores, <strong>de</strong> outras<br />
companhias - Jolente fez “Just Before”,<br />
“I said I” e “Kassandra”, com a<br />
irmã, a coreógrafa Anne Teresa <strong>de</strong><br />
Keersmaeker, e Sara <strong>de</strong> Roo trabalhou<br />
com o grupo holandês Dood Paard.<br />
“É uma coisa que vai e vem”, explica<br />
Jolente. “Às vezes sentimos:<br />
‘Agora apetece-me fazer uma coisa a<br />
solo’. Ou: ‘Quero fazer um projecto<br />
sem eles’. É muito orgânico, na verda<strong>de</strong>.”<br />
E acabam sempre por voltar aos<br />
STAN. “Assim que eu sentir que já não<br />
estou a apren<strong>de</strong>r nada ou que nos<br />
estamos a repetir, páro”, diz. “Mas,<br />
até agora, tenho encontrado sempre<br />
novos <strong>de</strong>safios.”<br />
E é assim tão diferente quando são<br />
“of / niet” é<br />
mais uma<br />
comédia<br />
conjugal<br />
áspera, o tipo<br />
<strong>de</strong> coisa que<br />
acontece<br />
quando os<br />
quatro STAN<br />
se juntam<br />
20 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
s STAN juntos e em<br />
s com os pés na terra.<br />
só os quatro? O que é que isso tem <strong>de</strong><br />
especial? “Claro que é diferente. É<br />
fantástico porque só temos <strong>de</strong> mexer<br />
um <strong>de</strong>do para saber: ‘Oh, ele quer<br />
dizer isto’. Estamos juntos há mais<br />
<strong>de</strong> 20 anos, conhecemo-nos tão, tão<br />
bem que isso tem vantagens e também<br />
<strong>de</strong>svantagens. Mas, ao fim e ao<br />
cabo, quando olhamos para o resultado,<br />
sabe tão bem trabalhar num<br />
ambiente com estas três outras pessoas<br />
em quem posso confiar, com<br />
quem me sinto segura para correr<br />
riscos, para ser frágil, para cometer<br />
falhas. Tem sido um longo, longo percurso.<br />
E por vezes foi muito difícil<br />
atingir o ponto em que estamos agora.<br />
Houve altos e baixos. Mas sentimo-nos<br />
tão bem a fazer esta peça, ela<br />
lembra-nos o gozo que é estarmos os<br />
quatro juntos em palco.”<br />
Humor e uma guerra lá fora<br />
“of/niet” é uma montagem <strong>de</strong> duas<br />
peças, “Party Time”, escrita em 1991,<br />
por Harold Pinter, e “Relatively Speaking”,<br />
do também britânico Alan<br />
Ayckbourn (escrita em 1965, e representada<br />
em Londres em<br />
1967, foi a peça que trouxe<br />
notorieda<strong>de</strong> ao dramaturgo,<br />
que ainda<br />
não tinha 30 anos). O<br />
Ou/Não<br />
De Alan Ayckbourn<br />
e Harold Pinter<br />
<strong>Lisboa</strong>, Culturgest – Gran<strong>de</strong><br />
Auditório, sáb. 11 às 21h30,<br />
e dom., 12, às 17h<br />
texto <strong>de</strong> Pinter é uma alegoria ácida<br />
sobre um mundo <strong>de</strong> conforto e privilégio,<br />
isolado e indiferente à realida<strong>de</strong><br />
do exterior - o ambiente é o <strong>de</strong> uma<br />
“cocktail party” num clube selecto, e<br />
a peça é composta pelas conversas<br />
que os membros vão tendo entre si -<br />
sobre a piscina do clube, ilhas paradisíacas<br />
e outras frivolida<strong>de</strong>s - enquanto<br />
lá fora <strong>de</strong>corre uma guerra (a<br />
cida<strong>de</strong> está vazia, há soldados nas ruas,<br />
estradas bloqueadas). Pinter escreveu<br />
“Party Time” no ano em que<br />
eclodiu a primeira Guerra do Golfo.<br />
É uma sátira com uma violência e um<br />
sadismo latentes.<br />
“Relatively Speaking”, <strong>de</strong> Ayckbourn,<br />
é uma sofisticada comédia <strong>de</strong><br />
enganos envolvendo dois casais - um<br />
jovem visita o que julga ser a casa dos<br />
pais da namorada, quando, na verda<strong>de</strong>,<br />
trata-se da residência do antigo<br />
amante <strong>de</strong>la. Um hilariante enredo<br />
<strong>de</strong> mentiras e equívocos.<br />
A peça <strong>de</strong> Ayckbourn -<br />
dramaturgo que tem interessado<br />
o cinema <strong>de</strong><br />
Alain Resnais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
“Fumar”/ “Não Fumar”<br />
- constitui 85 por cento<br />
<strong>de</strong> “of/niet”, resume Jolente,<br />
e a <strong>de</strong> Pinter os restantes<br />
15 por cento. Esta<br />
última abre e fecha a versão dos<br />
STAN, e vai pontuando o espectáculo<br />
como interlúdios.<br />
Para lá dos temas comuns que po<strong>de</strong>mos<br />
apontar às peças <strong>de</strong> Pinter e<br />
Ayckbourn - dois microcosmos <strong>de</strong> falsas<br />
aparências sob o pano <strong>de</strong> fundo<br />
<strong>de</strong> uma “Britishness” emproada, dois<br />
mundos <strong>de</strong> faz-<strong>de</strong>-conta, cada um à<br />
sua maneira -, o que é que levou os<br />
STAN a juntá-las? “Sentimos que estava<br />
na altura <strong>de</strong> fazer uma comédia<br />
outra vez. Às vezes escolhemos peças<br />
que são, digamos, um pouco mais pesadas,<br />
mas isso tem muito a ver com<br />
o espírito e o momento em que se está.<br />
Sei lá, se há uma guerra em curso<br />
no mundo, qual é a nossa resposta a<br />
ela? Se calhar, temos <strong>de</strong> fazer qualquer<br />
coisa ligeira... A dada altura, foi<br />
uma coisa do género: ‘Vamos fazer<br />
uma comédia, vamos rir’.”<br />
O que explica a escolha da peça <strong>de</strong><br />
Ayckbourn, “o exemplo perfeito da<br />
comédia <strong>de</strong> enganos, sobre dois casais<br />
que estão no lugar errado à hora<br />
errada”, resume Jolente, em que “a<br />
única coisa que po<strong>de</strong>mos fazer é rir<br />
com os erros tão típicos <strong>de</strong> todos os<br />
seres humanos - enganar, cometer<br />
erros, mentir e não admitir a verda<strong>de</strong>,<br />
ter medo”. Mas não explica Pinter.<br />
Os STAN são conhecidos por as<br />
suas escolhas <strong>de</strong> textos e <strong>de</strong> espectáculos<br />
terem, implícita ou explicitamente,<br />
uma carga política. “Se me<br />
perguntar se [a escolha <strong>de</strong> Ayckbourn]<br />
tem algum significado político,<br />
diria que não. Claro que é um<br />
manifesto [“statement”, em inglês]<br />
dizer: não se esqueçam das pessoas<br />
nestes tempos <strong>de</strong> cinismo. Mas faltava<br />
mais qualquer coisa. Tínhamos <strong>de</strong><br />
trazer [a peça] <strong>de</strong> volta para o mundo.<br />
E o Pinter faz-nos assentar os pés<br />
na terra outra vez. ‘Party Time’ também<br />
é uma comédia mas tem uma<br />
nuance perversa, tem uma camada<br />
política subterrânea, é mais cínica e<br />
irónica. Isso é<br />
u m a<br />
“Eu também sou<br />
burguesa, e estou a<br />
criticar os burgueses.<br />
Também estamos<br />
a falar <strong>de</strong> nós. Na<br />
sexta-feira [hoje] vou<br />
apanhar um avião<br />
para actuar num<br />
teatro em <strong>Lisboa</strong><br />
- o que é muito<br />
confortável,<br />
obviamente”<br />
Jolente De<br />
Keersmaeker<br />
das coisas que gostamos muito no<br />
Pinter: as peças têm sempre uma dupla<br />
camada. Ao misturar ‘Party Time’<br />
na peça <strong>de</strong> Ayckbourn estamos como<br />
que a inserir pequenas agulhas. Para<br />
nós, isso era um bom equilíbrio. Se<br />
fosse só o Ayckbourn, teria sido <strong>de</strong>masiado<br />
fácil. O Pinter também tem<br />
imenso humor, mas ele lembra-nos<br />
que há um mundo lá fora - que há<br />
uma guerra em curso. O que nos pareceu<br />
uma bela metáfora do que estamos<br />
a fazer quando representamos<br />
a peça - somos actores e estamos a<br />
representar e a divertir-nos, mas aqui<br />
ao lado o mundo continua.”<br />
A actriz conclui: “Sem ser moralista,<br />
ele faz-nos pensar que estamos a<br />
viver num mundo extremamente privilegiado,<br />
rico e luxuoso. As pessoas<br />
que vão ao teatro não são as pessoas<br />
que não conseguem ganhar a vida...<br />
Claro que houve a crise financeira<br />
mas isso não é nada comparado com<br />
o que as pessoas em África, na América<br />
do Sul ou na Índia têm <strong>de</strong> fazer<br />
para ganhar a vida.”<br />
Não é a primeira vez que os STAN<br />
afiam as facas na mira da nossa burguesia<br />
<strong>de</strong> costumes (não é por acaso<br />
que um dos autores mais representados<br />
pela companhia é o austríaco Thomas<br />
Bernhard). Perguntamos a Jolente<br />
se a velha expressão “épater le bourgeois”<br />
(chocar a classe média) ainda<br />
faz sentido, para eles. “A primeira coisa<br />
que tem <strong>de</strong> perguntar é: quem é<br />
burguês? Eu também sou burguesa, e<br />
estou a criticar os burgueses. Também<br />
estamos a falar <strong>de</strong> nós. Na sexta-feira<br />
[hoje] vou apanhar um avião para actuar<br />
num teatro em <strong>Lisboa</strong> - o que é<br />
muito confortável, obviamente.”<br />
A comédia serve-se fria, e isso também<br />
se vê no dispositivo cénico. O<br />
palco é <strong>de</strong>scarnado em “of/niet”, o<br />
“décor” quase inexistente, os figurinos<br />
sóbrios e básicos. “Representamos<br />
com quatro ca<strong>de</strong>iras e quatro<br />
sacos <strong>de</strong> plástico, e tudo o que precisamos<br />
está <strong>de</strong>ntro do saco <strong>de</strong> plástico.<br />
Não há cenário”, nota. Porquê? “De<br />
outro modo, isso iria distrair da força<br />
e da espirituosida<strong>de</strong> do texto. Seria<br />
<strong>de</strong>masiada explicação, a nosso ver.<br />
Queremos dar ao público a oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> construir a sua própria história.<br />
Não é preciso construir um cenário<br />
realista, com cortinas, isto e<br />
aquilo. Quanto mais <strong>de</strong>spido for, mais<br />
se consegue ir à essência da coisa.”<br />
“Of/niet” é representado em<br />
neerlandês, com legendas em<br />
francês.<br />
Ver agenda <strong>de</strong><br />
espectáculos págs. 39 e segs.<br />
MUSEU DO ORIENTE<br />
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Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 21
Matthias Langhoff teve um pesa<strong>de</strong>lo<br />
O mundo contemporâneo é o cadáver esquisito que Matthias Langhoff, um dos monstros inclassificáveis do teatro europeu, <strong>de</strong>vora em “Deus como<br />
Paciente - Assim Falava Isidore Ducasse”, dias 13 e 14 no Festival <strong>de</strong> Almada. Visto daqui, é um lugar terrível. Inês Nadais<br />
Quando era pequeno, o filho <strong>de</strong><br />
Matthias Langhoff acordava <strong>de</strong><br />
manhã “satisfeitíssimo” a dizer que<br />
“tinha feito” (Matthias Langhoff<br />
respon<strong>de</strong> às nossas perguntas em<br />
francês, por “email”, e os franceses<br />
não “têm” pesa<strong>de</strong>los: fazem-nos)<br />
“um enorme pesa<strong>de</strong>lo”.<br />
Imaginamos Matthias Langhoff<br />
a acordar <strong>de</strong> manhã, satisfeitíssimo<br />
(fantasia nossa: ele não po<strong>de</strong>ria<br />
estar mais angustiado com o que<br />
vê <strong>de</strong> manhã, quando acorda,<br />
<strong>de</strong>baixo do prédio on<strong>de</strong> vive),<br />
a dizer o mesmo. “Deus como<br />
Paciente - Assim Falava Isidore<br />
Ducasse”, o espectáculo construído<br />
a partir dos “Cantos <strong>de</strong> Maldoror”<br />
do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lautréamont<br />
(pseudónimo <strong>de</strong> Isidore Ducasse)<br />
que a Compagnie Rumpelpumpel<br />
traz ao Festival <strong>de</strong> Almada nos<br />
dias 13 e 14, é um enorme - e<br />
maravilhoso - pesa<strong>de</strong>lo. Visto das<br />
noites mal dormidas <strong>de</strong> Langhoff<br />
- e das escadas da Comédie<br />
Française, a gran<strong>de</strong> casa do teatro<br />
<strong>de</strong> repertório em Paris -, o mundo<br />
é um lugar terrível: “Para falar<br />
do escândalo contemporâneo,<br />
e apenas do escândalo que eu<br />
conheço, acho que 365 edições do<br />
seu jornal não seriam suficientes.<br />
Enquanto a injustiça mantiver o<br />
nosso mundo no escândalo, não<br />
posso mudar <strong>de</strong> assunto”.<br />
Matthias vê o escândalo em<br />
todo o lado - <strong>de</strong>baixo do prédio<br />
Três actores são uma multidão<br />
na nova criação <strong>de</strong> Matthias<br />
Langhoff<br />
on<strong>de</strong> mora, on<strong>de</strong> há “um grupo<br />
permanente <strong>de</strong> sem-abrigo cujo<br />
discurso, na sua incoerência<br />
alcoolizada”, lhe faz “lembrar os<br />
velhos contos que dizem sempre<br />
a verda<strong>de</strong>”, nas lojas chiques do<br />
Boulevard Raspail com o seus<br />
sapatos a mil euros que lhe dão<br />
“vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> partir os vidros<br />
das montras”, e nas escadas da<br />
Comédie Française, o lugar on<strong>de</strong><br />
começou a ter pesa<strong>de</strong>los com<br />
“Deus como Paciente”. “Um dia”,<br />
explica ao Ípsilon, “fui à Comédie<br />
Française on<strong>de</strong> tinha uma reunião<br />
para discutir um projecto. Para<br />
entrar, fui obrigado a passar pelos<br />
pobres que dormem <strong>de</strong>baixo das<br />
arcadas - e enquanto subia aquela<br />
bela escadaria compreendi que<br />
Racine e Molière estão muito longe<br />
<strong>de</strong> mim”. Voltou-se, sentou-se<br />
num banco ao lado do teatro: “Era<br />
um belo dia <strong>de</strong> sol, havia gente<br />
a passear, e vi um negro que,<br />
enquanto toda a gente se divertia,<br />
esvaziava sem parar os caixotes<br />
do lixo e controlava tudo o que as<br />
pessoas <strong>de</strong>itavam fora, à procura<br />
<strong>de</strong> qualquer coisa que pu<strong>de</strong>sse<br />
meter ao bolso. Tinha a câmara<br />
comigo e filmei. Esse homem é<br />
um dos actores principais <strong>de</strong>ste<br />
espectáculo”.<br />
O filme que Matthias Langhoff<br />
fez nessa tar<strong>de</strong> é a primeira<br />
coisa que vemos em “Deus como<br />
Paciente” - como se o nosso mundo<br />
fosse, mais do que um escândalo,<br />
um escândalo espectacular. Os<br />
três actores que escolheu para<br />
irem com ele em direcção ao<br />
abismo - Anne-Lise Heimburger,<br />
Frédérique Loliée e André Wilms,<br />
que há poucos anos vimos a <strong>de</strong>ixar<br />
a pele, sozinho, em “Eraritjaritjaka”,<br />
<strong>de</strong> Heiner Goebbels, no Porto - só<br />
aparecem <strong>de</strong>pois, misturando-se<br />
uns com os outros (“Construí uma<br />
história com três personagens<br />
<strong>de</strong> galáxias diferentes [anjos,<br />
prostitutas, vagabundos,<br />
marinheiros, loucos, enfermeiras,<br />
artistas <strong>de</strong> cabaré] que atravessam<br />
o passado, o presente e o futuro”)<br />
e com as imagens do filme. Nunca<br />
sabemos bem quem estamos a ver<br />
e quem estamos a ouvir, que parte<br />
da história está à nossa frente em<br />
carne viva, e a três dimensões, e<br />
que parte da história está à nossa<br />
frente apenas como assombração:<br />
“Como na minha cabeça não é<br />
claro o que pertence ao teatro e o<br />
que pertence ao cinema, e como<br />
também não é claro se o teatro<br />
está no chão ou em cima do palco,<br />
misturei tudo, como faço sempre.<br />
Agora que durmo cada vez menos,<br />
é possível que tenha até misturado<br />
<strong>de</strong> mais”, diz-nos. O pesa<strong>de</strong>lo<br />
que ele fez a dormir acordado, e<br />
que nos faz passar do cemitério<br />
ao naufrágio e do<br />
naufrágio ao “musichall”,<br />
como nesses<br />
apagões da consciência<br />
que acontecem durante o sono,<br />
é um transe, uma colagem <strong>de</strong><br />
experiências <strong>de</strong> vida (uma<br />
travessia marcada pelo exílio, por<br />
todos os <strong>de</strong>vastadores traumas da<br />
condição alemã, pelo comunismo<br />
e, em geral, por todas as feridas<br />
abertas do século XX europeu),<br />
<strong>de</strong> visões <strong>de</strong> Paris, do mundo em<br />
que vivemos - e das coisas que<br />
continua a re<strong>de</strong>scobrir “na língua<br />
<strong>de</strong> Lautréamont”.<br />
O espectáculo do estrondo<br />
É um francês singular - francês<br />
<strong>de</strong> estrangeiro, como o <strong>de</strong>le<br />
(Isidore Ducasse nasceu no<br />
Uruguai, Matthias Langhoff<br />
nasceu na Suíça, em 1941, filho <strong>de</strong><br />
um encenador comunista que já<br />
tinha estado internado em dois<br />
campos <strong>de</strong> concentração nazis<br />
e <strong>de</strong> uma actriz judia, ambos <strong>de</strong><br />
nacionalida<strong>de</strong> alemã). “Quando<br />
apanho o metro em Paris, quando<br />
vejo a energia <strong>de</strong>ssas pessoas, na<br />
sua maioria negras, a energia para<br />
continuar até à próxima estação,<br />
e ouço a mistura <strong>de</strong> monólogos<br />
e <strong>de</strong> diálogos, sinto-me próximo<br />
da língua <strong>de</strong> Ducasse. Não é<br />
um falso francês, é um francês<br />
diferente do francês. A língua<br />
<strong>de</strong>le funciona por imagens. Essa<br />
maneira <strong>de</strong> utilizar uma língua<br />
- ou <strong>de</strong> se encontrar numa língua<br />
- é-me familiar. Compreendo o<br />
francês do Lautréamont melhor e<br />
mais facilmente do que o francês<br />
<strong>de</strong> autores <strong>de</strong> origem francesa”.<br />
Sabe essa língua <strong>de</strong> cor - leu “Os<br />
“Se fosse tudo<br />
perfeito, não vejo<br />
por que razão<br />
continuaria<br />
a fazer teatro”<br />
Matthias Langhoff<br />
Deus<br />
como<br />
Paciente<br />
– Assim Falava<br />
Isidore<br />
Ducasse<br />
A partir <strong>de</strong> Isidore Ducasse<br />
Almada, Teatro <strong>Municipal</strong><br />
– Sala Principal, 2ª 13,<br />
e 3ª 14, às 21h30<br />
Cantos <strong>de</strong> Maldoror” durante a<br />
juventu<strong>de</strong>, “numa bela tradução<br />
alemã”, e releu-os mais tar<strong>de</strong> em<br />
francês. “É difícil explicar como<br />
fiz a montagem do texto,<br />
porque tenho-o na<br />
cabeça. Primeiro<br />
imaginei a história<br />
das personagens, e<br />
<strong>de</strong>pois fui buscar<br />
as palavras. Sabia<br />
exactamente<br />
on<strong>de</strong> estavam”,<br />
esclarece. De resto,<br />
há momentos em<br />
que o significado<br />
<strong>de</strong>ssas palavras é<br />
marginal: “Hoje, a catástrofe<br />
que está diante <strong>de</strong> nós cheganos<br />
direitinha do outro lado do<br />
Atlântico. Fiz questão <strong>de</strong> levar o<br />
grupo a passar um dia no mar, para<br />
que, à maneira <strong>de</strong> Lautréamont<br />
e através do ruído do rebentar<br />
das ondas na costa, os actores<br />
compreen<strong>de</strong>ssem a mensagem que<br />
era preciso fazer passar. Porque<br />
é a música do estrondo <strong>de</strong>ssas<br />
vagas que <strong>de</strong>vemos dar a ouvir<br />
com Isidore Ducasse”, escreveu<br />
no programa que acompanhou a<br />
apresentação do espectáculo no<br />
Théâtre <strong>de</strong> la Ville, em Paris.<br />
“Deus como Paciente” é o<br />
espectáculo <strong>de</strong>sse estrondo - do<br />
estrondo que o mundo faz a partirse.<br />
É <strong>de</strong>ssa energia <strong>de</strong>strutiva que<br />
o teatro <strong>de</strong> Langhoff se alimenta,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros trabalhos no<br />
Berliner Ensemble da fase Brecht,<br />
em 1962, até às colaborações<br />
com Heiner Müller, que foi o seu<br />
melhor amigo. Continua a fazer<br />
teatro para se lembrar <strong>de</strong>le (“Para<br />
um homem antigo como eu, é<br />
importante manter o diálogo<br />
com um velho amigo”) e para<br />
sobreviver ao escândalo do mundo<br />
contemporâneo: “Se fosse tudo<br />
perfeito, não vejo por que razão<br />
continuaria a fazer teatro”. Como<br />
nem tudo é perfeito, precisamos<br />
dos pesa<strong>de</strong>los <strong>de</strong>le para sobreviver<br />
à experiência <strong>de</strong> ser europeu<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> duas guerras mundiais,<br />
<strong>de</strong> uma Shoah, da bomba atómica<br />
e do estalinismo. É um “tesouro<br />
nacional vivo” do teatro europeu,<br />
como lhe chamou Bruno Tackels,<br />
da revista “Mouvement”, mas<br />
sente-se melhor no papel <strong>de</strong> besta<br />
negra (não se fixa em lado nenhum<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, à excepção dos 18<br />
meses que passou no Théâtre Vidy,<br />
<strong>de</strong> Lausanne, entre 1989 e 1991, e<br />
dos dois anos em que co-dirigiu<br />
o Berliner Ensemble, entre 1992 e<br />
1993): “De tempos a tempos, sou<br />
obrigado a institucionalizar-me,<br />
mas não tenho pressa. Depois<br />
<strong>de</strong> mortos, acabamos todos na<br />
instituição”.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> teatro págs. 30 e 40<br />
22 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Matthias Langhoff teve um pesa<strong>de</strong>lo<br />
O mundo contemporâneo é o cadáver esquisito que Matthias Langhoff, um dos monstros inclassificáveis do teatro europeu, <strong>de</strong>vora em “Deus como<br />
Paciente - Assim Falava Isidore Ducasse”, dias 13 e 14 no Festival <strong>de</strong> Almada. Visto daqui, é um lugar terrível. Inês Nadais<br />
Quando era pequeno, o filho <strong>de</strong><br />
Matthias Langhoff acordava <strong>de</strong><br />
manhã “satisfeitíssimo” a dizer que<br />
“tinha feito” (Matthias Langhoff<br />
respon<strong>de</strong> às nossas perguntas em<br />
francês, por “email”, e os franceses<br />
não “têm” pesa<strong>de</strong>los: fazem-nos)<br />
“um enorme pesa<strong>de</strong>lo”.<br />
Imaginamos Matthias Langhoff<br />
a acordar <strong>de</strong> manhã, satisfeitíssimo<br />
(fantasia nossa: ele não po<strong>de</strong>ria<br />
estar mais angustiado com o que<br />
vê <strong>de</strong> manhã, quando acorda,<br />
<strong>de</strong>baixo do prédio on<strong>de</strong> vive),<br />
a dizer o mesmo. “Deus como<br />
Paciente - Assim Falava Isidore<br />
Ducasse”, o espectáculo construído<br />
a partir dos “Cantos <strong>de</strong> Maldoror”<br />
do Con<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lautréamont<br />
(pseudónimo <strong>de</strong> Isidore Ducasse)<br />
que a Compagnie Rumpelpumpel<br />
traz ao Festival <strong>de</strong> Almada nos<br />
dias 13 e 14, é um enorme - e<br />
maravilhoso - pesa<strong>de</strong>lo. Visto das<br />
noites mal dormidas <strong>de</strong> Langhoff<br />
- e das escadas da Comédie<br />
Française, a gran<strong>de</strong> casa do teatro<br />
<strong>de</strong> repertório em Paris -, o mundo<br />
é um lugar terrível: “Para falar<br />
do escândalo contemporâneo,<br />
e apenas do escândalo que eu<br />
conheço, acho que 365 edições do<br />
seu jornal não seriam suficientes.<br />
Enquanto a injustiça mantiver o<br />
nosso mundo no escândalo, não<br />
posso mudar <strong>de</strong> assunto”.<br />
Matthias vê o escândalo em<br />
todo o lado - <strong>de</strong>baixo do prédio<br />
Três actores são uma multidão<br />
na nova criação <strong>de</strong> Matthias<br />
Langhoff<br />
on<strong>de</strong> mora, on<strong>de</strong> há “um grupo<br />
permanente <strong>de</strong> sem-abrigo cujo<br />
discurso, na sua incoerência<br />
alcoolizada”, lhe faz “lembrar os<br />
velhos contos que dizem sempre<br />
a verda<strong>de</strong>”, nas lojas chiques do<br />
Boulevard Raspail com o seus<br />
sapatos a mil euros que lhe dão<br />
“vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> partir os vidros<br />
das montras”, e nas escadas da<br />
Comédie Française, o lugar on<strong>de</strong><br />
começou a ter pesa<strong>de</strong>los com<br />
“Deus como Paciente”. “Um dia”,<br />
explica ao Ípsilon, “fui à Comédie<br />
Française on<strong>de</strong> tinha uma reunião<br />
para discutir um projecto. Para<br />
entrar, fui obrigado a passar pelos<br />
pobres que dormem <strong>de</strong>baixo das<br />
arcadas - e enquanto subia aquela<br />
bela escadaria compreendi que<br />
Racine e Molière estão muito longe<br />
<strong>de</strong> mim”. Voltou-se, sentou-se<br />
num banco ao lado do teatro: “Era<br />
um belo dia <strong>de</strong> sol, havia gente<br />
a passear, e vi um negro que,<br />
enquanto toda a gente se divertia,<br />
esvaziava sem parar os caixotes<br />
do lixo e controlava tudo o que as<br />
pessoas <strong>de</strong>itavam fora, à procura<br />
<strong>de</strong> qualquer coisa que pu<strong>de</strong>sse<br />
meter ao bolso. Tinha a câmara<br />
comigo e filmei. Esse homem é<br />
um dos actores principais <strong>de</strong>ste<br />
espectáculo”.<br />
O filme que Matthias Langhoff<br />
fez nessa tar<strong>de</strong> é a primeira<br />
coisa que vemos em “Deus como<br />
Paciente” - como se o nosso mundo<br />
fosse, mais do que um escândalo,<br />
um escândalo espectacular. Os<br />
três actores que escolheu para<br />
irem com ele em direcção ao<br />
abismo - Anne-Lise Heimburger,<br />
Frédérique Loliée e André Wilms,<br />
que há poucos anos vimos a <strong>de</strong>ixar<br />
a pele, sozinho, em “Eraritjaritjaka”,<br />
<strong>de</strong> Heiner Goebbels, no Porto - só<br />
aparecem <strong>de</strong>pois, misturando-se<br />
uns com os outros (“Construí uma<br />
história com três personagens<br />
<strong>de</strong> galáxias diferentes [anjos,<br />
prostitutas, vagabundos,<br />
marinheiros, loucos, enfermeiras,<br />
artistas <strong>de</strong> cabaré] que atravessam<br />
o passado, o presente e o futuro”)<br />
e com as imagens do filme. Nunca<br />
sabemos bem quem estamos a ver<br />
e quem estamos a ouvir, que parte<br />
da história está à nossa frente em<br />
carne viva, e a três dimensões, e<br />
que parte da história está à nossa<br />
frente apenas como assombração:<br />
“Como na minha cabeça não é<br />
claro o que pertence ao teatro e o<br />
que pertence ao cinema, e como<br />
também não é claro se o teatro<br />
está no chão ou em cima do palco,<br />
misturei tudo, como faço sempre.<br />
Agora que durmo cada vez menos,<br />
é possível que tenha até misturado<br />
<strong>de</strong> mais”, diz-nos. O pesa<strong>de</strong>lo<br />
que ele fez a dormir acordado, e<br />
que nos faz passar do cemitério<br />
ao naufrágio e do<br />
naufrágio ao “musichall”,<br />
como nesses<br />
apagões da consciência<br />
que acontecem durante o sono,<br />
é um transe, uma colagem <strong>de</strong><br />
experiências <strong>de</strong> vida (uma<br />
travessia marcada pelo exílio, por<br />
todos os <strong>de</strong>vastadores traumas da<br />
condição alemã, pelo comunismo<br />
e, em geral, por todas as feridas<br />
abertas do século XX europeu),<br />
<strong>de</strong> visões <strong>de</strong> Paris, do mundo em<br />
que vivemos - e das coisas que<br />
continua a re<strong>de</strong>scobrir “na língua<br />
<strong>de</strong> Lautréamont”.<br />
O espectáculo do estrondo<br />
É um francês singular - francês<br />
<strong>de</strong> estrangeiro, como o <strong>de</strong>le<br />
(Isidore Ducasse nasceu no<br />
Uruguai, Matthias Langhoff<br />
nasceu na Suíça, em 1941, filho <strong>de</strong><br />
um encenador comunista que já<br />
tinha estado internado em dois<br />
campos <strong>de</strong> concentração nazis<br />
e <strong>de</strong> uma actriz judia, ambos <strong>de</strong><br />
nacionalida<strong>de</strong> alemã). “Quando<br />
apanho o metro em Paris, quando<br />
vejo a energia <strong>de</strong>ssas pessoas, na<br />
sua maioria negras, a energia para<br />
continuar até à próxima estação,<br />
e ouço a mistura <strong>de</strong> monólogos<br />
e <strong>de</strong> diálogos, sinto-me próximo<br />
da língua <strong>de</strong> Ducasse. Não é<br />
um falso francês, é um francês<br />
diferente do francês. A língua<br />
<strong>de</strong>le funciona por imagens. Essa<br />
maneira <strong>de</strong> utilizar uma língua<br />
- ou <strong>de</strong> se encontrar numa língua<br />
- é-me familiar. Compreendo o<br />
francês do Lautréamont melhor e<br />
mais facilmente do que o francês<br />
<strong>de</strong> autores <strong>de</strong> origem francesa”.<br />
Sabe essa língua <strong>de</strong> cor - leu “Os<br />
“Se fosse tudo<br />
perfeito, não vejo<br />
por que razão<br />
continuaria<br />
a fazer teatro”<br />
Matthias Langhoff<br />
Deus<br />
como<br />
Paciente<br />
– Assim Falava<br />
Isidore<br />
Ducasse<br />
A partir <strong>de</strong> Isidore Ducasse<br />
Almada, Teatro <strong>Municipal</strong><br />
– Sala Principal, 2ª 13,<br />
e 3ª 14, às 21h30<br />
Cantos <strong>de</strong> Maldoror” durante a<br />
juventu<strong>de</strong>, “numa bela tradução<br />
alemã”, e releu-os mais tar<strong>de</strong> em<br />
francês. “É difícil explicar como<br />
fiz a montagem do texto,<br />
porque tenho-o na<br />
cabeça. Primeiro<br />
imaginei a história<br />
das personagens, e<br />
<strong>de</strong>pois fui buscar<br />
as palavras. Sabia<br />
exactamente<br />
on<strong>de</strong> estavam”,<br />
esclarece. De resto,<br />
há momentos em<br />
que o significado<br />
<strong>de</strong>ssas palavras é<br />
marginal: “Hoje, a catástrofe<br />
que está diante <strong>de</strong> nós cheganos<br />
direitinha do outro lado do<br />
Atlântico. Fiz questão <strong>de</strong> levar o<br />
grupo a passar um dia no mar, para<br />
que, à maneira <strong>de</strong> Lautréamont<br />
e através do ruído do rebentar<br />
das ondas na costa, os actores<br />
compreen<strong>de</strong>ssem a mensagem que<br />
era preciso fazer passar. Porque<br />
é a música do estrondo <strong>de</strong>ssas<br />
vagas que <strong>de</strong>vemos dar a ouvir<br />
com Isidore Ducasse”, escreveu<br />
no programa que acompanhou a<br />
apresentação do espectáculo no<br />
Théâtre <strong>de</strong> la Ville, em Paris.<br />
“Deus como Paciente” é o<br />
espectáculo <strong>de</strong>sse estrondo - do<br />
estrondo que o mundo faz a partirse.<br />
É <strong>de</strong>ssa energia <strong>de</strong>strutiva que<br />
o teatro <strong>de</strong> Langhoff se alimenta,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros trabalhos no<br />
Berliner Ensemble da fase Brecht,<br />
em 1962, até às colaborações<br />
com Heiner Müller, que foi o seu<br />
melhor amigo. Continua a fazer<br />
teatro para se lembrar <strong>de</strong>le (“Para<br />
um homem antigo como eu, é<br />
importante manter o diálogo<br />
com um velho amigo”) e para<br />
sobreviver ao escândalo do mundo<br />
contemporâneo: “Se fosse tudo<br />
perfeito, não vejo por que razão<br />
continuaria a fazer teatro”. Como<br />
nem tudo é perfeito, precisamos<br />
dos pesa<strong>de</strong>los <strong>de</strong>le para sobreviver<br />
à experiência <strong>de</strong> ser europeu<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> duas guerras mundiais,<br />
<strong>de</strong> uma Shoah, da bomba atómica<br />
e do estalinismo. É um “tesouro<br />
nacional vivo” do teatro europeu,<br />
como lhe chamou Bruno Tackels,<br />
da revista “Mouvement”, mas<br />
sente-se melhor no papel <strong>de</strong> besta<br />
negra (não se fixa em lado nenhum<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, à excepção dos 18<br />
meses que passou no Théâtre Vidy,<br />
<strong>de</strong> Lausanne, entre 1989 e 1991, e<br />
dos dois anos em que co-dirigiu<br />
o Berliner Ensemble, entre 1992 e<br />
1993): “De tempos a tempos, sou<br />
obrigado a institucionalizar-me,<br />
mas não tenho pressa. Depois<br />
<strong>de</strong> mortos, acabamos todos na<br />
instituição”.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> teatro págs. 30 e 40<br />
22 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Dança<br />
Carol Prieur<br />
em “Orphée et<br />
Eurydice”,<br />
que na leitura<br />
<strong>de</strong> Chouinard<br />
é uma<br />
imaginativa<br />
celebração do<br />
<strong>de</strong>sejo, da<br />
luxúria e do<br />
sexo<br />
Olhar para trás também p<br />
Marie Chouinard regressa a Portugal com uma versão pessoalíssima do mito <strong>de</strong> Orfeu e Eurídice, i<br />
em olharmos para trás. T<br />
A primeira vez que Marie Chouinard<br />
veio a Portugal foi em 2002, apresentando<br />
no Rivoli – Teatro <strong>Municipal</strong>,<br />
no Porto, “Les 24 Prelu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Chopin”<br />
(1998) e “Le cri du mon<strong>de</strong>”<br />
(2000). Agora que vamos po<strong>de</strong>r ver<br />
em Portugal “Orphée et Eurydice”,<br />
estreada em 2008 e que encerra o ciclo<br />
Dancem!09, a <strong>de</strong>correr no Porto<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> Junho, aquelas duas peças<br />
parecem pertencer a uma outra<br />
assinatura. As dinâmicas alternadas<br />
que constituíam a obra inspirada na<br />
obra <strong>de</strong> Chopin, dando margem para<br />
diálogos entre força e <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>za a<br />
partir das marcas <strong>de</strong>ixadas pelos solos,<br />
duos, ou trios dançados pelo conjunto<br />
da companhia, <strong>de</strong>ram lugar a<br />
uma massa disforme, on<strong>de</strong> não parece<br />
haver regras.<br />
“Orphée et Eurydice”, na sua imaginativa<br />
celebração do <strong>de</strong>sejo, da luxúria<br />
e do sexo, é a pedra <strong>de</strong> toque <strong>de</strong><br />
um discurso que se autonomizou <strong>de</strong><br />
uma reciclagem do mo<strong>de</strong>rnismo norte-americano<br />
transvestido pelas famílias<br />
coreográficas europeias, dando<br />
lugar à singularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um discurso<br />
que partiu da exploração das tensões<br />
criadas pelo movimento para chegar<br />
a uma ficcionalização <strong>de</strong>ssas mesmas<br />
tensões. São <strong>de</strong>sse período as suas<br />
leituras <strong>de</strong> “L’Après-midi d’un faune”<br />
(1987) “Sagração da Primavera (1993,<br />
remontada para o Ballet Gulbenkian<br />
em 2003) e “Prélu<strong>de</strong> à l’après-midi<br />
d’un faune” (1994), hoje peças que<br />
remetem para um tempo on<strong>de</strong> a coreógrafa<br />
buscava na ultrapassagem<br />
da linearida<strong>de</strong> uma lisura cénica que<br />
fosse progressivamente disruptiva.<br />
Eram tempos <strong>de</strong> pesquisa mais centrada<br />
nos efeitos que o movimento<br />
podia provocar no corpo e que teve<br />
o seu momento alto em “Le cri du<br />
mon<strong>de</strong>”, on<strong>de</strong> os corpos, explorando<br />
essa tensão, buscavam formas <strong>de</strong> a<br />
subverterem.<br />
A mesma i<strong>de</strong>ia voltou em “Body<br />
Remix - Goldberg Variations”, apresentado<br />
no CCB, em <strong>Lisboa</strong>, em 2006.<br />
Quem se lembrar dos corpos sustentados<br />
por muletas a quererem rasgar<br />
aquelas limitações, abrindo assim espaço<br />
para um outro corpo menos autómato<br />
e capaz <strong>de</strong> se lançar numa<br />
voragem criativa que não <strong>de</strong>via nada<br />
à ilustração, vai encontrar em “Orphée<br />
et Eurydice” o mesmo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />
abertura do corpo para o espaço e<br />
<strong>de</strong>ste para algo mais que a metáfora.<br />
A peça está longe <strong>de</strong> ser consensual<br />
e eleva o trabalho <strong>de</strong> Chouinard a<br />
um outro patamar. A sua distanciação<br />
da tragédia dos amantes amaldiçoados<br />
faz-se não na exploração gratuita<br />
da violência contida na história, mas<br />
numa autonomização, fundamentalmente<br />
conceptual, on<strong>de</strong> a narrativa<br />
se torna secundária e formal servindo<br />
assim, e apenas, <strong>de</strong> pretexto para uma<br />
celebração da liberda<strong>de</strong> que as escolhas<br />
difíceis garantem.<br />
A liberda<strong>de</strong> da escolha<br />
Desta vez Chouinard não vem a Portugal,<br />
entrou <strong>de</strong> férias há dias e por<br />
isso não po<strong>de</strong> falar com o Ípsilon.<br />
Quem nos aten<strong>de</strong> o telefone é Carol<br />
Prieur, bailarina na companhia que<br />
leva o mesmo nome da coreógrafa e<br />
que <strong>de</strong>la faz parte há 14 anos. A bailarina<br />
revela que esta peça “vai às raízes<br />
<strong>de</strong> Marie Chouinard como intérprete,<br />
on<strong>de</strong> existia um caos criativo e diferentes<br />
possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> leitura”.<br />
“Orfeu et Eurídice”, o mito, conta<br />
a história <strong>de</strong> um homem e <strong>de</strong> uma<br />
mulher que se <strong>de</strong>scobrem ligados pelo<br />
<strong>de</strong>stino e, por isso, dispostos a <strong>de</strong>safiar<br />
os <strong>de</strong>uses. Orfeu insiste em resgatá-la<br />
do Inferno e o que lhe é pedido<br />
é que nunca olhe para trás, sob<br />
prejuízo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r Eurídice para sempre.<br />
Inevitavelmente Orfeu <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>ce<br />
aos <strong>de</strong>uses e é culpado pela morte<br />
da amada. Orfeu morrerá, com<br />
Chouinard escolhe<br />
apresentar os <strong>de</strong>uses<br />
como seres divertidos,<br />
pân<strong>de</strong>gos,<br />
<strong>de</strong>sresponsabilizandoos<br />
dos erros <strong>de</strong> Orfeu.<br />
E, assim, Orfeu não<br />
po<strong>de</strong>rá olhar para<br />
trás com raiva<br />
e culpá-los<br />
Eurídice nos braços, por vingança <strong>de</strong><br />
uma das suas muitas amantes.<br />
“A história é universal e é apenas<br />
um veículo”, insiste a bailarina. “Há<br />
muito mais para além disso: o trabalho<br />
com o corpo, os músculos, os orgãos,<br />
com tudo o que é humano”.<br />
Chouinard trabalha os corpos dos bailarinos<br />
como uma massa disforme<br />
que vai moldando ao longo da peça.<br />
Se é verda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>senvolve com eles<br />
um trabalho a partir das tensões dos<br />
movimentos, também é verda<strong>de</strong> que<br />
leva essa tensão mais longe, a uma<br />
espécie <strong>de</strong> possessão (tal como Marcel<br />
Camus fez no filme “Orfeu Negro”)<br />
luxuriante e sedutora.<br />
“Orphée et Eurydice”, na versão <strong>de</strong><br />
Chouinard, com música original <strong>de</strong><br />
Louis Dufort, parece situar-se no momento<br />
em que os <strong>de</strong>uses pe<strong>de</strong>m a<br />
Orfeu para os convencer a <strong>de</strong>volverem-lhe<br />
Eurídice, mostrando-lhe que<br />
há mais do que essa mulher. Há um<br />
mundo inteiro <strong>de</strong> prazer, <strong>de</strong> carne e<br />
paixão dispostos a receberem Orfeu.<br />
A vingança dos <strong>de</strong>uses – os bailarinos,<br />
cujas sensações Prieur <strong>de</strong>screve como<br />
“um gozo imenso, uma viagem magnífica<br />
e rara porque não temos muitas<br />
oportunida<strong>de</strong> para nos expressarmos<br />
<strong>de</strong> forma tão ampla” – faz-se, pelo<br />
menos assim parece na versão <strong>de</strong><br />
Chouinard, porque Orfeu ousa dizer<br />
que não aos <strong>de</strong>uses e prosseguir com<br />
Eurídice, mesmo que morta. Chouinard<br />
escolhe apresentar os <strong>de</strong>uses<br />
como seres divertidos, pân<strong>de</strong>gos, <strong>de</strong>sresponsabilizando-os<br />
dos erros <strong>de</strong><br />
Orfeu. E, assim, Orfeu não po<strong>de</strong>rá<br />
olhar para trás com raiva e culpálos.<br />
Carol Prieur diz que esta é “uma<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leitura porque enten<strong>de</strong><br />
o trágico, a crueza e a intensida<strong>de</strong><br />
do amor que une Orfeu e Eurídice.<br />
Na peça há momentos muito<br />
poéticos que alargam a diversida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> sentimentos que se po<strong>de</strong>m transmitir”<br />
e, diz, “é natural, e expectável,<br />
que se possam ler as obras <strong>de</strong> forma<br />
correspon<strong>de</strong>nte”. Para a bailarina, o<br />
facto <strong>de</strong> se apresentar o submundo<br />
como “espaço <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>” quer<br />
também dizer que “Orfeu podia ser<br />
feliz ali” e que, no fundo, “escolhe o<br />
caminho que escolhe totalmente<br />
consciente do que está a per<strong>de</strong>r”.<br />
Burlesco musical<br />
Chouinard começa a peça com um<br />
prólogo on<strong>de</strong> percebemos claramente<br />
que não é a narrativa que lhe vai<br />
interessar. Ao longo da peça vamos<br />
assistindo a este festim <strong>de</strong>sregrado –<br />
“mas essa liberda<strong>de</strong> coreográfica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> um rigor intenso”, esclarece<br />
a bailarina a propósito das rígidas<br />
marcações <strong>de</strong> cena –, on<strong>de</strong> somos,<br />
também nós espectadores, seduzidos.<br />
O momento <strong>de</strong> viragem para essa partilha<br />
da responsabilida<strong>de</strong> acontece<br />
quando uma das bailarinas sai do palco<br />
e prolonga o movimento pela plateia,<br />
por cima das ca<strong>de</strong>iras e das cabeças<br />
dos espectadores pedindo-lhes,<br />
precisamente, para não olharem para<br />
trás. Nessa altura o amplo palco<br />
on<strong>de</strong> permanentemente entram a<strong>de</strong>reços<br />
transfere-se para a plateia, os<br />
bailarinos interrompem as suas sequencias<br />
alegóricas e fantasmáticas<br />
(umas apostadas na blasfémia, outras<br />
divertidas no gozo evi<strong>de</strong>nte da sua<br />
<strong>de</strong>sconstrução), as luzes, sempre<br />
quentes e hipnotizantes encan<strong>de</strong>iam<br />
os espectadores e a banda sonora<br />
transforma-se num burlesco musical<br />
on<strong>de</strong> antes vivia em crescente tensão.<br />
Nessa altura, em que já não se sabe<br />
quem foi buscar o quê ou quem e on<strong>de</strong>,<br />
abre-se o jogo <strong>de</strong>ste “Orphée et<br />
Eurydice”. A peça, explica-nos Carol,<br />
“é muito intuitiva, como é intuitivo o<br />
movimento da Marie, que nunca parte<br />
da história. A história chega sempre<br />
<strong>de</strong>pois”.<br />
Para ela, o “caos criativo” da peça<br />
não é mais do que uma “metaforização<br />
do mundo subterrâneo” on<strong>de</strong><br />
Orfeu vai buscar Eurídice. “Estão lá<br />
os símbolos, como a serpente e a árvore,<br />
e está lá o gozo e o prazer”. E<br />
“Orphée et Eurydice” é, sobretudo,<br />
uma peça sobre o prazer. E as consequências<br />
<strong>de</strong> se ter prazer. Olhar para<br />
trás também po<strong>de</strong> ser uma boa hipótese,<br />
parece dizer Marie Chouinard.<br />
“Ela quer que abandonemos a necessida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> perceber e ler directamente<br />
o que se está a passar”, explica<br />
Prieur. “A peça quer que as pessoas<br />
se relacionem com o que lhes é orgânico<br />
e, nesse caminho, que cheguem<br />
à essência da peça”. Por isso, Carol<br />
Prieur acredita que é uma tentativa<br />
<strong>de</strong> Chouinard afirmar “que somos veículos<br />
para algo maior”.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> espectáculos<br />
págs. 39 e 40<br />
24 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
FOTOGRAFO<br />
o<strong>de</strong> ser uma boa hipótese<br />
, imaginativa celebração do <strong>de</strong>sejo, da luxúria e do sexo. No limite diz-nos que não há mal nenhum<br />
. Tiago Bartolomeu Costa<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 25
Exposições<br />
Homens e mulheres bailam e rodopiam<br />
ao som <strong>de</strong> northern soul, género<br />
britânico dos anos 60 inspirado<br />
pela soul negra dos EUA. Os movimentos<br />
são atléticos e arrojados e há<br />
corpos que suam. A sala escura acentua<br />
a energia, quase clan<strong>de</strong>stina, da<br />
dança e o espectador interroga-se:<br />
<strong>de</strong>vo ver apenas ou também dançar?<br />
Eis uma das situações que Marzlive<br />
propõe na Galeria Marz, em <strong>Lisboa</strong>,<br />
até 30 <strong>de</strong> Julho. Afinal, on<strong>de</strong> acaba a<br />
arte e começa a música popular?<br />
A ambiguida<strong>de</strong> começa logo na natureza<br />
<strong>de</strong> Marzlive: não é um concerto<br />
e não é propriamente uma exposição.<br />
Não é um concerto porque,<br />
apesar do sufixo “live”, não conta<br />
com artistas/músicos fisicamente presentes.<br />
Não é uma exposição tradicional,<br />
porque consiste na projecção<br />
semanal <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os. O primeiro e o<br />
segundo, respectivamente, <strong>de</strong> Julian<br />
Rosefeldt e Johanna Billing foram projectados<br />
entre 27 <strong>de</strong> Junho e 9 <strong>de</strong> Julho<br />
e até ao fim do mês serão mostrados<br />
trabalhos <strong>de</strong> Matt Stokes, Filmgruppe<br />
West (Kai Althoff, Michaela<br />
Eichwald, Ralf Schauff e Jens Wagner)<br />
e Iain Forsyth & Jane Pollard.<br />
A presença nas obras <strong>de</strong> sons, canções,<br />
<strong>de</strong> certos diálogos ou reconhecidas<br />
referências visuais i<strong>de</strong>ntificam<br />
as relações entre a música popular e<br />
a arte contemporânea como o tópico<br />
geral do programa. Mas a exposição<br />
não é ilustrativa. A selecção dos nomes<br />
foi precedida <strong>de</strong> um período <strong>de</strong><br />
pesquisa na qual se privilegiou um<br />
dos assuntos que o encontro entre a<br />
arte e a música pop faz emergir: o<br />
questionamento da autorida<strong>de</strong> e autoria<br />
do artista enquanto criador solitário.<br />
Ou seja, os ví<strong>de</strong>os apresentados<br />
lidam com o gesto que é pensar<br />
a arte contemporânea com tipologias,<br />
realida<strong>de</strong>s e contextos provenientes<br />
da música pop.<br />
Voltemos ao trabalho <strong>de</strong>scrito no<br />
início: “Long After Tonight” (2005),<br />
“A arte<br />
contemporânea<br />
tornou-se uma<br />
componente<br />
da cultura pop<br />
contemporânea<br />
e ao fazê-lo pisou o<br />
território<br />
da produção musical”<br />
João Paulo Feliciano,<br />
artista, mentor<br />
do Real Combo<br />
Lisbonense e ex-Tina<br />
and The Top Ten<br />
<strong>de</strong> Matt Stokes (Cornualha, 1973), que<br />
po<strong>de</strong> ser visto dias 11, 14, 15 e 16 <strong>de</strong><br />
Julho. A dança foi organizada e encenada<br />
numa igreja em Dun<strong>de</strong>e on<strong>de</strong><br />
nos anos 70 se realizaram as primeira<br />
celebrações northern soul da cida<strong>de</strong><br />
escocesa. Desta vez, no entanto,<br />
os dançarinos não se limitam (como<br />
no passado) a uma ala contígua da<br />
igreja, mas bailam na nave, cercados<br />
<strong>de</strong> ícones e imagens religiosas. O<br />
acesso ao “novo” espaço foi permitido<br />
pela igreja ao artista, que assim<br />
aproxima a festa <strong>de</strong> uma subcultura<br />
ao lugar <strong>de</strong> uma comunhão. Mais do<br />
que ao corpo, à dança, é à memória<br />
<strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>, mesmo temporária,<br />
que “Long After Tonight” dirige<br />
o seu repto.<br />
À comunida<strong>de</strong> e à comunhão (também<br />
patentes nas obras <strong>de</strong> Iain Forsyth<br />
& Jane Pollard ou Johanna<br />
Billing) acrescentam-se outros conceitos.<br />
Em “Aus lauter Haut do Filmgruppe<br />
West” (18, 21, 22 e 23 <strong>de</strong> Julho)<br />
Em “File<br />
Un<strong>de</strong>r Sacred<br />
Music” (25,<br />
28, 29 e 30 <strong>de</strong><br />
Julho), Iain<br />
Forsyth & Jane<br />
Pollard reconstituíram<br />
um concerto<br />
dos Cramps,<br />
em 1978,<br />
no Napa State<br />
Mental<br />
Institute,<br />
Califórnia<br />
26 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon<br />
Quando a arte vê<br />
a música pop no e<br />
Na galeria Marz, em <strong>Lisboa</strong> um conjunto <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os da autoria <strong>de</strong> artistas internacionais inspiram u<br />
aparecimento no panorama internacional da arte <strong>de</strong> exposições sobre música pop? Moda? Ou um i
é a colaboração que surge evocada<br />
através <strong>de</strong> um metáfora (histórica)<br />
da música pop: o grupo rock. Filmado<br />
em ví<strong>de</strong>o, num registo caseiro,<br />
mostra-nos o quotidiano <strong>de</strong> um conjunto<br />
com as suas tensões, expectativas<br />
e estratégias. De fora estão os<br />
concertos, as canções, o palco; sobra<br />
apenas o grupo como estrutura que<br />
revelar o artista enquanto sujeito e<br />
colaborador (Kai Althoff, um dos<br />
membros do Filmgruppe West, é músico<br />
na banda alemã Workshop)<br />
Já o último trabalho projectado,<br />
“File Un<strong>de</strong>r Sacred Music”, <strong>de</strong> Iain<br />
Forsyth & Jane Pollard (25, 28, 29 e<br />
30 <strong>de</strong> Julho), é aquele que mais explicitamente<br />
cita as narrativas da<br />
música popular urbana. Trata-se <strong>de</strong><br />
uma “reconstrução” <strong>de</strong> um concerto<br />
que os Cramps realizaram em 1978<br />
para os doentes do Napa State Mental<br />
Institute, na Califórnia. Com uma<br />
série <strong>de</strong> amigos e colaboradores, a<br />
dupla britânica reconstituiu o registo<br />
do espectáculo para inventar uma<br />
reprodução “imperfeita” on<strong>de</strong> a comunhão<br />
se confun<strong>de</strong> com a encenação<br />
e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da autoria artística<br />
se dilui na participação; uma crítica<br />
do “espectáculo” através <strong>de</strong> uma<br />
celebração diferida <strong>de</strong> um acontecimento<br />
da história do rock.<br />
Museus e música pop<br />
Marz Live é, provavelmente, a primeira<br />
exposição colectiva em Portugal<br />
exclusivamente subordinada às<br />
incursões da arte contemporânea no<br />
território da música popular. Não<br />
esgota todas as possibilida<strong>de</strong>s, mas<br />
torna-se significativa, para além das<br />
obras apresentadas, pela sua oportunida<strong>de</strong><br />
ou não reflectisse uma realida<strong>de</strong><br />
sobretudo internacional: o<br />
interesse dos curadores e dos museus<br />
por exposições sobre música<br />
pop. Fiquemo-nos só por 2009: no<br />
Kunsthalle <strong>de</strong> Düsseldorf esteve, até<br />
Maio, “Sensational Fix”, <strong>de</strong>dicada<br />
aos Sonic Youth e o Kunsverein <strong>de</strong><br />
Colónia recebeu, em Abril, “Après<br />
Crépuscule”, mostra que reunia a<br />
produção visual da editora Les Disques<br />
du Crépuscule. “Rock - Paper<br />
- Scissors” é a exposição mais recente,<br />
inaugurou no Kunsthaus Graz, na<br />
Aústria, com obras <strong>de</strong> Cory Arcangel,<br />
Sam Durant, Kim Gordon e Jutta Koether,<br />
Renée Green, Mike Kelley e<br />
Albert Oehlen.<br />
Po<strong>de</strong>mos aventar três hipóteses<br />
que explicam a aparição recorrente<br />
<strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> iniciativas. Resultam <strong>de</strong><br />
tendências efémeras (vulgo modas);<br />
são organizadas com o intuito <strong>de</strong> cruzar<br />
e atrair públicos ou espelham tão<br />
somente um interesse genuíno sobre<br />
uma realida<strong>de</strong> complexa e, por isso,<br />
merecedora <strong>de</strong> uma perspectiva mais<br />
analítica.<br />
João Paulo Feliciano, artista, mentor<br />
do Real Combo Lisbonense e ex-<br />
Tina and The Top Ten, subscreve a<br />
três “teses”, não sem antes lembrar<br />
antigas genealogias: “Por <strong>de</strong>trás <strong>de</strong>ssas<br />
modas há antece<strong>de</strong>ntes históricos,<br />
remotos ou não tão remotos<br />
como foram os anos 60, quando se<br />
<strong>de</strong>u um miscigeneganção das artes<br />
estáticas e performativas. Acontece<br />
que hoje o contexto propicia essa<br />
miscigenação. A arte contemporânea<br />
tornou-se uma componente da cultura<br />
pop contemporânea e ao fazê-lo<br />
pisou o território da produção musical.<br />
Por outro lado a produção <strong>de</strong><br />
música expandiu-se e incorporou os<br />
componentes visuais e sonoros que<br />
implicam uma outra relação com o<br />
espaço e aproximam a experiência<br />
sonora e musical das experiências<br />
da instalação”.<br />
À evolução da produção musical<br />
juntaram-se necessida<strong>de</strong>s pragmáticas<br />
cuja existência o artista reconhece:<br />
“O catálogo <strong>de</strong> temas para os curadores<br />
inventarem exposições tem que<br />
ser alargado. E este é apetecível pois<br />
através da música po<strong>de</strong>-se chegar a<br />
públicos que não estão muito próximos<br />
da arte, mas que também não<br />
estão assim tão distantes”.<br />
Diedrich Die<strong>de</strong>richsen é dos poucos<br />
autores internacionais que pensa<br />
e escreve, ao mesmo tempo, sobre<br />
Captain Beefheart e os Melvins e John<br />
Bal<strong>de</strong>ssari ou Martin Kippenberger.<br />
“Rock - Paper – Scissors”, aliás, resulta<br />
da sua curadoria, o que não o impe<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> criticar as exposição que se<br />
limitam fazer da música pop um tema:<br />
“Detesto-as, pois prejudicam ou<br />
menosprezam as especificida<strong>de</strong>s da<br />
práticas e das obras, embora a música<br />
pop seja, <strong>de</strong> facto, um dos poucos<br />
temas abordados pelos artistas <strong>de</strong><br />
uma forma que permite comparações<br />
ou justaposições. Creio que a história<br />
das relações entre os dois campos já<br />
é conhecida. O que está por investigar<br />
é o modo como os artistas <strong>de</strong>senvolvem<br />
a sua arte através do olhar que<br />
vertem sobre a música pop”<br />
É nesta pesquisa que tem centrado<br />
a sua activida<strong>de</strong>, pesquisa a que não<br />
é alheio um entendimento aberto da<br />
própria música pop: “Interessa-me<br />
como um híbrido feito <strong>de</strong> formatos<br />
artísticos distintos, <strong>de</strong> práticas, medias,<br />
sociologias. Ora as artes visuais<br />
também são um híbrido. Por isso vejo-a<br />
como o único espelho disponível<br />
à arte contemporânea. Ao contrário<br />
do cinema e do teatro, acontece em<br />
todo lado e os seus receptores limitam-se<br />
a reunir coisas que viram,<br />
<strong>de</strong>scobriam ou fizeram. Em casa,<br />
diante da capa <strong>de</strong> um disco, <strong>de</strong> um<br />
disco ou <strong>de</strong> uma revista. Numa sala<br />
<strong>de</strong> concertos, num espaço público,<br />
com os amigos”.<br />
spelho<br />
uma pergunta: o que motiva o<br />
interesse genuíno? José Marmeleira<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 27
CARLOS MANUEL MARTINS<br />
No seu novo livro, “A Chave do<br />
Armário: Homossexualida<strong>de</strong>,<br />
Casamento, Família”, cruza<br />
abertamente o activismo com<br />
as teorias da Antropologia<br />
– e não vê nisso problema<br />
28 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Miguel Vale <strong>de</strong> Almeida<br />
Senhor <strong>de</strong> si<br />
Acaba <strong>de</strong> publicar “A Chave do Armário:<br />
Homossexualida<strong>de</strong>, Casamento, Família”, diz que<br />
homossexualida<strong>de</strong> e rebeldia já não colam, gosta da i<strong>de</strong>ia<br />
<strong>de</strong> “lobby” gay e quer casar-se com o companheiro mal<br />
o casamento gay seja legal em Portugal. Eis a voz mais<br />
consistente do activismo gay português. Bruno Horta<br />
Livros<br />
Dir-se-ia que se<br />
aburguesou. Sem<br />
dor ou culpa. Membro<br />
da Juventu<strong>de</strong><br />
Comunista no fim<br />
dos anos 70, militante<br />
da Política XXI e do Bloco<br />
<strong>de</strong> Esquerda até 2006, 48<br />
anos, é um dos protagonistas da luta<br />
dos homossexuais portugueses pelo<br />
casamento. Mas admite ter-se afastado<br />
do activismo esquerdista para agora<br />
abraçar i<strong>de</strong>ias liberais <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>.<br />
No seu novo livro, “A Chave do Armário:<br />
Homossexualida<strong>de</strong>, Casamento,<br />
Família”, cruza abertamente o<br />
activismo com as teorias da Antropologia.<br />
E não vê nisso problema. É o<br />
nono livro científico que escreve e o<br />
quarto ensaio editado em Portugal<br />
no último ano e meio sobre o casamento<br />
entre pessoas do mesmo (segue-se<br />
a “O Casamento entre Pessoas<br />
do Mesmo Sexo”, <strong>de</strong> Pamplona Côrte-Real<br />
e outros; “Casamento entre<br />
Pessoas do Mesmo Sexo – Sim ou<br />
Não?”, <strong>de</strong> Pedro Múrias e Miguel Nogueira<br />
<strong>de</strong> Brito; e “O Casamento Sempre<br />
foi Gay e Nunca Triste”, <strong>de</strong> José<br />
António Almeida).<br />
Frontal, polémico e bom comunicador,<br />
nasceu e vive em <strong>Lisboa</strong> e doutorou-se<br />
em Antropologia pelo ISCTE<br />
em 1994. Bloguista inveterado, escreve<br />
“Os Tempos Que Correm”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
Maio <strong>de</strong> 2003. Tímido, lê muito, sobretudo<br />
ficção das Américas. O mexicano<br />
Jorge Volpi é um dos autores que<br />
actualmente lhe interessam.<br />
Consi<strong>de</strong>ra-se um ficcionista e artista<br />
plástico no armário, mas já publicou<br />
um romance (“Euronovela”, 1998) e<br />
um livro <strong>de</strong> contos e <strong>de</strong>senhos (“Quebrar<br />
em Caso <strong>de</strong> Emergência”, 1996).<br />
De entre os seus livros mais conhecidos<br />
<strong>de</strong>staca-se “Senhores <strong>de</strong> Si: Uma<br />
Interpretação Antropológica da Masculinida<strong>de</strong>”<br />
(1995).<br />
Sente-se bem na pele <strong>de</strong> militante<br />
e activista e confessa que o tempo lhe<br />
ensinou que sair do armário “dá imenso<br />
po<strong>de</strong>r a uma pessoa”.<br />
Na introdução do livro diz que<br />
não é fácil para o antropólogo<br />
olhar com distância as causas em<br />
que se envolve como cidadão.<br />
É, portanto, um antropólogo<br />
activista.<br />
Sou e não tenho nenhum problema<br />
com isso.<br />
Os seus pares terão problemas<br />
com isso?<br />
Que eu saiba, não.<br />
Sempre assumi<br />
que gran<strong>de</strong> parte<br />
do que faço é para<br />
ter um efeito social<br />
específico. No passado,<br />
submetia as minhas<br />
análises antropológicas à sua<br />
utilida<strong>de</strong> social. E nas intervenções<br />
como activista tentava ser suficientemente<br />
crítico a partir do que sei da<br />
Antropologia. Com este livro quase<br />
acaba essa distinção. Isso não prejudica<br />
uma coisa ou outra. A mistura é<br />
libertadora, o que tem a ver com o<br />
amadurecimento. Se as pessoas amadurecerem<br />
bem, libertam-se <strong>de</strong> coisas.<br />
Agora, a questão é se aquilo que<br />
se produz do ponto <strong>de</strong> vista do activismo<br />
e do da Antropologia é ou não<br />
mais rico. Se for, tudo bem.<br />
Parece haver uma matriz anglosaxónica<br />
no seu modo <strong>de</strong> estar. É<br />
uma pessoa <strong>de</strong> reflexão e acção,<br />
<strong>de</strong> aca<strong>de</strong>mismo e activismo. Que<br />
lugar ocupa no espaço público<br />
português?<br />
Essa maneira <strong>de</strong> estar surgiu naturalmente,<br />
tem a ver com razões <strong>de</strong> origem<br />
e educação, e com experiências<br />
noutros lugares, nomeadamente nos<br />
EUA [fez o mestrado em Antropologia,<br />
em 1986, pela State University <strong>de</strong> Nova<br />
Iorque]. O espaço que gosto <strong>de</strong> ocupar,<br />
e on<strong>de</strong> me sinto bem, é o da militância<br />
e activismo, mas não dou<br />
muito o corpo ao manifesto.<br />
Mas <strong>de</strong>sfila sempre na Marcha do<br />
Orgulho LGBT [Lésbicas, Gays,<br />
Bissexuais e Transgéneros], em<br />
<strong>Lisboa</strong>.<br />
Sim, mas <strong>de</strong>pois não sou bom no tra-<br />
“Gosto <strong>de</strong> correr<br />
o risco <strong>de</strong> sair<br />
do conforto <strong>de</strong> uma<br />
<strong>de</strong>finição categorial<br />
muito certa:<br />
o académico,<br />
o activista, isto ou<br />
aquilo. Curiosamente,<br />
isto bate certo com<br />
o ar dos tempos”<br />
balho colectivo e associativo, sou melhor<br />
a escrever. Tenho esse problema,<br />
sou intelectual. Mas gosto que o que<br />
escrevo dialogue com a socieda<strong>de</strong> e<br />
gosto <strong>de</strong> ter um registo radical. Não<br />
faço Antropologia para <strong>de</strong>ntro, mas<br />
para fora. Escrevo não apenas em livros,<br />
mas também nos media, para<br />
permitir o acesso <strong>de</strong> outras pessoas.<br />
Gosto <strong>de</strong> escrever com cuidado e tratar<br />
bem a língua, mas não gosto <strong>de</strong> ter<br />
uma língua elitista, gosto <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />
dizer asneiras, falar coloquialmente.<br />
É um jogo <strong>de</strong>licado.<br />
Se tivesse <strong>de</strong> me <strong>de</strong>screver diria que<br />
gosto <strong>de</strong> correr o risco <strong>de</strong> sair do conforto<br />
<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>finição categorial muito<br />
certa: o académico, o activista, isto<br />
ou aquilo. Curiosamente, isto bate<br />
certo com o ar dos tempos. A partir<br />
dos anos 80, 90, com a transformação<br />
da socieda<strong>de</strong> em termos dos meios <strong>de</strong><br />
comunicação, das legitimações do que<br />
as pessoas fazem e da divisão do<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Av. Frei Miguel Contreiras, 52 | 1700-213 <strong>Lisboa</strong><br />
telefone: 218 438 800 | www.teatromariamatos.egeac.pt<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 29
NUNO FERREIRA SANTOS<br />
trabalho, <strong>de</strong>u-se essa mistura <strong>de</strong><br />
estilos. Entrei nela algures nos anos<br />
80, na universida<strong>de</strong>. Mais até através<br />
<strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s artísticas ou associativas<br />
estudantis, do que do ponto <strong>de</strong><br />
vista científico ou activista. Foi através<br />
<strong>de</strong> leituras, <strong>de</strong> filmes que víamos, da<br />
forma como olhávamos o mundo que<br />
eu e um certo grupo <strong>de</strong> amigos, que<br />
tínhamos 13 ou 14 anos no 25 <strong>de</strong> Abril,<br />
criámos nos anos 80 um modo <strong>de</strong> estar<br />
que foi a reacção <strong>de</strong> quem recusou<br />
<strong>de</strong>siludir-se com o 25 <strong>de</strong> Abril.<br />
Uma reacção muito Bloco <strong>de</strong><br />
Esquerda (BE), diríamos hoje.<br />
Ao BE foram parar muitas pessoas<br />
<strong>de</strong>sse tipo, sim.<br />
O início da sua militância<br />
política coinci<strong>de</strong> com o do<br />
activismo gay?<br />
Não exactamente. Ao formar-se o BE<br />
[1999] fui introduzindo no partido<br />
questões <strong>de</strong> temática LGBT. Mas já<br />
participava em conferências ou <strong>de</strong>bates,<br />
como antropólogo e gay assumido.<br />
Mas o meu activismo não é o activismo<br />
das associações. É o activismo<br />
<strong>de</strong> cronista, sobretudo quando escrevia<br />
no PÚBLICO [1992-1995], e da participação<br />
cívica.<br />
Sente-se o principal responsável<br />
pela dinâmica LGBT do BE?<br />
Não, porque havia todo um segmento<br />
que vinha do Grupo <strong>de</strong> Trabalho Homossexual<br />
do PSR [um dos partidos<br />
que <strong>de</strong>ram origem ao BE]. Mas lembro-me<br />
<strong>de</strong> introduzir as coisas a partir<br />
<strong>de</strong> uma perspectiva menos i<strong>de</strong>ológica<br />
e mais preocupada com igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
direitos e cumprimento da <strong>de</strong>mocracia,<br />
sobretudo no que se refere ao casamento.<br />
Consi<strong>de</strong>ra-se o teórico do<br />
movimento gay português?<br />
Espero que não, é um troféu que não<br />
me agrada muito. E há outras pessoas.<br />
Aceito que seja um dos teóricos, mas<br />
é uma responsabilida<strong>de</strong> e não especial<br />
prazer.<br />
No livro faz a distinção entre o<br />
activismo gay “left”, originário<br />
dos anos 60 e 70, e o activismo<br />
gay pós-sida, mais actual. O seu<br />
será este último.<br />
Po<strong>de</strong> dizer-se que sim, mas tenho as<br />
duas coisas na minha bagagem. Pensei<br />
muito em termos da ligação entre uma<br />
teoria social <strong>de</strong> esquerda e as questões<br />
O movimento [gay]<br />
“[está] agora mais<br />
preocupado com<br />
a integração e o<br />
reconhecimento da<br />
igualda<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong><br />
direitos e menos<br />
preocupado em fazer<br />
da orientação sexual,<br />
nomeadamente<br />
a homossexual, uma<br />
fonte necessária<br />
<strong>de</strong> rebeldia”<br />
O livro <strong>de</strong> Miguel Vale <strong>de</strong><br />
Almeida é o quarto ensaio<br />
editado em Portugal no último<br />
ano e meio sobre o casamento<br />
entre pessoas do mesmo sexo<br />
JOÃO HENRIQUES<br />
<strong>de</strong> orientação sexual, <strong>de</strong>pois fui fazendo<br />
o meu percurso e acompanhando<br />
os tempos. Assim que nos EUA<br />
começou a reivindicação do casamento<br />
percebi que muita coisa já se tinha<br />
transformado. E isso correspon<strong>de</strong> a<br />
uma sociologia do período pós-sida.<br />
Mas então a sua é uma atitu<strong>de</strong><br />
recente, porque a reivindicação<br />
do casamento nos EUA é coisa já<br />
dos anos dois mil.<br />
É quase já dos anos dois mil, mas resulta<br />
<strong>de</strong>ssa reconfiguração da comunida<strong>de</strong><br />
e do movimento [gay], agora<br />
mais preocupado com a integração e<br />
o reconhecimento da igualda<strong>de</strong> jurídica<br />
<strong>de</strong> direitos e menos preocupado<br />
em fazer da orientação sexual, nomeadamente<br />
a homossexual, uma fonte<br />
necessária <strong>de</strong> rebeldia. Isto é, <strong>de</strong>ixou<br />
<strong>de</strong> se ver nisso qualquer acto anti-sistémico.<br />
O que é bom ou mau?<br />
Faz parte da realida<strong>de</strong>. Se queremos<br />
promover maiores oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
felicida<strong>de</strong> para um maior número <strong>de</strong><br />
pessoas, e é isso que me interessa como<br />
programa político, seja ele qual<br />
for, temos que ter propostas o mais<br />
abrangentes possível. Não impe<strong>de</strong> que<br />
se faça um trabalho crítico, e aí a Antropologia<br />
entra, que fale sobre o patriarcado,<br />
a heteronormativida<strong>de</strong> e a<br />
ligação <strong>de</strong>ssas realida<strong>de</strong>s a outras,<br />
económicas, políticas, etc. Agora, do<br />
ponto <strong>de</strong> vista estratégico, prefiro<br />
apostar no cumprimento<br />
das promessas liberais.<br />
Foi difícil assumir-se<br />
como gay?<br />
Foi problemático do<br />
ponto <strong>de</strong> vista psicológico,<br />
<strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong>.<br />
Coincidiu com o fim da<br />
adolescência e o início<br />
da ida<strong>de</strong> adulta jovem,<br />
em que toda a gente passa<br />
por complicações i<strong>de</strong>ntitárias.<br />
Eu tinha esta a mais,<br />
por falta <strong>de</strong> informação e<br />
receio <strong>de</strong> reacções. Finalmente,<br />
já tar<strong>de</strong>, em 1984, quando<br />
concluí a licenciatura e fui<br />
para os EUA, fiz o “coming<br />
out” [assunção da homossexualida<strong>de</strong>]<br />
para os amigos. Na<br />
família foi mais tar<strong>de</strong>, em 1986,<br />
quando tive a primeira relação<br />
estável. Depois comecei a trabalhar<br />
na universida<strong>de</strong> e disse a toda a gente<br />
para que no trabalho a coisa ficasse<br />
logo estabelecida. Dois ou três<br />
anos <strong>de</strong>pois, comecei a ter activida<strong>de</strong><br />
pública e aí a coisa foi por si. Publicamente,<br />
assumi numa crónica no<br />
PÚBLICO, <strong>de</strong> forma indirecta.<br />
Alguma vez se sentiu<br />
prejudicado no trabalho por ser<br />
gay assumido?<br />
Directamente, não. Indirectamente,<br />
não sei. Aliás, é um dos mistérios <strong>de</strong>sta<br />
questão. Muitos gays e lésbicas são<br />
prejudicados <strong>de</strong> forma frontal, violentíssima,<br />
terrível. Mas também são<br />
prejudicadas sem nunca saberem<br />
que o foram. Agora, em <strong>de</strong>terminados<br />
meios, para <strong>de</strong>terminadas origens<br />
sociais privilegiadas, como reconheço<br />
que tenho, as coisas acontecem<br />
menos. A verda<strong>de</strong>, porém, é<br />
que fazer o “coming out” dá imenso<br />
po<strong>de</strong>r a uma pessoa. Permite uma<br />
guerra preventiva, como diria George<br />
Bush.<br />
Desarma os outros?<br />
Completamente. Colocamos as cartas<br />
na mesa e isso torna difícil o ataque.<br />
As pessoas sofrem muitas vezes por<br />
causa da sua orientação sexual porque<br />
a vivem secretamente e os outros,<br />
ao saberem, po<strong>de</strong>m manipular<br />
o segredo.<br />
Já foi beneficiado por ser gay?<br />
Isso não. Não consigo ver situações<br />
on<strong>de</strong> os critérios não tivessem sido<br />
os do mérito.<br />
Dá i<strong>de</strong>ia que em Portugal a<br />
assunção <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da profissão<br />
que se exerce. Ou se assumem<br />
os profissionais liberais, artistas<br />
incluídos, ou os académicos.<br />
Concorda?<br />
Percebo que se possa ter essa percepção,<br />
mas não concordo. Nos últimos<br />
anos tenho participado mais na vida<br />
associativa e conheci pessoas das<br />
mais diversas origens sociais, geracionais,<br />
profissionais, com capitais<br />
culturais completamente diferentes.<br />
Uma das coisas que mais me doem é<br />
ver que o meio artístico e do “entertainment”<br />
fecha-se completamente.<br />
Há um “coming out” interno, para os<br />
amigos, mas não para a socieda<strong>de</strong>.<br />
Logo temos uma amostra pouco representativa<br />
da diversida<strong>de</strong>. Nos últimos<br />
anos surgiu um pequeno número<br />
<strong>de</strong> intelectuais e académicos<br />
que o fizeram, sim, mas no mundo<br />
do “entertainment” só recentemente<br />
começou a acontecer alguma coisa<br />
[apresentadores Solange F. e Manuel<br />
Luís Goucha].<br />
Em Portugal não se usa<br />
o método <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar<br />
publicamente a orientação<br />
sexual das figuras públicas. Que<br />
pensa disso?<br />
É uma estratégia errada, só seria admissível<br />
no caso extremo <strong>de</strong> uma<br />
pessoa francamente homofóbica que<br />
praticasse actos políticos persecutórios.<br />
Mas o princípio é o do respeito<br />
pela vonta<strong>de</strong> dos outros, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />
<strong>de</strong> isso ser prejudicial<br />
para o avanço colectivo.<br />
Diz neste livro que o seu<br />
companheiro é Paulo Côrte-<br />
Real [presi<strong>de</strong>nte da associação<br />
ILGA Portugal e professor<br />
na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Economia<br />
da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>].<br />
Vivem em união <strong>de</strong> facto <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
quando?<br />
Des<strong>de</strong> 2001.<br />
Se o casamento gay for possível<br />
em Portugal tencionam casarse?<br />
Sim.<br />
Essa é uma opção nova para si.<br />
A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> casamento cresceu entre nós<br />
e em função da luta que temos feito.<br />
Hoje parece-me inquestionável que o<br />
faria, mas houve uma altura em que<br />
pensava que não seria necessário casar.<br />
De um ponto <strong>de</strong> vista simbólico e pragmático<br />
a união <strong>de</strong> facto não é suficiente<br />
para um conjunto <strong>de</strong> coisas.<br />
A discussão sobre o casamento<br />
gay em Portugal foi lançada pela<br />
ILGA, através <strong>de</strong> uma petição<br />
[entregue na Assembleia da<br />
República a 16 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong><br />
2006]. Se o activismo tivesse<br />
cedido na palavra casamento e<br />
aceitasse outra figura jurídica,<br />
mas com os mesmos direitos, a<br />
esta hora já haveria portugueses<br />
a beneficiar das vantagens que o<br />
casamento gay vai trazer?<br />
Felizmente, acho que não, porque se<br />
não ficávamos numa posição complicada<br />
do ponto <strong>de</strong> vista histórico.<br />
Gran<strong>de</strong> parte das reacções que houve<br />
<strong>de</strong> hesitação ou contra as propostas<br />
que foram feitas, ainda na fase da discussão<br />
das uniões <strong>de</strong> facto e mais<br />
tar<strong>de</strong> com o casamento, não tinham<br />
nem têm a ver com o nome, mas com<br />
o reconhecimento. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> o<br />
casamento já estar colocado na agenda<br />
política é que surgiram questões<br />
do tipo “está bem, mas com outro<br />
nome”.<br />
E por que não outro nome?<br />
Pela questão do reconhecimento simbólico.<br />
O mundo social é feito <strong>de</strong> material<br />
e <strong>de</strong> simbólico, <strong>de</strong> forma indissociável.<br />
Se uma pessoa tem dinheiro,<br />
tem simbolicamente po<strong>de</strong>r e reconhecimento.<br />
Se uma pessoa tem um diploma,<br />
que é um reconhecimento<br />
simbólico, tem maior probabilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> obter bens materiais.<br />
Isso é partir do princípio <strong>de</strong> que<br />
a instituição casamento está<br />
muito bem cotada.<br />
Não estou a falar <strong>de</strong> prestígio, mas do<br />
reconhecimento que o Estado faz da<br />
capacida<strong>de</strong> que os cidadãos têm <strong>de</strong><br />
ace<strong>de</strong>r ou não a <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong><br />
instituições.<br />
Mas uma instituição é tanto mais<br />
importante simbolicamente<br />
quanto maior prestígio tiver.<br />
Uma instituição <strong>de</strong>sacreditada<br />
não é simbolicamente relevante.<br />
Mas ela não é tão <strong>de</strong>sacreditada quanto<br />
isso, porque foi reformulada pela<br />
dinâmica social. Deixou <strong>de</strong> ser uma<br />
instituição patriarcal há muito. Do<br />
ponto <strong>de</strong> vista jurídico, há absoluta<br />
igualda<strong>de</strong> entre homens e mulheres<br />
30 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
no casamento. Nas práticas sociais<br />
foi reconfigurado sob a forma da pura<br />
relação, <strong>de</strong> que fala [o sociólogo<br />
inglês] Anthony Gid<strong>de</strong>ns. Cada vez<br />
mais, o casamento é supostamente<br />
por amor, supostamente para durar<br />
enquanto os sentimentos durarem,<br />
para mútua gratificação das pessoas,<br />
feito na base do elogio da igualda<strong>de</strong><br />
máxima possível entre os membros<br />
do casal, etc. O reconhecimento simbólico<br />
tem a ver com isto: consi<strong>de</strong>rar<br />
que aquelas pessoas [gays e lésbicas]<br />
são exactamente como as outras, porque<br />
po<strong>de</strong>m ace<strong>de</strong>r a tudo. A prova<br />
<strong>de</strong> que isso é verda<strong>de</strong> está em que<br />
quem se opõe ao casamento ainda<br />
tenta dizer que há uma diferença [entre<br />
casais gay e “hetero”].<br />
Admite que o <strong>de</strong>bate público<br />
sobre o casamento gay estava<br />
por fazer quando em Outubro o<br />
Partido Socialista inviabilizou no<br />
Parlamento as propostas do BE<br />
e <strong>de</strong> Os Ver<strong>de</strong>s para o casamento<br />
gay?<br />
Admitira que sim se essa tivesse sido<br />
a verda<strong>de</strong>ira razão. Mas a razão foi<br />
apenas uma clara estratégia políticopartidária.<br />
O <strong>de</strong>bate já estava a acontecer<br />
e houve sempre a recusa <strong>de</strong><br />
admitir isso. Tinha havido uma petição,<br />
<strong>de</strong>bates na TV e nos jornais, crónicas,<br />
livros recentes… Mas isso agora<br />
é pouco relevante. Houve uma<br />
aceleração extraordinária nos últimos<br />
meses e resulta <strong>de</strong> um trabalho<br />
<strong>de</strong> sapa feito durante muitos anos,<br />
quando muitas pessoas achavam que<br />
não havia <strong>de</strong>bate.<br />
Acha que se vai casar ainda este<br />
ano?<br />
Este ano já não, ainda temos <strong>de</strong> ir a<br />
eleições, ver o resultado das ditas e<br />
em função disso ver os “timings” legislativos.<br />
Antes das Europeias estava mais<br />
convicto <strong>de</strong> que o casamento gay<br />
seria uma realida<strong>de</strong> este ano?<br />
A maioria política existe. Os partidos<br />
que apoiam a alteração do Código Civil<br />
têm uma maioria, mesmo comparando<br />
com os resultados das Europeias.<br />
Estou convencido <strong>de</strong> que não<br />
esperaremos muito tempo. Agora, digo<br />
sinceramente, se o PSD tiver uma<br />
maioria absoluta é uma <strong>de</strong>rrota para<br />
nós e teremos <strong>de</strong> esquecer o assunto<br />
durante quatro anos.<br />
Tem <strong>de</strong>fendido que se <strong>de</strong>ve<br />
discutir a adopção por casais gay<br />
ao mesmo tempo que se discute<br />
o casamento, para não dar<br />
argumentos aos opositores. Mas<br />
o que é facto é que ninguém fala<br />
<strong>de</strong> adopção. Porquê?<br />
O que digo é que não <strong>de</strong>ve haver<br />
receio <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a qualquer pergunta<br />
sobre a adopção. E a resposta<br />
que se <strong>de</strong>ve dar é a <strong>de</strong> que o assunto<br />
está mal colocado. Está a ser utilizado<br />
como espantalho para assustar as<br />
pessoas em relação ao casamento. A<br />
adopção não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da alteração à<br />
lei do casamento, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> outros<br />
articulados da lei. E é apenas uma<br />
parte <strong>de</strong> um conjunto mais vasto <strong>de</strong><br />
questões que são a homoparentalida<strong>de</strong><br />
e a reprodução. Quando um<br />
certo tipo <strong>de</strong> opositores elegem a<br />
adopção como questão, não posso<br />
<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> dizer que estão a mexer<br />
no fantasma da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma<br />
criança a viver com um casal <strong>de</strong><br />
homens – com um casal <strong>de</strong> mulheres<br />
aceita-se melhor. Tem <strong>de</strong><br />
se dar uma resposta a<br />
esse argumento falacioso<br />
e explicar que<br />
o que está em<br />
causa é a igualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> acesso<br />
ao casamento,<br />
o que não<br />
CARLOS MANUEL MARTINS<br />
“‘Lobby’ é o que<br />
o movimento social<br />
tem <strong>de</strong> fazer. Falar<br />
com <strong>de</strong>putados,<br />
jornalistas, ven<strong>de</strong>r<br />
o seu peixe.<br />
É absolutamente<br />
salutar”<br />
JOÃO HENRIQUES<br />
quer dizer que não haja outras coisas<br />
por cumprir. A luta contra a homofobia<br />
não acabará <strong>de</strong>pois da aprovação<br />
do casamento. O casamento é<br />
apenas uma <strong>de</strong> muitas formas jurídicas<br />
que garantem que a homofobia<br />
<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> acontecer.<br />
Não lhe parece que a luta contra<br />
a homofobia passa também por<br />
acabar com a falta <strong>de</strong> respeito<br />
entre os próprios homossexuais<br />
e o tratamento pouco humano<br />
que por vezes dispensam uns aos<br />
outros?<br />
Respon<strong>de</strong>ria <strong>de</strong> duas maneiras. Precisamos<br />
<strong>de</strong> tornar os homossexuais<br />
mais visíveis e visíveis na sua enorme<br />
diversida<strong>de</strong>, porque a questão da<br />
orientação sexual é absolutamente<br />
transversal à socieda<strong>de</strong>. Muitas vezes<br />
passamos a imagem <strong>de</strong> que o homossexual<br />
é homem, e não mulher, urbano,<br />
<strong>de</strong> classe média, com algum dinheiro<br />
e gosta <strong>de</strong> ir às discotecas. Ao<br />
fazer isso estamos a esquecer o canalizador<br />
e a lava<strong>de</strong>ira.<br />
Por outro lado, temos <strong>de</strong> fazer uma<br />
luta contra a homofobia interiorizada.<br />
Os gays e as lésbicas crescem na mesma<br />
socieda<strong>de</strong> que os heterossexuais,<br />
por isso interiorizam também a homofobia.<br />
Gran<strong>de</strong> parte da sua luta é<br />
para se aceitarem a si próprios, mas<br />
muitas vezes projectam a homofobia<br />
nos outros. É preciso esse respeito<br />
mútuo, <strong>de</strong> facto. Agora, não me parece<br />
que haja nenhuma pecha particular<br />
dos gays e lésbicas em termos <strong>de</strong> falta<br />
<strong>de</strong> respeito que seja diferente da falta<br />
<strong>de</strong> respeito que há entre qualquer outro<br />
grupo social.<br />
Fica bem em televisão,<br />
argumenta bem, está à-vonta<strong>de</strong>.<br />
De on<strong>de</strong> lhe vem esse jogo <strong>de</strong><br />
cintura mediático?<br />
Não sei, mas vou-lhe dizer uma coisa<br />
que é capaz <strong>de</strong> ter piada: só me sinto<br />
bem na televisão. Descobri que gosto<br />
imenso daquele meio e em particular<br />
<strong>de</strong> estar em directo. As coisas gravadas<br />
tiram-me completamente o tesão, como<br />
se costuma dizer. No entanto, sou<br />
um bocado tímido e pouco sociável.<br />
Tem razões <strong>de</strong> queixa dos media<br />
em relação a si ou ao movimento<br />
gay?<br />
Em relação a mim, não. Em relação<br />
ao movimento gay, há cada vez menos<br />
razões <strong>de</strong> queixa e que já foi muito<br />
pior. Muitas vezes faziam coisas mal<br />
por ignorância e não por malva<strong>de</strong>z.<br />
Houve um gran<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> pedagogia<br />
feito movimento, no sentido <strong>de</strong><br />
enviar materiais, contactar as pessoas,<br />
chamar a atenção.<br />
Fazer “lobby”.<br />
Sim, sim, excelente palavra, sem qualquer<br />
problema. É irreal como certas<br />
expressões são apropriadas e transformadas<br />
numa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> maçonaria<br />
ou socieda<strong>de</strong> secreta. “Lobby” é o que<br />
o movimento social tem <strong>de</strong> fazer. Falar<br />
com <strong>de</strong>putados, jornalistas, ven<strong>de</strong>r o<br />
seu peixe. É absolutamente salutar.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 31
Livros<br />
O tom irónico<br />
e <strong>de</strong>smedido das<br />
primeiras obras<br />
<strong>de</strong> Jay McInerney,<br />
alimentadas<br />
a álcool, drogas<br />
e sexo, foi<br />
lentamente<br />
substituído por<br />
uma toada elegíaca<br />
que, em “A Boa<br />
Vida”, atinge<br />
o apogeu<br />
Espaço<br />
Público<br />
Ficção<br />
Elegia<br />
Meditação pungente <strong>de</strong> um<br />
homem <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong> que<br />
chora a sua juventu<strong>de</strong> na<br />
Nova Iorque ferida do “11/9”.<br />
Helena Vasconcelos<br />
A Boa Vida<br />
Jay McInerney<br />
(Trad. Carla Lopes)<br />
Edição Teorema<br />
mmmmn<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
“A Boa Vida”<br />
começa em<br />
vésperas <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />
Setembro <strong>de</strong> 2001,<br />
quando Nova<br />
Iorque vive as<br />
últimas horas<br />
antes da<br />
catástrofe. Entre<br />
os seus habitantes encontram-se dois<br />
casais em lugares opostos <strong>de</strong><br />
Manhattan: no Upper East Si<strong>de</strong>, os<br />
abastados Luke e Sasha preparam-se<br />
para uma festa <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> no Jardim<br />
Zoológico em Central Park, por entre<br />
o frenesim <strong>de</strong> fotógrafos e<br />
“socialites”. Em TriBeCa, Corrine e<br />
Russell – o casal que protagonizou<br />
“Quando o Brilho Cai” e alguns<br />
contos do autor – recebem amigos<br />
para jantar no seu “loft” alugado,<br />
on<strong>de</strong> vivem com os filhos gémeos,<br />
conseguidos graças à fertilização dos<br />
óvulos da pouco<br />
recomendável irmã<br />
<strong>de</strong> Corrine,<br />
Hillary.<br />
O<br />
ambiente –<br />
Salman<br />
(Rushdie)<br />
cancelou,<br />
mas entre<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
“Um Outro”, <strong>de</strong> Kertész, é um “road movie” por cenários europeus<br />
que documenta um sentimento <strong>de</strong> nojo do mundo<br />
os convidados está um cineasta e o<br />
dono <strong>de</strong> um restaurante, ambos<br />
célebres – é <strong>de</strong> sofisticada<br />
<strong>de</strong>scontracção, enquanto Russell,<br />
armado em “chef” e embrenhado<br />
“na nova esfera <strong>de</strong> acção competitiva<br />
masculina” da restauração (o próprio<br />
McInerney escreveu um livro sobre<br />
vinhos) se afadiga na preparação do<br />
repasto que envolve “Sturm und<br />
Drang, angst e adrenalina”.<br />
É mais uma noite <strong>de</strong> azáfama novaiorquina<br />
mas tanto na reunião da alta<br />
finança como na da “inteligentsia”<br />
são visíveis alguns sinais <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>sespero e <strong>de</strong>sconforto. Corrine<br />
teme que a irmã lhe tire os filhos e<br />
suspeita <strong>de</strong> que Russell tem uma<br />
amante, Luke, financeiro que <strong>de</strong>cidiu<br />
reformar-se para “dar mais atenção à<br />
família”, apercebe-se <strong>de</strong> que a<br />
mulher e a filha pouco precisam <strong>de</strong>le,<br />
Sasha continua as suas activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
boneca <strong>de</strong> luxo e Ashley, com 14 anos<br />
(“ter 14 anos em Manhattan é o<br />
equivalente a ter 27 noutro local”),<br />
encontra-se em estado avançado na<br />
exploração do radiante universo das<br />
drogas, sexo e consumismo.<br />
McInerney é suficientemente hábil<br />
para introduzir a catástrofe <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong><br />
Setembro como catalisadora sem a<br />
<strong>de</strong>screver em <strong>de</strong>talhe, embora seja<br />
claro que tudo muda num instante<br />
com a rapi<strong>de</strong>z mortífera <strong>de</strong> uma<br />
bomba atómica. O ambiente é<br />
apocalíptico, os pesa<strong>de</strong>los inva<strong>de</strong>m<br />
as mentes dos sobreviventes, as<br />
famílias e os grupos amputados –<br />
toda a gente conhece alguém<br />
<strong>de</strong>saparecido – discutem entre si se<br />
<strong>de</strong>vem partir ou ficar, e, como uma<br />
maré torrencial, as pessoas afastamse<br />
do que anteriormente lhes<br />
fornecia a segurança <strong>de</strong> uma<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, enlouquecendo ao<br />
respirar o ar rarefeito e envenenado<br />
dos escombros e dos milhares <strong>de</strong><br />
corpos incinerados.<br />
Corrine, que se cruza na manhã do<br />
dia 12 com Luke na rua enegrecida<br />
pelo fumo e pelos <strong>de</strong>tritos – existem<br />
várias referências a Pompeia –,<br />
abandona a família, tão dificilmente<br />
construída e mantida, para passar as<br />
noites com os voluntários no Ground<br />
Zero. É aí que reencontra Luke, <strong>de</strong><br />
quem se torna amante, numa relação<br />
que tem tanto <strong>de</strong> prazer como <strong>de</strong><br />
culpa. Não é por acaso que McInerney<br />
cita directamente Graham Greene,<br />
colocando Corrine a trabalhar no<br />
guião <strong>de</strong> “O Coração da Matéria”, o<br />
livro em que o escritor católico<br />
explora as agonias <strong>de</strong> um homem<br />
preso a duas mulheres no seguimento<br />
<strong>de</strong> uma catástrofe. (Note-se que na<br />
Manhattan do século XXI o “affair”<br />
entre duas pessoas <strong>de</strong> meia-ida<strong>de</strong><br />
cujos respectivos cônjuges lhes são<br />
também infiéis é reconhecidamente<br />
banal e por vezes ganha contornos <strong>de</strong><br />
uma “sitcom”, só alcançando o<br />
“pathos” necessário <strong>de</strong>vido às<br />
circunstâncias em que se <strong>de</strong>senrola).<br />
Entre a Nova Iorque que converge<br />
para o ponto <strong>de</strong> impacto – à noite, a<br />
“feérie” do cenário das escavações é<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
tão hipnótica como o sol<br />
adorado num<br />
tabernáculo – e a que<br />
procura afastar-se <strong>de</strong>sse<br />
“buraco” vertiginoso e horrendo,<br />
existe um abissal <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong><br />
forças, semelhante ao que divi<strong>de</strong><br />
aqueles que buscam uma espécie <strong>de</strong><br />
re<strong>de</strong>nção e <strong>de</strong> catarse e os que se<br />
<strong>de</strong>ixam levar pela trivialida<strong>de</strong><br />
absurda das suas vidas. A contrapor à<br />
doçura fitzgeraldiana das cenas com<br />
Corrine e Luke, McInerney faz uso da<br />
sátira – contaminações <strong>de</strong> Martin<br />
Amis, <strong>de</strong> Tom Wolfe e <strong>de</strong> Jonathan<br />
Swift (“The Lady’s Dressing Room”,<br />
1732, na cena em que Sasha se está a<br />
arranjar para sair) – para <strong>de</strong>screver<br />
personagens como o filantropo<br />
bilionário Bernie Melman, a “Barbie”<br />
Sasha, Trisha (amante <strong>de</strong> Russell),<br />
Hillary e Ashley, figuras que parecem<br />
sair directamente <strong>de</strong> “O Sexo e a<br />
Cida<strong>de</strong>”. McInerney remete-nos para<br />
a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> um universo que lhe é<br />
familiar – toda a gente está a escrever<br />
livros ou a <strong>de</strong>dicar-se a causas sociais<br />
(com maior ou menor cinismo),<br />
activida<strong>de</strong>s essenciais do tecido<br />
urbano <strong>de</strong> Manhattan – enquanto<br />
explora a perda repetida da<br />
“inocência”, esse tema tão<br />
fortemente inscrito na cultura<br />
americana e que, ciclicamente,<br />
contamina a sua Literatura, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />
finais do século XVIII.<br />
McInerney publicou “Bright Lights,<br />
Big City” em 1984, quando o romance<br />
era consi<strong>de</strong>rado género em extinção.<br />
Na esteira <strong>de</strong> escritores como<br />
Raymond Carver (que foi seu<br />
professor <strong>de</strong> Escrita Criativa) e Ann<br />
Beattie, re<strong>de</strong>senhou o mapa literário,<br />
arrastando consigo autores como Bret<br />
Easton Ellis (com quem tem trocado<br />
personagens), Mark Lindquist e Tama<br />
Janowitz. Foram apelidados <strong>de</strong> “Brat<br />
Pack“ e assumiram-se como fiéis<br />
her<strong>de</strong>iros da “geração perdida” dos<br />
anos vinte, incluindo no seu<br />
“curriculum” os excessos e as<br />
extravagâncias que os catapultaram<br />
para o circuito dos ricos e famosos.<br />
McInerney acompanhou os altos e<br />
baixos das últimas décadas numa<br />
escrita com um cunho fortemente<br />
autobiográfico mas o tom rápido,<br />
contun<strong>de</strong>nte, irónico e <strong>de</strong>smedido<br />
dos primeiros anos, alimentados a<br />
álcool, drogas e sexo, foi lentamente<br />
substituído por uma toada elegíaca<br />
que, em “A Boa Vida”, atinge o seu<br />
apogeu e se transforma na meditação<br />
pungente <strong>de</strong> um homem <strong>de</strong> meiaida<strong>de</strong><br />
que chora a sua juventu<strong>de</strong> na<br />
metrópole esplendorosa, seriamente<br />
ferida, envolta em cinzas e cheirando<br />
a morte. Se Jay Gatsby é o ícone <strong>de</strong><br />
uma época – o final amargo da gran<strong>de</strong><br />
festa dos anos vinte – McInnerney<br />
entoa o canto fúnebre <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>cadência <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os<br />
anos 80 e sujeita ao golpe quase<br />
mortal do início do novo milénio,<br />
quando as luzes se apagaram e os<br />
versos <strong>de</strong> Rimbaud se inscreveram, a<br />
néon, no céu: “Jadis, si je me souviens<br />
bien, ma vie était un festin où<br />
s’ouvraient tous<br />
les coeurs, où tous<br />
les vins coulaient.” É<br />
verda<strong>de</strong> que o “barco<br />
ébrio” do poeta francês não<br />
chegou a bom porto mas McInerney<br />
espera, ainda, que a re<strong>de</strong>nção seja<br />
possível e que o brilho regresse.<br />
Nota: reconhecendo-se a dificulda<strong>de</strong><br />
numa tradução on<strong>de</strong> abundam os<br />
termos e o jargão “locais”, é <strong>de</strong><br />
lamentar alguns erros – um exemplo:<br />
“Canal” não é um “canal” mas sim<br />
uma rua, “Canal Street”, importante<br />
neste contexto porque separa Little<br />
Italy <strong>de</strong> China Town e é uma das<br />
<strong>de</strong>limitações <strong>de</strong> TriBeCa (Triangle<br />
Below Canal Street) – e as múltiplas<br />
notas <strong>de</strong> rodapé, que po<strong>de</strong>riam ter<br />
sido remetidas para um glossário.<br />
Crónica da<br />
estranheza<br />
Reflexões <strong>de</strong> uma das<br />
vozes mais angustiadas da<br />
literatura da Europa Central.<br />
José Riço Direitinho<br />
Um Outro<br />
Imre Kertész<br />
(tradução do húngaro <strong>de</strong> Ernesto<br />
Rodrigues)<br />
Editorial Presença, €11,00<br />
mmmmm<br />
Quando, em 2002, a<br />
Aca<strong>de</strong>mia Sueca<br />
<strong>de</strong>cidiu distinguir<br />
com o Prémio Nobel<br />
<strong>de</strong> Literatura o<br />
húngaro Imre<br />
Kertész (n. 1929),<br />
este continuava<br />
ainda a ser um<br />
quase <strong>de</strong>sconhecido no seu país.<br />
Durante décadas, por circunstâncias<br />
estranhas, os seus livros não tinham<br />
passado <strong>de</strong> umas exíguas primeiras<br />
edições e as instituições estatais, por<br />
intermédio dos “secretários<br />
kafkianos” do regime (que, no<br />
entanto, o vigiavam), <strong>de</strong>dicavam-lhe<br />
uma propositada indiferença e falso<br />
<strong>de</strong>sdém. Como diz uma sua<br />
personagem: “Para quê liquidá-lo?<br />
Ele vai sucumbir sozinho.”<br />
Imre Kertész nasceu em Budapeste<br />
numa família judia assimilada, e em<br />
1944 (com 15 anos) foi <strong>de</strong>portado para<br />
Auschwitz e mais tar<strong>de</strong> transferido<br />
para o campo <strong>de</strong> Buchenwald, <strong>de</strong><br />
on<strong>de</strong> foi libertado em 1945.<br />
Regressado a Budapeste, entre outras<br />
ocupações exerceu o jornalismo num<br />
periódico, mas no início da década <strong>de</strong><br />
50 foi <strong>de</strong>mitido quando o jornal se<br />
transformou numa espécie <strong>de</strong> órgão<br />
oficial do Partido Comunista. Passou<br />
a viver do ofício <strong>de</strong> tradutor, vertendo<br />
da língua alemã autores como<br />
Nietzsche, Hofmannsthal, Freud,
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
O segundo romance <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />
publicado em 1988, chega agora às livrarias<br />
em terceira edição<br />
Wittgenstein, Schnitzler, Canetti,<br />
Thomas Bernhard, entre outros.<br />
Curiosamente, todos autores que<br />
acabaram por influenciar bastante a<br />
sua obra. Em 1989, com a queda do<br />
Muro <strong>de</strong> Berlim e dos regimes<br />
europeus pró-soviéticos, a ele, que<br />
se consi<strong>de</strong>ra “filho incorrigível das<br />
ditaduras”, é-lhe oferecida a<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair da Hungria e <strong>de</strong><br />
ver o mundo. “Simplesmente,<br />
aconteceu que me <strong>de</strong>volveram a<br />
‘conditio minima’, a minha liberda<strong>de</strong><br />
individual – rangendo, abriu-se,<br />
assim, a porta da cela em que me<br />
fecharam durante quarenta anos, e<br />
po<strong>de</strong> dar-se que seja bastante para<br />
me perturbar. Não se po<strong>de</strong> viver a<br />
liberda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se viveu o cativeiro.<br />
Seria preciso ir para qualquer lado, ir<br />
para muito longe daqui.” Tendo<br />
então já alguns dos seus livros<br />
traduzidos para alemão, Kertész<br />
começa a aceitar todos os convites<br />
para sessões <strong>de</strong> leitura, conferências,<br />
apresentações e <strong>de</strong>bates, bolsas,<br />
residências artísticas, visitando<br />
cida<strong>de</strong>s (por vezes ficando durante<br />
semanas) uma após outra: Viena,<br />
Zurique, Frankfurt, Berlim,<br />
Hamburgo, Leipzig, Paris… Chega a<br />
passar apenas três meses por ano<br />
em Budapeste. “Assim vivo, como<br />
um fugitivo.”<br />
Mas esta nova e estranha “leveza<br />
do ser” traz-lhe uma inesperada e<br />
irracional nostalgia do passado, os<br />
“novos tempos” começam a parecerlhe<br />
uma traição ao seu antigo modo<br />
<strong>de</strong> vida espartano (“viver<br />
constantemente face a forças <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>struição”), era esse que lhe tinha<br />
conferido uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrita.<br />
“Porque me sinto assim tão perdido?<br />
Manifestamente, porque estou<br />
perdido?” É, em parte, <strong>de</strong>sse<br />
sentimento e <strong>de</strong>sses “novos tempos”<br />
que Kertész nos dá conta em “Um<br />
Outro – Crónica <strong>de</strong> uma<br />
metamorfose”.<br />
Este livro, apresentado<br />
intencionalmente pelo autor como<br />
uma obra <strong>de</strong> ficção, é um diário <strong>de</strong><br />
reflexões pessoais anotadas entre o<br />
Outono <strong>de</strong> 1991 e a “Primavera fria e<br />
lamacenta <strong>de</strong> 1995”. Mas porquê,<br />
então, chamar-lhe obra <strong>de</strong> ficção,<br />
sendo um diário? A resposta é-nos<br />
dada pela epígrafe <strong>de</strong> Rimbaud, a<br />
fórmula que este <strong>de</strong>ixou para o<br />
Mo<strong>de</strong>rnismo: “Je est un autre” (Eu é<br />
um outro). O autor é Imre Kertész,<br />
mas a personagem (narrador) é o<br />
escritor I. K. (“eu vivo a vida <strong>de</strong> um<br />
escritor chamado I. K.”), que nos diz<br />
que o “Eu” é “uma ficção <strong>de</strong> que<br />
somos, quando muito, co-autores”.<br />
Kertész sente que per<strong>de</strong>u a sua<br />
i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> anterior, que se<br />
metamorfoseou, e estas reflexões<br />
apresentadas como ficção são uma<br />
tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> uma outra,<br />
<strong>de</strong> se reinventar como um “outro”.<br />
Mas a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é apenas a da<br />
escrita. “Confesso-vos, pois: tenho<br />
uma só i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da<br />
escrita. (Eine sich selbst schreiben<strong>de</strong><br />
I<strong>de</strong>ntität.)” (Uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que a si<br />
mesma se escreve.). E durante estes<br />
tempos Kertész acha que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />
“saber escrever”.<br />
“Um Outro” é uma espécie <strong>de</strong><br />
“road movie” por uma sequência <strong>de</strong><br />
cenários europeus e que documenta<br />
a nova maneira <strong>de</strong> viver do escritor,<br />
<strong>de</strong> leitura em leitura, <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> em<br />
cida<strong>de</strong>, mas em que são raros (talvez<br />
não exista mesmo algum) os<br />
momentos <strong>de</strong> espanto, <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>,<br />
<strong>de</strong> um pequeno interesse que<br />
justifique a viagem. Um sentimento<br />
<strong>de</strong> nojo do mundo. Há um cansaço<br />
que perpassa todo o texto. São<br />
cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> chove quase sempre e<br />
que, sem que o leitor perceba bem<br />
porquê, convocam a Kertész<br />
memórias <strong>de</strong> Auschwitz<br />
confrontando-o com o passado, com<br />
a infância, provocando momentos<br />
reflexivos sobre o que é a existência<br />
num mundo pós-Auschwitz, sobre o<br />
totalitarismo, o terror, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
judaica, a inutilida<strong>de</strong> da luci<strong>de</strong>z, a<br />
vergonha <strong>de</strong> ter sobrevivido, mas<br />
recusando sempre o heroísmo do<br />
sofrimento, o papel <strong>de</strong> vítima, e<br />
prescindindo, <strong>de</strong> maneira<br />
implacável, <strong>de</strong> encontrar qualquer<br />
tipo <strong>de</strong> consolo.<br />
As cinco<br />
Arlington Park<br />
Rachel Cusk<br />
(Trad. Tânia Ganho)<br />
ASA<br />
mmmnn<br />
O que levará críticos<br />
conspícuos a<br />
consi<strong>de</strong>rarem<br />
Rachel Cusk (n.<br />
1967) uma espécie<br />
<strong>de</strong> Jane Austen do<br />
século XXI, como<br />
apareceu escrito no<br />
“Times Literary<br />
Supplement”, ou mesmo a falar <strong>de</strong><br />
Stendhal? Em 2003, quando a revista<br />
“Granta” incluiu o seu nome na lista<br />
dos vinte melhores jovens<br />
romancistas britânicos, já ela havia<br />
publicado cinco romances. “Arlington<br />
Park” é o sétimo. O livro integrou a<br />
lista <strong>de</strong> finalistas do Orange Prize, e<br />
se Rachel o tivesse ganho teria<br />
sido o quarto prémio em <strong>de</strong>z<br />
anos. Isto para dizer que a<br />
autora, docente do New<br />
College <strong>de</strong> Oxford, é hoje um<br />
nome <strong>de</strong> referência da<br />
literatura <strong>de</strong> língua inglesa.<br />
À superfície, “Arlington Park”<br />
lembra “A Festa <strong>de</strong> Mrs<br />
Dalloway”, o livro <strong>de</strong> contos<br />
<strong>de</strong> Virginia Woolf que<br />
teve publicação<br />
póstuma em 1973<br />
(não confundir com<br />
o romance “Mrs<br />
Dalloway”, <strong>de</strong><br />
1925). Tudo<br />
acontece num único<br />
dia, tendo como<br />
O que levará críticos<br />
conspícuos a consi<strong>de</strong>rarem<br />
Rachel Cusk uma Jane<br />
Austen do século XXI?<br />
ponto culminante o jantar. Ponto<br />
prévio: nenhuma das cinco amigas <strong>de</strong><br />
“Arlington Park” tem a mais remota<br />
afinida<strong>de</strong> com Clarissa Dalloway,<br />
ainda que Christine a cite <strong>de</strong> viés.<br />
Mulheres do nosso tempo,<br />
Christine, Solly, Maisie, Amanda e<br />
Juliet querem ser, ou pelo menos<br />
parecer, belas, cultas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />
e respeitáveis. Também querem<br />
provocar <strong>de</strong>sejo no homem da rua.<br />
Maridos e filhos são peças da mesma<br />
engrenagem. Christine é a que tem a<br />
responsabilida<strong>de</strong> do jantar; Solly<br />
hospeda estudantes estrangeiras para<br />
equilibrar o orçamento do mês;<br />
Maisie, cujos pais têm uma vivenda<br />
em Portugal, trocou Londres por<br />
Arlington e sente dificulda<strong>de</strong> em<br />
adaptar-se ao novo estilo <strong>de</strong> vida;<br />
Amanda troca um emprego <strong>de</strong><br />
executiva bem sucedida pela rotina<br />
da vida em família, e Juliet, a<br />
professora, dinamiza o Clube<br />
Literário do liceu do bairro. Arlington<br />
é um subúrbio ficcionado <strong>de</strong> Londres,<br />
<strong>de</strong>calcado, se assim se po<strong>de</strong> dizer, <strong>de</strong><br />
Agrestic, o condomínio asséptico<br />
on<strong>de</strong> Craig Zisk situa a série <strong>de</strong><br />
televisão “Weeds”. Rachel não tem<br />
culpa da coincidência, mas o<br />
“mo<strong>de</strong>lo” não nos larga à medida que<br />
a leitura progri<strong>de</strong>. Infelizmente, a<br />
falta <strong>de</strong> espessura das personagens<br />
contribui para potenciar esse efeito<br />
<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>. Porém, lá on<strong>de</strong> as<br />
personagens <strong>de</strong> Zisk vivem na linha<br />
<strong>de</strong> fronteira da transgressão, as <strong>de</strong><br />
Rachel (mau grado o cinismo amargo<br />
<strong>de</strong> Christine e o <strong>de</strong>sencanto <strong>de</strong> Juliet)<br />
não têm arestas. Noutro patamar,<br />
qualquer tentativa <strong>de</strong> relacionar o<br />
“plot” com o psicologismo <strong>de</strong> Virginia<br />
Woolf é pura perda <strong>de</strong> tempo.<br />
A história vive dos <strong>de</strong>talhes.<br />
Rachel é extremamente feminina no<br />
relato do quotidiano (pequenoalmoço,<br />
compras, trapos, tricas,<br />
cozinhados), bem como na minúcia<br />
com que <strong>de</strong>screve a cupi<strong>de</strong>z geral:<br />
“Elas po<strong>de</strong>m não ser licenciadas,<br />
nem doutoradas, nem ter empregos<br />
fascinantes... po<strong>de</strong>m não ser as<br />
pessoas mais ricas que já conheceste<br />
na vida, nem as mais famosas e<br />
importantes, mas acredita que o<br />
grupo <strong>de</strong> pessoas que eu vejo aqui<br />
todos os dias é o mais variado,<br />
interessante e corajoso que vais<br />
encontrar seja on<strong>de</strong> for!” Tão<br />
especiais que não querem<br />
viver em Londres. E<br />
explicam porquê: “O raio da<br />
capital terrorista do mundo.<br />
Estão lá todos, a conviver<br />
alegremente em Bayswater,<br />
livres como passarinhos, e<br />
ainda por cima a<br />
arranjarem os<br />
<strong>de</strong>ntes à borla<br />
através do<br />
Serviço Nacional<br />
<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.” Ali,<br />
naquele<br />
subúrbio sem<br />
textura, não há<br />
sobressaltos<br />
nem intrusos.<br />
Entre o “jogging” e discussões sobre<br />
as irmãs Brontë (Heathcliff é um<br />
canalha “sexy” ou um vulgar<br />
patife?), o tédio abre-se a todas as<br />
possibilida<strong>de</strong>s.<br />
Das cinco, Juliet é a única que<br />
questiona o padrão <strong>de</strong> vida <strong>de</strong><br />
Arlington: “As raparigas a quem<br />
Juliet dava aulas eram criaturinhas<br />
satisfeitas consigo próprias, que<br />
saíam do mesmo mol<strong>de</strong> que as mães<br />
[...] sem a mínima noção da sua<br />
vulnerabilida<strong>de</strong>.” Fora essas<br />
ocasionais perplexida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
natureza existencial, tudo repousa<br />
numa “beleza <strong>de</strong>strutiva”. Por vezes,<br />
a narrativa aproxima-se da epifania,<br />
mas se Rachel não tivesse os<br />
pergaminhos académicos que tem,<br />
seria expeditamente arrumada na<br />
prateleira das autoras “do coração”.<br />
Eduardo Pitta<br />
História Trágico-<br />
Marítima<br />
Naufrágio <strong>de</strong> Sepúlveda<br />
Vasco Graça Moura<br />
Quetzal, € 16,90<br />
mmmnn<br />
“Relação da mui<br />
notável perda do<br />
galeão gran<strong>de</strong> S.<br />
João em que se<br />
contam os gran<strong>de</strong>s<br />
trabalhos e<br />
lastimosas cousas<br />
que aconteceram ao<br />
capitão Manoel <strong>de</strong><br />
Sousa Sepulveda, e o lamentável fim<br />
que ele, e a sua mulher, e filhos, e<br />
toda a mais gente houveram na Terra<br />
do Natal, on<strong>de</strong> se per<strong>de</strong>ram a 24 <strong>de</strong><br />
Junho <strong>de</strong> 1552”. Este célebre episódio<br />
da “História Trágico-Marítima” serve<br />
<strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida ao segundo<br />
romance <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />
publicado em 1988, cuja terceira<br />
edição chega agora às livrarias.<br />
O histórico naufrágio encontra eco<br />
em duas mortes contemporâneas: os<br />
aparentes suicídios <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong><br />
Montalvor, editor e poeta do<br />
mo<strong>de</strong>rnismo português, e do<br />
ficcional Manuel <strong>de</strong> Sousa Sepúlveda,<br />
homem <strong>de</strong> negócios homónimo do<br />
capitão quinhentista. Montalvor e<br />
Sepúlveda morreram em décadas<br />
diferentes mas com um método<br />
semelhante, ambos num automóvel<br />
atirado ao rio no cais <strong>de</strong> Belém. Isso<br />
<strong>de</strong>ixa o narrador do romance<br />
bastante intrigado. Através <strong>de</strong> jornais<br />
antigos e conversas, investiga os<br />
estranhos casos, relatando ao mesmo<br />
tempo outros naufrágios pessoais e<br />
colectivos. Acontecimento real ou<br />
metafórico, o naufrágio tem uma<br />
longa tradição, <strong>de</strong> Homero a<br />
Hopkins, e aqui representa vários<br />
colapsos económicos ou mentais <strong>de</strong><br />
gente que viveu na transição da<br />
ditadura para a <strong>de</strong>mocracia.<br />
Como acontece com frequência<br />
nos romances <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />
há uma intenção polémica <strong>de</strong>clarada.<br />
Essa intenção manifesta-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
logo no retrato <strong>de</strong>liberadamente<br />
grotesco dos anos imediatos do pós-<br />
Revolução, vistos em gran<strong>de</strong> medida<br />
como o triunfo <strong>de</strong> um “tropel<br />
andrajoso” que não <strong>de</strong>scansava<br />
enquanto não metesse “a direita no<br />
Campo Pequeno”. Vinte anos <strong>de</strong>pois,<br />
o discurso parece menos ousado,<br />
mas mantém a mesma recusa face a<br />
uma memória geracional i<strong>de</strong>alizada.<br />
Tanto mais que este “narrador”<br />
não se distingue do chamado “autor<br />
empírico”: é escritor, foi advogado,<br />
secretário <strong>de</strong> Estado, director da RTP<br />
e administrador da Imprensa<br />
Nacional (o currículo actual seria bem<br />
mais extenso). Recusando a ficção<br />
pura, o romance ganha assim uma<br />
dimensão <strong>de</strong> testemunho, cheio das<br />
idiossincrasias que conhecemos a<br />
V.G.M. O texto está pejado <strong>de</strong><br />
referências culturais, pintura e<br />
música clássica sobretudo, e nelas<br />
<strong>de</strong>tectamos os sofisticados gostos do<br />
autor. Mas há também <strong>de</strong>sgostos, que<br />
são muitos, <strong>de</strong> Brecht ao Bairro Alto,<br />
passando pela UNESCO e o<br />
conceptualismo. A experiência<br />
institucional faz o “narrador” ver o<br />
mundo da cultura como uma<br />
sucessão <strong>de</strong> “reivindicações,<br />
retaliações, <strong>de</strong>missões, perversões,<br />
legislações”, diagnóstico<br />
especialmente divertido, uma vez que<br />
em 1988 o “autor empírico” exercia<br />
funções oficiais.<br />
Além das embirrações, o texto<br />
recicla tudo o que vai acontecendo,<br />
um recurso <strong>de</strong>cisivo no estilo<br />
romanesco <strong>de</strong> Graça Moura. Uma<br />
entrevista <strong>de</strong> José Mattoso ao<br />
“Expresso”, o trânsito em <strong>Lisboa</strong>, a<br />
biblioteca, “Les Demoiselles<br />
d’Avignon”, o “caso Hei<strong>de</strong>gger”, tudo<br />
entrou no romance, provavelmente à<br />
medida que este foi sendo escrito, em<br />
tempo real. Redigido num único<br />
parágrafo compacto (não por acaso<br />
se cita Bernhard), “Naufrágio <strong>de</strong><br />
Sepúlveda” é “um texto ondulante <strong>de</strong><br />
tempos enca<strong>de</strong>ados sem costuras<br />
nem pausas”, sucessão rápida, num<br />
fôlego, <strong>de</strong> diálogos, actos, <strong>de</strong>scrições,<br />
concerto <strong>de</strong> vozes que, do princípio<br />
ao fim, se suce<strong>de</strong>m <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong><br />
chuvadas, trovoadas, tempesta<strong>de</strong>s,<br />
como nos <strong>de</strong>sastres em mar alto.<br />
Essa maleabilida<strong>de</strong> do texto é o<br />
mais estimulante em “Naufrágio do<br />
Sepúlveda”, que às vezes tem<br />
personagens apenas esboçadas e<br />
minúcias enfadonhas. Ao mesmo<br />
tempo, há uma pulsão poética em<br />
Graça Moura que <strong>de</strong>senha com<br />
exactidão tonalida<strong>de</strong>s e texturas<br />
quotidianas. Não é por acaso: além<br />
do naufrágio, o tema do<br />
romance é a representação. Essa<br />
representação que no Oci<strong>de</strong>nte foi<br />
evoluindo da mimese para o próprio<br />
processo criativo, originando assim<br />
vários mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>,<br />
mo<strong>de</strong>los testados ao longo do<br />
romance, aplicados à História<br />
portuguesa e à história dos seus<br />
naufrágios. Pedro Mexia<br />
34 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Cinema<br />
Estreiam<br />
Isto é<br />
hardcore<br />
É um filme explícito e a sua<br />
estrutura é a repetição: muda<br />
<strong>de</strong> quarto, não sai do sexo.<br />
O que, como no porno, é<br />
experiência <strong>de</strong> tolerância<br />
limitada. Mas é <strong>de</strong> admirar a<br />
ferocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong>. Vasco Câmara<br />
Bruno<br />
Brüno<br />
De Larry Charles,<br />
com <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>, Richard<br />
Bey, Ron Paul. M/16<br />
MMNNN<br />
<strong>Lisboa</strong>: Castello Lopes - Cascais Villa: Sala 4: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h20, 17h20, 19h30,<br />
21h50 6ª Sábado 13h20, 15h20, 17h20, 19h30,<br />
21h50, 00h20; Castello Lopes - Loures<br />
Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h, 15h, 16h50, 18h50, 21h50, 00h15; CinemaCity<br />
Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 7: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 13h30,<br />
15h30, 17h35, 19h30, 21h30, 23h30 Sábado Domingo<br />
11h45, 13h30, 15h30, 17h35, 19h30, 21h30,<br />
23h30; CinemaCity Beloura Shopping: Sala 1: 5ª 6ª<br />
2ª 3ª 4ª 13h35, 15h30, 17h35, 19h30, 21h35, 23h30<br />
Sábado Domingo 11h50, 13h35, 15h30, 17h35, 19h30,<br />
21h35, 23h30; CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h05,<br />
20h, 21h45, 23h35 Sábado Domingo 11h55, 14h, 16h,<br />
18h05, 20h, 21h45, 23h35; Me<strong>de</strong>ia<br />
Monumental: Sala 4 - Cine Teatro: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h, 16h45, 18h30, 20h15,<br />
22h, 00h30; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 13:<br />
5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h10, 18h10, 20h10,<br />
22h10, 00h15 Domingo 11h30, 14h10, 16h10, 18h10,<br />
20h10, 22h10, 00h15; UCI Dolce Vita Tejo: Sala 2: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h15, 17h05,<br />
As estrelas do público<br />
19h, 21h15, 23h45; ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h40, 17h45,<br />
19h50, 21h55; ZON Lusomundo CascaiShopping: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h10, 18h50,<br />
21h05, 23h40; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h15, 17h25,<br />
19h35, 21h45, 24h; ZON Lusomundo Odivelas<br />
Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h20,15h40, 17h50, 21h30, 23h40; ZON Lusomundo<br />
Oeiras Parque: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h15, 15h35, 17h40, 19h50, 21h50, 24h; ZON<br />
Lusomundo Torres Vedras: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h45, 16h20, 18h40, 21h30, 23h40; ZON<br />
Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h20, 17h20, 19h20,<br />
21h20, 24h; Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 3: 5ª<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 15h30, 17h30, 19h30, 21h45 6ª<br />
Sábado 15h30, 17h30, 19h30, 21h45, 24h; Castello<br />
Lopes - Fórum Barreiro: Sala 2: 5ª Domingo 2ª 3ª<br />
4ª 13h, 15h20, 17h30, 19h20, 21h50 6ª Sábado 13h,<br />
15h20, 17h30, 19h20, 21h50, 00h10; Castello Lopes -<br />
Rio Sul Shopping: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 3ª 4ª 13h20, 15h40, 17h40, 19h40, 21h50,<br />
24h; ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h25, 18h05,<br />
21h05, 23h25; ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h10, 17h20,<br />
19h30, 21h40, 23h50;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 16: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 13h45, 15h45, 17h55, 20h05, 22h15,<br />
00h40 3ª 4ª 15h45, 17h55, 20h05, 22h15,<br />
00h40; ZON Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 15h40, 17h50,<br />
20h, 22h10, 00h20; ZON Lusomundo Marshopping:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30, 19h,<br />
21h30, 23h40; ZON Lusomundo NorteShopping: 5ª<br />
6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10, 17h30,<br />
20h, 22h25, 00h50; ZON Lusomundo Parque<br />
Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />
15h, 17h10, 19h30, 21h50, 00h15; ZON Lusomundo<br />
Glicínias: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 14h05, 16h30, 18h55, 21h20,<br />
23h45;<br />
Talvez seja altura <strong>de</strong><br />
começarmos a pedir<br />
a <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong><br />
<strong>Cohen</strong>, e a quem faz<br />
os filmes com ele,<br />
que nos dê<br />
Jorge<br />
Mourinha<br />
Luís M.<br />
Oliveira<br />
Mário<br />
J. Torres<br />
do norte-americano Andy Kaufman<br />
(1949-1984) – o humorista (neste caso<br />
ajuda pouco o termo...) que fez <strong>de</strong><br />
“humor” outro nome para loucura –<br />
partilha a mesma pulsão “kamikaze”.<br />
Tivemos Borat, temos Brüno, outra<br />
personagem que o britânico <strong>Cohen</strong><br />
<strong>de</strong>senvolveu no seu “show” televisivo<br />
– é o jornalista <strong>de</strong> moda austríaco,<br />
homossexual, que ambiciona a<br />
notorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> outro austríaco, o<br />
pequeno Adolf. Depois <strong>de</strong> estragar<br />
“shows” <strong>de</strong> moda na Europa, on<strong>de</strong> se<br />
torna “persona non grata”, Brüno<br />
parte para a América para ser célebre<br />
entre as celebrida<strong>de</strong>s. E aí junta-se a<br />
fome com a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> comer...<br />
E em “Brüno” junta-se a “câmara<br />
escondida” com a encenação, os<br />
“apanhados” e a simulação <strong>de</strong><br />
espontaneida<strong>de</strong>, e o resultado é<br />
próximo <strong>de</strong> uma orgia<br />
confrontacional. Sexo, sexo, sexo,<br />
sobretudo sexo, atirado à cara –<br />
literalmente, pois até há uma altura<br />
em que temos a sensação <strong>de</strong> que se<br />
nos mexermos muito na ca<strong>de</strong>ira da<br />
sala <strong>de</strong> cinema apanhamos com um<br />
pénis que abana no ecrã. Como num<br />
porno, “Brüno” é um filme explícito e<br />
a sua estrutura é a repetição: muda o<br />
quarto mas nunca saímos da<br />
cama, o que, e isso acontece<br />
quando se assiste a um<br />
porno, é uma experiência <strong>de</strong><br />
tolerância limitada – aliás,<br />
“Brüno” não só progri<strong>de</strong><br />
através da repetição<br />
como todas as<br />
situações criadas são<br />
variações das posições<br />
mais ou menos<br />
acrobáticas <strong>de</strong><br />
“Borat”.<br />
O que é<br />
espontâneo<br />
e o que é<br />
Vasco<br />
Câmara<br />
Brüno mmnnn mnnnn nnnnn mmnnn<br />
Deixa-me Entrar mmmmn mmnnn mmmnn mmmnn<br />
Elegia mmmnn mnnnn nnnnn nnnnn<br />
Cida<strong>de</strong> das Sombras mmmnn nnnnn nnnnn nnnnn<br />
Histórias <strong>de</strong> Caça<strong>de</strong>ira mmmmn mmmnn mmmnn mmmnn<br />
Home-Lar Doce Lar mmmnn mmmnn mmnnn mmmnn<br />
A Ida<strong>de</strong> do Gelo 3 mmmnn mmnnn nnnnn nnnnn<br />
Ligações Perigosas mmmnn mmnnn mmmnn nnnnn<br />
A Ressaca mmnnn nnnnn mnnnn nnnnn<br />
Transformers A nnnnn nnnnn nnnnn<br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> nunca <strong>de</strong>ixa<br />
o espectador em lugar seguro<br />
mercado americano por respeito a<br />
Michael), perante a tentativa <strong>de</strong><br />
engate do senador republicano Ron<br />
Paul, perante a aventura pelo Médio<br />
Oriente on<strong>de</strong> Brüno confun<strong>de</strong><br />
“hummus” com “Hamas” ou perante<br />
o anúncio da adopção <strong>de</strong> bebé negro<br />
em “talk show” com assistência afroamericana<br />
chocada. Essas dúvidas,<br />
contudo, não nos salvam do<br />
<strong>de</strong>sconforto. Porque – é a principal<br />
diferença entre <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> e<br />
outro especialista em “apanhados”,<br />
Michael Moore – o que se passa no<br />
ecrã nunca é apenas uma questão<br />
entre o comediante e as suas<br />
“vítimas”; o que se passa no ecrã<br />
nunca <strong>de</strong>ixa o espectador em lugar<br />
seguro. <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>/Brüno<br />
não é o justiceiro que <strong>de</strong>nuncia, nem<br />
o filme é a clássica <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong><br />
uma aventura <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia. <strong>Sacha</strong><br />
<strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong>/Brüno e o espectador<br />
fazem parte da história. O filme não é<br />
o que se passa no ecrã, o “filme” é o<br />
que se passa entre o ecrã e o<br />
espectador. Tudo encenado ou tudo<br />
espontâneo – “Brüno” é um filme que<br />
procura <strong>de</strong>terminadamente os seus<br />
efeitos –, é tudo feito para nos<br />
envolver. Para nos envolver? Para nos<br />
agredir, saquear. A prova <strong>de</strong> que o<br />
que se passa em “Brüno” não se<br />
passou entre “eles”, comediante e um<br />
“apanhado”, mas entre “nós”, está na<br />
mais incómoda “performance” <strong>de</strong> um<br />
<strong>de</strong>stemido actor que temos visto<br />
ultimamente: ele, sozinho, sem<br />
“partenaire”, pois o “partenaire” é<br />
um fantasma, tacteando,<br />
lambendo as várias hipóteses <strong>de</strong><br />
uma ementa sexual. Imaginando e<br />
puxando pela nossa imaginação. É<br />
hardcore.<br />
Cida<strong>de</strong> das Sombras<br />
City of Ember<br />
De Gil Kenan,<br />
com Bill Murray, Tim Robbins,<br />
Saoirse Ronan, Martin Landau. M/12<br />
MMMnn<br />
mais cinema e não apenas<br />
emanação do(s)<br />
pequeno(s) ecrã(s), TV ou<br />
YouTube – que é o<br />
“habitat” <strong>de</strong>stes<br />
“apanhados”, da sua<br />
estética e da sua ética.<br />
Mas não é razão<br />
para não<br />
admirarmos a<br />
ferocida<strong>de</strong> e a<br />
coragem física <strong>de</strong><br />
<strong>Cohen</strong>, que se não<br />
mergulha, para bem<br />
da sua saú<strong>de</strong> mental,<br />
nas profun<strong>de</strong>zas<br />
esquizofrénicas das<br />
“performances”<br />
encenado?<br />
O que é<br />
imaculadamente<br />
suicidário na<br />
“performance” <strong>de</strong><br />
<strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong><br />
e o que é que foi<br />
assistido? É o que<br />
po<strong>de</strong>mos<br />
perguntar, com<br />
maiores ou<br />
menores certezas,<br />
perante o “foreplay”<br />
homossexual em<br />
ringue <strong>de</strong> wrestling,<br />
com multidão a<br />
vaiar os actos,<br />
perante a ofensa<br />
a LaToya<br />
Jackson (ao<br />
que se diz,<br />
sequência<br />
cortada no<br />
<strong>Lisboa</strong>: ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h10, 18h25, 21h35,<br />
23h50; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h30, 17h50, 21h15,<br />
23h40; UCI Freeport: Sala 3: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h35,<br />
18h30, 21h20 6ª 15h35, 18h30, 21h20, 23h55 Sábado<br />
13h30, 15h35, 18h30, 21h20, 23h55 Domingo 13h30,<br />
15h35, 18h30, 21h20; ZON Lusomundo Almada<br />
Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h05,<br />
15h30, 18h10, 21h15, 23h50;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 14: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h15, 16h40, 19h05, 21h45, 00h20 3ª 4ª 16h40,<br />
19h05, 21h45, 00h20; ZON Lusomundo<br />
GaiaShopping: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h10, 15h30,<br />
17h50, 21h20 6ª Sábado 13h10, 15h30, 17h50, 21h20,<br />
00h30; ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª 2ª 3ª<br />
4ª 13h40, 16h20, 18h40, 21h50 6ª Sábado Domingo<br />
13h40, 16h20, 18h40, 21h50, 00h35; ZON Lusomundo<br />
Parque Nascente: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h40, 16h30, 18h50, 21h40, 24h; ZON Lusomundo<br />
Fórum Aveiro: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h45, 16h20, 18h50, 21h20, 23h50;<br />
Que vos parece uma aventura<br />
adolescente sobre dois miúdos que<br />
procuram <strong>de</strong>scobrir os segredos da<br />
cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> vivem? Contado assim,<br />
nada <strong>de</strong> novo, provavelmente mais<br />
uma fita para miúdos na linhagem<br />
dos velhos filmes <strong>de</strong> imagem real da<br />
36 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Uma intrigante aventura distópica <strong>de</strong><br />
ficção científica: “Cida<strong>de</strong> das Sombras”<br />
Coixet não fez Roth, fez Coixet e “fazer Coixet”<br />
é algo <strong>de</strong> muito pouco interessante<br />
Disney<br />
dos anos<br />
1960 ou da linhagem das produções<br />
Spielberg dos anos 1980. E se vos<br />
dissermos que essa cida<strong>de</strong> é um oásis<br />
<strong>de</strong> luz no meio <strong>de</strong> uma escuridão<br />
subterrânea para lá da qual nada<br />
parece existir, estabelecida como<br />
uma arca <strong>de</strong> Noé que permitiu à<br />
humanida<strong>de</strong> sobreviver a um<br />
apocalipse inexplicado, e que a saída<br />
que os miúdos procuram po<strong>de</strong><br />
também ser a salvação <strong>de</strong> uma<br />
Ember que, pensada para sobreviver<br />
apenas 200 anos, está à beira do<br />
colapso? A tal fita para miúdos<br />
transforma-se noutra coisa — uma<br />
intrigante aventura distópica <strong>de</strong><br />
ficção científica, ambientada num<br />
futuro <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte e retro-futurista<br />
misto <strong>de</strong> Revolução Industrial e anos<br />
1950 ingleses, sobre a juventu<strong>de</strong><br />
como salvação do amanhã, dirigida<br />
com habilida<strong>de</strong> e economia pelo<br />
anglo-israelita Gil Kenan, revelado há<br />
três anos com a bem interessante<br />
animação “A Casa Fantasma”. Em<br />
abono da verda<strong>de</strong>, “A Cida<strong>de</strong> das<br />
Sombras” parece mais interessado na<br />
sua prodigiosa cenografia <strong>de</strong> conto<br />
<strong>de</strong> fadas (cortesia do <strong>de</strong>signer Martin<br />
Laing) do que nas suas personagens,<br />
reduzidas a arquétipos <strong>de</strong>calcados.<br />
Mas, paradoxalmente, esse<br />
funcionalismo acaba por emprestar<br />
ao filme um certo charme <strong>de</strong> série B<br />
clássica, muito sublinhado pelo<br />
luxuoso elenco <strong>de</strong> veteranos actores<br />
<strong>de</strong> composição (Bill Murray, Tim<br />
Robbins, Martin Landau, Toby Jones)<br />
convocados para preencher os papéis<br />
secundários do que não <strong>de</strong>ixa por<br />
isso <strong>de</strong> ser uma peculiar variação<br />
sobre temas clássicos da ficção<br />
científica, feita com inteligência e<br />
alguma originalida<strong>de</strong> (o guião,<br />
adaptação <strong>de</strong> um romance juvenil, é<br />
<strong>de</strong> Caroline Thompson, a<br />
argumentista <strong>de</strong> “A Noiva Cadáver”,<br />
“O Estranho Mundo <strong>de</strong> Jack” e<br />
“Eduardo Mãos <strong>de</strong> Tesoura” para<br />
Tim Burton). É mais uma das<br />
surpresas que têm andado a emergir<br />
pelo meio do refugo que anda a<br />
chegar às salas e que não merecia<br />
este lançamento meio <strong>de</strong>samparado.<br />
Jorge Mourinha<br />
MNNNN<br />
<strong>Lisboa</strong>: Me<strong>de</strong>ia Saldanha<br />
Resi<strong>de</strong>nce: Sala 5: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h20, 16h50,<br />
19h20, 21h50, 00h20; UCI Cinemas -<br />
El Corte Inglés: Sala 10: 5ª 6ª Sábado<br />
2ª 3ª 4ª 14h10, 16h30, 19h, 21h30,<br />
23h55 Domingo 11h30, 14h10, 16h30,<br />
19h, 21h30, 23h55; ZON Lusomundo<br />
Alvaláxia: 5ª 2ª 3ª 4ª 13h35, 16h05,<br />
18h40, 22h 6ª Sábado Domingo 13h35,<br />
16h05, 18h40, 22h, 00h30;<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 4: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 14h05, 16h40, 19h20, 22h, 00h35 3ª 4ª<br />
16h40, 19h20, 22h, 00h35;<br />
A espanhola Isabel Coixet anda há<br />
anos (“Coisas que Nunca Te Disse”, “A<br />
Minha Vida Sem Mim”, “A Vida<br />
Secreta das Palavras”) a filmar<br />
histórias <strong>de</strong> personagens “sensíveis”<br />
vítimas <strong>de</strong> crises existenciais <strong>de</strong> todo<br />
o tipo, numa mistura (nada explosiva,<br />
“hélas!”) <strong>de</strong> filosofia positiva digna <strong>de</strong><br />
magazine dominical e melancolia<br />
artificial criada e caucionada pela sua<br />
própria pose (ou seja, uma versão<br />
“soft”, e portanto aceitável, do que<br />
alguns vêem como “tiques” do<br />
“cinema <strong>de</strong> autor”). Dentro do seu<br />
género, filmes tão honestos quanto<br />
enfadonhos. Mas que fazem <strong>de</strong> Coixet<br />
a última pessoa que nos<br />
lembraríamos <strong>de</strong> recomendar para<br />
filmar uma história <strong>de</strong> Philip Roth.<br />
Em todo o caso ninguém nos<br />
perguntou nada (leitores “online”,<br />
pela vossa saú<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>ixem tanta<br />
presunção passar em claro), e eis<br />
“Elegia”, título que pudicamente<br />
escon<strong>de</strong> o “Animal Moribundo” do<br />
escritor americano. A angústia crua,<br />
egoísta, mesmo “isolacionista”, do<br />
macho solitário e envelhecido<br />
reconvertida na neblina sentimental<br />
<strong>de</strong> um mau melodrama. Que não tem<br />
bem “cenas”, antes “vinhetas”<br />
ilustrativas à espera do diálogo (ou da<br />
frase, ou pior, da máxima) que as vem<br />
resolver e justificar. Que não tem<br />
“personagens”, mas (<strong>de</strong> Kingsley e<br />
Cruz a Dennis Hopper e Patricia<br />
Clarkson) “exemplos”, retóricos e<br />
ambulantes. Que não tem<br />
“ambiente”, e muito menos<br />
Continuam<br />
Elegia<br />
Elegy<br />
De Isabel Coixet,<br />
com Sonja Bennett, Patricia Clarkson,<br />
Penélope Cruz, Ben Kingsley. M/12<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 37
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
“meteorologia”, mas uma<br />
fotografia <strong>de</strong> enjoativos cinzentos e<br />
azuis que nos grita “reparem, é o<br />
Outono da vida”. E que faz o que<br />
po<strong>de</strong> (interlúdios musicais e tudo)<br />
para que o espectador não saia sem a<br />
sua lagrimita. O po<strong>de</strong>r do cinema:<br />
Coixet não fez Roth, fez Coixet.<br />
Infelizmente, “fazer Coixet” é algo <strong>de</strong><br />
muito pouco interessante. Luís<br />
Miguel Oliveira<br />
A Ida<strong>de</strong> do Gelo 3: Despertar dos<br />
Dinossauros<br />
Ice Age 3: Dawn of The Dinosaurs<br />
De Carlos Saldanha,<br />
com John Leguizamo (Voz), Queen<br />
Latifah (Voz), Denis Leary (Voz). M/4<br />
MMMNN<br />
<strong>Lisboa</strong>: Atlântida-Cine: Sala 2: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª<br />
15h45, 21h45 (V.Port.) Sábado Domingo 15h45,<br />
18h30, 21h45 (V.Port.); Castello Lopes - Cascais<br />
Villa: Sala 5: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 13h, 15h05,<br />
17h10, 19h15, 21h20 (V.Port.) 6ª Sábado 13h, 15h05,<br />
17h10, 19h15, 21h20, 23h50 (V.Port.); Castello Lopes -<br />
Londres: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h30,<br />
19h, 21h30 (V.Port.) 6ª Sábado 14h, 16h30, 19h,<br />
21h30, 24h (V.Port.); Castello Lopes - Loures<br />
Shopping: Sala 5: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
<br />
<br />
<br />
12h40, 14h50, 17h, 19h10, 21h15, 23h30; CinemaCity<br />
Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 8: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª<br />
3ª 4ª 11h30, 13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 21h55,<br />
24h; CinemaCity Alegro Alfragi<strong>de</strong>: Sala 2: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 11h50, 13h55, 16h, 18h30,<br />
21h30, 23h35 (V.Port.); CinemaCity Beloura<br />
Shopping: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
11h40, 13h45, 15h50, 18h30, 21h30, 23h35 (V.<br />
Port.); CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 6: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
11h30, 13h35, 15h40, 17h45, 19h50, 21h55, 24h (V.<br />
Port.); CinemaCity Campo Pequeno Praça <strong>de</strong><br />
Touros: Sala 3: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
11h45, 13h50, 15h55, 18h, 21h30, 23h40 (V.<br />
Port.); Me<strong>de</strong>ia Fonte Nova: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h10, 16h05, 18h, 19h55, 21h50<br />
(V.Port.); Me<strong>de</strong>ia Nimas: Sala 1: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h (V.<br />
Port.); Me<strong>de</strong>ia Saldanha Resi<strong>de</strong>nce: Sala 6: 5ª 6ª<br />
Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h,<br />
24h; UCI Cinemas - El Corte Inglés: Sala 9: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h10<br />
Domingo 11h30, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h, 00h10; UCI<br />
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 3: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />
3ª 4ª 14h10, 16h20, 19h40, 21h (V.Port.) Domingo<br />
11h30, 14h10, 16h20, 19h40, 21h (V.Port.); UCI<br />
Cinemas - El Corte Inglés: Sala 6: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />
3ª 4ª 14h20, 16h40, 19h, 21h15, 23h30 (V.Port.)<br />
Domingo 11h30, 14h20, 16h40, 19h, 21h15, 23h30 (V.<br />
Port.); UCI Dolce Vita Tejo: Sala 10: 5ª 6ª Sábado 2ª<br />
3ª 4ª 13h45, 15h50, 18h30, 21h10, 23h30 (V.Port.)<br />
Domingo 11h30, 13h45, 15h50, 18h30, 21h10, 23h30<br />
(V.Port.); UCI Dolce Vita Tejo: Sala 3: 5ª 6ª Sábado<br />
2ª 3ª 4ª 14h, 16h15, 18h50, 21h25, 23h50 15h25,<br />
17h40, 19h45, 21h45, 24h (V.Port.) Domingo 11h30,<br />
14h, 16h15, 18h50, 21h25, 23h50 15h25, 17h40, 19h45,<br />
21h45, 24h (V.Port.); ZON Lusomundo Alvaláxia: 5ª<br />
6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h20, 15h30, 17h40, 19h50,<br />
<br />
<br />
<br />
22h, 00h10 (V.Port.) Domingo 11h, 13h20, 15h30,<br />
17h40, 19h50, 22h, 00h10 (V.Port.); ZON Lusomundo<br />
Amoreiras: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª 13h,<br />
16h20, 18h10, 21h20, 23h30 (V.Port.); ZON<br />
Lusomundo CascaiShopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />
4ª 13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 24h (V.Port.)<br />
Domingo 11h, 13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h50, 24h<br />
(V.Port.); ZON Lusomundo Colombo: 5ª 6ª Sábado<br />
Domingo 2ª 3ª 4ª 13h30, 16h, 18h45, 21h20,<br />
23h50; ZON Lusomundo Colombo: 5ª 13h10, 13h20,<br />
15h25, 15h40, 17h40, 18h, 19h50, 21h10, 00h20 (V.<br />
Port.) 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h10, 13h20, 15h25,<br />
15h40, 17h40, 18h, 19h50, 21h10, 22h, 23h35, 00h20<br />
(V.Port.) Domingo 11h, 13h10, 13h20, 15h25, 15h40,<br />
17h40, 18h, 19h50, 21h10, 22h, 23h35, 00h20 (V.<br />
Port.); ZON Lusomundo Dolce Vita Miraflores: 5ª 2ª<br />
3ª 4ª 15h10, 17h30, 19h40, 21h50 (V.Port.) 6ª Sábado<br />
15h10, 17h30, 19h40, 21h50, 24h (V.Port.) Domingo<br />
11h, 15h10, 17h30, 19h40, 21h50 (V.Port.); ZON<br />
Lusomundo Odivelas Parque: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />
4ª 13h15, 15h30, 18h15, 21h15, 23h30 (V.Port.)<br />
Domingo 11h, 13h15, 15h30, 18h15, 21h15, 23h30 (V.<br />
Port.); ZON Lusomundo Oeiras Parque: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 12h55, 15h10, 17h30, 19h45, 22h,<br />
00h25 (V.Port.) Domingo 10h45, 12h55, 15h10, 17h30,<br />
19h45, 22h, 00h25 (V.Port.); ZON Lusomundo Torres<br />
Vedras: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 13h, 15h10, 17h20,<br />
19h30, 21h45, 00h20 (V.Port.) Domingo 10h45, 13h,<br />
15h10, 17h20, 19h30, 21h45, 00h20 (V.Port.); ZON<br />
Lusomundo Vasco da Gama: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />
4ª 13h05, 15h15, 17h30, 19h40, 21h50, 23h55 (V.Port.)<br />
Domingo 11h, 13h05, 15h15, 17h30, 19h40, 21h50,<br />
23h55 (V.Port.); Castello Lopes - C. C. Jumbo: Sala 1:<br />
5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 15h15, 17h20, 19h25, 21h30<br />
(V.Port.) 6ª Sábado 15h15, 17h20, 19h25, 21h30,<br />
23h40 (V.Port.); Castello Lopes - Fórum<br />
Barreiro: Sala 1: 5ª Domingo 2ª 3ª 4ª 12h50, 15h10,<br />
17h20, 19h30, 21h40 6ª Sábado 12h50, 15h10, 17h20,<br />
<br />
19h30, 21h40, 23h50; Castello Lopes - Rio Sul<br />
Shopping: Sala 4: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h10, 15h20, 17h25, 19h30, 21h30, 23h40 (V.<br />
Port.); UCI Freeport: Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h25,<br />
17h40, 19h45, 21h45 (V.Port.) 6ª 15h25, 17h40, 19h45,<br />
21h45, 24h (V.Port.) Sábado 13h25, 15h25, 17h40,<br />
19h45, 21h45, 24h (V.Port.) Domingo 13h25, 15h25,<br />
17h40, 19h45, 21h45 (V.Port.) ; ZON Lusomundo<br />
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
13h30, 16h, 18h20, 21h35, 23h55; ZON Lusomundo<br />
Almada Fórum: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 12h50,<br />
15h10, 17h25, 19h40, 22h, 00h20 (V.Port.) Domingo<br />
10h30, 12h50, 15h10, 17h25, 19h40, 22h, 00h20 (V.<br />
Port.); ZON Lusomundo Almada Fórum: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 13h15, 15h40, 18h, 21h10, 23h30 (V.<br />
Port.) Domingo 11h, 13h15, 15h40, 18h, 21h10, 23h30<br />
(V.Port.); ZON Lusomundo Fórum Montijo: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 13h50, 16h30, 18h50, 21h20, 23h40<br />
(V.Port.) Domingo 11h, 13h50, 16h30, 18h50, 21h20,<br />
23h40 (V.Port.);<br />
Porto: Arrábida 20: Sala 1: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 13h40, 15h45, 18h, 20h15, 22h30, 00h45 (V.Port.)<br />
3ª 4ª 15h45, 18h, 20h15, 22h30, 00h45 (V.<br />
Port.); Arrábida 20: Sala 11: 5ª 6ª Sábado Domingo<br />
2ª 14h05, 16h30, 19h, 21h25, 24h (V.Port.) 3ª 4ª<br />
16h30, 19h, 21h25, 24h (V.Port.); Arrábida 20: Sala 15:<br />
5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 14h40, 17h, 19h25, 21h55,<br />
00h20 3ª 4ª 17h, 19h25, 21h55, 00h20; Cinemax -<br />
Cinema da Praça : Sala 1: 5ª 2ª 3ª 4ª 15h30, 21h45<br />
(V.Port.) 6ª 15h30, 21h45, 23h55 (V.Port.) Sábado 15h,<br />
17h30, 21h45, 23h55 (V.Port.) Domingo 15h, 17h30,<br />
21h45 (V.Port.); Cinemax - Penafiel: Sala 2: 5ª 2ª 3ª<br />
4ª 15h30, 21h45 (V.Port.) 6ª 15h30, 21h45, 23h55 (V.<br />
Port.) Sábado 15h, 17h30, 21h45, 23h55 (V.Port.)<br />
Domingo 15h, 17h30, 21h45 (V.Port.); Me<strong>de</strong>ia Cida<strong>de</strong><br />
do Porto: Sala 2: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
14h05, 16h05, 18h, 19h55, 21h50 (V.Port.); ZON<br />
Lusomundo Dolce Vita Porto: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª<br />
4ª 13h, 15h10, 17h20, 19h30, 21h40, 23h50 (V.Port.)<br />
Domingo 10h50, 13h, 15h10, 17h20, 19h30, 21h40,<br />
23h50 (V.Port.); ZON Lusomundo Ferrara Plaza: 5ª<br />
2ª 3ª 4ª 15h20, 17h30, 19h40, 21h40 (V.Port.) 6ª<br />
Sábado 15h20, 17h30, 19h40, 21h40, 23h50 (V.Port.)<br />
Domingo 11h, 13h10, 15h20, 17h30, 19h40, 21h40 (V.<br />
Port.); ZON Lusomundo GaiaShopping: 5ª 2ª 3ª 4ª<br />
12h40, 15h, 17h20, 19h40, 21h50 (V.Port.) 6ª Sábado<br />
12h40, 15h, 17h20, 19h40, 21h50, 00h10 (V.Port.)<br />
Domingo 10h40, 12h40, 15h, 17h20, 19h40, 21h50<br />
(V.Port.); ZON Lusomundo MaiaShopping: 5ª 3ª 4ª<br />
13h10, 15h45, 18h30, 21h10 (V.Port.) 6ª Sábado 13h10,<br />
15h45, 18h30, 21h10, 23h20 (V.Port.) Domingo 10h50,<br />
13h10, 15h45, 18h30, 21h10, 23h20 (V.Port.) 2ª 10h50,<br />
13h10, 15h45, 18h30, 21h10 (V.Port.); ZON Lusomundo<br />
Marshopping: 5ª 6ª Sábado Domingo 2ª 3ª 4ª<br />
12h50, 15h10, 17h30, 19h50, 22h, 00h30; ZON<br />
Lusomundo Marshopping: 5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª<br />
13h50, 16h10, 18h40, 21h, 23h20 (V.Port.) Domingo<br />
11h10, 13h50, 16h10, 18h40, 21h, 23h20 (V.Port.); ZON<br />
Lusomundo NorteShopping: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 12h40,<br />
15h, 17h20, 19h50, 22h15, 00h40 (V.Port.) Sábado<br />
Domingo 10h30, 12h40, 15h, 17h20, 19h50, 22h15,<br />
00h40 (V.Port.); ZON Lusomundo Parque Nascente:<br />
5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 12h40, 14h50, 17h20, 19h40,<br />
22h10, 00h30 (V.Port.) Domingo 10h30, 12h40,<br />
14h50, 17h20, 19h40, 22h10, 00h30 (V.Port.); Castello<br />
Lopes - 8ª Avenida: Sala 1: 5ª 6ª 2ª 3ª 4ª 15h30,<br />
17h30, 19h30, 21h40, 23h50 (V.Port.) Sábado<br />
Domingo 13h20, 15h30, 17h30, 19h30, 21h40, 23h50<br />
(V.Port.); Cinema Paraíso - Dolce Vita Ovar: Sala 1: 5ª<br />
2ª 3ª 4ª 14h20, 16h30, 18h30, 21h30 (V.Port.) 6ª<br />
Sábado 14h20, 16h30, 18h30, 21h30, 23h30 (V.Port.)<br />
Domingo 11h, 14h20, 16h30, 18h30, 21h30 (V.<br />
Port.); ZON Lusomundo Fórum Aveiro: 5ª 6ª<br />
Sábado 2ª 3ª 4ª 13h55, 16h30, 19h05, 21h40, 00h20<br />
(V.Port.) Domingo 10h50, 13h55, 16h30, 19h05,<br />
21h40, 00h20 (V.Port.); ZON Lusomundo Glicínias:<br />
5ª 6ª Sábado 2ª 3ª 4ª 14h30, 17h, 19h30, 22h,<br />
00h30 (V.Port.) Domingo 11h15, 14h30, 17h, 19h30,<br />
22h, 00h30 (V.Port.);<br />
Resumamos: uma preguiça que<br />
adopta três bebés dinossáurios<br />
esfomeados; uma mamã<br />
dinossáuria que não acha<br />
graça nenhuma à adopção; dois<br />
gambás palermas; uma mamute<br />
muito grávida e o seu cônjuge<br />
neurótico com a paternida<strong>de</strong>; um<br />
tigre <strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sabre com palpitações;<br />
uma esquila pré-histórica que sabe<br />
fazer uso do seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sedução; e,<br />
sobretudo, uma doninha zarolha<br />
<strong>de</strong>svairada armada em Rambo da<br />
selva mesozóica, se é que isto tudo se<br />
passa no Mesozóico. O que não temos<br />
certeza, porque tudo isto pressupõe<br />
que na ida<strong>de</strong> do gelo havia um oásis<br />
<strong>de</strong> dinossáurios escondido por baixo<br />
do gelo. E que os mamutes, tigres<br />
<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> sabre, preguiças, gambás e<br />
doninhas tivessem um sentido <strong>de</strong><br />
humor herdado das sitcoms<br />
americanas. Mas não faz mal, porque<br />
a terceira (e a melhor) animação da<br />
série da “Ida<strong>de</strong> do Gelo” chuta para<br />
canto muito longínquo as animações<br />
tecnicamente impecáveis mas<br />
narrativamente preguiçosas da<br />
Dreamworks, reivindicando com<br />
graça e inteligência o espírito<br />
anárquico dos velhos cartoons da<br />
Warner. A culpa é em gran<strong>de</strong> parte da<br />
tal doninha zarolha <strong>de</strong>svairada, a que<br />
o inglês Simon Pegg dá inspiradíssima<br />
voz ao nível do Génio <strong>de</strong> Robin<br />
Williams em “Aladino” ou do Rei<br />
Lemur <strong>de</strong> <strong>Sacha</strong> <strong>Baron</strong> <strong>Cohen</strong> no<br />
primeiro “Madagáscar”. A culpa volta<br />
a ser também, em parte igualmente<br />
gran<strong>de</strong>, da interminável perseguição<br />
da bolota fugidia pelo esquilo Scrat,<br />
aqui transformada numa das mais<br />
<strong>de</strong>liciosas guerras dos sexos a que<br />
assistimos recentemente (muita<br />
atenção ao hilariante tango da<br />
bolota). Mas é também <strong>de</strong> um guião<br />
engenhoso e esquizofrénico que<br />
consegue urdir em paralelo três<br />
percursos (Scrat e a bolota; Sid, a<br />
preguiça, e os dinossáurios; e a<br />
missão <strong>de</strong> salvamento <strong>de</strong> Sid pelos<br />
outros todos) com uma harmonia<br />
inesperada, construindo<br />
efectivamente uma narrativa que lá<br />
por ser consistente não abdica <strong>de</strong><br />
alinhar piadas <strong>de</strong> sitcom com graça.<br />
Ou, trocando por miúdos: a<br />
animação é espantosa mas “Ida<strong>de</strong> do<br />
Gelo 3” tem mais história em <strong>de</strong>z<br />
minutos que a maior parte dos<br />
Dreamworks recentes na sua duração<br />
inteira. A tristeza <strong>de</strong> “Monstros e<br />
Aliens” e a preguiça <strong>de</strong> “Madagáscar<br />
2”, ao pé disto, são esforços<br />
amadores. Jorge Mourinha<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
www.uau.pt<br />
“Ida<strong>de</strong> do Gelo 3” tem mais história em <strong>de</strong>z minutos que a maior<br />
parte dos Dreamworks recentes na sua duração inteira.<br />
38 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Teatro<br />
NELSON GARRIDO<br />
Estreias<br />
A Me<strong>de</strong>ia<br />
está na moda<br />
O encenador Nuno Cardoso<br />
também é actor nesta<br />
recriação intimista do texto<br />
<strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s pelas Boas<br />
Raparigas. Mariana Duarte<br />
Me<strong>de</strong>ia<br />
De Eurípi<strong>de</strong>s. Pelas Boas Raparigas.<br />
Encenação <strong>de</strong> Luís Mestre. Com<br />
Carla Miranda, Daniel Pinto, Maria<br />
do Céu Ribeiro e Nuno Cardoso.<br />
Porto. Estúdio Zero. R. do Heroísmo, nº 86. Tel.:<br />
225373265. 3ª a Sáb. às 21h45; Dom. às 16h. De<br />
10/07 a 26/07 e <strong>de</strong> 18/09 a 30/09. Bilhetes entre<br />
2,5€ e 8€.<br />
As Boas Raparigas gostam <strong>de</strong> ir<br />
buscar a actualida<strong>de</strong> à dramaturgia<br />
clássica. Desta vez, foram à procura<br />
da mulher contemporânea que existe<br />
em “Me<strong>de</strong>ia”. Na recriação do texto<br />
<strong>de</strong> Eurípi<strong>de</strong>s, a companhia formada<br />
por Carla Miranda e Maria do Céu<br />
Ribeiro privilegia a dimensão privada<br />
da estória, que se traduz,<br />
principalmente, na relação entre<br />
Me<strong>de</strong>ia e Jasão.<br />
“Temos uma ligação muito forte<br />
aos textos fundadores, não só por<br />
funcionarem como arquétipo, mas<br />
também por se conseguir encontrar<br />
sempre neles uma gran<strong>de</strong><br />
contemporaneida<strong>de</strong>”, diz Carla<br />
Miranda ao Ípsilon. Afinal, Me<strong>de</strong>ia<br />
matou por amor, foi traída por Jasão<br />
e assassinou os filhos como vingança.<br />
Daniel Pinto (Jasão) e Maria do Céu Ribeiro (Me<strong>de</strong>ia)<br />
O Teatro Maria Matos<br />
<strong>de</strong>u-lhes um prazo - três<br />
semanas para fazerem<br />
três espectáculos - e eles<br />
E tudo isto é “incrivelmente<br />
contemporâneo”, dizem eles.<br />
Resumindo, “é aquilo a que se chama<br />
dor <strong>de</strong> corno”, graceja Nuno<br />
Cardoso, o encenador que é actor “<strong>de</strong><br />
vez em quando” (mas já lá vamos).<br />
O texto foi cortado cirurgicamente<br />
“num trabalho conjunto entre todos<br />
os actores”. “Mantivemos os pontos<br />
prepon<strong>de</strong>rantes do texto – a relação<br />
entre a Me<strong>de</strong>ia e o Jasão, a expulsão<br />
<strong>de</strong>la da cida<strong>de</strong> pelo rei, Creonte, o<br />
relato do mensageiro, o coro e a ama”<br />
[protagonizados por Carla Miranda,<br />
num grito <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa das mulheres] –<br />
para conservar a “linearida<strong>de</strong> da<br />
narrativa” e “<strong>de</strong>ixámos partes <strong>de</strong><br />
fora, como a intervenção das<br />
crianças”, explica Carla Miranda.<br />
Nesta tragédia “sem ‘frou-frou’”, o<br />
<strong>de</strong>safio mais complicado coube a<br />
Daniel Pinto, o Jasão que enfrenta<br />
uma Me<strong>de</strong>ia (Maria do Céu) irascível.<br />
“Quando comecei senti alguma<br />
dificulda<strong>de</strong> em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o Jasão<br />
porque o acho estúpido”, atira. “A<br />
Me<strong>de</strong>ia sacrifica tudo por ele.<br />
Ajudou-o a conseguir o velo <strong>de</strong> ouro,<br />
fez-lhe a papinha toda para ele po<strong>de</strong>r<br />
ser consi<strong>de</strong>rado um herói. E ele não<br />
reconhece que a Me<strong>de</strong>ia foi quem fez<br />
<strong>de</strong>le o homem que é. Depois fica<br />
embasbacado com uma jovem<br />
rapariga com posses e abandona-a.<br />
Exactamente como se vê hoje em<br />
dia”, lembra Daniel Pires.<br />
“A Me<strong>de</strong>ia faz tudo por amor mas<br />
comete crimes [para além dos filhos,<br />
matou o irmão]. Não é propriamente<br />
simpática! E consegue sempre<br />
escapar”, contrapõe Carla Miranda. E<br />
isto também está na moda. “A vida<br />
privada do Jasão está muito presente<br />
no nosso quotidiano”, consi<strong>de</strong>ra<br />
Nuno Cardoso. “Este sentimento <strong>de</strong><br />
traição e o facto <strong>de</strong> o traidor achar<br />
que tem razão estão no cerne <strong>de</strong><br />
muitos divórcios”. Já Nuno Cardoso<br />
simboliza a dimensão pública da<br />
peça: o rei Creonte, pai da futura<br />
mulher <strong>de</strong> Jasão, que entra pela casa<br />
<strong>de</strong> Me<strong>de</strong>ia dizendo que a vai expulsar<br />
da cida<strong>de</strong>. “O mais refrescante<br />
quando se faz uma tragédia é que ela,<br />
na sua simplicida<strong>de</strong> e acutilância,<br />
recorda-nos cenários sociais e<br />
políticos <strong>de</strong> agora”, diz. Mas não foi só<br />
por isso que Nuno Cardoso <strong>de</strong>spiu o<br />
traje <strong>de</strong> encenador. Foi também para<br />
nos lembrar que nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />
actor. “Meia volta faço-o para<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
estão a cumprir. “Sempre”,<br />
que está <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ontem e até<br />
amanhã na Sala Principal,<br />
é a primeira criação<br />
colectiva dos portugueses<br />
Cláudia Gaiolas, Paula<br />
Diogo e Tiago Rodrigues<br />
com os brasileiros Felipe<br />
Rocha, Michel Blois,<br />
perceber porque é que os meus<br />
actores bloqueiam”. É uma questão<br />
<strong>de</strong> “pôr o corpo on<strong>de</strong> costumo pôr as<br />
minhas palavras”, afirma. E, afinal, o<br />
Estúdio Zero é um lugar especial para<br />
Nuno Cardoso. “Depois do TeCA (o<br />
meu último e primeiro amor), gosto<br />
muito <strong>de</strong>sta casa. Fiz aqui coisas <strong>de</strong><br />
que me orgulho muito, como ‘Os<br />
Purificados’ e ‘Os Parasitas’”. Nesta<br />
“Me<strong>de</strong>ia”, eles são todos produtos<br />
“<strong>de</strong> uma época feliz no Porto, os anos<br />
90”. Por isso, estes encontros dão<br />
“um gozo” que, “com sorte, passará<br />
também para o público”, remata.<br />
Acto sem<br />
palavras<br />
Um trabalho do Projecto<br />
Teatral sobre uma figura<br />
ausente: o actor. Óscar Faria<br />
vazio do teatro<br />
Pelo Projecto Teatral. Com Gonçalo<br />
Ferreira <strong>de</strong> Almeida, Helena<br />
Tavares, João Rodrigues, Maria<br />
Duarte, André Maranha.<br />
<strong>Lisboa</strong>. O Negócio. R. do O Século, 9 - Páteo <strong>de</strong> Santa<br />
Clara Ptª 5. Tel.: 213430205. De 10/7 a 11/07, das 22h<br />
às 23h. Entrada livre.<br />
mmmmm<br />
Há uma figura ausente <strong>de</strong>ste trabalho:<br />
o actor. Esse vazio, que é também o<br />
do teatro, sublinha essa falta, porque<br />
ninguém sabe quando será possível a<br />
voz regressar à cena. Um lugar,<br />
contudo, está disponível para quem<br />
Thiare Maia e Alex Casal,<br />
construída no âmbito<br />
do projecto Estúdios.<br />
A seguir vêm “Pedro<br />
Procura Inês” (<strong>de</strong> 16 a 18) e<br />
“Bobby Sands Vai Morrer<br />
Thatcher Assassina” (<strong>de</strong><br />
23 a 25).<br />
“o vazio do teatro”, gesto radical <strong>de</strong> renúncia ao actor<br />
vê, aquele que se move entre dois<br />
abismos, à procura <strong>de</strong> um acontecer<br />
sempre adiado. Uma espera diante <strong>de</strong><br />
um entrançado <strong>de</strong> luz e <strong>de</strong> um<br />
volume em terra. Não existem<br />
palavras, porque os palcos estão<br />
povoados <strong>de</strong> frases, tutelas,<br />
distracções. Aqui convida-se a um<br />
recolhimento: em certos instantes, o<br />
calar é mesmo a melhor forma <strong>de</strong> se<br />
dizer. Nesse intervalo tudo é possível:<br />
uma comunida<strong>de</strong> sem nome, um<br />
texto sem corpo, uma troca sem<br />
comércio. De um ao outro lado, em<br />
volta, imóvel: tantos gestos por<br />
cumprir nesse percurso entre<br />
vislumbres da morte – a que se<br />
prepara em vida, a que se anuncia<br />
através <strong>de</strong> um silêncio vindo do<br />
passado.<br />
Neste gesto radical <strong>de</strong> renúncia ao<br />
actor, figura colocada em potência,<br />
numa espécie <strong>de</strong> bartlebiano<br />
“preferia não fazer”, coloca-se<br />
sempre esta questão: <strong>de</strong> que falamos<br />
quando falamos <strong>de</strong> teatro. É que, tal<br />
como acontece hoje com tantas<br />
palavras – arte, cultura, política, etc. –<br />
, há uma homonímia que afecta a<br />
distinção entre uma prática ancorada<br />
num diálogo com a tradição e uma<br />
activida<strong>de</strong> absolutamente veiculada<br />
ao instante da sua realização,<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da economia e variantes<br />
(publicida<strong>de</strong>, mercado). Distante<br />
<strong>de</strong>sta submissão, o Projecto Teatral<br />
tem vindo a apontar para outras<br />
formas <strong>de</strong> activar o exercício <strong>de</strong><br />
representar: construindo-o em filme,<br />
convocando-o através <strong>de</strong> uma<br />
sucessão <strong>de</strong> momentos – o trabalho<br />
“Estufa”, realizado entre 2005 e 2007<br />
–, manifestando-o em textos<br />
entretanto publicados.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 39
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Orphée<br />
et Eurydice<br />
Em 2001, o Projecto Teatral<br />
edita um pequeno livro <strong>de</strong> Samuel<br />
Beckett: “imaginação morta<br />
imaginem”. “Em parte alguma traço<br />
<strong>de</strong> vida, dizem vocês, pah, gran<strong>de</strong><br />
coisa, imaginação não morta, sim,<br />
bom, imaginação morta imaginem”,<br />
diz-nos o início do texto. É <strong>de</strong>sse<br />
lugar que nos fala este “vazio do<br />
teatro”, um gesto entre dois<br />
momentos, duas translações, dois<br />
volumes sublinhados por uma ténue<br />
luz, <strong>de</strong> modo a que as sombras se<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
confundam com a ari<strong>de</strong>z da terra e<br />
com o pano-cru que anuncia a morte.<br />
Tudo acontece nesse espaço entre<br />
duas vozes – elas estão lá, sem corpo,<br />
sem som, apenas entrevistas numa<br />
sequência <strong>de</strong> que emergem os<br />
retratos <strong>de</strong> Faium, o salto <strong>de</strong> Yves<br />
Klein e o nascimento da tragédia,<br />
esse instante em que o actor se quis<br />
<strong>de</strong>stacar do comum, interpretando<br />
personagens.<br />
“vazio do teatro” começa por nos<br />
dizer que cada acto po<strong>de</strong> ser apenas<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
pensamento: uma forma <strong>de</strong> fazer<br />
<strong>de</strong>stinada não só aos presentes, mas<br />
também, e sobretudo, à memória dos<br />
antepassados, <strong>de</strong> cada voz contida<br />
nesse espaço que se abre no chão.<br />
Aqui não há disciplinas, há uma<br />
disciplina no dizer o silêncio: daí o<br />
rigor com que cada volume é posto<br />
no seu actual lugar, criando-se <strong>de</strong>sse<br />
modo as condições para uma<br />
ausência – em tudo diferente <strong>de</strong> uma<br />
retirada, pois há sempre a<br />
expectativa <strong>de</strong> um regresso,<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
anunciado em cada proposta do<br />
Projecto Teatral. Em rigor, esta peça<br />
é completada por cada espectador,<br />
que se intromete entre as vozes,<br />
<strong>de</strong>ixadas na expectativa. Po<strong>de</strong>mos<br />
imaginar-nos cobertos por um<br />
entrançado ou <strong>de</strong>baixo da terra: a<br />
nossa fragilida<strong>de</strong> é também a do<br />
teatro, <strong>de</strong>sse vazio dito por uma<br />
morte, uma ausência, um calar. O<br />
“sonho <strong>de</strong> uma sombra”, como nos<br />
diz um verso no qual Píndaro<br />
<strong>de</strong>screve aquilo que um homem é.<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
<br />
Agenda<br />
Estreiam<br />
Festival <strong>de</strong> Almada<br />
Ou/Não<br />
De Alan Ayckbourn e Harold Pinter.<br />
Pelos Tg Stan.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />
De 11/07 a 12/07. Sáb. às 21h30. Dom. às 17h. 5€ a<br />
15€.<br />
Ver texto págs. 20 e segs.<br />
Deus Como Paciente - Assim<br />
Falava Isidore Ducasse<br />
De Isidore Ducasse. Encenação <strong>de</strong><br />
Matthias Langhoff.<br />
Almada. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Professor Egas<br />
Moniz. De 12/07 a 13/07. 2ª e 3ª às 21h30. Tel.:<br />
212739360. 12€ a 20€.<br />
Ver texto págs. 20 e segs.<br />
A Criada Zerlina<br />
De Hermann Broch. Encenação <strong>de</strong><br />
Robert Cantarella.<br />
Almada. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Professor Egas<br />
Moniz. De 10/07 a 11/07. 6ª às 19h. Sáb. às 11h. Tel.:<br />
212739360. 7€ a 13€.<br />
Compota Russa<br />
De Liudmila Ulítskaia. Encenação<br />
<strong>de</strong> Andrzej Bubien.<br />
Almada. Palco Gran<strong>de</strong> - Escola D. António da<br />
Costa. Av. Professor Egas Moniz. Dia 10/07. 6ª às<br />
22h. Tel.: 212745294. 7€ a 13€.<br />
Uivos<br />
De Jesús Peña. Encenação <strong>de</strong> Jesús<br />
Peña.<br />
Almada. Palco Gran<strong>de</strong> - Escola D. António da<br />
Costa. Av. Professor Egas Moniz. Dia 11/07. Sáb. às<br />
22h. Tel.: 212745294. 7€ a 13€.<br />
Para Louis <strong>de</strong> Funès<br />
De Valère Novarina. Com Jorge<br />
Silva Melo.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Instituto Franco-Português. Av. Luís Bívar,<br />
91. De 12/07 a 13/07. 2ª às 19h. Dom. às 17h. Tel.:<br />
213111400. 5€ a 10€.<br />
Dezembro<br />
De Guillermo Cal<strong>de</strong>rón. Encenação<br />
<strong>de</strong> Guillermo Cal<strong>de</strong>rón.<br />
Almada. Fórum <strong>Municipal</strong> Romeu Correia.<br />
Pç. Liberda<strong>de</strong>. Dia 12/07. Dom. às 20h30. Tel.:<br />
212724928. 5€ a 10€.<br />
Flores Arrancadas à Névoa<br />
De Arísti<strong>de</strong>s Vargas. Encenação <strong>de</strong><br />
Pepe Bablé.<br />
Almada. Palco Gran<strong>de</strong> - Escola D. António da<br />
Costa. Av. Professor Egas Moniz. Dia 12/07. Dom.<br />
às 22h15. Tel.: 212745294. 7€ a 13€.<br />
Contracções<br />
De Mike Bartlett. Encenação <strong>de</strong><br />
Solveig Nordlund.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Ed. da CGD.<br />
De 13/07 a 18/07. 2ª a Sáb. às 21h30. Tel.:<br />
217905155. 5€ a 12€.<br />
Dança<br />
Estreiam<br />
Orphée et Eurydice<br />
<strong>de</strong> Marie Chouinard.<br />
Porto. Teatro Carlos Alberto. R. Oliveiras, 43. De<br />
10/07 a 12/07. 6ª, Sáb. e Dom. às 21h30. Tel.:<br />
223401905. 5€ a 15€.<br />
Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque.<br />
De 15/07 a 16/07. 4ª e 5ª às 21h30. Tel.: 232480110.<br />
10€ a 20€.<br />
Ver texto págs. 24 e segs.<br />
Continuam<br />
Solo<br />
De Philippe Decouflé.<br />
Viseu. Teatro Viriato. Lg. Mouzinho Albuquerque.<br />
De 10/07 a 11/07. 6ª e Sáb. às 21h30. Tel.:<br />
232480110. 10€ a 20€.<br />
40 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Discos<br />
“Sometimes I Wish We Were<br />
an Eagle” assinala o<br />
fim da <strong>de</strong>cantação <strong>de</strong> toda a<br />
violência que marcava<br />
os primeiros disco <strong>de</strong> Callahan<br />
Pop<br />
A salvação <strong>de</strong><br />
Bill Callahan<br />
Não há muitos discos por aí<br />
em que entremos <strong>de</strong> gatas<br />
e saiamos apoiados apenas<br />
nas patas traseiras.<br />
João Bonifácio<br />
Bill Callahan<br />
Sometimes I Wish We Were an Eagle<br />
Domino; distri. Flur<br />
mmmmm<br />
O movimento<br />
traçado pela música<br />
<strong>de</strong> Bill Callahan ao<br />
longo <strong>de</strong> 17 anos é<br />
uma lenta elipse em<br />
direcção à<br />
normalida<strong>de</strong> possível, cujo ponto<br />
culminar é “Sometimes I Wish We<br />
Were an Eagle”. O disco assinala o<br />
fim <strong>de</strong> uma recente e progressiva<br />
<strong>de</strong>cantação <strong>de</strong> toda a provocação e<br />
violência que marcavam os<br />
primeiros discos <strong>de</strong> Callahan.<br />
O milagre <strong>de</strong> “Sometimes I Wish<br />
We Were an Eagle” consiste em usar<br />
a favor <strong>de</strong> uma beleza simples mas<br />
exacta os elementos fundamentais<br />
que marcam a escrita <strong>de</strong> Callahan:<br />
usar um mínimo <strong>de</strong> recursos,<br />
assentes numa estrutura repetitiva à<br />
guitarra, com enorme economia<br />
vocal e palavras lapidares. Esta<br />
estrutura mantém-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início,<br />
mas nessa altura Callahan<br />
procurava resultados<br />
diferentes.<br />
Vejamos o que ele<br />
caminhou. A sua<br />
primeira cançãoban<strong>de</strong>ira,<br />
“Your<br />
Wedding”, está em “Julius<br />
Caeser” (1993) e foi<br />
editada sob o nome<br />
Smog, <strong>de</strong>nominação que<br />
só abandonou há dois<br />
anos com “Woke on a<br />
Waleheart”. Sob um manto<br />
<strong>de</strong> violoncelos lúgubres, o<br />
que parece ser um oboé a<br />
<strong>de</strong>senhar uma harmonia<br />
<strong>de</strong>sagradável e uma guitarra<br />
<strong>de</strong>safinada, Callahan canta,<br />
com voz ébria, enquanto o<br />
ruído se acumula à sua volta: “I’m<br />
gonna be drunk, so drunk, at your<br />
wedding”. Os riffs bluesy<br />
disfuncionais, as guitarras<br />
<strong>de</strong>safinadas e repetitivas<br />
tornaram-se a marca <strong>de</strong><br />
água <strong>de</strong> Callahan, que<br />
nessa altura usava o<br />
ruído com<br />
abundância.<br />
Espaço<br />
Público<br />
No ano <strong>de</strong> 2009, The<br />
Smiths, The Cure e Echo<br />
and the Bunnymen<br />
<strong>de</strong>cidiram juntar-se<br />
para gravar um dico<br />
<strong>de</strong> beneficiência.<br />
Claro que se trata<br />
<strong>de</strong> um boato<br />
gigantesco,<br />
mas ao<br />
escutar<br />
o disco<br />
homónimo dos<br />
The Pains of<br />
Being Pure at<br />
O mérito foi o <strong>de</strong> ser credível a<br />
enfiar-se na cabeça <strong>de</strong> gente<br />
colocada em fronteiras emocionais.<br />
A infância, por exemplo, era terrível:<br />
em “Battysphere” (“Wild Love”,<br />
1995) um miúdo quer ir para o fundo<br />
do mar e não se importa <strong>de</strong> ficar por<br />
lá; em “Cold Bloo<strong>de</strong>d Old Times”<br />
(“Knock Knock”, 1999), um adulto<br />
recorda a infância e só encontra a<br />
separação dos pais quando era<br />
criança.<br />
As mulheres também não foram<br />
fonte <strong>de</strong> alegria. Em “Be Hit” (“Wild<br />
Love”) Callahan advogava a violência<br />
doméstica como método para evitar<br />
separações. Em “All your women<br />
things” (“Doctor Came At Dawn”,<br />
1996) um homem recorda uma<br />
mulher perdida e pergunta porque é<br />
só a conseguiu amar quando ela o<br />
<strong>de</strong>ixou.<br />
Essa distância face às emoções é<br />
abordada em “River Guard”,<br />
extraordinária canção <strong>de</strong> “Knock<br />
Knock”. Canta-se: “We are<br />
constantly on trial/ it’s a way to be<br />
free”. Aqui a consciência serve como<br />
forma <strong>de</strong> prisão e é esse o gran<strong>de</strong><br />
Heart fico com a sensação<br />
<strong>de</strong> já ter escutado aquele<br />
riff, aquela rima ou aquele<br />
tom <strong>de</strong> voz num dos<br />
vinis que se encontram<br />
religiosamente arrumados<br />
na prateleira da sala. É<br />
para mim estranho que o<br />
disco tenha sido levado<br />
ao colo por gran<strong>de</strong> parte<br />
da imprensa musical,<br />
convencida <strong>de</strong> que<br />
estaremos perante um<br />
meteorito musical capaz<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir todos os<br />
tema <strong>de</strong> Callahan. Essa reflexão<br />
sobre a consciência teve o seu<br />
epítome em “Rain On Lens”, disco<br />
sufocante, <strong>de</strong> guitarras ásperas e voz<br />
cada vez mais seca, em que canta<br />
“The mind is always working out/<br />
ways to see/ the things I shouldn’t<br />
see” (em “Natural <strong>de</strong>cline”). Em<br />
Callahan a consciência é castradora<br />
e o inconsciente é sabotador – vença<br />
quem vencer é a alegria que per<strong>de</strong>.<br />
A partir <strong>de</strong> “Supper” (2003) as<br />
canções procuram a beleza, a<br />
calmaria domina e aqui e ali nota-se<br />
uma procura <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>, que<br />
domina o tremendo “A River Ain’t<br />
Too Much To Love” (2005). Se antes<br />
tínhamos a impressão <strong>de</strong> estar a<br />
assistir a uma inevitável tragédia pelo<br />
buraco da fechadura, agora Callahan<br />
abria-se para o exterior.<br />
“Sometimes I Wish I Was an<br />
Eagle” é o primeiro gran<strong>de</strong> disco em<br />
nome próprio. Abre com “Jim Cain”,<br />
canção <strong>de</strong>dicada ao escritor “noir”<br />
James M Cain. Há um simples<br />
entrançado <strong>de</strong> guitarras enquanto<br />
cordas idílicas sobrevoam a voz<br />
quente <strong>de</strong> Callahan, que traça um<br />
planetas que encontrar<br />
pela frente na sua<br />
travessia. Por aqui, o<br />
disco passou claramente<br />
ao lado, sobretudo por<br />
nele sentir uma falta <strong>de</strong><br />
originalida<strong>de</strong> não muito<br />
recomendável. Um longaduração<br />
a que aconselho<br />
vivamente a realização <strong>de</strong><br />
5.5 TAC`s (em 10).<br />
Pedro Miguel Silva, técnico<br />
<strong>de</strong> comunicação, 35 anos<br />
paralelo entre a sua vida e a do<br />
escritor, cantando “I started out in<br />
search of ordinary things/ how much<br />
of a tree bends in the wind”, para<br />
chegar aqui: “I used to be darker/<br />
then I got lighter/ then I got dark<br />
again”.<br />
“Jim Cain” serve <strong>de</strong> programa ao<br />
disco, um conjunto <strong>de</strong> canções<br />
meticulosamente <strong>de</strong>senhadas,<br />
assentes nos jogos harmónicos entre<br />
as guitarras, com as melodias <strong>de</strong> voz<br />
(sempre seca, sempre controlada) à<br />
frente, enquanto em fundo cortinas<br />
<strong>de</strong> cordas e sopros acentuam e<br />
pontuam o que se canta. Todo o<br />
disco assenta numa premissa: a<br />
aceitação dos erros passados, a<br />
dissolução do ego num bem maior.<br />
Isto po<strong>de</strong>ria correspon<strong>de</strong>r a filosofia<br />
new-age, mas Callahan tem<br />
<strong>de</strong>masiados filtros para ser autocomplacente.<br />
Em “Eid Ma Clack Shaw” uma brisa<br />
<strong>de</strong> cordas varre o minimalismo do<br />
piano enquanto nos bastidores<br />
sopros trabalham na beleza. Em “The<br />
wind and the dove” estamos <strong>de</strong> volta<br />
aos entraçados <strong>de</strong> guitarra com<br />
www.obidos.pt<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 41
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
Ao quarto álbum, Stephen Wilkinson, ou melhor Bibio,<br />
encontrou a verda<strong>de</strong>ira inspiração, aquela que lhe permite<br />
<strong>de</strong>scortinar uma linguagem sua<br />
<strong>de</strong>bruado <strong>de</strong> cordas e sopros<br />
evocativos. Numa pequena ponte em<br />
ascensão, prenuncia-se uma epifania<br />
que se concretiza no refrão. As<br />
qualida<strong>de</strong>s evocativas das cordas<br />
atingem o zénite em “Rococo<br />
Zephiyr”. Callahan canta: “I used to<br />
be sort of blind/ Now I can sort of<br />
see” e o génio está naquele “sort of”.<br />
“Too many birds” é canção <strong>de</strong><br />
fogueira, inapelavelmente imediata,<br />
com órgão a saltitar no refrão. “My<br />
friend” talvez seja a gran<strong>de</strong> canção<br />
do disco: “We share a common<br />
dream/ To <strong>de</strong>stroy what will harm<br />
other men/ My friend” e Callahan<br />
canta aquele “my friend” como se<br />
fosse um anti-herói <strong>de</strong> série B a fazer<br />
uma ameaça, dando uma intensida<strong>de</strong><br />
teatral inusitada à canção. Até ao fim<br />
ainda há um disparate ambiental<br />
(“Invocation of Ratiotination”) e duas<br />
tremendas canções, “All thoughts are<br />
prey to some beats” e “Faith/Void”,<br />
com Callahan a cantar “It’s time to<br />
put God away”.<br />
A salvação costuma ser<br />
esteticamente repreensível, mas<br />
Callahan consegue torná-la<br />
comovente. Não há muitos discos por<br />
aí em que entremos <strong>de</strong> gatas e<br />
saiamos apoiados apenas nas patas<br />
traseiras. Extraordinário, senhor<br />
Callahan, extraoridnário.<br />
Divagações pop<br />
numa avenida da<br />
cida<strong>de</strong><br />
Bibio<br />
Ambivalence Avenue<br />
Warp, distri. Symbiose<br />
mmmmn<br />
Na música, como<br />
noutros campos<br />
artísticos, há a i<strong>de</strong>ia<br />
feita que é nas<br />
estreias que existe<br />
dose maior <strong>de</strong><br />
espontaneida<strong>de</strong>. Os anos vindouros<br />
serão <strong>de</strong> superação ou consolidação<br />
e, supostamente, o gesto instintivo<br />
será mais difícil <strong>de</strong> se manifestar.<br />
Não digam isso a Stephen<br />
Wilkinson, ou melhor Bibio, britânico<br />
que já lançou três álbuns e que, ao<br />
quarto, parece ter encontrado a<br />
verda<strong>de</strong>ira inspiração, aquela que lhe<br />
permite, com gesto <strong>de</strong>sprendido,<br />
<strong>de</strong>scortinar uma linguagem sua,<br />
on<strong>de</strong> se sente confortável,<br />
conseguindo transmitir o prazer, que<br />
é também leveza, <strong>de</strong> ter chegado a<br />
um lugar seu. Coisas que levam<br />
tempo.<br />
Não que o novo álbum seja<br />
radicalmente diferente dos anteriores<br />
registos, combinação <strong>de</strong> planície e<br />
cida<strong>de</strong>, repetição electrónica urbana<br />
e elegância acústica, folk bucólica e<br />
ambientalismo caleidoscópico. Não<br />
é. Mas possui um travo diferente: o<br />
travo <strong>de</strong> quem é capaz <strong>de</strong> olhar a<br />
paisagem por inteiro, saboreando<br />
com tempo todos os contornos, a<br />
finura das texturas, a abstracção das<br />
cores, e traduzi-la numa música<br />
aberta.<br />
A maior parte dos temas aproximase<br />
da estrutura da canção pop, mas<br />
nem todos o são exactamente.<br />
“Lovers carvings” ou “Jealous of<br />
roses” partem <strong>de</strong> variações simples e<br />
repetitivas para guitarra,<br />
<strong>de</strong>sembocando num clima <strong>de</strong> pop<br />
primaveril, com a voz em falsete <strong>de</strong><br />
Wilkinson em acção. “Fire ant” ou<br />
“Sugarette” são construídos segundo<br />
as premissas <strong>de</strong> corte-e-costura do<br />
hip-hop, libertando uma energia em<br />
forma <strong>de</strong> arco-íris. “Abrasion” respira<br />
naturalmente o ar da Inglaterra rural,<br />
num registo folk psicadélico.<br />
É uma avenida cheia <strong>de</strong> árvores,<br />
aquela que ilustra a capa <strong>de</strong> um<br />
álbum <strong>de</strong> canções diversas, unidas<br />
pela mesma atmosfera vagamente<br />
nostálgica. Não faltará quem as<br />
contemple e as encare como mera<br />
revisitação ao passado. Mas é uma<br />
visão redutora. Em “Ambivalence<br />
Avenue” fun<strong>de</strong>m-se múltiplas<br />
temporalida<strong>de</strong>s. E mesmo que isso<br />
não acontecesse, haveria sempre<br />
uma mão cheia <strong>de</strong> canções<br />
inspiradas, daquelas que não estão<br />
presas a nenhuma época, capazes <strong>de</strong><br />
contaminar, com frescura, o Verão na<br />
cida<strong>de</strong>. Vítor Belanciano<br />
O inspirado regresso<br />
dos Madness<br />
Madness<br />
The Liberty Of Norton Folgate<br />
Naïve; distri. Andante<br />
mmmnn<br />
Aqui se mostra<br />
como envelhecer<br />
graciosamente. Os<br />
Madness, eles <strong>de</strong><br />
“One step beyond”,<br />
eles, a par dos<br />
Specials, representantes do<br />
revivalismo ska na Inglaterra dos<br />
anos 1970 e 1980, editam o seu<br />
primeiro álbum numa década e<br />
conseguem a proeza <strong>de</strong> não repetir<br />
nenhum dos dois erros habituais<br />
nestas circunstâncias. A ver: tentar<br />
uma mo<strong>de</strong>rnização que, neste caso,<br />
incluiria colaborações com alguma<br />
luminária actual do ragga, Mark<br />
Ronson a dar um toque “vintage<br />
digital” ao single <strong>de</strong> apresentação e<br />
uma participação especial <strong>de</strong> Pete<br />
Doherty; ou, pelo contrário, ir lá<br />
atrás e regurgitar o passado como se<br />
o presente não existisse, tornando a<br />
banda um artefacto, certamente vivo,<br />
mas capaz <strong>de</strong> suscitar vergonha<br />
alheia ao mais generoso dos corações<br />
(é ver o que andam a fazer os New<br />
York Dolls).<br />
Não, neste “The Liberty Of Norton<br />
Folgate” os Madness estão iguais a si<br />
próprios no sotaque “cockney”, na<br />
“britishness” impoluta, na forma<br />
como cada canção apresenta uma<br />
Madness: aqui se mostra como<br />
envelhecer graciosamente<br />
cartografia precisa da geografia e da<br />
personalida<strong>de</strong> londrinas. Estão<br />
iguais a si próprios, entenda-se,<br />
como banda formada por distintos<br />
quarentões que, agora, já não se<br />
atiram ao humor tão<br />
<strong>de</strong>spudoradamente como antes, que<br />
passaram longo tempo a aperfeiçoar<br />
cada orquestração, que olham para<br />
o mundo à volta com sensibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> adulto.<br />
Álbum conceptual, vagueia por<br />
Londres, acompanhando Norton<br />
Folgate da euforia à <strong>de</strong>pressão, da<br />
adolescência em que tudo é belo e<br />
possível à inevitável queda que se<br />
segue. Álbum <strong>de</strong> sabor clássico,<br />
parte do padrão obrigatório (os<br />
Kinks <strong>de</strong> “Village Green Preservation<br />
Society”) e junta-se a uma genealogia<br />
que teve continuida<strong>de</strong> nos Blur <strong>de</strong><br />
“Parklife” e, mais recentemente, nos<br />
Streets <strong>de</strong> Mike Skinner.<br />
“Sugar and spice” tem a leveza<br />
encantatória e os coros <strong>de</strong> um single<br />
dos Hollies. “Forever Young” é um<br />
pedaço <strong>de</strong> melancolia embrulhada<br />
em congas e linha <strong>de</strong> baixo resgatada<br />
ao dub. “Idiot child”, “always<br />
<strong>de</strong>stined to fail / always ending in<br />
jail”, dá ares <strong>de</strong> single clássico dos<br />
Madness, com o piano a comandar a<br />
acção e virtu<strong>de</strong>s trauteáveis<br />
impossíveis <strong>de</strong> negligenciar.<br />
“Clerkenwell polka”, por sua vez,<br />
começa com tuba a marcar o ritmo a<br />
há-<strong>de</strong> acabar em festa rija: metais ao<br />
alto e um pouco <strong>de</strong> fanfarra cigana no<br />
centro <strong>de</strong> Londres.<br />
É certo que algumas canções<br />
menos inspiradas – como essa<br />
“Africa” atormentada por perigoso<br />
solo <strong>de</strong> saxofone – parecem servir<br />
apenas para dar maior dimensão ao<br />
álbum – afinal, <strong>de</strong>morou três anos a<br />
gravar, tempo para compor cerca <strong>de</strong><br />
cinco <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> músicas. Isso,<br />
porém, está longe <strong>de</strong> diminuir “The<br />
Liberty Of Norton Folgate” como<br />
álbum que recoloca os Madness, com<br />
dignida<strong>de</strong> assinalável, no presente<br />
pop. Para tal, <strong>de</strong> resto, bastaria o<br />
tema título, o último do álbum. Suite<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>z minutos, estabelece uma<br />
ponte imaginária entre a Londres <strong>de</strong><br />
outros tempos e a Londres <strong>de</strong> hoje.<br />
Uma e outra, terra <strong>de</strong> emigrantes. A<br />
canção, eloquente, celebratória,<br />
junta tudo: orquestrações Bollywood<br />
e ritmo ska, valsas psicadélicas e<br />
piano <strong>de</strong> pub, chineses a ven<strong>de</strong>r<br />
DVDs na rua e irlan<strong>de</strong>ses a acostar no<br />
porto. Não po<strong>de</strong>ria haver melhor<br />
forma <strong>de</strong> encerrar o álbum. Mário<br />
Lopes<br />
Jazz<br />
Um<br />
admirável<br />
mundo<br />
O trompetista Jon Hassel<br />
reafirma-se como um dos<br />
mais importantes músicos<br />
do séc XX. Rodrigo Amado<br />
Jon Hassell<br />
Last Night the Moon Came<br />
Dropping its Clothes in the Street”<br />
ECM, dist. Dargil<br />
mmmmm<br />
que exploraram<br />
a fundo a<br />
alquimia dos<br />
sons, como<br />
Miles Davis ou<br />
Brian Eno, o<br />
trompetista Jon<br />
Hassell<br />
construiu uma<br />
carreira que<br />
atravessa <strong>de</strong><br />
forma oblíqua<br />
toda a música<br />
do final do<br />
século XX,<br />
projectando-a<br />
Apesar <strong>de</strong> não ser<br />
tão conhecido<br />
como outros<br />
músicos<br />
agora, po<strong>de</strong>rosamente, para o novo<br />
século. Com este novo disco e uma<br />
extensa digressão norte-americana,<br />
Hassell revela uma vitalida<strong>de</strong><br />
surpreen<strong>de</strong>nte para um músico <strong>de</strong> 72<br />
anos que re<strong>de</strong>finiu parâmetros, nos<br />
anos 80 e 90, nos mais variados<br />
géneros músicais, do “ambient” ao<br />
jazz, electrónica, pop, ou à chamada<br />
“música do mundo”. Regressado à<br />
ECM, 23 anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> “Power<br />
Spot”, Hassell encontra nos valores<br />
<strong>de</strong> produção da editora o contexto<br />
i<strong>de</strong>al para uma re-actualização dos<br />
seus princípios sonoros, que aqui<br />
surgem mágicos, mais brilhantes do<br />
que nunca, evocando diversos<br />
pontos chave da sua discografia,<br />
nomeadamente a série “Fourth<br />
World”, o já referido “Power Spot”,<br />
“City: Works of Fiction”, “Dressing<br />
for Pleasure” ou “Fascinoma”.<br />
Simultâneamente acessível e<br />
experimental, a música <strong>de</strong> Hassell<br />
<strong>de</strong>safia categorizações e é baseada<br />
em estímulos sensoriais não<br />
tangíveis. Para isso, o trompetista<br />
realiza inúmeras sessões <strong>de</strong> estúdio,<br />
pesquisando sons, explorando ritmos<br />
e arranjos, num ritual que tem tanto<br />
<strong>de</strong> racional como <strong>de</strong> instintivo. Em<br />
“Last Night the Moon...”, a música<br />
<strong>de</strong>senvolve-se lentamente, numa<br />
polirritmia subtil que é acentuada<br />
pelas linhas profundas do baixo e<br />
pelas melodias intemporais do<br />
trompete <strong>de</strong> Hassell - metamorfose<br />
constante <strong>de</strong> formas e sons que<br />
fazem do álbum uma peça única.<br />
Com sucessivas audições, o admirável<br />
mundo <strong>de</strong> Hassell é-nos<br />
progressivamente revelado numa<br />
imensidão <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes sónicos. Um<br />
mundo que, apesar <strong>de</strong> já não ser<br />
novo (os alquimistas fizeram<br />
escola e estão<br />
por todo o<br />
lado),<br />
raramente<br />
nos é<br />
revelado<br />
com<br />
tamanho<br />
brilho.<br />
Um trompetista cuja carreira atravessa toda<br />
a música do final do século XX<br />
42 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Concertos<br />
Prodigy, cabeças <strong>de</strong> cartaz<br />
Pop<br />
Os<br />
regenerados<br />
Prodigy...<br />
Depois dos encontros<br />
imediatos <strong>de</strong> terceiro graus<br />
<strong>de</strong> ontem, o Optimus Alive<br />
entra em velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
cruzeiro. Mário Lopes<br />
Optimus Alive! 09<br />
Algés. Passeio Marítimo <strong>de</strong> Algés. Passeio Marítimo<br />
<strong>de</strong> Algés. 6ª e sáb. às 17h00. 50€ (dia) a 90€ (passe).<br />
Dia 10<br />
Palco Optimus: Os Pontos Negros (17h30), Eagles of<br />
Death Metal (18h30), The Kooks (19h50), Blasted<br />
Mechanism (21h15), Placebo (22h45), The Prodigy<br />
(00h30).<br />
Palco Super Bock: The Gaslight Anthem (17h00),<br />
John Is Gone (18h10), Late Of The Pier (19h15),<br />
Hadouken! (20h25), Does It Offend You, Yeah?<br />
(21h45), Fischerspooner! (23h15), The Ting Tings<br />
(01h00), Zombie Nation (02h15).<br />
Palco Optimus Discos: Youthless (18h30), Bezegol<br />
(19h30), DJ Ri<strong>de</strong> (20h30), Coldfinger (21h30), Zig<br />
Zag Warriors (22h40).<br />
Dia 11<br />
Palco Optimus: Boss AC (17h30), Ayo (19h00), Chris<br />
Cornell (20h30), The Black Eyed Peas (22h15), Dave<br />
Matthews Band (00h00).<br />
Palco Super Bock: X-Wife (17h00), A Silent Film<br />
(18h15), Los Campesinos! (19h40), Trouble Andrew<br />
(21h10), Autokratz (22h30), Lykke Li (23h40),<br />
Ghostland Observatory (01h00), Deadmau5<br />
(02h30).<br />
Palco Optimus Discos: Olive Tree Dance (18h30), The<br />
Pragmatic (19h30), Madame Godard (20h30), Linda<br />
Martini(21h30), Sofia M (22h40), DJ Kitten (00h20).<br />
Ontem houve metal <strong>de</strong> um<br />
lado, comunida<strong>de</strong> indie<br />
do outro ou tudo junto<br />
em alegre convívio - as<br />
“leggings” e o cabedal,<br />
o cabelo escorrido e o<br />
penteado<br />
cuidadosamente <strong>de</strong>spenteado. Hoje,<br />
no Optimus Alive, a história é outra.<br />
“Tudo ao molho” e vamos em frente.<br />
No palco Optimus, o principal, há<br />
Placebo com álbum novo (“Battles<br />
For The Sun”), Brian Molko com<br />
cabelo também novo e, logo a seguir,<br />
os cabeças <strong>de</strong> cartaz Prodigy,<br />
regenerados por um álbum bem<br />
recebido, “Inva<strong>de</strong>rs Must Die”, e pela<br />
sensação <strong>de</strong> que o terrorismo rave<br />
que os tornou uma das bandas mais<br />
célebres dos anos 90 faz todo o<br />
sentido no século XXI.<br />
No mesmo palco, veremos ainda o<br />
festim tribal-cósmico dos Blasted<br />
Mechanism, a pop britânica dos<br />
Kooks, os excessos roqueiros e o<br />
bigo<strong>de</strong> “à maneira” dos Eagles Of The<br />
Death Metal e, para início <strong>de</strong> festa, as<br />
canções perfeitas para cantarolar e<br />
i<strong>de</strong>ais para dançar dos Pontos Negros<br />
e seu pope-roque.<br />
O dia, naturalmente, não se esgota<br />
ali – a distracção chama-nos <strong>de</strong> todo o<br />
lado e isso, como sabemos, é uma das<br />
“maravilhas” dos festivais <strong>de</strong> Verão.<br />
No palco secundário, os Ting Tings, à<br />
uma da manhã, concentrarão<br />
atenções. “We Started Nothing” foi<br />
um dos bons álbuns <strong>de</strong> 2008 e as<br />
canções do duo britânico têm a<br />
qualida<strong>de</strong> trauteável e a sofisticação<br />
pop para pôr o pessoal a saltar da<br />
forma correcta. Antes dos Ting Tings,<br />
os Fischerspooner vêm mostrar, com<br />
as canções do novo “Entertainment”,<br />
se sobreviveram à queda do<br />
electroclash, primeiro, e, <strong>de</strong>pois, à<br />
megalomania floydiana <strong>de</strong><br />
“Odyssey”, o seu segundo álbum. Ali<br />
ao lado, no palco Optimus Discos,<br />
apresenta-se o funk acetinado dos<br />
Coldfinger e o terramoto rítmico <strong>de</strong><br />
DJ Ri<strong>de</strong> (do hip hop para o mundo).<br />
Amanhã, no encerramento do<br />
Optimus Alive, dia <strong>de</strong> virtuosismo<br />
para as massas. O virtuosismo da<br />
Dave Matthews Band, que é<br />
idolatrada por milhões, entre os<br />
quais todos os membros <strong>de</strong> todas as<br />
bandas <strong>de</strong> bar <strong>de</strong> todo o mundo, e<br />
que apresentará “Big Whiskey and<br />
the GrooGrux King”, o primeiro<br />
álbum <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2005. O virtuosismo do<br />
vocalista Chris Cornell, ex-<br />
Soundgar<strong>de</strong>n e ex-Audioslave, que<br />
vem apresentar “Scream”, o álbum<br />
em que a postura rock surge<br />
embrulhada em produções <strong>de</strong><br />
Timbaland. E, por fim, o virtuosismo<br />
dos Black Eyed Peas, menos óbvio,<br />
mas que <strong>de</strong> alguma forma se<br />
manifestará – é o que dizem os<br />
milhões vendidos mundo fora, é o<br />
diz o toque <strong>de</strong> Midas do produtor<br />
will.i.am, que ultrapassou o contexto<br />
da sua própria banda. O palco<br />
principal abre com Boss AC e, nos<br />
restantes, <strong>de</strong>staque para a pop<br />
electrónica da sueca Lykke Li,<br />
revelação <strong>de</strong> 2008 com o álbum<br />
“Youth Novels”, para a adolescência<br />
feita canção indie dos Los<br />
Campesinos! e para os X-Wife,<br />
autores <strong>de</strong> “Are You Ready For The<br />
Blackout?”, um dos melhores discos<br />
nacionais <strong>de</strong> 2008. M.L.<br />
Depeche Mo<strong>de</strong>, um dos últimos<br />
grupos <strong>de</strong> estádio da década <strong>de</strong> 80<br />
a manter uma base <strong>de</strong> apoio fiel<br />
Depeche<br />
Mo<strong>de</strong><br />
versão<br />
Super<br />
Rock<br />
Aqui vamos nós outra vez<br />
em direcção aos anos 80.<br />
Vítor Belanciano<br />
Festival Super Bock Super Rock<br />
2009<br />
Porto. Estádio do Bessa Séc. XXI. R. 1º Janeiro. 6ª e<br />
Sáb. às 20h00. Tel.: 226071004. 40€ (dia) a 70€<br />
(passe).<br />
Palco Principal: Depeche Mo<strong>de</strong>, Nouvelle Vague,<br />
Peter, Bjorn & John, Motor e Soapbox.<br />
Trinta anos e muitas crises <strong>de</strong>pois, os<br />
Depeche Mo<strong>de</strong> continuam activos,<br />
sobreviventes num universo, o do<br />
entretenimento, on<strong>de</strong> a voragem do<br />
tempo faz vítimas todos os dias. A<br />
digressão que agora passa por<br />
Portugal tem como pretexto “Sounds<br />
Of The Universe”, o 12ª álbum da<br />
carreira, disco que se divi<strong>de</strong> entre<br />
canções dinâmicas e contemplativas,<br />
em contexto pop electrónico.<br />
Dave Gahan, voz, Martin Gore,<br />
multi-instrumentista e voz, e Andrew<br />
Fletcher, teclas, voltaram a reunir-se<br />
com o produtor Ben Hillier, como já<br />
havia sucedido no anterior álbum.<br />
Talvez por isso, os elementos<br />
contidos no novo registo não sejam<br />
muito diferentes daquilo que já se<br />
conhecia, com guitarras dissonantes,<br />
sintetizadores borbulhantes e ruídos<br />
percussivos, embora o resultado final<br />
exponha uma paleta sonora um<br />
pouco diferente.<br />
Mas naturalmente ninguém vai a<br />
um concerto dos Depeche Mo<strong>de</strong><br />
apenas para ouvir as últimas<br />
novida<strong>de</strong>s do trio, sendo por isso <strong>de</strong><br />
esperar que se oiçam os inúmeros<br />
êxitos que a banda, um dos últimos<br />
grupos <strong>de</strong> estádio da década <strong>de</strong> 80 a<br />
manter uma base <strong>de</strong> apoio fiel, foi<br />
acumulando ao longo dos anos.<br />
Depois <strong>de</strong> o vocalista ter sido vítima<br />
<strong>de</strong> uma gastroentrite, chegou a<br />
temer-se pela realização do concerto<br />
em Portugal, mas os Depeche Mo<strong>de</strong><br />
retomariam a digressão em 8 <strong>de</strong><br />
Junho, a tempo da presença,<br />
amanhã, no Estádio do Bessa.<br />
Dos Primal Scream<br />
aos Scorpions<br />
Festival Marés Vivas 2009 -<br />
Dia 16<br />
Vila Nova <strong>de</strong> Gaia. Afurada (Foz do Douro). 5ª, às<br />
19h00. Tel.: 229389978. 25€ (dia) a 38€ (passe).<br />
Na quinta, Gaia estreitará a sua<br />
centenária ligação a Inglaterra.<br />
Antes, vinham industriais e<br />
comerciantes investir no vinho do<br />
Porto, agora, no Festival Marés<br />
Vivas, é a cultura musical britânica<br />
que se anuncia. Investida<br />
multifacetada.<br />
Os Kaiser Chiefs, dignos<br />
representantes da pop da Velha<br />
Albion, regressam com “Off With<br />
Their Heads” e uma história inglesa,<br />
com início nos Beatles e nos Kinks e<br />
passagem por The Jam e Blur,<br />
transformada em canções <strong>de</strong><br />
digestão imediata.<br />
Antes <strong>de</strong>les, os veteranos Primal<br />
Scream, grupo histórico (bastaria<br />
“Screama<strong>de</strong>lica” para o ser) que, nos<br />
últimos tempos, os <strong>de</strong> “Riot City<br />
Blues” (2006) e “Beautiful Future”<br />
(2008), se reconverteu em banda <strong>de</strong><br />
putos a tocar rock’n’roll, muito<br />
glam, muito pecaminoso, como se os<br />
anos 1970 nunca tivessem<br />
<strong>de</strong>saparecido. Quinta-feira é<br />
também dia <strong>de</strong> regresso dos Lamb,<br />
banda fetiche do público português.<br />
No palco Novos Portugueses on<strong>de</strong><br />
actuam os John Is Gone, recomendase<br />
uma olha<strong>de</strong>la atenta ao concerto<br />
dos Sizo, banda portuense que se<br />
prepara para editar um segundo<br />
álbum, “Got To Love People Who Set<br />
Themselves Up For Disaster”, todo<br />
ele urgência rock’n’roll correndo<br />
<strong>de</strong>sgovernada (elogio).<br />
O Marés Vivas prossegue sexta,<br />
com concertos dos eternos<br />
bala<strong>de</strong>iros do rock, os Scorpions, e o<br />
regresso inesperado dos Guano<br />
Apes, a banda germânica que o<br />
público português adoptou ali na<br />
passagem dos anos 1990 para o<br />
século XXI e que, <strong>de</strong>pois da<br />
separação em 2005, regressa para<br />
averiguar se ainda estamos<br />
interessados em riffs metaleiros<br />
abrindo caminho para a voz gutural<br />
<strong>de</strong> Sandra Nasic. Seconhand<br />
Serena<strong>de</strong>, os portugueses Fonzie e<br />
Cazino completam o cartaz <strong>de</strong> dia 17.<br />
Para que a <strong>de</strong>spedida seja suave, o<br />
último dia do Marés Vivas será<br />
<strong>de</strong>lico-doce. Os Keane trazem<br />
teclados e pop <strong>de</strong> refrão orelhudo,<br />
Jason Mraz e Colbie Caillat serão os<br />
mui veraneantes bala<strong>de</strong>iros <strong>de</strong><br />
serviço (entre a calma da esplanada<br />
e uma fogueira na praia) e Gabriella<br />
Cilmi vem mostrar o que é isso <strong>de</strong><br />
ser a resposta australiana a<br />
Amy Whinehouse. No palco<br />
Novos Portugueses estarão<br />
os Sinal e a elegância discosound<br />
dos<br />
Soulbizness.<br />
M.L.<br />
Um grupo histórico convertido<br />
em banda <strong>de</strong> putos a tocar<br />
rock’n’roll, muito glam, muito<br />
pecaminoso: Primal Scream<br />
44 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Real Combo Lisbonense<br />
Clássica<br />
Cantores sem<br />
fronteiras<br />
The King’s Singers<br />
apresentam em Espinho um<br />
programa que testemunha<br />
a enorme versatilida<strong>de</strong> do<br />
grupo. Cristina Fernan<strong>de</strong>s<br />
The King’s Singers<br />
Espinho. Auditório <strong>de</strong> Espinho. Rua 34, 884. Dom.<br />
às 22h00. Tel.: 227340469. 7€.<br />
FIME 2009 - 35.º Festival Internacional <strong>de</strong> Música<br />
<strong>de</strong> Espinho.<br />
A activida<strong>de</strong> do agrupamento<br />
vocal britânico The King’s Singers é<br />
um dos mais notáveis exemplos <strong>de</strong><br />
versatilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro do actual<br />
panorama musical. Para este<br />
conjunto <strong>de</strong> seis vozes<br />
masculinas, fundado em 1968 no<br />
King’s College <strong>de</strong> Cambridge e<br />
especializado no repertório “a<br />
cappella”, géneros tão diversos<br />
como a polifonia renascentista, a<br />
música contemporânea ou as<br />
canções dos Beatles não têm<br />
segredos. Igualmente bem sucedido<br />
nos universos erudito e popular, o<br />
grupo já recebeu numerosos<br />
prémios, entre os quais um dos<br />
Grammys <strong>de</strong> 2009 pelo álbum<br />
“Simple Gifts”. O seu percurso tem<br />
sido marcado por colaborações com<br />
artistas <strong>de</strong> vários quadrantes como<br />
é o caso dos agrupamentos <strong>de</strong><br />
música antiga Saraband, Concordia<br />
e L’Arpeggiata, da WDR Big Band,<br />
do Mormon Tabernacle Choir, da<br />
Cincinnati Pops Orchestra, <strong>de</strong><br />
pianistas da área do jazz (George<br />
Shearing) e da clássica (Emanuel<br />
Ax, Roger Vignoles), <strong>de</strong> cantoras<br />
líricas como Kiri te Kanawa e<br />
Marilyn Horne ou ainda da<br />
percussionista Evelyn Glennie. Têm<br />
procurado ampliar o repertório<br />
através <strong>de</strong> encomendas, contando já<br />
com 200 obras <strong>de</strong>dicadas ao grupo.<br />
Algums <strong>de</strong>las foram escritas por<br />
Ligeti, Berio, Menotti, Pen<strong>de</strong>recki,<br />
Ned Rorem, Takemitsu e John<br />
Tavener.<br />
No domingo, apresentam-se no<br />
Festival <strong>de</strong> Espinho com um<br />
programa que retoma um dos seus<br />
últimos trabalhos discográficos<br />
(“Romance du Soir”) em<br />
combinação com peças ibéricas dos<br />
séculos XV e XVI, das quais se<br />
<strong>de</strong>staca a exuberante “ensalada” “La<br />
Bomba”, <strong>de</strong> Mateo Flecha. A<br />
expressão “Romance du Soir”,<br />
extraída da peça homónica <strong>de</strong> Saint-<br />
Säens, serve <strong>de</strong> fio condutor a um<br />
conjunto <strong>de</strong> canções <strong>de</strong> amor <strong>de</strong><br />
várias épocas — dos madrigalistas<br />
ingleses (Thomas Welkees e John<br />
Wilbye) a compositores dos séculos<br />
XIX e XX como Schubert, Elgar ou<br />
Libby Larsen.<br />
Agenda<br />
sexta 10<br />
Jazzanova + Paul Randolph<br />
Cascais. Cida<strong>de</strong>la. Av. D. Carlos I, às 22h00. Tel.:<br />
214826730. 30€.<br />
Cool Jazz Fest 2009<br />
Suzanne Vega<br />
Sintra. CC Olga Cadaval. Pç. Dr. Francisco Sá<br />
Carneiro, às 22h00. Tel.: 219107110. 15€ a 25€.<br />
Vinícius Cantuária + Takuya<br />
Nakamura<br />
Vila do Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> - Sala 1. Av. Dr.<br />
João Canavarro, às 00h30. Tel.: 252646516. 7,5€.<br />
Esperanza Spalding<br />
Estombar. Sítio das Fontes, às 22h00. Tel.:<br />
211205050. 20€.<br />
Deolinda<br />
Freamun<strong>de</strong>. Lg. 1º <strong>de</strong> Maio, às 21h00. Tel.:<br />
919412056. Entrada livre.<br />
Cesária Évora<br />
Viana do Castelo. Forte <strong>de</strong> Santiago da Barra.<br />
Campo do Castelo, às 22h00. Entrada livre.<br />
Mundo Cão<br />
São João da Ma<strong>de</strong>ira. Paços da Cultura. R. 11 <strong>de</strong><br />
Outubro, 89, às 21h45. Tel.: 256827783. 6€.<br />
Joana Amendoeira e Orquestra<br />
Nacional do Porto<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 22h00. Tel.: 220120220. 7,5€.<br />
Direcção Musical: Osvaldo Ferreira.<br />
Grândolas: Bernardo Sassetti +<br />
Mário Laginha<br />
<strong>Lisboa</strong>. Castelo <strong>de</strong> São Jorge às 22h00. Tel.:<br />
218800620. Entrada livre.<br />
sábado 11<br />
Dean & Britta<br />
Vila do Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong> - Sala 1. Av. Dr. João<br />
Canavarro, às 00h00. Tel.: 252646516. 10€ a 12,5€.<br />
Ver texto pág. 9<br />
Gala Drop<br />
<strong>Lisboa</strong>. Fundação e Museu Calouste Gulbenkian.<br />
Av. <strong>de</strong> Berna, 45A, às 21h30. Tel.: 217823700. 10€.<br />
Ma<strong>de</strong>leine Peyroux<br />
Portimão. Teatro <strong>Municipal</strong>. Lg. 1.º <strong>de</strong> Dezembro,<br />
às 22h00. Tel.: 282402475. 20€.<br />
Amélia Muge + Siba e a Fuloresta<br />
Porto. Casa da Música - Sala Suggia. Pç. Mouzinho<br />
<strong>de</strong> Albuquerque, às 22h00. Tel.: 220120220. 10€.<br />
Festival Uma Casa Portuguesa.<br />
Fazil Say<br />
Espinho. Auditório <strong>de</strong> Espinho. R. 34, 884, às<br />
22h00. Tel.: 227340469. 7€.<br />
FIME 2009 - 35.º Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Música <strong>de</strong><br />
Espinho. Obras <strong>de</strong> Mussorgsky,<br />
Janacek e Prokofiev.<br />
Cristina Branco<br />
Arcos <strong>de</strong> Val<strong>de</strong>vez. Casa das Artes.<br />
Jardim dos Centenários, às 22h00.<br />
Tel.: 258520520. Entrada livre.<br />
Chico César<br />
Vila Real. Teatro - Auditório<br />
Exterior. Al. <strong>de</strong> Grasse, às 22h30.<br />
Tel.: 259320000. Entrada livre.<br />
Real Combo<br />
Lisbonense + Roda<br />
<strong>de</strong> Choro <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Lisboa</strong>. Castelo <strong>de</strong> São Jorge, às<br />
21h30. Tel.: 218800620. 5€.<br />
domingo 12<br />
Buraka Som Sistema<br />
Freamun<strong>de</strong>. Lg. 1º <strong>de</strong> Maio, às<br />
23h59. Tel.: 919412056. Entrada<br />
livre.<br />
Suzanne Vega<br />
Chico César<br />
em Vila Real<br />
Renata Rosa e Galandum<br />
Galundaina<br />
Porto. Casa da Música. Pç. Mouzinho <strong>de</strong><br />
Albuquerque, às 22h00. Tel.: 220120220. 10€.<br />
Festival Uma Casa Portuguesa.<br />
Real Combo Lisbonense + Roda<br />
<strong>de</strong> Choro <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Lisboa</strong>. Jardim da Estrela. Pç. Estrela, às 18h00.<br />
Entrada livre.<br />
segunda 13<br />
Vana Gierig e Paquito D’Rivera<br />
Com Vana Gierig (piano), Paquito<br />
D’Rivera (clarinete e saxofone alto),<br />
Sean Conly (contrabaixo), Marcello<br />
Pellitteri (bateria), Vinícius Barros<br />
(percussão).<br />
Espinho. Auditório. R. 34, 884, às 22h00. Tel.:<br />
227340469. 7€.<br />
FIME 2009 - 35.º Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Música <strong>de</strong> Espinho.<br />
terça 14<br />
Mariza<br />
Oeiras. Jardim do Palácio Marquês <strong>de</strong> Pombal. Lg.<br />
do Marquês <strong>de</strong> Pombal - Palácio, às 22h00. Tel.:<br />
214465300. 20€ a 30€.<br />
quarta 15<br />
António Zambujo & Ivan Lins<br />
Cascais. Parque Marechal Carmona às 22h00. 20€<br />
a 35€.<br />
Cool Jazz Fest 2009.<br />
Maria João e Mário Laginha<br />
Com Maria João (voz), Mário Laginha<br />
(piano).<br />
Caldas da Rainha. CC e Congressos - Gran<strong>de</strong><br />
Auditório. R. Doutor Leonel Sotto Mayor, às 21h30.<br />
Tel.: 262889650. 12,5€ a 20€.<br />
quinta 16<br />
Andreas Staier<br />
Rates. Igreja <strong>de</strong> São Pedro <strong>de</strong> Rates. Lugar do<br />
Mosteiro - Estrada <strong>Municipal</strong> 504, às 21h45. Tel.:<br />
252298120. 3€ a 5€. Passe Festival: 25€.<br />
XXXI Festival Internacional <strong>de</strong> Música<br />
da Póvoa <strong>de</strong> Varzim. Obras <strong>de</strong> Bach e<br />
Scarlatti.<br />
Branford Marsalis + Orquestra<br />
Metropolitana <strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong><br />
<strong>Lisboa</strong>. CCB - Gran<strong>de</strong> Auditório. Pç. do Império, às<br />
21h00. Tel.: 213612400. 10€ a 35€. No Gran<strong>de</strong><br />
Auditório.<br />
Marsalis Brasilianos - Heitor<br />
Villa-Lobos. Direcção Musical:<br />
Cesário Costa.<br />
Ver texto pág. 17 e segs.<br />
Vaya Con Dios<br />
Mafra. Jardim do Cerco, às 22h00. 20€<br />
a 35€.<br />
Cool Jazz Fest 2009.<br />
Stewart Sukuma +<br />
Chico César +<br />
Lamatumbá<br />
Ton<strong>de</strong>la. Cine Tejá - Novo<br />
Ciclo ACERT. R. Dr. Ricardo<br />
Mota, a partir das 22h. Tel.:<br />
232814400. 10€ (dia) a 30€<br />
(passe).<br />
Tom <strong>de</strong> Festa - 19.º<br />
Festival <strong>de</strong> Músicas<br />
do Mundo 2009.<br />
Alan Braxe +<br />
D.I.S.C.O. Texas +<br />
Rocket + Xinobi<br />
<strong>Lisboa</strong>. Lux Frágil. Av.<br />
Infante D. Henrique,<br />
Armazém A, às 23h00.<br />
Tel.: 218820890.<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 45
Exposições<br />
Uma<br />
incessante<br />
<strong>de</strong>riva<br />
A galeria enquanto jangada:<br />
um projecto <strong>de</strong> António <strong>de</strong><br />
Sousa. ” Óscar Faria<br />
Acerca da sobrevivência<br />
De António <strong>de</strong> Sousa.<br />
Porto. Galeria Extéril. R. do Bonjardim, 1176. T. Até<br />
18/7. Só por marcação via exteril@gmail.com.<br />
Outros.<br />
mmmmn<br />
Aos 27 anos, Henry David Thoreau<br />
<strong>de</strong>cidiu construir uma cabana nas<br />
margens do lago glaciar Wal<strong>de</strong>n,<br />
on<strong>de</strong> viveu isoladamente durante<br />
dois anos, entre 1845 e 1847. Dessa<br />
experiência resultou aquele que é o<br />
seu livro mais conhecido: “Wal<strong>de</strong>n<br />
ou a vida nos bosques” (Antígona,<br />
2009), publicado em 1854. Como<br />
nota Júlio Henriques, é nesse<br />
território que o escritor norteamericano<br />
irá apren<strong>de</strong>r “que a arte<br />
<strong>de</strong> escrever e a arte <strong>de</strong> viver são<br />
inseparáveis.” O responsável pela<br />
revisão e adaptação do livro para<br />
português, trabalho realizado a partir<br />
da tradução <strong>de</strong> Astrid Cabral,<br />
sublinha ainda que neste texto<br />
Thoreau se mostra “como exemplo<br />
<strong>de</strong> uma possível vida vivida ‘com<br />
simplicida<strong>de</strong> e inteligência’.”<br />
Próximo <strong>de</strong> Emerson, a quem<br />
pertencia o terreno on<strong>de</strong> ergueu a<br />
cabana, e do pensamento<br />
transcen<strong>de</strong>ntalista, Thoreau escreveu<br />
ainda “A <strong>de</strong>sobediência civil” (1849),<br />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>screve a sua passagem pela<br />
prisão após ter recusado pagar<br />
impostos, atitu<strong>de</strong> justificada pela sua<br />
posição contrária quer à guerra que<br />
opunha os EUA ao México, quer à<br />
Espaço<br />
Público<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
A jangada parece assumir não só uma função <strong>de</strong><br />
espaço <strong>de</strong> resistência, mas também <strong>de</strong> comentário<br />
ao actual momento da arte<br />
escravatura. Essa experiência levou-o<br />
a reflectir sobre as relações entre o<br />
indivíduo e o Estado, propondo o<br />
direito à auto-governação como<br />
modo <strong>de</strong> enfrentar os abusos do<br />
po<strong>de</strong>r. O ensaio, que se inicia com a<br />
célebre frase “o melhor governo é o<br />
que governa menos”, inclui ainda<br />
esta passagem: “Num governo que<br />
aprisiona qualquer pessoa<br />
injustamente, o verda<strong>de</strong>iro lugar <strong>de</strong><br />
um homem justo é também na<br />
prisão”<br />
Estes dois textos<br />
encontram-se entre o<br />
material utilizado por<br />
António <strong>de</strong> Sousa<br />
(Matosinhos,<br />
1966) para<br />
preparar a<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
intervenção que apresenta na Galeria<br />
Extéril, um projecto <strong>de</strong> Teixeira<br />
Barbosa com <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> existência e<br />
sintetizado na frase “produzir o<br />
máximo com o mínimo” – o ponto<br />
em comum entre os trabalhos<br />
mostrados é uma estrutura portátil,<br />
um cubo com 2x2x2 metros; até<br />
2005, as exposições tinham lugar<br />
numa antiga fábrica ocupada, na<br />
zona do Marquês, no Porto.<br />
Intitulada “Acerca da sobrevivência”,<br />
a proposta actual preten<strong>de</strong> dotar o<br />
espaço expositivo <strong>de</strong> uma imaginada<br />
mobilida<strong>de</strong> – a arquitectura préexistente<br />
foi colocada sobre paletes<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, às quais o artista<br />
adicionou outros materiais (fios,<br />
garrafas <strong>de</strong> água em plástico, uma<br />
cana com uma camisa a<br />
<strong>de</strong>sempenhar a função <strong>de</strong> uma<br />
ban<strong>de</strong>ira, etc.), <strong>de</strong> modo a sugerir<br />
uma jangada.<br />
Segundo Michel Foucault, o barco,<br />
pedaço flutuante <strong>de</strong> espaço, é a<br />
heterotopia por excelência; é aí,<br />
nesse lugar <strong>de</strong> contestação não só<br />
mítica, mas também real dos<br />
territórios em que vivemos, que se<br />
situa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI, a “maior<br />
reserva <strong>de</strong> imaginação.” Através da<br />
transformação da galeria em jangada<br />
somos convidados a ocupar um lugar<br />
vazio, o do náufrago. Pensar a partir<br />
<strong>de</strong>ssa condição extrema e tantas<br />
vezes solitária – o filósofo alemão<br />
Hans Blumenberg <strong>de</strong>fine a<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como “naufrágio com<br />
espectador” – potencia o<br />
aparecimento <strong>de</strong> imagens<br />
provenientes <strong>de</strong> acontecimentos que<br />
vão do <strong>de</strong>saparecimento no mar da<br />
fragata Medusa, assunto pintado por<br />
Géricault entre 1817 e 1818 aos<br />
balseros cubanos, passando pelas<br />
tentativas <strong>de</strong> travessia do estreito <strong>de</strong><br />
Gibraltar por cidadãos africanos que<br />
<strong>de</strong>sejam trabalhar na Europa.<br />
A jangada parece assumir não só<br />
uma função <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> resistência<br />
– é nessas construções precárias que<br />
os sobreviventes aos diferentes<br />
<strong>de</strong>sastres jogam as suas vidas –, mas<br />
também <strong>de</strong> comentário ao actual<br />
momento da arte, cada vez mais<br />
necessitada <strong>de</strong> um lugar solitário,<br />
flutuante ou não, para evitar o<br />
naufrágio presente, entrevisto nas<br />
diferentes formas como hoje o fazer<br />
artístico se confun<strong>de</strong>, é confundido,<br />
com objectivos alheios – o turismo<br />
cultural, as indústrias criativas, os<br />
leilões, os fundos <strong>de</strong> investimento, ,<br />
a <strong>de</strong>coração <strong>de</strong> hotéis, a<br />
gastronomia, etc. Como escreve<br />
António <strong>de</strong> Sousa no curto texto que<br />
associa à sua intervenção: “Num<br />
contexto político, económico e<br />
cultural <strong>de</strong> crise, já <strong>de</strong> si adverso à<br />
experiência, este simbiótico corpo<br />
sobrevive <strong>de</strong>vido à sua estranha<br />
natureza e à sua incessante <strong>de</strong>riva.”<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
Retratos, 10 Anos do<br />
Microcrédito em Portugal<br />
Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />
Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />
222076310. Até 31/08. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,<br />
Dom. e Feriados das 15h às 19h. Inaugura 11/7 às 16h.<br />
Projecto 09<br />
De vários autores.<br />
Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />
Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />
222076310. Até 30/08. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,<br />
Dom. e Feriados das 15h às 18h. Trabalho final dos<br />
Estudantes do Curso <strong>de</strong> Tecnologia da Comunicação<br />
Audiovisual ESMAE/IPP. Inaugura 11/7 às 16h.<br />
Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />
Continuam<br />
Feijoeiro<br />
De João Pedro Vale.<br />
<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa<br />
Pinto, 4. Tel.: 213432148. Até 30/10. 3ª a Dom. das<br />
10h às 18h. No Piso 1.<br />
Depois do Dilúvio<br />
De Gao Xingjian.<br />
Sintra. Sintra Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna Colecção<br />
Berardo. Av. Heliodoro Salgado. T. 219248170. Até<br />
27/9. 3ª a dom. das 10h às 18h.<br />
Dan Flavin na Colecção Panza<br />
De Dan Flavin.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império -<br />
CCB. Tel.: 213612878. Até 30/08. 6ª das 10h às 22h<br />
(última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das<br />
10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />
Serralves 2009 - a Colecção<br />
De vários autores.<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210. Tel.: 226156500. Até 27/09. 3ª a 6ª das 10h às<br />
17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.<br />
Ombro a Ombro: Retratos<br />
Políticos<br />
<strong>Lisboa</strong>. MUDE - Museu do Design e da Moda. R.<br />
Augusta 24. Tel.: 218886117. Até 13/09. 6ª e Sáb. das<br />
10h às 22h. 3ª a 5ª e Dom. das 10h às 20h.<br />
Vermelho ou Azul/Red or Blue<br />
De Daan van Gol<strong>de</strong>n.<br />
<strong>Lisboa</strong>.<br />
Culturgest.<br />
R. Arco do<br />
Cego -<br />
Edifício da<br />
CGD. Tel.:<br />
217905155. Até<br />
06/09. 2ª, 4ª, 5ª<br />
e 6ª das 11h às<br />
19h (última<br />
admissão às<br />
18h30). Sáb.,<br />
Dom. e Feriados<br />
das 14h às 20h<br />
(última admissão às<br />
19h30).<br />
Colecção #1 - Ana<br />
Jotta<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco<br />
do Cego - Edifício da CGD.<br />
Tel.: 217905155. Até<br />
06/09. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />
11h às 19h (última<br />
admissão às 18h30).<br />
Sáb., Dom. e Feriados<br />
Retratos <strong>de</strong> políticos no MUDE<br />
das 14h às 20h (última admissão às 19h30).<br />
Colecção #2 - Francisco<br />
Tropa<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. Tel.: 217905155. Até 06/09. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />
11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
MARZLIVE<br />
De Julian Rosefeldt, Johanna Billing,<br />
Matt Stokes, Jens Wagner, Michaela<br />
Eichwald, Kai Althoff, Ralf Schauff,<br />
Iain Forsyth, Jane Pollard.<br />
<strong>Lisboa</strong>. MARZ - Galeria. R. Reinaldo Ferreira, 20A.<br />
Tel.: 915769723. De 26/06 a 30/07. 3ª a Sáb. das 12h<br />
às 20h. De 26/6 a 2/7: Julian Rosefeldt. De 3/7 a 9/7:<br />
Johanna Billing. De 10/7 a 16/7: Matt Stokes. De 17/7<br />
a 23/7: Jens Wagner, Michaela Eichwald, Kai Althoff<br />
e Ralf Schauff. De 24/7 a 30/7: Iain Forsyth e Jane<br />
Pollard.<br />
Gao Xingjian<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Graça Brandão. R. dos Caetanos, 26A<br />
(Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 31/07. 3ª a Sáb. das<br />
11h às 20h.<br />
Salla Tykkä<br />
Vila do Con<strong>de</strong>. Solar - Galeria <strong>de</strong> Arte Cinemática.<br />
Solar <strong>de</strong> S. Roque. Tel.: 252646516. Até 06/09. 3ª,<br />
4ª e 5ª das 14h30 às 18h. 6ª das 14h30 às 00h.<br />
Sáb. das 10h às 00h. Dom. das 10h às 18h. 17º<br />
Curtas Vila do Con<strong>de</strong> Festival Internacional <strong>de</strong><br />
Cinema.<br />
Wish We Could Tell<br />
De Joana Hadjithomas, Khalil Joreige.<br />
Vila do Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Dr. João<br />
Canavarro. Tel.: 252646516. Até 30/07. 2ª a Dom.<br />
das 14h às 00h. 17º Curtas Vila do Con<strong>de</strong> Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Cinema.<br />
Quantos Artistas um Artista<br />
po<strong>de</strong> ser<br />
De João Paulo Feliciano.<br />
Castelo Branco. 102-100 Galeria <strong>de</strong> Arte. R. <strong>de</strong><br />
Santa Maria, 100. Tel.: 933180211. Até 01/08. 3ª a<br />
6ª das 15h às 19h. Sáb. das 10h30 às 19h.<br />
Lições <strong>de</strong> Música, Vol. II<br />
De João Paulo Feliciano.<br />
Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel<br />
Bombarda, 526/536. Tel.: 226061090. Até 30/07. 3ª<br />
a 6ª das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.<br />
46 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon
Exposições<br />
Uma<br />
incessante<br />
<strong>de</strong>riva<br />
A galeria enquanto jangada:<br />
um projecto <strong>de</strong> António <strong>de</strong><br />
Sousa. ” Óscar Faria<br />
Acerca da sobrevivência<br />
De António <strong>de</strong> Sousa.<br />
Porto. Galeria Extéril. R. do Bonjardim, 1176. T. Até<br />
18/7. Só por marcação via exteril@gmail.com.<br />
Outros.<br />
mmmmn<br />
Aos 27 anos, Henry David Thoreau<br />
<strong>de</strong>cidiu construir uma cabana nas<br />
margens do lago glaciar Wal<strong>de</strong>n,<br />
on<strong>de</strong> viveu isoladamente durante<br />
dois anos, entre 1845 e 1847. Dessa<br />
experiência resultou aquele que é o<br />
seu livro mais conhecido: “Wal<strong>de</strong>n<br />
ou a vida nos bosques” (Antígona,<br />
2009), publicado em 1854. Como<br />
nota Júlio Henriques, é nesse<br />
território que o escritor norteamericano<br />
irá apren<strong>de</strong>r “que a arte<br />
<strong>de</strong> escrever e a arte <strong>de</strong> viver são<br />
inseparáveis.” O responsável pela<br />
revisão e adaptação do livro para<br />
português, trabalho realizado a partir<br />
da tradução <strong>de</strong> Astrid Cabral,<br />
sublinha ainda que neste texto<br />
Thoreau se mostra “como exemplo<br />
<strong>de</strong> uma possível vida vivida ‘com<br />
simplicida<strong>de</strong> e inteligência’.”<br />
Próximo <strong>de</strong> Emerson, a quem<br />
pertencia o terreno on<strong>de</strong> ergueu a<br />
cabana, e do pensamento<br />
transcen<strong>de</strong>ntalista, Thoreau escreveu<br />
ainda “A <strong>de</strong>sobediência civil” (1849),<br />
on<strong>de</strong> <strong>de</strong>screve a sua passagem pela<br />
prisão após ter recusado pagar<br />
impostos, atitu<strong>de</strong> justificada pela sua<br />
posição contrária quer à guerra que<br />
opunha os EUA ao México, quer à<br />
Espaço<br />
Público<br />
Este espaço vai ser<br />
seu. Que filme, peça <strong>de</strong><br />
teatro, livro, exposição,<br />
disco, álbum, canção,<br />
concerto, DVD viu e<br />
gostou tanto que lhe<br />
apeteceu escrever<br />
A jangada parece assumir não só uma função <strong>de</strong><br />
espaço <strong>de</strong> resistência, mas também <strong>de</strong> comentário<br />
ao actual momento da arte<br />
escravatura. Essa experiência levou-o<br />
a reflectir sobre as relações entre o<br />
indivíduo e o Estado, propondo o<br />
direito à auto-governação como<br />
modo <strong>de</strong> enfrentar os abusos do<br />
po<strong>de</strong>r. O ensaio, que se inicia com a<br />
célebre frase “o melhor governo é o<br />
que governa menos”, inclui ainda<br />
esta passagem: “Num governo que<br />
aprisiona qualquer pessoa<br />
injustamente, o verda<strong>de</strong>iro lugar <strong>de</strong><br />
um homem justo é também na<br />
prisão”<br />
Estes dois textos<br />
encontram-se entre o<br />
material utilizado por<br />
António <strong>de</strong> Sousa<br />
(Matosinhos,<br />
1966) para<br />
preparar a<br />
aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />
sobre ele, concordando<br />
ou não concordando<br />
com o que escrevemos?<br />
Envie-nos uma nota até<br />
500 caracteres para<br />
ipsilon@publico.pt. E<br />
nós <strong>de</strong>pois publicamos.<br />
intervenção que apresenta na Galeria<br />
Extéril, um projecto <strong>de</strong> Teixeira<br />
Barbosa com <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> existência e<br />
sintetizado na frase “produzir o<br />
máximo com o mínimo” – o ponto<br />
em comum entre os trabalhos<br />
mostrados é uma estrutura portátil,<br />
um cubo com 2x2x2 metros; até<br />
2005, as exposições tinham lugar<br />
numa antiga fábrica ocupada, na<br />
zona do Marquês, no Porto.<br />
Intitulada “Acerca da sobrevivência”,<br />
a proposta actual preten<strong>de</strong> dotar o<br />
espaço expositivo <strong>de</strong> uma imaginada<br />
mobilida<strong>de</strong> – a arquitectura préexistente<br />
foi colocada sobre paletes<br />
<strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, às quais o artista<br />
adicionou outros materiais (fios,<br />
garrafas <strong>de</strong> água em plástico, uma<br />
cana com uma camisa a<br />
<strong>de</strong>sempenhar a função <strong>de</strong> uma<br />
ban<strong>de</strong>ira, etc.), <strong>de</strong> modo a sugerir<br />
uma jangada.<br />
Segundo Michel Foucault, o barco,<br />
pedaço flutuante <strong>de</strong> espaço, é a<br />
heterotopia por excelência; é aí,<br />
nesse lugar <strong>de</strong> contestação não só<br />
mítica, mas também real dos<br />
territórios em que vivemos, que se<br />
situa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVI, a “maior<br />
reserva <strong>de</strong> imaginação.” Através da<br />
transformação da galeria em jangada<br />
somos convidados a ocupar um lugar<br />
vazio, o do náufrago. Pensar a partir<br />
<strong>de</strong>ssa condição extrema e tantas<br />
vezes solitária – o filósofo alemão<br />
Hans Blumenberg <strong>de</strong>fine a<br />
mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> como “naufrágio com<br />
espectador” – potencia o<br />
aparecimento <strong>de</strong> imagens<br />
provenientes <strong>de</strong> acontecimentos que<br />
vão do <strong>de</strong>saparecimento no mar da<br />
fragata Medusa, assunto pintado por<br />
Géricault entre 1817 e 1818 aos<br />
balseros cubanos, passando pelas<br />
tentativas <strong>de</strong> travessia do estreito <strong>de</strong><br />
Gibraltar por cidadãos africanos que<br />
<strong>de</strong>sejam trabalhar na Europa.<br />
A jangada parece assumir não só<br />
uma função <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> resistência<br />
– é nessas construções precárias que<br />
os sobreviventes aos diferentes<br />
<strong>de</strong>sastres jogam as suas vidas –, mas<br />
também <strong>de</strong> comentário ao actual<br />
momento da arte, cada vez mais<br />
necessitada <strong>de</strong> um lugar solitário,<br />
flutuante ou não, para evitar o<br />
naufrágio presente, entrevisto nas<br />
diferentes formas como hoje o fazer<br />
artístico se confun<strong>de</strong>, é confundido,<br />
com objectivos alheios – o turismo<br />
cultural, as indústrias criativas, os<br />
leilões, os fundos <strong>de</strong> investimento, ,<br />
a <strong>de</strong>coração <strong>de</strong> hotéis, a<br />
gastronomia, etc. Como escreve<br />
António <strong>de</strong> Sousa no curto texto que<br />
associa à sua intervenção: “Num<br />
contexto político, económico e<br />
cultural <strong>de</strong> crise, já <strong>de</strong> si adverso à<br />
experiência, este simbiótico corpo<br />
sobrevive <strong>de</strong>vido à sua estranha<br />
natureza e à sua incessante <strong>de</strong>riva.”<br />
Agenda<br />
Inauguram<br />
Retratos, 10 Anos do<br />
Microcrédito em Portugal<br />
Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />
Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />
222076310. Até 31/08. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,<br />
Dom. e Feriados das 15h às 19h. Inaugura 11/7 às 16h.<br />
Projecto 09<br />
De vários autores.<br />
Porto. Centro Português <strong>de</strong> Fotografia - Ca<strong>de</strong>ia da<br />
Relação do Porto. Campo Mártires da Pátria. Tel.:<br />
222076310. Até 30/08. 3ª a 6ª das 10h às 18h. Sáb.,<br />
Dom. e Feriados das 15h às 18h. Trabalho final dos<br />
Estudantes do Curso <strong>de</strong> Tecnologia da Comunicação<br />
Audiovisual ESMAE/IPP. Inaugura 11/7 às 16h.<br />
Fotografia, Ví<strong>de</strong>o.<br />
Continuam<br />
Feijoeiro<br />
De João Pedro Vale.<br />
<strong>Lisboa</strong>. MNAC - Museu do Chiado. R. Serpa<br />
Pinto, 4. Tel.: 213432148. Até 30/10. 3ª a Dom. das<br />
10h às 18h. No Piso 1.<br />
Depois do Dilúvio<br />
De Gao Xingjian.<br />
Sintra. Sintra Museu <strong>de</strong> Arte Mo<strong>de</strong>rna Colecção<br />
Berardo. Av. Heliodoro Salgado. T. 219248170. Até<br />
27/9. 3ª a dom. das 10h às 18h.<br />
Dan Flavin na Colecção Panza<br />
De Dan Flavin.<br />
<strong>Lisboa</strong>. Museu Colecção Berardo. Pç. do Império -<br />
CCB. Tel.: 213612878. Até 30/08. 6ª das 10h às 22h<br />
(última admissão às 21h30). 2ª a 5ª, Sáb. e Dom. das<br />
10h às 19h (última admissão às 18h30).<br />
Serralves 2009 - a Colecção<br />
De vários autores.<br />
Porto. Museu <strong>de</strong> Serralves. R. Dom João <strong>de</strong> Castro,<br />
210. Tel.: 226156500. Até 27/09. 3ª a 6ª das 10h às<br />
17h. Sáb., Dom. e Feriados das 10h às 20h.<br />
Ombro a Ombro: Retratos<br />
Políticos<br />
<strong>Lisboa</strong>. MUDE - Museu do Design e da Moda. R.<br />
Augusta 24. Tel.: 218886117. Até 13/09. 6ª e Sáb. das<br />
10h às 22h. 3ª a 5ª e Dom. das 10h às 20h.<br />
Vermelho ou Azul/Red or Blue<br />
De Daan van Gol<strong>de</strong>n.<br />
<strong>Lisboa</strong>.<br />
Culturgest.<br />
R. Arco do<br />
Cego -<br />
Edifício da<br />
CGD. Tel.:<br />
217905155. Até<br />
06/09. 2ª, 4ª, 5ª<br />
e 6ª das 11h às<br />
19h (última<br />
admissão às<br />
18h30). Sáb.,<br />
Dom. e Feriados<br />
das 14h às 20h<br />
(última admissão às<br />
19h30).<br />
Colecção #1 - Ana<br />
Jotta<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco<br />
do Cego - Edifício da CGD.<br />
Tel.: 217905155. Até<br />
06/09. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />
11h às 19h (última<br />
admissão às 18h30).<br />
Sáb., Dom. e Feriados<br />
Retratos <strong>de</strong> políticos no MUDE<br />
das 14h às 20h (última admissão às 19h30).<br />
Colecção #2 - Francisco<br />
Tropa<br />
<strong>Lisboa</strong>. Culturgest. R. Arco do Cego - Edifício da<br />
CGD. Tel.: 217905155. Até 06/09. 2ª, 4ª, 5ª e 6ª das<br />
11h às 19h (última admissão às 18h30). Sáb., Dom. e<br />
Feriados das 14h às 20h (última admissão às<br />
19h30).<br />
MARZLIVE<br />
De Julian Rosefeldt, Johanna Billing,<br />
Matt Stokes, Jens Wagner, Michaela<br />
Eichwald, Kai Althoff, Ralf Schauff,<br />
Iain Forsyth, Jane Pollard.<br />
<strong>Lisboa</strong>. MARZ - Galeria. R. Reinaldo Ferreira, 20A.<br />
Tel.: 915769723. De 26/06 a 30/07. 3ª a Sáb. das 12h<br />
às 20h. De 26/6 a 2/7: Julian Rosefeldt. De 3/7 a 9/7:<br />
Johanna Billing. De 10/7 a 16/7: Matt Stokes. De 17/7<br />
a 23/7: Jens Wagner, Michaela Eichwald, Kai Althoff<br />
e Ralf Schauff. De 24/7 a 30/7: Iain Forsyth e Jane<br />
Pollard.<br />
Gao Xingjian<br />
<strong>Lisboa</strong>. Galeria Graça Brandão. R. dos Caetanos, 26A<br />
(Bairro Alto). Tel.: 213469183. Até 31/07. 3ª a Sáb. das<br />
11h às 20h.<br />
Salla Tykkä<br />
Vila do Con<strong>de</strong>. Solar - Galeria <strong>de</strong> Arte Cinemática.<br />
Solar <strong>de</strong> S. Roque. Tel.: 252646516. Até 06/09. 3ª,<br />
4ª e 5ª das 14h30 às 18h. 6ª das 14h30 às 00h.<br />
Sáb. das 10h às 00h. Dom. das 10h às 18h. 17º<br />
Curtas Vila do Con<strong>de</strong> Festival Internacional <strong>de</strong><br />
Cinema.<br />
Wish We Could Tell<br />
De Joana Hadjithomas, Khalil Joreige.<br />
Vila do Con<strong>de</strong>. Teatro <strong>Municipal</strong>. Av. Dr. João<br />
Canavarro. Tel.: 252646516. Até 30/07. 2ª a Dom.<br />
das 14h às 00h. 17º Curtas Vila do Con<strong>de</strong> Festival<br />
Internacional <strong>de</strong> Cinema.<br />
Quantos Artistas um Artista<br />
po<strong>de</strong> ser<br />
De João Paulo Feliciano.<br />
Castelo Branco. 102-100 Galeria <strong>de</strong> Arte. R. <strong>de</strong><br />
Santa Maria, 100. Tel.: 933180211. Até 01/08. 3ª a<br />
6ª das 15h às 19h. Sáb. das 10h30 às 19h.<br />
Lições <strong>de</strong> Música, Vol. II<br />
De João Paulo Feliciano.<br />
Porto. Galeria Fernando Santos. R. Miguel<br />
Bombarda, 526/536. Tel.: 226061090. Até 30/07. 3ª<br />
a 6ª das 10h às 19h30. 2ª e Sáb. das 15h às 19h30.<br />
46 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon