Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa
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Discos<br />
“Sometimes I Wish We Were<br />
an Eagle” assinala o<br />
fim da <strong>de</strong>cantação <strong>de</strong> toda a<br />
violência que marcava<br />
os primeiros disco <strong>de</strong> Callahan<br />
Pop<br />
A salvação <strong>de</strong><br />
Bill Callahan<br />
Não há muitos discos por aí<br />
em que entremos <strong>de</strong> gatas<br />
e saiamos apoiados apenas<br />
nas patas traseiras.<br />
João Bonifácio<br />
Bill Callahan<br />
Sometimes I Wish We Were an Eagle<br />
Domino; distri. Flur<br />
mmmmm<br />
O movimento<br />
traçado pela música<br />
<strong>de</strong> Bill Callahan ao<br />
longo <strong>de</strong> 17 anos é<br />
uma lenta elipse em<br />
direcção à<br />
normalida<strong>de</strong> possível, cujo ponto<br />
culminar é “Sometimes I Wish We<br />
Were an Eagle”. O disco assinala o<br />
fim <strong>de</strong> uma recente e progressiva<br />
<strong>de</strong>cantação <strong>de</strong> toda a provocação e<br />
violência que marcavam os<br />
primeiros discos <strong>de</strong> Callahan.<br />
O milagre <strong>de</strong> “Sometimes I Wish<br />
We Were an Eagle” consiste em usar<br />
a favor <strong>de</strong> uma beleza simples mas<br />
exacta os elementos fundamentais<br />
que marcam a escrita <strong>de</strong> Callahan:<br />
usar um mínimo <strong>de</strong> recursos,<br />
assentes numa estrutura repetitiva à<br />
guitarra, com enorme economia<br />
vocal e palavras lapidares. Esta<br />
estrutura mantém-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início,<br />
mas nessa altura Callahan<br />
procurava resultados<br />
diferentes.<br />
Vejamos o que ele<br />
caminhou. A sua<br />
primeira cançãoban<strong>de</strong>ira,<br />
“Your<br />
Wedding”, está em “Julius<br />
Caeser” (1993) e foi<br />
editada sob o nome<br />
Smog, <strong>de</strong>nominação que<br />
só abandonou há dois<br />
anos com “Woke on a<br />
Waleheart”. Sob um manto<br />
<strong>de</strong> violoncelos lúgubres, o<br />
que parece ser um oboé a<br />
<strong>de</strong>senhar uma harmonia<br />
<strong>de</strong>sagradável e uma guitarra<br />
<strong>de</strong>safinada, Callahan canta,<br />
com voz ébria, enquanto o<br />
ruído se acumula à sua volta: “I’m<br />
gonna be drunk, so drunk, at your<br />
wedding”. Os riffs bluesy<br />
disfuncionais, as guitarras<br />
<strong>de</strong>safinadas e repetitivas<br />
tornaram-se a marca <strong>de</strong><br />
água <strong>de</strong> Callahan, que<br />
nessa altura usava o<br />
ruído com<br />
abundância.<br />
Espaço<br />
Público<br />
No ano <strong>de</strong> 2009, The<br />
Smiths, The Cure e Echo<br />
and the Bunnymen<br />
<strong>de</strong>cidiram juntar-se<br />
para gravar um dico<br />
<strong>de</strong> beneficiência.<br />
Claro que se trata<br />
<strong>de</strong> um boato<br />
gigantesco,<br />
mas ao<br />
escutar<br />
o disco<br />
homónimo dos<br />
The Pains of<br />
Being Pure at<br />
O mérito foi o <strong>de</strong> ser credível a<br />
enfiar-se na cabeça <strong>de</strong> gente<br />
colocada em fronteiras emocionais.<br />
A infância, por exemplo, era terrível:<br />
em “Battysphere” (“Wild Love”,<br />
1995) um miúdo quer ir para o fundo<br />
do mar e não se importa <strong>de</strong> ficar por<br />
lá; em “Cold Bloo<strong>de</strong>d Old Times”<br />
(“Knock Knock”, 1999), um adulto<br />
recorda a infância e só encontra a<br />
separação dos pais quando era<br />
criança.<br />
As mulheres também não foram<br />
fonte <strong>de</strong> alegria. Em “Be Hit” (“Wild<br />
Love”) Callahan advogava a violência<br />
doméstica como método para evitar<br />
separações. Em “All your women<br />
things” (“Doctor Came At Dawn”,<br />
1996) um homem recorda uma<br />
mulher perdida e pergunta porque é<br />
só a conseguiu amar quando ela o<br />
<strong>de</strong>ixou.<br />
Essa distância face às emoções é<br />
abordada em “River Guard”,<br />
extraordinária canção <strong>de</strong> “Knock<br />
Knock”. Canta-se: “We are<br />
constantly on trial/ it’s a way to be<br />
free”. Aqui a consciência serve como<br />
forma <strong>de</strong> prisão e é esse o gran<strong>de</strong><br />
Heart fico com a sensação<br />
<strong>de</strong> já ter escutado aquele<br />
riff, aquela rima ou aquele<br />
tom <strong>de</strong> voz num dos<br />
vinis que se encontram<br />
religiosamente arrumados<br />
na prateleira da sala. É<br />
para mim estranho que o<br />
disco tenha sido levado<br />
ao colo por gran<strong>de</strong> parte<br />
da imprensa musical,<br />
convencida <strong>de</strong> que<br />
estaremos perante um<br />
meteorito musical capaz<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir todos os<br />
tema <strong>de</strong> Callahan. Essa reflexão<br />
sobre a consciência teve o seu<br />
epítome em “Rain On Lens”, disco<br />
sufocante, <strong>de</strong> guitarras ásperas e voz<br />
cada vez mais seca, em que canta<br />
“The mind is always working out/<br />
ways to see/ the things I shouldn’t<br />
see” (em “Natural <strong>de</strong>cline”). Em<br />
Callahan a consciência é castradora<br />
e o inconsciente é sabotador – vença<br />
quem vencer é a alegria que per<strong>de</strong>.<br />
A partir <strong>de</strong> “Supper” (2003) as<br />
canções procuram a beleza, a<br />
calmaria domina e aqui e ali nota-se<br />
uma procura <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>, que<br />
domina o tremendo “A River Ain’t<br />
Too Much To Love” (2005). Se antes<br />
tínhamos a impressão <strong>de</strong> estar a<br />
assistir a uma inevitável tragédia pelo<br />
buraco da fechadura, agora Callahan<br />
abria-se para o exterior.<br />
“Sometimes I Wish I Was an<br />
Eagle” é o primeiro gran<strong>de</strong> disco em<br />
nome próprio. Abre com “Jim Cain”,<br />
canção <strong>de</strong>dicada ao escritor “noir”<br />
James M Cain. Há um simples<br />
entrançado <strong>de</strong> guitarras enquanto<br />
cordas idílicas sobrevoam a voz<br />
quente <strong>de</strong> Callahan, que traça um<br />
planetas que encontrar<br />
pela frente na sua<br />
travessia. Por aqui, o<br />
disco passou claramente<br />
ao lado, sobretudo por<br />
nele sentir uma falta <strong>de</strong><br />
originalida<strong>de</strong> não muito<br />
recomendável. Um longaduração<br />
a que aconselho<br />
vivamente a realização <strong>de</strong><br />
5.5 TAC`s (em 10).<br />
Pedro Miguel Silva, técnico<br />
<strong>de</strong> comunicação, 35 anos<br />
paralelo entre a sua vida e a do<br />
escritor, cantando “I started out in<br />
search of ordinary things/ how much<br />
of a tree bends in the wind”, para<br />
chegar aqui: “I used to be darker/<br />
then I got lighter/ then I got dark<br />
again”.<br />
“Jim Cain” serve <strong>de</strong> programa ao<br />
disco, um conjunto <strong>de</strong> canções<br />
meticulosamente <strong>de</strong>senhadas,<br />
assentes nos jogos harmónicos entre<br />
as guitarras, com as melodias <strong>de</strong> voz<br />
(sempre seca, sempre controlada) à<br />
frente, enquanto em fundo cortinas<br />
<strong>de</strong> cordas e sopros acentuam e<br />
pontuam o que se canta. Todo o<br />
disco assenta numa premissa: a<br />
aceitação dos erros passados, a<br />
dissolução do ego num bem maior.<br />
Isto po<strong>de</strong>ria correspon<strong>de</strong>r a filosofia<br />
new-age, mas Callahan tem<br />
<strong>de</strong>masiados filtros para ser autocomplacente.<br />
Em “Eid Ma Clack Shaw” uma brisa<br />
<strong>de</strong> cordas varre o minimalismo do<br />
piano enquanto nos bastidores<br />
sopros trabalham na beleza. Em “The<br />
wind and the dove” estamos <strong>de</strong> volta<br />
aos entraçados <strong>de</strong> guitarra com<br />
www.obidos.pt<br />
Ípsilon • Sexta-feira 10 Julho 2009 • 41