Síndrome Hepatopulmonar140 52<strong>31</strong>(2):51-56INTRODUÇÃOA síndrome hepatopulmonar (SHP) é <strong>de</strong>fi nida como a tría<strong>de</strong><strong>de</strong> doença hepática, aumento do gradiente alvéolo-arterial<strong>de</strong> oxigênio (com ou sem hipoxemia) e vasodilataçõesintrapulmonares. 1,2 A associação entre hipocratismo digital (HD),cianose e cirrose hepática é reconhecida há muitos anos. 3-6A primeira <strong>de</strong>scrição associando hipoxemia e cirrose hepáticafoi feita por Flückiger em 1884 (citado por 5). O autor <strong>de</strong>screveuo caso <strong>de</strong> uma paciente com 37 anos, que apresentava cianosee HD há 5 anos.A necropsia <strong>de</strong>monstrou a presença <strong>de</strong> cirrose hepática, que oautor acreditava ser <strong>de</strong>vido à sífi lis, não pô<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>monstradanenhuma doença cardíaca, bem como alterações no parênquimapulmonar; todavia, as veias pulmonares estavam gran<strong>de</strong>mentedilatadas. 5Ry<strong>de</strong>ll e Hoffbauer 5 foram os primeiros a sugerir que a hipoxemiaarterial, observada nos cirróticos, po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>correnteda presença <strong>de</strong> comunicações artério-venosas intrapulmonares(CAVI). 5 Os autores <strong>de</strong>screveram em <strong>de</strong>talhes o caso clínico eos achados <strong>de</strong> necropsia <strong>de</strong> um jovem <strong>de</strong> 22 anos, com “cirrosejuvenil”.A necropsia <strong>de</strong>monstrou a presença <strong>de</strong> fístulas artério-venosaspulmonares difusas com dilatação das veias pulmonares ecomunicações diretas entre as gran<strong>de</strong>s artérias e veias pulmonarespróximas ao hilo. 5Em 1977, Kennedy e Knudson, 7 relataram o caso <strong>de</strong> um pacientecom cirrose que apresentava hipoxemia arterial agravada peloexercício.Foram os primeiros a utilizar a nomenclatura “síndrome hepatopulmonar”,em analogia à já conhecida síndrome hepatorrenal,por acreditarem tratar-se <strong>de</strong> semelhante mecanismo etiopatogênico.7A causa da hipoxemia arterial nas hepatopatias crônicas temsido atribuída a vários mecanismos - CAVI, comunicações portopulmonares,alterações na difusão alvéolo-capilar <strong>de</strong> oxigênio ealterações na relação ventilação/ perfusão. 8-10Destas alterações, as dilatações vasculares intrapulmonaresparecem ser a causa mais provável da <strong>de</strong>ssaturação <strong>de</strong> oxigênioque ocorre nas doenças hepáticas crônicas. 11O presente estudo tem por objetivo observar a prevalência daSHP em nosso meio, correlacionando-a com as manifestaçõesclínicas da cirrose.PACIENTES E MÉTODOSAvaliamos prospectivamente 45 pacientes com diagnóstico <strong>de</strong>cirrose hepática atendidos no Serviço <strong>de</strong> Gastroenterologia eHepatologia do Hospital Geral <strong>de</strong> Goiânia. O diagnóstico <strong>de</strong>cirrose hepática foi baseado em critérios clínico-laboratoriais(história, exame físico, dados bioquímicos e achados ecográficos e/ou tomográfi cos <strong>de</strong> abdome) e/ou histológico.Foram incluídos no estudo pacientes <strong>de</strong> ambos os sexos portadores<strong>de</strong> hepatopatia crônica, com ida<strong>de</strong> superior a 18 anos, quenão apresentavam evidências <strong>de</strong> cardiopatia ou pneumopatia eque concordaram voluntariamente em participar da pesquisa.A exclusão <strong>de</strong> doença cardíaca ou pulmonar foi baseada nosresultados do eletrocardiograma, raio-X <strong>de</strong> tórax, ecocardiografia simples e sorologia para doença <strong>de</strong> Chagas.Estes pacientes foram submetidos a uma entrevista clínica e aoexame físico. Amostras <strong>de</strong> sangue foram colhidas para realizarexames laboratoriais. A gasometria arterial foi coletada compaciente sentado e respirando ar ambiente. O gradiente alvéolo-arterial<strong>de</strong> oxigênio (GAA) foi calculado pela equação do gásalveolar. Posteriormente, foram realizados eletrocardiograma,raio-X <strong>de</strong> tórax, ecocardiografi a simples e ecocardiografi a comcontraste (ECC).Consi<strong>de</strong>ramos como portadores da SHP os pacientes queapresentavam os seguintes critérios: presença <strong>de</strong> hepatopatiacrônica, anormalida<strong>de</strong>s na oxigenação arterial (GAA≥15mmHg)e evidência <strong>de</strong> CAVI, <strong>de</strong>monstrado pela ECC. 2Para a pesquisa das CAVI, utilizamos a ECC, realizada por ummesmo pesquisador, com experiência na técnica <strong>de</strong> microbolhas.A técnica baseia-se na infusão rápida <strong>de</strong> 10ml <strong>de</strong> soluçãofi siológica (NaCl a 0,9%), na veia antecubital direita, 12 apóssua agitação e produção das microbolhas. Estas <strong>de</strong>vem servisualizadas nas câmaras cardíacas direitas, com auxílio <strong>de</strong> umtransdutor posicionado na região paraesternal esquerda, poissão ecogênicas. Em condições normais, as microbolhas fi camretidas no leito capilar pulmonar; já em pacientes com VDI sãovisualizadas no átrio esquerdo em 3 a 6 ciclos cardíacos apósserem observadas nas câmaras direitas. 12 O seu aparecimentoantes do terceiro ciclo sugere a presença <strong>de</strong> comunicaçãointracardíaca. 12Nosso trabalho foi aprovado pelo Comitê <strong>de</strong> Ética em pesquisahumana e animal do HGG.Os cálculos estatísticos foram feitos utilizando o programa EpiInfo 3.5.2 (Centers for Disease Control Epi<strong>de</strong>miology ProgramOffi ce, Atlanta, Georgia). Para avaliar a associação entrevariáveis categóricas qualitativas foi utilizado o teste qui-GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: <strong>31</strong>(2):51-56
A. O. SILVÉRIO, C. M. J. SIQUEIRA, R. M. COUTINHO, É. O. MILANEZ, S. NAVES, L. B. M. FONSECAquadrado <strong>de</strong> Pearson, com a correção pelo teste <strong>de</strong> Yates,quando necessário. Utilizamos o teste <strong>de</strong> Kruskal-Wallis paratestar a correlação <strong>de</strong> variáveis quantitativas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.Os resultados foram expressos como média ± <strong>de</strong>svio padrão(DP) e o nível <strong>de</strong> signifi cância utilizado em todos os testes foifi xado em 5%.RESULTADOSDos 45 pacientes inicialmente avaliados cinco foram excluídos(dois por apresentarem comunicação atrioventricular, dois pornão apresentarem a<strong>de</strong>quada janela acústica para realizar aECC e um por não ter concluído o protocolo). Os 40 (88,9%)pacientes restantes compuseram nosso grupo <strong>de</strong> estudo.Os 40 pacientes foram divididos em grupo A, composto por9/40 (22,5%) pacientes que apresentavam SHP, dos quais5/9 (55,6%) foram do gênero masculino e com a média <strong>de</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 48,2 ± 8,5 anos; e em grupo B, composto por <strong>31</strong>/40(77,5%) pacientes sem SHP, dos quais 18/<strong>31</strong> (58,1%) foram dogênero masculino e com a média <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 48,7 ± 12,6 anos(p>0,05). Os dados <strong>de</strong>mográfi cos dos dois grupos estão resumidosna Tabela 1.Tabela 1. Dados <strong>de</strong>mográficos e características clínicasdos 40 pacientes <strong>de</strong> acordo com a presença da SíndromeHepatopulmonar.Grupo A(com SHP)Grupo B(sem SHP)n (%) 9 (22,5%) <strong>31</strong> (77,5%)Sexo M/F 5/4 18/13 nsIda<strong>de</strong> (X ± dp) 48,2 ± 8,5 48,7 ± 12,6 nsPaO 2(mmHg) 73,3 ± 7,3 91,8 ± 8,6 0,0001GAA (mmHg) 34,5 ± 11,9 10,1 ± 8,8 0,0001DVI = dilatações vasculares intrapulmonares; PaO 2= pressão parcial arterial<strong>de</strong> oxigênio; GAA = gradiente alvéolo-arterial <strong>de</strong> oxigênio; SHP = síndromehepatopulmonar; ns = não signifi cante.pA SHP foi encontrada em 9/40 (22,5%) pacientes, em 10/40(25,0%) pacientes embora houvesse a presença <strong>de</strong> CAVI osmesmos não apresentavam hipoxemia, portanto, não preenchiamos critérios diagnósticos para a síndrome. Assim comoobservamos hipoxemia (PaO 220mmHg)em 4/40 (10,0%) sem a presença <strong>de</strong> CAVI. Ao avaliarmos osdados gasométricos dos pacientes <strong>de</strong>stes dois grupos, observamosque os pacientes do grupo A apresentaram menor PaO 2(73,3 ± 7,3mmHg) e maior GAA (34,5 ± 11,9mmHg) quandocomparados com os pacientes do grupo B (91,8 ± 8,6mmHge 10,1 ± 8,8mmHg respectivamente). Estas diferenças foramestatisticamente signifi cativas (p