13.03.2015 Views

Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa

Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa

Sacha Baron Cohen - Fonoteca Municipal de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

aMaumMedíocremmRazoávelmmmBommmmmMuito BommmmmmExcelente<br />

O segundo romance <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />

publicado em 1988, chega agora às livrarias<br />

em terceira edição<br />

Wittgenstein, Schnitzler, Canetti,<br />

Thomas Bernhard, entre outros.<br />

Curiosamente, todos autores que<br />

acabaram por influenciar bastante a<br />

sua obra. Em 1989, com a queda do<br />

Muro <strong>de</strong> Berlim e dos regimes<br />

europeus pró-soviéticos, a ele, que<br />

se consi<strong>de</strong>ra “filho incorrigível das<br />

ditaduras”, é-lhe oferecida a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sair da Hungria e <strong>de</strong><br />

ver o mundo. “Simplesmente,<br />

aconteceu que me <strong>de</strong>volveram a<br />

‘conditio minima’, a minha liberda<strong>de</strong><br />

individual – rangendo, abriu-se,<br />

assim, a porta da cela em que me<br />

fecharam durante quarenta anos, e<br />

po<strong>de</strong> dar-se que seja bastante para<br />

me perturbar. Não se po<strong>de</strong> viver a<br />

liberda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> se viveu o cativeiro.<br />

Seria preciso ir para qualquer lado, ir<br />

para muito longe daqui.” Tendo<br />

então já alguns dos seus livros<br />

traduzidos para alemão, Kertész<br />

começa a aceitar todos os convites<br />

para sessões <strong>de</strong> leitura, conferências,<br />

apresentações e <strong>de</strong>bates, bolsas,<br />

residências artísticas, visitando<br />

cida<strong>de</strong>s (por vezes ficando durante<br />

semanas) uma após outra: Viena,<br />

Zurique, Frankfurt, Berlim,<br />

Hamburgo, Leipzig, Paris… Chega a<br />

passar apenas três meses por ano<br />

em Budapeste. “Assim vivo, como<br />

um fugitivo.”<br />

Mas esta nova e estranha “leveza<br />

do ser” traz-lhe uma inesperada e<br />

irracional nostalgia do passado, os<br />

“novos tempos” começam a parecerlhe<br />

uma traição ao seu antigo modo<br />

<strong>de</strong> vida espartano (“viver<br />

constantemente face a forças <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>struição”), era esse que lhe tinha<br />

conferido uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escrita.<br />

“Porque me sinto assim tão perdido?<br />

Manifestamente, porque estou<br />

perdido?” É, em parte, <strong>de</strong>sse<br />

sentimento e <strong>de</strong>sses “novos tempos”<br />

que Kertész nos dá conta em “Um<br />

Outro – Crónica <strong>de</strong> uma<br />

metamorfose”.<br />

Este livro, apresentado<br />

intencionalmente pelo autor como<br />

uma obra <strong>de</strong> ficção, é um diário <strong>de</strong><br />

reflexões pessoais anotadas entre o<br />

Outono <strong>de</strong> 1991 e a “Primavera fria e<br />

lamacenta <strong>de</strong> 1995”. Mas porquê,<br />

então, chamar-lhe obra <strong>de</strong> ficção,<br />

sendo um diário? A resposta é-nos<br />

dada pela epígrafe <strong>de</strong> Rimbaud, a<br />

fórmula que este <strong>de</strong>ixou para o<br />

Mo<strong>de</strong>rnismo: “Je est un autre” (Eu é<br />

um outro). O autor é Imre Kertész,<br />

mas a personagem (narrador) é o<br />

escritor I. K. (“eu vivo a vida <strong>de</strong> um<br />

escritor chamado I. K.”), que nos diz<br />

que o “Eu” é “uma ficção <strong>de</strong> que<br />

somos, quando muito, co-autores”.<br />

Kertész sente que per<strong>de</strong>u a sua<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> anterior, que se<br />

metamorfoseou, e estas reflexões<br />

apresentadas como ficção são uma<br />

tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> uma outra,<br />

<strong>de</strong> se reinventar como um “outro”.<br />

Mas a sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é apenas a da<br />

escrita. “Confesso-vos, pois: tenho<br />

uma só i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da<br />

escrita. (Eine sich selbst schreiben<strong>de</strong><br />

I<strong>de</strong>ntität.)” (Uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que a si<br />

mesma se escreve.). E durante estes<br />

tempos Kertész acha que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

“saber escrever”.<br />

“Um Outro” é uma espécie <strong>de</strong><br />

“road movie” por uma sequência <strong>de</strong><br />

cenários europeus e que documenta<br />

a nova maneira <strong>de</strong> viver do escritor,<br />

<strong>de</strong> leitura em leitura, <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> em<br />

cida<strong>de</strong>, mas em que são raros (talvez<br />

não exista mesmo algum) os<br />

momentos <strong>de</strong> espanto, <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> um pequeno interesse que<br />

justifique a viagem. Um sentimento<br />

<strong>de</strong> nojo do mundo. Há um cansaço<br />

que perpassa todo o texto. São<br />

cida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> chove quase sempre e<br />

que, sem que o leitor perceba bem<br />

porquê, convocam a Kertész<br />

memórias <strong>de</strong> Auschwitz<br />

confrontando-o com o passado, com<br />

a infância, provocando momentos<br />

reflexivos sobre o que é a existência<br />

num mundo pós-Auschwitz, sobre o<br />

totalitarismo, o terror, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

judaica, a inutilida<strong>de</strong> da luci<strong>de</strong>z, a<br />

vergonha <strong>de</strong> ter sobrevivido, mas<br />

recusando sempre o heroísmo do<br />

sofrimento, o papel <strong>de</strong> vítima, e<br />

prescindindo, <strong>de</strong> maneira<br />

implacável, <strong>de</strong> encontrar qualquer<br />

tipo <strong>de</strong> consolo.<br />

As cinco<br />

Arlington Park<br />

Rachel Cusk<br />

(Trad. Tânia Ganho)<br />

ASA<br />

mmmnn<br />

O que levará críticos<br />

conspícuos a<br />

consi<strong>de</strong>rarem<br />

Rachel Cusk (n.<br />

1967) uma espécie<br />

<strong>de</strong> Jane Austen do<br />

século XXI, como<br />

apareceu escrito no<br />

“Times Literary<br />

Supplement”, ou mesmo a falar <strong>de</strong><br />

Stendhal? Em 2003, quando a revista<br />

“Granta” incluiu o seu nome na lista<br />

dos vinte melhores jovens<br />

romancistas britânicos, já ela havia<br />

publicado cinco romances. “Arlington<br />

Park” é o sétimo. O livro integrou a<br />

lista <strong>de</strong> finalistas do Orange Prize, e<br />

se Rachel o tivesse ganho teria<br />

sido o quarto prémio em <strong>de</strong>z<br />

anos. Isto para dizer que a<br />

autora, docente do New<br />

College <strong>de</strong> Oxford, é hoje um<br />

nome <strong>de</strong> referência da<br />

literatura <strong>de</strong> língua inglesa.<br />

À superfície, “Arlington Park”<br />

lembra “A Festa <strong>de</strong> Mrs<br />

Dalloway”, o livro <strong>de</strong> contos<br />

<strong>de</strong> Virginia Woolf que<br />

teve publicação<br />

póstuma em 1973<br />

(não confundir com<br />

o romance “Mrs<br />

Dalloway”, <strong>de</strong><br />

1925). Tudo<br />

acontece num único<br />

dia, tendo como<br />

O que levará críticos<br />

conspícuos a consi<strong>de</strong>rarem<br />

Rachel Cusk uma Jane<br />

Austen do século XXI?<br />

ponto culminante o jantar. Ponto<br />

prévio: nenhuma das cinco amigas <strong>de</strong><br />

“Arlington Park” tem a mais remota<br />

afinida<strong>de</strong> com Clarissa Dalloway,<br />

ainda que Christine a cite <strong>de</strong> viés.<br />

Mulheres do nosso tempo,<br />

Christine, Solly, Maisie, Amanda e<br />

Juliet querem ser, ou pelo menos<br />

parecer, belas, cultas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

e respeitáveis. Também querem<br />

provocar <strong>de</strong>sejo no homem da rua.<br />

Maridos e filhos são peças da mesma<br />

engrenagem. Christine é a que tem a<br />

responsabilida<strong>de</strong> do jantar; Solly<br />

hospeda estudantes estrangeiras para<br />

equilibrar o orçamento do mês;<br />

Maisie, cujos pais têm uma vivenda<br />

em Portugal, trocou Londres por<br />

Arlington e sente dificulda<strong>de</strong> em<br />

adaptar-se ao novo estilo <strong>de</strong> vida;<br />

Amanda troca um emprego <strong>de</strong><br />

executiva bem sucedida pela rotina<br />

da vida em família, e Juliet, a<br />

professora, dinamiza o Clube<br />

Literário do liceu do bairro. Arlington<br />

é um subúrbio ficcionado <strong>de</strong> Londres,<br />

<strong>de</strong>calcado, se assim se po<strong>de</strong> dizer, <strong>de</strong><br />

Agrestic, o condomínio asséptico<br />

on<strong>de</strong> Craig Zisk situa a série <strong>de</strong><br />

televisão “Weeds”. Rachel não tem<br />

culpa da coincidência, mas o<br />

“mo<strong>de</strong>lo” não nos larga à medida que<br />

a leitura progri<strong>de</strong>. Infelizmente, a<br />

falta <strong>de</strong> espessura das personagens<br />

contribui para potenciar esse efeito<br />

<strong>de</strong> proximida<strong>de</strong>. Porém, lá on<strong>de</strong> as<br />

personagens <strong>de</strong> Zisk vivem na linha<br />

<strong>de</strong> fronteira da transgressão, as <strong>de</strong><br />

Rachel (mau grado o cinismo amargo<br />

<strong>de</strong> Christine e o <strong>de</strong>sencanto <strong>de</strong> Juliet)<br />

não têm arestas. Noutro patamar,<br />

qualquer tentativa <strong>de</strong> relacionar o<br />

“plot” com o psicologismo <strong>de</strong> Virginia<br />

Woolf é pura perda <strong>de</strong> tempo.<br />

A história vive dos <strong>de</strong>talhes.<br />

Rachel é extremamente feminina no<br />

relato do quotidiano (pequenoalmoço,<br />

compras, trapos, tricas,<br />

cozinhados), bem como na minúcia<br />

com que <strong>de</strong>screve a cupi<strong>de</strong>z geral:<br />

“Elas po<strong>de</strong>m não ser licenciadas,<br />

nem doutoradas, nem ter empregos<br />

fascinantes... po<strong>de</strong>m não ser as<br />

pessoas mais ricas que já conheceste<br />

na vida, nem as mais famosas e<br />

importantes, mas acredita que o<br />

grupo <strong>de</strong> pessoas que eu vejo aqui<br />

todos os dias é o mais variado,<br />

interessante e corajoso que vais<br />

encontrar seja on<strong>de</strong> for!” Tão<br />

especiais que não querem<br />

viver em Londres. E<br />

explicam porquê: “O raio da<br />

capital terrorista do mundo.<br />

Estão lá todos, a conviver<br />

alegremente em Bayswater,<br />

livres como passarinhos, e<br />

ainda por cima a<br />

arranjarem os<br />

<strong>de</strong>ntes à borla<br />

através do<br />

Serviço Nacional<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>.” Ali,<br />

naquele<br />

subúrbio sem<br />

textura, não há<br />

sobressaltos<br />

nem intrusos.<br />

Entre o “jogging” e discussões sobre<br />

as irmãs Brontë (Heathcliff é um<br />

canalha “sexy” ou um vulgar<br />

patife?), o tédio abre-se a todas as<br />

possibilida<strong>de</strong>s.<br />

Das cinco, Juliet é a única que<br />

questiona o padrão <strong>de</strong> vida <strong>de</strong><br />

Arlington: “As raparigas a quem<br />

Juliet dava aulas eram criaturinhas<br />

satisfeitas consigo próprias, que<br />

saíam do mesmo mol<strong>de</strong> que as mães<br />

[...] sem a mínima noção da sua<br />

vulnerabilida<strong>de</strong>.” Fora essas<br />

ocasionais perplexida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

natureza existencial, tudo repousa<br />

numa “beleza <strong>de</strong>strutiva”. Por vezes,<br />

a narrativa aproxima-se da epifania,<br />

mas se Rachel não tivesse os<br />

pergaminhos académicos que tem,<br />

seria expeditamente arrumada na<br />

prateleira das autoras “do coração”.<br />

Eduardo Pitta<br />

História Trágico-<br />

Marítima<br />

Naufrágio <strong>de</strong> Sepúlveda<br />

Vasco Graça Moura<br />

Quetzal, € 16,90<br />

mmmnn<br />

“Relação da mui<br />

notável perda do<br />

galeão gran<strong>de</strong> S.<br />

João em que se<br />

contam os gran<strong>de</strong>s<br />

trabalhos e<br />

lastimosas cousas<br />

que aconteceram ao<br />

capitão Manoel <strong>de</strong><br />

Sousa Sepulveda, e o lamentável fim<br />

que ele, e a sua mulher, e filhos, e<br />

toda a mais gente houveram na Terra<br />

do Natal, on<strong>de</strong> se per<strong>de</strong>ram a 24 <strong>de</strong><br />

Junho <strong>de</strong> 1552”. Este célebre episódio<br />

da “História Trágico-Marítima” serve<br />

<strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida ao segundo<br />

romance <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />

publicado em 1988, cuja terceira<br />

edição chega agora às livrarias.<br />

O histórico naufrágio encontra eco<br />

em duas mortes contemporâneas: os<br />

aparentes suicídios <strong>de</strong> Luís <strong>de</strong><br />

Montalvor, editor e poeta do<br />

mo<strong>de</strong>rnismo português, e do<br />

ficcional Manuel <strong>de</strong> Sousa Sepúlveda,<br />

homem <strong>de</strong> negócios homónimo do<br />

capitão quinhentista. Montalvor e<br />

Sepúlveda morreram em décadas<br />

diferentes mas com um método<br />

semelhante, ambos num automóvel<br />

atirado ao rio no cais <strong>de</strong> Belém. Isso<br />

<strong>de</strong>ixa o narrador do romance<br />

bastante intrigado. Através <strong>de</strong> jornais<br />

antigos e conversas, investiga os<br />

estranhos casos, relatando ao mesmo<br />

tempo outros naufrágios pessoais e<br />

colectivos. Acontecimento real ou<br />

metafórico, o naufrágio tem uma<br />

longa tradição, <strong>de</strong> Homero a<br />

Hopkins, e aqui representa vários<br />

colapsos económicos ou mentais <strong>de</strong><br />

gente que viveu na transição da<br />

ditadura para a <strong>de</strong>mocracia.<br />

Como acontece com frequência<br />

nos romances <strong>de</strong> Vasco Graça Moura,<br />

há uma intenção polémica <strong>de</strong>clarada.<br />

Essa intenção manifesta-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

logo no retrato <strong>de</strong>liberadamente<br />

grotesco dos anos imediatos do pós-<br />

Revolução, vistos em gran<strong>de</strong> medida<br />

como o triunfo <strong>de</strong> um “tropel<br />

andrajoso” que não <strong>de</strong>scansava<br />

enquanto não metesse “a direita no<br />

Campo Pequeno”. Vinte anos <strong>de</strong>pois,<br />

o discurso parece menos ousado,<br />

mas mantém a mesma recusa face a<br />

uma memória geracional i<strong>de</strong>alizada.<br />

Tanto mais que este “narrador”<br />

não se distingue do chamado “autor<br />

empírico”: é escritor, foi advogado,<br />

secretário <strong>de</strong> Estado, director da RTP<br />

e administrador da Imprensa<br />

Nacional (o currículo actual seria bem<br />

mais extenso). Recusando a ficção<br />

pura, o romance ganha assim uma<br />

dimensão <strong>de</strong> testemunho, cheio das<br />

idiossincrasias que conhecemos a<br />

V.G.M. O texto está pejado <strong>de</strong><br />

referências culturais, pintura e<br />

música clássica sobretudo, e nelas<br />

<strong>de</strong>tectamos os sofisticados gostos do<br />

autor. Mas há também <strong>de</strong>sgostos, que<br />

são muitos, <strong>de</strong> Brecht ao Bairro Alto,<br />

passando pela UNESCO e o<br />

conceptualismo. A experiência<br />

institucional faz o “narrador” ver o<br />

mundo da cultura como uma<br />

sucessão <strong>de</strong> “reivindicações,<br />

retaliações, <strong>de</strong>missões, perversões,<br />

legislações”, diagnóstico<br />

especialmente divertido, uma vez que<br />

em 1988 o “autor empírico” exercia<br />

funções oficiais.<br />

Além das embirrações, o texto<br />

recicla tudo o que vai acontecendo,<br />

um recurso <strong>de</strong>cisivo no estilo<br />

romanesco <strong>de</strong> Graça Moura. Uma<br />

entrevista <strong>de</strong> José Mattoso ao<br />

“Expresso”, o trânsito em <strong>Lisboa</strong>, a<br />

biblioteca, “Les Demoiselles<br />

d’Avignon”, o “caso Hei<strong>de</strong>gger”, tudo<br />

entrou no romance, provavelmente à<br />

medida que este foi sendo escrito, em<br />

tempo real. Redigido num único<br />

parágrafo compacto (não por acaso<br />

se cita Bernhard), “Naufrágio <strong>de</strong><br />

Sepúlveda” é “um texto ondulante <strong>de</strong><br />

tempos enca<strong>de</strong>ados sem costuras<br />

nem pausas”, sucessão rápida, num<br />

fôlego, <strong>de</strong> diálogos, actos, <strong>de</strong>scrições,<br />

concerto <strong>de</strong> vozes que, do princípio<br />

ao fim, se suce<strong>de</strong>m <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong><br />

chuvadas, trovoadas, tempesta<strong>de</strong>s,<br />

como nos <strong>de</strong>sastres em mar alto.<br />

Essa maleabilida<strong>de</strong> do texto é o<br />

mais estimulante em “Naufrágio do<br />

Sepúlveda”, que às vezes tem<br />

personagens apenas esboçadas e<br />

minúcias enfadonhas. Ao mesmo<br />

tempo, há uma pulsão poética em<br />

Graça Moura que <strong>de</strong>senha com<br />

exactidão tonalida<strong>de</strong>s e texturas<br />

quotidianas. Não é por acaso: além<br />

do naufrágio, o tema do<br />

romance é a representação. Essa<br />

representação que no Oci<strong>de</strong>nte foi<br />

evoluindo da mimese para o próprio<br />

processo criativo, originando assim<br />

vários mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>,<br />

mo<strong>de</strong>los testados ao longo do<br />

romance, aplicados à História<br />

portuguesa e à história dos seus<br />

naufrágios. Pedro Mexia<br />

34 • Sexta-feira 10 Julho 2009 • Ípsilon

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!