Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa
Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa
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não há tanto o estigma <strong>de</strong> ter <strong>de</strong><br />
apresentar algo que seja puramente<br />
europeu. Villa-Lobos conheceu a música<br />
<strong>de</strong> Milhaud, Ravel e Debussy em<br />
Paris mas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> regressar ao Brasil<br />
continuou a conviver com os músicos<br />
do samba, do tango, com a música<br />
popular brasileira. Foi a familiarida<strong>de</strong><br />
com diversos estilos e uma<br />
compreensão profunda das suas linguagens<br />
– ele tanto dominava o choro<br />
como a harmonia clássica – que tornou<br />
a sua obra tão rica. Na Europa,<br />
muitos compositores <strong>de</strong>dicavam-se<br />
também a estudar outras músicas, o<br />
que se reflecte nas suas obras, mas<br />
essa atitu<strong>de</strong> era menos comum entre<br />
os intérpretes da tradição clássica.<br />
Tem trabalhado com músicos <strong>de</strong><br />
jazz, da clássica, do pop rock, da<br />
world music… É difícil interagir<br />
com pessoas com experiências<br />
tão distintas?<br />
Os músicos po<strong>de</strong>m ser muito diferentes<br />
mas o objectivo é sempre o mesmo:<br />
tocar as pessoas emocionalmente<br />
através do som. É mais fácil na pop<br />
porque há uma componente visual<br />
muito forte: a dança, as luzes, muitas<br />
coisas que impressionam visualmente.<br />
Em muitas socieda<strong>de</strong>s, como é o<br />
caso da norte-americana, as pessoas<br />
ainda vão aos concertos para ver e<br />
não não tanto para ouvir. É por isso<br />
que quando se fala do Michael Jackson<br />
os temas são as luvas, as jaquetas,<br />
o seu comportamento ou as coisas<br />
estranhas da vida <strong>de</strong>le, mas há muito<br />
pouca discussão sobre a voz. E ele<br />
tinha uma voz fantástica, sobretudo<br />
quando era mais novo, só que ninguém<br />
conversa sobre isso. Quanto se<br />
toca um estilo <strong>de</strong> música em que estamos<br />
sentados numa ca<strong>de</strong>ira, como<br />
acontece na clássica, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mos<br />
apenas do som para envolver a audiência.<br />
Na música clássica o som ainda<br />
prevalece sobre a imagem…<br />
Há pessoas que dizem que gostam <strong>de</strong><br />
música, mas não é realmente da música<br />
que gostam mas sim do espectáculo.<br />
Há cantores que cantam muito<br />
mal e o público nem dá por isso. Mas<br />
num concerto clássico se alguém canta<br />
mal toda a gente nota. E também é<br />
mais fácil tocar música pop. Quando<br />
tinha 12 anos tocava quase todas canções<br />
do Elton John no piano e fazia-o<br />
bastante bem, mas não conseguiria<br />
tocar um concerto <strong>de</strong> Rachmaninov.<br />
Continuo a gostar <strong>de</strong> Elton John – a<br />
sua música faz-me sentir bem, gosto<br />
da sonorida<strong>de</strong>, da linha vocal, da parte<br />
do piano – mas ao mesmo tempo<br />
também acho espantoso um concerto<br />
clássico <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> virtuosismo, sendo<br />
que nesse caso tenho a consciência<br />
<strong>de</strong> que o instrumentista precisou <strong>de</strong><br />
estudar muitas horas por dia.<br />
Mas o jazz po<strong>de</strong> ser também<br />
muito exigente tecnicamente…<br />
O repertório clássico é o mais exigente<br />
tecnicamente. No jazz os músicos<br />
po<strong>de</strong>m tocar muitas notas (na minha<br />
opinião tocam <strong>de</strong>masiadas!), mas po<strong>de</strong>m<br />
escolher quais as notas que querem<br />
tocar. Na clássica o compositor<br />
escreve e temos <strong>de</strong> ser fiéis à partitura.<br />
Não po<strong>de</strong>mos dizer: vou mudar<br />
estas notas ou estes acor<strong>de</strong>s para<br />
adaptar melhor a peça ao meu estilo.<br />
Quando comecei a abordar o repertório<br />
clássico mais a sério, há sete ou<br />
oito anos, precisei <strong>de</strong> ter aulas <strong>de</strong> saxofone.<br />
A minha técnica funcionava<br />
para o jazz e para a pop mas não servia<br />
para a música clássica.<br />
Não tinha tido antes uma<br />
preparação musical formal<br />
nessa área?<br />
Não tive uma formação clássica tradicional,<br />
mas o meu irmão Wynton<br />
teve. Eu simplesmente ouvia os discos<br />
que ele trazia para casa. O Wynton<br />
estudava o tempo todo, mas eu<br />
“Não acredito na<br />
obsessão pela<br />
inovação. Quando<br />
ouvimos muita<br />
música clássica<br />
(Mozart, Beethoven,<br />
Mahler…), por um<br />
lado todos os<br />
compositores soam<br />
<strong>de</strong> maneira<br />
semelhante, mas por<br />
outro todos são muito<br />
diferentes. Mas o mais<br />
incrível é que todos<br />
estes mundos sonoros<br />
foram construídos<br />
com as mesmas<br />
12 notas. A mesmas 12<br />
notas que Michael<br />
Jackson ou Prince<br />
também usaram!”<br />
Nos dias 16 e<br />
17 o<br />
saxofonista<br />
apresenta o<br />
programa<br />
“Marsalis<br />
Brasilianos”<br />
com a<br />
Orquestra<br />
Metropolitana<br />
<strong>de</strong> <strong>Lisboa</strong>:<br />
toca obras <strong>de</strong><br />
Villa-Lobos e<br />
Darius<br />
Milhaud<br />
não praticava nada! Aos 15 anos <strong>de</strong>dicava-me<br />
a tocar numa banda <strong>de</strong> “covers”.<br />
Nessa altura ainda não se usavam<br />
DJs, contratavam bandas que<br />
tocavam as canções da moda. Aprendi<br />
por intuição e por imitação, sempre<br />
coloquei os meus ouvidos alerta.<br />
Fico espantado com o gran<strong>de</strong> número<br />
<strong>de</strong> músicos que não conseguem<br />
ouvir verda<strong>de</strong>iramente a música que<br />
tocam. Este é um problema que se<br />
verifica na música sinfónica mas também<br />
no jazz. Acontece porque hoje<br />
os jovens começam logo a ler música<br />
e não têm a experiência <strong>de</strong> tocar <strong>de</strong><br />
ouvido. Antes as pessoas não iam para<br />
a escola aos quatro ou cinco anos,<br />
aprendiam a tocar com o que ouviam<br />
nas ruas, <strong>de</strong>coravam canções infantis.<br />
Obrigo sempre os meus alunos a trabalhar<br />
uma série <strong>de</strong> canções <strong>de</strong> ouvido,<br />
que não estejam nos livros.<br />
É pouco comum um músico<br />
percorrer tantos universos,<br />
geralmente ten<strong>de</strong>-se para a<br />
especialização…<br />
É uma escolha pessoal. Um dia alguém<br />
perguntou a Sibelius: “quando<br />
está com os seus colegas sobre o que<br />
é que falam?” E ele respon<strong>de</strong>u: “não<br />
falo com músicos, falo com banqueiros.<br />
Os banqueiros gostam <strong>de</strong> falar<br />
sobre música, os músicos só falam<br />
sobre dinheiro”. Há pessoas que só<br />
são boas numa coisa, mas outras<br />
pensam: em que área é que posso<br />
fazer mais dinheiro? O meu pai sempre<br />
nos disse: “vocês são espertos,<br />
se querem ganhar dinheiro não toquem<br />
música”. Por isso num Verão<br />
trabalhei numa quinta e no Verão<br />
seguinte num hospital, mas no final<br />
<strong>de</strong>cidi que o que queria mesmo era<br />
ser um bom instrumentista. Nunca<br />
me preocupei em saber quanto dinheiro<br />
isso podia ren<strong>de</strong>r. Temos tendência<br />
para a catalogação: sou um<br />
músico clássico, sou um músico <strong>de</strong><br />
jazz, etc… Não concordo. Sei que<br />
nunca tocarei saxofone clássico tão<br />
bem como os fazem profissão da música<br />
clássica mas faço o melhor que<br />
posso e sei. O importante é que as<br />
coisas que fiz nesse campo me tornaram<br />
melhor como músico.<br />
Ficar apenas vinculado a um<br />
género seria limitativo?<br />
Sempre estive aberto a experimentar<br />
novos estilos e a ouvir muito. E nunca<br />
tive receio <strong>de</strong> ter lições nem <strong>de</strong> progredir.<br />
Digo sempre aos meus alunos<br />
que somos eternos estudantes. Noutras<br />
profissões recebemos um diploma<br />
e po<strong>de</strong>mos dizer: sou médico, sou<br />
advogado, sou contabilista, etc. A música<br />
é diferente. O meu pai costumava<br />
dizer: a música não é aquilo que tu<br />
és, mas aquilo que fazes. E se é aquilo<br />
que fazes, então nunca serás tão<br />
bom como po<strong>de</strong>rias ser. Ou seja, é<br />
como ser uma pessoa melhor. É muito<br />
difícil mas continuamos a tentar<br />
até ao fim da vida.<br />
Também é compositor. Como<br />
encara essa vertente da sua<br />
activida<strong>de</strong>?<br />
Não acredito na obsessão pela inovação.<br />
Quando ouvimos muita música<br />
clássica (Mozart, Beethoven, Mahler…),<br />
por um lado todos os compositores<br />
soam <strong>de</strong> maneira semelhante,<br />
mas por outro todos são muito diferentes.<br />
Mas o mais incrível é que todos<br />
estes mundos sonoros foram construídos<br />
com as mesmas 12 notas. A mesmas<br />
12 notas que Michael Jackson ou<br />
Prince também usaram! A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que<br />
temos sempre <strong>de</strong> inventar algo é absurda.<br />
Não se é original apenas porque<br />
se quer. O que temos a fazer é apren<strong>de</strong>r<br />
o máximo possível, <strong>de</strong>dicarmonos<br />
a ser os melhores músicos possíveis.<br />
O resto é uma consequência.<br />
Ver agenda <strong>de</strong> concertos págs. 44<br />
e segs.<br />
18 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon