As pessoasfalavam pra minhamãe: “Como vocêpode deixar suafilha jogar no meiode garotos?” E eusempre falava pramim mesma: “Issonão vai me fazerdesistir”Andreas Meier/REUTERS2008 março REVISTA DO BRASIL 23
Está <strong>mais</strong> que nahora de ganhar o ouro nasOlimpíadas, mas primeiroa gente precisa conseguira classificação. Tem <strong>um</strong>jogo, em abril, contra Gana.Quem ganhar vaiSua cidade é pequena. Como você lidava com as pessoas,como as pessoas falavam com você?Olha, foi <strong>um</strong>a época dolorida. Desde pequena eu sempre sonheiem ser jogadora, sempre quis chegar aonde estou, sempre quis mostrara mim mesma que eu seria importante. Nem minha família viafuturo para mim. As pessoas diziam para meus irmãos ou minhamãe: “Como é que você pode deixar sua filha jogar no meio de garotos,não sabe o que acontece, o que falam para ela?” Passei dificuldade,mas sempre pensei positivo: “Isso não vai me fazer desistir”.Você nunca pensou em fazer nada a não ser jogar futebol?Não. Nunca passou pela minha cabeça. Eu era fissurada. Nãogostava de acordar cedo, mas nos dias de treino a gente começavaàs 6 da manhã, porque <strong>mais</strong> tarde fazia muito calor; e até hoje faz.Treinava n<strong>um</strong>a quadra de futsal que era aberta, e ainda é. A genteestá até pensando em fazer <strong>um</strong> ginásio. O governador disse quequando eu voltar, em dezembro, será inaugurado <strong>um</strong> estádio quevai ter meu nome. A gente sempre acordava de manhãzinha e saíabatendo na porta <strong>dos</strong> meninos – quem acordava primeiro ia acordandoos outros. Eu sempre, sempre, sempre pensei nisso. Quandovia jogos de futebol, eu sentava no sofá de casa e falava: “Mãe, <strong>um</strong>dia vou estar lá na televisão e a senhora vai me ver daqui”. E ela: “Ah,pára de sonhar assim, pára de ser boba”. Hoje, quando fala sobreisso, ela nem consegue terminar a frase, começa a chorar.Você chegou a jogar em alg<strong>um</strong> time de lá antes de ir para o Rio?Comecei aos 10 anos, por aí, a jogar futsal n<strong>um</strong> time de garotos.Era <strong>um</strong> time do colégio, e a gente cost<strong>um</strong>ava disputar jogos intercolegiais.Eu já andava com os meninos, nessa época. Depois <strong>dos</strong>meus 12 anos comecei a jogar futebol de campo no CSA, com algunsprimos meus. Eu era a única mulherE como você foi parar no Vasco?Na época que eu jogava futsal, tinha <strong>um</strong> rapaz do Rio de Janeiro quemorava havia alguns anos perto da minha cidade. Ele tinha me visto jogare me propôs fazer <strong>um</strong> teste no Vasco, que em 2000 era <strong>um</strong>a equipemuito boa, praticamente a base da seleção feminina, e foi aí que resolviir para o Rio e tentar realizar meu sonho de chegar à seleção e me tornar<strong>um</strong>a grande jogadora.Por que o futebol feminino não deslanchou no Brasil?Nós somos o país do futebol masculino. O feminino fica meiorestrito e tem aquela coisa também do machismo, nem clubes, nemempresas mostram interesse, isso dificulta. O desempenho no Pane no Mundial mexeu <strong>um</strong> pouco. Alguns clubes falaram em montarequipes. Mas a gente não pode ficar esperando isso acontecer. Ficadifícil contar com promessas, com <strong>um</strong>a estrutura que não existe. E,como não há <strong>um</strong>a liga nacional de futebol feminino, fica difícil.Rubens Cavallari/Folha ImagemTem de ser alg<strong>um</strong>a coisa que funcione fora da CBF?Tem de ser alg<strong>um</strong>a coisa concreta, né?Você tem contato com jogadoras no Brasil, acompanha comoestão as mulheres que gostariam de viver do futebol?Olha, é meio complicado, sabe? Alg<strong>um</strong>as meninas aí no Brasil,que fazem parte da seleção, têm de estudar, trabalhar e ainda tentartreinar por conta própria, para se manter em forma. É isso oque normalmente acontece.24 REVISTA DO BRASIL março 2008