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Arte e Cultura - Instituto Votorantim

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ano ano 1 1 – – – número 3 – novembro novembro 2005<br />

ARTE & CULTURA<br />

Como as manifestações artísticas e<br />

culturais promovem o desenvolvimento<br />

pessoal e social dos jovens brasileiros


FOTOS: PENNA PREARO<br />

sonar<br />

50% das escolas públicas não têm professores de arte<br />

Cerca de 1% do PIB brasileiro<br />

é gerado pela cultura<br />

MAIS DE 80% DAS CIDADES BRASILEIRAS NÃO TÊM<br />

MUSEUS, TEATRO, SALA DE CINEMA<br />

Cada R$ 1 milhão investido na área cultural<br />

gera 160 postos de trabalho<br />

Platéia do Master Crews, no Centro <strong>Cultura</strong>l Aiti-Ken (Brasil/Japão), em São Paulo


Educadores usam teatro, artes plásticas e música em<br />

São Paulo, João Pessoa e Manaus pág. 14<br />

O grupo Afro Reggae, do Rio, tira jovens do<br />

tráfico e já é quase auto-sustentável pág. 22<br />

A CULTURA HIP HOP SE ORGANIZA CADA VEZ MAIS NAS<br />

PERIFERIAS DAS CIDADES BRASILEIRAS PÁG. 60<br />

As políticas públicas estão priorizando as ações coletivas e<br />

profissionalizantes pág. 64<br />

A B.Girl Wal, da equipe GBCR, do Rio de Janeiro, na festa King of the Circle, em Sorocaba (SP)


âncoras<br />

“Hoje, os jovens têm mais autonomia para construir seu acervo<br />

cultural.”<br />

Paulo César Rodrigues Carrano,<br />

do Observatório da Juventude da Universidade Federal Fluminense<br />

“Nossa cultura tem valores que merecem ser<br />

preservados.”<br />

Délio Firmo Alves,<br />

índio da etnia Desano, de São Gabriel da Cachoeira (AM)<br />

“A ligação com a cultura me transformou em<br />

uma pessoa melhor, mais aberta aos problemas<br />

do mundo.”<br />

William da Silva Mota, 20 anos,<br />

músico do Projeto Charanga, em São Paulo<br />

“A criatividade é uma habilidade de sobrevivência, um recurso precioso,<br />

especialmente neste momento da história humana, marcado por<br />

instabilidades.”<br />

Eunice Soriano de Alencar,<br />

professora da Universidade Católica de Brasília, autora do livro “Criatividades Múltiplas”<br />

“A arte na educação, como expressão pessoal e como produção cultural, é<br />

um instrumento para a identificação social e o desenvolvimento individual.”<br />

Ana Mae Barbosa,<br />

professora da Universidade de São Paulo, especialista em ensino da arte<br />

BRUNO GARCIA


“É incrível, mas o cinema e o teatro me<br />

deram mais responsabilidade que o próprio<br />

serviço militar.”<br />

Leandro Firmino da Hora,<br />

ator, vice-presidente da ONG Nós do Cinema<br />

“Tem muita gente que não considera a arte uma<br />

profissão e não topa pagar o valor que ela merece.<br />

Pedem muitas apresentações gratuitas.”<br />

Ana Lucia da Silva Campos,<br />

16 anos, estuda artes circences no Circo Lahetô, em Goiânia (GO)<br />

“O planejamento de um desenho cultural brasileiro deveria ter como<br />

premissa a heterogeneidade e a diversidade culturais, que constituem a<br />

marca de nossa nacionalidade.”<br />

Tião Rocha,<br />

antropólogo e fundador do Centro Popular de <strong>Cultura</strong> e Desenvolvimento, em Minas Gerais<br />

RISONALDO CRUZ<br />

“A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com<br />

que elas conheçam outros mundos, aprendam a se<br />

expressar e a reivindicar seus direitos.”<br />

Nadia Barbosa Accioly, 19 anos,<br />

estuda poesia no Cria, em Salvador<br />

“A peça clássica “Opus 26”, de Max Bruch, é pura<br />

adrenalina, igual à de pichar em cima do viaduto ou<br />

no alto do prédio.”<br />

L. F. A. C. , 17 anos,<br />

ex-pichador, toca violino no Projeto Guri, em São Paulo<br />

DEISE LANE LIMA


expediente<br />

ano 1 – número 3<br />

novembro 2005/fevereiro 2006<br />

Um projeto de comunicação apoiado pelo<br />

<strong>Instituto</strong> Votoratim<br />

Projeto editorial e realização<br />

Fátima Falcão e Marcelo Nonato<br />

Olhar Cidadão – Estratégias para o<br />

Desenvolvimento Humano<br />

www.olharcidadao.com.br<br />

Direção editorial<br />

Josiane Lopes – MTb 2913/12/13<br />

Secretaria editorial<br />

Lélia Chacon<br />

Projeto gráfico<br />

Artur Lescher e Ricardo van Steen<br />

(Tempo Design)<br />

Colaboradores<br />

texto: Ana Mae Barbosa, Aydano André Motta,<br />

Cecília Dourado, Daniela Rocha, Ferreira Gullar,<br />

Flávia Oliveira, Iara Biderman, Jane Soares,<br />

Leonardo Brant, Karina Yamamoto, Katia Canton,<br />

Leusa Araujo, Marco Roza, Ricardo Rizzo, Ruth<br />

Cardoso, Tião Rocha, Yuri Vasconcelos<br />

foto: Anderson Oliveira, Andréa Agraiz, Andréa de<br />

Valentim, Antônio Lima, Arnaldo Carv alho, Augusto<br />

Pessoa, Beatriz Assumpção, Bruno Garcia, Celso<br />

Pacheco, Davilym Dourado, Francisco Andrade Neto,<br />

Francisco Campos, Gustavo Lourenção, Gyancarlo<br />

Braga, Henk Nieman, Isaiaz Medeiros, Kátia<br />

Lombardi, Márcia Zoet, Marcos Fernandes, Mayko<br />

Pereira, Paulo Gonçalves da Silva, Penna Prearo,<br />

Ratão Diniz, Rodrigo Castro, Viviane Pereira<br />

ilustração: Flávio Castellan, Grupo Dragão da Gravura,<br />

Gustavo Rates, Jotapê, Rodolfo Herrera<br />

Capa: grafite de rua fotografado<br />

por Henk Nieman<br />

Apoio editorial: Vinicius Precioso<br />

(<strong>Instituto</strong> <strong>Votorantim</strong>)<br />

Revisão: Eugênio Vinci de Moraes<br />

Diagramação<br />

Silvina Gattone Liutkevicius<br />

D’Lippi Editorial<br />

Fotolito<br />

D’Lippi Editorial<br />

Impressão<br />

Gráfica Sag<br />

Como entrar em contato com Onda Jovem:<br />

E-mail: ondajovem@olharcidadao.com.br<br />

Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320 - conj. 403,<br />

São Paulo, CEP 04111 001.<br />

Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464<br />

www.ondajovem.com.br um portal para quem<br />

quer saber de juventude<br />

Agradecimentos: Andi – Agência de Notícias dos<br />

Direitos da Infância e da Adolescência<br />

ONDA JOVEM SUGERE PLANOS DE AULA<br />

Os educadores que já usam o conteúdo de Onda Jovem para subsidiar seu trabalho com<br />

jovens agora contam também com os Planos de Aula disponibilizados na seção Sala do Professor,<br />

no site da revista (www.ondajovem.com.br). Os Planos de Aula são sugestões – formuladas<br />

por pedagogos exclusivamente para o site – de como dinamizar com os jovens as<br />

análises e discussões de reportagens e ensaios publicados pela revista. A primeira edição,<br />

que abordou o tema Projeto de Vida – e cuja íntegra permanece acessível no site – gerou<br />

dois Planos: um que explora a relação entre Mídia e Projeto<br />

de Vida, a partir de texto do psiquiatra Jairo Bouer, e outro<br />

sobre Trabalho e Projeto de Vida, baseado em ensaio de Antonio<br />

Carlos Gomes da Costa, discutindo os princípios do<br />

empreendedorismo. Na segunda edição, que tem o Trabalho<br />

como tema, estarão disponíveis quatro Planos de Aula,<br />

baseados em textos sobre vocação, valores do trabalho, as<br />

novas formas de ocupação e a relação entre tempo e trabalho.<br />

Ainda na Sala do Professor, podem-se conhecer as propostas<br />

de trabalho de educadores, na seção Mestres, e também<br />

fazer contato e trocar informações, na seção Colegas.<br />

DANIELLE JAIMES<br />

SADRAQUE SANTOS<br />

MARCOS FERNANDES/AGÊNCIA LUZ<br />

BRUNO GARCIA<br />

ARNALDO CARVALHO<br />

08<br />

14<br />

18<br />

22


8 - Navegantes<br />

A relação juvenil com a arte e a cultura, segundo os jovens<br />

14 - Mestres<br />

Três educadores fazem da arte a sua ferramenta pedagógica<br />

18 - Banco de Práticas<br />

O futuro e o passado inspiram quatro iniciativas culturais<br />

22 - Caminho das Pedras<br />

Como o Grupo <strong>Cultura</strong>l Afro Reggae, do Rio, disputa jovens<br />

com o tráfico<br />

26 - Horizonte Global<br />

O MuseoVivo coloca jovens chilenos em contato com sua<br />

cultura ancestral<br />

28 - Sextante<br />

Ferreira Gullar responde: para que serve a arte?<br />

30 -90 Graus<br />

<strong>Arte</strong>&<strong>Cultura</strong> e Sociedade: como se forma a identidade<br />

cultural<br />

34 - 180 Graus<br />

<strong>Arte</strong>&<strong>Cultura</strong> e Educação: os desafios da escola formal para<br />

o ensino da arte<br />

38 - 270 Graus<br />

<strong>Arte</strong>&<strong>Cultura</strong> e Mercado: as relações entre produção<br />

cultural e desenvolvimento econômico<br />

42 - 360 Graus<br />

<strong>Arte</strong>&<strong>Cultura</strong> e Contexto: como entender a arte<br />

contemporânea<br />

46 - Sem Bússola<br />

O poder de inclusão da arte passa pelas formas de<br />

comunicação que ela oferece<br />

52 - O Sujeito da Frase<br />

O ator Leandro Firmino da Hora explica por que “a arte nos<br />

torna responsáveis”<br />

56 - Ciência<br />

Criatividade: a juventude é mesmo um período de muita<br />

criação e flexibilidade<br />

60 - Luneta 1<br />

Hip Hop: os elementos da forma de expressão que<br />

conquistou a juventude brasileira<br />

64 - Luneta 2<br />

<strong>Arte</strong>sanato: a força social e econômica da arte feita com as mãos<br />

68 - .Gov.com<br />

A tendência das políticas culturais juvenis é investir em<br />

ações comunitárias<br />

72 - Chat de Revista<br />

Quatro jovens discutem o efeito da arte e das manifestações<br />

em suas vidas<br />

28é o número de<br />

projetos com jovens que você<br />

verá nesta edição<br />

Sonar 02<br />

Pistas do todo e de algumas<br />

partes da situação do jovem<br />

Âncoras 04<br />

Uma coleção de conceitos<br />

sobre arte&cultura<br />

Links 76<br />

Notícias sobre juventude e<br />

sobre o terceiro setor<br />

Fato Positivo 78<br />

A mentalidade do ensino da arte<br />

no Brasil está evoluindo<br />

Cartas 80<br />

A palavra do leitor<br />

Navegando 82<br />

A poesia de Ricardo Rizzo


MÁRCIA ZOET<br />

navegantes<br />

texto_ Jane Soares<br />

OPÇÃO:<br />

ARTE E


Jovens descobrem no envolvimento com as<br />

manifestações artísticas e culturais uma forma de<br />

ampliar horizontes e transformar a realidade<br />

CULTURA<br />

Guilherme é bailarino em Londrina<br />

(PR). Délio e Márcio lutam para resgatar<br />

e preservar a cultura dos índios<br />

do Amazonas e dos caboclos do Mato<br />

Grosso do Sul. Márcia participa de um<br />

grupo folclórico em Canoas (RS).<br />

Nadia faz poemas em Salvador (BA)<br />

e Tatiana grafita os muros abandonados<br />

de São Paulo (SP). Tiago é ator<br />

no Rio de Janeiro e Kelly, agente cultural<br />

em Belo Horizonte (MG). William<br />

faz parte de uma banda que cultiva<br />

ritmos brasileiros, em São Paulo. Representantes<br />

de realidades diversas,<br />

esses jovens se envolveram com a<br />

arte e as manifestações culturais por<br />

diferentes motivos, mas experimentam,<br />

todos, os efeitos transformadores<br />

das opções que fizeram e encaram<br />

com otimismo as dificuldades de<br />

exercê-las. Passaram de consumidores<br />

a produtores de bens culturais,<br />

num movimento muito característico<br />

da juventude, época de revelação<br />

de tendências e interesses pessoais,<br />

e também de descobertas do mundo<br />

e dos valores dos grupos, a rede<br />

fundamental pela qual ecoam seus<br />

gostos, gestos, atitudes.<br />

A pesquisa Perfil da Juventude Brasileira,<br />

realizada no fim de 2003 pelo<br />

Projeto Juventude, com 3.500 entrevistados<br />

em 198 municípios, detecta<br />

esse envolvimento dos jovens com a<br />

cultura. Entre os assuntos que mais<br />

interessam a esse público, a cultura e o lazer vêm em<br />

terceiro lugar, com 27% das indicações, atrás apenas da<br />

educação e o emprego. Dos assuntos que gostam de<br />

discutir, 46% dos entrevistados indicaram as drogas; 45%,<br />

a sexualidade; 43%, os esportes; e 34%, as artes. O levantamento<br />

mostra ainda que 15% participam de grupos<br />

de jovens. Entre as atividades desenvolvidas neles,<br />

as mais importantes são as religiosas e as musicais.<br />

A relação entre grupos e cultura é direta. O professor<br />

Paulo César Rodrigues Carrano, do Observatório da Juventude<br />

da Universidade Federal Fluminense, explica<br />

que os grupos permitem aos jovens realizar um exercício<br />

de mão dupla entre a cultura que herdaram e a que<br />

constroem. “Hoje, os jovens têm mais autonomia para<br />

construir seu acervo cultural”, diz. Para ele, é importante<br />

que as diferentes manifestações culturais sejam<br />

valorizadas. “É preciso evitar o dualismo entre bom e<br />

mau para que se possa entender essas manifestações.”<br />

Transformação cidadã<br />

“A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com<br />

que elas conheçam outros mundos, aprendam a se expressar<br />

e a reivindicar seus direitos”, diz Nadia Barbosa<br />

Accioly, 19 anos, estudante do ensino médio, que faz<br />

parte do grupo de poesia do Cria, Centro de Referência<br />

Integral do Adolescente, de Salvador. Seu objetivo já está<br />

definido: ser atriz e professora de teatro. Antes de chegar<br />

ao Cria, ela participou de um grupo de teatro de rua<br />

no Liceu de <strong>Arte</strong>s e Ofícios. Com uma irmã e outros<br />

jovens do bairro de Nova Brasília, onde mora, Nadia está<br />

estruturando também um trabalho social na escola estadual,<br />

com foco na saúde. É uma forma de repassar<br />

os conhecimentos obtidos.<br />

“A necessidade de passar a experiência adquirida<br />

adiante é um traço muito forte entre os jovens ligados<br />

TATIANA GARRIDO,<br />

24 ANOS<br />

é artista visual e grafiteira<br />

a movimentos culturais”, observa a<br />

psicanalista e atriz Maria Eugênia<br />

Milet, coordenadora do Projeto Cria.<br />

Segundo ela, os integrantes das camadas<br />

mais pobres, até por terem<br />

pouco acesso aos bens culturais tradicionais,<br />

criam sua própria cultura:<br />

“Quando têm oportunidade de passar<br />

por um processo de aprendizado,<br />

eles deixam de ser pessoas levadas<br />

pela maré e tornam-se cidadãos,<br />

agentes de transformação de suas<br />

comunidades”. Paulo Carrano concorda.<br />

“A cultura da escassez gera<br />

criatividade até para superar a própria<br />

escassez, como acontece com o<br />

rap e o hip hop, que podem ser entendidos<br />

como uma forma de participação<br />

política.”<br />

9


navegantes<br />

Foi assim com Kelly Christian Louize<br />

da Silva, 23 anos, residente no<br />

bairro de Teresópolis, em Betim, região<br />

metropolitana de Belo Horizonte.<br />

Ela trabalha com movimentos culturais<br />

há cinco anos, desde que começou<br />

a freqüentar o hip hop e foi<br />

convidada a integrar um projeto de<br />

formação de agentes culturais. Kelly<br />

destaca a importância de os jovens<br />

participarem de movimentos cultu-<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

rais. “Assim, eles começam a enxergar a vida de uma<br />

perspectiva mais ampla, pois têm contato com outras<br />

realidades, conseguem construir uma nova identidade,<br />

aumentar sua auto-estima e adquirir instrumentos<br />

para mudar sua realidade”, diz.<br />

O efeito é multiplicador. Tanto Kelly quanto Nadia citam<br />

seus próprios exemplos. Elas se transformaram em<br />

referências positivas importantes em suas comunidades.<br />

“Outros jovens me procuram para saber como podem<br />

participar de movimentos”, conta Nadia.<br />

FUNDAÇÃO CULTURA ARTÍSTICA DE LONDRINA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO LONDRINA (PR)<br />

PROPOSTA Criação de um curso regular e profissionalizante de dança, com duração de oito anos. Nos últimos<br />

cinco anos, em parceria com a Secretaria de <strong>Cultura</strong>, criou a Rede de Cidadania, que faz iniciação à dança em<br />

cinco bairros da cidade para identificar talentos<br />

JOVENS ATENDIDOS 600<br />

APOIO PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA<br />

CONTATO Rua Souza Naves, 2.380 – 86015-430 – Londrina (PR) – tel.: 43/3342-2362 – e-mail:<br />

funcart@funcart.art.br<br />

PROGRAMA NÓS DO MORRO<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO MORRO DO VIDIGAL, NO RIO DE JANEIRO<br />

PROPOSTA Formar atores para o teatro e o cinema<br />

JOVENS ATENDIDOS 300<br />

APOIO PETROBRAS<br />

CONTATO Rua Dr. Olinto de Magalhães, 54 – 22450-250 – Vidigal – Rio de Janeiro (RJ) – tel.: 21/3874-9411 –<br />

www.nosdomorro.com.br – e-mail contato@nosdomorro.com.br<br />

PROJETO CHARANGA, DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DESPERTAR<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO ZONA SUL DE SÃO PAULO<br />

PROPOSTA Oferecer cursos profissionalizantes, de capacitação e geração de renda<br />

JOVENS ATENDIDOS 146<br />

CONTATO Rua Antonio Machado Sobrinho, s/n. – 04416-170 – Cidade Adhemar – São Paulo (SP) –<br />

tel.: 11/5621-0901 – e-mail: asscomdespertar@uol.com.br<br />

PROJETO CRIA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO CAPITAL E TRÊS CIDADES DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 15 CIDADES NO INTERIOR<br />

DO ESTADO, ALÉM DE CONVÊNIO COM PROJETOS DE PIPA (CE), NÁPOLES (ITÁLIA) E MOÇAMBIQUE<br />

PROPOSTA Programa de educação para a cidadania centrado no teatro e na poesia<br />

JOVENS ATENDIDOS 96<br />

APOIO UNICEF, CESE, FUNDAÇÃO MACARTHUR, AVINA, COFIC, INSTITUTO CREDICARD, FUNDAÇÃO FORD, WORLD<br />

CHILDHOOD FOUNDATION<br />

CONTATO Rua Gregório de Matos, 21 – 40025-060 – Pelourinho – Salvador (BA) – tel.: 71/3322-1334 –<br />

www.criando.org.br – e-mail: cria@criando.org.br<br />

Vocação e sustento<br />

A transformação pessoal diante da<br />

descoberta de um talento artístico é<br />

fato. E gera desafios. Guilherme<br />

Floriano Silva, 15 anos, nunca tinha<br />

visto um espetáculo de balé clássico<br />

antes de conhecer a Fundação <strong>Cultura</strong><br />

Artística de Londrina. Morando<br />

com a madrinha em Alexandre Urbano,<br />

bairro de classe média baixa da<br />

cidade, o garoto fazia parte da Guarda<br />

Mirim. Sua expectativa era se preparar<br />

para conseguir um emprego e<br />

ajudar a família. Como gostava de<br />

dançar, um de seus professores o encaminhou<br />

para a Fundação. Foi a descoberta<br />

de um mundo inteiramente<br />

novo. Com apenas quatro meses de<br />

aula, fez sua estréia no palco. “Apesar<br />

do medo de errar, foi uma emoção<br />

muito forte”, conta. Deixou a<br />

Guarda Mirim, certo de que seu destino<br />

profissional está ligado à dança.<br />

Cursando a 8ª série, treina sete horas<br />

por dia, na esperança de conquistar<br />

uma vaga no Balé de Londrina e,<br />

KELLY CHRISTIAN<br />

LOUIZE DA SILVA,<br />

23 ANOS<br />

é agente cultural em Belo<br />

Horizonte e se envolveu com o<br />

setor por causa do hip hop<br />

DÉLIO FIRMO ALVES,<br />

21 ANOS<br />

índio da etnia amazônica<br />

Desano, luta pela preservação<br />

da memória indígena<br />

NADIA ACCIOLY,<br />

19 ANOS<br />

é aluna do ensino médio, estuda<br />

poesia em Salvador e quer ser<br />

atriz e professora de teatro<br />

MÁRCIA ALMEIDA,<br />

23 ANOS<br />

é administradora de empresas e<br />

integra um grupo de preservação<br />

das tradições gaúchas,<br />

em Canoas


Estudos apontam a grande<br />

RISONALDO CRUZ<br />

KÁTIA LOMBARDI<br />

importância que os jovens conferem<br />

aos temas culturais. Na relação com o<br />

grupo, eles fazem um exercício de<br />

mão dupla entre a cultura que<br />

herdam e a que constroem<br />

ANDRÉA AGRAIZ FRANCISCO ANDRADE NETO<br />

11


navegantes<br />

quem sabe, no futuro, ganhar uma<br />

bolsa para estudar fora do país. “Quero<br />

me profissionalizar, passar o que<br />

aprendi para outras pessoas e ganhar<br />

dinheiro para ajudar minha família<br />

fazendo o que gosto”, sonha.<br />

Meta semelhante tem o paulistano<br />

William da Silva Mota, 20 anos. Ele quer<br />

ganhar a vida como músico, tocando<br />

instrumentos de percussão e ensinando.<br />

Com o 2º grau concluído, ele enfrenta,<br />

porém, a resistência da família,<br />

que o pressiona para conseguir um<br />

emprego formal. Mas não se dá por<br />

vencido. Participa de um coral e de um<br />

grupo de dança do Projeto Charanga,<br />

na Associação Comunitária Despertar,<br />

em Americanópolis, bairro periférico<br />

na zona sul de São Paulo. Nos fins de<br />

semana, trabalha como assistente de<br />

discotecário e de palco. William afirma<br />

ter se encontrado no Charanga,<br />

idealizado pelo músico Maurício Alves,<br />

da banda Mestre Ambrósio, e que tra-<br />

Faltam espaços mais democráticos<br />

para que a juventude possa se afirmar<br />

não só como consumidora, mas como<br />

criadora de bens culturais, que<br />

possibilitem o autoconhecimento e a<br />

valorização pessoal<br />

CELSO PACHECO Faltam espaços mais democráticos<br />

balha com vários ritmos brasileiros. “A ligação com a cultura<br />

me transformou em uma pessoa melhor, mais aberta<br />

aos problemas do mundo”, conta.<br />

Renovação democrática<br />

A socióloga Maria Virgínia de Freitas, integrante do<br />

Conselho Nacional da Juventude, destaca a importância<br />

dos movimentos populares culturais para definir a<br />

identidade de seus participantes e o seu lugar no mundo.<br />

Ela defende a criação de espaços mais democráticos<br />

para que os jovens possam se afirmar não só como<br />

consumidores de cultura, mas como criadores de bens<br />

culturais, que possibilitem o autoconhecimento e a valorização<br />

pessoal. Maria Virgínia destaca a grande renovação<br />

que está ocorrendo nas periferias, com a multiplicação<br />

de estações de rádios livres, dos grafiteiros e<br />

da criação de fanzines.<br />

Tatiana Garrido, 24 anos, faz parte desse grupo. Ela<br />

sempre gostou de desenhar. Tanto que fez um curso<br />

técnico de desenho para comunicação. Ainda na escola,<br />

juntou-se a um grupo de grafiteiros do bairro do<br />

Tatuapé, bairro de classe média na zona leste de São<br />

Paulo. Não parou mais. Agora, mesmo pilotando sua<br />

própria empresa de comunicação visual, continua co-<br />

ISAIAZ MEDEIROS<br />

locando sua arte nos muros da cidade.<br />

“É uma forma de causar impacto,<br />

de mudar a visão das pessoas em relação<br />

ao ambiente em que vivem, de<br />

alegrar a cidade”, diz Tatiana, que<br />

criou, com o marido e um amigo, a<br />

Grafiteria, uma galeria para expor as<br />

obras dos artistas urbanos.<br />

Memória e tradição<br />

Mas o resgate das culturas tradicionais<br />

de determinadas regiões também<br />

é fator que tem motivado muitos jovens.<br />

Foi o que aconteceu com Márcia<br />

Almeida, uma administradora de empresas<br />

de 23 anos, residente em Porto<br />

Alegre (RS), e Márcio Roberto da Silva<br />

Oliveira, 23 anos, professor de Física<br />

que mora em Campo Grande (MS).<br />

Quando se mudou de Santa Catarina<br />

para Porto Alegre para trabalhar em<br />

uma empresa argentina de equipamentos<br />

hidráulicos, Márcia ingressou<br />

no Grupo Folclórico Tropeiros da Tra


dição, de Canoas. “Conhecer a cultura de nosso povo nos<br />

faz entender o significado de nossos valores”, diz ela.<br />

Márcio, por seu lado, se considera um grande consumidor<br />

de cultura alternativa. Trabalhando em sua tese de<br />

mestrado na área de eletroquímica, ele é também dançarino<br />

do grupo Sarandi Pantaneiro, que tem por objetivo<br />

resgatar e preservar a música e a dança do Mato Grosso<br />

do Sul. Márcio participa ainda do movimento Negras<br />

Raízes, que recentemente editou um livro reunindo poemas<br />

de poetas negros. “Resgatar a cultura é vital para<br />

não perdermos nossa identidade como povo”, diz.<br />

Esse também é o entendimento de jovens índios de São<br />

Gabriel da Cachoeira, na Amazônia, onde 90% dos 35 mil<br />

habitantes são descendentes de várias etnias indígenas.<br />

Délio Firmo Alves, de 21 anos, da etnia Desano, estudante<br />

do curso técnico de Enfermagem, lembra que, ao entrar<br />

em contato com os índios, os missionários brancos impuseram<br />

sua cultura. Assim, costumes, tradições, a própria<br />

língua foram esquecidos. “Com isso, os índios também perderam<br />

seus valores, sua identidade.” A nova geração desenvolve<br />

esforços para resgatar mitos, música, dança, costumes,<br />

linguagem das diferentes etnias e luta pela criação<br />

de centros de cultura indígena. “Nossa cultura tem valores<br />

que merecem ser preservados”, diz.<br />

BRUNO GARCIA<br />

O FUTURO É AGORA<br />

“Minha paixão pelo teatro começou quando fui assistir a<br />

uma peça na qual meu irmão trabalhava, no grupo Nós<br />

do Morro, do Vidigal, no Rio de Janeiro. Era um garotinho.<br />

Fiquei deslumbrado com as luzes, o texto, a movimentação<br />

dos atores e resolvi fazer parte do projeto. Na<br />

primeira vez que subi em um palco, chorei de emoção com<br />

os aplausos do público. Eles são o melhor prêmio que um<br />

ator pode desejar. Depois de nove anos de dedicação, os<br />

resultados começam a aparecer. Faço parte do elenco do<br />

Nós do Morro e já atuei em peças como “Eles contra Eles”,<br />

“Sonhos de uma Noite de Verão”. Também participei da<br />

novela “Da Cor do Pecado”, da TV Globo, na qual fiz o<br />

papel de um menino de rua que era engraxate. Agora,<br />

estou escalado para atuar na novela “Belíssima”,<br />

inclusive gravando cenas na Grécia. A cada trabalho, a<br />

emoção se renova, reafirmando minha certeza de que,<br />

sem arte, a vida não é nada. Quero fazer faculdade de<br />

Cinema e ensinar a outros jovens, para que eles possam<br />

ter as oportunidades que eu tive e para que possam fazer<br />

um trabalho que não é apenas uma forma de ganhar<br />

dinheiro, mas que é pura paixão.”<br />

RATÃO DINIZ / IMAGENS DO POVO<br />

TIAGO MARTINS, 16 ANOS<br />

é ator no Rio de Janeiro, do Grupo Nós do Morro<br />

GUILHERME FLORIANO DA SILVA, 15 ANOS<br />

estudante da 8ª série e aluno de balé em Londrina, treina sete horas<br />

por dia para ser bailarino profissional<br />

MÁRCIO ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA, 23 ANOS<br />

é professor de Física em Campo Grande, onde participa de um<br />

grupo de música e dança típicas do Pantanal<br />

WILLIAM MOTTA, 20 ANOS<br />

é percussionista e quer viver de música em São Paulo, mas enfrenta<br />

a resistência da família<br />

13


mestres<br />

A EDUCAÇÃO<br />

PELA ARTE<br />

Na Amazônia, jovens ajudam a preservar<br />

a floresta aprendendo música<br />

e fabricando instrumentos musicais.<br />

Na Paraíba, a estamparia e a serigrafia<br />

elevam a auto-estima de meninos<br />

e meninas, e, em São Paulo, o teatro<br />

reduz a discriminação entre estudantes.<br />

Mestres nessas artes, três educadores<br />

usam seu talento para mostrar<br />

que a expressão artística ajuda a<br />

transformar os jovens em cidadãos<br />

capazes de reconhecer os outros, a<br />

si mesmos e de assumir seus sonhos.<br />

Mostram que a arte faz pensar, educa,<br />

inclui. E que não por acaso ela se<br />

torna ferramenta cada vez mais valorizada<br />

na educação.<br />

Para o músico e luthier Rubens Gomes,<br />

que trabalha na região amazônica<br />

desde a década de 80, só há salvação<br />

para a floresta se salvarmos,<br />

ao mesmo tempo, os jovens que lá<br />

vivem. Motivado por essa idéia, há<br />

sete anos ele criou a Oficina Escola<br />

de Lutheria da Amazônia (Oela), no<br />

bairro de Zumbi, em Manaus, unindo<br />

a arte e a preservação ambiental.<br />

“Transformei minhas habilidades ar-<br />

tísticas em um meio para estimular o uso racional dos<br />

recursos naturais”, diz.<br />

Na Oela, ensina música e profissionaliza jovens integrantes<br />

de uma população em que 60% estão desempregados,<br />

94% têm no máximo o primeiro grau e mais<br />

de 15% dos que têm acima de 10 anos nunca estudaram.<br />

“As populações vivem abandonadas à própria sorte.<br />

No Zumbi, os jovens se organizavam em galeras e<br />

se matavam uns aos outros”, conta Gomes.<br />

Sintonia com a floresta<br />

A Oela oferece alternativa. Os jovens são capacitados<br />

a transformar recursos naturais em bens. Além das<br />

aulas de música, cursam informática e participam de<br />

grupos de discussão sobre assuntos como sexualidade,<br />

violência e drogas. Recebem educação ambiental,<br />

discutindo, por exemplo, o manejo indiscriminado das<br />

espécies em extinção. Como o pau-brasil, insubstituível<br />

para o arco de violino; o mogno, usado para a confecção<br />

de braços de violões clássicos; e o jacarandá da<br />

Bahia, a “Daubergia nigra”, que é referência mundial para<br />

as laterais e fundos de violões e muito valorizado no<br />

por_Marco Roza<br />

exterior. “A partir desse aprendizado,<br />

os jovens são envolvidos com a arte<br />

da manufatura de instrumentos musicais<br />

de alta qualidade e se abre para<br />

eles uma alternativa de vida em<br />

sintonia com a conservação da floresta”,<br />

diz Gomes.<br />

O projeto está indo além de<br />

Manaus. “Nas regiões ribeirinhas, ensinamos<br />

aos jovens o processamento<br />

da madeira e a marchetaria, que já<br />

é uma tradição na região.” A principal<br />

população beneficiada fica em Boa<br />

Vista do Ramos, no baixo Amazonas,<br />

a 18 horas de barco de Manaus. As<br />

madeiras são todas certificadas e as<br />

comunidades estão montando entidades<br />

que permitam encaminhar a<br />

produção até para o exterior. Comunidades<br />

com jovens que, segundo<br />

Gomes, antes “viviam de costas para<br />

a floresta”.


AUGUSTO PESSOA<br />

COM A MÚSICA, AS ARTES VISUAIS E O<br />

TEATRO, TRÊS EDUCADORES INDICAM AOS<br />

JOVENS NOVOS CAMINHOS PARA O<br />

DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL<br />

A professora universitária Lívia Marques<br />

implantou projetos de arte-educação na Casa<br />

Pequeno Davi, em João Pessoa (PB)<br />

15


O músico Ruben Gomes criou a Oela,<br />

uma oficina-escola de instrumentos<br />

musicais que ensina a preservar a<br />

floresta, em Manaus (AM)<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

Foco na auto-estima<br />

Em João Pessoa, o maior desafio de Lívia Marques<br />

Carvalho é lidar com o sentimento de desvalia que toma<br />

conta da juventude atendida na Casa Pequeno Davi e na<br />

Casa Menina Mulher. Ela diz que só depois que os jovens<br />

se integram é que se percebem como pessoas. Eles se<br />

motivam e são devolvidos ao mercado, geralmente desempregados,<br />

quando completam 18 anos. O que se<br />

torna mais um desafio. “Ensinamos a pescar, mas para<br />

dar certo o rio tem de ter peixe”, observa.<br />

Lívia é professora de <strong>Arte</strong>s Visuais na Universidade<br />

da Paraíba, em João Pessoa. Nas proximidades do Terminal<br />

Rodoviário da cidade fica o bairro Baixo Roger. A<br />

CASA DO PEQUENO DAVI E CASA MENINA MULHER<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO JOÃO PESSOA (PB)<br />

PROPOSTA Contribuir para a promoção dos direitos da criança e do adolescente em situação de risco social por meio de<br />

ações de educação integral<br />

JOVENS ATENDIDOS 300 crianças e jovens entre 7 e 17 anos<br />

APOIO UNICEF, IRLAND AID, IRISH BANK (DA IRLANDA), EMPRESA SKN, FRANK DER LINDERE CORDAID, UNIVERSAL CONCERN (DA<br />

HOLANDA), CSCF (DO GOVERNO DA GRÃ-BRETANHA), COMUNIDADE LUTHERANA (ALEMANHA), EUROPEAN COMMUNITY CONCERN<br />

(UNIÃO EUROPÉIA), SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL, SECRETARIA DO TRABALHO E DE PROMOÇÃO SOCIAL DE JOÃO PESSOA<br />

CONTATO Rua João Ramalho, 195 – 58020-200 – João Pessoa (PB) – tel.: 83/3241-526 – www.pequenodavi.org.br<br />

NEY MENDES<br />

população infantil e adolescente<br />

vive espalhada pelas ruas. Em 1985,<br />

os padres da Irmandade São<br />

Vicente de Paulo criaram a Casa<br />

Pequeno Davi. Em 1989, quando se<br />

decidiu trabalhar com atividades artísticas,<br />

Lívia foi fisgada para o projeto.<br />

“Não consegui sair mais”, diz a<br />

atual dirigente.<br />

“Aproveitamos o envolvimento com<br />

a arte, que não tem isso de certo ou<br />

errado, para ajudar os jovens de baixa<br />

renda a aprender o que é a auto-estima”,<br />

explica. Os jovens aprendem estamparia,<br />

impressão de camisetas em<br />

serigrafia, fazer bijuterias e cangas,<br />

que a entidade coloca à venda. “O foco<br />

deles, na rua, é a subsistência. Pela<br />

arte, percebem que podem se colocar<br />

no que fazem, ganham confiança e<br />

descobrem que são cidadãos.”<br />

Ligado ao mesmo projeto está a<br />

Casa Menina Mulher, inaugurada em<br />

1998. “Queremos que as meninas<br />

aprendam a gostar de si mesmas e<br />

a entender os riscos do ambiente em<br />

que vivem”, diz a professora. Além<br />

do aprendizado artístico, elas discutem<br />

saúde e higiene, sexualidade,<br />

drogas, violência e gravidez.<br />

Segundo Lívia, o mais animador é ver<br />

os garotos e garotas conseguirem<br />

completar o ensino médio. “Trata-se<br />

de um esforço excepcional do adolescente<br />

da região, que enfrenta a falta<br />

de estímulo e a pressão da família para<br />

a busca de renda no mercado informal”,<br />

orgulha-se a educadora.<br />

Integração pelo teatro<br />

A arte é poderosa também para<br />

mudar visões de mundo e combater<br />

a discriminação. Com essa certeza, a<br />

paulistana Patrícia Teixeira, professora<br />

do ensino médio, criou o Teatro da<br />

Inclusão. Tudo começou em 1999, a<br />

partir de contato que teve com alunos<br />

com necessidades especiais, na<br />

Escola Estadual Benjamin Constant.<br />

“Eles viviam em pequenos guetos,<br />

eram discriminados e discriminavam<br />

os demais alunos”, diz. Formada em<br />

Educação Artística e pós-graduanda


em Psicologia Analítica, na PUC de<br />

São Paulo, ela decidiu usar as artes<br />

cênicas para incluir jovens cegos nas<br />

atividades escolares.<br />

A experiência deu tão certo que,<br />

em 2000, Patrícia a levou, num trabalho<br />

voluntário, para a Escola Estadual<br />

Caetano de Campos. Aproveitou<br />

o teatro disponível na escola e<br />

iniciou o projeto Teatro da Inclusão,<br />

com a peça “Retratos de Gerações”,<br />

que ela escreveu. “Discutir as diferenças<br />

promove a inclusão. Três jovens<br />

cegos atuaram. O trabalho eliminou<br />

as diferenças de visão, pois,<br />

no palco, os alunos entram em con-<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

TEATRO DA INCLUSÃO<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO<br />

PROPOSTA Trabalhar com jovens o tema das diferenças<br />

JOVENS ATENDIDOS 100 estudantes de ensino médio<br />

APOIO JFA ENGENHARIA (EVENTUAL). EM BUSCA DE APOIO PERMANENTE<br />

CONTATO Rua Pelotas, 523, apto. 103 – 04012-002 – Vila Mariana – São Paulo (SP) – tel.: 11/9742-1553 –<br />

e-mail: astropaty@ig.com.br.; Escola Estadual Maestro Fabiano Lozano – tels.: 11/5549-6006 e 11/5082-2206<br />

OFICINA ESCOLA DE LUTHERIA DA AMAZÔNIA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO AMAZONAS, PARÁ, AMAPÁ, ACRE E RORAIMA<br />

PROPOSTA Promoção do uso racional dos recursos naturais para a geração de ocupação e renda com o intuito de<br />

combate à pobreza, por meio da lutheria e da machetaria<br />

JOVENS ATENDIDOS EM MANAUS, 592 por semestre<br />

APOIO ASHOKA EMPREENDORES SOCIAIS, UNESCO (CRIANÇA ESPERANÇA), ICCO (INSTITUIÇÃO ECLESIÁSTICA DA HOLANDA),<br />

PRO-MANEJO/IBAMA/MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, CORREIOS<br />

CONTATO Rua 22, Quadra O, Casa número 8, conjunto São Cristóvão – 69084-580 – Bairro do Zumbi 2 – Manaus (AM) –<br />

tels.: 92/3644-5449 e 92/3638-2667 – www.oela.org.br<br />

DAVILYM DOURADO<br />

A professora de ensino médio Patrícia<br />

Teixeira fundou o Teatro da Inclusão para<br />

discutir preconceitos com os alunos de São<br />

Paulo (SP)<br />

tato com seus personagens internos, percebem a si<br />

mesmos e o outro como pessoas completas. O teatro<br />

os faz responder, principalmente, com atitudes”, diz.<br />

Patrícia já envolveu mais de 100 jovens em suas peças,<br />

apesar das dificuldades para manter o projeto. “Às<br />

vezes ensaiamos no parque do Ibirapuera”, conta. Neste<br />

semestre, o esforço é para apresentar a peça “Esconderijo<br />

de Judeus”. Na preparação da turma, contou com<br />

amigos voluntários. Um professor de história ajudou a<br />

dar contexto às leituras que os alunos fizeram do “Diário<br />

de Anne Frank”, garota judia que se escondeu com a<br />

família durante a Segunda Guerra Mundial e que inspira<br />

a peça. Outro amigo apresentou aos jovens um seminário<br />

sobre a cultura judaica. Patrícia fez um laboratório<br />

cênico sobre as relações de poder. “Vivemos pequenos<br />

holocaustos todos os dias e é importante discutir o respeito<br />

às diferenças, o direito à permanência das pessoas<br />

no mesmo mundo em que vivemos”, diz.<br />

O tema tem especial pertinência para a adolescência<br />

e a juventude, segundo a professora. É quando as diferenças<br />

entre gerações e entre os próprios companheiros<br />

começam a ser mais notadas e os jovens precisam<br />

de orientação para lidar com elas de forma positiva. “O<br />

trunfo do teatro é levar os jovens a vivenciar experiências.<br />

O resultado é surpreendente”, diz Patrícia, referindo-se<br />

a uma de suas grandes recompensas, que veio na<br />

forma de conclusão de uma estudante sem deficiência<br />

visual, durante discussões sobre preconceito: “Eu aprendi<br />

a ver o que os olhos não podem ver”.<br />

17


anco de práticas<br />

por_Flávia Oliveira<br />

QUATRO PROJETOS SE IDENTIFICAM<br />

POR PERPETUAR O PASSADO E<br />

DAR SENTIDO AO FUTURO<br />

ENCONTROS CULTURAIS<br />

A cultura é o fim e o meio desses projetos sociais, seja<br />

para perpetuar experiências seculares de lugarejos ou dar<br />

sentido ao futuro de crianças e jovens de cidades grandes.<br />

E foi quase por acaso que seus mentores embarcaram na<br />

idéia de que tambores, brinquedos, jongo, histórias seriam<br />

capazes de mudar a vida de jovens. O maestro Flávio Pimenta,<br />

por exemplo, tinha decidido trocar o Brasil por uma<br />

vida no exterior. A três meses da partida, se flagrou observando<br />

adolescentes nadando em poças d’água sujas nos<br />

arredores de sua casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo.<br />

Resolveu agir. Convidou os jovens à sua casa, apresentou-os<br />

à música. Desistiu da viagem, convocou amigos,<br />

estruturou e deu à luz a Associação Meninos do Morumbi,<br />

que hoje envolve 4 mil crianças e jovens.<br />

Macau Góes era colecionadora de brinquedos e encantou-se<br />

com a obra de artesãos do Recife quando visitava<br />

uma feira da Fundação Joaquim Nabuco. Consultora da<br />

ONG <strong>Arte</strong>sanato Solidário, aproximou jovens do programa,<br />

dando o pontapé inicial para a fundação da Associação<br />

Brinquedos Populares do Recife, que já qualificou uma centena<br />

de artesãos.<br />

Noutro improviso do destino, Paulo Dias, da Associação<br />

<strong>Cultura</strong>l Cachuera, de São Paulo, conheceu a comunidade de<br />

jongueiros do bairro Jardim Tamandaré, na periferia de<br />

Guaratinguetá. Em parceria com a TV <strong>Cultura</strong>, produziu o filme<br />

“Feiticeiros da Palavra – O Jongo do Tamandaré” e apresentou<br />

o grupo ao país. Daí veio a criação da Associação<br />

Jongueira de Guaratinguetá, que leva os jovens a se envolverem<br />

com a dança e a música deixadas pelos escravos.<br />

O casal Alemberg Quindis e Rosiane Limaverde estava<br />

determinado a preservar a herança cultural dos Kariri, tribo<br />

indígena que batizou um pedaço do Ceará, o Vale do<br />

Cariri. Em Nova Olinda, abrigaram os artefatos pré-históricos<br />

recuperados na região. Apresentavam o tesouro a turistas,<br />

quando foram surpreendidos por meninos da vizinhança<br />

com os textos na ponta da língua. Assim expandiu-se<br />

a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem<br />

Kariri, que capacita jovens em várias áreas.<br />

Conheça melhor os frutos desses encontros:<br />

GUSTAVO LOURENÇÃO<br />

ARNALDO CARVALHO<br />

AUGUSTO PESSOA<br />

ANDRÉA DE VALENTIM


Nova Olinda, CE<br />

Fundação Casa<br />

Grande<br />

Memorial do<br />

Homem Kariri<br />

Recife, PE<br />

Formação de jovens<br />

artesãos<br />

no Projeto<br />

Brinquedos<br />

Populares do Recife<br />

São Paulo, SP<br />

Associação<br />

Meninos do<br />

Morumbi<br />

Guaratinguetá, SP<br />

Projeto Bem-te-vi<br />

da Associação de<br />

Jongo<br />

do Tamandaré<br />

O projeto que inicialmente se restringia à preservação<br />

antropológica dos índios Kariri transformou-se numa instituição<br />

dedicada também à formação profissional dos<br />

jovens da região. A Fundação Casa Grande oferece hoje<br />

a 70 jovens qualificação em quatro áreas: memória, comunicação,<br />

arte e turismo. O primeiro programa tem<br />

como foco o resgate da memória da pré-história do sertão,<br />

por meio da mitologia e da arqueologia: forma recepcionistas,<br />

guias de campo e relações-públicas para<br />

atuar na instituição e nos sítios arqueológicos da região. >><br />

Desde os anos 80, a Fundação Joaquim Nabuco mantinha<br />

contato com um grupo de oito artesãos que faziam<br />

brinquedos populares na Região Metropolitana de<br />

Recife. As peças acabaram descobertas pelo <strong>Arte</strong>sanato<br />

Solidário, que propôs a criação do projeto Brinquedos<br />

Populares do Recife. Iniciado em março de 2004, o programa<br />

é multiplicativo: “Os mestres repassam seus conhecimentos<br />

aos jovens e, com isso, é possível preservar<br />

técnicas populares de produção de brinquedos”, explica<br />

Julio Ledo, gerente regional do <strong>Arte</strong>sanato Solidá- >><br />

O projeto começou com meia dúzia de garotos, um<br />

maestro e uma professora de dança. Quase uma década<br />

depois, são 4 mil, e uma lista de espera com 2 mil<br />

nomes. A Associação Meninos do Morumbi atende a<br />

crianças e adolescentes interessados em experimentar<br />

o gosto de “poder ser o que quiserem”, como diz o fundador<br />

Flávio Pimenta. “A música se mostrou uma excelente<br />

armadilha para atrair os jovens”, brinca. O alvo inicial<br />

do projeto eram comunidades populares, mas hoje<br />

não é exclusivo de alunos pobres – eles ocupam 70% >><br />

Foi da aproximação com a Associação <strong>Cultura</strong>l<br />

Cachuera que Lúcia Maria de Oliveira, jongueira por nascimento,<br />

enfermeira por profissão, deu início ao Projeto<br />

Bem-te-vi, no Jardim Tamandaré, na periferia de<br />

Guaratinguetá, em São Paulo. A idéia é perpetuar o<br />

jongo, uma tradição na comunidade, entre as crianças<br />

e jovens, que recebem os ensinamentos dos adultos e<br />

idosos. Lúcia gosta de dizer que tem o jongo no sangue,<br />

porque é neta do velho Antonio Henrique, que trou- >><br />

19


A oficina de comunicação apresenta<br />

aos alunos as técnicas de elaboração<br />

de programas de rádio, TV e trabalhos<br />

de editoração. A rádio comunitária já<br />

protocolou no Ministério das Comunicações<br />

um pedido para transformá-la<br />

em emissora educativa. O braço das<br />

artes tem laboratório de teatro, cine-<br />

>><br />

>><br />

rio. O projeto capacitou primeiro oito<br />

mestres, que aprenderam a melhorar<br />

a apresentação e a qualidade de suas<br />

criações, elaborar planilhas de custos,<br />

entender o mercado consumidor, ao<br />

lado de aulas de cidadania e relações<br />

interpessoais. Em contrapartida, eles<br />

deveriam destinar 10% da renda de<br />

das vagas. Cumprida a condição de<br />

cursar o ensino regular, eles podem<br />

escolher entre artes (balé, dança, escultura,<br />

fotografia, moda, teatro), música<br />

(bateria, canto, percussão, cavaco)<br />

e esportes (capoeira, futsal, jiujitsu),<br />

mas são obrigatoriamente apresentados<br />

ao inglês e à informática. A<br />

>><br />

xe a música e a dança dos negros escravos<br />

para a região. Um filme, produzido<br />

por Paulo Dias e apresentado<br />

Brasil afora, foi o estopim de uma série<br />

de convites para apresentações<br />

em São Paulo e no Rio de Janeiro e<br />

alimentou a necessidade de profissionalização<br />

do grupo e levou à criação<br />

do Bem-te-vi, que hoje conta com 40


ma e escola de música, na qual se começa<br />

com a banda de lata e segue com<br />

grupos cover e instrumental. O laboratório<br />

de turismo funciona em parceria<br />

com a cooperativa de pais e amigos da<br />

Casa Grande. Os pais dos alunos mantêm<br />

a loja de souvenirs da Fundação e<br />

a cantina, além de serem orientados<br />

toda peça vendida a um fundo para<br />

custear a legalização da associação de<br />

artesãos e compartilhar seus conhecimentos<br />

em Oficinas do Saber, com<br />

turmas de até 20 alunos escolhidos<br />

entre os residentes na Vila Esperança,<br />

comunidade pobre do Recife. Os<br />

artesãos foram remunerados pelas<br />

entidade acaba influenciando na escolha<br />

da carreira deles, como conta a exaluna,<br />

agora monitora, Luciana Fernandes,<br />

de 20 anos: “Entrei com 14 anos.<br />

Aprendi capoeira, jiu-jitsu e percussão.<br />

Decidi seguir na música. Se não tivesse<br />

passado por aqui, nem imaginaria essa<br />

vida”. Das oficinas culturais foi criado o<br />

participantes. “Queremos ensinar o<br />

jongo às crianças e aos jovens, mas<br />

também reforçar neles o quanto a<br />

educação é importante. Vamos preservar<br />

o passado e estimular o futuro<br />

dos meninos”, planeja Lúcia, de 50<br />

anos, mãe de Hebert e Erica, avó de<br />

Cauê. Os jongueiros do Tamandaré<br />

recebem apoio da prefeitura e da Se-<br />

para fazer em suas casas suítes para<br />

abrigar turistas. Por R$ 40 diários, o<br />

visitante tem pernoite, café, almoço<br />

e jantar. “Todo o projeto funciona com<br />

pedagogia própria: os jovens mais experientes<br />

repassam os conhecimentos<br />

aos mais novos”, ensina Alemberg,<br />

o mestre.<br />

horas de aula e, dentre os 100 jovens<br />

que já receberam a qualificação, vários<br />

já produzem brinquedos para vender<br />

e três, de tão talentosos, integram a<br />

Associação. Estão sendo orientados a<br />

criar sua série de produtos, tal como<br />

aconteceu com os mestres de quem<br />

eles aprenderam.<br />

grupo artístico Meninos do Morumbi.<br />

Desde 1996, foram mais de 500 apresentações.<br />

A banda já se exibiu com Ivete<br />

Sangalo, Lulu Santos e os grupos Cidade<br />

Negra e Olodum. A ousadia de misturar<br />

o erudito e o popular num espetáculo<br />

com o pianista clássico Marcelo<br />

Bratke conquistou cidades européias.<br />

cretaria de <strong>Cultura</strong> de Guaratinguetá.<br />

No ano passado, participaram da organização<br />

de três oficinas de vídeo<br />

dirigidas aos jovens da comunidade.<br />

Durante boa parte deste 2005, dedicaram-se<br />

a organizar legalmente a associação.<br />

Agora, buscam um terreno<br />

para instalar a sede do projeto e sair<br />

seduzindo futuros jongueiros.<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

FUNDAÇÃO CASA GRANDE – MEMORIAL DO HOMEM KARIRI<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO NOVA OLINDA (CE)<br />

PROPOSTA Oferecer qualificação profissional a crianças<br />

e jovens sertanejos por meio de atividades de resgate<br />

da memória local, arte, comunicação e turismo<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 70<br />

APOIO INTERAMERICAN FOUNDATION<br />

CONTATOS Rua Jeremias Pereira, 444 – Centro – Nova<br />

Olinda (CE) – Tel.: 85/3546-1333 –<br />

casagrande@baydejc.com.br<br />

BRINQUEDOS POPULARES DO RECIFE<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE RECIFE (PE)<br />

PROPOSTA Qualificar artesãos e incentivá-los a repassar<br />

seus conhecimentos a jovens de comunidades pobres<br />

por meio das Oficinas do Saber<br />

NÚMERO DE JOVENS BENEFICIADOS 100<br />

APOIO FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, MINISTÉRIOS DA<br />

EDUCAÇÃO E DA INTEGRAÇÃO REGIONAL, ARTESANATO<br />

SOLIDÁRIO (ARTESOL) E SEBRAE<br />

CONTATOS Rua Alves Guimarães, 436 – Pinheiros – São<br />

Paulo (SP) – Tel.: 19/3246-2888 – www.artesol.org.br<br />

ASSOCIAÇÃO MENINOS DO MORUMBI<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO BAIRROS DA REGIÃO SUDOESTE DA<br />

CAPITAL PAULISTA E MUNICÍPIOS VIZINHOS, COMO<br />

TABOÃO DA SERRA, ITAPECERICA DA SERRA E EMBU<br />

PROPOSTA Oferecer cursos de artes, música, dança,<br />

esportes, informática e língua estrangeira a crianças<br />

e adolescentes, dos 5 aos 18 anos, reforçando a<br />

importância da formação escolar regular<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 4 mil<br />

APOIO PREFEITURA DE SÃO PAULO, CÂMARA DE<br />

COMÉRCIO ELETRÔNICO, PÃO DE AÇÚCAR, CULTURA<br />

INGLESA, BRITISH AIRWAYS, HP, LAUREUS SPORTS, BIT<br />

COMPANY, SADIA, ENTRE OUTROS<br />

CONTATOS Rua José Jamarelli, 485 – Morumbi – São<br />

Paulo (SP) – Tel.: 11/3722-1664 –<br />

www.meninosdomorumbi.org.br<br />

ASSOCIAÇÃO JONGUEIRA DE GUARATINGUETÁ<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO GUARATINGUETÁ (SP)<br />

PROPOSTA Repassar a crianças e jovens os ensinamentos<br />

do jongo e reforçar neles a importância da educação<br />

formal regular<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 40 pessoas, incluindo<br />

também os idosos<br />

APOIO SECRETARIA DE CULTURA DE GUARATINGUETÁ,<br />

PREFEITURA MUNICIPAL E ASSOCIAÇÃO CACHUERA<br />

DE SÃO PAULO<br />

CONTATOS Rua Tamandaré, 661, Fundos – Jardim<br />

Tamandaré – Guaratinguetá – SP – Tel.: 12/3133-3408<br />

21


caminho das pedras<br />

PERTO DE SE TORNAR AUTO-SUSTENTÁVEL, O GRUPO CULTURAL AFRO<br />

REGGAE ENSINA QUE COERÊNCIA É FUNDAMENTAL PARA TIRAR JOVENS DO<br />

TRÁFICO CARIOCA<br />

Dia desses, um e-mail aterrissou na caixa-postal sempre congestionada de<br />

José Junior, o coordenador-executivo do Grupo <strong>Cultura</strong>l Afro Reggae, no Rio<br />

de Janeiro. No título, uma solitária palavra: Resgate. O texto: “A sogra dele<br />

está superfeliz que o mesmo saiu do tráfico e veio nos pedir que fizéssemos<br />

o currículo dele, pois a filha dela e o filho também fizeram currículo no Afro<br />

Reggae e tiveram a sorte de arrumar emprego muito rápido. Ela falou que ele<br />

tem diploma de ascensorista”, escreveu Vitor Onofre, coordenador do Núcleo<br />

de Vigário Geral e, assim como Junior, um dirigente, ou “puro-sangue”, no<br />

dialeto da organização. Ele previa nova deserção no exército do tráfico de<br />

drogas carioca – que se consumou logo no dia seguinte.<br />

Menos um traficante, mais uma vitória – mera rotina, no surpreendente trabalho<br />

que o Afro Reggae desenvolve, a partir da disseminação da cultura afro,<br />

em comunidades populares do Rio de Janeiro há 12 anos. A salvação de jovens<br />

decididos a viver (e morrer) na guerra das favelas materializa-se, sobretudo, na<br />

formação cultural e artística que pavimenta a construção de cidadania.<br />

As vagas nas oficinas são disputadas pelos moradores de Vigário Geral, Parada<br />

de Lucas (favelas cujos traficantes sustentam uma guerra há<br />

inacreditáveis 22 anos), e Cantagalo, áreas onde o Afro Reggae mantém núcleos.<br />

Hoje, são ao todo 60 projetos culturais, outras três unidades em sistema<br />

de parceria, nove bandas, uma trupe de teatro e duas de circo, na ONG<br />

que conta com 176 funcionários (incluindo bolsistas e estagiários) e está bem<br />

perto de se tornar auto-sustentável.<br />

O alicerce de tamanho sucesso chama-se coerência. O Afro Reggae tem como<br />

fundamento inegociável não aceitar patrocínios da indústria do tabaco e de fábricas<br />

de bebidas. Sem álcool, cigarros nem drogas. “E os puros-sangues também<br />

não fumam nem bebem, muito menos usam drogas”, diz o coordenador.<br />

Nascido na dor<br />

A luta contra a violência é a gênese do Afro Reggae.<br />

Em janeiro de 1993, Junior era um produtor iniciante de<br />

bailes funk, quando o ritmo foi banido da cidade, por causa<br />

do arrastão na Praia do Arpoador (como se chamou o<br />

conflito entre gangues de Vigário Geral e Parada de Lucas,<br />

que se enfrentaram na areia famosa do canto de<br />

Ipanema). Ele trocou de ritmo e começou a promover<br />

festas de reggae – “a contragosto”, como lembra.<br />

Um par de bailes bem-sucedidos depois, Junior enxergou<br />

no gênero a possibilidade de promover a cultura<br />

afro, seu projeto de vida. Criou, com três amigos, o<br />

jornal “Afro Reggae Notícias”, para difundir essas e outras<br />

manifestações. Em agosto daquele ano, o Rio foi<br />

sacudido pela chacina de Vigário Geral, na qual 21 moradores<br />

da favela foram assassinados por um bando<br />

de policiais militares. “Senti que tínhamos de fazer algo<br />

por lá”, relembra Júnior, carioca, 37 anos. Um mês depois<br />

do massacre, eles entraram na favela, para “fazer<br />

alguma coisa, de um jeito meio kamikaze”, como descreve<br />

o “arrastão do bem”, do bloco afro Tafaraogi, que<br />

tomou as ruas da comunidade.<br />

O passo seguinte foi instalar no morro o Núcleo Comunitário<br />

de <strong>Cultura</strong>, com as primeiras oficinas: dança, percussão,<br />

reciclagem de lixo, futebol e capoeira. Os 12 instrumentos<br />

levados pelo grupo eram disputados a tapa por<br />

jovens que enxergavam horizonte onde a olho nu havia<br />

apenas diversão. “Ninguém pensava em ser artista, mas<br />

RESGATE<br />

PELO REGGAE


por_Aydano André Motta<br />

fotos_Rodrigo Castro<br />

Jovem diante de cartaz com os<br />

princípios do grupo Afro Reggae: a música<br />

é o meio de atração para um<br />

amplo trabalho de conscientização<br />

23


RECUSAR PATROCÍNIO DE CIGARRO E<br />

BEBIDA, MESMO ESTANDO SEM DINHEIRO,<br />

FOI UMA DAS FORMAS DO AFRO REGGAE<br />

TRADUZIR PARA AS COMUNIDADES A<br />

FORÇA DE SEUS VALORES<br />

apenas em ter perspectiva”, confirma Altair Martins, 24<br />

anos, nascido em Vigário, formado na turma 01 e hoje coordenador<br />

de operacionalização do Afro. Ele cresceu em<br />

meio a paredes furadas à bala e vizinhos assassinados, e<br />

agora é emblema – “puro-sangue”, ajuda a salvar outros,<br />

ao som de funk, reggae, soul e hip hop.<br />

Da salada de ritmos nasceu o filhote mais famoso, a<br />

banda AfroReggae, aclamada Brasil afora e no exterior.<br />

Os padrinhos, Junior lembra orgulhosamente, são Caetano<br />

Veloso e Regina Casé, que conheceram o grupo dois<br />

anos depois e foram os primeiros a incentivar os jovens<br />

da favela a conquistar o mundo com sua música.<br />

Em 1997, foi inaugurado na comunidade o Centro <strong>Cultura</strong>l<br />

Afro Reggae Vigário Legal, para melhorar, num espaço<br />

bem estruturado, a formação cultural e artística dos jovens<br />

moradores. “Uma fábrica de sonhos”, resume Junior. De lá,<br />

eles escapam do tráfico e do subemprego e se transformam<br />

em multiplicadores da paz e da integração social. Hoje,<br />

existem outros oito grupos musicais: Banda Makala Música<br />

e Dança, Afro Lata e Afro Samba, além dos subgrupos Afro<br />

Mangue, Tribo Negra, Akoni, Kitôto e uma banda de rock<br />

ainda sem nome, exclusivamente de meninas.<br />

Na trilha da autonomia<br />

O sucesso artístico deixa a ONG a um passo de se<br />

sustentar, com a renda dos shows e da venda de pro-<br />

Aprendizes descansam junto dos instrumentos;<br />

abaixo, garota com tambor; na página oposta,<br />

garotas ensaiam coreografia; um jovem<br />

percussionista e rapazes durante ensaio de uma<br />

das bandas: apresentações e venda de CDs são<br />

fonte de renda do grupo


dutos como CDs e camisetas. Sem perder a coerência<br />

mesmo nas tempestades mais pesadas. “Quatro anos<br />

atrás, recusamos um cachê de R$ 40 mil para tocar em<br />

um festival patrocinado por uma empresa de tabaco”,<br />

relembra Junior, orgulhoso. “Estávamos com quatro<br />

meses de salários atrasados, mas resistimos.”<br />

Para sair do buraco financeiro, muita conversa em<br />

busca de outros parceiros e todo o pragmatismo possível<br />

no dia-a-dia. O Afro Reggae hoje supera em prestígio<br />

o tráfico de drogas, antigo sinônimo de poder e prosperidade<br />

nas comunidades populares. O fenômeno explica-se,<br />

entre outras razões, pelo trabalho junto à mídia.<br />

“A TV Globo é muito importante para nós. Podemos aparecer<br />

lá sem ter o rosto desfocado. E nos shows fazemos<br />

saudações a favelas independentemente das facções<br />

que as dominam”, ensina ele.<br />

Mas na batalha que nunca termina, popularidade é apenas<br />

uma arma. “Nesse momento, no caos, o que resolve é<br />

emprego. Educação só não basta”, diz Junior, citando o<br />

exemplo de um gerente do tráfico que o abordou, meses<br />

atrás. “Se tiver uma oportunidade, eu saio agora”, avisou.<br />

Teve. Novo desfalque no exército das drogas.<br />

Ultrapassando fronteiras<br />

O prestígio levou Júnior e outros sete “puros-sangues”<br />

a formar um comitê de mediação de conflitos que atormentam<br />

os milhões de moradores honestos das favelas<br />

do Rio. O acesso privilegiado permite a eles negociar<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

GRUPO CULTURAL AFRO REGGAE<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO COMUNIDADES POPULARES DO RIO DE JANEIRO, ENTRE ELAS VIGÁRIO GERAL, PARADA<br />

DE LUCAS E CANTAGALO, EM PROJETOS PRÓPRIOS, E OUTRAS EM PARCERIA<br />

PROPOSTA Desviar jovens do caminho do narcotráfico e do subemprego por meio da inclusão e justiça<br />

social. Como ferramentas, a arte, a cultura afro-brasileira e a educação<br />

JOVENS ATENDIDOS 972<br />

APOIO AVINA, FUNDAÇÃO FORD, FUNDAÇÃO KELLOG, HP, INSTITUTO CREDICARD, INSTITUTO DESIDERATA,<br />

SUPERMERCADOS EXTRA, PREFEITURA DO RIO, REDE GLOBO E SESC-RIO<br />

CONTATO Av. marechal Câmara, 350/703 – Centro – 20020-080 – Rio de Janeiro (RJ) –<br />

Tel.: 21/2532-0171 – www.afroreggae.org.br<br />

tréguas em guerras a que a polícia apenas assiste, impotente e derrotada.<br />

A interferência em batalhas sangrentas inspirou-se em outro projeto social,<br />

o Rompendo Fronteiras, que desde 2001 busca levar o trabalho social onde<br />

ele é necessário, independentemente de conflitos. Em Parada de Lucas, as<br />

armas são cursos básicos de informática. No Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, a<br />

isca é a linguagem do circo – malabares, trapézio, acrobacias. De lá saíram<br />

dois meninos para o Ringling Bros., o maior circo de picadeiro do mundo.<br />

O prestígio do Afro Reggae também se estende a endereços antes exclusivos<br />

da elite. O Prêmio Orilaxé, entregue a personalidades que contribuíram<br />

com a divulgação e promoção da cultura afro, teve como palco, em 2005, o<br />

Canecão, a mais famosa casa de shows do Rio. Com a presença do ministro<br />

da <strong>Cultura</strong>, Gilberto Gil, um público diferente ocupou a platéia para aplaudir<br />

iniciativas incríveis, como o Juventude e Polícia, espetáculo de dança em parceria<br />

com a Polícia Militar de Minas Gerais. Isso mesmo: PMs fardados dançando<br />

com jovens do Afro, num espetáculo de inesperada harmonia.<br />

As histórias do Afro Reggae chegam agora ao cinema, em cinco<br />

documentários que devem ser lançados em breve. O primeiro a ficar pronto<br />

foi o americano “Favela Rising”, premiado em três mostras. A produção conta<br />

a história de Anderson Sá, sobrevivente da chacina de Vigário Geral, que perdeu<br />

parentes na carnificina, tentou ser traficante, foi baleado, chegou a ficar<br />

paraplégico mas se recuperou, e hoje é mais um “puro-sangue”.<br />

“Temos a cultura do perdedor que deu certo. Sabemos como é o fracasso”,<br />

diz Junior. “Queremos preparar as pessoas para ter poder. A sociedade brasileira<br />

tinha outro destino para elas. Isso precisa mudar.” E assim vai-se alterando a<br />

triste ordem das coisas na desigualdade brasileira. No ritmo do Afro Reggae.<br />

25


horizonte global<br />

por_Cecília Dourado<br />

ilustração_Jotapê<br />

DIÁLOGOS<br />

DE ERAS


O MuseoVivo promove conexões virtuais,<br />

geográficas e de idéias para que os jovens<br />

chilenos conheçam melhor sua cultura ancestral<br />

O que um homem que viveu há 3<br />

mil anos pode ter a dizer a um jovem<br />

que mora numa cidade moderna? O<br />

que um habitante das míticas e remotas<br />

ilhas de Chiloé, no sul do Chile,<br />

tem a dar para um jovem que vive<br />

na capital, Santiago? Para responder<br />

a essas e outras indagações, a Fundação<br />

MuseoVivo propõe o diálogo<br />

social e cultural entre diversas gerações,<br />

etnias, comunidades e culturas<br />

do Chile. Essa fusão de elementos<br />

culturais diversos já começa nos próprios<br />

meios utilizados pela organização<br />

para propagar seu trabalho: outros<br />

museus e espaços, da internet a<br />

praças públicas e bibliotecas ao redor<br />

de fogueiras indígenas.<br />

A fundação desenvolve uma série<br />

de atividades dinâmicas por meio de<br />

conexões virtuais, geográficas e de<br />

idéias, diz sua fundadora e diretora,<br />

a psicóloga Margarita Ovalle. Inicialmente,<br />

ela pensava em fazer “um<br />

museu com conteúdos virtuais vivos”,<br />

mas logo se deu conta de que não<br />

havia necessidade de mais um museu.<br />

“Os museus já existiam, mas faltava<br />

ocupá-los com vida”, diz. Prescindindo<br />

então de um espaço físico<br />

fixo, ela decidiu reunir um acervo “daquilo<br />

que é importante para uma sociedade”<br />

e levar “esses tesouros ao<br />

conhecimento público de diversas formas”.<br />

Pós-graduada em Antropologia, Ovalle parte do princípio<br />

de que o jovem, principalmente, deve ter contato<br />

com culturas múltiplas, em particular com aquelas que<br />

contribuíram para a formação da identidade de seu país<br />

ou região. Na época da globalização, é preciso ter consciência<br />

da riqueza cultural local para avançar, rumo ao<br />

futuro, munido de identidade, dignidade e auto-estima:<br />

“O conhecimento e a convivência com diversos<br />

modos de vida resultam na tolerância e no enriquecimento<br />

cultural”, observa.<br />

Espaços de interação<br />

A fundação promove exposições e conferências em<br />

“museus aliados” e mantém atividades em escolas e universidades,<br />

estações de metrô, praças e ruas. Os “projetos<br />

artísticos e lúdicos”, por exemplo, buscam atrair jovens<br />

para a diversidade cultural com a criação de jogos<br />

em espaços públicos. É o caso da instalação, em parques,<br />

de “quebra-cabeças gigantes” – estruturas de 1,80<br />

m de altura formadas por quatro cubos de madeira sobrepostos,<br />

que lembram totens, mas que são móveis.<br />

As faces dos cubos são pintadas com figuras mitológicas<br />

e históricas do Chile. A idéia é que, ao manipulá-los,<br />

a população, sobretudo crianças e jovens, tenha uma<br />

experiência lúdica com a sua própria história e mitos.<br />

Outro projeto é o das “fogontecas”, iniciadas em<br />

2003 nas ilhas de Chiloé. “Fogon” é uma construção<br />

tradicional indígena: casa pequena, de madeira e, às<br />

vezes, teto de palha, onde as pessoas se reúnem para<br />

contar histórias ao redor de uma fogueira. A MuseoVivo<br />

criou as “fogontecas” – mistura de “fogon” com biblioteca.<br />

Nesses espaços – que já são cinco, alguns dos<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

quais substituem fogueiras por<br />

aquecedores –, as pessoas podem<br />

retirar livros, e jovens e velhos fazem<br />

rodas de conversas. A idéia é resgatar<br />

a bagagem ancestral chilena, não<br />

no sentido de tentar inutilmente deter<br />

o tempo, mas de perceber a “riqueza<br />

que existe numa cultura que<br />

corre o risco de extinção e, assim,<br />

chegar ao futuro com referências<br />

multiculturais”, diz Ovalle.<br />

Segundo a psicóloga, os resultados<br />

têm sido animadores. Os jovens se interessam<br />

pelo que os mais velhos têm<br />

a dizer e descobrem uma grande riqueza<br />

cultural no meio de comunidades<br />

pobres. As gerações passaram a<br />

se encontrar também em outros<br />

eventos, como as festas populares.<br />

Na comunidade de Coldita, em Chiloé,<br />

os moradores editam um boletim, que<br />

é encartado na “Revista MuseoVivo”,<br />

publicada com apoio do Departamento<br />

do Livro e <strong>Cultura</strong>. “A postura dos<br />

jovens que trabalham na publicação<br />

mudou”, conta. “Eles se tornaram<br />

mais seguros e confiantes.”<br />

Para Ovalle, o encorajamento do diálogo<br />

entre culturas é útil e desejável<br />

para toda a América Latina e seria fácil<br />

repetir a experiência chilena em outros<br />

países, “porque estamos trabalhando<br />

com a essência do humano”.<br />

FUNDAÇÃO MUSEOVIVO<br />

REGIÃO DE ATUAÇÃO CHILE, ESPECIALMENTE EM CHILOÉ E SANTIAGO<br />

PROPOSTA Enriquecer a identidade cultural por meio da interação de etnias, visões de mundo e modos de vida<br />

diferentes, num ambiente de respeito; criar diálogo entre diferentes gerações e culturas<br />

JOVENS ATENDIDOS 1.800 por ano, nas comunidades, e outros milhares pela internet<br />

APOIO JOSEPH CAMPBELL FOUNDATION, AVINA, DEPARTAMENTO DO LIVRO E CULTURA, EMPRESAS CHILENAS<br />

CONTATO Tels.: 56 02/2286427 e 56 09/2272647 – www.museovivo.cl – info@museovivo.cl;<br />

movallev@hotmail.com<br />

27


SEXTANTE<br />

A BELEZA<br />

DO HUMANO,<br />

NADA MAIS<br />

A REFLEXÃO DO ARTISTA SOBRE A SERVENTIA DA<br />

ARTE DESCREVE COM APARENTE SIMPLICIDADE O<br />

ENCANTAMENTO DA MAIS ENIGMÁTICA PRODUÇÃO<br />

HUMANA E SEU EFEITO SOBRE O MUNDO<br />

Confesso que, espontaneamente,<br />

nunca me coloquei esta questão:<br />

para que serve a arte? Desde menino,<br />

quando vi as primeiras estampas<br />

coloridas no colégio (que estavam<br />

muito longe de serem obras de arte)<br />

deixei-me encantar por elas a ponto<br />

de querer copiá-las ou fazer alguma<br />

coisa parecida.<br />

Não foi diferente minha reação<br />

quando li o primeiro conto, o primeiro<br />

poema e vi a primeira peça teatral. Não<br />

se tratava de nenhum Shakespeare,<br />

de nenhum Sófocles, mas fiquei encantado<br />

com aquilo. Posso deduzir daí<br />

que a arte me pareceu tacitamente<br />

necessária. Por que iria eu indagar<br />

para que serviria ela, se desde o primeiro<br />

momento me tocou, me deu<br />

prazer?<br />

Mas se, pelo contrário, ao ver um<br />

quadro ou ao ler um poema, eles me<br />

deixassem indiferente, seria natural<br />

que perguntasse para que serviam, por que razão os<br />

haviam feito.<br />

Então, se o que estou dizendo tem lógica, devo admitir<br />

que quem faz esse tipo de pergunta o faz por não<br />

ser tocado pela obra de arte. E, se é este o caso, cabe<br />

perguntar se a razão dessa incomunicabilidade se deve<br />

à pessoa ou à obra. Por exemplo, se você entra numa<br />

sala de exposições e o que vê são alguns fragmentos<br />

de carvão colocados no chão formando círculos ou um<br />

pedaço de papelão de dois metros de altura amarrotado<br />

tendo ao lado uma garrafa vazia, pode você manter-se<br />

indiferente àquilo e se perguntar o que levou alguém a<br />

fazê-lo. E talvez conclua que aquilo não é arte ou, se é<br />

arte, não tem razão de ser, ao menos para você.<br />

Na verdade, a arte – em si – não serve para nada.<br />

Claro, a arte dos vitrais servia para acentuar atmosfera<br />

mística das igrejas e os afrescos as decoravam como<br />

também aos palácios. Mas não residia nesta função a<br />

razão fundamental dessas obras e, sim, na sua capacidade<br />

de deslumbrar e comover as pessoas.<br />

Portanto, se me perguntam para que serve a arte,<br />

respondo: para tornar o mundo mais belo, mais<br />

comovente e mais humano.<br />

Ferreira Gullar, um dos maiores<br />

poetas brasileiros, nascido no<br />

Maranhão (1930), é também<br />

cronista, ensaísta, teatrólogo e<br />

crítico de arte. É autor de livros de<br />

poesia como “Dentro da Noite Veloz”,<br />

“Poema Sujo” e “Na Vertigem do<br />

Dia”, e de ensaios como<br />

“Vanguarda e Subdesenvolvimento”<br />

e “Argumentação Contra a<br />

Morte da <strong>Arte</strong>”<br />

por_Ferreira Gullar<br />

ilustração_Flávio Castellan<br />

Flávio Castellan, 27 anos, é artista<br />

plástico e integra o elenco do ateliê<br />

paulistano Espaço Coringa


por_ Tião Rocha<br />

90º<br />

TODOS TÊM<br />

CULTURA E<br />

TRATA-SE DE UM<br />

BEM UNIVERSAL<br />

PORQUE É A<br />

REDE DE<br />

RELAÇÕES<br />

QUE DEFINE O<br />

DESENHO<br />

DE UMA<br />

COMUNIDADE<br />

Nesta página, trançado de palha de<br />

carnaúba, de Parnaíba, no Piauí; na<br />

página oposta, uma aplicação<br />

“Relógio”, renda feita em São<br />

Sebastião, em Alagoas: a produção<br />

de bens pode ser um indicador<br />

cultural de uma comunidade<br />

ARTE&CULTURA E SOCIEDADE<br />

AS TRAMAS<br />

DA IDENTIDADE<br />

Todo e qualquer ser humano tem cultura. Esta é uma<br />

das poucas “verdades” da Antropologia. Apesar disso,<br />

muita gente ainda pensa que alguns seres humanos<br />

não têm cultura. Uma minoria crê, firmemente, que sua<br />

cultura é superior à dos outros. Outros, por se julgarem<br />

superiores, resolveram eliminar e subjugar os diferentes,<br />

tratando-os como inferiores. E uma grande maioria<br />

acostumou-se a pensar que não tem cultura alguma,<br />

ficando à mercê das elites ditas “cultas”.<br />

Outro equívoco que rodeia a cultura é quanto ao uso<br />

que se faz do conceito. As definições variam do extremamente<br />

amplo (“cultura é tudo aquilo que o homem<br />

acrescenta à natureza” ou “cultura é toda maneira de<br />

pensar, agir e sentir dos homens”) ao extremamente<br />

específico (“cultura é erudição”). Com o uso<br />

indiscriminado ou interesseiro, a palavra cultura tornouse<br />

expressão esvaziada. Foi o que nos levou a construir<br />

um novo conceito, que fosse ao mesmo tempo<br />

operacional, palpável, mensurável, observável, ético e<br />

correto.<br />

Para isso, buscamos outra contribuição da Antropologia:<br />

em toda e qualquer comunidade humana existem e<br />

interagem diversos componentes substantivos (que nós<br />

denominamos “indicadores sociais”) que podem ser identificados,<br />

medidos e observados e que, quando interagem<br />

entre si, constroem desenhos, padrões,<br />

símbolos e valores do grupo humano<br />

que aí vive e que podemos conceituar<br />

de <strong>Cultura</strong>.<br />

Encontramos os indicadores sociais<br />

em qualquer comunidade – rica<br />

ou pobre, urbana ou rural. No entanto,<br />

eles só se tornam um indicador<br />

cultural quando, em contato com outros<br />

indicadores, produzem um novo<br />

desenho, uma teia de relações dinâmicas,<br />

novas tramas e padrões de<br />

convivência, gerando novos valores<br />

ou sendo influenciados pelos valores<br />

universais presentes na comunidade.<br />

A cultura, este desenho, trama ou<br />

padrão dinâmico e interrelacional, é<br />

algo humano e social, público e visível,<br />

mas às vezes microscópico. Podemos,<br />

dentro de uma macrotrama, perceber<br />

microdesenhos simbólicos e repletos<br />

de significantes, como nas festas populares<br />

e de rua ou nos “rituais da ordem”<br />

que simbolizam e mantêm o sistema<br />

político. E é nesse mar de tra-


FOTOS: MARCELO GUARNIERI/ARTESANATO SOLIDÁRIO<br />

Tião Rocha é antropólogo, educador e<br />

folclorista. Foi professor da PUC-MG,<br />

da Universidade Federal de Ouro<br />

Preto e membro do Conselho<br />

Universitário da Universidade<br />

Federal de Minas Gerais. É<br />

presidente do CPCD – Centro Popular<br />

de <strong>Cultura</strong> e Desenvolvimento, que<br />

fundou em 1984, em Minas Gerais<br />

mas, micro e macroscópicas, que navegamos<br />

durante nossa vida.<br />

A seguir, comentamos esses indicadores.<br />

As formas organizativas – Incluem a<br />

família, a vizinhança, os amigos, o grupo<br />

de oração, os companheiros de futebol,<br />

o pessoal do pagode, as comadres<br />

da esquina, os meninos da pelada,<br />

a galera do funk etc. Esse indicador é<br />

fundamental para o moderno conceito<br />

de “capital social”. Estudos demonstram<br />

que quanto mais espaços ou<br />

oportunidades de convivência social<br />

forem oferecidos aos habitantes de<br />

uma comunidade, mais formas e possibilidades<br />

de participação estarão sendo<br />

geradas, ampliando os espaços e os<br />

momentos de protagonismo social e o<br />

acúmulo de capital social.<br />

Nossa experiência nos autoriza afirmar<br />

que onde não há oferta de formas<br />

organizativas em quantidade (e<br />

por isso há poucas oportunidades de<br />

31


90º<br />

OS INDICADORES SOCIAIS SE TORNAM CULTURAIS QUANDO<br />

AFETAM A TRAMA DE RELAÇÕES E VALORES DOS GRUPOS.<br />

ONDE OS ESPAÇOS DE INTERAÇÃO SÃO POUCOS, O TEMPO DE<br />

MUDANÇA TAMBÉM É LENTO<br />

“O talento da periferia não pode ser<br />

descartado. É isso que os jovens do<br />

Jardim Rosana querem mostrar.<br />

Fazemos parte do Jovens Urbanos,<br />

um projeto em parceria com o Cenpec,<br />

Itaú <strong>Cultura</strong>l e organizações de base<br />

das zonas Norte e Sul da capital de<br />

São Paulo. Descobrimos, em atividades<br />

com os moradores da região, que<br />

tínhamos muita história para contar.<br />

Nossa gente escreve livros, faz poesia,<br />

jornalzinho, música, tem lembranças<br />

ricas da vida no bairro que precisam<br />

ser conhecidas e ficar registradas.<br />

Tomamos então a iniciativa de criar a<br />

Rádio Busão e uma biblioteca.<br />

Estamos buscando a doação de um<br />

ônibus para tornar esses projetos<br />

itinerantes. Queremos divulgar nossa<br />

produção cultural no próprio bairro e<br />

também levar para outros bairros e<br />

até outros estados. Queremos<br />

promover novos talentos. Acredito<br />

que valorizar a própria cultura cria<br />

um caminho diferente de identidade<br />

para os jovens, eleva a auto-estima,<br />

cria reflexos para um futuro melhor.<br />

O pessoal da periferia tem<br />

criatividade e precisa ter esperança<br />

nela, não pode ter vergonha de<br />

mostrar o que sabe fazer.”<br />

MARCOS FERNANDES /AGÊNCIA LUZ<br />

AMANDA VIEIRA<br />

CAVALCANTI, 18 ANOS,<br />

participante do projeto Rádio Busão,<br />

que integra o programa Jovens Urbanos<br />

participação e de protagonismo), o<br />

tempo de resposta aos problemas é<br />

muito lento. O tempo de rotinas aumenta<br />

e o tempo de desejos e desafios<br />

decresce. A lentidão é observada<br />

na falta de vontade e ambição das<br />

pessoas, principalmente dos jovens,<br />

na baixa estima social da coletividade,<br />

no comodismo e atraso em relação<br />

a outras comunidades.<br />

Isso explica por que as jovens do<br />

“sertão das gerais”, aos 17 ou 18<br />

anos, começam a ficar “desesperadas”<br />

porque ainda não se casaram,<br />

“porque já passaram da época”. É<br />

que, na percepção delas, o tempo de<br />

juventude e de sonho já se realizou.<br />

Elas vivem em cidades que não têm<br />

cinema, grupo de teatro, biblioteca,<br />

festas populares, locadora de vídeos,<br />

grupos de jovens, coral ou banca de<br />

jornais. Não acontece nada nos fins<br />

de semana e muito menos no meio<br />

da semana. O mundo externo entra<br />

filtrado pela tela da TV ou pelas ondas<br />

do rádio. Por isso a maioria tem<br />

na própria TV (ou rádio) o seu instrumento<br />

de formação de “capital social”,<br />

ou seja, há um crescente processo<br />

de terceirização do desejo e alienação<br />

da vontade, gerando a nãoparticipação<br />

e o não-protagonismo.<br />

As formas do fazer – São as respostas<br />

produzidas pelos homens às múltiplas<br />

necessidades humanas. Uma<br />

resposta bem-sucedida significa incorporação<br />

de um resultado. Assim surge<br />

o “uso” que, de caráter pessoal,<br />

passa a ser um “hábito” ao tornar-se


de domínio de um grupo maior. A prática<br />

de um hábito cria o “costume”,<br />

uma das marcas de uma coletividade.<br />

A permanência do costume no tempo<br />

cria a “tradição”, marca registrada do<br />

fazer e do saber fazer de uma comunidade<br />

ou de um povo.<br />

Esse processo de acumulações<br />

sucessivas, sistemáticas e sempre<br />

atualizadas (porque contemporâneas),<br />

constitui a base da produção<br />

do conhecimento, seja de cunho científico<br />

(porque usa métodos para a<br />

compreensão de variados objetos),<br />

seja de caráter tecnológico (porque<br />

produz materiais, soluções e técnicas<br />

facilitadoras), seja de essência artística<br />

(porque atende a valores estéticos,<br />

sentimentais e não-tangíveis da<br />

humanidade, por meio de música,<br />

teatro, poesia, pintura etc.).<br />

Os sistemas de decisão – Referemse<br />

ao político, à autoridade, à liderança,<br />

aos poderes de decisão – macro e<br />

microinstitucionais e não institucionalizados.<br />

Aparecem ostensiva (como nos<br />

caso das lideranças políticas, jurídicas,<br />

militares etc.) ou subliminarmente,<br />

como no ambiente familiar, em que pai<br />

e mãe têm poderes de decisão.<br />

As relações de produção – Tratase<br />

do econômico, do mundo do trabalho,<br />

das forças produtivas – quem<br />

produz o que e para quem – de um<br />

grupo social. É observável nas formas<br />

convencionais de relações de produ-<br />

ção e de trabalho, assalariadas ou formais, e em todas<br />

as esferas da rede produtiva e reprodutiva de bens e<br />

serviços, remunerados ou não.<br />

O meio ambiente – Ou o contexto, o entorno, o ecológico.<br />

O homem é produtor e produto, processo e resultado<br />

do meio onde vive, parte integrante do ecossistema.<br />

Considerar o meio ambiente como um indicador social é<br />

compreendê-lo além de sua face meramente física e<br />

natural, como um elemento substantivo na constituição<br />

das expressões simbólicas, relações e processos humanos<br />

que serão o pano de fundo sobre o qual se construirá<br />

o desenho cultural de uma comunidade.<br />

A memória – Refere-se ao passado, à origem. Todos<br />

nós recebemos, desde o nascimento, uma carga de informações<br />

sobre o nosso passado recente ou remoto,<br />

guardado pela história ou pelo inconsciente coletivo ou<br />

pela tradição familiar. A memória de um grupo social se<br />

expressa em seus rituais sacros e profanos, repletos<br />

de elementos simbólicos perpetuadores dos vínculos e<br />

das matrizes geradoras desta comunidade.<br />

A visão de mundo – É o religioso, o filosófico, o depois, o<br />

futuro, o sonho. É movido pela idéia do porvir que o homem<br />

investe seu tempo e energia para aprender, dominar,<br />

transformar e se apropriar do mundo à sua volta. Existe<br />

uma ligação entre a memória e a visão de mundo: quanto<br />

mais pudermos voltar no passado e na memória, mais longe<br />

poderemos chegar em direção ao futuro, ao estabelecermos<br />

links e passagens de força, equilíbrio e coerência<br />

entre o ontem e o amanhã. Mas é preciso cuidado para<br />

não se ficar preso ao passado. Quem não consegue ligá-lo<br />

de forma coerente ao seu presente, não consegue construir<br />

uma perspectiva de futuro de seu próprio mundo.<br />

Com esses indicadores construímos o “nosso” modelo<br />

de <strong>Cultura</strong>: esta rede e trama de relações que forma<br />

um padrão ou um desenho definidor da identidade<br />

da comunidade ou grupo social. E podemos pensar em<br />

processo cultural como a interação e<br />

as dinâmicas que afetam o padrão ou<br />

desenho. Assim, entendemos que um<br />

“projeto de desenvolvimento” (de<br />

qualquer natureza) é uma ação-intervenção<br />

planejada no desenho cultural<br />

(e suas relações) de uma comunidade.<br />

O planejamento de um desenho<br />

cultural brasileiro – seja local, regional<br />

ou nacional –, que constitui o<br />

cerne das propostas e políticas de desenvolvimento,<br />

deveria ter então<br />

como premissa e ênfase a heterogeneidade<br />

e a diversidade culturais, que<br />

de fato constituem a marca de nossa<br />

nacionalidade, o caráter de nosso país<br />

e sua verdade histórica.<br />

Percebê-las em seus microcosmos<br />

– escola, família e comunidade – torna-se<br />

uma das tarefas dos educadores.<br />

Canalizá-las para construções<br />

pedagógicas que favoreçam novos<br />

processos de apropriação de conhecimentos,<br />

geradores de “oportunidades-e-de-opções”,<br />

pode ser o principal<br />

trabalho da escola.<br />

Esta é, cremos nós, a finalidade da<br />

cultura: ser instrumento eficaz do conhecimento,<br />

possibilitando leituras mais<br />

densas, mais ricas, mais sábias, mais<br />

abrangentes e mais humanas da nossa<br />

“travessia”, nessa busca permanente<br />

e vocação natural para ser feliz.<br />

Aplicação “Espinha de Peixe”, renda<br />

feita em São Sebastião (AL)<br />

33


180º<br />

LIÇÕES<br />

ARTE&CULTURA E EDUCAÇÃO<br />

DE LIBERDADE<br />

A ARTE-EDUCAÇÃO ESTIMULA O<br />

DESENVOLVIMENTO CULTURAL E COGNITIVO,<br />

MAS AS AMARRAS DA ESCOLA FORMAL LIMITAM<br />

O PRAZER NECESSÁRIO À APRENDIZAGEM<br />

por_Ana Mae Barbosa<br />

fotos_Henk Nieman<br />

No Brasil, muitas das ONGs que têm obtido sucesso<br />

na ação com os excluídos, esquecidos ou desprivilegiados<br />

da sociedade estão trabalhando com arte e até vêm ensinando<br />

às escolas formais a lição da arte como caminho<br />

para recuperar o que há de humano no ser humano.<br />

Entretanto, um problema está se criando. As ONGs,<br />

sem compromisso com a camisa-de-força representada<br />

pelo currículo, desenvolvem nos participantes fora do<br />

sistema escolar a capacidade de aprender, levando-os a<br />

descobrir suas habilidades e a ter alegria com as descobertas.<br />

Enfim, recuperam crianças e jovens para devolvêlas<br />

a uma escola cujo maior valor é hoje a obediência a<br />

um currículo nacional e aos instrumentos de controle do<br />

Estado – os testes e exames –, como manda o credo<br />

neoliberal, e não o estímulo para aprender a aprender.<br />

As chances de essas crianças e esses jovens serem<br />

rejeitados pela escola e voltar à rua, que é muito mais<br />

atraente, são muitas.<br />

O desejo de aprender é análogo ao desejo ficcional.<br />

Por meio da arte, o sujeito, tanto nas relações com o<br />

inconsciente como nas relações com o outro, põe em<br />

jogo a ficção e a narrativa de si mesmo. Nisto reside o<br />

prazer da arte. Sem a experiência do prazer da arte,<br />

por parte de professores (ou mediadores) e alunos,<br />

nenhuma teoria de arte-educação será reconstrutora.


Desenvolvimento cognitivo<br />

No Modernismo, falava-se em arte na educação para<br />

o desenvolvimento da sensibilidade, mas poucos tentaram<br />

conceituar esta sensibilidade, deixando-se dominar<br />

pela “lamúria psicologizante” e pelo sentimentalismo.<br />

Hoje, principalmente, se aspira influir positivamente<br />

no desenvolvimento cultural e cognitivo dos estudantes<br />

por meio do ensino/aprendizagem da arte. Não<br />

podemos entender a cultura de um país sem conhecer<br />

sua produção artística. A arte, como uma linguagem<br />

aguçadora dos sentidos, transmite significados que não<br />

podem ser veiculados por nenhuma outra linguagem,<br />

como a discursiva ou a científica. Dentre os gêneros<br />

artísticos, os visuais, tendo a imagem como matériaprima,<br />

tornam possível também a visualização de quem<br />

somos, onde estamos e como sentimos.<br />

A arte na educação, como expressão pessoal e como<br />

produção cultural, é um importante instrumento para a<br />

identificação social e o desenvolvimento individual. Por<br />

meio da arte, é possível desenvolver a percepção e a<br />

imaginação para apreender a realidade do meio ambiente,<br />

desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar<br />

a realidade percebida e desenvolver a criatividade<br />

de maneira a mudar a realidade que foi analisada.<br />

O conceito de criatividade também se ampliou. Para a<br />

educação modernista, dentre os processos mentais envolvidos<br />

na criação, a originalidade era o mais valorizado<br />

– daí o apego do Modernismo à idéia de vanguarda. Nos<br />

dias de hoje, a flexibilidade e a elaboração são os fatores<br />

da criatividade mais ambicionados pela educação.<br />

Em Nova York, nos anos 80, uma pesquisa com delinqüentes<br />

juvenis concluiu que eles tinham a capacidade<br />

de elaboração muito pouco desenvolvida. Era,<br />

dos fatores criadores, o menos desenvolvido entre os<br />

jovens em conflito com a lei. Tinham muita dificuldade<br />

em reelaborar o seu meio ambiente para melhor<br />

adaptá-lo aos seus desejos e necessidades. Essa incapacidade<br />

freqüentemente gerava violência. Envolvida<br />

em projetos artísticos, a grande maioria deles foi<br />

capaz de sobrepujar suas limitações conjunturais e<br />

reconstruir suas vidas.<br />

35


180º<br />

“Participo há pouco mais de dois<br />

anos do projeto Dança Comunidade,<br />

desenvolvido pelo coreógrafo Ivaldo<br />

Bertazzo, em São Paulo. Não<br />

aprendo só a arte da dança, mas<br />

coisas que vou usar para o resto da<br />

vida. O trabalho com o corpo inclui,<br />

por exemplo, aulas de fisioterapia,<br />

música, percussão rítmica, artes<br />

circences e de origami - que é<br />

importante pois é uma arte<br />

introspectiva, que faz surgir o que<br />

está dentro de você assim como na<br />

dança. A gente também participa de<br />

reuniões com médicos, que falam<br />

sobre saúde, e de grupos de reflexão,<br />

com psicólogo, assistente social e<br />

pedagogo, onde se conversa sobre a<br />

vida pessoal e as atividades do<br />

projeto. Isso deixa a cabeça mais<br />

aberta para se expressar e receber<br />

críticas. Enfim, o que ganho no<br />

projeto é ouro em pó, e procuro<br />

agarrar tudo. Estou sempre<br />

aprendendo sobre culturas diferentes<br />

e percebo que isso torna a gente mais<br />

versátil. A gente se dá conta de que a<br />

arte não está só no palco, mas em<br />

tudo. Ela é importante para sentir o<br />

conhecimento. Se tivesse mais arte<br />

na escola, seria mais legal. Do jeito<br />

que é o ensino hoje, você só vê aluno<br />

com sono e professor desestimulado.<br />

A arte devia fazer parte de todo<br />

aprendizado.”<br />

POR MEIO DA ARTE É POSSÍVEL<br />

DESENVOLVER A PERCEPÇÃO, A<br />

IMAGINAÇÃO, A CAPACIDADE CRÍTICA E A<br />

CRIATIVIDADE, PARA MUDAR A REALIDADE<br />

MAYKO PEREIRA<br />

CESAR DIAS CIQUEIRA,<br />

16 ANOS,<br />

é bailarino, estudante do 2º ano do<br />

ensino médio e integrante do projeto<br />

Dança Comunidade<br />

(www.ivaldobertazzo.com.br)<br />

Desafios na escola<br />

Desconstruir para reconstruir, selecionar,<br />

reelaborar, partir do conhecido<br />

e modificá-lo de acordo com o<br />

contexto e a necessidade, são processos<br />

criadores desenvolvidos pelo<br />

fazer e ver arte, fundamentais para<br />

a sobrevivência no mundo cotidiano.<br />

E muitos projetos com crianças e jovens,<br />

no Brasil, estão mostrando<br />

esse poder da “ordem oculta da<br />

arte”. Há muito educador, herói anônimo<br />

no Brasil, se dedicando às suas<br />

comunidades.<br />

O trabalho de arte nas comunidades<br />

vem confirmando que arte não é<br />

apenas uma mercadoria, como querem<br />

os capitalistas, nem quadro para<br />

pendurar na parede, como dizem com<br />

menosprezo os preconceituosos que<br />

acham que arte é um luxo sem o qual<br />

um país endividado como o nosso<br />

pode passar. Essa é a desculpa que<br />

escolas estão dando para retirar as<br />

disciplinas de <strong>Arte</strong> do ensino médio<br />

no Estado de São Paulo. A idéia é colocar<br />

Computação no lugar da <strong>Arte</strong>.<br />

Por que não, em vez disso, arte por<br />

meio do computador?<br />

Outra estratégia para burlar a Lei<br />

de Diretrizes e Bases da Educação<br />

(que exige arte no currículo) é deixar<br />

<strong>Arte</strong> para os professores de Literatura<br />

ensinarem, com a manipuladora<br />

desculpa da interdisciplinaridade.<br />

Sim, literatura é arte, mas não desenvolve<br />

as linguagens visuais, sonoras<br />

e gestuais.


Sem a experiência<br />

do prazer da arte,<br />

por parte de<br />

educadores e<br />

alunos, nenhuma<br />

teoria de<br />

arte-educação<br />

será reconstrutora<br />

Democracia e marketing<br />

É por essas e outras que as ONGs, com muito menos<br />

dinheiro do que os governos vêm gastando em Educação,<br />

conseguem educar melhor e combater muito mais eficientemente<br />

a exclusão e a violência. Sobretudo quando não se<br />

trata de marketing empresarial, mas de projeto comunitário<br />

mesmo, em que os participantes têm poder de decisão.<br />

É muito importante democratizar o poder nos projetos<br />

sociais. Que direito temos nós de decidir o que é mais<br />

importante para uma comunidade, se não fazemos parte<br />

dela? Dar voz aos oprimidos deveria ser o primeiro<br />

mandamento dos projetos ditos sociais. Decidir sem<br />

ouvir, o governo já faz continuamente. Para compensar,<br />

o poder do terceiro setor deveria ser mais dialogal.<br />

Há também artistas ditos voluntários (mas algumas<br />

vezes com gordas verbas de terceiros), que apenas exploram<br />

os participantes, fazendo-os trabalharem de graça<br />

em projetos totalmente definidos e controlados pelos<br />

próprios artistas. Muitas vezes, apesar das boas intenções,<br />

porque não sabem lidar com comunidade ou<br />

com aprendizagem de arte, voluntários e artistas acrescentam<br />

mais um nível de exploração aos já tão explorados.<br />

É necessário conhecer e analisar o processo de trabalho<br />

em comunidade para avaliar e julgar sua propriedade.<br />

Nos trabalhos desenvolvidos por Rachel Mason na<br />

Inglaterra e no programa Quietude da Terra, do Projeto<br />

Axé, de Salvador, por exemplo, os artistas trabalharam<br />

assistidos por arte-educadores, o que garantiu um processo<br />

realmente educacional a favor da inclusão.<br />

Lidar com os excluídos, levando-os a se verem como<br />

pessoas plenas, apesar da exclusão, não é tarefa fácil.<br />

Qualquer deslize potencializa a exclusão.<br />

O cineasta Sergio Bianchi, em entrevista acerca de seu<br />

último filme, “Quanto Vale ou É por Quilo?”, que enfoca o<br />

“marketing social”, lembrava que está se criando uma<br />

nova escravidão: a escravidão comandada pelo chamado<br />

terceiro setor que só quer propaganda. Realmente,<br />

para muitas organizações que desenvolvem<br />

“trabalho social”, o marketing<br />

da empresa vem em primeiro lugar.<br />

Outras instituições só apóiam economicamente<br />

projetos que possam se<br />

auto-sustentar em determinado prazo.<br />

Mas há práticas sociais, como o Majê<br />

Molê, grupo de dança da periferia pobre<br />

do Recife, que nunca poderão se financiar,<br />

a não ser que se comercializem,<br />

o que resulta sempre em exclusão dos<br />

menos dotados e talentosos, que também<br />

muito necessitam do contato<br />

reconstrutor com a arte.<br />

Mas, apesar de algumas vezes submetido<br />

a um certo marketing sanguessuga,<br />

o movimento de arte para a reconstrução<br />

social vem demonstrando<br />

a necessidade da arte para todos os<br />

seres humanos, por mais inumanas<br />

que tenham sido as condições que a<br />

vida lhes impôs.<br />

Ana Mae Barbosa é professora da<br />

Universidade de São Paulo, pioneira<br />

dos estudos de arte-educação no<br />

Brasil e autora de vários livros<br />

sobre o tema. Dirigiu o Museu de<br />

<strong>Arte</strong> Contemporânea da<br />

Universidade de São Paulo em 1987 e<br />

elaborou a proposta de arteeducação<br />

apoiada no tripé: ver arte,<br />

contextualizar o que se vê, e fazer<br />

37


270º<br />

por_Leonardo Brant<br />

fotos_Henk Nieman<br />

O NEGÓCIO<br />

ARTE&CULTURA E MERCADO<br />

DA CULTURA<br />

A INCORPORAÇÃO DE ELEMENTOS DA ECONOMIA DE MERCADO<br />

PARA ALAVANCAR AS CULTURAS LOCAIS É LEGÍTIMA. OS RISCOS<br />

SÃO A MERCANTILIZAÇÃO E O PODER CONCENTRADOR DAS<br />

GRANDES INDÚSTRIAS CULTURAIS<br />

Peças da exposição 100 latas,<br />

com intervenções de vários<br />

artistas em latas de spray e que<br />

inaugurou a Grafiteria, espaço<br />

dedicado à arte de rua, em São<br />

Paulo: há novidades nas<br />

prateleiras do mercado cultural<br />

É válido pensar que a atividade cultural é essencialmente<br />

econômica. Ou até imaginar que o pensamento<br />

econômico, em si, parte de processos culturais. Discordo<br />

da dicotomia entre cultura e economia. Contesto,<br />

porém, qualquer argumento que insira a cultura numa<br />

dinâmica meramente mercadológica e economicista,<br />

avaliando-a pelo número, pelo indicador, pelos empregos<br />

e pela pujança da sua cadeia produtiva.<br />

A globalização tem nos mostrado que o crescimento<br />

desenfreado da atividade cultural traz efeitos nem sempre<br />

favoráveis para as culturas locais. O Relatório do PNUD<br />

(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)<br />

de 2004, intitulado “A Liberdade <strong>Cultura</strong>l no Mundo Diversificado”<br />

traz o seguinte: “O comércio mundial de bens<br />

culturais – cinema, fotografia, rádio e televisão, material<br />

impresso, literatura, música e artes visuais - quadruplicou,<br />

passando de 95 bilhões de dólares em 1980 para<br />

mais de 380 bilhões em 1998”. Mas faz a ressalva: “na<br />

indústria cinematográfica, as produções dos Estados Uni-<br />

dos representam, normalmente, cerca<br />

de 85% das audiências de cinema<br />

em todo o mundo”.<br />

O documento da ONU também nos<br />

alerta para a excessiva concentração<br />

do dinheiro provindo das indústrias<br />

culturais. Se, por um lado, tememos<br />

seu efeito nas culturas locais, por outro,<br />

observamos um enorme potencial<br />

alavancador dessas culturas. Daí<br />

a minha empolgação com o desafio,<br />

também de origem, de acreditar que<br />

os elementos da economia de mercado<br />

são passíveis de incorporação<br />

por toda uma gama de produtores<br />

culturais e artistas, trazendo possibilidades<br />

reais de auto-sustentabilidade.<br />

E, por que não dizer, de<br />

transformação social.


270º<br />

“Sempre gostei de música e um<br />

professor me encaminhou ao<br />

<strong>Instituto</strong> Criar de TV e Cinema,<br />

em São Paulo, para fazer uma<br />

oficina de audiovisual. Foi um ano<br />

de curso, que terminou em junho, e<br />

uma superexperiência, porque me<br />

envolvi com as outras oficinas,<br />

aprendendo um pouco de câmera,<br />

computação gráfica, iluminação,<br />

edição. Além do aprendizado<br />

técnico, tive aulas de inglês,<br />

história do cinema, criatividade e<br />

expressão e sobre os meios de<br />

comunicação. Eu era leigo em tudo<br />

isso, hoje tenho conhecimentos e<br />

uma visão bem mais crítica. Quero<br />

unir música e cinema. A participação<br />

nesse projeto está me abrindo<br />

as portas para o mercado de<br />

trabalho, mas principalmente<br />

abrindo minha cabeça para<br />

valorizar a produção cultural<br />

brasileira. Virei monitor de áudio<br />

no projeto e, com os monitores de<br />

outras oficinas, estamos criando<br />

uma produtora do <strong>Instituto</strong> Criar<br />

e também um núcleo jovem para<br />

levar nossas experiências para<br />

outras instituições sociais. Serão<br />

novas idéias, novos olhares, novos<br />

talentos e cabeças pensando, e tudo<br />

isso só pode enriquecer a arte e ser<br />

bom para o Brasil.”<br />

BEATRIZ ASSUMPÇÃO<br />

PESQUISAS MOSTRAM QUE NO BRASIL A<br />

RELAÇÃO ENTRE INVESTIMENTO E VAGAS<br />

GERADAS NA ÁREA É MUITO GRANDE E A<br />

OFERTA CULTURAL, MUITO PEQUENA<br />

GUILHERME RAMOS DE SOUZA,<br />

18 ANOS,<br />

é estudante do 3º ano do ensino médio e monitor<br />

no <strong>Instituto</strong> Criar de TV e Cinema<br />

(www.institutocriar.org)<br />

Estava prevista para o mês de outubro<br />

a 33ª Conferência Geral da<br />

Unesco, ocasião em que seria promulgada<br />

uma Convenção Internacional<br />

sobre diversidade cultural. Costumo<br />

apelidá-la de “Protocolo de Kyoto<br />

da <strong>Cultura</strong>”, dada a sua importância<br />

nesse cenário de riqueza e desigualdade.<br />

O documento traz uma série de<br />

recomendações aos países-membros,<br />

no sentido da adoção de políticas<br />

próprias para a cultura, bem<br />

como a outros organismos internacionais,<br />

como Organização Mundial<br />

do Comércio e demais órgãos das Nações<br />

Unidas.<br />

Não podemos nos esquivar diante<br />

da mais evidente – e trágica – conexão<br />

entre cultura e economia, senão<br />

a da intencional transformação de<br />

hábitos e costumes culturais em dinâmicas<br />

meramente mercadológicas.<br />

“Pesquisas de mercado identificaram<br />

uma ‘elite mundial’, uma classe média<br />

mundial que segue o mesmo estilo<br />

de consumo e prefere ‘marcas mundiais’.<br />

O mais impressionante são os<br />

‘adolescentes mundiais’, que habitam<br />

um ‘espaço mundial’, com uma única<br />

cultura pop mundial, absorvendo os<br />

mesmos vídeos e a mesma música e<br />

proporcionando um mercado enorme<br />

para tênis, t-shirts e jeans de marca”,<br />

reflete ainda o relatório do PNUD.<br />

E esse não é um único viés da<br />

“mercantilização” da cultura. Naomi<br />

Klein, autora do excelente “No Logo”,<br />

traz algumas indagações a respeito de<br />

processo de apropriação da cultura<br />

pelo mundo corporativo. O foco é o patrocínio.<br />

“Embora nem sempre seja a


intenção original, o efeito do<br />

“branding” avançado é empurrar a cultura<br />

que a hospeda para o fundo do<br />

palco e fazer da marca a estrela. Isso<br />

não é patrocinar cultura, é ser cultura.<br />

E por que não deveria ser assim? Se<br />

as marcas não são produtos, mas conceitos,<br />

atitudes, valores e experiências,<br />

por que também não podem ser cultura?<br />

Esse projeto tem sido tão bemsucedido<br />

que os limites entre patrocinadores<br />

corporativos e a cultura patrocinada<br />

desaparecem completamente.”<br />

Esse processo consolida a<br />

“coisificação do ser e a humanização<br />

das coisas”, segundo o antropólogo<br />

italiano Massimo Canevacci, autor do<br />

livro “<strong>Cultura</strong>s Extremas”.<br />

A International Network for <strong>Cultura</strong>l<br />

Diversity (www.incd.net) promove essa<br />

pauta junto aos associados em mais<br />

de 50 países. Trabalha pelo desenvolvimento<br />

cultural local em face do processo<br />

de homogeneização da cultura,<br />

impetrado sobretudo pela voracidade<br />

dos conglomerados globais da indústria<br />

cultural. Fruto desse trabalho de<br />

pesquisa e discussão e pressão junto<br />

a organismos internacionais como<br />

Unesco, OMC e demais células do sistema<br />

ONU, está a criação no Brasil do<br />

<strong>Instituto</strong> Diversidade <strong>Cultura</strong>l (www.<br />

diversidadecultural.org.br) e a publicação<br />

do livro “Diversidade <strong>Cultura</strong>l”, lançado<br />

recentemente pela editora Escrituras,<br />

em parceria com o <strong>Instituto</strong><br />

Pensarte. A tônica geral da publicação,<br />

que traz 17 textos de especialistas<br />

internacionais, volta-se para a análise<br />

e a proposição de mecanismos internacionais<br />

que auxiliem a salvaguarda<br />

dessas culturas, tanto quanto sua promoção nos ambientes<br />

internos.<br />

Pesquisa da Fundação João Pinheiro, publicada em<br />

1998 pelo Ministério da <strong>Cultura</strong>, aponta que 1% do PIB<br />

brasileiro seria gerado pela cultura. A cada 1 milhão de<br />

reais investido, teríamos 160 postos de trabalho. A relação<br />

emprego/investimento seria a melhor do Brasil,<br />

mesmo em comparação com a indústria automotiva e<br />

de tecnologia. Num país em que o desafio de geração<br />

de trabalho e renda para os jovens em idade de ingressar<br />

no mercado de trabalho é enorme, isso poderia significar<br />

um grande potencial.<br />

Dados de uma pesquisa realizada pelo IBGE em 1999<br />

demonstram, por outro lado, a ausência da oferta cultural<br />

no Brasil: 82% dos municípios brasileiros não possuíam<br />

museus, 84,5% não tinham teatro, 92% não tinham<br />

sequer uma sala de cinema e cerca de 20% não<br />

tinham bibliotecas públicas. Mesmo aqueles municípios<br />

que contavam com bibliotecas, 69% deles possuíam<br />

apenas uma e, nos municípios com até 20 mil habitantes,<br />

935 não tinham nenhuma.<br />

Nos municípios com até 5 mil habitantes, a presença<br />

de livrarias e lojas que vendem discos, fitas e CDs era<br />

muito rara, com percentuais de 13,6% e 5,6%, respectivamente.<br />

E em termos de território brasileiro, dos<br />

5.506 municípios pesquisados, 65% não possuíam esse<br />

comércio. Nos municípios com mais de 50 mil habitantes,<br />

90% tinham esse tipo de loja e, como já era de se<br />

esperar, todos os grandes centros urbanos possuíam<br />

esse gênero de comércio, com destaque para a Região<br />

Sul, onde em 60% dos municípios se identificaram livrarias<br />

e em 40% lojas de discos, fitas e CDs.<br />

Esses dados apontam para um estrangulamento da<br />

capacidade econômica, com uma grande concentração<br />

nos grandes centros, que obviamente não é capaz de<br />

absorver a grande miríade criativa da cultura brasileira.<br />

Por outro lado, mostra a oportunidade de se investir<br />

num mercado promissor e necessário para a própria<br />

valorização das manifestações culturais locais e para o<br />

desenvolvimento de nossas crianças e jovens. Nesse<br />

caso, bom negócio para o Brasil.<br />

Leonardo Brant é presidente da Brant<br />

Associados e do <strong>Instituto</strong> Diversidade<br />

<strong>Cultura</strong>l, autor dos livros “Mercado<br />

<strong>Cultura</strong>l, Políticas <strong>Cultura</strong>is”, vol.1<br />

(org.) e “Diversidade <strong>Cultura</strong>l” (org.)<br />

41


360º<br />

ARTE&CULTURA E CONTEXTO<br />

A PULSAÇÃO DO<br />

NOSSO TEMPO<br />

A ARTE CONTEMPORÂNEA SUPERA AS DIVISÕES DO<br />

MODERNISMO E REFLETE O ESPÍRITO DE NOSSA ÉPOCA,<br />

OCUPADA COM AS QUESTÕES DA IDENTIDADE: O CORPO, O<br />

AFETO, A MEMÓRIA<br />

por_Katia Canton Já dizia o crítico brasileiro Mario Pedrosa que “arte é o<br />

exercício experimental da liberdade”. Eis uma ótima definição,<br />

sobretudo se entendermos que o conceito de<br />

liberdade depende de um contexto para se definir. O que<br />

é considerado um ato ou um pensamento de liberdade<br />

em um determinado momento histórico não o é necessariamente<br />

em outro. Em se tratando de arte, então, é<br />

importante que prestemos atenção nos sinais dos tempos<br />

e em seus significados.<br />

Bem, e qual é o significado da arte? Para começar, podemos<br />

dizer que ela provoca, instiga, estimula nossos sentidos,<br />

de forma a descondicioná-los, isto é, a retirá-los de<br />

uma ordem preestabelecida, sugerindo ampliadas possibilidades<br />

de viver e de se organizar no mundo. Como escreve<br />

o poeta Manoel de Barros: “Para apalpar as intimidades do<br />

Katia Canton é PhD em <strong>Arte</strong>s pela mundo é preciso saber: / a) que o esplendor da manhã não<br />

Universidade de Nova York, docente e se abre com faca / b) o modo como as violetas preparam o<br />

curadora de arte do Museu de <strong>Arte</strong> dia para morrer / c) por que é que as borboletas de tarjas<br />

Contemporânea, da Universidade de vermelha têm devoção por túmulos / d) se o homem que<br />

São Paulo, autora de vários livros, toca de tarde sua existência num fagote tem salvação (...)<br />

entre eles “Retrato da <strong>Arte</strong> Moderna” Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios (...) / As<br />

coisas não querem mais ser vistas por /<br />

pessoas razoáveis:/ Elas desejam ser<br />

olhadas de azul — / que nem uma criança<br />

que você olha de ave”.<br />

A arte ensina justamente a desaprender<br />

os princípios do óbvio que é atribuído<br />

aos objetos, às coisas. Ela parece esmiuçar<br />

o funcionamento das coisas da<br />

vida, desafiando-as, criando para elas<br />

novas possibilidades. Ela pede um olhar<br />

curioso, livre de “pré-conceitos”, mas<br />

cheio de atenção. Os jovens já têm essa<br />

disponibilidade, mas é preciso estimular<br />

seu convívio com arte para facilitar e<br />

aprimorar essa percepção.<br />

Agora, ao mesmo tempo em que se<br />

nutre da subjetividade, há outra importante<br />

parcela da compreensão da<br />

arte que é constituída de conhecimento<br />

objetivo, envolvendo a história<br />

- da arte e dos homens -, para que,


com esse material, se possa estabelecer<br />

um grande número de relações.<br />

Para contar essa história, a arte precisa<br />

ser plena de verdade, refletindo<br />

o espírito do tempo, com a visão, o<br />

pensamento e o sentimento das pessoas<br />

em seus momentos.<br />

Parece complicado? Pois pensar na<br />

arte como um conhecimento vivo, um<br />

tecido onde se costuram diariamente<br />

fios que compõem a vida, é uma forma<br />

de entender por que razão a maneira de<br />

encará-la também se modifica no decorrer<br />

dos contextos sócio-históricos. É<br />

mais que desejável, então, que os jovens<br />

se acostumem a pensar também sobre<br />

a arte de seu próprio tempo.<br />

<strong>Arte</strong> moderna e vanguardas<br />

De modo geral, podemos afirmar que a arte moderna,<br />

que se iniciou a partir da segunda metade do século 19<br />

e abarcou todo o século 20, teve como mola propulsora<br />

o conceito de vanguarda. E o que isso significa?<br />

O termo vem do francês “avant-garde”, que quer dizer<br />

“à frente da guarda”. É um termo de guerra, que<br />

pressupõe duas idéias básicas: a de se estar “à frente”,<br />

isto é, de fazer algo novo, e a de “guarda”, que se<br />

liga à luta, à ruptura. Eram esses os desejos dos artistas<br />

modernos. As bases de todos os movimentos que<br />

eles criaram, independente de suas singularidades,<br />

estão ligadas às noções de novo e de ruptura.<br />

Buscando criar obras cada vez mais inovadoras e que<br />

pudessem romper com a ordem vigente é que os artistas<br />

modernos elaboraram seus movimentos. Afinal de contas,<br />

esses artistas pertenceram a uma era tremendamente<br />

Espécimes da Flora, um óleo sobre<br />

tela e napa, obra da artista plástica<br />

brasileira Adriana Varejão<br />

43


A ARTE DESAFIA O ÓBVIO E SUA COMPREENSÃO EXIGE UM<br />

OLHAR CURIOSO, ATENTO E SEM PRECONCEITOS. OS<br />

JOVENS JÁ TÊM ESSA DISPONIBILIDADE, MAS PRECISAM<br />

DE CONHECIMENTO PARA APRIMORÁ-LA<br />

“Com 15 anos, eu não sabia nada de<br />

música. Gostava só de rock e tinha<br />

vontade de tocar violão. Aí minha<br />

mãe me falou de um curso de<br />

música. Era o projeto Acordes Pão de<br />

Açúcar. Como o curso era de<br />

instrumentos de corda, me interessei,<br />

mas não tinha violão, só violino,<br />

viola, violoncelo e contrabaixo. Para<br />

começar, eu tinha de ver uma<br />

apresentação da orquestra do<br />

projeto. Por ser orquestra, a minha<br />

expectativa era que o programa<br />

seria chato, coisa erudita. Mas gostei<br />

e vi que com aqueles instrumentos<br />

eles também tocavam música<br />

popular. Comecei aí a aprender que<br />

segregar música, ou qualquer outra<br />

arte, é uma bobagem. Escolhi<br />

aprender violino e não deixei de<br />

gostar de rock, agora entendo mais.<br />

Hoje toco na orquestra do Acordes,<br />

formada por 40 músicos, e também<br />

dou aula no projeto. O Acordes me<br />

abriu um horizonte cultural, não só<br />

na música. A gente tem contato com<br />

história, outras línguas e culturas.<br />

Encontrei também um horizonte<br />

profissional. Estudo música na<br />

Faculdade Santa Marcelina, em São<br />

Paulo, e estou em vias de acertar um<br />

intercâmbio cultural para estudar<br />

em uma universidade na Polônia.”<br />

CESAR CIQUEIRA<br />

MATHEUS FRANZ CANADA,<br />

21 ANOS,<br />

estudante de música e integrante do<br />

projeto Acordes, do <strong>Instituto</strong> Pão de<br />

Açúcar (www.paodeacucar.com.br)<br />

intensa, que, no rastro da Revolução Industrial,<br />

urbanizou cidades, promoveu<br />

espantosas inovações tecnológicas,<br />

mas também produziu duas guerras<br />

mundiais, além da Revolução Russa,<br />

que acabaram por separar o mundo em<br />

blocos capitalista e socialista. Era preciso<br />

que a arte se tornasse tão inovadora<br />

e radical quanto a própria vida.<br />

Uma das invenções do século 19 e<br />

que teve um impacto fenomenal sobre<br />

a arte foi a fotografia. Ela liberou os artistas,<br />

até então incumbidos de registrar<br />

em suas telas pessoas, paisagens<br />

e fatos históricos para a posteridade. A<br />

fotografia poderia cumprir essa função,<br />

dando ao artista mais liberdade para<br />

criar, pesquisas e experimentar.<br />

No Modernismo, diversos projetos<br />

uniam artistas em diferentes movimentos,<br />

muitas vezes endossados por manifestos<br />

– textos que os explicavam e<br />

validavam. A opção pelo novo manifestou-se<br />

de maneiras muito diversas e<br />

particulares, ampliando enormemente<br />

as possibilidades artísticas que o século<br />

20 trouxe para o mundo ocidental.<br />

No Impressionismo, por exemplo,<br />

os artistas queriam se liberar da representação<br />

realista e cheia de regras<br />

impostas pelas academias de belasartes.<br />

No Cubismo, a fragmentação<br />

das imagens projetava simbolicamente<br />

a própria fragmentação do<br />

mundo da industrialização. Na arte<br />

abstrata, procurava-se uma síntese<br />

que transcendesse uma realidade de<br />

guerras, destruições e desigualdades.<br />

O que os unia era um posicionamento<br />

diante das mudanças trazidas pela<br />

sociedade industrial. Impressionismo,<br />

Pós-Impressionismo, Fauvismo, Expressionismo,<br />

Simbolismo, Cubismo,<br />

Futurismo, Surrealismo, Minimalismo...<br />

todos buscavam liberdade e autonomia<br />

para a obra de arte.


A cena contemporânea<br />

Com o passar do tempo, no entanto,<br />

a arte moderna sofreu um desgaste.<br />

Por um lado, ela tornou-se tão experimental<br />

que acabou por afastar-se<br />

do público, que passou a achar suas<br />

manifestações cada vez mais estranhas<br />

e de difícil compreensão. Isso<br />

aconteceu particularmente a partir<br />

dos anos 60 e 70, em Nova York, para<br />

onde se transferiu a vanguarda artística<br />

dos centros europeus depois da<br />

Segunda Guerra, e onde várias noções<br />

modernas foram radicalizadas.<br />

No movimento minimalista, criado<br />

ali, o lema era “Menos é Mais”; a arte<br />

não deveria ter autoria, nem passado<br />

ou futuro, apenas a ação do momento<br />

presente. “O que se vê é o que<br />

se tem”, diziam os minimalistas. “Não<br />

há nada por trás das formas.”<br />

Em meio a isso, as pessoas sentiam<br />

falta de histórias e da possibilidade de<br />

serem arrebatadas de emoção pelas<br />

obras de arte. Por outro lado, a noção<br />

do novo, fundamental para a vanguarda,<br />

também se tornou algo improvável,<br />

sobretudo num mundo repleto de<br />

informações e estímulos.<br />

Com a mudança global que se delineia<br />

a partir dos anos 80, torna-se mais<br />

gritante ainda a necessidade de uma<br />

modificação no conceito de arte. Mais<br />

do que isso: torna-se necessário que a<br />

arte se modifique para sobreviver. E é<br />

aí que sai de cena a arte moderna e<br />

sobe ao palco a contemporânea.<br />

Para começar, a organização prévia do mundo entre<br />

capitalismo e socialismo entra em colapso com o fim do<br />

regime socialista soviético e a queda do muro de Berlim<br />

(1989). As novas realidades políticas provocam um fluxo<br />

geográfico internacional, fazendo com que os deslocamentos<br />

humanos instaurem uma nova noção de identidade<br />

e de nacionalidade.<br />

A virtualização produz uma profunda modificação na<br />

maneira como as pessoas se relacionam. A relação tempo<br />

e espaço, que antes obedecia a uma proporcionalidade,<br />

agora é instável.<br />

Se os estímulos de informação proliferam sem limites<br />

temporais ou espaciais, tornando-se muitas vezes excessivos,<br />

a memória torna-se um bem maior. Para o cientista<br />

russo e Prêmio Nobel, Ilya Prigogine, “o fim da humanidade<br />

seria uma sociedade que perdeu sua memória”.<br />

Prigogine aponta para uma valorização cada vez maior da<br />

memória como um bem ao qual muitas pessoas terão<br />

pouco acesso num futuro em que tudo é descartável.<br />

A importância dada à moda, às aparências e à “atitude”,<br />

aliada a uma tecnologia sofisticada de cirurgias,<br />

implantes, aparelhos de ginástica e substâncias químicas,<br />

além das possibilidades genéticas que se abrem<br />

com os seqüenciamentos cromossômicos, fazem do<br />

corpo um campo de experimentações futurísticas. A<br />

busca pela originalidade, que caracterizava a vanguarda<br />

modernista do século 20, é substituída pela atitude<br />

de busca de reconhecimento, de celebridade. Transfere-se<br />

o alvo das preocupações da produção para o produtor,<br />

da obra para o autor.<br />

Tanta coisa acontece rápida e simultaneamente que<br />

afeta nossa capacidade de lidar com a memória, a<br />

afetividade, o corpo, a identidade, enfim. Esses, então,<br />

passam a ser os grandes assuntos a serem tratados<br />

pelos artistas contemporâneos, espécies de radares de<br />

seu próprio momento histórico. A arte abstrata continua<br />

a existir, mas é na figuração, nas narrativas, nas<br />

imagens ligadas à própria história de vida do artista e<br />

às micropolíticas referentes ao mundo em que vive que<br />

está o grande foco da arte contemporânea.<br />

Se fosse convidada a reformular o ensino da arte no<br />

momento contemporâneo, eu substituiria o estudo dos<br />

movimentos que caracterizaram a era moderna por esses<br />

grandes temas que acompanham a produção e o pensamento<br />

dos artistas contemporâneos, permitindo que a<br />

arte continue a fazer sentido e a ecoar nossa essência.<br />

Trabalhando nos sintomas desse<br />

cenário, grandes nomes internacionais<br />

parecem confirmar essa tendência.<br />

Cindy Sherman fotografa-se assumindo<br />

identidades variadas. A francesa<br />

Louise Bourgeois, com mais de 80 anos<br />

de idade, é uma das mais radicais artistas<br />

da atualidade, construindo universos<br />

escultóricos que mesclam autobiografia<br />

e erotismo. O norte-americano<br />

Mathew Barney cria em seus filmes<br />

uma mitologia miscigenada, misturando<br />

tempos e espaços.<br />

No Brasil, Adriana Varejão pinta fachadas<br />

de azulejaria portuguesa sangrando<br />

como se em carne viva, criando um<br />

potente comentário sobre a história<br />

colonial e seus rastros de sofrimento.<br />

Ernesto Neto constrói com náilon, espuma<br />

e enchimentos, verdadeiras metáforas<br />

de nossos órgãos e peles.<br />

Em meio a múltiplas possibilidades de<br />

usos de materiais, espaços e tempos, a<br />

arte contemporânea não separa a rua<br />

e o museu. O coreógrafo Ivaldo Bertazzo<br />

mescla tradições étnicas milenares com<br />

o gestual urbano de crianças e jovens<br />

de favelas brasileiras. O músico Naná<br />

Vasconcelos utiliza com precisão sons<br />

do corpo e voz de milhares de pessoas<br />

e afirma que Vila-Lobos é um “genuíno<br />

músico popular, já que consegue fazer<br />

ecoar os sons do povo, ainda que de forma<br />

sinfônica”.<br />

Felizmente, a arte contemporânea<br />

tem a liberdade de apontar suas heranças<br />

e sua história sem precisar ir ao grau<br />

zero da originalidade e está cada vez<br />

mais infiltrada nas peles da vida. Assim<br />

ela permanece pulsando.<br />

45


sem bússola<br />

OUTRAS LEITURAS


por _ Iara Biderman<br />

BADAH<br />

MENSAGENS<br />

CIFRADAS DA<br />

JUVENTUDE, AS<br />

PICHAÇÕES<br />

LEVANTAM<br />

QUESTÕES<br />

SOBRE O PODER<br />

DE INCLUSÃO E<br />

OS LIMITES DA<br />

ARTE URBANA<br />

Decifra-me ou devoro-te. No alto dos prédios e viadutos,<br />

nas fachadas das casas e nos muros das grandes<br />

cidades, principalmente, as frases desconexas e<br />

letras indecifráveis repetem o desafio da esfinge. Que<br />

mensagens são essas, que nos joga na cara perguntas<br />

ainda sem respostas consensuais: sinais de deterioração<br />

urbana ou arte de rua?<br />

Para o fotógrafo profissional Iatã Canabrava, é comunicação<br />

visual popular. Convidado para fazer um trabalho<br />

sobre as intervenções visuais urbanas - pichações,<br />

grafites, anúncios, faixas -, Canabrava chamou<br />

jovens fotógrafos e grafiteiros para realizarem juntos<br />

uma leitura da cidade. O resultado foi a exposição<br />

“Spray - Tatuagens Urbanas”, que ficou à mostra na<br />

sede do <strong>Instituto</strong> GTech, em São Paulo, em meados<br />

deste ano, como “uma reflexão, nem a favor, nem contra,<br />

sobre essa demarcação visual do espaço urbano”,<br />

segundo o fotógrafo.<br />

Mas é difícil não ser “contra ou a favor” nessa questão.<br />

“A cidade é o suporte para a pichação e o grafite, e muita<br />

gente não gosta. Muitas vezes, é a situação de um outro<br />

agredindo diretamente algo que é seu”, diz Daniel<br />

Fernandes, o Badah, educador de oficinas do <strong>Instituto</strong><br />

Gtech. A busca desesperada por qualquer espaço de expressão<br />

leva os excluídos da arte e da cultura a marcar<br />

território de forma ostensiva, por vezes agressiva. “Se tivessem<br />

outras oportunidades de atividades culturais, os<br />

pichadores talvez escolhessem outras formas de expressão.<br />

Poderia ser o grafite, mas poderia ser qualquer outra<br />

coisa”, acredita Badah.<br />

Para L. F. A. C., 17, a escolha foi outra.<br />

O garoto era “invocado”, bastava alguém<br />

olhar torto para ele partir para a<br />

briga. “Minha mãe vivia preocupada. Eu<br />

andava com uma turma de gente mais<br />

velha, ‘me achava’. Vivia na rua, era muito<br />

rap e pinga com groselha. Subia em<br />

carro, escalava muro e pichava em uns<br />

lugares incríveis”, conta. O que deu “um<br />

rumo” para L.F., segundo suas próprias<br />

palavras, foi o encontro com a música<br />

clássica. Há quatro anos, participa do<br />

Projeto Guri, e toca violino na orquestra<br />

do projeto, que surgiu no âmbito do governo<br />

do Estado e hoje é uma organização<br />

social na área de cultura que promove<br />

inclusão por meio do ensino coletivo<br />

da música.<br />

A foto de uma construção<br />

pichada em rua de São Paulo<br />

integrou uma mostra em que<br />

fotógrafos e grafiteiros fizeram<br />

uma leitura visual da cidade<br />

47


A escolha de L.F. não significou um<br />

rompimento com o rap e a “turma do<br />

piche”, mas, hoje, o ajuda a ter uma<br />

reflexão mais elaborada sobre esse<br />

tipo de manifestação. “Quem vê de<br />

fora acha que é vandalismo. Nada a<br />

ver. A gente está mostrando o que<br />

sente, mas não estão entendendo.<br />

Estamos dizendo: ‘olhem, estamos<br />

aqui!’”, conta, acrescentando que, antes<br />

de tocar na orquestra, pichava<br />

porque não era notado. “Agora, toco<br />

violino e sou notado, me aplaudem.”<br />

Mensagem para poucos<br />

Para o antropólogo Alexandre Barbosa<br />

Pereira, autor da tese “De Rolê<br />

pela Cidade – os Pichadores de São<br />

Paulo”, a lógica do pichador é ser reconhecido<br />

e ganhar notoriedade dentro<br />

do grupo. “A mensagem, em geral,<br />

não é para a população, é para eles<br />

mesmos.” Dentro dessa lógica, quanto<br />

mais arriscado for o local ou a situação<br />

da pichação, mais status o autor<br />

ganha dentro dos grupos. É uma forma<br />

de ser conhecido e valorizado por<br />

turmas que circulam por todas as partes<br />

da cidade, algo difícil de acontecer<br />

se não for por meio da intervenção<br />

gráfica no espaço público ou na<br />

propriedade privada. “Alguns, em certos<br />

momentos, até admitem que é<br />

vandalismo. Outros defendem como<br />

uma forma de expressão. E há os que<br />

consideram como um protesto político.<br />

Em geral, o pessoal mais politizado<br />

é o ligado aos movimentos do hip<br />

hop”, diz Pereira.<br />

O psiquiatra Auro Danny Lescher<br />

encontrou no hip hop o sangue bom<br />

que faz bater forte o coração do Projeto<br />

Quixote. Ligado ao departamento<br />

de psiquiatria da Unifesp (Universi-<br />

dade Federal de São Paulo), o Quixote busca criar alternativas<br />

para crianças e jovens em situação de risco<br />

social. “Mas é preciso oferecer uma alternativa de sociabilidade<br />

suficientemente criativa e interessante. Não<br />

dá para ficar apenas fazendo vaso com palito de fósforo.<br />

Tem de ser hip hop na veia”, receita Lescher.<br />

Movimento iniciado nos Estados Unidos na década<br />

de 60 e que se disseminou pelos centros urbanos brasileiros<br />

no início dos anos 80, o hip hop inclui manifestações<br />

artísticas como música (rap), dança (breake) e<br />

também o grafite, que se torna recurso contra a exclusão.<br />

“A opção entre uma arma e uma latinha de tinta<br />

é questão de oportunidade”, acredita Lescher.<br />

O Quixote amplia essas oportunidades criando, por<br />

exemplo, eventos que unem manifestação de cidadania<br />

com grafite. Como uma grande grafitagem realizada<br />

no Carandiru. A pintura do ex-complexo presidiário<br />

foi feita simultaneamente pelos jovens reunidos<br />

pelo Quixote, do lado de fora, e os internos do presídio,<br />

de dentro. “É a arte comunicando dois mundos”,<br />

analisa Lescher. Também canaliza possibilidades oferecendo<br />

formação e oportunidade de geração de renda<br />

por meio do Quixote Spray <strong>Arte</strong>. Ali, jovens desenvolvem<br />

técnicas de grafite e podem ganhar dinheiro<br />

com sua arte, oferecendo produtos como oficinas de<br />

grafite, pinturas decorativas ou de divulgação em fachadas<br />

e camisetas grafitadas. A formação possibilita<br />

que muito pichador se descubra como artista. “Todo<br />

pichador quer ser grafiteiro um dia; e quase todo<br />

grafiteiro já foi um pichador”, diz Lescher.<br />

Rampas de acesso<br />

Wagner, dos Pigmeus, ou “Wag...”, seu nome de guerra<br />

e de muros, faz intervenções urbanas há pelo menos<br />

dez anos: “Picho desde os 15”, conta, com o orgulho de<br />

quem se autodenomina “escritor de rua”. Ele acredita<br />

que se todos os pichadores pudessem fazer algum tipo<br />

de curso, pelo menos 50% mostrariam “que são artistas<br />

mesmo. Todo pichador vira grafiteiro no final”.<br />

Wagner, que já foi motoboy e hoje está desempregado,<br />

vive no limite entre a arte e a ilegalidade. Já escapou<br />

por pouco de levar tiros quando pichava casas<br />

alheias e já foi entrevistado por jornalistas dinamarqueses,<br />

encantados com o desenho sofisticado das<br />

É PRECISO CRIAR<br />

RAMPAS DE<br />

ACESSO PARA<br />

QUEM ESTÁ<br />

EXCLUÍDO PODER<br />

ENTRAR PELA<br />

PORTA DA ARTE E<br />

DA CULTURA.<br />

QUEM VIVE EM<br />

SITUAÇÃO DE<br />

RISCO SOCIAL<br />

TAMBÉM TEM<br />

NECESSIDADES<br />

ESPECIAIS<br />

letras que picha. Ele organiza eventos<br />

para transformar vielas deterioradas<br />

do bairro periférico de Capão<br />

Redondo, onde mora, em “museus a<br />

céu aberto”. Os Pigmeus – “a galera”<br />

de pichadores de Wagner – organizam<br />

esses eventos por conta própria,<br />

chamando pichadores de várias regiões<br />

e buscando patrocínio na comunidade.<br />

O plano de Wagner é transformar<br />

os Pigmeus em uma ONG para<br />

formar e apoiar artistas de rua.<br />

O que o ex-motoboy quer, na definição<br />

mais elaborada do psiquiatra Auro<br />

Lescher, é criar rampas de acesso para<br />

quem está excluído poder entrar pela<br />

porta da arte e da cultura. “Assim como<br />

é necessário construir rampas de


FOTOS: DIVULGAÇÃO / PROJETO QUIXOTE<br />

Fotos de grafitagem no complexo<br />

presidiário do Carandiru, com<br />

interferências realizada por integrantes<br />

do Projeto Quixote<br />

acesso físicas para o portador de necessidades<br />

especiais poder chegar a determinado<br />

local, é preciso construir rampas<br />

de acesso que envolvem relações<br />

humanas. Quem vive em situação de<br />

risco social também tem necessidades<br />

especiais”, diz Lescher.<br />

De certa forma, a Associação Rodrigo<br />

Mendes surgiu como uma união dos<br />

sentidos literal e metafórico do conceito<br />

exposto por Lescher. Aos 19 anos,<br />

depois de ser baleado durante um assalto,<br />

Rodrigo entrou para o grupo de<br />

portadores de necessidades especiais<br />

e subiu a rampa da arte quase por acaso.<br />

“Comecei a fazer reabilitação<br />

motora e encontrei um artista, que me<br />

propôs um trabalho com pintura. Nunca<br />

tinha feito antes, fui sem nenhuma<br />

pretensão, mas logo tomei gosto pela<br />

coisa. Ao ver os resultados positivos<br />

da arte, tive a idéia de ampliar essa<br />

possibilidade para um público maior”,<br />

conta Rodrigo.<br />

A Associação Rodrigo Mendes foi<br />

instituída em 1994 como uma escola<br />

voltada aos deficientes físicos, com a<br />

proposta de usar a arte como ferramenta<br />

de acesso à cultura. Mas, em<br />

1996, Rodrigo decidiu que a escola<br />

deveria ser inclusiva: aberta a deficientes<br />

ou não, de diferentes origens<br />

e idades. “As experiências de segregação<br />

não deram certo. A arte, por sua<br />

amplitude, pode agregar a todos.”<br />

A inserção na arte e na cultura vem<br />

junto com a possibilidade de suprir<br />

uma necessidade bastante especial<br />

para boa parte dos alunos da associação:<br />

gerar renda. Além de os alunos<br />

aprenderem a transitar com propriedade<br />

na história e nos conceitos<br />

da arte, a Associação Rodrigo Mendes<br />

tem parcerias com empresas para a<br />

49


VISTO COMO<br />

VÂNDALO OU<br />

COMO AUTOR<br />

DE UMA FORMA<br />

PRÓPRIA DE<br />

EXPRESSÃO, O<br />

PICHADOR É<br />

UM JOVEM QUE<br />

ACABA VIRANDO<br />

GRAFITEIRO<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PROJETO GURI<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO ESTADO DE SÃO PAULO<br />

PROPOSTA Inclusão social e cidadania através do ensino coletivo da música<br />

JOVENS ATENDIDOS Aproximadamente 25 mil<br />

APOIO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO<br />

CONTATO marketing@projetoguri.org.br<br />

venda de produtos, como linhas de material escolar,<br />

porcelanas, cosméticos e brindes ilustrados com pinturas<br />

dos alunos.<br />

Questão de sobrevivência<br />

Poder viver de sua arte, comercializá-la, é um dos<br />

grandes dilemas dos pichadores e grafiteiros. Ninguém<br />

quer se render ao mercado ou aos interesses do poder<br />

público – que às vezes oferece muros a serem decorados<br />

e o material necessário, sem remuneração – mas<br />

todo mundo quer e precisa de grana. Até para comprar<br />

a tinta. O pichador Wagner imagina uma solução<br />

“institucional” para o que os órgãos públicos e a maioria<br />

da população consideram um problema: “As prefeituras<br />

cadastram todos os pichadores, dão um curso, e<br />

registram como artistas de rua. Então, eles podem deixar<br />

a cidade mais bonita, todos ganham”, sonha. Mas<br />

logo questiona a eficácia dessa sua idéia: “Tem um efeito<br />

colateral. Ninguém vai se contentar em grafitar só<br />

onde querem que seja pintado. Está na alma da pichação<br />

e do grafite ser ilegal. E é muito bom fazer algo<br />

arriscado”, diz ele, que tem atração especial por escalar<br />

prédios e pintar letras de cabeça para baixo nas alturas<br />

mais improváveis. “É uma adrenalina muito boa.”<br />

O surpreendente, para o garoto L. F., do Projeto Guri,<br />

foi descobrir em outras formas de expressão artística<br />

uma adrenalina tão poderosa quanto a vertigem<br />

da pichação ilegal: “Tem uma peça clássica que, só<br />

de ouvir, fico tremendo. É o “Opus 26”, do compositor<br />

alemão Max Bruch. Pura adrenalina, igual à de pichar<br />

em cima do viaduto ou no alto do prédio”.<br />

PROJETO QUIXOTE<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO<br />

PROPOSTA Atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco social por meio de oficinas lúdicas e<br />

artísticas, formação de multiplicadores e pesquisa científica para ampliar e aprofundar a compreensão da<br />

realidade vivida por sua população-alvo<br />

JOVENS ATENDIDOS 3.000<br />

APOIO PROJETO PETROBRÁS FOME ZERO E UNIFESP (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO)<br />

CONTATO Rua Prof. Francisco de Castro, 92 – Vila Clementino – 04020-050 – São Paulo (SP). Tel.: 11/5572-8433<br />

– e-mail:quixoteunifesp@uol.com.br<br />

HENK NIEMAN<br />

Letras típicas de pichação<br />

pintadas, isoladamente , sobre<br />

azulejos aplicados num muro:<br />

novas possibilidades de leituras


PARA SABER MAIS SOBRE<br />

ASSOCIAÇÃO RODRIGO MENDES<br />

REGIÃO DE ATUAÇÃO GRANDE SÃO PAULO<br />

PROPOSTA Possibilitar que o indivíduo desfrute dos benefícios de conviver com a arte, comprometida<br />

em garantir o acesso de pessoas portadoras de deficiência e/ou de baixa renda a seus programas<br />

JOVENS ATENDIDOS 101<br />

APOIO TILIBRA, D PASCHOAL E BAUDUCCO<br />

CONTATO Rua Tenente Aviador Mota Lima, 85 – Vila Caxingui – São Paulo (SP) – CEP 05517-030 –<br />

Tels.: 011/3726-4468 e 3726-8418 – e-mail: arm@arm.org.br<br />

VIDA DE REPÓRTER<br />

“A pauta ficou martelando na minha cabeça.<br />

Eu tinha algumas idéias esparsas e muitas<br />

dúvidas. O que é arte? Qual a diferença entre<br />

pichação e grafite? Minhas referências só<br />

aumentavam as contradições. Meus amigos<br />

grafiteiros, há vinte e muitos anos, justificavam<br />

suas ações: bem-nascidos, estavam levando a<br />

arte das galerias para as ruas. E a pichação,<br />

naquele finzinho dos anos 70, não era nem<br />

queria ser arte. Eram do tipo “abaixo a<br />

ditadura”, salvo uma ou outra poesia independente.<br />

O que eu não sabia é que, naquela época,<br />

já começava a pulsar nas periferias um<br />

movimento artístico-cultural que viria a<br />

utilizar o piche e o grafite de novas maneiras.<br />

Demarcar território e gritar “eu existo” são<br />

algumas delas. O caminho natural foi percorrido:<br />

ir da periferia ao centro, para ganhar o<br />

máximo de visibilidade – às vezes, com o<br />

máximo de ilegibilidade, invertendo o jogo da<br />

exclusão. Os incluídos não participam da<br />

leitura significativa dessa escrita. Portanto,<br />

para essa reportagem, era preciso ir atrás dos<br />

grafiteiros e pichadores de hoje. Fui a um<br />

encontro deles me sentindo um ET. Mas não<br />

tive dificuldade para estabelecer contato –<br />

adoram falar do que fazem. Todos se apresentam<br />

como grafiteiros e só depois de alguma<br />

conversa é que assumem que também fazem<br />

pichações. Quando perguntei o porquê, a<br />

resposta foi: ‘Porque pichador vai preso,<br />

grafiteiro não.’ Mas os protagonistas das<br />

intervenções visuais urbanas não oferecem<br />

explicações claras sobre as diferenças entre<br />

pichação e grafite. Talvez não precisem, mesmo.<br />

O negócio deles é ‘se expressar’ – de forma torta<br />

ou consciente, como agressão ou transgressão.”<br />

BEATRIZ ASSUMPÇÃO<br />

IARA BIDERMAN, 44 ANOS,<br />

é jornalista há 22 anos<br />

51


o sujeito da frase<br />

“A ARTE NOS TORNA<br />

RESPONSÁVEIS”<br />

O ator Leandro Firmino da Hora diz que não<br />

é a obrigação mas o desejo de fazer que<br />

aumenta nosso compromisso<br />

AE


por_Cristiane Ballerini<br />

foto_Deise Lane Lima<br />

O artista, que estreou no papel<br />

do traficante Zé Pequeno, no<br />

filme “Cidade de Deus”, diz que<br />

a arte mudou o roteiro de sua<br />

vida e pode transformar muitas<br />

outras histórias<br />

Ele cresceu na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, e<br />

até os 15 anos não saía de casa desacompanhado. Seus<br />

pais tinham tanto medo da proximidade com o tráfico<br />

de drogas que nem brincar na rua era permitido a ele e<br />

seus três irmãos.”Por isso, até hoje não sei soltar pipa”,<br />

lamenta Leandro Firmino da Hora. Ironicamente, foi na<br />

pele de um violento traficante que o rapaz tímido, de fala<br />

mansa, se tornou ator, e de sucesso. O papel de Zé Pequeno,<br />

no filme “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles<br />

(2001), foi parar nas mãos de Leandro aos 20 anos, depois<br />

de um teste que só fez por insistência de um amigo:<br />

“Eu pensava em seguir a carreira militar. Queria um<br />

emprego seguro, mas descobri na arte um caminho de<br />

realização”. O êxito mundial do filme – quatro indicações<br />

ao Oscar – projetou o garoto, que não parou mais. Atuou<br />

em curtas e no longa “Cafundó”, de Paulo Betti e Clóvis<br />

Bueno, e co-dirigiu o filme “Um Crime Quase Prefeito”.<br />

Na tevê, participou de “Cidade dos Homens” e “Carga<br />

Pesada”, e no teatro atuou em “Woyzeck”.<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

O ator também é vice-presidente da<br />

Nós do Cinema, organização que atende<br />

a 60 jovens, criada a partir da oficina<br />

de atores de “Cidade de Deus” e<br />

cujo nome se inspira no Nós do Morro,<br />

um pioneiro grupo de teatro do<br />

morro do Vidigal. “Infelizmente, a<br />

moçada está desacreditada de si, da<br />

vida. Nos cursos de cinema, eles escrevem<br />

roteiros, representam, colocam<br />

suas idéias na tela. Isso tem um<br />

poder e tanto para elevar a auto-estima”,<br />

diz Leandro, que continua circulando<br />

de ônibus pelo Rio e se mantém<br />

fiel às origens: “Só quem vive em<br />

comunidade sabe do que estou falando.<br />

A vida é dura, existe a pobreza, a<br />

violência, mas as pessoas se ajudam<br />

o tempo todo. Tem sempre um clima<br />

de festa e solidariedade no ar”.<br />

A seguir, o ator fala de sua trajetória.<br />

Onda Jovem: Como você se tornou<br />

ator?<br />

Leandro: Se eu disser que sonhava<br />

em estar na tela do cinema desde<br />

criança, é mentira. Nunca planejei seguir<br />

esse caminho. Prestei serviço<br />

militar e fiquei um ano no Exército.<br />

Quando saí, me arrependi. Pensava<br />

que devia entrar para a Aeronáutica e<br />

seguir carreira. Acho que ainda não<br />

tinha despertado de verdade para<br />

uma profissão. Queria mesmo era ter<br />

um emprego, estabilidade.<br />

NÓS DO CINEMA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO COMUNIDADES POBRES DO RIO DE JANEIRO NAS OFICINAS PERMANENTES DE CINEMA.<br />

VÁRIAS CIDADES DO PAÍS E EXTERIOR NOS PROJETOS QUE ENVOLVEM EXIBIÇÃO DE FILMES E DEBATES<br />

PROPOSTA Possibilitar novas perspectivas profissionais e pessoais a jovens de baixa renda por meio do<br />

cinema e outras expressões audiovisuais<br />

JOVENS ATENDIDOS cerca de 60 jovens por ano, nas oficinas permanentes<br />

APOIO FURNAS, LUMIÈRE, GRUPO LUNDI, FIRJAN, KLABIN, MIRAMAX FILMES, DILER & ASSOCIADOS, O2 FILMES,<br />

GLOBO FILMES, URCA FILMES, VIDEOFILMES, TV ZERO, CDI<br />

CONTATO Rua Voluntários da Pátria, 53/2º andar – 20000-000 – Rio de Janeiro (RJ) – tel.: 21/2226-0668<br />

– www.nosdocinema.org.br<br />

53


“O trabalho com arte não precisa<br />

ser um fim em si. A arte desperta<br />

muitas possibilidades e pode estar<br />

ligada à qualquer atividade”<br />

Mas vida de ator nem sempre é estável...<br />

É verdade. Mas a vida militar é<br />

dura. Você é obrigado a seguir ordens,<br />

ser pontual e nem sempre eu<br />

conseguia. Um dia, o Diogo, meu vizinho<br />

e praticamente um irmão,<br />

anunciou que estava rolando um<br />

teste para atores na associação de<br />

moradores. Nada a ver, pensei. Mas<br />

ele insistiu e acabei indo. Fui escolhido<br />

para a oficina de atores do “Cidade<br />

de Deus”. As cenas eram criadas<br />

com ajuda dos preparadores de<br />

atores Gutti Fraga e Fátima Toledo.<br />

Era um mundo novo pra mim e tomei<br />

gosto.<br />

Você cresceu na Cidade de Deus, uma comunidade como<br />

muitas outras, onde os pais procuram manter os filhos<br />

afastados da influência do tráfico de drogas. Fazer o<br />

papel de Zé Pequeno deu a você uma visão mais clara<br />

sobre as razões que levam esses jovens ao crime?<br />

Até os 15 anos, eu não saía de casa desacompanhado.<br />

Era sempre com o pai ou a mãe. Era da escola para casa,<br />

da casa para a escola. Dessas brincadeiras de menino,<br />

só sei mesmo jogar bolinha de gude. Nunca soltei uma<br />

pipa na rua, tamanho o medo da minha família. Hoje, agradeço<br />

a meus pais por me protegerem. Numa comunidade<br />

carente há poucas perspectivas para o jovem e muitos<br />

apelos para os caminhos errados. Às vezes, os pais<br />

são alcoólatras ou dependentes químicos. Não há diversão,<br />

escola boa, trabalho. Mas acho que já está melhor<br />

do que na minha infância. Hoje, há vários projetos sociais<br />

que trazem alternativas para crianças e jovens.<br />

Muitos desses projetos trabalham<br />

com arte, caso do Nós do Cinema.<br />

Não há o risco de se criar uma ilusão<br />

entre os jovens de que todos se tornarão<br />

artistas profissionais?<br />

É importante tomar cuidado com<br />

isso. O Nós do Cinema, por exemplo,<br />

tem uma filosofia de trabalho bacana.<br />

Nosso objetivo não é dar um curso<br />

para o cara virar cineasta. É claro<br />

que tem gente que vai trabalhar na<br />

área, é contratada por produtoras,<br />

tevês. Mas o mais importante é melhorar<br />

a auto-estima de nossos alunos<br />

e trazer outras perspectivas. Outro<br />

dia, depois de um ano no Nós, um<br />

rapaz decidiu que queria ser professor<br />

de Geografia e foi atrás desse sonho.<br />

O trabalho com arte não precisa<br />

ser um fim em si. A arte desperta<br />

muitas possibilidades e pode estar ligada<br />

à qualquer atividade.<br />

Por que a arte interfere de maneira<br />

tão positiva na vida das pessoas?<br />

A arte pode mudar radicalmente a<br />

vida de alguém. Fazendo cinema, por<br />

exemplo, a pessoa tem possibilidade<br />

de falar de si, avaliar vários assuntos<br />

por ângulos diferentes e também colocar<br />

suas idéias em prática. Quando<br />

alguém vê na tela o roteiro que escreveu,<br />

cenas que dirigiu ou nas quais<br />

atuou, é maravilhoso. Isso tem o poder<br />

de mostrar para a própria pessoa<br />

sua capacidade de realização.<br />

E para a sua vida, qual é a importância<br />

da arte?<br />

É incrível, mas o cinema e o teatro<br />

me deram mais responsabilidade que<br />

o próprio serviço militar. Quando te obrigam<br />

a fazer alguma coisa, não tem importância.<br />

Agora, quando o seu desejo<br />

está naquilo que você faz, sua responsabilidade<br />

aumenta. A arte também me<br />

fez prestar mais atenção às coisas que<br />

acontecem a meu redor, ajudou a entender<br />

melhor as pessoas e a me entender<br />

melhor com elas. Sou tímido,


mas já fui muito pior. Às vezes, ficava<br />

perdido nas ruas, procurando um endereço<br />

feito maluco porque tinha vergonha<br />

de pedir informação. Pode imaginar<br />

isso?! Ser ator me obrigou a falar<br />

com as pessoas.<br />

Esse papel desempenhado por organizações<br />

em projetos sociais por<br />

meio da arte e cultura não deveria<br />

ser também da escola pública? Como<br />

foi sua experiência como aluno?<br />

Falta vontade aos governos. Uma<br />

coisa, por exemplo, que ajudaria<br />

muito nos processos de aprendizagem<br />

seria incluir aulas de técnicas<br />

de audiovisual. Eu tive sorte. Estudei<br />

no Ciep (projeto educacional de<br />

Darci Ribeiro no governo Brizola, no<br />

Rio, 1982-1986). Ficava o dia todo<br />

na escola, tinha aulas de capoeira,<br />

de interpretação. Fazia bagunça na<br />

aula da professora Marília, que jus-<br />

tamente dava aula de interpretação. Mesmo assim, foi<br />

uma sorte pegar essa época boa. Hoje em dia, não vejo<br />

esse empenho da escola pública.<br />

O Nós do Cinema tornou-se ONG há apenas dois anos.<br />

Já deu tempo para corrigir possíveis erros de percurso?<br />

Ainda estamos aprendendo e, pelo jeito, vamos aprender<br />

sempre. No início, não estávamos chegando em quem<br />

mais precisava. Existem muitas organizações que acabam<br />

só trabalhando com jovens que têm uma boa base: estrutura<br />

familiar forte, oportunidades em outros projetos e<br />

escola. Aí é muito fácil. Hoje, temos um departamento<br />

socioeducativo preparado para chegar, durante a seleção<br />

para os cursos, na moçada em situação de risco. Já conseguimos<br />

criar perspectivas para meninos que, no passado,<br />

tiveram envolvimento com o tráfico ou passagem pela<br />

Vice-presidente da ONG Nós do Cinema<br />

e já lançando seu primeiro<br />

filme como co-diretor, Leandro<br />

acredita que o ensino das técnicas de<br />

audiovisual nas escolas ajudaria no<br />

processo de aprendizagem<br />

polícia. Mas é claro que a gente não<br />

vence sempre.<br />

Antes de ser ator você tinha oportunidade<br />

de ir ao cinema, shows, teatro,<br />

exposições?<br />

Meus pais curtem muita música, especialmente<br />

samba de roda, black e<br />

soul music. Cresci ouvindo James<br />

Brown, Bezerra da Silva, Dicró. No cinema,<br />

só ia mesmo com meu pai, umas<br />

duas vezes por ano. Hoje, apesar de<br />

algumas promoções para dar acesso à<br />

população pobre, como a temporada<br />

de teatro a R$ 1,00, a cultura ainda é<br />

para a elite. No fim de semana, um ingresso<br />

de cinema custa R$ 18,00.<br />

Quem ganha pouco e tem filhos não<br />

pode gastar isso para ver um filme.<br />

“Cidade de Deus” gerou polêmica e<br />

alguns moradores declararam que o<br />

filme fazia um retrato prejudicial à<br />

comunidade. O filme teve impacto<br />

negativo ou positivo para a Cidade<br />

de Deus real?<br />

De um jeito ou de outro, o filme<br />

contribuiu para que a sociedade começasse<br />

a pensar sobre esse grande<br />

problema que é o domínio do tráfico<br />

em algumas comunidades. Contou<br />

a história da Cidade de Deus, mas<br />

podia ser a história da Rocinha, do<br />

Cantagalo e outras comunidades pobres<br />

do país. O filme foi um soco para<br />

a elite acordar e perceber que a coisa<br />

existe e está cada vez mais próxima.<br />

Com o filme, surgiram vários projetos<br />

sociais na Cidade de Deus,<br />

como a cooperativa de cinema Boca<br />

de Filme. Isso é o mais importante:<br />

fazer algo que tem um impacto positivo<br />

na vida das pessoas.<br />

55


ciência<br />

A HORA DO NOVO


PESQUISAS CIENTÍFICAS INDICAM QUE O CÉREBRO DO JOVEM<br />

TEM CARACTERÍSTICAS QUE O LEVAM A SER MAIS CRIATIVO, MAS<br />

O ESTÍMULO EXTERNO É ESSENCIAL PARA DESENVOLVÊ-LO<br />

por_Karina Yamamoto<br />

ilustração_Gustavo Rates<br />

É um enigma que acompanha a neurociência desde<br />

seus primórdios, por volta do século 18. De onde surgem<br />

as idéias? A criatividade é um dom? Poucas são<br />

as certezas, mas, aos poucos, alguma luz começa a<br />

surgir no fim do túnel. Uma das lâmpadas que se acenderam<br />

clareia a base biológica dessa característica<br />

humana: num estudo recente, surgiram alguns esboços<br />

de como funciona o cérebro de pessoas inovadoras.<br />

Associadas a outras pesquisas sobre o comportamento<br />

cerebral e sobre a importância dos fatores externos<br />

no desenvolvimento humano, essas informações<br />

vão traçando um caminho que permite afirmar<br />

que a juventude tem, sim, uma relação direta com a<br />

criatividade e é, portanto, uma época da vida em que o<br />

tema merece toda atenção.<br />

A psicóloga americana Shelly Carson e seus colegas<br />

Jordan Peterson e Kathleen Smith descobriram que<br />

pessoas criativas tendem a apresentar índices mais<br />

altos de dopamina - um neurotransmissor geralmente<br />

associado à sensação de prazer. Algumas evidências<br />

indicam que essa substância, ao atuar na região entre<br />

os hemisférios cerebrais (mesolímbica), estimularia a<br />

percepção, deixando a pessoa mais sensível ao novo e<br />

a novas formas de ver o mundo. Em outras palavras,<br />

quer dizer que uma quantidade mais generosa de in-<br />

formação fica acessível no nível da<br />

consciência. Dotados de mais material,<br />

esses indivíduos encontram mais<br />

e novas soluções para os problemas<br />

que se apresentam.<br />

Por outro lado, já se sabe também<br />

que o cérebro humano se organiza<br />

para descartar as informações<br />

irrelevantes – e não para guardar<br />

aquelas que nos são caras e importantes.<br />

Essa característica se chama<br />

inibição latente. Ela nos impede de<br />

desperdiçar nossa capacidade de<br />

atenção com o que não é útil. Por isso<br />

o ser humano tende a categorizar<br />

todas as informações que absorve.<br />

Uma vez que classificamos certo estímulo<br />

– de qualquer natureza – como<br />

não-importante para a nossa sobrevivência,<br />

ele deixa de chamar nossa<br />

atenção. É um efeito que se prolonga:<br />

é mais difícil voltar a prestar atenção<br />

naquele mesmo dado numa outra<br />

ocasião. “Nós poderíamos nos tornar<br />

confusos se tivéssemos de gas-<br />

57


A CRIATIVIDADE SE RELACIONA COM A<br />

QUANTIDADE DE INFORMAÇÕES<br />

DISPONÍVEIS. O PROCESSO NATURAL<br />

DO CÉREBRO DE DESCARTAR<br />

CONTEÚDOS É MAIS INTENSO NO ADULTO<br />

DO QUE NO JOVEM, QUE TAMBÉM POR<br />

ISSO PARECE LIDAR MELHOR COM<br />

NOVIDADES E MUDANÇAS<br />

tar nosso tempo em tudo que nossos olhos vêem e<br />

nossos ouvidos escutam”, diz Carson. E mais: estudos<br />

sugerem que a inibição latente aumenta com a<br />

idade. O que indicaria que a mente mais jovem está<br />

mais propensa a manter uma maior quantidade de<br />

informação disponível no nível consciente. Isso talvez<br />

explique por que os jovens parecem ser mais dispostos<br />

a absorver novidades e lidar com mudanças.<br />

Outro esforço dos cientistas tem sido dissecar a<br />

anatomia do pensamento criativo. Nessa direção, foi<br />

importante a descoberta do americano Roger Sperry,<br />

que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1981.<br />

Ele descobriu que os hemisférios do cérebro dividem<br />

tarefas entre si. Os aspectos da comunicação ficam<br />

por conta do lado esquerdo enquanto o lado oposto é<br />

responsável pelo material não-verbal, além de noções<br />

de espaço e posição do próprio corpo. Com base nessa<br />

teoria, conhecida entre fisiologistas como “split<br />

brain” (ou “divisão cerebral”), outros estudos seguiram<br />

além. Descobriu-se que o hemisfério esquerdo<br />

trabalha de maneira lógica, analítica, racional e se volta<br />

para os detalhes. Já o lado direito é mais intuitivo e<br />

concatena as idéias – ali se processam as articulações<br />

de pensamentos. O hemisfério esquerdo processa<br />

as cores de um quadro, as letras impressas num<br />

livro, os sons que chegam aos ouvidos. Mas é o lado<br />

direito que confere sentido a tudo aquilo – é a residência<br />

da curiosidade, do prazer de experimentar, da<br />

coragem de correr riscos, da flexibilidade intelectual,<br />

do pensamento metafórico e do senso artístico.<br />

Cenário propício<br />

Em termos biológicos, todos nós nascemos prontos<br />

para produzir grandes idéias. No entanto, nossa traje-<br />

tória criativa é influenciada por uma<br />

porção de outros fatores. As palavraschave<br />

são: motivação – que depende<br />

dos interesses individuais; habilidade<br />

– que pode ser adquirida com treino; e<br />

ambiente estimulante. No último item<br />

entramos no território dos educadores.<br />

É importante que o adolescente e o<br />

jovem encontrem espaços favoráveis<br />

para exercitar sua capacidade de criar.<br />

“O papel dos pais e professores é promover<br />

a independência e a autoconfiança,<br />

respeitando a forma de pensar<br />

da criança ou jovem”, diz a psicóloga<br />

Eunice Soriano de Alencar, da Universidade<br />

Católica de Brasília, autora<br />

do livro “Criatividades Múltiplas”.<br />

Os trabalhos da psicóloga americana<br />

Ellen Winner, professora do Boston<br />

College, nos Estados Unidos, endossam<br />

o argumento. Ela faz parte do Projeto<br />

Zero – um grupo de pesquisa que busca<br />

compreender o processo de aprendizado,<br />

elaboração e criatividade no<br />

ensino das artes e das ciências. Winner<br />

defende uma forte presença das artes<br />

visuais como fonte de estímulo para o<br />

desenvolvimento do hemisfério criativo<br />

do cérebro. “Se o ensino for levado<br />

a sério, percebemos que nossos alunos<br />

aprendem a enxergar, gerar imagens<br />

mentais, correr riscos e a pensar”,<br />

diz a pesquisadora. Essa estratégia,<br />

além de adubar as idéias, ainda oferece<br />

novas possibilidades de leitura de<br />

mundo – e aí não importa a idade do<br />

indivíduo.<br />

Para a diretora do Museu de <strong>Arte</strong><br />

Contemporânea da Universidade de<br />

São Paulo (MAC-USP), Elza Ajzenberg,<br />

os museus deveriam fazer parte do<br />

nosso cotidiano. E nem sempre é preciso<br />

se preparar para o encontro com<br />

trabalhos de grandes artistas. O im-


portante é desarmar o espírito, sabendo<br />

que, quando se trata da expressão humana,<br />

sempre há várias interpretações<br />

possíveis. Quanto mais obras lhe forem<br />

familiares, mais repertório o observador<br />

vai adquirir e, assim, melhor será seu relacionamento<br />

com as obras e mais sensibilizado<br />

ele ficará em relação à manifestação<br />

artística. E isso vale para todas<br />

elas: a música, o teatro, o cinema, a literatura<br />

etc.<br />

Para facilitar a construção desse caminho,<br />

a equipe do MAC-USP está implantando<br />

um projeto de arte-educação que<br />

pretende ajudar a contextualizar as<br />

obras, os Roteiros de Visitas. Essa preocupação<br />

didática das instituições de arte,<br />

aliás, vem crescendo no Brasil, e já há várias<br />

iniciativas relevantes, principalmente<br />

nas grandes cidades. É importante percorrer<br />

esse tipo de trilha facilitadora, pois<br />

o conhecimento da arte se assemelha à<br />

nossa apropriação de linguagem. Quanto<br />

mais vocabulário nós tivermos, mais<br />

ricos ficam a compreensão e os textos<br />

que produzimos. Freqüentador de museus,<br />

o publicitário brasiliense Eduardo<br />

Vieira, de 23 anos, é conhecido por levar<br />

cada idéia às últimas possibilidades. “Leio<br />

até bula de remédio, estou sempre atrás<br />

de mais informação”, diz. Ele mesmo não<br />

se acha especialmente inventivo – a opinião<br />

é dos colegas de trabalho.<br />

<strong>Arte</strong> de viver<br />

Adquirir repertório e se abrir ao novo não<br />

é útil apenas para nosso enriquecimento<br />

cultural. Também valem para viver melhor.<br />

“Precisamos ter capacidade de nos adaptar<br />

à realidade”, diz o psicoterapeuta<br />

Rubens de Aguiar Maciel, pesquisador da<br />

Faculdade de Saúde Pública da Universidade<br />

de São Paulo. Uma pessoa mais flexível<br />

tende a adquirir novos padrões de<br />

comportamentos, a encontrar novas saídas para os velhos<br />

problemas. Mais uma vez, o papel dos adultos que<br />

convivem com o adolescente e o jovem é essencial. Essa<br />

é uma fase em que rapazes e moças estão se opondo<br />

aos modelos que conhecem e buscando novas formas<br />

de viver e entender o mundo. “É importante que os adultos<br />

consigam ser o saco de pancadas e o porto seguro<br />

ao mesmo tempo”, diz Maciel. Compreensão e disposição<br />

para o diálogo são essenciais.<br />

O músico paulistano Sidney Lissoni vive isso na pele<br />

todos os dias. Ele é professor de Educação Artística e<br />

Música na rede estadual de ensino. “Tenho de me colocar<br />

no lugar dos alunos para conseguir me comunicar”,<br />

diz. Foi assim, buscando facilitar a comunicação com<br />

seus alunos, que o educador se propôs uma tarefa complicada:<br />

ensinar um jeito simples de ler partituras. Detalhe:<br />

para crianças cegas. Abusando da sua criatividade,<br />

ele criou o que registrou como Escrita Musical Lissoni,<br />

método utilizado também com seus alunos sem necessidades<br />

especiais. “Tudo que serve para o portador<br />

de deficiência visual, também serve para o vidente”, diz.<br />

Além de músico, Lissoni foi radialista, estuda neurolingüística<br />

e é técnico de precisão. Como explicar tanta<br />

curiosidade? “Sempre fui muito estimulado pelos meus<br />

pais”, conta.<br />

Para Eunice Alencar, “a criatividade é uma habilidade<br />

de sobrevivência para este milênio”. Por isso, vale<br />

mesmo a pena investir nela, cultivando valores como<br />

flexibilidade, persistência, autoconfiança e abertura a<br />

novas experiências. “É um recurso precioso que precisa<br />

ser mais bem aproveitado, especialmente nesse<br />

momento da história humana, marcado por instabilidades,<br />

incertezas e fortes pressões competitivas.”<br />

Época, enfim, de grandes mudanças.<br />

59


luneta 1 hip hop<br />

A VOZ DAS RUAS<br />

O B.Boy Igor, da equipe Street Son, faz um<br />

“Top Rock” no evento Master Crews:<br />

momento de estrelato


por_Yuri Vasconcelos<br />

foto_Penna Prearo<br />

A juventude tem muitas vozes e quer que elas sejam ouvidas. Uma dessas<br />

vozes, cada vez mais articulada, é a do hip hop, um movimento sociocultural<br />

com forte sentimento libertário e que reúne várias manifestações artísticas.<br />

Criado nos anos 70 por jovens negros e hispânicos dos bairros pobres de<br />

Nova York, de lá se espalhou pelo mundo. O termo foi cunhado pelo DJ Afrika<br />

Bambaataa, fundador da organização Zulu Nation, e é uma referência ao<br />

movimento de quadris dos participantes das festas e dos encontros musicais<br />

– “hip”, em inglês, quer dizer balançar e “hop”, quadris. No Brasil, ele<br />

chegou no fim da década de 80, por obra da indústria fonográfica, e não<br />

parou de crescer. Se no início, em solo norte-americano, esteve envolvido<br />

algumas vezes com episódios de violência, hoje está presente, com as cores<br />

locais, em quase todo o país, firmando-se como uma legítima alternativa de<br />

expressão, especialmente para os jovens das periferias, privados de ofertas<br />

culturais e perspectivas profissionais.<br />

“O hip hop é uma cultura de rua que dá voz à juventude que vive em guetos<br />

e favelas, à margem da sociedade”, diz Wilson Roberto Levy, vice-coordenador<br />

da organização não-governamental Zulu Nation Brasil. Sua popularidade<br />

se deve ao fato de o hip hop, cujas raízes remontam ao movimento ”black<br />

power” (poder negro), ser altamente organizado e estar arraigado nas<br />

experiências do dia-a-dia desses jovens. É um movimento de auto-afirmação,<br />

marcado pela crítica à exclusão social e à desigualdade racial. “Ao entrar<br />

para o movimento hip hop, os jovens passam a ver o mundo de forma diferente.<br />

Para nós, é preciso nos afastarmos das coisas negativas, como drogas,<br />

crimes e violência. Isso só traz destruição para o nosso povo”, diz Levy,<br />

de 52 anos, que também atua na Casa do Hip Hop, mantida pela Prefeitura<br />

de Diadema, na Grande São Paulo. A instituição é uma referência nacional e<br />

internacional no universo hip hop.<br />

Elementos e posses<br />

O movimento hip hop, cujas expressões artísticas mais conhecidas são o rap<br />

(iniciais de ritmo e poesia, em inglês) e o break (a dança quebrada), se apóia em<br />

quatro alicerces, também chamados de elementos: o DJ, que traz a música<br />

para dançar; o B.Boy (ou dançarino); o MC, mestre de cerimônia, que dialoga<br />

com os que dançam; e o grafiteiro, que expressa a ideologia do hip hop por<br />

meio das artes plásticas. “Esses quatro elementos apontam para a mesma<br />

direção. O hip hop quer que o jovem marginalizado tenha consciência da sua<br />

situação e busque a libertação dessa opressão”, diz a ativista e rapper Áurea<br />

DejaVu, de 21 anos, integrante do Coletivo Hip Hop Chama, de Belo Horizonte.<br />

NASCIDA NOS ESTADOS<br />

UNIDOS, A CULTURA HIP<br />

HOP GANHOU TONS<br />

LOCAIS E VEM SE<br />

TORNANDO UM DOS<br />

PRINCIPAIS MEIOS DE<br />

EXPRESSÃO DA<br />

JUVENTUDE BRASILEIRA<br />

Os grupos do hip hop, também conhecidos como posses,<br />

não param de crescer. Alguns deles são tão organizados<br />

que até já viraram ONGs, como a própria Zulu, o Movimento<br />

Hip Hop Organizado do Brasil, conhecido pela sigla<br />

MH2O, e a Central Única das Favelas (Cufa), entidades que<br />

trabalham em prol da valorização dessa cultura. Com sua<br />

capacidade de gerar identificação e sensibilizar seus adeptos,<br />

essa cultura é também uma importante ferramenta<br />

de arte e educação.<br />

A Casa do Hip Hop, por exemplo, trabalha unindo cultura<br />

e cidadania. Inaugurada em julho de 1999, a instituição<br />

atende mensalmente cerca de 400 jovens, que<br />

buscam formação cultural e querem conhecer a fundo a<br />

cultura hip hop. Para isso, são promovidas oficinas de<br />

três a seis meses de duração, que usam a difusão da<br />

linguagem dos quatro elementos. Além do viés cultural,<br />

as oficinas estimulam a descoberta de valores como a<br />

cidadania. Como diz o dançarino de break Marcelinho<br />

Back Spin, professor da instituição, “o hip hop faz sentido<br />

somente se ele consegue agregar outras coisas importantes,<br />

como a noção de respeito, cidadania, reflexão<br />

e educação”.<br />

No Rio de Janeiro, uma das instituições mais ativas no<br />

universo hip hop é a Central Única de Favelas (Cufa), uma<br />

ONG que procura difundir, por meio da linguagem própria<br />

desta cultura, a conscientização dos moradores das<br />

comunidades carentes, elevando sua auto-estima. Presente<br />

em diversos morros e favelas cariocas (Acari, Jacaré<br />

e Cidade de Deus, entre outras), a Cufa promove<br />

atividades nas áreas da educação, cidadania e desenvolvimento<br />

humano. Seus cursos capacitam os jovens<br />

para atuar como DJs, grafiteiros, operadores de áudio,<br />

cantores e dançarinos.<br />

61


Ao lado, as garotas do B.Girls, no Brasileiro Individual de B.Girls, em Sorocaba<br />

e o MC Gallo, de A Trupe, em encontro de MC‘S na Casa do Hip Hop de Diadema<br />

(SP): uma cultura com o poder de agregar os jovens<br />

Em parceria com a Produtora Hutúz, a Cufa promove anualmente um importante<br />

encontro dos vários segmentos da cultura hip hop. O Festival Hutúz, como<br />

é chamado, é uma grande festa que abrange diversas formas de expressão artística<br />

do movimento e outros elementos, como o basquete de rua e a batalha<br />

musical de DJs. Criado em 2000, o Hutúz inclui festival de rap, mostra de cinema,<br />

debates e desfile de moda, e condecora os melhores artistas de hip hop do país<br />

em diversas categorias, desde Álbum do Ano até Destaque na Área Social. Neste<br />

ano, o Hutúz está marcado para o fim de novembro, no Rio de Janeiro.<br />

<strong>Cultura</strong> empreendedora<br />

Além de ser uma forma de expressão artística socialmente engajada, a<br />

cultura hip hop tem outras facetas. Ela também pode servir de apoio ao<br />

empreendedorismo e à geração de emprego e renda, ou como prefere dizer<br />

o rapper cearense Poeta Urbano, do MH2O do Brasil, “ser um instrumento de<br />

geração de oportunidades de sobrevivência”. A organização, um dos maiores<br />

grupos de hip hop do Brasil, com sede no Ceará e 6 mil membros em todo o<br />

país, criou o projeto Mercado Alternativo, que tem como finalidade gerar renda<br />

para os integrantes do movimento.<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

CENTRAL ÚNICA DAS FAVELAS (CUFA)<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO RIO DE JANEIRO.<br />

PROPOSTA Elevar a auto-estima e conscientizar moradores de comunidades carentes por<br />

meio de atividades que usam como forma de expressão o hip hop<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 800<br />

APOIO UNESCO, GOVERNO FEDERAL, PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, REDE GLOBO,<br />

INSTITUTO LUCIANO HUCK, PETROBRAS, ELETROBRÁS, CONSULADO AMERICANO, CENTRO<br />

CULTURAL BANCO DO BRASIL, MTV, FUNDAÇÃO FORD, RITS E MINISTÉRIO DOS ESPORTES<br />

CONTATO Rua Carvalho de Sousa, 137, Bloco 4, sala 111 – Madureira – Rio de Janeiro (RJ) –<br />

tels.: 21/2458-8035 e 21/3015-7113 – e-mail: flaviacaetano.madureira.rio@cufa.org.br<br />

CASA DO HIP HOP DE DIADEMA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO DIADEMA (SP).<br />

PROPOSTA Promover formação cultural e de conhecimento da cultura hip hop e<br />

despertar na juventude valores como cidadania, respeito e auto-estima<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 400 por mês<br />

APOIO PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA<br />

CONTATO Rua 24 de Maio, 38 – Jardim Canhema – Diadema (SP) – Tel.: 11/4075-3792<br />

MOVIMENTO H2O DO BRASIL<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO CEARÁ, BAHIA, RIO GRANDE DO NORTE, PARANÁ, DISTRITO FEDERAL,<br />

SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO<br />

PROPOSTA Utilizar os elementos do hip hop para gerar inclusão socioeconômica de<br />

jovens e pressionar o Estado para criar políticas públicas de apoio a esse público<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 1.200<br />

APOIO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, MINISTÉRIO DA CULTURA E ASHOKA<br />

EMPREENDEDORES SOCIAIS<br />

CONTATO Avenida B, 740, 2ª. Etapa, Conjunto Ceará – Fortaleza (CE) –<br />

Tel.: 85/3489-3410 – mh2odobrasil@terra.com.br<br />

PARA SEUS<br />

ADMIRADORES, A ARTE<br />

PRODUZIDA NO HIP HOP<br />

TEM UM SENTIDO<br />

SOCIAL E UM PODER<br />

TRANSFORMADOR


Com apoio do Programa Primeiro Emprego, do Ministério do Trabalho, o<br />

MH2O lançou uma incubadora nacional de empresas de hip hop em três estados<br />

(São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná) e no Distrito Federal. “Aprendemos<br />

na prática uma lição perversa: num país capitalista como o nosso, é impossível<br />

falar de inclusão social sem falar de inclusão econômica”, diz Poeta, que<br />

tem 28 anos. “Por isso, decidimos criar o Mercado Alternativo, um projeto<br />

cujo modelo econômico inclui a propriedade coletiva, a auto-gestão e a fabricação<br />

de produtos socialmente responsáveis.”<br />

Em cada uma das regiões escolhidas, o MH2O está incubando seis empresas:<br />

uma produtora de vídeo, um estúdio de gravação e distribuidora<br />

fonográfica, um centro de produção e estilo, com três ateliês integrados<br />

(serigrafia, aerografia e grafite, ateliê de bijuteria e adereço e de design à<br />

base de grafite), uma produtora de eventos, uma empresa de confecção e<br />

uma loja padronizada para escoar a produção. “Em breve, as 24 empresas,<br />

de propriedade coletiva, serão unidas em rede. Estamos confiantes no projeto,<br />

mas ainda temos muitas dificuldades para lidar com questões econômicas,<br />

técnicas e de gestão”, diz o rapper cearense.<br />

Abaixo, o DJ King, no encontro Hip Hop<br />

de Rua, no bairro de Vila Madalena,<br />

na zona oeste de São Paulo:<br />

a arte cria canais de comunicação entre<br />

a periferia e o centro<br />

É por tudo isso que, para a rapper mineira Áurea<br />

DeJavu, “a arte produzida no hip hop tem um sentido<br />

social e um poder transformador. Ela dá uma nova perspectiva<br />

aos jovens que vivem em condições marginalizadas”.<br />

Para o cearense, trata-se da melhor expressão<br />

cultural da juventude nos últimos anos. “É um marco<br />

histórico na cultura mundial”, diz o Poeta Urbano.<br />

63


luneta 2 artesanato<br />

FEITO<br />

Porrão de Irará (BA) e, na página<br />

oposta, pote de Água Branca (AL): a<br />

valorização do artesanato requer<br />

educação do consumidor<br />

À MÃO<br />

FOTOS: MARCELO GUARNIERI / ARTESANATO SOLIDÁRIO


A IDÉIA DO ARTESANATO COMO BEM<br />

CULTURAL PODE DESENCADEAR A<br />

REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA<br />

CULTURA TAMBÉM NAS ESFERAS<br />

ECONÔMICA E POLÍTICA<br />

Convidada a escrever sobre essa conexão tão inspiradora e sempre discutida,<br />

que é a da arte, cultura e cidadania, considerei apropriado e atual incitar<br />

a reflexão, não sobre arte num sentido geral, mas sobre artesanato e sua<br />

possibilidade de fomentar toda a riqueza de identidades culturais Brasil afora<br />

e seu potencial como gerador de renda para artesãos pobres do país.<br />

A experiência do <strong>Arte</strong>sanato Solidário – programa social criado em 1998 no<br />

âmbito da Comunidade Solidária e desde 2002 uma organização da sociedade<br />

civil, sempre com o objetivo de geração de trabalho e renda por meio da<br />

revitalização do artesanato de tradição – leva-nos a discutir cotidianamente,<br />

nas esferas interna e pública, a necessidade de co-relacionar artesanato,<br />

desenvolvimento local e cultura.<br />

Não é de hoje a constatação de que a produção do artesanato de tradição<br />

é indissociável de seu contexto cultural, tampouco é assunto para círculos<br />

restritos ou especializados. A idéia do artesanato como bem cultural pode<br />

desencadear a reflexão sobre o papel da cultura nas esferas econômica e<br />

política, por exemplo.<br />

Pensando assim, podemos destacar três aspectos da relação entre artesanato<br />

e cultura:<br />

<strong>Cultura</strong> como modo de vida<br />

Este primeiro aspecto tem forte conteúdo antropológico: o artesanato de<br />

tradição faz parte do modo de vida das pessoas que o produzem, e se organiza<br />

a partir de relações de gênero, com base em valores e conhecimentos<br />

sobre a manutenção da vida, de regras que norteiam comportamentos na<br />

esfera pública e privada etc. Ele se orienta por padrões estéticos próprios e é<br />

transmitido espontaneamente, de geração a geração.<br />

A existência desse artesanato – em suas diversas técnicas e matérias-primas<br />

– e o seu reconhecimento como expressão da cultura são o ponto de partida de<br />

projetos voltados para o resgate das formas tradicionais de sua expressão e para<br />

a sua revitalização como um patrimônio comum daquela comunidade.<br />

Para resgatar e revitalizar de forma compartilhada o saber-fazer artesanal, promovem-se<br />

alguns diálogos, ou trocas. Duas são fundamentais: a primeira é a que<br />

se realiza entre os próprios artesãos, por meio de uma série planejada de oficinas<br />

com o objetivo de incentivar a transmissão do saber-fazer dos mestres aos mais<br />

jovens; desenvolver a organização do trabalho; estimular a formação de associações<br />

ou cooperativas; e incentivar formas de liderança e de gestão associativa. A<br />

segunda troca acontece entre os artesãos e seus produtos, por meio de oficinas<br />

de aprimoramento do produto e de formação de preço.<br />

texto _ Ruth Cardoso<br />

Ruth Cardoso é doutora em<br />

Antropologia, professora da Universidade<br />

de São Paulo, fundadora e presidente da<br />

organização não-governamental Comunitas,<br />

que coordena programas como<br />

Alfabetização Solidária, Capacitação<br />

Solidária e <strong>Arte</strong>sanato Solidário<br />

65


É claro que não se defende, em nome da manutenção<br />

das tradições, a preservação de condições de vida<br />

injustas. Trabalha-se, isto sim, para que os artesãos melhorem<br />

suas vidas, superem suas carências materiais,<br />

aumentem suas rendas com a venda de produtos.<br />

Ações que promovem o desenvolvimento da autoestima<br />

dos artesãos e que fortalecem seus sentimentos<br />

de pertença a um grupo ou a uma comunidade certamente<br />

estão alinhadas com a tão desgastada, mas<br />

nem sempre entendida, relação entre artesanato e<br />

identidade cultural.<br />

<strong>Cultura</strong> para consumo<br />

O segundo aspecto a se considerar refere-se à relação<br />

do artesanato com o mercado consumidor.<br />

Como o objetivo é gerar trabalho e renda, é fundamental<br />

que os produtos de artesanato cheguem ao<br />

mercado – e com qualidade e preços que garantam a<br />

sustentabilidade do negócio.<br />

Mas para chegar lá o produto não pode perder sua<br />

história, aquilo que o torna distinto, único.<br />

Na relação do artesanato e cultura para consumo, é<br />

fundamental sensibilizar o mercado para os produtos<br />

culturais. Comumente se diz que o artesanato deve-se<br />

adequar ao mercado (e pergunto: que mercado? Quais<br />

mercados?). Não seria o caso pensar quase inversamente,<br />

ou seja, adequar o mercado ao artesanato?<br />

Assim, torna-se possível ampliar os usos do produto<br />

do artesanato, que variam em razão de sua trajetória<br />

como mercadoria nos diferentes segmentos consumidores<br />

da sociedade. Um pote feito originalmente para<br />

armazenar água na cozinha conquista o hall de entrada,<br />

a sala de estar ou a biblioteca da família, agora como<br />

objeto decorativo.<br />

Acredito que quando falamos de expansão do mercado,<br />

cultura e consumo, temos que vislumbrar a possibilidade<br />

de um pote vir a ocupar o lugar de destaque<br />

nas prateleiras das lojas ou o canto em nossa casa que<br />

mais o ressaltar. Orgulho de nossas raízes, de nossos<br />

artesãos, de nossa brasilidade.<br />

<strong>Cultura</strong> como recurso<br />

Terceiro aspecto: cultura como recurso, isto é, o artesanato<br />

de tradição como patrimônio da coletividade,<br />

para afirmação e construção de identidade.<br />

Trata-se de uma idéia que vem sendo aplicada (e<br />

muito disseminada) para a melhoria social e econômica,<br />

ou seja, para que a cultura aumente sua participação<br />

em nossa era de envolvimento político decadente<br />

e de conflitos na esfera da cidadania. Vários pensadores<br />

da cultura hoje (Young, Rifkin, Iúdice) vêm chamando<br />

atenção para isso.


O ESTÍMULO À AUTO-ESTIMA<br />

DOS ARTESÃOS E SUA<br />

COMUNIDADE ESTÁ ALINHADO<br />

COM A TÃO DESGASTADA, MAS<br />

NEM SEMPRE ENTENDIDA,<br />

RELAÇÃO ENTRE ARTESANATO E<br />

IDENTIDADE CULTURAL<br />

Por sua vez, agências multilaterais como o Banco Mundial, União Européia,<br />

Banco Interamericano de Desenvolvimento, também têm incluído a cultura<br />

como catalisadora do desenvolvimento humano.<br />

Como transformar esse patrimônio – conceito que vem se alargando, se<br />

expandindo, desde Mário de Andrade, passando por Aloísio Magalhães – em<br />

desenvolvimento social? Como traduzir, se estivermos de acordo, essas orientações<br />

gerais para nossos projetos locais de desenvolvimento, cujo ponto de partida<br />

é o artesanato de tradição?<br />

Ao promover e estimular trocas ou diálogos entre os artesãos, o que se<br />

busca oferecer são condições para que o artesanato, expressão da cultura<br />

da comunidade, se torne um ativo para o fortalecimento da identidade do<br />

grupo e para o surgimento de novos atores coletivos, de novas formas de<br />

participação. Só precisamos torná-lo menos árduo e menos excludente para<br />

os artesãos brasileiros.<br />

Por fim, a confirmação de que estamos no caminho certo, nas palavras<br />

passadas, presentes e futuras de Aloísio Magalhães: “A política paternalista<br />

de dizer que o artesanato deve permanecer como tal é uma política errada;<br />

culturalmente é impositiva porque somos nós, de um nível cultural, que apreciamos<br />

aquele objeto pelas suas características, gostaríamos que ele ficasse<br />

ali. Então, é uma coisa insuportável, errada e de certo modo totalitária, você<br />

impor a uma coletividade, a um grupo, que permaneça naquele ponto. O remédio,<br />

a coisa que se oferece, é a idéia de que ele repita mais. Que passe a<br />

ter mais benefício através da repetição reiterada e monótona daquele momento<br />

da trajetória. E isso é inadequado porque você corta o fio da trajetória,<br />

o fio da invenção, da evolução da invenção, para que ele permaneça parado<br />

no tempo. O caminho, a meu ver, não é esse; o caminho é identificar isso, ver<br />

o nível de complexidade em que está, qual é o desenho do próximo passo e<br />

dar o estímulo para que ele dê esse passo”.<br />

Acima, maracas e cuias decoradas<br />

de Santarém (PA), e baú de couro de<br />

Juazeiro do Norte (CE); na página<br />

oposta, troncos coloridos de Juazeiro<br />

do Norte: artesanato de tradição é<br />

patrimônio da coletividade<br />

67


.gov/.com<br />

O PODER<br />

DE MULTIPLICAR<br />

por_Daniela Rocha<br />

ilustração_Grupo Dragão da Gravura<br />

Colagem de obras dos quatro integrantes<br />

do Grupo Dragão da Gravura


As políticas culturais voltadas para a juventude estão<br />

mudando seu foco. Em vez de buscar estimular<br />

um artista ou a realização de uma obra, elas estão<br />

priorizando o número de pessoas envolvidas, numa<br />

perspectiva coletiva, e buscando resultados amplos<br />

junto às parcelas da sociedade com pouco acesso a<br />

bens culturais. Há uma crescente percepção das atividades<br />

do setor como estratégicas em relação à juventude<br />

, tanto por seu apelo mobilizador como pelo seu<br />

potencial econômico. Mas, segundo especialistas, ainda<br />

há um longo caminho a percorrer em relação à qualificação<br />

e profissionalização na área.<br />

No âmbito do governo federal, o atual carro-chefe no<br />

setor é o programa <strong>Cultura</strong> Viva, lançado pelo Ministério da<br />

<strong>Cultura</strong> (MinC) no ano passado. A idéia é fortalecer ações<br />

culturais já existentes em comunidades populares,<br />

quilombolas e indígenas, que visem a promoção da inclusão<br />

social e cidadania, da formação para o trabalho e do<br />

princípio da economia solidária. “A cultura passa a ser um<br />

elemento agregador, em conjunto com a assistência social<br />

e a educação. A profissionalização dessas ações gera<br />

inclusão por meio da cultura”, diz o assessor da secretaria<br />

executiva do MinC, Alfredo Manevy, de 28 anos.<br />

A TENDÊNCIA DAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA A JUVENTUDE É<br />

INVESTIR NAS INICIATIVAS COMUNITÁRIAS, VINCULADAS À<br />

GERAÇÃO DE RENDA E À INCLUSÃO DIGITAL<br />

Ele é o representante do ministério junto ao Conselho<br />

Nacional de Juventude, formado em agosto deste<br />

ano. “A juventude é um segmento estratégico, que tem<br />

duas dimensões: a de risco, que exige ações para evitar<br />

que jovens se envolvam com o tráfico de drogas, por<br />

exemplo; e a de ação, que busca construir políticas em<br />

que a juventude seja protagonista em sua capacidade<br />

de reciclagem de valores”, diz. O Conselho, no entanto,<br />

ainda está elaborando uma política para a juventude em<br />

todos os setores, inclusive o cultural. Mas a tendência,<br />

segundo Manevy, é manter a linha do fortalecimento de<br />

ações preexistentes. “A cultura precisa ser entendida<br />

como fundamental agente de desenvolvimento, com impacto<br />

direto e indireto na economia do país, sobretudo<br />

se pensarmos nas possibilidades que ela abre na geração<br />

de emprego para os jovens”, diz.<br />

Segundo Célio Turino, secretário de Programas e Projetos<br />

<strong>Cultura</strong>is do Ministério da <strong>Cultura</strong>, o <strong>Cultura</strong> Viva –<br />

que neste ano recebe R$ 31 milhões – tem como objetivo<br />

de fundo restabelecer o vínculo do jovem com a<br />

comunidade e sedimentar uma rede de Pontos de <strong>Cultura</strong>,<br />

locais onde são desenvolvidos diversos projetos e<br />

69


que já somam 250 em todo o país. Um desses projetos é o Agente <strong>Cultura</strong><br />

Viva, convênio com o Ministério do Trabalho e Emprego que fornece 50<br />

bolsas de 150,00 reais mensais durante seis meses para capacitação de<br />

jovens em áreas como grafite, hip hop, desenho animado etc. Outra iniciativa<br />

é a <strong>Cultura</strong> Digital, convênio com o Ministério das Comunicações<br />

que viabiliza a conexão à internet nos Pontos e a distribuição de um kit<br />

multimídia, com dois computadores, câmera de vídeo, ilha de edição e<br />

estúdio básico, para produções audiovisuais.<br />

Para participar do programa, as instituições, com no mínimo dois anos<br />

de atuação, se candidatam junto ao ministério. Um exemplo de Ponto de<br />

<strong>Cultura</strong> é o Centro de Referência Hip Hop, na periferia de Teresina (PI),<br />

onde os jovens ganharam computadores do Banco do Brasil, que estavam<br />

ociosos, e montaram três telecentros em uma escola abandonada.<br />

O espaço é aberto à comunidade, com oficinas de hip hop, música,<br />

serigrafia e grafite. Mais de 30 jovens, entre 16 e 28 anos, são “oficineiros”,<br />

e uma cooperativa presta serviços de serigrafia e grafite. “Temos biblioteca,<br />

sala de leitura e fazemos reforço escolar para crianças, com oficinas<br />

para contar histórias”, diz Gil BV, 25 anos, gestor do projeto.<br />

Abrindo portões<br />

Outro exemplo de política cultural multiplicadora é o do Centro de<br />

<strong>Cultura</strong> da Universidade Federal de Minas Gerais. Muito antes de ser um<br />

A PERCEPÇÃO DE QUE O SETOR CULTURAL É ESTRATÉGICO NAS POLÍTICAS<br />

Ponto de <strong>Cultura</strong>, o espaço de participação social na área de cultura já<br />

existia e foi uma ação inédita a abertura dos portões da universidade<br />

para a comunidade. Criado há 15 anos como centro de exposições, hoje<br />

é um pólo gerador, com uma série de projetos em parceria com prefeituras,<br />

governo federal e entidades da sociedade civil.<br />

O objetivo é atuar na democratização do conhecimento, na ampliação<br />

do acesso aos meios de produção cultural e na formação de um público<br />

produtor e multiplicador de cultura. A ação levou para dentro do campus<br />

grupos culturais da Grande Belo Horizonte, e lançou-se para fora, capacitando<br />

professores da rede pública urbana e de aldeias indígenas. Criouse<br />

um Centro de Convergência de Novas Mídias, que coordena a Rede.Lê<br />

– Rede de Inclusão e Letramento Digital, com 18 telecentros no estado.<br />

“Trata-se de uma experiência de produção conjunta, com professores<br />

da UFMG na coordenação de trabalhos que reúnem estudantes de<br />

graduação e pós-graduação e alunos do ensino médio e professores de<br />

escolas da periferia”, diz a diretora do Centro, a historiadora Regina Helena<br />

Alves da Silva. Ali, são realizados encontros para fomentar a geração<br />

de políticas públicas para a juventude, incluindo questões como o<br />

trabalho e a geração de renda, e a ação dos agentes culturais em seus<br />

bairros. “O papel da universidade é gerar conhecimento. O Centro <strong>Cultura</strong>l<br />

concentra um grande grupo multidisciplinar que abre espaço para a<br />

produção coletiva de professores e alunos e para a pesquisa, por exem-


plo, para entender redes sociais e culturais urbanas”, diz a diretora. A<br />

instituição atinge todos os públicos, mas a professora Regina Helena<br />

estima que cerca de 25 mil jovens estejam envolvidos nas atividades<br />

do centro.<br />

<strong>Cultura</strong> e gestão<br />

O analista da Célula de Negócios em Turismo, <strong>Arte</strong>sanato e <strong>Cultura</strong><br />

do Sebrae de São Paulo, Arlindo de Lima Júnior, concorda que a área<br />

cultural pode ser estratégica como campo de ação de um público jovem,<br />

mas lembra que, do ponto de vista do mercado, o pré-requisito<br />

para o sucesso é ter qualificação. Para isso é preciso uma postura de<br />

empreendedor. No entanto, a idéia da cultura como negócio ainda<br />

não está sedimentada no Brasil. “O conceito de cultura como geradora<br />

de emprego e renda não é abordado com seriedade e como prioridade<br />

nem pelo governo, nem por empresários que poderiam se tornar<br />

parceiros e patrocinadores e se beneficiar da cultura e ações culturais<br />

como valor agregado a sua empresa ou produto”, diz o analista.<br />

O Sebrae propõe o empreendedorismo cultural, um modelo próprio<br />

de gestão e de organização no setor, que inclui, por exemplo, o trabalho<br />

em parcerias estratégicas em vez de ações isoladas. Mesmo assim,<br />

segundo Lima Júnior, ainda são poucos os que conhecem e valorizam<br />

essa postura na área cultural. “Uma das maiores dificuldades é<br />

PÚBLICAS JUVENIS ESTÁ CRESCENDO, MAS AINDA HÁ MUITO QUE AVANÇAR<br />

levar agentes e produtores culturais a perceber a necessidade de buscar<br />

maior profissionalização.” Para ele, enquanto os profissionais da<br />

área não entenderem a necessidade de uma maior capacitação e a<br />

importância de se estudar o perfil das possíveis empresas patrocinadoras<br />

antes de enviar seus projetos, a obtenção de apoios tende a ser<br />

lenta. “Além disso, é preciso se apresentar ao mercado com trabalhos<br />

de qualidade e excelência”, diz.<br />

Na área de educação, o Sebrae oferece cursos rápidos, como Investimento<br />

em <strong>Cultura</strong> (16 horas de duração) e Mercado <strong>Cultura</strong>l (20 horas<br />

de duração). Além disso, apóia algumas iniciativas de fomentação<br />

cultural, voltadas inclusive ao público juvenil, como a Associação Brasileira<br />

de Música Independente, a Rede de Agentes <strong>Cultura</strong>is (RAC) e a<br />

LIBRE (Associação Brasileira de Editoras). A de maior destaque é a<br />

RAC, hoje organizada na Associação Paulista de Empreendedores <strong>Cultura</strong>is<br />

(APEC). “É um movimento livre, que promove assembléias mensais,<br />

com objetivo de fortalecer as redes de contato que possam auxiliar<br />

os agentes a viabilizar seus projetos.” Os agentes cadastrados<br />

são 2.400. A intenção é reunir uma gama de profissionais que já estão<br />

no mercado, que estão entrando ou que querem ampliar contatos<br />

para trocar experiências e gerar oportunidades, explica Lima Júnior.<br />

“Essa é nossa estratégia: ações coletivas com foco no desenvolvimento<br />

de projetos.”<br />

71


chat de revista<br />

QUATRO JOVENS CONVERSAM SOBRE OS<br />

REFLEXOS DAS MANIFESTAÇÕES<br />

ARTÍSTICAS EM SUAS VIDAS<br />

ARTE<br />

NOSSA<br />

DE CADA DIA<br />

ANA LUCIA DA<br />

SILVA CAMPOS, 16<br />

Estudante da 8ª série, curte<br />

hip hop e faz artes circenses<br />

em Goiânia (GO)<br />

THALLES DE<br />

AGUIAR, 20<br />

Carioca, estuda Física na<br />

Universidade Federal do Rio<br />

de Janeiro e é baterista<br />

DAYANA SILVA<br />

GOMES, 20<br />

É atriz, formada pela Escola<br />

de <strong>Arte</strong>s Cênicas do Maranhão<br />

FAGNER<br />

MONTEIRO, 18<br />

Paulista de Ribeirão Pires, é<br />

ator e músico dedicado ao<br />

resgate da cultura popular<br />

GYANCARLO BRAGA A


O contato com a arte e as manifestações culturais pode<br />

se limitar ao entretenimento e lazer ou ir além: servir como<br />

instrumento de expressão social e construção da identidade,<br />

ajudar a promover inclusão social, denunciar uma<br />

realidade, resgatar uma tradição, sensibilizar para um<br />

aprendizado, e pode até se transformar em profissão.<br />

Na sala de bate-papo de Onda Jovem, nesta edição, quatro<br />

jovens trocaram idéias sobre essas questões:<br />

Raimundo Fagner Monteiro Martins, 18 anos, paulista de<br />

Ribeirão Pires, ator e músico dedicado ao resgate da cultura<br />

popular e participante da Arca, uma associação de<br />

artistas; Ana Lucia da Silva Campos, 16 anos, de Goiânia<br />

(GO), estudante da 8ª série, apreciadora de hip hop e entusiasta<br />

das artes circenses como participante do projeto<br />

<strong>Arte</strong>, Circo e Cidadania na Escola de Circo Lahetô;<br />

Dayana Roberta Silva Gomes, de São Luiz, recém-formada<br />

na Escola de <strong>Arte</strong>s Cênicas do Maranhão e integrante<br />

da Rede Sou de Atitude, o núcleo jovem da ONG Agência<br />

de Notícias da Infância Matraca; e o carioca Thalles Carvalho<br />

Giangiarulo Rocha de Aguiar, 20 anos, que cursa<br />

Física na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),<br />

estuda alemão, pratica aikido (uma arte marcial), toca<br />

bateria e gosta de todo tipo de música, menos pagode.<br />

Onda Jovem propôs as perguntas iniciais e depois os jovens<br />

fizeram as suas. A seguir, nosso “chat de revista”.<br />

ANDERSON DE OLIVEIRA DA SILVA /IMAGEM DO POVO<br />

FRANCISCO CAMPOS<br />

PAULO GONÇALVES DA SILVA<br />

73


Onda Jovem: O que é arte para você?<br />

THALLES: Acho que arte é uma forma de transmitir<br />

a outras pessoas o que sentimos e como vemos<br />

a realidade em que vivemos. Além disso, a arte<br />

pode ser um meio de inclusão social e também de<br />

extravasar sentimentos represados.<br />

FAGNER: <strong>Arte</strong> é botar para fora aquilo que sentimos<br />

por meio de formas,<br />

movimentos e<br />

sons.<br />

DAIANA<br />

DAIANA: É a arte de<br />

transformar pequenas<br />

coisas em grandes formas<br />

de expressão.<br />

Acho que essa arte de<br />

fazer a arte vai além<br />

dos limites humanos.<br />

ANA LUCIA: Para<br />

mim, arte é aquilo que dá liberdade ao ser humano<br />

de ir além do pensamento. A arte tem a capacidade<br />

de oferecer lazer e interação e dessa forma<br />

envolver todas as classes sociais.<br />

Qual é o contato que você tem com a arte no seu<br />

dia-a-dia e como ela afeta sua vida?<br />

DAIANA: Participo constantemente<br />

de seminários e oficinas de<br />

várias manifestações culturais.<br />

Faço dança contemporânea e adoro<br />

estar num palco. Também gosto<br />

de ler e de ver comédias, suspenses<br />

e dramas no cinema. Esses contatos<br />

com a arte me ajudam a desenvolver<br />

habilidades, demonstrar sentimentos,<br />

usar minha criatividade e<br />

ter sempre um novo olhar para as<br />

situações do dia-a-dia.<br />

ANA LUCIA<br />

THALLES: Eu tenho contato diretamente com<br />

a música. Toco bateria e meu irmão é baixista. Já<br />

toquei em várias bandas. Essa relação com a música<br />

foi a responsável por muitas amizades. Além<br />

disso, desde pequeno eu gosto muito de desenhar,<br />

a ponto de ter chegado a pensar em fazer disso<br />

uma profissão.<br />

THALLES<br />

FAGNER: Meu contato com a arte é por meio do cinema, do teatro, da música e da<br />

dança, mas tenho um interesse mais aprofundado no resgate da cultura popular.<br />

Nessa área, desenvolvo um trabalho de pesquisa com um grupo chamado Toadas a<br />

Trovadas.<br />

ANA LUCIA: Antes eu tinha contato apenas com hip hop, Quadrilha e Folia de Reis,<br />

mas agora estou ganhando conhecimentos em artes circenses e também participo<br />

de um espetáculo chamado “Nascimento do Mundo”. Tudo isso amplia minha visão<br />

de mundo, um modo diferente de ver e avaliar situações.<br />

“A arte amplia a minha<br />

visão de mundo” ANA LÚCIA CAMPOS<br />

Sem arte, como seria o mundo para você?<br />

THALLES: Acho que seria um tanto quanto chato. A arte é a minha principal fonte<br />

de entretenimento, com o cinema, teatro, exposições, shows e muito mais. E, como<br />

já disse, fiz grandes amigos por meio da música.<br />

FAGNER: A arte faz toda a diferença na minha vida. A arte nos faz ver o mundo de<br />

outra forma. Sem a arte, meu mundo seria uma coisa mecânica.<br />

DAIANA: Eu acho que o mundo seria muito chato, a expressão seria a<br />

mesma para todos.<br />

ANA LUCIA: Sem a arte eu não teria oportunidade de conhecer pessoas,<br />

lugares, ter experiências e situações de criação e participação na vida da minha<br />

cidade. Vejo que as meninas da minha idade que não viveram as experiências<br />

com arte que eu vivi não ampliaram seu mundo, muitas ficam só trabalhando<br />

de empregada doméstica ou babá.<br />

Como você vê a situação das manifestações culturais no Brasil, tanto para<br />

quem se envolve como artista quanto para quem só aprecia, como espectador?<br />

FAGNER: Há uma valorização um pouco maior da arte, principalmente da cultura<br />

popular, mais ainda é pouco. Alguns artistas se fecham, se dirigem a um público que<br />

já possui uma vivência com arte, quando o interessante seria que eles levassem seu<br />

trabalho às pessoas que não têm acesso a essa arte.<br />

ANA LUCIA: As manifestações artísticas brasileiras são muito importantes para<br />

a formação da identidade cultural dos jovens e por isso precisam ser mais valoriza-


“A arte é um meio de fazer inclusão social”<br />

RAIMUNDO FAGNER<br />

das. Elas são cada vez mais raras, pelo menos aqui em Goiânia.<br />

A gente quase não vê bonequeiros, repentistas e teatro de<br />

rua. Tem muita gente, também, que não considera a arte uma<br />

profissão e não topa pagar o valor que ela merece. As pessoas<br />

pedem muitas apresentações gratuitas.<br />

THALLES: A arte em geral é pouco incentivada e difundida.<br />

Quem perde é o povo, que deixa de adquirir cultura, e o artista,<br />

que não tem condições de crescer no seu trabalho. Por isso,<br />

que medidas vocês acham que o governo pode tomar para incentivar<br />

a arte?<br />

DAIANA: Primeiro, acho que nós, jovens, temos de mostrar<br />

o que queremos, para o governo elaborar e executar programas<br />

que atendam às expectativas da juventude. Esse processo poderia<br />

ser feito por meio de discussões de grupo, laboratórios,<br />

oficinas, pesquisas, apoio a projetos experimentais. Além disso,<br />

o governo precisa intensificar e estimular a arte na escola, para<br />

possibilitar a expressão e a descoberta de novos talentos, fomentando<br />

o protagonismo infanto-juvenil nas artes.<br />

ANA LUCIA: O governo deveria aprovar leis de apoio aos grupos<br />

que fazem cultura e criar políticas de incentivo à arte que<br />

permitam o acesso das pessoas de baixa renda.<br />

FAGNER: É preciso que o governo incentive programas de<br />

arte-educação e de resgate cultural, além de oferecer estímulos<br />

às empresas para que patrocinem projetos artísticos. Outra<br />

responsabilidade do poder público é fazer com que a verba destinada<br />

à cultura seja bem aplicada, beneficiando a arte e não<br />

alguns poucos artistas. Porque a arte, eu acredito, é um meio<br />

de fazer inclusão social. Vocês concordam?<br />

THALLES: Para mim, a arte é uma das melhores formas de<br />

inclusão social, e trabalhos com essa finalidade deveriam ser<br />

mais incentivados.<br />

ANA LUCIA: Acho que quanto mais uma sociedade tem contato<br />

com a arte, mais ela se valoriza e dá valor a suas manifestações<br />

culturais. A arte promove o desenvolvimento humano e,<br />

conseqüentemente, um maior engajamento das pessoas com<br />

a vida comunitária.<br />

DAIANA: A arte como engajamento social é muito importante,<br />

pois trabalha todas as relações pessoais e interpessoais, promove<br />

a cidadania, a eqüidade social, o conhecimento e a discussão<br />

da realidade. Por isso é que as diversas manifestações<br />

artísticas precisam ser mais valorizadas e principalmente o artista, que ainda é<br />

visto com preconceito, como quem não tem nada para fazer. Vocês acham que<br />

um artista consegue viver só da arte como profissão?<br />

THALLES: É possível viver somente da arte, mas acho que a<br />

pessoa tem de contar um pouco com a sorte também. O talento<br />

por si só não é decisivo.<br />

ANA LUCIA: Nosso grupo no circo Lahetô vive da arte. Mas<br />

se a sociedade valorizasse mais a arte e o artista, não seria<br />

preciso “ralar” tanto para manter um grupo. É difícil. Por outro<br />

lado, acredito que o artista, assim como qualquer outro profissional,<br />

tem de conquistar o respeito dos outros.<br />

FAGNER: Concordo. Acho que é possível sim o artista viver<br />

da sua arte. Basta ele acreditar no que faz e correr atrás do seu<br />

espaço.<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

FAGNER<br />

ARCA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE ABC/SÃO PAULO<br />

PROPOSTA Facilitar a inclusão no mercado trabalho<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 75 jovens<br />

APOIO AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO GRANDE ABC, PRIMEIRO EMPREGO,<br />

MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO<br />

CONTATO Rua Gotardo Botacin, 383, C 4 – Estância Noblesse – Ribeirão Pires (SP) –<br />

Tel.: 11/4823-2748 – arcarte@bol.com.br<br />

REDE SOU DE ATITUDE-MATRACA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO SÃO LUÍS (MA)<br />

PROPOSTA Monitorar políticas públicas do governo federal e mobilizar a mídia para ter uma<br />

nova perspectiva de crianças, adolescentes e jovens<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS Não há um número específico. A demanda é grande,<br />

abrangendo palestras e oficinas em escolas<br />

APOIO COORDENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇOS (CESE)<br />

CONTATO jovens@matraca.org.br<br />

CIRCO LAHETÔ (ESCOLA DE CIRCO DE GOIÂNIA)/PROJETO ARTE, CIRCO E CIDADANIA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO ZONA LESTE DA CIDADE DE GOIÂNIA (GO)<br />

PROPOSTA Atuar com crianças e adolescentes em situação de risco, utilizando a arte circense<br />

como principal ferramenta pedagógica, para formar e informar, visando a formação<br />

humana e a capacitação de novos artistas<br />

NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 120 crianças e adolescentes<br />

APOIO SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DE GOIÂNIA (LEI DE INCENTIVO À CULTURA MUNICIPAL),<br />

FACULDADE CAMBURY, FUMDEC – FUNDO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO,<br />

FUNDAÇÃO PRÓ-CERRADO, CMS – SCITECH<br />

CONTATO Rua 72, esquina com Av H – Parque da Criança – Jardim Goiás – Goiânia (GO) –<br />

Tel.: 62/3281-3301 – circolaheto@yahoo.com.br<br />

75


Links<br />

1<br />

Sinfônica Heliópolis regida pelo maestro Silvio Baccarelli<br />

FOTOS: DIVULGAÇÃO<br />

INSTITUTO BACCARELLI:<br />

CONCERTOS DA PERIFERIA<br />

Um dos cinco melhores espaços de ensino de música no mundo começa<br />

a ser construído agora em novembro em São Paulo, com conclusão<br />

prevista para daqui a um ano. Será um equipamento cultural de 6 mil m 2 ,<br />

com uma sala de concerto com 600 lugares, 12 camarins, 36 salas de<br />

estudo individual, 4 salas de estudo em grupo, sala de informática e biblioteca,<br />

entre outras áreas de convivência. O projeto acústico está sendo<br />

desenvolvido pela mesma equipe responsável pela acústica da Sala São<br />

Paulo, espaço da Orquestra Sinfônica de São Paulo. Mas a elite cultural<br />

que costuma freqüentar a Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes, terá<br />

de ir à periferia para usufruir os espetáculos musicais no novo espaço –<br />

em Heliópolis, na Zona Sul da capital.<br />

A oportunidade sem precedentes de formar músicos e também público<br />

para música acontece exatamente nessa comunidade carente, com<br />

120 mil moradores sem acesso a qualquer entretenimento cultural. Em<br />

Heliópolis, o <strong>Instituto</strong> Baccarelli instalará sua nova sede, a escola de música<br />

com capacidade e estrutura para atender 2.500 alunos por ano. “Será<br />

a primeira no Brasil a ser pensada e planejada com essa finalidade”, diz<br />

Edilson Venturelli, maestro e vice-presidente do <strong>Instituto</strong> que, desde 1996,<br />

promove o desenvolvimento pessoal e social de crianças e adolescentes<br />

de famílias de baixa renda por meio de manifestações artísticas.<br />

O maestro Zubin Mehta rege os jovens músicos do <strong>Instituto</strong> Baccarelli<br />

Com a parceria de empresas privadas (como<br />

a Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo <strong>Votorantim</strong>,<br />

Fundação Volkswagen, Banco Volkswagen<br />

e Petrobras) e com o apoio do Ministério<br />

da <strong>Cultura</strong>, o <strong>Instituto</strong> Baccarelli realiza os projetos<br />

Coral da Gente, Encantar na Escola, Orquestra<br />

do Amanhã e Sinfônica Heliópolis, beneficiando<br />

550 crianças e jovens entre 7 e 21 anos.<br />

Eles fazem constantes apresentações em casas<br />

culturais de São Paulo. “Costumo dizer aos alunos<br />

que eles podem pertencer a uma classe econômica<br />

desfavorecida, mas hoje pertencem à elite<br />

cultural do país”, conta Venturelli.<br />

COM ZUBIN META<br />

Os jovens músicos do <strong>Instituto</strong> Baccarelli<br />

também fazem parte agora de um restrito círculo<br />

de músicos regidos pelo famoso maestro<br />

indiano Zubin Mehta, regente da Filarmônica<br />

de Israel. De passagem por São Paulo, em agosto,<br />

Zubin Mehta visitou o <strong>Instituto</strong> e regeu a<br />

Sinfônica Heliópolis. Um jovem no contrabaixo,<br />

mesmo instrumento tocado por Metha, chamou<br />

a atenção. Era Adriano Costa Chaves, 17<br />

anos, há pouco mais de dois anos no <strong>Instituto</strong>.<br />

Ele foi convidado pelo maestro indiano a estudar<br />

na Academia da Filarmônica de Israel no<br />

próximo ano. “Eu não esperava essa oportunidade.<br />

Foi uma bênção. Agora estou me preparando<br />

para aproveitá-la da melhor forma possível.<br />

Comecei a ter aulas de hebraico, vou estudar<br />

inglês e me aperfeiçoar mais no<br />

contrabaixo”, diz Adriano, que está concluindo<br />

o ensino médio, numa escola pública, e já se<br />

dedica à música 8 horas por dia – esforço que<br />

teve uma bela recompensa.


MOMOMOMOMOMO<br />

2<br />

3 O<br />

A REDE SE AMPLIA<br />

O elenco de jovens talentos que colaboram com a<br />

produção de Onda Jovem não pára de crescer. Nesta<br />

edição, juntam-se ao time fotógrafos e ilustradores<br />

do Rio de Janeiro e de São Paulo. A carioca Deise<br />

Lane Lima, de 22 anos, foi a encarregada das fotos<br />

do ator Leandro Firmino da Hora, na seção O Sujeito<br />

da Frase (pág. 52). Deise começou a fotografar aos<br />

15 anos, depois de um curso no Centro de Ação Social<br />

da Maré, e hoje faz parte da equipe de fotógrafos<br />

do Viva Favela, portal na internet da ONG Viva<br />

Rio. Já o desenhista Jotapê, 19 anos, criou a ilustração<br />

da matéria Horizonte Global (pág. 26). Tatuador,<br />

ele integra o elenco da galeria Choque <strong>Cultura</strong>l, pioneira<br />

entre os espaços paulistanos dedicados à produção<br />

da arte de rua.<br />

CULTURA ATRAI AÇÕES SOCIAIS<br />

número de empresas que investem em programas<br />

sociais no Brasil é crescente. A última Pesquisa sobre Ação<br />

Social, de 2004, do <strong>Instituto</strong> de Pesquisas Econômicas<br />

Aplicadas (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento,<br />

abrange 4 mil empresas com projetos voltados para<br />

diversas áreas nas regiões Sudeste e Nordeste. Sabe-se<br />

que a maioria desses projetos, como comprova a pesquisa,<br />

ainda está voltada para atividades de assistência social<br />

e alimentação, mas a boa notícia é que, em certos<br />

nichos da cidadania empresarial, áreas como cultura e<br />

educação têm liderado as preferências dos investimentos<br />

sociais. É o que mostra o censo do Grupo de <strong>Instituto</strong>s, Fundações e Empresas (Gife), feito em 2004 com 71 associados<br />

que compõem uma rede considerada de referência no<br />

investimento social privado. Na lista de suas prioridades<br />

para investir recursos com fins sociais, <strong>Cultura</strong> e<br />

<strong>Arte</strong>s ocupam o segundo lugar, com 54% das preferências,<br />

atrás apenas de educação, com 87%. Crianças, adolescentes<br />

e portadores de necessidades especiais são<br />

o público beneficiado por 73% dos projetos em arte e<br />

cultura, envolvendo oficinas culturais, produção literária,<br />

teatral ou de audiovisual, atividades de dança e música,<br />

além da manutenção de espaços culturais, doação<br />

de material, concessão de bolsas e restauração de construções<br />

históricas.<br />

FOTOS: DIVULGAÇÃO / INSTITUTO ARTE NA ESCOLA<br />

77


Fato Positivo<br />

DE ACESSÓRIO<br />

A ESSENCIAL<br />

por_Leusa Araujo<br />

<strong>Arte</strong>-educadora<br />

desenvolve atividade com<br />

jovem: qualificação<br />

DIVULGAÇÃO / INSTITUTO ARTE NA ESCOLA<br />

O ensino da arte está começando a colher os frutos<br />

de uma mudança de mentalidade: em vez de ser tratada<br />

nas escolas como “momento cultural” ou atividade<br />

lúdica para “alívio das tensões”, a arte reincorpora a<br />

sua importância como disciplina do conhecimento,<br />

ampliadora de consciência e capaz de promover mudanças<br />

no mundo. “Ainda que estes novos ares não<br />

tenham chegado ainda àquela melhoria desejada na<br />

sala de aula, é possível dizer que o pior estágio da educação<br />

artística, aquele da folha mimeografada para<br />

colorir, está ficando no passado”, afirma Evelyn Iochpe,<br />

com o conhecimento de causa de quem fundou e há<br />

15 anos preside o <strong>Instituto</strong> <strong>Arte</strong> na Escola, a maior referência<br />

nacional na capacitação e qualificação de professores<br />

de arte da rede pública.<br />

De fato, no fim dos anos 80, o objetivo<br />

da aula de arte era fazer o estudante<br />

feliz. Essa arte esvaziada de<br />

seu conteúdo foi “um efeito danoso<br />

das chamadas décadas da livre expressão”,<br />

diz Evelyn, referindo-se ao<br />

fenômeno das Escolinhas de <strong>Arte</strong> dos<br />

anos 60 e 70. Para completar o quadro,<br />

a disciplina nem sequer era obrigatória<br />

no currículo escolar.<br />

Mas uma pesquisa, realizada em<br />

1989 pela Fundação Iochpe para a<br />

Universidade Federal do Rio Grande<br />

do Sul, revelava descontentamento<br />

por parte dos professores. Eles que-


A TRAJETÓRIA<br />

DO PROJETO<br />

ARTE NA<br />

ESCOLA INDICA<br />

QUE HÁ UMA<br />

NOVA<br />

MENTALIDADE<br />

NO ENSINO DE<br />

ARTE NO PAÍS<br />

Avesso<br />

Quase uma década depois de se tornar obrigatório no país, o ensino de arte ainda<br />

não chegou à metade das escolas. A obrigatoriedade foi uma conquista garantida<br />

pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de dezembro de 1996. Mas, na<br />

prática, isto ainda não acontece plenamente. “A estimativa do próprio Ministério da<br />

Educação é de que 50% das escolas estejam sem o curso regular de arte por falta de<br />

professores”, diz Evelyn Iochpe. Para reverter esse quadro, o MEC precisa formar<br />

novos docentes - por meio de consórcios com as universidades e de cursos à distância -<br />

até 2007. A meta, entretanto, não deverá se cumprir nesse espaço de tempo. “Não há<br />

vagas suficientes nas universidades e nem formas de custeio que dêem conta de todos<br />

os professores leigos que precisam ser capacitados,” avalia Evelyn.<br />

riam mais acesso ao conhecimento sobre história da arte e concordavam que era preciso<br />

partir da obra de arte para realizar o seu trabalho educacional em sala de aula.<br />

Capacitar esses professores, numa aliança com as universidades públicas, tornou-se um<br />

desafio. O projeto <strong>Arte</strong> na Escola surgiu, então, como o articulador de uma rede de educação<br />

continuada entre as universidades – o lugar certo para produzir o repertório cultural necessário<br />

para que novas metodologias de ensino, como a abordagem triangular de Ana Mae Barbosa<br />

(ver, contextualizar e fazer arte), fossem aplicadas, principalmente nas artes visuais.<br />

O passo seguinte foi a criação e a avaliação de materiais didáticos que falassem a língua<br />

do professor: milhares de vídeos, kits educacionais com reprodução de obras pertencentes<br />

aos museus brasileiros, CDs, DVDs e outros materiais de apoio à visitação de museus, salões<br />

e bienais foram desenvolvidos. “Tudo para iluminar a construção da obra de arte”, explica<br />

Evelyn, para quem somente a imagem de segunda mão na sala de aula não basta: “É preciso<br />

o contato com a arte dos museus e galerias, no seu original”.<br />

DESCOBERTAS E SURPRESAS<br />

Hoje, os números da Rede <strong>Arte</strong> na Escola são expressivos: mais de 4 milhões de alunos da<br />

rede pública, do ensino infantil, fundamental e médio, são atendidos por 20 mil professores,<br />

capacitados pelos 55 pólos universitários. Entre eles, o jovem Richard Maus, bolsista do Pólo<br />

da Universidade Federal do Paraná. Violonista, 22 anos, estudante de música na Universidade,<br />

que atua no projeto “Quarteto de Cordas: uma experiência educativa”, em que músicos<br />

entram na sala de aula para ministrar conteúdos peculiares aos instrumentos de corda e<br />

arco. “É a minha descoberta da música como disciplina didática”, resume Richard, que nunca<br />

teve aula de música na escola.<br />

Para quem ainda tem dúvidas sobre a importância desse aprendizado, o resultado de um<br />

longo trabalho de 20 anos, realizado pelo sociólogo da educação Aaron Benavot em 63 países,<br />

mostrou, para surpresa dos próprios pesquisadores, que é o bom ensino das artes e das<br />

ciências que resulta na obtenção de índices econômicos maiores para os países em desenvolvimento<br />

– e não o ensino da matemática e da língua, como se buscava comprovar. Mas a<br />

fundadora do <strong>Arte</strong> na Escola não se surpreendeu. “Nós já sabíamos que o ensino da arte<br />

melhora a cognição de forma geral e que não se trata de perfumaria para ricos, como muitas<br />

vezes foi tratado”.<br />

PARA SABER MAIS SOBRE<br />

INSTITUTO ARTE NA ESCOLA<br />

ÁREA DE ATUAÇÃO 24 ESTADOS E DISTRITO FEDERAL<br />

PROPOSTA Incentivar e qualificar o ensino da arte do Brasil<br />

JOVENS ATENDIDOS O instituto atende a 20 mil professores, cuja ação atinge 4 milhões de alunos das redes<br />

públicas, do infantil ao ensino médio<br />

AGENTES E EDUCADORES ENVOLVIDOS 230, entre professores, bolsistas, estagiários e voluntários universitários<br />

que atuam nos 55 Pólos da Rede <strong>Arte</strong> na Escola<br />

PATROCÍNIO FUNDAÇÃO IOCHPE, BNDES, BR PETROBRAS E BANCO BRADESCO, POR MEIO DA LEI DE INCENTIVO À<br />

CULTURA DO MINISTÉRIO DA CULTURA<br />

CONTATO Alameda Tietê, 618, Casa 3 – Cerqueira César - São Paulo (SP) – Tel. 11/3060-8388 –<br />

www.artenaescola.org.br<br />

79


Cartas<br />

DIVERSAS<br />

JUVENTUDES<br />

Nós, que lidamos diretamente<br />

com o público jovem, necessitamos<br />

de fato de um canal, como Onda<br />

Jovem, capaz de mostrar as várias<br />

caras da juventude. Parabéns pela<br />

iniciativa e que o empreendimento<br />

de vocês seja um sucesso.<br />

Benedito Maria, São Luís, MA<br />

A juventude está precisando exatamente<br />

disso, de uma publicação<br />

séria e enriquecedora como Onda<br />

Jovem.<br />

Ida Virgínia Comarin, por e-mail<br />

FAÇA CONTATO<br />

Envie cartas ou e-mails para esta<br />

seção com nome completo, endereço<br />

e telefone. ONDA JOVEM se reserva<br />

o direito de resumir e editar os<br />

textos. Endereço: Rua Dr. Neto de<br />

Araújo, 320, conjunto 403, CEP<br />

04111-001, São Paulo, SP. E-mail:<br />

ondajovem@olharcidadao.com.br.<br />

Onda Jovem é um espaço não só para jovens de baixa<br />

renda e sem instrução divulgarem suas idéias, sua indignação<br />

e suas aspirações por uma vida melhor, mas também<br />

para jovens como eu, lutadores, com nível superior, mas que<br />

ainda não conseguiram uma posição digna neste mundo. Criei<br />

uma associação ambientalista chamada AUPEC-VP, Associação<br />

dos Amigos e Usuários do Parque Ecológico de Vila Prudente,<br />

e participo da APREV, Associação de Profissionais Resgatando<br />

Vidas, dando cursos de inglês. Além disso, escrevo<br />

crônicas e faço artesanato em papel reciclado.<br />

Kleber Pedroso, São Paulo, SP<br />

Parabéns pelo excelente trabalho. A publicação aborda<br />

as temáticas voltadas para a juventude de uma forma extraordinária,<br />

interativa e principalmente atrativa.<br />

Ionara Silva, por e-mail<br />

Receber Onda Jovem é mais que um presente para nós<br />

que estamos à frente da elaboração de políticas públicas<br />

para a juventude. É de grande importância compreender<br />

e conhecer a realidades desse nosso imenso Brasil, cheio<br />

de sonhos e esperanças juvenis.<br />

Nilton Bispo, assessor de Juventude, Prefeitura de<br />

Embu, SP<br />

Acho de suma importância uma revista que fala sobre<br />

os jovens, pois trabalho com esse público como assistente<br />

social na Vila Brasilândia e adjacências. Atuo em uma<br />

associação como educadora de noções de cidadania, orientação<br />

sexual, prevenção contra o abuso de vícios e drogas,<br />

liberdade de escolha com responsabilidade e ética.<br />

Ivone S. Garcia, São Paulo, SP<br />

Nós, do Consórcio Social da Juventude da Grande<br />

Teresina, gostamos muito de Onda Jovem.<br />

Narcizo Chagas, Assistente de Inserção no Mercado<br />

de Trabalho, Teresina, PI<br />

Gostaria de receber Onda Jovem. Trabalho no Programa<br />

Voluntários da OSCIP Comunitas – Parcerias para o<br />

Desenvolvimento Solidário.<br />

Adelaide Barbosa Fonseca<br />

Espero receber Onda Jovem. Sou presidente da ONG<br />

Desenvolvimento com Justiça Social – DJS (www.djs.<br />

org.br). Trabalhamos e incentivamos o protagonismo juvenil<br />

por meio da educação em direitos humanos.<br />

Borny Cristiano, São Paulo, SP<br />

Onda Jovem me interessou muitíssimo.<br />

Sou assistente social e a revista<br />

pode me capacitar e informar para uma<br />

melhor intervenção cidadã e profissional.<br />

Ieda, por e-mail<br />

Somos uma ONG que atua na formação<br />

e capacitação de jovens e adolescentes<br />

por meio da educação empreendedora.<br />

Onda Jovem poderá contribuir<br />

com nosso trabalho.<br />

Manoel Gouvêa, diretor da Escola<br />

de Empreendedores, São Paulo, SP<br />

PROJETO DE VIDA E<br />

TRABALHO<br />

Recebi com imenso prazer a notícia de<br />

Onda Jovem. O primeiro número, Projeto<br />

de Vida, trata de um tema muito importante<br />

para nossa instituição de ensino.<br />

Vai ajudar nossa equipe a entender<br />

e lidar melhor com o público jovem no<br />

Grupo de Projetos Sociais.<br />

Renata Hespanhol, Universidade de<br />

Ribeirão Preto - UNAERP, São Paulo, SP


Agradecemos a menção de nosso Programa<br />

em sua revista sobre “A Nova Força<br />

do Trabalho”, aproveitando para dar-lhes<br />

os parabéns pelo belo trabalho editorial.<br />

Carlos H. Sampaio, Programa<br />

Iniciativa Jovem/Dialog/Shell<br />

Recebemos os exemplares “Projeto<br />

de Vida” e “A nova Força do Trabalho” da<br />

revista Onda Jovem. Atualmente, a Fundação<br />

Abrinq está implantando mais dois<br />

projetos de apoio ao jovem: o primeiro<br />

diz respeito à discussão do projeto de<br />

vida dentro das escolas que desenvolvem<br />

educação de jovens e adultos e outro<br />

sobre empreendedorismo juvenil e<br />

microcrédito. As duas publicações vieram<br />

ao encontro dos nossos desafios e<br />

têm contribuído muito com o desenvolvimento<br />

de nosso trabalho. Só temos a<br />

agradecer e parabenizá-los.<br />

Márcia Quintino e Maria do Carmo<br />

Krehan, Programa Prêmio Criança e<br />

Multiprojetos, Fundação Abrinq,<br />

São Paulo, SP<br />

Onda Jovem despertou meu interesse.<br />

Trabalho no Centro Pastoral Santa<br />

Fé, na região noroeste de São Paulo<br />

(Perus), com adolescentes em um Projeto<br />

de Formação de Lideranças Juvenis,<br />

por meio de atividades esportivas,<br />

de artesanato, reforço escolar e desenho,<br />

entre outras.<br />

Luciana Mizinski, São Paulo, SP<br />

Para o trabalho que realizamos, Onda<br />

Jovem é de extrema importância. Atuo<br />

como assistente social na ONG Centro<br />

de Convivência Menina Mulher, que<br />

atende meninas de 7 a 18 anos em situação<br />

de vulnerabilidade.<br />

Katia Cristina Novak, Curitiba, PR<br />

PARCEIRA NA<br />

EDUCAÇÃO<br />

Nós, da ONG Plugados na Educação,<br />

tivemos a imensa boa sorte de receber<br />

Onda Jovem. Nossa missão é promover<br />

a cultura de paz e o aprimoramento<br />

ético, cultural e pedagógico em escolas<br />

públicas estaduais e municipais<br />

de Minas Gerais e São Paulo.<br />

César Sousa Reis,<br />

Plugados na Educação<br />

Queremos receber Onda Jovem. Estamos iniciando um<br />

trabalho de conscientização, reintegração e auto-estima<br />

dos jovens de uma escola pública em Belo Horizonte. Fazemos<br />

parte do Projeto Sempre Um Ato, que em breve se<br />

tornará associação.<br />

Karla Danitza, Belo Horizonte, MG<br />

Parabéns por Onda Jovem. Sou professora da rede estadual<br />

de ensino, coordenadora pedagógica do Centro<br />

Educacional e Social da Consolata (CESC) e assessora da<br />

Pastoral da Juventude de Roraima. Conheci a revista por<br />

meio do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente<br />

de Roraima e me interessei muito, pois também estou<br />

concluindo o Curso de Especialização em Juventude, na<br />

Unisinos – RS.<br />

Vanilsa Pereira de Souza, Boa Vista, RR<br />

Como professora universitária e atuante em trabalhos<br />

sociais com juventude, apreciei muito a revista.<br />

Esther Alves de Sousa, por e-mail<br />

Sou bibliotecária, no Colégio Marista Palmas, e trabalhamos<br />

com grupos de jovens que atuam em ações sociais<br />

e solidárias na cidade de Palmas e região. Onda Jovem<br />

será de grande valia para nós.<br />

Anair Ribeiro Quintanilha Souza, Palmas, TO<br />

Gostaríamos de ter Onda Jovem em nosso acervo.<br />

Faculdade Paulista de Serviço Social, São Paulo, SP<br />

Por meio de pesquisadores da juventude, fiquei sabendo<br />

da revista, que interessa muito a quem atua, como eu,<br />

na área de educação e juventude.<br />

Gilmar Staub, São Miguel do Oeste, SC<br />

Onda Jovem é muito interessante e pertinente para nós,<br />

do Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista (CIP).<br />

Gostaríamos de receber os exemplares.<br />

Maitá Figueiredo, São Paulo, SP<br />

Parabéns pela iniciativa da revista. Sou diretor da ONG<br />

Associação Crescer, que tem a juventude como público alvo.<br />

Pe. Evando Batista de Morais, Contagem, MG<br />

Nós, Religiosas Concepcionistas Missionárias do Ensino,<br />

somos uma entidade religiosa católica que trabalha com<br />

educação de jovens. Gostaríamos de receber Onda Jovem.<br />

Edenilson Coelho, Sede Provincial, São Paulo, SP<br />

Na entidade Lua Nova, atendemos<br />

jovens mães e seus filhos. Adoramos<br />

Onda Jovem, especialmente a segunda<br />

edição, sobre Trabalho, que está muito<br />

relacionada com nossa missão e ações.<br />

Mirthes e Raquel Barros, por e-mail<br />

Nós, da Girassolidário (Agência da<br />

Rede Andi Brasil), achamos Onda Jovem<br />

de excelente qualidade.<br />

Antonio Sardinha, Mato Grosso do Sul<br />

Gostei muito das reportagens de<br />

Onda Jovem.<br />

Marcia Wada, A Cor da Letra,<br />

por e-mail<br />

SITE ONDA JOVEM<br />

Gostei demais de ter descoberto o<br />

site Onda Jovem. Vocês capricharam<br />

nos textos. Parabéns. Sou psicóloga,<br />

trabalho com prevenção à AIDS com jovens<br />

e gostaria de colaborar com vocês.<br />

Ana Luiza, psicóloga, por e-mail<br />

Nós, da Comunidade Transformar,<br />

gostaríamos de cumprimentá-los pela<br />

iniciativa da revista e do site Onda Jovem,<br />

muito bons, bem feitos e de excelente<br />

qualidade. É material importante<br />

para nosso Grupo de Estudos e como<br />

informação qualificada para esta ONG,<br />

que concluiu recentemente um processo<br />

de reestruturação e está iniciando<br />

uma nova fase com a implementação<br />

de projetos que, na sua maioria, têm o<br />

público jovem como destinatário.<br />

Washington de Bessa Barbosa<br />

Júnior, Ribeirão Preto, SP<br />

Parabéns, Onda Jovem, pela bela iniciativa,<br />

projeto gráfico e editorial. Assim<br />

como vocês, o InterCidadania comunica<br />

soluções em busca de um mundo melhor.<br />

Equipe InterCidadania, por e-mail<br />

81


Navegando


DESCONFORTO<br />

Se ficarmos muito quietos<br />

podemos dormir.<br />

Respirar pelo nariz<br />

malgrado o compacto<br />

olor de albume.<br />

Consentir<br />

que o sujeito ao lado<br />

resmungue uma<br />

ou duas queixas<br />

torcendo-se na poltrona<br />

ruidosamente.<br />

É um bonito trecho de Brasil que<br />

atravessamos<br />

neste ônibus<br />

neste fevereiro<br />

e não podia mesmo ser diferente.<br />

Para onde quer que se olhe,<br />

desta ou<br />

daquela janela,<br />

a fuzilaria descansa.<br />

A democracia avança<br />

com seus dentes-de-leite.<br />

POR OBRA DA ARTE<br />

Foi um artista visual que revelou a<br />

poesia ao mineiro Ricardo Rizzo, de<br />

24 anos. Quando tinha 13 anos, uma<br />

bolsa de iniciação artística oferecida<br />

pela sua escola, em Juiz de Fora<br />

(MG), levou-o às leituras visuais do<br />

artista plástico Arlindo Daibert sobre<br />

TARSILA<br />

De meia em meia hora<br />

meu coração de baleia<br />

se derrama<br />

sobre os cafezais<br />

Noite, chão, terra cheia<br />

outros mil corações de baleia<br />

respondem iguais<br />

não minto a quem me odeia.<br />

poemas_Ricardo Rizzo<br />

ilustração_Rodolfo Herrera<br />

as obras de Guimarães Rosa e Mário de Andrade. “Eu fiquei apaixonado pela literatura”, diz<br />

Rizzo. A paixão, como tantas, gerou o escritor. Já estudante de Direito, em 2002 publicou o<br />

livro “Cavalo Marinho e outros poemas” (Editora Nankin/Funalfa Edições). Em 2004, ganhou<br />

o prêmio Cidade Belo Horizonte com o livro ainda inédito “Ao Sul da Esfera”, que inclui os<br />

poemas desta página. Atualmente, Rizzo faz mestrado em Ciência Política na Universidade<br />

de São Paulo, mas sem se afastar da literatura: pesquisa os escritos políticos de José Alencar<br />

e é editor da revista literária “Jandira” (Funalfa Edições).<br />

83


O <strong>Instituto</strong> <strong>Votorantim</strong><br />

apóia essa causa.<br />

E quer ver muitos jovens<br />

fazendo sucesso na capa.

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