Arte e Cultura - Instituto Votorantim
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ano ano 1 1 – – – número 3 – novembro novembro 2005<br />
ARTE & CULTURA<br />
Como as manifestações artísticas e<br />
culturais promovem o desenvolvimento<br />
pessoal e social dos jovens brasileiros
FOTOS: PENNA PREARO<br />
sonar<br />
50% das escolas públicas não têm professores de arte<br />
Cerca de 1% do PIB brasileiro<br />
é gerado pela cultura<br />
MAIS DE 80% DAS CIDADES BRASILEIRAS NÃO TÊM<br />
MUSEUS, TEATRO, SALA DE CINEMA<br />
Cada R$ 1 milhão investido na área cultural<br />
gera 160 postos de trabalho<br />
Platéia do Master Crews, no Centro <strong>Cultura</strong>l Aiti-Ken (Brasil/Japão), em São Paulo
Educadores usam teatro, artes plásticas e música em<br />
São Paulo, João Pessoa e Manaus pág. 14<br />
O grupo Afro Reggae, do Rio, tira jovens do<br />
tráfico e já é quase auto-sustentável pág. 22<br />
A CULTURA HIP HOP SE ORGANIZA CADA VEZ MAIS NAS<br />
PERIFERIAS DAS CIDADES BRASILEIRAS PÁG. 60<br />
As políticas públicas estão priorizando as ações coletivas e<br />
profissionalizantes pág. 64<br />
A B.Girl Wal, da equipe GBCR, do Rio de Janeiro, na festa King of the Circle, em Sorocaba (SP)
âncoras<br />
“Hoje, os jovens têm mais autonomia para construir seu acervo<br />
cultural.”<br />
Paulo César Rodrigues Carrano,<br />
do Observatório da Juventude da Universidade Federal Fluminense<br />
“Nossa cultura tem valores que merecem ser<br />
preservados.”<br />
Délio Firmo Alves,<br />
índio da etnia Desano, de São Gabriel da Cachoeira (AM)<br />
“A ligação com a cultura me transformou em<br />
uma pessoa melhor, mais aberta aos problemas<br />
do mundo.”<br />
William da Silva Mota, 20 anos,<br />
músico do Projeto Charanga, em São Paulo<br />
“A criatividade é uma habilidade de sobrevivência, um recurso precioso,<br />
especialmente neste momento da história humana, marcado por<br />
instabilidades.”<br />
Eunice Soriano de Alencar,<br />
professora da Universidade Católica de Brasília, autora do livro “Criatividades Múltiplas”<br />
“A arte na educação, como expressão pessoal e como produção cultural, é<br />
um instrumento para a identificação social e o desenvolvimento individual.”<br />
Ana Mae Barbosa,<br />
professora da Universidade de São Paulo, especialista em ensino da arte<br />
BRUNO GARCIA
“É incrível, mas o cinema e o teatro me<br />
deram mais responsabilidade que o próprio<br />
serviço militar.”<br />
Leandro Firmino da Hora,<br />
ator, vice-presidente da ONG Nós do Cinema<br />
“Tem muita gente que não considera a arte uma<br />
profissão e não topa pagar o valor que ela merece.<br />
Pedem muitas apresentações gratuitas.”<br />
Ana Lucia da Silva Campos,<br />
16 anos, estuda artes circences no Circo Lahetô, em Goiânia (GO)<br />
“O planejamento de um desenho cultural brasileiro deveria ter como<br />
premissa a heterogeneidade e a diversidade culturais, que constituem a<br />
marca de nossa nacionalidade.”<br />
Tião Rocha,<br />
antropólogo e fundador do Centro Popular de <strong>Cultura</strong> e Desenvolvimento, em Minas Gerais<br />
RISONALDO CRUZ<br />
“A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com<br />
que elas conheçam outros mundos, aprendam a se<br />
expressar e a reivindicar seus direitos.”<br />
Nadia Barbosa Accioly, 19 anos,<br />
estuda poesia no Cria, em Salvador<br />
“A peça clássica “Opus 26”, de Max Bruch, é pura<br />
adrenalina, igual à de pichar em cima do viaduto ou<br />
no alto do prédio.”<br />
L. F. A. C. , 17 anos,<br />
ex-pichador, toca violino no Projeto Guri, em São Paulo<br />
DEISE LANE LIMA
expediente<br />
ano 1 – número 3<br />
novembro 2005/fevereiro 2006<br />
Um projeto de comunicação apoiado pelo<br />
<strong>Instituto</strong> Votoratim<br />
Projeto editorial e realização<br />
Fátima Falcão e Marcelo Nonato<br />
Olhar Cidadão – Estratégias para o<br />
Desenvolvimento Humano<br />
www.olharcidadao.com.br<br />
Direção editorial<br />
Josiane Lopes – MTb 2913/12/13<br />
Secretaria editorial<br />
Lélia Chacon<br />
Projeto gráfico<br />
Artur Lescher e Ricardo van Steen<br />
(Tempo Design)<br />
Colaboradores<br />
texto: Ana Mae Barbosa, Aydano André Motta,<br />
Cecília Dourado, Daniela Rocha, Ferreira Gullar,<br />
Flávia Oliveira, Iara Biderman, Jane Soares,<br />
Leonardo Brant, Karina Yamamoto, Katia Canton,<br />
Leusa Araujo, Marco Roza, Ricardo Rizzo, Ruth<br />
Cardoso, Tião Rocha, Yuri Vasconcelos<br />
foto: Anderson Oliveira, Andréa Agraiz, Andréa de<br />
Valentim, Antônio Lima, Arnaldo Carv alho, Augusto<br />
Pessoa, Beatriz Assumpção, Bruno Garcia, Celso<br />
Pacheco, Davilym Dourado, Francisco Andrade Neto,<br />
Francisco Campos, Gustavo Lourenção, Gyancarlo<br />
Braga, Henk Nieman, Isaiaz Medeiros, Kátia<br />
Lombardi, Márcia Zoet, Marcos Fernandes, Mayko<br />
Pereira, Paulo Gonçalves da Silva, Penna Prearo,<br />
Ratão Diniz, Rodrigo Castro, Viviane Pereira<br />
ilustração: Flávio Castellan, Grupo Dragão da Gravura,<br />
Gustavo Rates, Jotapê, Rodolfo Herrera<br />
Capa: grafite de rua fotografado<br />
por Henk Nieman<br />
Apoio editorial: Vinicius Precioso<br />
(<strong>Instituto</strong> <strong>Votorantim</strong>)<br />
Revisão: Eugênio Vinci de Moraes<br />
Diagramação<br />
Silvina Gattone Liutkevicius<br />
D’Lippi Editorial<br />
Fotolito<br />
D’Lippi Editorial<br />
Impressão<br />
Gráfica Sag<br />
Como entrar em contato com Onda Jovem:<br />
E-mail: ondajovem@olharcidadao.com.br<br />
Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320 - conj. 403,<br />
São Paulo, CEP 04111 001.<br />
Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464<br />
www.ondajovem.com.br um portal para quem<br />
quer saber de juventude<br />
Agradecimentos: Andi – Agência de Notícias dos<br />
Direitos da Infância e da Adolescência<br />
ONDA JOVEM SUGERE PLANOS DE AULA<br />
Os educadores que já usam o conteúdo de Onda Jovem para subsidiar seu trabalho com<br />
jovens agora contam também com os Planos de Aula disponibilizados na seção Sala do Professor,<br />
no site da revista (www.ondajovem.com.br). Os Planos de Aula são sugestões – formuladas<br />
por pedagogos exclusivamente para o site – de como dinamizar com os jovens as<br />
análises e discussões de reportagens e ensaios publicados pela revista. A primeira edição,<br />
que abordou o tema Projeto de Vida – e cuja íntegra permanece acessível no site – gerou<br />
dois Planos: um que explora a relação entre Mídia e Projeto<br />
de Vida, a partir de texto do psiquiatra Jairo Bouer, e outro<br />
sobre Trabalho e Projeto de Vida, baseado em ensaio de Antonio<br />
Carlos Gomes da Costa, discutindo os princípios do<br />
empreendedorismo. Na segunda edição, que tem o Trabalho<br />
como tema, estarão disponíveis quatro Planos de Aula,<br />
baseados em textos sobre vocação, valores do trabalho, as<br />
novas formas de ocupação e a relação entre tempo e trabalho.<br />
Ainda na Sala do Professor, podem-se conhecer as propostas<br />
de trabalho de educadores, na seção Mestres, e também<br />
fazer contato e trocar informações, na seção Colegas.<br />
DANIELLE JAIMES<br />
SADRAQUE SANTOS<br />
MARCOS FERNANDES/AGÊNCIA LUZ<br />
BRUNO GARCIA<br />
ARNALDO CARVALHO<br />
08<br />
14<br />
18<br />
22
8 - Navegantes<br />
A relação juvenil com a arte e a cultura, segundo os jovens<br />
14 - Mestres<br />
Três educadores fazem da arte a sua ferramenta pedagógica<br />
18 - Banco de Práticas<br />
O futuro e o passado inspiram quatro iniciativas culturais<br />
22 - Caminho das Pedras<br />
Como o Grupo <strong>Cultura</strong>l Afro Reggae, do Rio, disputa jovens<br />
com o tráfico<br />
26 - Horizonte Global<br />
O MuseoVivo coloca jovens chilenos em contato com sua<br />
cultura ancestral<br />
28 - Sextante<br />
Ferreira Gullar responde: para que serve a arte?<br />
30 -90 Graus<br />
<strong>Arte</strong>&<strong>Cultura</strong> e Sociedade: como se forma a identidade<br />
cultural<br />
34 - 180 Graus<br />
<strong>Arte</strong>&<strong>Cultura</strong> e Educação: os desafios da escola formal para<br />
o ensino da arte<br />
38 - 270 Graus<br />
<strong>Arte</strong>&<strong>Cultura</strong> e Mercado: as relações entre produção<br />
cultural e desenvolvimento econômico<br />
42 - 360 Graus<br />
<strong>Arte</strong>&<strong>Cultura</strong> e Contexto: como entender a arte<br />
contemporânea<br />
46 - Sem Bússola<br />
O poder de inclusão da arte passa pelas formas de<br />
comunicação que ela oferece<br />
52 - O Sujeito da Frase<br />
O ator Leandro Firmino da Hora explica por que “a arte nos<br />
torna responsáveis”<br />
56 - Ciência<br />
Criatividade: a juventude é mesmo um período de muita<br />
criação e flexibilidade<br />
60 - Luneta 1<br />
Hip Hop: os elementos da forma de expressão que<br />
conquistou a juventude brasileira<br />
64 - Luneta 2<br />
<strong>Arte</strong>sanato: a força social e econômica da arte feita com as mãos<br />
68 - .Gov.com<br />
A tendência das políticas culturais juvenis é investir em<br />
ações comunitárias<br />
72 - Chat de Revista<br />
Quatro jovens discutem o efeito da arte e das manifestações<br />
em suas vidas<br />
28é o número de<br />
projetos com jovens que você<br />
verá nesta edição<br />
Sonar 02<br />
Pistas do todo e de algumas<br />
partes da situação do jovem<br />
Âncoras 04<br />
Uma coleção de conceitos<br />
sobre arte&cultura<br />
Links 76<br />
Notícias sobre juventude e<br />
sobre o terceiro setor<br />
Fato Positivo 78<br />
A mentalidade do ensino da arte<br />
no Brasil está evoluindo<br />
Cartas 80<br />
A palavra do leitor<br />
Navegando 82<br />
A poesia de Ricardo Rizzo
MÁRCIA ZOET<br />
navegantes<br />
texto_ Jane Soares<br />
OPÇÃO:<br />
ARTE E
Jovens descobrem no envolvimento com as<br />
manifestações artísticas e culturais uma forma de<br />
ampliar horizontes e transformar a realidade<br />
CULTURA<br />
Guilherme é bailarino em Londrina<br />
(PR). Délio e Márcio lutam para resgatar<br />
e preservar a cultura dos índios<br />
do Amazonas e dos caboclos do Mato<br />
Grosso do Sul. Márcia participa de um<br />
grupo folclórico em Canoas (RS).<br />
Nadia faz poemas em Salvador (BA)<br />
e Tatiana grafita os muros abandonados<br />
de São Paulo (SP). Tiago é ator<br />
no Rio de Janeiro e Kelly, agente cultural<br />
em Belo Horizonte (MG). William<br />
faz parte de uma banda que cultiva<br />
ritmos brasileiros, em São Paulo. Representantes<br />
de realidades diversas,<br />
esses jovens se envolveram com a<br />
arte e as manifestações culturais por<br />
diferentes motivos, mas experimentam,<br />
todos, os efeitos transformadores<br />
das opções que fizeram e encaram<br />
com otimismo as dificuldades de<br />
exercê-las. Passaram de consumidores<br />
a produtores de bens culturais,<br />
num movimento muito característico<br />
da juventude, época de revelação<br />
de tendências e interesses pessoais,<br />
e também de descobertas do mundo<br />
e dos valores dos grupos, a rede<br />
fundamental pela qual ecoam seus<br />
gostos, gestos, atitudes.<br />
A pesquisa Perfil da Juventude Brasileira,<br />
realizada no fim de 2003 pelo<br />
Projeto Juventude, com 3.500 entrevistados<br />
em 198 municípios, detecta<br />
esse envolvimento dos jovens com a<br />
cultura. Entre os assuntos que mais<br />
interessam a esse público, a cultura e o lazer vêm em<br />
terceiro lugar, com 27% das indicações, atrás apenas da<br />
educação e o emprego. Dos assuntos que gostam de<br />
discutir, 46% dos entrevistados indicaram as drogas; 45%,<br />
a sexualidade; 43%, os esportes; e 34%, as artes. O levantamento<br />
mostra ainda que 15% participam de grupos<br />
de jovens. Entre as atividades desenvolvidas neles,<br />
as mais importantes são as religiosas e as musicais.<br />
A relação entre grupos e cultura é direta. O professor<br />
Paulo César Rodrigues Carrano, do Observatório da Juventude<br />
da Universidade Federal Fluminense, explica<br />
que os grupos permitem aos jovens realizar um exercício<br />
de mão dupla entre a cultura que herdaram e a que<br />
constroem. “Hoje, os jovens têm mais autonomia para<br />
construir seu acervo cultural”, diz. Para ele, é importante<br />
que as diferentes manifestações culturais sejam<br />
valorizadas. “É preciso evitar o dualismo entre bom e<br />
mau para que se possa entender essas manifestações.”<br />
Transformação cidadã<br />
“A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com<br />
que elas conheçam outros mundos, aprendam a se expressar<br />
e a reivindicar seus direitos”, diz Nadia Barbosa<br />
Accioly, 19 anos, estudante do ensino médio, que faz<br />
parte do grupo de poesia do Cria, Centro de Referência<br />
Integral do Adolescente, de Salvador. Seu objetivo já está<br />
definido: ser atriz e professora de teatro. Antes de chegar<br />
ao Cria, ela participou de um grupo de teatro de rua<br />
no Liceu de <strong>Arte</strong>s e Ofícios. Com uma irmã e outros<br />
jovens do bairro de Nova Brasília, onde mora, Nadia está<br />
estruturando também um trabalho social na escola estadual,<br />
com foco na saúde. É uma forma de repassar<br />
os conhecimentos obtidos.<br />
“A necessidade de passar a experiência adquirida<br />
adiante é um traço muito forte entre os jovens ligados<br />
TATIANA GARRIDO,<br />
24 ANOS<br />
é artista visual e grafiteira<br />
a movimentos culturais”, observa a<br />
psicanalista e atriz Maria Eugênia<br />
Milet, coordenadora do Projeto Cria.<br />
Segundo ela, os integrantes das camadas<br />
mais pobres, até por terem<br />
pouco acesso aos bens culturais tradicionais,<br />
criam sua própria cultura:<br />
“Quando têm oportunidade de passar<br />
por um processo de aprendizado,<br />
eles deixam de ser pessoas levadas<br />
pela maré e tornam-se cidadãos,<br />
agentes de transformação de suas<br />
comunidades”. Paulo Carrano concorda.<br />
“A cultura da escassez gera<br />
criatividade até para superar a própria<br />
escassez, como acontece com o<br />
rap e o hip hop, que podem ser entendidos<br />
como uma forma de participação<br />
política.”<br />
9
navegantes<br />
Foi assim com Kelly Christian Louize<br />
da Silva, 23 anos, residente no<br />
bairro de Teresópolis, em Betim, região<br />
metropolitana de Belo Horizonte.<br />
Ela trabalha com movimentos culturais<br />
há cinco anos, desde que começou<br />
a freqüentar o hip hop e foi<br />
convidada a integrar um projeto de<br />
formação de agentes culturais. Kelly<br />
destaca a importância de os jovens<br />
participarem de movimentos cultu-<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
rais. “Assim, eles começam a enxergar a vida de uma<br />
perspectiva mais ampla, pois têm contato com outras<br />
realidades, conseguem construir uma nova identidade,<br />
aumentar sua auto-estima e adquirir instrumentos<br />
para mudar sua realidade”, diz.<br />
O efeito é multiplicador. Tanto Kelly quanto Nadia citam<br />
seus próprios exemplos. Elas se transformaram em<br />
referências positivas importantes em suas comunidades.<br />
“Outros jovens me procuram para saber como podem<br />
participar de movimentos”, conta Nadia.<br />
FUNDAÇÃO CULTURA ARTÍSTICA DE LONDRINA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO LONDRINA (PR)<br />
PROPOSTA Criação de um curso regular e profissionalizante de dança, com duração de oito anos. Nos últimos<br />
cinco anos, em parceria com a Secretaria de <strong>Cultura</strong>, criou a Rede de Cidadania, que faz iniciação à dança em<br />
cinco bairros da cidade para identificar talentos<br />
JOVENS ATENDIDOS 600<br />
APOIO PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA<br />
CONTATO Rua Souza Naves, 2.380 – 86015-430 – Londrina (PR) – tel.: 43/3342-2362 – e-mail:<br />
funcart@funcart.art.br<br />
PROGRAMA NÓS DO MORRO<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO MORRO DO VIDIGAL, NO RIO DE JANEIRO<br />
PROPOSTA Formar atores para o teatro e o cinema<br />
JOVENS ATENDIDOS 300<br />
APOIO PETROBRAS<br />
CONTATO Rua Dr. Olinto de Magalhães, 54 – 22450-250 – Vidigal – Rio de Janeiro (RJ) – tel.: 21/3874-9411 –<br />
www.nosdomorro.com.br – e-mail contato@nosdomorro.com.br<br />
PROJETO CHARANGA, DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DESPERTAR<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO ZONA SUL DE SÃO PAULO<br />
PROPOSTA Oferecer cursos profissionalizantes, de capacitação e geração de renda<br />
JOVENS ATENDIDOS 146<br />
CONTATO Rua Antonio Machado Sobrinho, s/n. – 04416-170 – Cidade Adhemar – São Paulo (SP) –<br />
tel.: 11/5621-0901 – e-mail: asscomdespertar@uol.com.br<br />
PROJETO CRIA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO CAPITAL E TRÊS CIDADES DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 15 CIDADES NO INTERIOR<br />
DO ESTADO, ALÉM DE CONVÊNIO COM PROJETOS DE PIPA (CE), NÁPOLES (ITÁLIA) E MOÇAMBIQUE<br />
PROPOSTA Programa de educação para a cidadania centrado no teatro e na poesia<br />
JOVENS ATENDIDOS 96<br />
APOIO UNICEF, CESE, FUNDAÇÃO MACARTHUR, AVINA, COFIC, INSTITUTO CREDICARD, FUNDAÇÃO FORD, WORLD<br />
CHILDHOOD FOUNDATION<br />
CONTATO Rua Gregório de Matos, 21 – 40025-060 – Pelourinho – Salvador (BA) – tel.: 71/3322-1334 –<br />
www.criando.org.br – e-mail: cria@criando.org.br<br />
Vocação e sustento<br />
A transformação pessoal diante da<br />
descoberta de um talento artístico é<br />
fato. E gera desafios. Guilherme<br />
Floriano Silva, 15 anos, nunca tinha<br />
visto um espetáculo de balé clássico<br />
antes de conhecer a Fundação <strong>Cultura</strong><br />
Artística de Londrina. Morando<br />
com a madrinha em Alexandre Urbano,<br />
bairro de classe média baixa da<br />
cidade, o garoto fazia parte da Guarda<br />
Mirim. Sua expectativa era se preparar<br />
para conseguir um emprego e<br />
ajudar a família. Como gostava de<br />
dançar, um de seus professores o encaminhou<br />
para a Fundação. Foi a descoberta<br />
de um mundo inteiramente<br />
novo. Com apenas quatro meses de<br />
aula, fez sua estréia no palco. “Apesar<br />
do medo de errar, foi uma emoção<br />
muito forte”, conta. Deixou a<br />
Guarda Mirim, certo de que seu destino<br />
profissional está ligado à dança.<br />
Cursando a 8ª série, treina sete horas<br />
por dia, na esperança de conquistar<br />
uma vaga no Balé de Londrina e,<br />
KELLY CHRISTIAN<br />
LOUIZE DA SILVA,<br />
23 ANOS<br />
é agente cultural em Belo<br />
Horizonte e se envolveu com o<br />
setor por causa do hip hop<br />
DÉLIO FIRMO ALVES,<br />
21 ANOS<br />
índio da etnia amazônica<br />
Desano, luta pela preservação<br />
da memória indígena<br />
NADIA ACCIOLY,<br />
19 ANOS<br />
é aluna do ensino médio, estuda<br />
poesia em Salvador e quer ser<br />
atriz e professora de teatro<br />
MÁRCIA ALMEIDA,<br />
23 ANOS<br />
é administradora de empresas e<br />
integra um grupo de preservação<br />
das tradições gaúchas,<br />
em Canoas
Estudos apontam a grande<br />
RISONALDO CRUZ<br />
KÁTIA LOMBARDI<br />
importância que os jovens conferem<br />
aos temas culturais. Na relação com o<br />
grupo, eles fazem um exercício de<br />
mão dupla entre a cultura que<br />
herdam e a que constroem<br />
ANDRÉA AGRAIZ FRANCISCO ANDRADE NETO<br />
11
navegantes<br />
quem sabe, no futuro, ganhar uma<br />
bolsa para estudar fora do país. “Quero<br />
me profissionalizar, passar o que<br />
aprendi para outras pessoas e ganhar<br />
dinheiro para ajudar minha família<br />
fazendo o que gosto”, sonha.<br />
Meta semelhante tem o paulistano<br />
William da Silva Mota, 20 anos. Ele quer<br />
ganhar a vida como músico, tocando<br />
instrumentos de percussão e ensinando.<br />
Com o 2º grau concluído, ele enfrenta,<br />
porém, a resistência da família,<br />
que o pressiona para conseguir um<br />
emprego formal. Mas não se dá por<br />
vencido. Participa de um coral e de um<br />
grupo de dança do Projeto Charanga,<br />
na Associação Comunitária Despertar,<br />
em Americanópolis, bairro periférico<br />
na zona sul de São Paulo. Nos fins de<br />
semana, trabalha como assistente de<br />
discotecário e de palco. William afirma<br />
ter se encontrado no Charanga,<br />
idealizado pelo músico Maurício Alves,<br />
da banda Mestre Ambrósio, e que tra-<br />
Faltam espaços mais democráticos<br />
para que a juventude possa se afirmar<br />
não só como consumidora, mas como<br />
criadora de bens culturais, que<br />
possibilitem o autoconhecimento e a<br />
valorização pessoal<br />
CELSO PACHECO Faltam espaços mais democráticos<br />
balha com vários ritmos brasileiros. “A ligação com a cultura<br />
me transformou em uma pessoa melhor, mais aberta<br />
aos problemas do mundo”, conta.<br />
Renovação democrática<br />
A socióloga Maria Virgínia de Freitas, integrante do<br />
Conselho Nacional da Juventude, destaca a importância<br />
dos movimentos populares culturais para definir a<br />
identidade de seus participantes e o seu lugar no mundo.<br />
Ela defende a criação de espaços mais democráticos<br />
para que os jovens possam se afirmar não só como<br />
consumidores de cultura, mas como criadores de bens<br />
culturais, que possibilitem o autoconhecimento e a valorização<br />
pessoal. Maria Virgínia destaca a grande renovação<br />
que está ocorrendo nas periferias, com a multiplicação<br />
de estações de rádios livres, dos grafiteiros e<br />
da criação de fanzines.<br />
Tatiana Garrido, 24 anos, faz parte desse grupo. Ela<br />
sempre gostou de desenhar. Tanto que fez um curso<br />
técnico de desenho para comunicação. Ainda na escola,<br />
juntou-se a um grupo de grafiteiros do bairro do<br />
Tatuapé, bairro de classe média na zona leste de São<br />
Paulo. Não parou mais. Agora, mesmo pilotando sua<br />
própria empresa de comunicação visual, continua co-<br />
ISAIAZ MEDEIROS<br />
locando sua arte nos muros da cidade.<br />
“É uma forma de causar impacto,<br />
de mudar a visão das pessoas em relação<br />
ao ambiente em que vivem, de<br />
alegrar a cidade”, diz Tatiana, que<br />
criou, com o marido e um amigo, a<br />
Grafiteria, uma galeria para expor as<br />
obras dos artistas urbanos.<br />
Memória e tradição<br />
Mas o resgate das culturas tradicionais<br />
de determinadas regiões também<br />
é fator que tem motivado muitos jovens.<br />
Foi o que aconteceu com Márcia<br />
Almeida, uma administradora de empresas<br />
de 23 anos, residente em Porto<br />
Alegre (RS), e Márcio Roberto da Silva<br />
Oliveira, 23 anos, professor de Física<br />
que mora em Campo Grande (MS).<br />
Quando se mudou de Santa Catarina<br />
para Porto Alegre para trabalhar em<br />
uma empresa argentina de equipamentos<br />
hidráulicos, Márcia ingressou<br />
no Grupo Folclórico Tropeiros da Tra
dição, de Canoas. “Conhecer a cultura de nosso povo nos<br />
faz entender o significado de nossos valores”, diz ela.<br />
Márcio, por seu lado, se considera um grande consumidor<br />
de cultura alternativa. Trabalhando em sua tese de<br />
mestrado na área de eletroquímica, ele é também dançarino<br />
do grupo Sarandi Pantaneiro, que tem por objetivo<br />
resgatar e preservar a música e a dança do Mato Grosso<br />
do Sul. Márcio participa ainda do movimento Negras<br />
Raízes, que recentemente editou um livro reunindo poemas<br />
de poetas negros. “Resgatar a cultura é vital para<br />
não perdermos nossa identidade como povo”, diz.<br />
Esse também é o entendimento de jovens índios de São<br />
Gabriel da Cachoeira, na Amazônia, onde 90% dos 35 mil<br />
habitantes são descendentes de várias etnias indígenas.<br />
Délio Firmo Alves, de 21 anos, da etnia Desano, estudante<br />
do curso técnico de Enfermagem, lembra que, ao entrar<br />
em contato com os índios, os missionários brancos impuseram<br />
sua cultura. Assim, costumes, tradições, a própria<br />
língua foram esquecidos. “Com isso, os índios também perderam<br />
seus valores, sua identidade.” A nova geração desenvolve<br />
esforços para resgatar mitos, música, dança, costumes,<br />
linguagem das diferentes etnias e luta pela criação<br />
de centros de cultura indígena. “Nossa cultura tem valores<br />
que merecem ser preservados”, diz.<br />
BRUNO GARCIA<br />
O FUTURO É AGORA<br />
“Minha paixão pelo teatro começou quando fui assistir a<br />
uma peça na qual meu irmão trabalhava, no grupo Nós<br />
do Morro, do Vidigal, no Rio de Janeiro. Era um garotinho.<br />
Fiquei deslumbrado com as luzes, o texto, a movimentação<br />
dos atores e resolvi fazer parte do projeto. Na<br />
primeira vez que subi em um palco, chorei de emoção com<br />
os aplausos do público. Eles são o melhor prêmio que um<br />
ator pode desejar. Depois de nove anos de dedicação, os<br />
resultados começam a aparecer. Faço parte do elenco do<br />
Nós do Morro e já atuei em peças como “Eles contra Eles”,<br />
“Sonhos de uma Noite de Verão”. Também participei da<br />
novela “Da Cor do Pecado”, da TV Globo, na qual fiz o<br />
papel de um menino de rua que era engraxate. Agora,<br />
estou escalado para atuar na novela “Belíssima”,<br />
inclusive gravando cenas na Grécia. A cada trabalho, a<br />
emoção se renova, reafirmando minha certeza de que,<br />
sem arte, a vida não é nada. Quero fazer faculdade de<br />
Cinema e ensinar a outros jovens, para que eles possam<br />
ter as oportunidades que eu tive e para que possam fazer<br />
um trabalho que não é apenas uma forma de ganhar<br />
dinheiro, mas que é pura paixão.”<br />
RATÃO DINIZ / IMAGENS DO POVO<br />
TIAGO MARTINS, 16 ANOS<br />
é ator no Rio de Janeiro, do Grupo Nós do Morro<br />
GUILHERME FLORIANO DA SILVA, 15 ANOS<br />
estudante da 8ª série e aluno de balé em Londrina, treina sete horas<br />
por dia para ser bailarino profissional<br />
MÁRCIO ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA, 23 ANOS<br />
é professor de Física em Campo Grande, onde participa de um<br />
grupo de música e dança típicas do Pantanal<br />
WILLIAM MOTTA, 20 ANOS<br />
é percussionista e quer viver de música em São Paulo, mas enfrenta<br />
a resistência da família<br />
13
mestres<br />
A EDUCAÇÃO<br />
PELA ARTE<br />
Na Amazônia, jovens ajudam a preservar<br />
a floresta aprendendo música<br />
e fabricando instrumentos musicais.<br />
Na Paraíba, a estamparia e a serigrafia<br />
elevam a auto-estima de meninos<br />
e meninas, e, em São Paulo, o teatro<br />
reduz a discriminação entre estudantes.<br />
Mestres nessas artes, três educadores<br />
usam seu talento para mostrar<br />
que a expressão artística ajuda a<br />
transformar os jovens em cidadãos<br />
capazes de reconhecer os outros, a<br />
si mesmos e de assumir seus sonhos.<br />
Mostram que a arte faz pensar, educa,<br />
inclui. E que não por acaso ela se<br />
torna ferramenta cada vez mais valorizada<br />
na educação.<br />
Para o músico e luthier Rubens Gomes,<br />
que trabalha na região amazônica<br />
desde a década de 80, só há salvação<br />
para a floresta se salvarmos,<br />
ao mesmo tempo, os jovens que lá<br />
vivem. Motivado por essa idéia, há<br />
sete anos ele criou a Oficina Escola<br />
de Lutheria da Amazônia (Oela), no<br />
bairro de Zumbi, em Manaus, unindo<br />
a arte e a preservação ambiental.<br />
“Transformei minhas habilidades ar-<br />
tísticas em um meio para estimular o uso racional dos<br />
recursos naturais”, diz.<br />
Na Oela, ensina música e profissionaliza jovens integrantes<br />
de uma população em que 60% estão desempregados,<br />
94% têm no máximo o primeiro grau e mais<br />
de 15% dos que têm acima de 10 anos nunca estudaram.<br />
“As populações vivem abandonadas à própria sorte.<br />
No Zumbi, os jovens se organizavam em galeras e<br />
se matavam uns aos outros”, conta Gomes.<br />
Sintonia com a floresta<br />
A Oela oferece alternativa. Os jovens são capacitados<br />
a transformar recursos naturais em bens. Além das<br />
aulas de música, cursam informática e participam de<br />
grupos de discussão sobre assuntos como sexualidade,<br />
violência e drogas. Recebem educação ambiental,<br />
discutindo, por exemplo, o manejo indiscriminado das<br />
espécies em extinção. Como o pau-brasil, insubstituível<br />
para o arco de violino; o mogno, usado para a confecção<br />
de braços de violões clássicos; e o jacarandá da<br />
Bahia, a “Daubergia nigra”, que é referência mundial para<br />
as laterais e fundos de violões e muito valorizado no<br />
por_Marco Roza<br />
exterior. “A partir desse aprendizado,<br />
os jovens são envolvidos com a arte<br />
da manufatura de instrumentos musicais<br />
de alta qualidade e se abre para<br />
eles uma alternativa de vida em<br />
sintonia com a conservação da floresta”,<br />
diz Gomes.<br />
O projeto está indo além de<br />
Manaus. “Nas regiões ribeirinhas, ensinamos<br />
aos jovens o processamento<br />
da madeira e a marchetaria, que já<br />
é uma tradição na região.” A principal<br />
população beneficiada fica em Boa<br />
Vista do Ramos, no baixo Amazonas,<br />
a 18 horas de barco de Manaus. As<br />
madeiras são todas certificadas e as<br />
comunidades estão montando entidades<br />
que permitam encaminhar a<br />
produção até para o exterior. Comunidades<br />
com jovens que, segundo<br />
Gomes, antes “viviam de costas para<br />
a floresta”.
AUGUSTO PESSOA<br />
COM A MÚSICA, AS ARTES VISUAIS E O<br />
TEATRO, TRÊS EDUCADORES INDICAM AOS<br />
JOVENS NOVOS CAMINHOS PARA O<br />
DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL<br />
A professora universitária Lívia Marques<br />
implantou projetos de arte-educação na Casa<br />
Pequeno Davi, em João Pessoa (PB)<br />
15
O músico Ruben Gomes criou a Oela,<br />
uma oficina-escola de instrumentos<br />
musicais que ensina a preservar a<br />
floresta, em Manaus (AM)<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
Foco na auto-estima<br />
Em João Pessoa, o maior desafio de Lívia Marques<br />
Carvalho é lidar com o sentimento de desvalia que toma<br />
conta da juventude atendida na Casa Pequeno Davi e na<br />
Casa Menina Mulher. Ela diz que só depois que os jovens<br />
se integram é que se percebem como pessoas. Eles se<br />
motivam e são devolvidos ao mercado, geralmente desempregados,<br />
quando completam 18 anos. O que se<br />
torna mais um desafio. “Ensinamos a pescar, mas para<br />
dar certo o rio tem de ter peixe”, observa.<br />
Lívia é professora de <strong>Arte</strong>s Visuais na Universidade<br />
da Paraíba, em João Pessoa. Nas proximidades do Terminal<br />
Rodoviário da cidade fica o bairro Baixo Roger. A<br />
CASA DO PEQUENO DAVI E CASA MENINA MULHER<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO JOÃO PESSOA (PB)<br />
PROPOSTA Contribuir para a promoção dos direitos da criança e do adolescente em situação de risco social por meio de<br />
ações de educação integral<br />
JOVENS ATENDIDOS 300 crianças e jovens entre 7 e 17 anos<br />
APOIO UNICEF, IRLAND AID, IRISH BANK (DA IRLANDA), EMPRESA SKN, FRANK DER LINDERE CORDAID, UNIVERSAL CONCERN (DA<br />
HOLANDA), CSCF (DO GOVERNO DA GRÃ-BRETANHA), COMUNIDADE LUTHERANA (ALEMANHA), EUROPEAN COMMUNITY CONCERN<br />
(UNIÃO EUROPÉIA), SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL, SECRETARIA DO TRABALHO E DE PROMOÇÃO SOCIAL DE JOÃO PESSOA<br />
CONTATO Rua João Ramalho, 195 – 58020-200 – João Pessoa (PB) – tel.: 83/3241-526 – www.pequenodavi.org.br<br />
NEY MENDES<br />
população infantil e adolescente<br />
vive espalhada pelas ruas. Em 1985,<br />
os padres da Irmandade São<br />
Vicente de Paulo criaram a Casa<br />
Pequeno Davi. Em 1989, quando se<br />
decidiu trabalhar com atividades artísticas,<br />
Lívia foi fisgada para o projeto.<br />
“Não consegui sair mais”, diz a<br />
atual dirigente.<br />
“Aproveitamos o envolvimento com<br />
a arte, que não tem isso de certo ou<br />
errado, para ajudar os jovens de baixa<br />
renda a aprender o que é a auto-estima”,<br />
explica. Os jovens aprendem estamparia,<br />
impressão de camisetas em<br />
serigrafia, fazer bijuterias e cangas,<br />
que a entidade coloca à venda. “O foco<br />
deles, na rua, é a subsistência. Pela<br />
arte, percebem que podem se colocar<br />
no que fazem, ganham confiança e<br />
descobrem que são cidadãos.”<br />
Ligado ao mesmo projeto está a<br />
Casa Menina Mulher, inaugurada em<br />
1998. “Queremos que as meninas<br />
aprendam a gostar de si mesmas e<br />
a entender os riscos do ambiente em<br />
que vivem”, diz a professora. Além<br />
do aprendizado artístico, elas discutem<br />
saúde e higiene, sexualidade,<br />
drogas, violência e gravidez.<br />
Segundo Lívia, o mais animador é ver<br />
os garotos e garotas conseguirem<br />
completar o ensino médio. “Trata-se<br />
de um esforço excepcional do adolescente<br />
da região, que enfrenta a falta<br />
de estímulo e a pressão da família para<br />
a busca de renda no mercado informal”,<br />
orgulha-se a educadora.<br />
Integração pelo teatro<br />
A arte é poderosa também para<br />
mudar visões de mundo e combater<br />
a discriminação. Com essa certeza, a<br />
paulistana Patrícia Teixeira, professora<br />
do ensino médio, criou o Teatro da<br />
Inclusão. Tudo começou em 1999, a<br />
partir de contato que teve com alunos<br />
com necessidades especiais, na<br />
Escola Estadual Benjamin Constant.<br />
“Eles viviam em pequenos guetos,<br />
eram discriminados e discriminavam<br />
os demais alunos”, diz. Formada em<br />
Educação Artística e pós-graduanda
em Psicologia Analítica, na PUC de<br />
São Paulo, ela decidiu usar as artes<br />
cênicas para incluir jovens cegos nas<br />
atividades escolares.<br />
A experiência deu tão certo que,<br />
em 2000, Patrícia a levou, num trabalho<br />
voluntário, para a Escola Estadual<br />
Caetano de Campos. Aproveitou<br />
o teatro disponível na escola e<br />
iniciou o projeto Teatro da Inclusão,<br />
com a peça “Retratos de Gerações”,<br />
que ela escreveu. “Discutir as diferenças<br />
promove a inclusão. Três jovens<br />
cegos atuaram. O trabalho eliminou<br />
as diferenças de visão, pois,<br />
no palco, os alunos entram em con-<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
TEATRO DA INCLUSÃO<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULO<br />
PROPOSTA Trabalhar com jovens o tema das diferenças<br />
JOVENS ATENDIDOS 100 estudantes de ensino médio<br />
APOIO JFA ENGENHARIA (EVENTUAL). EM BUSCA DE APOIO PERMANENTE<br />
CONTATO Rua Pelotas, 523, apto. 103 – 04012-002 – Vila Mariana – São Paulo (SP) – tel.: 11/9742-1553 –<br />
e-mail: astropaty@ig.com.br.; Escola Estadual Maestro Fabiano Lozano – tels.: 11/5549-6006 e 11/5082-2206<br />
OFICINA ESCOLA DE LUTHERIA DA AMAZÔNIA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO AMAZONAS, PARÁ, AMAPÁ, ACRE E RORAIMA<br />
PROPOSTA Promoção do uso racional dos recursos naturais para a geração de ocupação e renda com o intuito de<br />
combate à pobreza, por meio da lutheria e da machetaria<br />
JOVENS ATENDIDOS EM MANAUS, 592 por semestre<br />
APOIO ASHOKA EMPREENDORES SOCIAIS, UNESCO (CRIANÇA ESPERANÇA), ICCO (INSTITUIÇÃO ECLESIÁSTICA DA HOLANDA),<br />
PRO-MANEJO/IBAMA/MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, CORREIOS<br />
CONTATO Rua 22, Quadra O, Casa número 8, conjunto São Cristóvão – 69084-580 – Bairro do Zumbi 2 – Manaus (AM) –<br />
tels.: 92/3644-5449 e 92/3638-2667 – www.oela.org.br<br />
DAVILYM DOURADO<br />
A professora de ensino médio Patrícia<br />
Teixeira fundou o Teatro da Inclusão para<br />
discutir preconceitos com os alunos de São<br />
Paulo (SP)<br />
tato com seus personagens internos, percebem a si<br />
mesmos e o outro como pessoas completas. O teatro<br />
os faz responder, principalmente, com atitudes”, diz.<br />
Patrícia já envolveu mais de 100 jovens em suas peças,<br />
apesar das dificuldades para manter o projeto. “Às<br />
vezes ensaiamos no parque do Ibirapuera”, conta. Neste<br />
semestre, o esforço é para apresentar a peça “Esconderijo<br />
de Judeus”. Na preparação da turma, contou com<br />
amigos voluntários. Um professor de história ajudou a<br />
dar contexto às leituras que os alunos fizeram do “Diário<br />
de Anne Frank”, garota judia que se escondeu com a<br />
família durante a Segunda Guerra Mundial e que inspira<br />
a peça. Outro amigo apresentou aos jovens um seminário<br />
sobre a cultura judaica. Patrícia fez um laboratório<br />
cênico sobre as relações de poder. “Vivemos pequenos<br />
holocaustos todos os dias e é importante discutir o respeito<br />
às diferenças, o direito à permanência das pessoas<br />
no mesmo mundo em que vivemos”, diz.<br />
O tema tem especial pertinência para a adolescência<br />
e a juventude, segundo a professora. É quando as diferenças<br />
entre gerações e entre os próprios companheiros<br />
começam a ser mais notadas e os jovens precisam<br />
de orientação para lidar com elas de forma positiva. “O<br />
trunfo do teatro é levar os jovens a vivenciar experiências.<br />
O resultado é surpreendente”, diz Patrícia, referindo-se<br />
a uma de suas grandes recompensas, que veio na<br />
forma de conclusão de uma estudante sem deficiência<br />
visual, durante discussões sobre preconceito: “Eu aprendi<br />
a ver o que os olhos não podem ver”.<br />
17
anco de práticas<br />
por_Flávia Oliveira<br />
QUATRO PROJETOS SE IDENTIFICAM<br />
POR PERPETUAR O PASSADO E<br />
DAR SENTIDO AO FUTURO<br />
ENCONTROS CULTURAIS<br />
A cultura é o fim e o meio desses projetos sociais, seja<br />
para perpetuar experiências seculares de lugarejos ou dar<br />
sentido ao futuro de crianças e jovens de cidades grandes.<br />
E foi quase por acaso que seus mentores embarcaram na<br />
idéia de que tambores, brinquedos, jongo, histórias seriam<br />
capazes de mudar a vida de jovens. O maestro Flávio Pimenta,<br />
por exemplo, tinha decidido trocar o Brasil por uma<br />
vida no exterior. A três meses da partida, se flagrou observando<br />
adolescentes nadando em poças d’água sujas nos<br />
arredores de sua casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo.<br />
Resolveu agir. Convidou os jovens à sua casa, apresentou-os<br />
à música. Desistiu da viagem, convocou amigos,<br />
estruturou e deu à luz a Associação Meninos do Morumbi,<br />
que hoje envolve 4 mil crianças e jovens.<br />
Macau Góes era colecionadora de brinquedos e encantou-se<br />
com a obra de artesãos do Recife quando visitava<br />
uma feira da Fundação Joaquim Nabuco. Consultora da<br />
ONG <strong>Arte</strong>sanato Solidário, aproximou jovens do programa,<br />
dando o pontapé inicial para a fundação da Associação<br />
Brinquedos Populares do Recife, que já qualificou uma centena<br />
de artesãos.<br />
Noutro improviso do destino, Paulo Dias, da Associação<br />
<strong>Cultura</strong>l Cachuera, de São Paulo, conheceu a comunidade de<br />
jongueiros do bairro Jardim Tamandaré, na periferia de<br />
Guaratinguetá. Em parceria com a TV <strong>Cultura</strong>, produziu o filme<br />
“Feiticeiros da Palavra – O Jongo do Tamandaré” e apresentou<br />
o grupo ao país. Daí veio a criação da Associação<br />
Jongueira de Guaratinguetá, que leva os jovens a se envolverem<br />
com a dança e a música deixadas pelos escravos.<br />
O casal Alemberg Quindis e Rosiane Limaverde estava<br />
determinado a preservar a herança cultural dos Kariri, tribo<br />
indígena que batizou um pedaço do Ceará, o Vale do<br />
Cariri. Em Nova Olinda, abrigaram os artefatos pré-históricos<br />
recuperados na região. Apresentavam o tesouro a turistas,<br />
quando foram surpreendidos por meninos da vizinhança<br />
com os textos na ponta da língua. Assim expandiu-se<br />
a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem<br />
Kariri, que capacita jovens em várias áreas.<br />
Conheça melhor os frutos desses encontros:<br />
GUSTAVO LOURENÇÃO<br />
ARNALDO CARVALHO<br />
AUGUSTO PESSOA<br />
ANDRÉA DE VALENTIM
Nova Olinda, CE<br />
Fundação Casa<br />
Grande<br />
Memorial do<br />
Homem Kariri<br />
Recife, PE<br />
Formação de jovens<br />
artesãos<br />
no Projeto<br />
Brinquedos<br />
Populares do Recife<br />
São Paulo, SP<br />
Associação<br />
Meninos do<br />
Morumbi<br />
Guaratinguetá, SP<br />
Projeto Bem-te-vi<br />
da Associação de<br />
Jongo<br />
do Tamandaré<br />
O projeto que inicialmente se restringia à preservação<br />
antropológica dos índios Kariri transformou-se numa instituição<br />
dedicada também à formação profissional dos<br />
jovens da região. A Fundação Casa Grande oferece hoje<br />
a 70 jovens qualificação em quatro áreas: memória, comunicação,<br />
arte e turismo. O primeiro programa tem<br />
como foco o resgate da memória da pré-história do sertão,<br />
por meio da mitologia e da arqueologia: forma recepcionistas,<br />
guias de campo e relações-públicas para<br />
atuar na instituição e nos sítios arqueológicos da região. >><br />
Desde os anos 80, a Fundação Joaquim Nabuco mantinha<br />
contato com um grupo de oito artesãos que faziam<br />
brinquedos populares na Região Metropolitana de<br />
Recife. As peças acabaram descobertas pelo <strong>Arte</strong>sanato<br />
Solidário, que propôs a criação do projeto Brinquedos<br />
Populares do Recife. Iniciado em março de 2004, o programa<br />
é multiplicativo: “Os mestres repassam seus conhecimentos<br />
aos jovens e, com isso, é possível preservar<br />
técnicas populares de produção de brinquedos”, explica<br />
Julio Ledo, gerente regional do <strong>Arte</strong>sanato Solidá- >><br />
O projeto começou com meia dúzia de garotos, um<br />
maestro e uma professora de dança. Quase uma década<br />
depois, são 4 mil, e uma lista de espera com 2 mil<br />
nomes. A Associação Meninos do Morumbi atende a<br />
crianças e adolescentes interessados em experimentar<br />
o gosto de “poder ser o que quiserem”, como diz o fundador<br />
Flávio Pimenta. “A música se mostrou uma excelente<br />
armadilha para atrair os jovens”, brinca. O alvo inicial<br />
do projeto eram comunidades populares, mas hoje<br />
não é exclusivo de alunos pobres – eles ocupam 70% >><br />
Foi da aproximação com a Associação <strong>Cultura</strong>l<br />
Cachuera que Lúcia Maria de Oliveira, jongueira por nascimento,<br />
enfermeira por profissão, deu início ao Projeto<br />
Bem-te-vi, no Jardim Tamandaré, na periferia de<br />
Guaratinguetá, em São Paulo. A idéia é perpetuar o<br />
jongo, uma tradição na comunidade, entre as crianças<br />
e jovens, que recebem os ensinamentos dos adultos e<br />
idosos. Lúcia gosta de dizer que tem o jongo no sangue,<br />
porque é neta do velho Antonio Henrique, que trou- >><br />
19
A oficina de comunicação apresenta<br />
aos alunos as técnicas de elaboração<br />
de programas de rádio, TV e trabalhos<br />
de editoração. A rádio comunitária já<br />
protocolou no Ministério das Comunicações<br />
um pedido para transformá-la<br />
em emissora educativa. O braço das<br />
artes tem laboratório de teatro, cine-<br />
>><br />
>><br />
rio. O projeto capacitou primeiro oito<br />
mestres, que aprenderam a melhorar<br />
a apresentação e a qualidade de suas<br />
criações, elaborar planilhas de custos,<br />
entender o mercado consumidor, ao<br />
lado de aulas de cidadania e relações<br />
interpessoais. Em contrapartida, eles<br />
deveriam destinar 10% da renda de<br />
das vagas. Cumprida a condição de<br />
cursar o ensino regular, eles podem<br />
escolher entre artes (balé, dança, escultura,<br />
fotografia, moda, teatro), música<br />
(bateria, canto, percussão, cavaco)<br />
e esportes (capoeira, futsal, jiujitsu),<br />
mas são obrigatoriamente apresentados<br />
ao inglês e à informática. A<br />
>><br />
xe a música e a dança dos negros escravos<br />
para a região. Um filme, produzido<br />
por Paulo Dias e apresentado<br />
Brasil afora, foi o estopim de uma série<br />
de convites para apresentações<br />
em São Paulo e no Rio de Janeiro e<br />
alimentou a necessidade de profissionalização<br />
do grupo e levou à criação<br />
do Bem-te-vi, que hoje conta com 40
ma e escola de música, na qual se começa<br />
com a banda de lata e segue com<br />
grupos cover e instrumental. O laboratório<br />
de turismo funciona em parceria<br />
com a cooperativa de pais e amigos da<br />
Casa Grande. Os pais dos alunos mantêm<br />
a loja de souvenirs da Fundação e<br />
a cantina, além de serem orientados<br />
toda peça vendida a um fundo para<br />
custear a legalização da associação de<br />
artesãos e compartilhar seus conhecimentos<br />
em Oficinas do Saber, com<br />
turmas de até 20 alunos escolhidos<br />
entre os residentes na Vila Esperança,<br />
comunidade pobre do Recife. Os<br />
artesãos foram remunerados pelas<br />
entidade acaba influenciando na escolha<br />
da carreira deles, como conta a exaluna,<br />
agora monitora, Luciana Fernandes,<br />
de 20 anos: “Entrei com 14 anos.<br />
Aprendi capoeira, jiu-jitsu e percussão.<br />
Decidi seguir na música. Se não tivesse<br />
passado por aqui, nem imaginaria essa<br />
vida”. Das oficinas culturais foi criado o<br />
participantes. “Queremos ensinar o<br />
jongo às crianças e aos jovens, mas<br />
também reforçar neles o quanto a<br />
educação é importante. Vamos preservar<br />
o passado e estimular o futuro<br />
dos meninos”, planeja Lúcia, de 50<br />
anos, mãe de Hebert e Erica, avó de<br />
Cauê. Os jongueiros do Tamandaré<br />
recebem apoio da prefeitura e da Se-<br />
para fazer em suas casas suítes para<br />
abrigar turistas. Por R$ 40 diários, o<br />
visitante tem pernoite, café, almoço<br />
e jantar. “Todo o projeto funciona com<br />
pedagogia própria: os jovens mais experientes<br />
repassam os conhecimentos<br />
aos mais novos”, ensina Alemberg,<br />
o mestre.<br />
horas de aula e, dentre os 100 jovens<br />
que já receberam a qualificação, vários<br />
já produzem brinquedos para vender<br />
e três, de tão talentosos, integram a<br />
Associação. Estão sendo orientados a<br />
criar sua série de produtos, tal como<br />
aconteceu com os mestres de quem<br />
eles aprenderam.<br />
grupo artístico Meninos do Morumbi.<br />
Desde 1996, foram mais de 500 apresentações.<br />
A banda já se exibiu com Ivete<br />
Sangalo, Lulu Santos e os grupos Cidade<br />
Negra e Olodum. A ousadia de misturar<br />
o erudito e o popular num espetáculo<br />
com o pianista clássico Marcelo<br />
Bratke conquistou cidades européias.<br />
cretaria de <strong>Cultura</strong> de Guaratinguetá.<br />
No ano passado, participaram da organização<br />
de três oficinas de vídeo<br />
dirigidas aos jovens da comunidade.<br />
Durante boa parte deste 2005, dedicaram-se<br />
a organizar legalmente a associação.<br />
Agora, buscam um terreno<br />
para instalar a sede do projeto e sair<br />
seduzindo futuros jongueiros.<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
FUNDAÇÃO CASA GRANDE – MEMORIAL DO HOMEM KARIRI<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO NOVA OLINDA (CE)<br />
PROPOSTA Oferecer qualificação profissional a crianças<br />
e jovens sertanejos por meio de atividades de resgate<br />
da memória local, arte, comunicação e turismo<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 70<br />
APOIO INTERAMERICAN FOUNDATION<br />
CONTATOS Rua Jeremias Pereira, 444 – Centro – Nova<br />
Olinda (CE) – Tel.: 85/3546-1333 –<br />
casagrande@baydejc.com.br<br />
BRINQUEDOS POPULARES DO RECIFE<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE RECIFE (PE)<br />
PROPOSTA Qualificar artesãos e incentivá-los a repassar<br />
seus conhecimentos a jovens de comunidades pobres<br />
por meio das Oficinas do Saber<br />
NÚMERO DE JOVENS BENEFICIADOS 100<br />
APOIO FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, MINISTÉRIOS DA<br />
EDUCAÇÃO E DA INTEGRAÇÃO REGIONAL, ARTESANATO<br />
SOLIDÁRIO (ARTESOL) E SEBRAE<br />
CONTATOS Rua Alves Guimarães, 436 – Pinheiros – São<br />
Paulo (SP) – Tel.: 19/3246-2888 – www.artesol.org.br<br />
ASSOCIAÇÃO MENINOS DO MORUMBI<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO BAIRROS DA REGIÃO SUDOESTE DA<br />
CAPITAL PAULISTA E MUNICÍPIOS VIZINHOS, COMO<br />
TABOÃO DA SERRA, ITAPECERICA DA SERRA E EMBU<br />
PROPOSTA Oferecer cursos de artes, música, dança,<br />
esportes, informática e língua estrangeira a crianças<br />
e adolescentes, dos 5 aos 18 anos, reforçando a<br />
importância da formação escolar regular<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 4 mil<br />
APOIO PREFEITURA DE SÃO PAULO, CÂMARA DE<br />
COMÉRCIO ELETRÔNICO, PÃO DE AÇÚCAR, CULTURA<br />
INGLESA, BRITISH AIRWAYS, HP, LAUREUS SPORTS, BIT<br />
COMPANY, SADIA, ENTRE OUTROS<br />
CONTATOS Rua José Jamarelli, 485 – Morumbi – São<br />
Paulo (SP) – Tel.: 11/3722-1664 –<br />
www.meninosdomorumbi.org.br<br />
ASSOCIAÇÃO JONGUEIRA DE GUARATINGUETÁ<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO GUARATINGUETÁ (SP)<br />
PROPOSTA Repassar a crianças e jovens os ensinamentos<br />
do jongo e reforçar neles a importância da educação<br />
formal regular<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 40 pessoas, incluindo<br />
também os idosos<br />
APOIO SECRETARIA DE CULTURA DE GUARATINGUETÁ,<br />
PREFEITURA MUNICIPAL E ASSOCIAÇÃO CACHUERA<br />
DE SÃO PAULO<br />
CONTATOS Rua Tamandaré, 661, Fundos – Jardim<br />
Tamandaré – Guaratinguetá – SP – Tel.: 12/3133-3408<br />
21
caminho das pedras<br />
PERTO DE SE TORNAR AUTO-SUSTENTÁVEL, O GRUPO CULTURAL AFRO<br />
REGGAE ENSINA QUE COERÊNCIA É FUNDAMENTAL PARA TIRAR JOVENS DO<br />
TRÁFICO CARIOCA<br />
Dia desses, um e-mail aterrissou na caixa-postal sempre congestionada de<br />
José Junior, o coordenador-executivo do Grupo <strong>Cultura</strong>l Afro Reggae, no Rio<br />
de Janeiro. No título, uma solitária palavra: Resgate. O texto: “A sogra dele<br />
está superfeliz que o mesmo saiu do tráfico e veio nos pedir que fizéssemos<br />
o currículo dele, pois a filha dela e o filho também fizeram currículo no Afro<br />
Reggae e tiveram a sorte de arrumar emprego muito rápido. Ela falou que ele<br />
tem diploma de ascensorista”, escreveu Vitor Onofre, coordenador do Núcleo<br />
de Vigário Geral e, assim como Junior, um dirigente, ou “puro-sangue”, no<br />
dialeto da organização. Ele previa nova deserção no exército do tráfico de<br />
drogas carioca – que se consumou logo no dia seguinte.<br />
Menos um traficante, mais uma vitória – mera rotina, no surpreendente trabalho<br />
que o Afro Reggae desenvolve, a partir da disseminação da cultura afro,<br />
em comunidades populares do Rio de Janeiro há 12 anos. A salvação de jovens<br />
decididos a viver (e morrer) na guerra das favelas materializa-se, sobretudo, na<br />
formação cultural e artística que pavimenta a construção de cidadania.<br />
As vagas nas oficinas são disputadas pelos moradores de Vigário Geral, Parada<br />
de Lucas (favelas cujos traficantes sustentam uma guerra há<br />
inacreditáveis 22 anos), e Cantagalo, áreas onde o Afro Reggae mantém núcleos.<br />
Hoje, são ao todo 60 projetos culturais, outras três unidades em sistema<br />
de parceria, nove bandas, uma trupe de teatro e duas de circo, na ONG<br />
que conta com 176 funcionários (incluindo bolsistas e estagiários) e está bem<br />
perto de se tornar auto-sustentável.<br />
O alicerce de tamanho sucesso chama-se coerência. O Afro Reggae tem como<br />
fundamento inegociável não aceitar patrocínios da indústria do tabaco e de fábricas<br />
de bebidas. Sem álcool, cigarros nem drogas. “E os puros-sangues também<br />
não fumam nem bebem, muito menos usam drogas”, diz o coordenador.<br />
Nascido na dor<br />
A luta contra a violência é a gênese do Afro Reggae.<br />
Em janeiro de 1993, Junior era um produtor iniciante de<br />
bailes funk, quando o ritmo foi banido da cidade, por causa<br />
do arrastão na Praia do Arpoador (como se chamou o<br />
conflito entre gangues de Vigário Geral e Parada de Lucas,<br />
que se enfrentaram na areia famosa do canto de<br />
Ipanema). Ele trocou de ritmo e começou a promover<br />
festas de reggae – “a contragosto”, como lembra.<br />
Um par de bailes bem-sucedidos depois, Junior enxergou<br />
no gênero a possibilidade de promover a cultura<br />
afro, seu projeto de vida. Criou, com três amigos, o<br />
jornal “Afro Reggae Notícias”, para difundir essas e outras<br />
manifestações. Em agosto daquele ano, o Rio foi<br />
sacudido pela chacina de Vigário Geral, na qual 21 moradores<br />
da favela foram assassinados por um bando<br />
de policiais militares. “Senti que tínhamos de fazer algo<br />
por lá”, relembra Júnior, carioca, 37 anos. Um mês depois<br />
do massacre, eles entraram na favela, para “fazer<br />
alguma coisa, de um jeito meio kamikaze”, como descreve<br />
o “arrastão do bem”, do bloco afro Tafaraogi, que<br />
tomou as ruas da comunidade.<br />
O passo seguinte foi instalar no morro o Núcleo Comunitário<br />
de <strong>Cultura</strong>, com as primeiras oficinas: dança, percussão,<br />
reciclagem de lixo, futebol e capoeira. Os 12 instrumentos<br />
levados pelo grupo eram disputados a tapa por<br />
jovens que enxergavam horizonte onde a olho nu havia<br />
apenas diversão. “Ninguém pensava em ser artista, mas<br />
RESGATE<br />
PELO REGGAE
por_Aydano André Motta<br />
fotos_Rodrigo Castro<br />
Jovem diante de cartaz com os<br />
princípios do grupo Afro Reggae: a música<br />
é o meio de atração para um<br />
amplo trabalho de conscientização<br />
23
RECUSAR PATROCÍNIO DE CIGARRO E<br />
BEBIDA, MESMO ESTANDO SEM DINHEIRO,<br />
FOI UMA DAS FORMAS DO AFRO REGGAE<br />
TRADUZIR PARA AS COMUNIDADES A<br />
FORÇA DE SEUS VALORES<br />
apenas em ter perspectiva”, confirma Altair Martins, 24<br />
anos, nascido em Vigário, formado na turma 01 e hoje coordenador<br />
de operacionalização do Afro. Ele cresceu em<br />
meio a paredes furadas à bala e vizinhos assassinados, e<br />
agora é emblema – “puro-sangue”, ajuda a salvar outros,<br />
ao som de funk, reggae, soul e hip hop.<br />
Da salada de ritmos nasceu o filhote mais famoso, a<br />
banda AfroReggae, aclamada Brasil afora e no exterior.<br />
Os padrinhos, Junior lembra orgulhosamente, são Caetano<br />
Veloso e Regina Casé, que conheceram o grupo dois<br />
anos depois e foram os primeiros a incentivar os jovens<br />
da favela a conquistar o mundo com sua música.<br />
Em 1997, foi inaugurado na comunidade o Centro <strong>Cultura</strong>l<br />
Afro Reggae Vigário Legal, para melhorar, num espaço<br />
bem estruturado, a formação cultural e artística dos jovens<br />
moradores. “Uma fábrica de sonhos”, resume Junior. De lá,<br />
eles escapam do tráfico e do subemprego e se transformam<br />
em multiplicadores da paz e da integração social. Hoje,<br />
existem outros oito grupos musicais: Banda Makala Música<br />
e Dança, Afro Lata e Afro Samba, além dos subgrupos Afro<br />
Mangue, Tribo Negra, Akoni, Kitôto e uma banda de rock<br />
ainda sem nome, exclusivamente de meninas.<br />
Na trilha da autonomia<br />
O sucesso artístico deixa a ONG a um passo de se<br />
sustentar, com a renda dos shows e da venda de pro-<br />
Aprendizes descansam junto dos instrumentos;<br />
abaixo, garota com tambor; na página oposta,<br />
garotas ensaiam coreografia; um jovem<br />
percussionista e rapazes durante ensaio de uma<br />
das bandas: apresentações e venda de CDs são<br />
fonte de renda do grupo
dutos como CDs e camisetas. Sem perder a coerência<br />
mesmo nas tempestades mais pesadas. “Quatro anos<br />
atrás, recusamos um cachê de R$ 40 mil para tocar em<br />
um festival patrocinado por uma empresa de tabaco”,<br />
relembra Junior, orgulhoso. “Estávamos com quatro<br />
meses de salários atrasados, mas resistimos.”<br />
Para sair do buraco financeiro, muita conversa em<br />
busca de outros parceiros e todo o pragmatismo possível<br />
no dia-a-dia. O Afro Reggae hoje supera em prestígio<br />
o tráfico de drogas, antigo sinônimo de poder e prosperidade<br />
nas comunidades populares. O fenômeno explica-se,<br />
entre outras razões, pelo trabalho junto à mídia.<br />
“A TV Globo é muito importante para nós. Podemos aparecer<br />
lá sem ter o rosto desfocado. E nos shows fazemos<br />
saudações a favelas independentemente das facções<br />
que as dominam”, ensina ele.<br />
Mas na batalha que nunca termina, popularidade é apenas<br />
uma arma. “Nesse momento, no caos, o que resolve é<br />
emprego. Educação só não basta”, diz Junior, citando o<br />
exemplo de um gerente do tráfico que o abordou, meses<br />
atrás. “Se tiver uma oportunidade, eu saio agora”, avisou.<br />
Teve. Novo desfalque no exército das drogas.<br />
Ultrapassando fronteiras<br />
O prestígio levou Júnior e outros sete “puros-sangues”<br />
a formar um comitê de mediação de conflitos que atormentam<br />
os milhões de moradores honestos das favelas<br />
do Rio. O acesso privilegiado permite a eles negociar<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
GRUPO CULTURAL AFRO REGGAE<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO COMUNIDADES POPULARES DO RIO DE JANEIRO, ENTRE ELAS VIGÁRIO GERAL, PARADA<br />
DE LUCAS E CANTAGALO, EM PROJETOS PRÓPRIOS, E OUTRAS EM PARCERIA<br />
PROPOSTA Desviar jovens do caminho do narcotráfico e do subemprego por meio da inclusão e justiça<br />
social. Como ferramentas, a arte, a cultura afro-brasileira e a educação<br />
JOVENS ATENDIDOS 972<br />
APOIO AVINA, FUNDAÇÃO FORD, FUNDAÇÃO KELLOG, HP, INSTITUTO CREDICARD, INSTITUTO DESIDERATA,<br />
SUPERMERCADOS EXTRA, PREFEITURA DO RIO, REDE GLOBO E SESC-RIO<br />
CONTATO Av. marechal Câmara, 350/703 – Centro – 20020-080 – Rio de Janeiro (RJ) –<br />
Tel.: 21/2532-0171 – www.afroreggae.org.br<br />
tréguas em guerras a que a polícia apenas assiste, impotente e derrotada.<br />
A interferência em batalhas sangrentas inspirou-se em outro projeto social,<br />
o Rompendo Fronteiras, que desde 2001 busca levar o trabalho social onde<br />
ele é necessário, independentemente de conflitos. Em Parada de Lucas, as<br />
armas são cursos básicos de informática. No Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, a<br />
isca é a linguagem do circo – malabares, trapézio, acrobacias. De lá saíram<br />
dois meninos para o Ringling Bros., o maior circo de picadeiro do mundo.<br />
O prestígio do Afro Reggae também se estende a endereços antes exclusivos<br />
da elite. O Prêmio Orilaxé, entregue a personalidades que contribuíram<br />
com a divulgação e promoção da cultura afro, teve como palco, em 2005, o<br />
Canecão, a mais famosa casa de shows do Rio. Com a presença do ministro<br />
da <strong>Cultura</strong>, Gilberto Gil, um público diferente ocupou a platéia para aplaudir<br />
iniciativas incríveis, como o Juventude e Polícia, espetáculo de dança em parceria<br />
com a Polícia Militar de Minas Gerais. Isso mesmo: PMs fardados dançando<br />
com jovens do Afro, num espetáculo de inesperada harmonia.<br />
As histórias do Afro Reggae chegam agora ao cinema, em cinco<br />
documentários que devem ser lançados em breve. O primeiro a ficar pronto<br />
foi o americano “Favela Rising”, premiado em três mostras. A produção conta<br />
a história de Anderson Sá, sobrevivente da chacina de Vigário Geral, que perdeu<br />
parentes na carnificina, tentou ser traficante, foi baleado, chegou a ficar<br />
paraplégico mas se recuperou, e hoje é mais um “puro-sangue”.<br />
“Temos a cultura do perdedor que deu certo. Sabemos como é o fracasso”,<br />
diz Junior. “Queremos preparar as pessoas para ter poder. A sociedade brasileira<br />
tinha outro destino para elas. Isso precisa mudar.” E assim vai-se alterando a<br />
triste ordem das coisas na desigualdade brasileira. No ritmo do Afro Reggae.<br />
25
horizonte global<br />
por_Cecília Dourado<br />
ilustração_Jotapê<br />
DIÁLOGOS<br />
DE ERAS
O MuseoVivo promove conexões virtuais,<br />
geográficas e de idéias para que os jovens<br />
chilenos conheçam melhor sua cultura ancestral<br />
O que um homem que viveu há 3<br />
mil anos pode ter a dizer a um jovem<br />
que mora numa cidade moderna? O<br />
que um habitante das míticas e remotas<br />
ilhas de Chiloé, no sul do Chile,<br />
tem a dar para um jovem que vive<br />
na capital, Santiago? Para responder<br />
a essas e outras indagações, a Fundação<br />
MuseoVivo propõe o diálogo<br />
social e cultural entre diversas gerações,<br />
etnias, comunidades e culturas<br />
do Chile. Essa fusão de elementos<br />
culturais diversos já começa nos próprios<br />
meios utilizados pela organização<br />
para propagar seu trabalho: outros<br />
museus e espaços, da internet a<br />
praças públicas e bibliotecas ao redor<br />
de fogueiras indígenas.<br />
A fundação desenvolve uma série<br />
de atividades dinâmicas por meio de<br />
conexões virtuais, geográficas e de<br />
idéias, diz sua fundadora e diretora,<br />
a psicóloga Margarita Ovalle. Inicialmente,<br />
ela pensava em fazer “um<br />
museu com conteúdos virtuais vivos”,<br />
mas logo se deu conta de que não<br />
havia necessidade de mais um museu.<br />
“Os museus já existiam, mas faltava<br />
ocupá-los com vida”, diz. Prescindindo<br />
então de um espaço físico<br />
fixo, ela decidiu reunir um acervo “daquilo<br />
que é importante para uma sociedade”<br />
e levar “esses tesouros ao<br />
conhecimento público de diversas formas”.<br />
Pós-graduada em Antropologia, Ovalle parte do princípio<br />
de que o jovem, principalmente, deve ter contato<br />
com culturas múltiplas, em particular com aquelas que<br />
contribuíram para a formação da identidade de seu país<br />
ou região. Na época da globalização, é preciso ter consciência<br />
da riqueza cultural local para avançar, rumo ao<br />
futuro, munido de identidade, dignidade e auto-estima:<br />
“O conhecimento e a convivência com diversos<br />
modos de vida resultam na tolerância e no enriquecimento<br />
cultural”, observa.<br />
Espaços de interação<br />
A fundação promove exposições e conferências em<br />
“museus aliados” e mantém atividades em escolas e universidades,<br />
estações de metrô, praças e ruas. Os “projetos<br />
artísticos e lúdicos”, por exemplo, buscam atrair jovens<br />
para a diversidade cultural com a criação de jogos<br />
em espaços públicos. É o caso da instalação, em parques,<br />
de “quebra-cabeças gigantes” – estruturas de 1,80<br />
m de altura formadas por quatro cubos de madeira sobrepostos,<br />
que lembram totens, mas que são móveis.<br />
As faces dos cubos são pintadas com figuras mitológicas<br />
e históricas do Chile. A idéia é que, ao manipulá-los,<br />
a população, sobretudo crianças e jovens, tenha uma<br />
experiência lúdica com a sua própria história e mitos.<br />
Outro projeto é o das “fogontecas”, iniciadas em<br />
2003 nas ilhas de Chiloé. “Fogon” é uma construção<br />
tradicional indígena: casa pequena, de madeira e, às<br />
vezes, teto de palha, onde as pessoas se reúnem para<br />
contar histórias ao redor de uma fogueira. A MuseoVivo<br />
criou as “fogontecas” – mistura de “fogon” com biblioteca.<br />
Nesses espaços – que já são cinco, alguns dos<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
quais substituem fogueiras por<br />
aquecedores –, as pessoas podem<br />
retirar livros, e jovens e velhos fazem<br />
rodas de conversas. A idéia é resgatar<br />
a bagagem ancestral chilena, não<br />
no sentido de tentar inutilmente deter<br />
o tempo, mas de perceber a “riqueza<br />
que existe numa cultura que<br />
corre o risco de extinção e, assim,<br />
chegar ao futuro com referências<br />
multiculturais”, diz Ovalle.<br />
Segundo a psicóloga, os resultados<br />
têm sido animadores. Os jovens se interessam<br />
pelo que os mais velhos têm<br />
a dizer e descobrem uma grande riqueza<br />
cultural no meio de comunidades<br />
pobres. As gerações passaram a<br />
se encontrar também em outros<br />
eventos, como as festas populares.<br />
Na comunidade de Coldita, em Chiloé,<br />
os moradores editam um boletim, que<br />
é encartado na “Revista MuseoVivo”,<br />
publicada com apoio do Departamento<br />
do Livro e <strong>Cultura</strong>. “A postura dos<br />
jovens que trabalham na publicação<br />
mudou”, conta. “Eles se tornaram<br />
mais seguros e confiantes.”<br />
Para Ovalle, o encorajamento do diálogo<br />
entre culturas é útil e desejável<br />
para toda a América Latina e seria fácil<br />
repetir a experiência chilena em outros<br />
países, “porque estamos trabalhando<br />
com a essência do humano”.<br />
FUNDAÇÃO MUSEOVIVO<br />
REGIÃO DE ATUAÇÃO CHILE, ESPECIALMENTE EM CHILOÉ E SANTIAGO<br />
PROPOSTA Enriquecer a identidade cultural por meio da interação de etnias, visões de mundo e modos de vida<br />
diferentes, num ambiente de respeito; criar diálogo entre diferentes gerações e culturas<br />
JOVENS ATENDIDOS 1.800 por ano, nas comunidades, e outros milhares pela internet<br />
APOIO JOSEPH CAMPBELL FOUNDATION, AVINA, DEPARTAMENTO DO LIVRO E CULTURA, EMPRESAS CHILENAS<br />
CONTATO Tels.: 56 02/2286427 e 56 09/2272647 – www.museovivo.cl – info@museovivo.cl;<br />
movallev@hotmail.com<br />
27
SEXTANTE<br />
A BELEZA<br />
DO HUMANO,<br />
NADA MAIS<br />
A REFLEXÃO DO ARTISTA SOBRE A SERVENTIA DA<br />
ARTE DESCREVE COM APARENTE SIMPLICIDADE O<br />
ENCANTAMENTO DA MAIS ENIGMÁTICA PRODUÇÃO<br />
HUMANA E SEU EFEITO SOBRE O MUNDO<br />
Confesso que, espontaneamente,<br />
nunca me coloquei esta questão:<br />
para que serve a arte? Desde menino,<br />
quando vi as primeiras estampas<br />
coloridas no colégio (que estavam<br />
muito longe de serem obras de arte)<br />
deixei-me encantar por elas a ponto<br />
de querer copiá-las ou fazer alguma<br />
coisa parecida.<br />
Não foi diferente minha reação<br />
quando li o primeiro conto, o primeiro<br />
poema e vi a primeira peça teatral. Não<br />
se tratava de nenhum Shakespeare,<br />
de nenhum Sófocles, mas fiquei encantado<br />
com aquilo. Posso deduzir daí<br />
que a arte me pareceu tacitamente<br />
necessária. Por que iria eu indagar<br />
para que serviria ela, se desde o primeiro<br />
momento me tocou, me deu<br />
prazer?<br />
Mas se, pelo contrário, ao ver um<br />
quadro ou ao ler um poema, eles me<br />
deixassem indiferente, seria natural<br />
que perguntasse para que serviam, por que razão os<br />
haviam feito.<br />
Então, se o que estou dizendo tem lógica, devo admitir<br />
que quem faz esse tipo de pergunta o faz por não<br />
ser tocado pela obra de arte. E, se é este o caso, cabe<br />
perguntar se a razão dessa incomunicabilidade se deve<br />
à pessoa ou à obra. Por exemplo, se você entra numa<br />
sala de exposições e o que vê são alguns fragmentos<br />
de carvão colocados no chão formando círculos ou um<br />
pedaço de papelão de dois metros de altura amarrotado<br />
tendo ao lado uma garrafa vazia, pode você manter-se<br />
indiferente àquilo e se perguntar o que levou alguém a<br />
fazê-lo. E talvez conclua que aquilo não é arte ou, se é<br />
arte, não tem razão de ser, ao menos para você.<br />
Na verdade, a arte – em si – não serve para nada.<br />
Claro, a arte dos vitrais servia para acentuar atmosfera<br />
mística das igrejas e os afrescos as decoravam como<br />
também aos palácios. Mas não residia nesta função a<br />
razão fundamental dessas obras e, sim, na sua capacidade<br />
de deslumbrar e comover as pessoas.<br />
Portanto, se me perguntam para que serve a arte,<br />
respondo: para tornar o mundo mais belo, mais<br />
comovente e mais humano.<br />
Ferreira Gullar, um dos maiores<br />
poetas brasileiros, nascido no<br />
Maranhão (1930), é também<br />
cronista, ensaísta, teatrólogo e<br />
crítico de arte. É autor de livros de<br />
poesia como “Dentro da Noite Veloz”,<br />
“Poema Sujo” e “Na Vertigem do<br />
Dia”, e de ensaios como<br />
“Vanguarda e Subdesenvolvimento”<br />
e “Argumentação Contra a<br />
Morte da <strong>Arte</strong>”<br />
por_Ferreira Gullar<br />
ilustração_Flávio Castellan<br />
Flávio Castellan, 27 anos, é artista<br />
plástico e integra o elenco do ateliê<br />
paulistano Espaço Coringa
por_ Tião Rocha<br />
90º<br />
TODOS TÊM<br />
CULTURA E<br />
TRATA-SE DE UM<br />
BEM UNIVERSAL<br />
PORQUE É A<br />
REDE DE<br />
RELAÇÕES<br />
QUE DEFINE O<br />
DESENHO<br />
DE UMA<br />
COMUNIDADE<br />
Nesta página, trançado de palha de<br />
carnaúba, de Parnaíba, no Piauí; na<br />
página oposta, uma aplicação<br />
“Relógio”, renda feita em São<br />
Sebastião, em Alagoas: a produção<br />
de bens pode ser um indicador<br />
cultural de uma comunidade<br />
ARTE&CULTURA E SOCIEDADE<br />
AS TRAMAS<br />
DA IDENTIDADE<br />
Todo e qualquer ser humano tem cultura. Esta é uma<br />
das poucas “verdades” da Antropologia. Apesar disso,<br />
muita gente ainda pensa que alguns seres humanos<br />
não têm cultura. Uma minoria crê, firmemente, que sua<br />
cultura é superior à dos outros. Outros, por se julgarem<br />
superiores, resolveram eliminar e subjugar os diferentes,<br />
tratando-os como inferiores. E uma grande maioria<br />
acostumou-se a pensar que não tem cultura alguma,<br />
ficando à mercê das elites ditas “cultas”.<br />
Outro equívoco que rodeia a cultura é quanto ao uso<br />
que se faz do conceito. As definições variam do extremamente<br />
amplo (“cultura é tudo aquilo que o homem<br />
acrescenta à natureza” ou “cultura é toda maneira de<br />
pensar, agir e sentir dos homens”) ao extremamente<br />
específico (“cultura é erudição”). Com o uso<br />
indiscriminado ou interesseiro, a palavra cultura tornouse<br />
expressão esvaziada. Foi o que nos levou a construir<br />
um novo conceito, que fosse ao mesmo tempo<br />
operacional, palpável, mensurável, observável, ético e<br />
correto.<br />
Para isso, buscamos outra contribuição da Antropologia:<br />
em toda e qualquer comunidade humana existem e<br />
interagem diversos componentes substantivos (que nós<br />
denominamos “indicadores sociais”) que podem ser identificados,<br />
medidos e observados e que, quando interagem<br />
entre si, constroem desenhos, padrões,<br />
símbolos e valores do grupo humano<br />
que aí vive e que podemos conceituar<br />
de <strong>Cultura</strong>.<br />
Encontramos os indicadores sociais<br />
em qualquer comunidade – rica<br />
ou pobre, urbana ou rural. No entanto,<br />
eles só se tornam um indicador<br />
cultural quando, em contato com outros<br />
indicadores, produzem um novo<br />
desenho, uma teia de relações dinâmicas,<br />
novas tramas e padrões de<br />
convivência, gerando novos valores<br />
ou sendo influenciados pelos valores<br />
universais presentes na comunidade.<br />
A cultura, este desenho, trama ou<br />
padrão dinâmico e interrelacional, é<br />
algo humano e social, público e visível,<br />
mas às vezes microscópico. Podemos,<br />
dentro de uma macrotrama, perceber<br />
microdesenhos simbólicos e repletos<br />
de significantes, como nas festas populares<br />
e de rua ou nos “rituais da ordem”<br />
que simbolizam e mantêm o sistema<br />
político. E é nesse mar de tra-
FOTOS: MARCELO GUARNIERI/ARTESANATO SOLIDÁRIO<br />
Tião Rocha é antropólogo, educador e<br />
folclorista. Foi professor da PUC-MG,<br />
da Universidade Federal de Ouro<br />
Preto e membro do Conselho<br />
Universitário da Universidade<br />
Federal de Minas Gerais. É<br />
presidente do CPCD – Centro Popular<br />
de <strong>Cultura</strong> e Desenvolvimento, que<br />
fundou em 1984, em Minas Gerais<br />
mas, micro e macroscópicas, que navegamos<br />
durante nossa vida.<br />
A seguir, comentamos esses indicadores.<br />
As formas organizativas – Incluem a<br />
família, a vizinhança, os amigos, o grupo<br />
de oração, os companheiros de futebol,<br />
o pessoal do pagode, as comadres<br />
da esquina, os meninos da pelada,<br />
a galera do funk etc. Esse indicador é<br />
fundamental para o moderno conceito<br />
de “capital social”. Estudos demonstram<br />
que quanto mais espaços ou<br />
oportunidades de convivência social<br />
forem oferecidos aos habitantes de<br />
uma comunidade, mais formas e possibilidades<br />
de participação estarão sendo<br />
geradas, ampliando os espaços e os<br />
momentos de protagonismo social e o<br />
acúmulo de capital social.<br />
Nossa experiência nos autoriza afirmar<br />
que onde não há oferta de formas<br />
organizativas em quantidade (e<br />
por isso há poucas oportunidades de<br />
31
90º<br />
OS INDICADORES SOCIAIS SE TORNAM CULTURAIS QUANDO<br />
AFETAM A TRAMA DE RELAÇÕES E VALORES DOS GRUPOS.<br />
ONDE OS ESPAÇOS DE INTERAÇÃO SÃO POUCOS, O TEMPO DE<br />
MUDANÇA TAMBÉM É LENTO<br />
“O talento da periferia não pode ser<br />
descartado. É isso que os jovens do<br />
Jardim Rosana querem mostrar.<br />
Fazemos parte do Jovens Urbanos,<br />
um projeto em parceria com o Cenpec,<br />
Itaú <strong>Cultura</strong>l e organizações de base<br />
das zonas Norte e Sul da capital de<br />
São Paulo. Descobrimos, em atividades<br />
com os moradores da região, que<br />
tínhamos muita história para contar.<br />
Nossa gente escreve livros, faz poesia,<br />
jornalzinho, música, tem lembranças<br />
ricas da vida no bairro que precisam<br />
ser conhecidas e ficar registradas.<br />
Tomamos então a iniciativa de criar a<br />
Rádio Busão e uma biblioteca.<br />
Estamos buscando a doação de um<br />
ônibus para tornar esses projetos<br />
itinerantes. Queremos divulgar nossa<br />
produção cultural no próprio bairro e<br />
também levar para outros bairros e<br />
até outros estados. Queremos<br />
promover novos talentos. Acredito<br />
que valorizar a própria cultura cria<br />
um caminho diferente de identidade<br />
para os jovens, eleva a auto-estima,<br />
cria reflexos para um futuro melhor.<br />
O pessoal da periferia tem<br />
criatividade e precisa ter esperança<br />
nela, não pode ter vergonha de<br />
mostrar o que sabe fazer.”<br />
MARCOS FERNANDES /AGÊNCIA LUZ<br />
AMANDA VIEIRA<br />
CAVALCANTI, 18 ANOS,<br />
participante do projeto Rádio Busão,<br />
que integra o programa Jovens Urbanos<br />
participação e de protagonismo), o<br />
tempo de resposta aos problemas é<br />
muito lento. O tempo de rotinas aumenta<br />
e o tempo de desejos e desafios<br />
decresce. A lentidão é observada<br />
na falta de vontade e ambição das<br />
pessoas, principalmente dos jovens,<br />
na baixa estima social da coletividade,<br />
no comodismo e atraso em relação<br />
a outras comunidades.<br />
Isso explica por que as jovens do<br />
“sertão das gerais”, aos 17 ou 18<br />
anos, começam a ficar “desesperadas”<br />
porque ainda não se casaram,<br />
“porque já passaram da época”. É<br />
que, na percepção delas, o tempo de<br />
juventude e de sonho já se realizou.<br />
Elas vivem em cidades que não têm<br />
cinema, grupo de teatro, biblioteca,<br />
festas populares, locadora de vídeos,<br />
grupos de jovens, coral ou banca de<br />
jornais. Não acontece nada nos fins<br />
de semana e muito menos no meio<br />
da semana. O mundo externo entra<br />
filtrado pela tela da TV ou pelas ondas<br />
do rádio. Por isso a maioria tem<br />
na própria TV (ou rádio) o seu instrumento<br />
de formação de “capital social”,<br />
ou seja, há um crescente processo<br />
de terceirização do desejo e alienação<br />
da vontade, gerando a nãoparticipação<br />
e o não-protagonismo.<br />
As formas do fazer – São as respostas<br />
produzidas pelos homens às múltiplas<br />
necessidades humanas. Uma<br />
resposta bem-sucedida significa incorporação<br />
de um resultado. Assim surge<br />
o “uso” que, de caráter pessoal,<br />
passa a ser um “hábito” ao tornar-se
de domínio de um grupo maior. A prática<br />
de um hábito cria o “costume”,<br />
uma das marcas de uma coletividade.<br />
A permanência do costume no tempo<br />
cria a “tradição”, marca registrada do<br />
fazer e do saber fazer de uma comunidade<br />
ou de um povo.<br />
Esse processo de acumulações<br />
sucessivas, sistemáticas e sempre<br />
atualizadas (porque contemporâneas),<br />
constitui a base da produção<br />
do conhecimento, seja de cunho científico<br />
(porque usa métodos para a<br />
compreensão de variados objetos),<br />
seja de caráter tecnológico (porque<br />
produz materiais, soluções e técnicas<br />
facilitadoras), seja de essência artística<br />
(porque atende a valores estéticos,<br />
sentimentais e não-tangíveis da<br />
humanidade, por meio de música,<br />
teatro, poesia, pintura etc.).<br />
Os sistemas de decisão – Referemse<br />
ao político, à autoridade, à liderança,<br />
aos poderes de decisão – macro e<br />
microinstitucionais e não institucionalizados.<br />
Aparecem ostensiva (como nos<br />
caso das lideranças políticas, jurídicas,<br />
militares etc.) ou subliminarmente,<br />
como no ambiente familiar, em que pai<br />
e mãe têm poderes de decisão.<br />
As relações de produção – Tratase<br />
do econômico, do mundo do trabalho,<br />
das forças produtivas – quem<br />
produz o que e para quem – de um<br />
grupo social. É observável nas formas<br />
convencionais de relações de produ-<br />
ção e de trabalho, assalariadas ou formais, e em todas<br />
as esferas da rede produtiva e reprodutiva de bens e<br />
serviços, remunerados ou não.<br />
O meio ambiente – Ou o contexto, o entorno, o ecológico.<br />
O homem é produtor e produto, processo e resultado<br />
do meio onde vive, parte integrante do ecossistema.<br />
Considerar o meio ambiente como um indicador social é<br />
compreendê-lo além de sua face meramente física e<br />
natural, como um elemento substantivo na constituição<br />
das expressões simbólicas, relações e processos humanos<br />
que serão o pano de fundo sobre o qual se construirá<br />
o desenho cultural de uma comunidade.<br />
A memória – Refere-se ao passado, à origem. Todos<br />
nós recebemos, desde o nascimento, uma carga de informações<br />
sobre o nosso passado recente ou remoto,<br />
guardado pela história ou pelo inconsciente coletivo ou<br />
pela tradição familiar. A memória de um grupo social se<br />
expressa em seus rituais sacros e profanos, repletos<br />
de elementos simbólicos perpetuadores dos vínculos e<br />
das matrizes geradoras desta comunidade.<br />
A visão de mundo – É o religioso, o filosófico, o depois, o<br />
futuro, o sonho. É movido pela idéia do porvir que o homem<br />
investe seu tempo e energia para aprender, dominar,<br />
transformar e se apropriar do mundo à sua volta. Existe<br />
uma ligação entre a memória e a visão de mundo: quanto<br />
mais pudermos voltar no passado e na memória, mais longe<br />
poderemos chegar em direção ao futuro, ao estabelecermos<br />
links e passagens de força, equilíbrio e coerência<br />
entre o ontem e o amanhã. Mas é preciso cuidado para<br />
não se ficar preso ao passado. Quem não consegue ligá-lo<br />
de forma coerente ao seu presente, não consegue construir<br />
uma perspectiva de futuro de seu próprio mundo.<br />
Com esses indicadores construímos o “nosso” modelo<br />
de <strong>Cultura</strong>: esta rede e trama de relações que forma<br />
um padrão ou um desenho definidor da identidade<br />
da comunidade ou grupo social. E podemos pensar em<br />
processo cultural como a interação e<br />
as dinâmicas que afetam o padrão ou<br />
desenho. Assim, entendemos que um<br />
“projeto de desenvolvimento” (de<br />
qualquer natureza) é uma ação-intervenção<br />
planejada no desenho cultural<br />
(e suas relações) de uma comunidade.<br />
O planejamento de um desenho<br />
cultural brasileiro – seja local, regional<br />
ou nacional –, que constitui o<br />
cerne das propostas e políticas de desenvolvimento,<br />
deveria ter então<br />
como premissa e ênfase a heterogeneidade<br />
e a diversidade culturais, que<br />
de fato constituem a marca de nossa<br />
nacionalidade, o caráter de nosso país<br />
e sua verdade histórica.<br />
Percebê-las em seus microcosmos<br />
– escola, família e comunidade – torna-se<br />
uma das tarefas dos educadores.<br />
Canalizá-las para construções<br />
pedagógicas que favoreçam novos<br />
processos de apropriação de conhecimentos,<br />
geradores de “oportunidades-e-de-opções”,<br />
pode ser o principal<br />
trabalho da escola.<br />
Esta é, cremos nós, a finalidade da<br />
cultura: ser instrumento eficaz do conhecimento,<br />
possibilitando leituras mais<br />
densas, mais ricas, mais sábias, mais<br />
abrangentes e mais humanas da nossa<br />
“travessia”, nessa busca permanente<br />
e vocação natural para ser feliz.<br />
Aplicação “Espinha de Peixe”, renda<br />
feita em São Sebastião (AL)<br />
33
180º<br />
LIÇÕES<br />
ARTE&CULTURA E EDUCAÇÃO<br />
DE LIBERDADE<br />
A ARTE-EDUCAÇÃO ESTIMULA O<br />
DESENVOLVIMENTO CULTURAL E COGNITIVO,<br />
MAS AS AMARRAS DA ESCOLA FORMAL LIMITAM<br />
O PRAZER NECESSÁRIO À APRENDIZAGEM<br />
por_Ana Mae Barbosa<br />
fotos_Henk Nieman<br />
No Brasil, muitas das ONGs que têm obtido sucesso<br />
na ação com os excluídos, esquecidos ou desprivilegiados<br />
da sociedade estão trabalhando com arte e até vêm ensinando<br />
às escolas formais a lição da arte como caminho<br />
para recuperar o que há de humano no ser humano.<br />
Entretanto, um problema está se criando. As ONGs,<br />
sem compromisso com a camisa-de-força representada<br />
pelo currículo, desenvolvem nos participantes fora do<br />
sistema escolar a capacidade de aprender, levando-os a<br />
descobrir suas habilidades e a ter alegria com as descobertas.<br />
Enfim, recuperam crianças e jovens para devolvêlas<br />
a uma escola cujo maior valor é hoje a obediência a<br />
um currículo nacional e aos instrumentos de controle do<br />
Estado – os testes e exames –, como manda o credo<br />
neoliberal, e não o estímulo para aprender a aprender.<br />
As chances de essas crianças e esses jovens serem<br />
rejeitados pela escola e voltar à rua, que é muito mais<br />
atraente, são muitas.<br />
O desejo de aprender é análogo ao desejo ficcional.<br />
Por meio da arte, o sujeito, tanto nas relações com o<br />
inconsciente como nas relações com o outro, põe em<br />
jogo a ficção e a narrativa de si mesmo. Nisto reside o<br />
prazer da arte. Sem a experiência do prazer da arte,<br />
por parte de professores (ou mediadores) e alunos,<br />
nenhuma teoria de arte-educação será reconstrutora.
Desenvolvimento cognitivo<br />
No Modernismo, falava-se em arte na educação para<br />
o desenvolvimento da sensibilidade, mas poucos tentaram<br />
conceituar esta sensibilidade, deixando-se dominar<br />
pela “lamúria psicologizante” e pelo sentimentalismo.<br />
Hoje, principalmente, se aspira influir positivamente<br />
no desenvolvimento cultural e cognitivo dos estudantes<br />
por meio do ensino/aprendizagem da arte. Não<br />
podemos entender a cultura de um país sem conhecer<br />
sua produção artística. A arte, como uma linguagem<br />
aguçadora dos sentidos, transmite significados que não<br />
podem ser veiculados por nenhuma outra linguagem,<br />
como a discursiva ou a científica. Dentre os gêneros<br />
artísticos, os visuais, tendo a imagem como matériaprima,<br />
tornam possível também a visualização de quem<br />
somos, onde estamos e como sentimos.<br />
A arte na educação, como expressão pessoal e como<br />
produção cultural, é um importante instrumento para a<br />
identificação social e o desenvolvimento individual. Por<br />
meio da arte, é possível desenvolver a percepção e a<br />
imaginação para apreender a realidade do meio ambiente,<br />
desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar<br />
a realidade percebida e desenvolver a criatividade<br />
de maneira a mudar a realidade que foi analisada.<br />
O conceito de criatividade também se ampliou. Para a<br />
educação modernista, dentre os processos mentais envolvidos<br />
na criação, a originalidade era o mais valorizado<br />
– daí o apego do Modernismo à idéia de vanguarda. Nos<br />
dias de hoje, a flexibilidade e a elaboração são os fatores<br />
da criatividade mais ambicionados pela educação.<br />
Em Nova York, nos anos 80, uma pesquisa com delinqüentes<br />
juvenis concluiu que eles tinham a capacidade<br />
de elaboração muito pouco desenvolvida. Era,<br />
dos fatores criadores, o menos desenvolvido entre os<br />
jovens em conflito com a lei. Tinham muita dificuldade<br />
em reelaborar o seu meio ambiente para melhor<br />
adaptá-lo aos seus desejos e necessidades. Essa incapacidade<br />
freqüentemente gerava violência. Envolvida<br />
em projetos artísticos, a grande maioria deles foi<br />
capaz de sobrepujar suas limitações conjunturais e<br />
reconstruir suas vidas.<br />
35
180º<br />
“Participo há pouco mais de dois<br />
anos do projeto Dança Comunidade,<br />
desenvolvido pelo coreógrafo Ivaldo<br />
Bertazzo, em São Paulo. Não<br />
aprendo só a arte da dança, mas<br />
coisas que vou usar para o resto da<br />
vida. O trabalho com o corpo inclui,<br />
por exemplo, aulas de fisioterapia,<br />
música, percussão rítmica, artes<br />
circences e de origami - que é<br />
importante pois é uma arte<br />
introspectiva, que faz surgir o que<br />
está dentro de você assim como na<br />
dança. A gente também participa de<br />
reuniões com médicos, que falam<br />
sobre saúde, e de grupos de reflexão,<br />
com psicólogo, assistente social e<br />
pedagogo, onde se conversa sobre a<br />
vida pessoal e as atividades do<br />
projeto. Isso deixa a cabeça mais<br />
aberta para se expressar e receber<br />
críticas. Enfim, o que ganho no<br />
projeto é ouro em pó, e procuro<br />
agarrar tudo. Estou sempre<br />
aprendendo sobre culturas diferentes<br />
e percebo que isso torna a gente mais<br />
versátil. A gente se dá conta de que a<br />
arte não está só no palco, mas em<br />
tudo. Ela é importante para sentir o<br />
conhecimento. Se tivesse mais arte<br />
na escola, seria mais legal. Do jeito<br />
que é o ensino hoje, você só vê aluno<br />
com sono e professor desestimulado.<br />
A arte devia fazer parte de todo<br />
aprendizado.”<br />
POR MEIO DA ARTE É POSSÍVEL<br />
DESENVOLVER A PERCEPÇÃO, A<br />
IMAGINAÇÃO, A CAPACIDADE CRÍTICA E A<br />
CRIATIVIDADE, PARA MUDAR A REALIDADE<br />
MAYKO PEREIRA<br />
CESAR DIAS CIQUEIRA,<br />
16 ANOS,<br />
é bailarino, estudante do 2º ano do<br />
ensino médio e integrante do projeto<br />
Dança Comunidade<br />
(www.ivaldobertazzo.com.br)<br />
Desafios na escola<br />
Desconstruir para reconstruir, selecionar,<br />
reelaborar, partir do conhecido<br />
e modificá-lo de acordo com o<br />
contexto e a necessidade, são processos<br />
criadores desenvolvidos pelo<br />
fazer e ver arte, fundamentais para<br />
a sobrevivência no mundo cotidiano.<br />
E muitos projetos com crianças e jovens,<br />
no Brasil, estão mostrando<br />
esse poder da “ordem oculta da<br />
arte”. Há muito educador, herói anônimo<br />
no Brasil, se dedicando às suas<br />
comunidades.<br />
O trabalho de arte nas comunidades<br />
vem confirmando que arte não é<br />
apenas uma mercadoria, como querem<br />
os capitalistas, nem quadro para<br />
pendurar na parede, como dizem com<br />
menosprezo os preconceituosos que<br />
acham que arte é um luxo sem o qual<br />
um país endividado como o nosso<br />
pode passar. Essa é a desculpa que<br />
escolas estão dando para retirar as<br />
disciplinas de <strong>Arte</strong> do ensino médio<br />
no Estado de São Paulo. A idéia é colocar<br />
Computação no lugar da <strong>Arte</strong>.<br />
Por que não, em vez disso, arte por<br />
meio do computador?<br />
Outra estratégia para burlar a Lei<br />
de Diretrizes e Bases da Educação<br />
(que exige arte no currículo) é deixar<br />
<strong>Arte</strong> para os professores de Literatura<br />
ensinarem, com a manipuladora<br />
desculpa da interdisciplinaridade.<br />
Sim, literatura é arte, mas não desenvolve<br />
as linguagens visuais, sonoras<br />
e gestuais.
Sem a experiência<br />
do prazer da arte,<br />
por parte de<br />
educadores e<br />
alunos, nenhuma<br />
teoria de<br />
arte-educação<br />
será reconstrutora<br />
Democracia e marketing<br />
É por essas e outras que as ONGs, com muito menos<br />
dinheiro do que os governos vêm gastando em Educação,<br />
conseguem educar melhor e combater muito mais eficientemente<br />
a exclusão e a violência. Sobretudo quando não se<br />
trata de marketing empresarial, mas de projeto comunitário<br />
mesmo, em que os participantes têm poder de decisão.<br />
É muito importante democratizar o poder nos projetos<br />
sociais. Que direito temos nós de decidir o que é mais<br />
importante para uma comunidade, se não fazemos parte<br />
dela? Dar voz aos oprimidos deveria ser o primeiro<br />
mandamento dos projetos ditos sociais. Decidir sem<br />
ouvir, o governo já faz continuamente. Para compensar,<br />
o poder do terceiro setor deveria ser mais dialogal.<br />
Há também artistas ditos voluntários (mas algumas<br />
vezes com gordas verbas de terceiros), que apenas exploram<br />
os participantes, fazendo-os trabalharem de graça<br />
em projetos totalmente definidos e controlados pelos<br />
próprios artistas. Muitas vezes, apesar das boas intenções,<br />
porque não sabem lidar com comunidade ou<br />
com aprendizagem de arte, voluntários e artistas acrescentam<br />
mais um nível de exploração aos já tão explorados.<br />
É necessário conhecer e analisar o processo de trabalho<br />
em comunidade para avaliar e julgar sua propriedade.<br />
Nos trabalhos desenvolvidos por Rachel Mason na<br />
Inglaterra e no programa Quietude da Terra, do Projeto<br />
Axé, de Salvador, por exemplo, os artistas trabalharam<br />
assistidos por arte-educadores, o que garantiu um processo<br />
realmente educacional a favor da inclusão.<br />
Lidar com os excluídos, levando-os a se verem como<br />
pessoas plenas, apesar da exclusão, não é tarefa fácil.<br />
Qualquer deslize potencializa a exclusão.<br />
O cineasta Sergio Bianchi, em entrevista acerca de seu<br />
último filme, “Quanto Vale ou É por Quilo?”, que enfoca o<br />
“marketing social”, lembrava que está se criando uma<br />
nova escravidão: a escravidão comandada pelo chamado<br />
terceiro setor que só quer propaganda. Realmente,<br />
para muitas organizações que desenvolvem<br />
“trabalho social”, o marketing<br />
da empresa vem em primeiro lugar.<br />
Outras instituições só apóiam economicamente<br />
projetos que possam se<br />
auto-sustentar em determinado prazo.<br />
Mas há práticas sociais, como o Majê<br />
Molê, grupo de dança da periferia pobre<br />
do Recife, que nunca poderão se financiar,<br />
a não ser que se comercializem,<br />
o que resulta sempre em exclusão dos<br />
menos dotados e talentosos, que também<br />
muito necessitam do contato<br />
reconstrutor com a arte.<br />
Mas, apesar de algumas vezes submetido<br />
a um certo marketing sanguessuga,<br />
o movimento de arte para a reconstrução<br />
social vem demonstrando<br />
a necessidade da arte para todos os<br />
seres humanos, por mais inumanas<br />
que tenham sido as condições que a<br />
vida lhes impôs.<br />
Ana Mae Barbosa é professora da<br />
Universidade de São Paulo, pioneira<br />
dos estudos de arte-educação no<br />
Brasil e autora de vários livros<br />
sobre o tema. Dirigiu o Museu de<br />
<strong>Arte</strong> Contemporânea da<br />
Universidade de São Paulo em 1987 e<br />
elaborou a proposta de arteeducação<br />
apoiada no tripé: ver arte,<br />
contextualizar o que se vê, e fazer<br />
37
270º<br />
por_Leonardo Brant<br />
fotos_Henk Nieman<br />
O NEGÓCIO<br />
ARTE&CULTURA E MERCADO<br />
DA CULTURA<br />
A INCORPORAÇÃO DE ELEMENTOS DA ECONOMIA DE MERCADO<br />
PARA ALAVANCAR AS CULTURAS LOCAIS É LEGÍTIMA. OS RISCOS<br />
SÃO A MERCANTILIZAÇÃO E O PODER CONCENTRADOR DAS<br />
GRANDES INDÚSTRIAS CULTURAIS<br />
Peças da exposição 100 latas,<br />
com intervenções de vários<br />
artistas em latas de spray e que<br />
inaugurou a Grafiteria, espaço<br />
dedicado à arte de rua, em São<br />
Paulo: há novidades nas<br />
prateleiras do mercado cultural<br />
É válido pensar que a atividade cultural é essencialmente<br />
econômica. Ou até imaginar que o pensamento<br />
econômico, em si, parte de processos culturais. Discordo<br />
da dicotomia entre cultura e economia. Contesto,<br />
porém, qualquer argumento que insira a cultura numa<br />
dinâmica meramente mercadológica e economicista,<br />
avaliando-a pelo número, pelo indicador, pelos empregos<br />
e pela pujança da sua cadeia produtiva.<br />
A globalização tem nos mostrado que o crescimento<br />
desenfreado da atividade cultural traz efeitos nem sempre<br />
favoráveis para as culturas locais. O Relatório do PNUD<br />
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)<br />
de 2004, intitulado “A Liberdade <strong>Cultura</strong>l no Mundo Diversificado”<br />
traz o seguinte: “O comércio mundial de bens<br />
culturais – cinema, fotografia, rádio e televisão, material<br />
impresso, literatura, música e artes visuais - quadruplicou,<br />
passando de 95 bilhões de dólares em 1980 para<br />
mais de 380 bilhões em 1998”. Mas faz a ressalva: “na<br />
indústria cinematográfica, as produções dos Estados Uni-<br />
dos representam, normalmente, cerca<br />
de 85% das audiências de cinema<br />
em todo o mundo”.<br />
O documento da ONU também nos<br />
alerta para a excessiva concentração<br />
do dinheiro provindo das indústrias<br />
culturais. Se, por um lado, tememos<br />
seu efeito nas culturas locais, por outro,<br />
observamos um enorme potencial<br />
alavancador dessas culturas. Daí<br />
a minha empolgação com o desafio,<br />
também de origem, de acreditar que<br />
os elementos da economia de mercado<br />
são passíveis de incorporação<br />
por toda uma gama de produtores<br />
culturais e artistas, trazendo possibilidades<br />
reais de auto-sustentabilidade.<br />
E, por que não dizer, de<br />
transformação social.
270º<br />
“Sempre gostei de música e um<br />
professor me encaminhou ao<br />
<strong>Instituto</strong> Criar de TV e Cinema,<br />
em São Paulo, para fazer uma<br />
oficina de audiovisual. Foi um ano<br />
de curso, que terminou em junho, e<br />
uma superexperiência, porque me<br />
envolvi com as outras oficinas,<br />
aprendendo um pouco de câmera,<br />
computação gráfica, iluminação,<br />
edição. Além do aprendizado<br />
técnico, tive aulas de inglês,<br />
história do cinema, criatividade e<br />
expressão e sobre os meios de<br />
comunicação. Eu era leigo em tudo<br />
isso, hoje tenho conhecimentos e<br />
uma visão bem mais crítica. Quero<br />
unir música e cinema. A participação<br />
nesse projeto está me abrindo<br />
as portas para o mercado de<br />
trabalho, mas principalmente<br />
abrindo minha cabeça para<br />
valorizar a produção cultural<br />
brasileira. Virei monitor de áudio<br />
no projeto e, com os monitores de<br />
outras oficinas, estamos criando<br />
uma produtora do <strong>Instituto</strong> Criar<br />
e também um núcleo jovem para<br />
levar nossas experiências para<br />
outras instituições sociais. Serão<br />
novas idéias, novos olhares, novos<br />
talentos e cabeças pensando, e tudo<br />
isso só pode enriquecer a arte e ser<br />
bom para o Brasil.”<br />
BEATRIZ ASSUMPÇÃO<br />
PESQUISAS MOSTRAM QUE NO BRASIL A<br />
RELAÇÃO ENTRE INVESTIMENTO E VAGAS<br />
GERADAS NA ÁREA É MUITO GRANDE E A<br />
OFERTA CULTURAL, MUITO PEQUENA<br />
GUILHERME RAMOS DE SOUZA,<br />
18 ANOS,<br />
é estudante do 3º ano do ensino médio e monitor<br />
no <strong>Instituto</strong> Criar de TV e Cinema<br />
(www.institutocriar.org)<br />
Estava prevista para o mês de outubro<br />
a 33ª Conferência Geral da<br />
Unesco, ocasião em que seria promulgada<br />
uma Convenção Internacional<br />
sobre diversidade cultural. Costumo<br />
apelidá-la de “Protocolo de Kyoto<br />
da <strong>Cultura</strong>”, dada a sua importância<br />
nesse cenário de riqueza e desigualdade.<br />
O documento traz uma série de<br />
recomendações aos países-membros,<br />
no sentido da adoção de políticas<br />
próprias para a cultura, bem<br />
como a outros organismos internacionais,<br />
como Organização Mundial<br />
do Comércio e demais órgãos das Nações<br />
Unidas.<br />
Não podemos nos esquivar diante<br />
da mais evidente – e trágica – conexão<br />
entre cultura e economia, senão<br />
a da intencional transformação de<br />
hábitos e costumes culturais em dinâmicas<br />
meramente mercadológicas.<br />
“Pesquisas de mercado identificaram<br />
uma ‘elite mundial’, uma classe média<br />
mundial que segue o mesmo estilo<br />
de consumo e prefere ‘marcas mundiais’.<br />
O mais impressionante são os<br />
‘adolescentes mundiais’, que habitam<br />
um ‘espaço mundial’, com uma única<br />
cultura pop mundial, absorvendo os<br />
mesmos vídeos e a mesma música e<br />
proporcionando um mercado enorme<br />
para tênis, t-shirts e jeans de marca”,<br />
reflete ainda o relatório do PNUD.<br />
E esse não é um único viés da<br />
“mercantilização” da cultura. Naomi<br />
Klein, autora do excelente “No Logo”,<br />
traz algumas indagações a respeito de<br />
processo de apropriação da cultura<br />
pelo mundo corporativo. O foco é o patrocínio.<br />
“Embora nem sempre seja a
intenção original, o efeito do<br />
“branding” avançado é empurrar a cultura<br />
que a hospeda para o fundo do<br />
palco e fazer da marca a estrela. Isso<br />
não é patrocinar cultura, é ser cultura.<br />
E por que não deveria ser assim? Se<br />
as marcas não são produtos, mas conceitos,<br />
atitudes, valores e experiências,<br />
por que também não podem ser cultura?<br />
Esse projeto tem sido tão bemsucedido<br />
que os limites entre patrocinadores<br />
corporativos e a cultura patrocinada<br />
desaparecem completamente.”<br />
Esse processo consolida a<br />
“coisificação do ser e a humanização<br />
das coisas”, segundo o antropólogo<br />
italiano Massimo Canevacci, autor do<br />
livro “<strong>Cultura</strong>s Extremas”.<br />
A International Network for <strong>Cultura</strong>l<br />
Diversity (www.incd.net) promove essa<br />
pauta junto aos associados em mais<br />
de 50 países. Trabalha pelo desenvolvimento<br />
cultural local em face do processo<br />
de homogeneização da cultura,<br />
impetrado sobretudo pela voracidade<br />
dos conglomerados globais da indústria<br />
cultural. Fruto desse trabalho de<br />
pesquisa e discussão e pressão junto<br />
a organismos internacionais como<br />
Unesco, OMC e demais células do sistema<br />
ONU, está a criação no Brasil do<br />
<strong>Instituto</strong> Diversidade <strong>Cultura</strong>l (www.<br />
diversidadecultural.org.br) e a publicação<br />
do livro “Diversidade <strong>Cultura</strong>l”, lançado<br />
recentemente pela editora Escrituras,<br />
em parceria com o <strong>Instituto</strong><br />
Pensarte. A tônica geral da publicação,<br />
que traz 17 textos de especialistas<br />
internacionais, volta-se para a análise<br />
e a proposição de mecanismos internacionais<br />
que auxiliem a salvaguarda<br />
dessas culturas, tanto quanto sua promoção nos ambientes<br />
internos.<br />
Pesquisa da Fundação João Pinheiro, publicada em<br />
1998 pelo Ministério da <strong>Cultura</strong>, aponta que 1% do PIB<br />
brasileiro seria gerado pela cultura. A cada 1 milhão de<br />
reais investido, teríamos 160 postos de trabalho. A relação<br />
emprego/investimento seria a melhor do Brasil,<br />
mesmo em comparação com a indústria automotiva e<br />
de tecnologia. Num país em que o desafio de geração<br />
de trabalho e renda para os jovens em idade de ingressar<br />
no mercado de trabalho é enorme, isso poderia significar<br />
um grande potencial.<br />
Dados de uma pesquisa realizada pelo IBGE em 1999<br />
demonstram, por outro lado, a ausência da oferta cultural<br />
no Brasil: 82% dos municípios brasileiros não possuíam<br />
museus, 84,5% não tinham teatro, 92% não tinham<br />
sequer uma sala de cinema e cerca de 20% não<br />
tinham bibliotecas públicas. Mesmo aqueles municípios<br />
que contavam com bibliotecas, 69% deles possuíam<br />
apenas uma e, nos municípios com até 20 mil habitantes,<br />
935 não tinham nenhuma.<br />
Nos municípios com até 5 mil habitantes, a presença<br />
de livrarias e lojas que vendem discos, fitas e CDs era<br />
muito rara, com percentuais de 13,6% e 5,6%, respectivamente.<br />
E em termos de território brasileiro, dos<br />
5.506 municípios pesquisados, 65% não possuíam esse<br />
comércio. Nos municípios com mais de 50 mil habitantes,<br />
90% tinham esse tipo de loja e, como já era de se<br />
esperar, todos os grandes centros urbanos possuíam<br />
esse gênero de comércio, com destaque para a Região<br />
Sul, onde em 60% dos municípios se identificaram livrarias<br />
e em 40% lojas de discos, fitas e CDs.<br />
Esses dados apontam para um estrangulamento da<br />
capacidade econômica, com uma grande concentração<br />
nos grandes centros, que obviamente não é capaz de<br />
absorver a grande miríade criativa da cultura brasileira.<br />
Por outro lado, mostra a oportunidade de se investir<br />
num mercado promissor e necessário para a própria<br />
valorização das manifestações culturais locais e para o<br />
desenvolvimento de nossas crianças e jovens. Nesse<br />
caso, bom negócio para o Brasil.<br />
Leonardo Brant é presidente da Brant<br />
Associados e do <strong>Instituto</strong> Diversidade<br />
<strong>Cultura</strong>l, autor dos livros “Mercado<br />
<strong>Cultura</strong>l, Políticas <strong>Cultura</strong>is”, vol.1<br />
(org.) e “Diversidade <strong>Cultura</strong>l” (org.)<br />
41
360º<br />
ARTE&CULTURA E CONTEXTO<br />
A PULSAÇÃO DO<br />
NOSSO TEMPO<br />
A ARTE CONTEMPORÂNEA SUPERA AS DIVISÕES DO<br />
MODERNISMO E REFLETE O ESPÍRITO DE NOSSA ÉPOCA,<br />
OCUPADA COM AS QUESTÕES DA IDENTIDADE: O CORPO, O<br />
AFETO, A MEMÓRIA<br />
por_Katia Canton Já dizia o crítico brasileiro Mario Pedrosa que “arte é o<br />
exercício experimental da liberdade”. Eis uma ótima definição,<br />
sobretudo se entendermos que o conceito de<br />
liberdade depende de um contexto para se definir. O que<br />
é considerado um ato ou um pensamento de liberdade<br />
em um determinado momento histórico não o é necessariamente<br />
em outro. Em se tratando de arte, então, é<br />
importante que prestemos atenção nos sinais dos tempos<br />
e em seus significados.<br />
Bem, e qual é o significado da arte? Para começar, podemos<br />
dizer que ela provoca, instiga, estimula nossos sentidos,<br />
de forma a descondicioná-los, isto é, a retirá-los de<br />
uma ordem preestabelecida, sugerindo ampliadas possibilidades<br />
de viver e de se organizar no mundo. Como escreve<br />
o poeta Manoel de Barros: “Para apalpar as intimidades do<br />
Katia Canton é PhD em <strong>Arte</strong>s pela mundo é preciso saber: / a) que o esplendor da manhã não<br />
Universidade de Nova York, docente e se abre com faca / b) o modo como as violetas preparam o<br />
curadora de arte do Museu de <strong>Arte</strong> dia para morrer / c) por que é que as borboletas de tarjas<br />
Contemporânea, da Universidade de vermelha têm devoção por túmulos / d) se o homem que<br />
São Paulo, autora de vários livros, toca de tarde sua existência num fagote tem salvação (...)<br />
entre eles “Retrato da <strong>Arte</strong> Moderna” Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios (...) / As<br />
coisas não querem mais ser vistas por /<br />
pessoas razoáveis:/ Elas desejam ser<br />
olhadas de azul — / que nem uma criança<br />
que você olha de ave”.<br />
A arte ensina justamente a desaprender<br />
os princípios do óbvio que é atribuído<br />
aos objetos, às coisas. Ela parece esmiuçar<br />
o funcionamento das coisas da<br />
vida, desafiando-as, criando para elas<br />
novas possibilidades. Ela pede um olhar<br />
curioso, livre de “pré-conceitos”, mas<br />
cheio de atenção. Os jovens já têm essa<br />
disponibilidade, mas é preciso estimular<br />
seu convívio com arte para facilitar e<br />
aprimorar essa percepção.<br />
Agora, ao mesmo tempo em que se<br />
nutre da subjetividade, há outra importante<br />
parcela da compreensão da<br />
arte que é constituída de conhecimento<br />
objetivo, envolvendo a história<br />
- da arte e dos homens -, para que,
com esse material, se possa estabelecer<br />
um grande número de relações.<br />
Para contar essa história, a arte precisa<br />
ser plena de verdade, refletindo<br />
o espírito do tempo, com a visão, o<br />
pensamento e o sentimento das pessoas<br />
em seus momentos.<br />
Parece complicado? Pois pensar na<br />
arte como um conhecimento vivo, um<br />
tecido onde se costuram diariamente<br />
fios que compõem a vida, é uma forma<br />
de entender por que razão a maneira de<br />
encará-la também se modifica no decorrer<br />
dos contextos sócio-históricos. É<br />
mais que desejável, então, que os jovens<br />
se acostumem a pensar também sobre<br />
a arte de seu próprio tempo.<br />
<strong>Arte</strong> moderna e vanguardas<br />
De modo geral, podemos afirmar que a arte moderna,<br />
que se iniciou a partir da segunda metade do século 19<br />
e abarcou todo o século 20, teve como mola propulsora<br />
o conceito de vanguarda. E o que isso significa?<br />
O termo vem do francês “avant-garde”, que quer dizer<br />
“à frente da guarda”. É um termo de guerra, que<br />
pressupõe duas idéias básicas: a de se estar “à frente”,<br />
isto é, de fazer algo novo, e a de “guarda”, que se<br />
liga à luta, à ruptura. Eram esses os desejos dos artistas<br />
modernos. As bases de todos os movimentos que<br />
eles criaram, independente de suas singularidades,<br />
estão ligadas às noções de novo e de ruptura.<br />
Buscando criar obras cada vez mais inovadoras e que<br />
pudessem romper com a ordem vigente é que os artistas<br />
modernos elaboraram seus movimentos. Afinal de contas,<br />
esses artistas pertenceram a uma era tremendamente<br />
Espécimes da Flora, um óleo sobre<br />
tela e napa, obra da artista plástica<br />
brasileira Adriana Varejão<br />
43
A ARTE DESAFIA O ÓBVIO E SUA COMPREENSÃO EXIGE UM<br />
OLHAR CURIOSO, ATENTO E SEM PRECONCEITOS. OS<br />
JOVENS JÁ TÊM ESSA DISPONIBILIDADE, MAS PRECISAM<br />
DE CONHECIMENTO PARA APRIMORÁ-LA<br />
“Com 15 anos, eu não sabia nada de<br />
música. Gostava só de rock e tinha<br />
vontade de tocar violão. Aí minha<br />
mãe me falou de um curso de<br />
música. Era o projeto Acordes Pão de<br />
Açúcar. Como o curso era de<br />
instrumentos de corda, me interessei,<br />
mas não tinha violão, só violino,<br />
viola, violoncelo e contrabaixo. Para<br />
começar, eu tinha de ver uma<br />
apresentação da orquestra do<br />
projeto. Por ser orquestra, a minha<br />
expectativa era que o programa<br />
seria chato, coisa erudita. Mas gostei<br />
e vi que com aqueles instrumentos<br />
eles também tocavam música<br />
popular. Comecei aí a aprender que<br />
segregar música, ou qualquer outra<br />
arte, é uma bobagem. Escolhi<br />
aprender violino e não deixei de<br />
gostar de rock, agora entendo mais.<br />
Hoje toco na orquestra do Acordes,<br />
formada por 40 músicos, e também<br />
dou aula no projeto. O Acordes me<br />
abriu um horizonte cultural, não só<br />
na música. A gente tem contato com<br />
história, outras línguas e culturas.<br />
Encontrei também um horizonte<br />
profissional. Estudo música na<br />
Faculdade Santa Marcelina, em São<br />
Paulo, e estou em vias de acertar um<br />
intercâmbio cultural para estudar<br />
em uma universidade na Polônia.”<br />
CESAR CIQUEIRA<br />
MATHEUS FRANZ CANADA,<br />
21 ANOS,<br />
estudante de música e integrante do<br />
projeto Acordes, do <strong>Instituto</strong> Pão de<br />
Açúcar (www.paodeacucar.com.br)<br />
intensa, que, no rastro da Revolução Industrial,<br />
urbanizou cidades, promoveu<br />
espantosas inovações tecnológicas,<br />
mas também produziu duas guerras<br />
mundiais, além da Revolução Russa,<br />
que acabaram por separar o mundo em<br />
blocos capitalista e socialista. Era preciso<br />
que a arte se tornasse tão inovadora<br />
e radical quanto a própria vida.<br />
Uma das invenções do século 19 e<br />
que teve um impacto fenomenal sobre<br />
a arte foi a fotografia. Ela liberou os artistas,<br />
até então incumbidos de registrar<br />
em suas telas pessoas, paisagens<br />
e fatos históricos para a posteridade. A<br />
fotografia poderia cumprir essa função,<br />
dando ao artista mais liberdade para<br />
criar, pesquisas e experimentar.<br />
No Modernismo, diversos projetos<br />
uniam artistas em diferentes movimentos,<br />
muitas vezes endossados por manifestos<br />
– textos que os explicavam e<br />
validavam. A opção pelo novo manifestou-se<br />
de maneiras muito diversas e<br />
particulares, ampliando enormemente<br />
as possibilidades artísticas que o século<br />
20 trouxe para o mundo ocidental.<br />
No Impressionismo, por exemplo,<br />
os artistas queriam se liberar da representação<br />
realista e cheia de regras<br />
impostas pelas academias de belasartes.<br />
No Cubismo, a fragmentação<br />
das imagens projetava simbolicamente<br />
a própria fragmentação do<br />
mundo da industrialização. Na arte<br />
abstrata, procurava-se uma síntese<br />
que transcendesse uma realidade de<br />
guerras, destruições e desigualdades.<br />
O que os unia era um posicionamento<br />
diante das mudanças trazidas pela<br />
sociedade industrial. Impressionismo,<br />
Pós-Impressionismo, Fauvismo, Expressionismo,<br />
Simbolismo, Cubismo,<br />
Futurismo, Surrealismo, Minimalismo...<br />
todos buscavam liberdade e autonomia<br />
para a obra de arte.
A cena contemporânea<br />
Com o passar do tempo, no entanto,<br />
a arte moderna sofreu um desgaste.<br />
Por um lado, ela tornou-se tão experimental<br />
que acabou por afastar-se<br />
do público, que passou a achar suas<br />
manifestações cada vez mais estranhas<br />
e de difícil compreensão. Isso<br />
aconteceu particularmente a partir<br />
dos anos 60 e 70, em Nova York, para<br />
onde se transferiu a vanguarda artística<br />
dos centros europeus depois da<br />
Segunda Guerra, e onde várias noções<br />
modernas foram radicalizadas.<br />
No movimento minimalista, criado<br />
ali, o lema era “Menos é Mais”; a arte<br />
não deveria ter autoria, nem passado<br />
ou futuro, apenas a ação do momento<br />
presente. “O que se vê é o que<br />
se tem”, diziam os minimalistas. “Não<br />
há nada por trás das formas.”<br />
Em meio a isso, as pessoas sentiam<br />
falta de histórias e da possibilidade de<br />
serem arrebatadas de emoção pelas<br />
obras de arte. Por outro lado, a noção<br />
do novo, fundamental para a vanguarda,<br />
também se tornou algo improvável,<br />
sobretudo num mundo repleto de<br />
informações e estímulos.<br />
Com a mudança global que se delineia<br />
a partir dos anos 80, torna-se mais<br />
gritante ainda a necessidade de uma<br />
modificação no conceito de arte. Mais<br />
do que isso: torna-se necessário que a<br />
arte se modifique para sobreviver. E é<br />
aí que sai de cena a arte moderna e<br />
sobe ao palco a contemporânea.<br />
Para começar, a organização prévia do mundo entre<br />
capitalismo e socialismo entra em colapso com o fim do<br />
regime socialista soviético e a queda do muro de Berlim<br />
(1989). As novas realidades políticas provocam um fluxo<br />
geográfico internacional, fazendo com que os deslocamentos<br />
humanos instaurem uma nova noção de identidade<br />
e de nacionalidade.<br />
A virtualização produz uma profunda modificação na<br />
maneira como as pessoas se relacionam. A relação tempo<br />
e espaço, que antes obedecia a uma proporcionalidade,<br />
agora é instável.<br />
Se os estímulos de informação proliferam sem limites<br />
temporais ou espaciais, tornando-se muitas vezes excessivos,<br />
a memória torna-se um bem maior. Para o cientista<br />
russo e Prêmio Nobel, Ilya Prigogine, “o fim da humanidade<br />
seria uma sociedade que perdeu sua memória”.<br />
Prigogine aponta para uma valorização cada vez maior da<br />
memória como um bem ao qual muitas pessoas terão<br />
pouco acesso num futuro em que tudo é descartável.<br />
A importância dada à moda, às aparências e à “atitude”,<br />
aliada a uma tecnologia sofisticada de cirurgias,<br />
implantes, aparelhos de ginástica e substâncias químicas,<br />
além das possibilidades genéticas que se abrem<br />
com os seqüenciamentos cromossômicos, fazem do<br />
corpo um campo de experimentações futurísticas. A<br />
busca pela originalidade, que caracterizava a vanguarda<br />
modernista do século 20, é substituída pela atitude<br />
de busca de reconhecimento, de celebridade. Transfere-se<br />
o alvo das preocupações da produção para o produtor,<br />
da obra para o autor.<br />
Tanta coisa acontece rápida e simultaneamente que<br />
afeta nossa capacidade de lidar com a memória, a<br />
afetividade, o corpo, a identidade, enfim. Esses, então,<br />
passam a ser os grandes assuntos a serem tratados<br />
pelos artistas contemporâneos, espécies de radares de<br />
seu próprio momento histórico. A arte abstrata continua<br />
a existir, mas é na figuração, nas narrativas, nas<br />
imagens ligadas à própria história de vida do artista e<br />
às micropolíticas referentes ao mundo em que vive que<br />
está o grande foco da arte contemporânea.<br />
Se fosse convidada a reformular o ensino da arte no<br />
momento contemporâneo, eu substituiria o estudo dos<br />
movimentos que caracterizaram a era moderna por esses<br />
grandes temas que acompanham a produção e o pensamento<br />
dos artistas contemporâneos, permitindo que a<br />
arte continue a fazer sentido e a ecoar nossa essência.<br />
Trabalhando nos sintomas desse<br />
cenário, grandes nomes internacionais<br />
parecem confirmar essa tendência.<br />
Cindy Sherman fotografa-se assumindo<br />
identidades variadas. A francesa<br />
Louise Bourgeois, com mais de 80 anos<br />
de idade, é uma das mais radicais artistas<br />
da atualidade, construindo universos<br />
escultóricos que mesclam autobiografia<br />
e erotismo. O norte-americano<br />
Mathew Barney cria em seus filmes<br />
uma mitologia miscigenada, misturando<br />
tempos e espaços.<br />
No Brasil, Adriana Varejão pinta fachadas<br />
de azulejaria portuguesa sangrando<br />
como se em carne viva, criando um<br />
potente comentário sobre a história<br />
colonial e seus rastros de sofrimento.<br />
Ernesto Neto constrói com náilon, espuma<br />
e enchimentos, verdadeiras metáforas<br />
de nossos órgãos e peles.<br />
Em meio a múltiplas possibilidades de<br />
usos de materiais, espaços e tempos, a<br />
arte contemporânea não separa a rua<br />
e o museu. O coreógrafo Ivaldo Bertazzo<br />
mescla tradições étnicas milenares com<br />
o gestual urbano de crianças e jovens<br />
de favelas brasileiras. O músico Naná<br />
Vasconcelos utiliza com precisão sons<br />
do corpo e voz de milhares de pessoas<br />
e afirma que Vila-Lobos é um “genuíno<br />
músico popular, já que consegue fazer<br />
ecoar os sons do povo, ainda que de forma<br />
sinfônica”.<br />
Felizmente, a arte contemporânea<br />
tem a liberdade de apontar suas heranças<br />
e sua história sem precisar ir ao grau<br />
zero da originalidade e está cada vez<br />
mais infiltrada nas peles da vida. Assim<br />
ela permanece pulsando.<br />
45
sem bússola<br />
OUTRAS LEITURAS
por _ Iara Biderman<br />
BADAH<br />
MENSAGENS<br />
CIFRADAS DA<br />
JUVENTUDE, AS<br />
PICHAÇÕES<br />
LEVANTAM<br />
QUESTÕES<br />
SOBRE O PODER<br />
DE INCLUSÃO E<br />
OS LIMITES DA<br />
ARTE URBANA<br />
Decifra-me ou devoro-te. No alto dos prédios e viadutos,<br />
nas fachadas das casas e nos muros das grandes<br />
cidades, principalmente, as frases desconexas e<br />
letras indecifráveis repetem o desafio da esfinge. Que<br />
mensagens são essas, que nos joga na cara perguntas<br />
ainda sem respostas consensuais: sinais de deterioração<br />
urbana ou arte de rua?<br />
Para o fotógrafo profissional Iatã Canabrava, é comunicação<br />
visual popular. Convidado para fazer um trabalho<br />
sobre as intervenções visuais urbanas - pichações,<br />
grafites, anúncios, faixas -, Canabrava chamou<br />
jovens fotógrafos e grafiteiros para realizarem juntos<br />
uma leitura da cidade. O resultado foi a exposição<br />
“Spray - Tatuagens Urbanas”, que ficou à mostra na<br />
sede do <strong>Instituto</strong> GTech, em São Paulo, em meados<br />
deste ano, como “uma reflexão, nem a favor, nem contra,<br />
sobre essa demarcação visual do espaço urbano”,<br />
segundo o fotógrafo.<br />
Mas é difícil não ser “contra ou a favor” nessa questão.<br />
“A cidade é o suporte para a pichação e o grafite, e muita<br />
gente não gosta. Muitas vezes, é a situação de um outro<br />
agredindo diretamente algo que é seu”, diz Daniel<br />
Fernandes, o Badah, educador de oficinas do <strong>Instituto</strong><br />
Gtech. A busca desesperada por qualquer espaço de expressão<br />
leva os excluídos da arte e da cultura a marcar<br />
território de forma ostensiva, por vezes agressiva. “Se tivessem<br />
outras oportunidades de atividades culturais, os<br />
pichadores talvez escolhessem outras formas de expressão.<br />
Poderia ser o grafite, mas poderia ser qualquer outra<br />
coisa”, acredita Badah.<br />
Para L. F. A. C., 17, a escolha foi outra.<br />
O garoto era “invocado”, bastava alguém<br />
olhar torto para ele partir para a<br />
briga. “Minha mãe vivia preocupada. Eu<br />
andava com uma turma de gente mais<br />
velha, ‘me achava’. Vivia na rua, era muito<br />
rap e pinga com groselha. Subia em<br />
carro, escalava muro e pichava em uns<br />
lugares incríveis”, conta. O que deu “um<br />
rumo” para L.F., segundo suas próprias<br />
palavras, foi o encontro com a música<br />
clássica. Há quatro anos, participa do<br />
Projeto Guri, e toca violino na orquestra<br />
do projeto, que surgiu no âmbito do governo<br />
do Estado e hoje é uma organização<br />
social na área de cultura que promove<br />
inclusão por meio do ensino coletivo<br />
da música.<br />
A foto de uma construção<br />
pichada em rua de São Paulo<br />
integrou uma mostra em que<br />
fotógrafos e grafiteiros fizeram<br />
uma leitura visual da cidade<br />
47
A escolha de L.F. não significou um<br />
rompimento com o rap e a “turma do<br />
piche”, mas, hoje, o ajuda a ter uma<br />
reflexão mais elaborada sobre esse<br />
tipo de manifestação. “Quem vê de<br />
fora acha que é vandalismo. Nada a<br />
ver. A gente está mostrando o que<br />
sente, mas não estão entendendo.<br />
Estamos dizendo: ‘olhem, estamos<br />
aqui!’”, conta, acrescentando que, antes<br />
de tocar na orquestra, pichava<br />
porque não era notado. “Agora, toco<br />
violino e sou notado, me aplaudem.”<br />
Mensagem para poucos<br />
Para o antropólogo Alexandre Barbosa<br />
Pereira, autor da tese “De Rolê<br />
pela Cidade – os Pichadores de São<br />
Paulo”, a lógica do pichador é ser reconhecido<br />
e ganhar notoriedade dentro<br />
do grupo. “A mensagem, em geral,<br />
não é para a população, é para eles<br />
mesmos.” Dentro dessa lógica, quanto<br />
mais arriscado for o local ou a situação<br />
da pichação, mais status o autor<br />
ganha dentro dos grupos. É uma forma<br />
de ser conhecido e valorizado por<br />
turmas que circulam por todas as partes<br />
da cidade, algo difícil de acontecer<br />
se não for por meio da intervenção<br />
gráfica no espaço público ou na<br />
propriedade privada. “Alguns, em certos<br />
momentos, até admitem que é<br />
vandalismo. Outros defendem como<br />
uma forma de expressão. E há os que<br />
consideram como um protesto político.<br />
Em geral, o pessoal mais politizado<br />
é o ligado aos movimentos do hip<br />
hop”, diz Pereira.<br />
O psiquiatra Auro Danny Lescher<br />
encontrou no hip hop o sangue bom<br />
que faz bater forte o coração do Projeto<br />
Quixote. Ligado ao departamento<br />
de psiquiatria da Unifesp (Universi-<br />
dade Federal de São Paulo), o Quixote busca criar alternativas<br />
para crianças e jovens em situação de risco<br />
social. “Mas é preciso oferecer uma alternativa de sociabilidade<br />
suficientemente criativa e interessante. Não<br />
dá para ficar apenas fazendo vaso com palito de fósforo.<br />
Tem de ser hip hop na veia”, receita Lescher.<br />
Movimento iniciado nos Estados Unidos na década<br />
de 60 e que se disseminou pelos centros urbanos brasileiros<br />
no início dos anos 80, o hip hop inclui manifestações<br />
artísticas como música (rap), dança (breake) e<br />
também o grafite, que se torna recurso contra a exclusão.<br />
“A opção entre uma arma e uma latinha de tinta<br />
é questão de oportunidade”, acredita Lescher.<br />
O Quixote amplia essas oportunidades criando, por<br />
exemplo, eventos que unem manifestação de cidadania<br />
com grafite. Como uma grande grafitagem realizada<br />
no Carandiru. A pintura do ex-complexo presidiário<br />
foi feita simultaneamente pelos jovens reunidos<br />
pelo Quixote, do lado de fora, e os internos do presídio,<br />
de dentro. “É a arte comunicando dois mundos”,<br />
analisa Lescher. Também canaliza possibilidades oferecendo<br />
formação e oportunidade de geração de renda<br />
por meio do Quixote Spray <strong>Arte</strong>. Ali, jovens desenvolvem<br />
técnicas de grafite e podem ganhar dinheiro<br />
com sua arte, oferecendo produtos como oficinas de<br />
grafite, pinturas decorativas ou de divulgação em fachadas<br />
e camisetas grafitadas. A formação possibilita<br />
que muito pichador se descubra como artista. “Todo<br />
pichador quer ser grafiteiro um dia; e quase todo<br />
grafiteiro já foi um pichador”, diz Lescher.<br />
Rampas de acesso<br />
Wagner, dos Pigmeus, ou “Wag...”, seu nome de guerra<br />
e de muros, faz intervenções urbanas há pelo menos<br />
dez anos: “Picho desde os 15”, conta, com o orgulho de<br />
quem se autodenomina “escritor de rua”. Ele acredita<br />
que se todos os pichadores pudessem fazer algum tipo<br />
de curso, pelo menos 50% mostrariam “que são artistas<br />
mesmo. Todo pichador vira grafiteiro no final”.<br />
Wagner, que já foi motoboy e hoje está desempregado,<br />
vive no limite entre a arte e a ilegalidade. Já escapou<br />
por pouco de levar tiros quando pichava casas<br />
alheias e já foi entrevistado por jornalistas dinamarqueses,<br />
encantados com o desenho sofisticado das<br />
É PRECISO CRIAR<br />
RAMPAS DE<br />
ACESSO PARA<br />
QUEM ESTÁ<br />
EXCLUÍDO PODER<br />
ENTRAR PELA<br />
PORTA DA ARTE E<br />
DA CULTURA.<br />
QUEM VIVE EM<br />
SITUAÇÃO DE<br />
RISCO SOCIAL<br />
TAMBÉM TEM<br />
NECESSIDADES<br />
ESPECIAIS<br />
letras que picha. Ele organiza eventos<br />
para transformar vielas deterioradas<br />
do bairro periférico de Capão<br />
Redondo, onde mora, em “museus a<br />
céu aberto”. Os Pigmeus – “a galera”<br />
de pichadores de Wagner – organizam<br />
esses eventos por conta própria,<br />
chamando pichadores de várias regiões<br />
e buscando patrocínio na comunidade.<br />
O plano de Wagner é transformar<br />
os Pigmeus em uma ONG para<br />
formar e apoiar artistas de rua.<br />
O que o ex-motoboy quer, na definição<br />
mais elaborada do psiquiatra Auro<br />
Lescher, é criar rampas de acesso para<br />
quem está excluído poder entrar pela<br />
porta da arte e da cultura. “Assim como<br />
é necessário construir rampas de
FOTOS: DIVULGAÇÃO / PROJETO QUIXOTE<br />
Fotos de grafitagem no complexo<br />
presidiário do Carandiru, com<br />
interferências realizada por integrantes<br />
do Projeto Quixote<br />
acesso físicas para o portador de necessidades<br />
especiais poder chegar a determinado<br />
local, é preciso construir rampas<br />
de acesso que envolvem relações<br />
humanas. Quem vive em situação de<br />
risco social também tem necessidades<br />
especiais”, diz Lescher.<br />
De certa forma, a Associação Rodrigo<br />
Mendes surgiu como uma união dos<br />
sentidos literal e metafórico do conceito<br />
exposto por Lescher. Aos 19 anos,<br />
depois de ser baleado durante um assalto,<br />
Rodrigo entrou para o grupo de<br />
portadores de necessidades especiais<br />
e subiu a rampa da arte quase por acaso.<br />
“Comecei a fazer reabilitação<br />
motora e encontrei um artista, que me<br />
propôs um trabalho com pintura. Nunca<br />
tinha feito antes, fui sem nenhuma<br />
pretensão, mas logo tomei gosto pela<br />
coisa. Ao ver os resultados positivos<br />
da arte, tive a idéia de ampliar essa<br />
possibilidade para um público maior”,<br />
conta Rodrigo.<br />
A Associação Rodrigo Mendes foi<br />
instituída em 1994 como uma escola<br />
voltada aos deficientes físicos, com a<br />
proposta de usar a arte como ferramenta<br />
de acesso à cultura. Mas, em<br />
1996, Rodrigo decidiu que a escola<br />
deveria ser inclusiva: aberta a deficientes<br />
ou não, de diferentes origens<br />
e idades. “As experiências de segregação<br />
não deram certo. A arte, por sua<br />
amplitude, pode agregar a todos.”<br />
A inserção na arte e na cultura vem<br />
junto com a possibilidade de suprir<br />
uma necessidade bastante especial<br />
para boa parte dos alunos da associação:<br />
gerar renda. Além de os alunos<br />
aprenderem a transitar com propriedade<br />
na história e nos conceitos<br />
da arte, a Associação Rodrigo Mendes<br />
tem parcerias com empresas para a<br />
49
VISTO COMO<br />
VÂNDALO OU<br />
COMO AUTOR<br />
DE UMA FORMA<br />
PRÓPRIA DE<br />
EXPRESSÃO, O<br />
PICHADOR É<br />
UM JOVEM QUE<br />
ACABA VIRANDO<br />
GRAFITEIRO<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PROJETO GURI<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO ESTADO DE SÃO PAULO<br />
PROPOSTA Inclusão social e cidadania através do ensino coletivo da música<br />
JOVENS ATENDIDOS Aproximadamente 25 mil<br />
APOIO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO<br />
CONTATO marketing@projetoguri.org.br<br />
venda de produtos, como linhas de material escolar,<br />
porcelanas, cosméticos e brindes ilustrados com pinturas<br />
dos alunos.<br />
Questão de sobrevivência<br />
Poder viver de sua arte, comercializá-la, é um dos<br />
grandes dilemas dos pichadores e grafiteiros. Ninguém<br />
quer se render ao mercado ou aos interesses do poder<br />
público – que às vezes oferece muros a serem decorados<br />
e o material necessário, sem remuneração – mas<br />
todo mundo quer e precisa de grana. Até para comprar<br />
a tinta. O pichador Wagner imagina uma solução<br />
“institucional” para o que os órgãos públicos e a maioria<br />
da população consideram um problema: “As prefeituras<br />
cadastram todos os pichadores, dão um curso, e<br />
registram como artistas de rua. Então, eles podem deixar<br />
a cidade mais bonita, todos ganham”, sonha. Mas<br />
logo questiona a eficácia dessa sua idéia: “Tem um efeito<br />
colateral. Ninguém vai se contentar em grafitar só<br />
onde querem que seja pintado. Está na alma da pichação<br />
e do grafite ser ilegal. E é muito bom fazer algo<br />
arriscado”, diz ele, que tem atração especial por escalar<br />
prédios e pintar letras de cabeça para baixo nas alturas<br />
mais improváveis. “É uma adrenalina muito boa.”<br />
O surpreendente, para o garoto L. F., do Projeto Guri,<br />
foi descobrir em outras formas de expressão artística<br />
uma adrenalina tão poderosa quanto a vertigem<br />
da pichação ilegal: “Tem uma peça clássica que, só<br />
de ouvir, fico tremendo. É o “Opus 26”, do compositor<br />
alemão Max Bruch. Pura adrenalina, igual à de pichar<br />
em cima do viaduto ou no alto do prédio”.<br />
PROJETO QUIXOTE<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO<br />
PROPOSTA Atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco social por meio de oficinas lúdicas e<br />
artísticas, formação de multiplicadores e pesquisa científica para ampliar e aprofundar a compreensão da<br />
realidade vivida por sua população-alvo<br />
JOVENS ATENDIDOS 3.000<br />
APOIO PROJETO PETROBRÁS FOME ZERO E UNIFESP (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO)<br />
CONTATO Rua Prof. Francisco de Castro, 92 – Vila Clementino – 04020-050 – São Paulo (SP). Tel.: 11/5572-8433<br />
– e-mail:quixoteunifesp@uol.com.br<br />
HENK NIEMAN<br />
Letras típicas de pichação<br />
pintadas, isoladamente , sobre<br />
azulejos aplicados num muro:<br />
novas possibilidades de leituras
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
ASSOCIAÇÃO RODRIGO MENDES<br />
REGIÃO DE ATUAÇÃO GRANDE SÃO PAULO<br />
PROPOSTA Possibilitar que o indivíduo desfrute dos benefícios de conviver com a arte, comprometida<br />
em garantir o acesso de pessoas portadoras de deficiência e/ou de baixa renda a seus programas<br />
JOVENS ATENDIDOS 101<br />
APOIO TILIBRA, D PASCHOAL E BAUDUCCO<br />
CONTATO Rua Tenente Aviador Mota Lima, 85 – Vila Caxingui – São Paulo (SP) – CEP 05517-030 –<br />
Tels.: 011/3726-4468 e 3726-8418 – e-mail: arm@arm.org.br<br />
VIDA DE REPÓRTER<br />
“A pauta ficou martelando na minha cabeça.<br />
Eu tinha algumas idéias esparsas e muitas<br />
dúvidas. O que é arte? Qual a diferença entre<br />
pichação e grafite? Minhas referências só<br />
aumentavam as contradições. Meus amigos<br />
grafiteiros, há vinte e muitos anos, justificavam<br />
suas ações: bem-nascidos, estavam levando a<br />
arte das galerias para as ruas. E a pichação,<br />
naquele finzinho dos anos 70, não era nem<br />
queria ser arte. Eram do tipo “abaixo a<br />
ditadura”, salvo uma ou outra poesia independente.<br />
O que eu não sabia é que, naquela época,<br />
já começava a pulsar nas periferias um<br />
movimento artístico-cultural que viria a<br />
utilizar o piche e o grafite de novas maneiras.<br />
Demarcar território e gritar “eu existo” são<br />
algumas delas. O caminho natural foi percorrido:<br />
ir da periferia ao centro, para ganhar o<br />
máximo de visibilidade – às vezes, com o<br />
máximo de ilegibilidade, invertendo o jogo da<br />
exclusão. Os incluídos não participam da<br />
leitura significativa dessa escrita. Portanto,<br />
para essa reportagem, era preciso ir atrás dos<br />
grafiteiros e pichadores de hoje. Fui a um<br />
encontro deles me sentindo um ET. Mas não<br />
tive dificuldade para estabelecer contato –<br />
adoram falar do que fazem. Todos se apresentam<br />
como grafiteiros e só depois de alguma<br />
conversa é que assumem que também fazem<br />
pichações. Quando perguntei o porquê, a<br />
resposta foi: ‘Porque pichador vai preso,<br />
grafiteiro não.’ Mas os protagonistas das<br />
intervenções visuais urbanas não oferecem<br />
explicações claras sobre as diferenças entre<br />
pichação e grafite. Talvez não precisem, mesmo.<br />
O negócio deles é ‘se expressar’ – de forma torta<br />
ou consciente, como agressão ou transgressão.”<br />
BEATRIZ ASSUMPÇÃO<br />
IARA BIDERMAN, 44 ANOS,<br />
é jornalista há 22 anos<br />
51
o sujeito da frase<br />
“A ARTE NOS TORNA<br />
RESPONSÁVEIS”<br />
O ator Leandro Firmino da Hora diz que não<br />
é a obrigação mas o desejo de fazer que<br />
aumenta nosso compromisso<br />
AE
por_Cristiane Ballerini<br />
foto_Deise Lane Lima<br />
O artista, que estreou no papel<br />
do traficante Zé Pequeno, no<br />
filme “Cidade de Deus”, diz que<br />
a arte mudou o roteiro de sua<br />
vida e pode transformar muitas<br />
outras histórias<br />
Ele cresceu na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, e<br />
até os 15 anos não saía de casa desacompanhado. Seus<br />
pais tinham tanto medo da proximidade com o tráfico<br />
de drogas que nem brincar na rua era permitido a ele e<br />
seus três irmãos.”Por isso, até hoje não sei soltar pipa”,<br />
lamenta Leandro Firmino da Hora. Ironicamente, foi na<br />
pele de um violento traficante que o rapaz tímido, de fala<br />
mansa, se tornou ator, e de sucesso. O papel de Zé Pequeno,<br />
no filme “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles<br />
(2001), foi parar nas mãos de Leandro aos 20 anos, depois<br />
de um teste que só fez por insistência de um amigo:<br />
“Eu pensava em seguir a carreira militar. Queria um<br />
emprego seguro, mas descobri na arte um caminho de<br />
realização”. O êxito mundial do filme – quatro indicações<br />
ao Oscar – projetou o garoto, que não parou mais. Atuou<br />
em curtas e no longa “Cafundó”, de Paulo Betti e Clóvis<br />
Bueno, e co-dirigiu o filme “Um Crime Quase Prefeito”.<br />
Na tevê, participou de “Cidade dos Homens” e “Carga<br />
Pesada”, e no teatro atuou em “Woyzeck”.<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
O ator também é vice-presidente da<br />
Nós do Cinema, organização que atende<br />
a 60 jovens, criada a partir da oficina<br />
de atores de “Cidade de Deus” e<br />
cujo nome se inspira no Nós do Morro,<br />
um pioneiro grupo de teatro do<br />
morro do Vidigal. “Infelizmente, a<br />
moçada está desacreditada de si, da<br />
vida. Nos cursos de cinema, eles escrevem<br />
roteiros, representam, colocam<br />
suas idéias na tela. Isso tem um<br />
poder e tanto para elevar a auto-estima”,<br />
diz Leandro, que continua circulando<br />
de ônibus pelo Rio e se mantém<br />
fiel às origens: “Só quem vive em<br />
comunidade sabe do que estou falando.<br />
A vida é dura, existe a pobreza, a<br />
violência, mas as pessoas se ajudam<br />
o tempo todo. Tem sempre um clima<br />
de festa e solidariedade no ar”.<br />
A seguir, o ator fala de sua trajetória.<br />
Onda Jovem: Como você se tornou<br />
ator?<br />
Leandro: Se eu disser que sonhava<br />
em estar na tela do cinema desde<br />
criança, é mentira. Nunca planejei seguir<br />
esse caminho. Prestei serviço<br />
militar e fiquei um ano no Exército.<br />
Quando saí, me arrependi. Pensava<br />
que devia entrar para a Aeronáutica e<br />
seguir carreira. Acho que ainda não<br />
tinha despertado de verdade para<br />
uma profissão. Queria mesmo era ter<br />
um emprego, estabilidade.<br />
NÓS DO CINEMA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO COMUNIDADES POBRES DO RIO DE JANEIRO NAS OFICINAS PERMANENTES DE CINEMA.<br />
VÁRIAS CIDADES DO PAÍS E EXTERIOR NOS PROJETOS QUE ENVOLVEM EXIBIÇÃO DE FILMES E DEBATES<br />
PROPOSTA Possibilitar novas perspectivas profissionais e pessoais a jovens de baixa renda por meio do<br />
cinema e outras expressões audiovisuais<br />
JOVENS ATENDIDOS cerca de 60 jovens por ano, nas oficinas permanentes<br />
APOIO FURNAS, LUMIÈRE, GRUPO LUNDI, FIRJAN, KLABIN, MIRAMAX FILMES, DILER & ASSOCIADOS, O2 FILMES,<br />
GLOBO FILMES, URCA FILMES, VIDEOFILMES, TV ZERO, CDI<br />
CONTATO Rua Voluntários da Pátria, 53/2º andar – 20000-000 – Rio de Janeiro (RJ) – tel.: 21/2226-0668<br />
– www.nosdocinema.org.br<br />
53
“O trabalho com arte não precisa<br />
ser um fim em si. A arte desperta<br />
muitas possibilidades e pode estar<br />
ligada à qualquer atividade”<br />
Mas vida de ator nem sempre é estável...<br />
É verdade. Mas a vida militar é<br />
dura. Você é obrigado a seguir ordens,<br />
ser pontual e nem sempre eu<br />
conseguia. Um dia, o Diogo, meu vizinho<br />
e praticamente um irmão,<br />
anunciou que estava rolando um<br />
teste para atores na associação de<br />
moradores. Nada a ver, pensei. Mas<br />
ele insistiu e acabei indo. Fui escolhido<br />
para a oficina de atores do “Cidade<br />
de Deus”. As cenas eram criadas<br />
com ajuda dos preparadores de<br />
atores Gutti Fraga e Fátima Toledo.<br />
Era um mundo novo pra mim e tomei<br />
gosto.<br />
Você cresceu na Cidade de Deus, uma comunidade como<br />
muitas outras, onde os pais procuram manter os filhos<br />
afastados da influência do tráfico de drogas. Fazer o<br />
papel de Zé Pequeno deu a você uma visão mais clara<br />
sobre as razões que levam esses jovens ao crime?<br />
Até os 15 anos, eu não saía de casa desacompanhado.<br />
Era sempre com o pai ou a mãe. Era da escola para casa,<br />
da casa para a escola. Dessas brincadeiras de menino,<br />
só sei mesmo jogar bolinha de gude. Nunca soltei uma<br />
pipa na rua, tamanho o medo da minha família. Hoje, agradeço<br />
a meus pais por me protegerem. Numa comunidade<br />
carente há poucas perspectivas para o jovem e muitos<br />
apelos para os caminhos errados. Às vezes, os pais<br />
são alcoólatras ou dependentes químicos. Não há diversão,<br />
escola boa, trabalho. Mas acho que já está melhor<br />
do que na minha infância. Hoje, há vários projetos sociais<br />
que trazem alternativas para crianças e jovens.<br />
Muitos desses projetos trabalham<br />
com arte, caso do Nós do Cinema.<br />
Não há o risco de se criar uma ilusão<br />
entre os jovens de que todos se tornarão<br />
artistas profissionais?<br />
É importante tomar cuidado com<br />
isso. O Nós do Cinema, por exemplo,<br />
tem uma filosofia de trabalho bacana.<br />
Nosso objetivo não é dar um curso<br />
para o cara virar cineasta. É claro<br />
que tem gente que vai trabalhar na<br />
área, é contratada por produtoras,<br />
tevês. Mas o mais importante é melhorar<br />
a auto-estima de nossos alunos<br />
e trazer outras perspectivas. Outro<br />
dia, depois de um ano no Nós, um<br />
rapaz decidiu que queria ser professor<br />
de Geografia e foi atrás desse sonho.<br />
O trabalho com arte não precisa<br />
ser um fim em si. A arte desperta<br />
muitas possibilidades e pode estar ligada<br />
à qualquer atividade.<br />
Por que a arte interfere de maneira<br />
tão positiva na vida das pessoas?<br />
A arte pode mudar radicalmente a<br />
vida de alguém. Fazendo cinema, por<br />
exemplo, a pessoa tem possibilidade<br />
de falar de si, avaliar vários assuntos<br />
por ângulos diferentes e também colocar<br />
suas idéias em prática. Quando<br />
alguém vê na tela o roteiro que escreveu,<br />
cenas que dirigiu ou nas quais<br />
atuou, é maravilhoso. Isso tem o poder<br />
de mostrar para a própria pessoa<br />
sua capacidade de realização.<br />
E para a sua vida, qual é a importância<br />
da arte?<br />
É incrível, mas o cinema e o teatro<br />
me deram mais responsabilidade que<br />
o próprio serviço militar. Quando te obrigam<br />
a fazer alguma coisa, não tem importância.<br />
Agora, quando o seu desejo<br />
está naquilo que você faz, sua responsabilidade<br />
aumenta. A arte também me<br />
fez prestar mais atenção às coisas que<br />
acontecem a meu redor, ajudou a entender<br />
melhor as pessoas e a me entender<br />
melhor com elas. Sou tímido,
mas já fui muito pior. Às vezes, ficava<br />
perdido nas ruas, procurando um endereço<br />
feito maluco porque tinha vergonha<br />
de pedir informação. Pode imaginar<br />
isso?! Ser ator me obrigou a falar<br />
com as pessoas.<br />
Esse papel desempenhado por organizações<br />
em projetos sociais por<br />
meio da arte e cultura não deveria<br />
ser também da escola pública? Como<br />
foi sua experiência como aluno?<br />
Falta vontade aos governos. Uma<br />
coisa, por exemplo, que ajudaria<br />
muito nos processos de aprendizagem<br />
seria incluir aulas de técnicas<br />
de audiovisual. Eu tive sorte. Estudei<br />
no Ciep (projeto educacional de<br />
Darci Ribeiro no governo Brizola, no<br />
Rio, 1982-1986). Ficava o dia todo<br />
na escola, tinha aulas de capoeira,<br />
de interpretação. Fazia bagunça na<br />
aula da professora Marília, que jus-<br />
tamente dava aula de interpretação. Mesmo assim, foi<br />
uma sorte pegar essa época boa. Hoje em dia, não vejo<br />
esse empenho da escola pública.<br />
O Nós do Cinema tornou-se ONG há apenas dois anos.<br />
Já deu tempo para corrigir possíveis erros de percurso?<br />
Ainda estamos aprendendo e, pelo jeito, vamos aprender<br />
sempre. No início, não estávamos chegando em quem<br />
mais precisava. Existem muitas organizações que acabam<br />
só trabalhando com jovens que têm uma boa base: estrutura<br />
familiar forte, oportunidades em outros projetos e<br />
escola. Aí é muito fácil. Hoje, temos um departamento<br />
socioeducativo preparado para chegar, durante a seleção<br />
para os cursos, na moçada em situação de risco. Já conseguimos<br />
criar perspectivas para meninos que, no passado,<br />
tiveram envolvimento com o tráfico ou passagem pela<br />
Vice-presidente da ONG Nós do Cinema<br />
e já lançando seu primeiro<br />
filme como co-diretor, Leandro<br />
acredita que o ensino das técnicas de<br />
audiovisual nas escolas ajudaria no<br />
processo de aprendizagem<br />
polícia. Mas é claro que a gente não<br />
vence sempre.<br />
Antes de ser ator você tinha oportunidade<br />
de ir ao cinema, shows, teatro,<br />
exposições?<br />
Meus pais curtem muita música, especialmente<br />
samba de roda, black e<br />
soul music. Cresci ouvindo James<br />
Brown, Bezerra da Silva, Dicró. No cinema,<br />
só ia mesmo com meu pai, umas<br />
duas vezes por ano. Hoje, apesar de<br />
algumas promoções para dar acesso à<br />
população pobre, como a temporada<br />
de teatro a R$ 1,00, a cultura ainda é<br />
para a elite. No fim de semana, um ingresso<br />
de cinema custa R$ 18,00.<br />
Quem ganha pouco e tem filhos não<br />
pode gastar isso para ver um filme.<br />
“Cidade de Deus” gerou polêmica e<br />
alguns moradores declararam que o<br />
filme fazia um retrato prejudicial à<br />
comunidade. O filme teve impacto<br />
negativo ou positivo para a Cidade<br />
de Deus real?<br />
De um jeito ou de outro, o filme<br />
contribuiu para que a sociedade começasse<br />
a pensar sobre esse grande<br />
problema que é o domínio do tráfico<br />
em algumas comunidades. Contou<br />
a história da Cidade de Deus, mas<br />
podia ser a história da Rocinha, do<br />
Cantagalo e outras comunidades pobres<br />
do país. O filme foi um soco para<br />
a elite acordar e perceber que a coisa<br />
existe e está cada vez mais próxima.<br />
Com o filme, surgiram vários projetos<br />
sociais na Cidade de Deus,<br />
como a cooperativa de cinema Boca<br />
de Filme. Isso é o mais importante:<br />
fazer algo que tem um impacto positivo<br />
na vida das pessoas.<br />
55
ciência<br />
A HORA DO NOVO
PESQUISAS CIENTÍFICAS INDICAM QUE O CÉREBRO DO JOVEM<br />
TEM CARACTERÍSTICAS QUE O LEVAM A SER MAIS CRIATIVO, MAS<br />
O ESTÍMULO EXTERNO É ESSENCIAL PARA DESENVOLVÊ-LO<br />
por_Karina Yamamoto<br />
ilustração_Gustavo Rates<br />
É um enigma que acompanha a neurociência desde<br />
seus primórdios, por volta do século 18. De onde surgem<br />
as idéias? A criatividade é um dom? Poucas são<br />
as certezas, mas, aos poucos, alguma luz começa a<br />
surgir no fim do túnel. Uma das lâmpadas que se acenderam<br />
clareia a base biológica dessa característica<br />
humana: num estudo recente, surgiram alguns esboços<br />
de como funciona o cérebro de pessoas inovadoras.<br />
Associadas a outras pesquisas sobre o comportamento<br />
cerebral e sobre a importância dos fatores externos<br />
no desenvolvimento humano, essas informações<br />
vão traçando um caminho que permite afirmar<br />
que a juventude tem, sim, uma relação direta com a<br />
criatividade e é, portanto, uma época da vida em que o<br />
tema merece toda atenção.<br />
A psicóloga americana Shelly Carson e seus colegas<br />
Jordan Peterson e Kathleen Smith descobriram que<br />
pessoas criativas tendem a apresentar índices mais<br />
altos de dopamina - um neurotransmissor geralmente<br />
associado à sensação de prazer. Algumas evidências<br />
indicam que essa substância, ao atuar na região entre<br />
os hemisférios cerebrais (mesolímbica), estimularia a<br />
percepção, deixando a pessoa mais sensível ao novo e<br />
a novas formas de ver o mundo. Em outras palavras,<br />
quer dizer que uma quantidade mais generosa de in-<br />
formação fica acessível no nível da<br />
consciência. Dotados de mais material,<br />
esses indivíduos encontram mais<br />
e novas soluções para os problemas<br />
que se apresentam.<br />
Por outro lado, já se sabe também<br />
que o cérebro humano se organiza<br />
para descartar as informações<br />
irrelevantes – e não para guardar<br />
aquelas que nos são caras e importantes.<br />
Essa característica se chama<br />
inibição latente. Ela nos impede de<br />
desperdiçar nossa capacidade de<br />
atenção com o que não é útil. Por isso<br />
o ser humano tende a categorizar<br />
todas as informações que absorve.<br />
Uma vez que classificamos certo estímulo<br />
– de qualquer natureza – como<br />
não-importante para a nossa sobrevivência,<br />
ele deixa de chamar nossa<br />
atenção. É um efeito que se prolonga:<br />
é mais difícil voltar a prestar atenção<br />
naquele mesmo dado numa outra<br />
ocasião. “Nós poderíamos nos tornar<br />
confusos se tivéssemos de gas-<br />
57
A CRIATIVIDADE SE RELACIONA COM A<br />
QUANTIDADE DE INFORMAÇÕES<br />
DISPONÍVEIS. O PROCESSO NATURAL<br />
DO CÉREBRO DE DESCARTAR<br />
CONTEÚDOS É MAIS INTENSO NO ADULTO<br />
DO QUE NO JOVEM, QUE TAMBÉM POR<br />
ISSO PARECE LIDAR MELHOR COM<br />
NOVIDADES E MUDANÇAS<br />
tar nosso tempo em tudo que nossos olhos vêem e<br />
nossos ouvidos escutam”, diz Carson. E mais: estudos<br />
sugerem que a inibição latente aumenta com a<br />
idade. O que indicaria que a mente mais jovem está<br />
mais propensa a manter uma maior quantidade de<br />
informação disponível no nível consciente. Isso talvez<br />
explique por que os jovens parecem ser mais dispostos<br />
a absorver novidades e lidar com mudanças.<br />
Outro esforço dos cientistas tem sido dissecar a<br />
anatomia do pensamento criativo. Nessa direção, foi<br />
importante a descoberta do americano Roger Sperry,<br />
que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1981.<br />
Ele descobriu que os hemisférios do cérebro dividem<br />
tarefas entre si. Os aspectos da comunicação ficam<br />
por conta do lado esquerdo enquanto o lado oposto é<br />
responsável pelo material não-verbal, além de noções<br />
de espaço e posição do próprio corpo. Com base nessa<br />
teoria, conhecida entre fisiologistas como “split<br />
brain” (ou “divisão cerebral”), outros estudos seguiram<br />
além. Descobriu-se que o hemisfério esquerdo<br />
trabalha de maneira lógica, analítica, racional e se volta<br />
para os detalhes. Já o lado direito é mais intuitivo e<br />
concatena as idéias – ali se processam as articulações<br />
de pensamentos. O hemisfério esquerdo processa<br />
as cores de um quadro, as letras impressas num<br />
livro, os sons que chegam aos ouvidos. Mas é o lado<br />
direito que confere sentido a tudo aquilo – é a residência<br />
da curiosidade, do prazer de experimentar, da<br />
coragem de correr riscos, da flexibilidade intelectual,<br />
do pensamento metafórico e do senso artístico.<br />
Cenário propício<br />
Em termos biológicos, todos nós nascemos prontos<br />
para produzir grandes idéias. No entanto, nossa traje-<br />
tória criativa é influenciada por uma<br />
porção de outros fatores. As palavraschave<br />
são: motivação – que depende<br />
dos interesses individuais; habilidade<br />
– que pode ser adquirida com treino; e<br />
ambiente estimulante. No último item<br />
entramos no território dos educadores.<br />
É importante que o adolescente e o<br />
jovem encontrem espaços favoráveis<br />
para exercitar sua capacidade de criar.<br />
“O papel dos pais e professores é promover<br />
a independência e a autoconfiança,<br />
respeitando a forma de pensar<br />
da criança ou jovem”, diz a psicóloga<br />
Eunice Soriano de Alencar, da Universidade<br />
Católica de Brasília, autora<br />
do livro “Criatividades Múltiplas”.<br />
Os trabalhos da psicóloga americana<br />
Ellen Winner, professora do Boston<br />
College, nos Estados Unidos, endossam<br />
o argumento. Ela faz parte do Projeto<br />
Zero – um grupo de pesquisa que busca<br />
compreender o processo de aprendizado,<br />
elaboração e criatividade no<br />
ensino das artes e das ciências. Winner<br />
defende uma forte presença das artes<br />
visuais como fonte de estímulo para o<br />
desenvolvimento do hemisfério criativo<br />
do cérebro. “Se o ensino for levado<br />
a sério, percebemos que nossos alunos<br />
aprendem a enxergar, gerar imagens<br />
mentais, correr riscos e a pensar”,<br />
diz a pesquisadora. Essa estratégia,<br />
além de adubar as idéias, ainda oferece<br />
novas possibilidades de leitura de<br />
mundo – e aí não importa a idade do<br />
indivíduo.<br />
Para a diretora do Museu de <strong>Arte</strong><br />
Contemporânea da Universidade de<br />
São Paulo (MAC-USP), Elza Ajzenberg,<br />
os museus deveriam fazer parte do<br />
nosso cotidiano. E nem sempre é preciso<br />
se preparar para o encontro com<br />
trabalhos de grandes artistas. O im-
portante é desarmar o espírito, sabendo<br />
que, quando se trata da expressão humana,<br />
sempre há várias interpretações<br />
possíveis. Quanto mais obras lhe forem<br />
familiares, mais repertório o observador<br />
vai adquirir e, assim, melhor será seu relacionamento<br />
com as obras e mais sensibilizado<br />
ele ficará em relação à manifestação<br />
artística. E isso vale para todas<br />
elas: a música, o teatro, o cinema, a literatura<br />
etc.<br />
Para facilitar a construção desse caminho,<br />
a equipe do MAC-USP está implantando<br />
um projeto de arte-educação que<br />
pretende ajudar a contextualizar as<br />
obras, os Roteiros de Visitas. Essa preocupação<br />
didática das instituições de arte,<br />
aliás, vem crescendo no Brasil, e já há várias<br />
iniciativas relevantes, principalmente<br />
nas grandes cidades. É importante percorrer<br />
esse tipo de trilha facilitadora, pois<br />
o conhecimento da arte se assemelha à<br />
nossa apropriação de linguagem. Quanto<br />
mais vocabulário nós tivermos, mais<br />
ricos ficam a compreensão e os textos<br />
que produzimos. Freqüentador de museus,<br />
o publicitário brasiliense Eduardo<br />
Vieira, de 23 anos, é conhecido por levar<br />
cada idéia às últimas possibilidades. “Leio<br />
até bula de remédio, estou sempre atrás<br />
de mais informação”, diz. Ele mesmo não<br />
se acha especialmente inventivo – a opinião<br />
é dos colegas de trabalho.<br />
<strong>Arte</strong> de viver<br />
Adquirir repertório e se abrir ao novo não<br />
é útil apenas para nosso enriquecimento<br />
cultural. Também valem para viver melhor.<br />
“Precisamos ter capacidade de nos adaptar<br />
à realidade”, diz o psicoterapeuta<br />
Rubens de Aguiar Maciel, pesquisador da<br />
Faculdade de Saúde Pública da Universidade<br />
de São Paulo. Uma pessoa mais flexível<br />
tende a adquirir novos padrões de<br />
comportamentos, a encontrar novas saídas para os velhos<br />
problemas. Mais uma vez, o papel dos adultos que<br />
convivem com o adolescente e o jovem é essencial. Essa<br />
é uma fase em que rapazes e moças estão se opondo<br />
aos modelos que conhecem e buscando novas formas<br />
de viver e entender o mundo. “É importante que os adultos<br />
consigam ser o saco de pancadas e o porto seguro<br />
ao mesmo tempo”, diz Maciel. Compreensão e disposição<br />
para o diálogo são essenciais.<br />
O músico paulistano Sidney Lissoni vive isso na pele<br />
todos os dias. Ele é professor de Educação Artística e<br />
Música na rede estadual de ensino. “Tenho de me colocar<br />
no lugar dos alunos para conseguir me comunicar”,<br />
diz. Foi assim, buscando facilitar a comunicação com<br />
seus alunos, que o educador se propôs uma tarefa complicada:<br />
ensinar um jeito simples de ler partituras. Detalhe:<br />
para crianças cegas. Abusando da sua criatividade,<br />
ele criou o que registrou como Escrita Musical Lissoni,<br />
método utilizado também com seus alunos sem necessidades<br />
especiais. “Tudo que serve para o portador<br />
de deficiência visual, também serve para o vidente”, diz.<br />
Além de músico, Lissoni foi radialista, estuda neurolingüística<br />
e é técnico de precisão. Como explicar tanta<br />
curiosidade? “Sempre fui muito estimulado pelos meus<br />
pais”, conta.<br />
Para Eunice Alencar, “a criatividade é uma habilidade<br />
de sobrevivência para este milênio”. Por isso, vale<br />
mesmo a pena investir nela, cultivando valores como<br />
flexibilidade, persistência, autoconfiança e abertura a<br />
novas experiências. “É um recurso precioso que precisa<br />
ser mais bem aproveitado, especialmente nesse<br />
momento da história humana, marcado por instabilidades,<br />
incertezas e fortes pressões competitivas.”<br />
Época, enfim, de grandes mudanças.<br />
59
luneta 1 hip hop<br />
A VOZ DAS RUAS<br />
O B.Boy Igor, da equipe Street Son, faz um<br />
“Top Rock” no evento Master Crews:<br />
momento de estrelato
por_Yuri Vasconcelos<br />
foto_Penna Prearo<br />
A juventude tem muitas vozes e quer que elas sejam ouvidas. Uma dessas<br />
vozes, cada vez mais articulada, é a do hip hop, um movimento sociocultural<br />
com forte sentimento libertário e que reúne várias manifestações artísticas.<br />
Criado nos anos 70 por jovens negros e hispânicos dos bairros pobres de<br />
Nova York, de lá se espalhou pelo mundo. O termo foi cunhado pelo DJ Afrika<br />
Bambaataa, fundador da organização Zulu Nation, e é uma referência ao<br />
movimento de quadris dos participantes das festas e dos encontros musicais<br />
– “hip”, em inglês, quer dizer balançar e “hop”, quadris. No Brasil, ele<br />
chegou no fim da década de 80, por obra da indústria fonográfica, e não<br />
parou de crescer. Se no início, em solo norte-americano, esteve envolvido<br />
algumas vezes com episódios de violência, hoje está presente, com as cores<br />
locais, em quase todo o país, firmando-se como uma legítima alternativa de<br />
expressão, especialmente para os jovens das periferias, privados de ofertas<br />
culturais e perspectivas profissionais.<br />
“O hip hop é uma cultura de rua que dá voz à juventude que vive em guetos<br />
e favelas, à margem da sociedade”, diz Wilson Roberto Levy, vice-coordenador<br />
da organização não-governamental Zulu Nation Brasil. Sua popularidade<br />
se deve ao fato de o hip hop, cujas raízes remontam ao movimento ”black<br />
power” (poder negro), ser altamente organizado e estar arraigado nas<br />
experiências do dia-a-dia desses jovens. É um movimento de auto-afirmação,<br />
marcado pela crítica à exclusão social e à desigualdade racial. “Ao entrar<br />
para o movimento hip hop, os jovens passam a ver o mundo de forma diferente.<br />
Para nós, é preciso nos afastarmos das coisas negativas, como drogas,<br />
crimes e violência. Isso só traz destruição para o nosso povo”, diz Levy,<br />
de 52 anos, que também atua na Casa do Hip Hop, mantida pela Prefeitura<br />
de Diadema, na Grande São Paulo. A instituição é uma referência nacional e<br />
internacional no universo hip hop.<br />
Elementos e posses<br />
O movimento hip hop, cujas expressões artísticas mais conhecidas são o rap<br />
(iniciais de ritmo e poesia, em inglês) e o break (a dança quebrada), se apóia em<br />
quatro alicerces, também chamados de elementos: o DJ, que traz a música<br />
para dançar; o B.Boy (ou dançarino); o MC, mestre de cerimônia, que dialoga<br />
com os que dançam; e o grafiteiro, que expressa a ideologia do hip hop por<br />
meio das artes plásticas. “Esses quatro elementos apontam para a mesma<br />
direção. O hip hop quer que o jovem marginalizado tenha consciência da sua<br />
situação e busque a libertação dessa opressão”, diz a ativista e rapper Áurea<br />
DejaVu, de 21 anos, integrante do Coletivo Hip Hop Chama, de Belo Horizonte.<br />
NASCIDA NOS ESTADOS<br />
UNIDOS, A CULTURA HIP<br />
HOP GANHOU TONS<br />
LOCAIS E VEM SE<br />
TORNANDO UM DOS<br />
PRINCIPAIS MEIOS DE<br />
EXPRESSÃO DA<br />
JUVENTUDE BRASILEIRA<br />
Os grupos do hip hop, também conhecidos como posses,<br />
não param de crescer. Alguns deles são tão organizados<br />
que até já viraram ONGs, como a própria Zulu, o Movimento<br />
Hip Hop Organizado do Brasil, conhecido pela sigla<br />
MH2O, e a Central Única das Favelas (Cufa), entidades que<br />
trabalham em prol da valorização dessa cultura. Com sua<br />
capacidade de gerar identificação e sensibilizar seus adeptos,<br />
essa cultura é também uma importante ferramenta<br />
de arte e educação.<br />
A Casa do Hip Hop, por exemplo, trabalha unindo cultura<br />
e cidadania. Inaugurada em julho de 1999, a instituição<br />
atende mensalmente cerca de 400 jovens, que<br />
buscam formação cultural e querem conhecer a fundo a<br />
cultura hip hop. Para isso, são promovidas oficinas de<br />
três a seis meses de duração, que usam a difusão da<br />
linguagem dos quatro elementos. Além do viés cultural,<br />
as oficinas estimulam a descoberta de valores como a<br />
cidadania. Como diz o dançarino de break Marcelinho<br />
Back Spin, professor da instituição, “o hip hop faz sentido<br />
somente se ele consegue agregar outras coisas importantes,<br />
como a noção de respeito, cidadania, reflexão<br />
e educação”.<br />
No Rio de Janeiro, uma das instituições mais ativas no<br />
universo hip hop é a Central Única de Favelas (Cufa), uma<br />
ONG que procura difundir, por meio da linguagem própria<br />
desta cultura, a conscientização dos moradores das<br />
comunidades carentes, elevando sua auto-estima. Presente<br />
em diversos morros e favelas cariocas (Acari, Jacaré<br />
e Cidade de Deus, entre outras), a Cufa promove<br />
atividades nas áreas da educação, cidadania e desenvolvimento<br />
humano. Seus cursos capacitam os jovens<br />
para atuar como DJs, grafiteiros, operadores de áudio,<br />
cantores e dançarinos.<br />
61
Ao lado, as garotas do B.Girls, no Brasileiro Individual de B.Girls, em Sorocaba<br />
e o MC Gallo, de A Trupe, em encontro de MC‘S na Casa do Hip Hop de Diadema<br />
(SP): uma cultura com o poder de agregar os jovens<br />
Em parceria com a Produtora Hutúz, a Cufa promove anualmente um importante<br />
encontro dos vários segmentos da cultura hip hop. O Festival Hutúz, como<br />
é chamado, é uma grande festa que abrange diversas formas de expressão artística<br />
do movimento e outros elementos, como o basquete de rua e a batalha<br />
musical de DJs. Criado em 2000, o Hutúz inclui festival de rap, mostra de cinema,<br />
debates e desfile de moda, e condecora os melhores artistas de hip hop do país<br />
em diversas categorias, desde Álbum do Ano até Destaque na Área Social. Neste<br />
ano, o Hutúz está marcado para o fim de novembro, no Rio de Janeiro.<br />
<strong>Cultura</strong> empreendedora<br />
Além de ser uma forma de expressão artística socialmente engajada, a<br />
cultura hip hop tem outras facetas. Ela também pode servir de apoio ao<br />
empreendedorismo e à geração de emprego e renda, ou como prefere dizer<br />
o rapper cearense Poeta Urbano, do MH2O do Brasil, “ser um instrumento de<br />
geração de oportunidades de sobrevivência”. A organização, um dos maiores<br />
grupos de hip hop do Brasil, com sede no Ceará e 6 mil membros em todo o<br />
país, criou o projeto Mercado Alternativo, que tem como finalidade gerar renda<br />
para os integrantes do movimento.<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
CENTRAL ÚNICA DAS FAVELAS (CUFA)<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO RIO DE JANEIRO.<br />
PROPOSTA Elevar a auto-estima e conscientizar moradores de comunidades carentes por<br />
meio de atividades que usam como forma de expressão o hip hop<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 800<br />
APOIO UNESCO, GOVERNO FEDERAL, PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, REDE GLOBO,<br />
INSTITUTO LUCIANO HUCK, PETROBRAS, ELETROBRÁS, CONSULADO AMERICANO, CENTRO<br />
CULTURAL BANCO DO BRASIL, MTV, FUNDAÇÃO FORD, RITS E MINISTÉRIO DOS ESPORTES<br />
CONTATO Rua Carvalho de Sousa, 137, Bloco 4, sala 111 – Madureira – Rio de Janeiro (RJ) –<br />
tels.: 21/2458-8035 e 21/3015-7113 – e-mail: flaviacaetano.madureira.rio@cufa.org.br<br />
CASA DO HIP HOP DE DIADEMA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO DIADEMA (SP).<br />
PROPOSTA Promover formação cultural e de conhecimento da cultura hip hop e<br />
despertar na juventude valores como cidadania, respeito e auto-estima<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 400 por mês<br />
APOIO PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMA<br />
CONTATO Rua 24 de Maio, 38 – Jardim Canhema – Diadema (SP) – Tel.: 11/4075-3792<br />
MOVIMENTO H2O DO BRASIL<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO CEARÁ, BAHIA, RIO GRANDE DO NORTE, PARANÁ, DISTRITO FEDERAL,<br />
SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO<br />
PROPOSTA Utilizar os elementos do hip hop para gerar inclusão socioeconômica de<br />
jovens e pressionar o Estado para criar políticas públicas de apoio a esse público<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 1.200<br />
APOIO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, MINISTÉRIO DA CULTURA E ASHOKA<br />
EMPREENDEDORES SOCIAIS<br />
CONTATO Avenida B, 740, 2ª. Etapa, Conjunto Ceará – Fortaleza (CE) –<br />
Tel.: 85/3489-3410 – mh2odobrasil@terra.com.br<br />
PARA SEUS<br />
ADMIRADORES, A ARTE<br />
PRODUZIDA NO HIP HOP<br />
TEM UM SENTIDO<br />
SOCIAL E UM PODER<br />
TRANSFORMADOR
Com apoio do Programa Primeiro Emprego, do Ministério do Trabalho, o<br />
MH2O lançou uma incubadora nacional de empresas de hip hop em três estados<br />
(São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná) e no Distrito Federal. “Aprendemos<br />
na prática uma lição perversa: num país capitalista como o nosso, é impossível<br />
falar de inclusão social sem falar de inclusão econômica”, diz Poeta, que<br />
tem 28 anos. “Por isso, decidimos criar o Mercado Alternativo, um projeto<br />
cujo modelo econômico inclui a propriedade coletiva, a auto-gestão e a fabricação<br />
de produtos socialmente responsáveis.”<br />
Em cada uma das regiões escolhidas, o MH2O está incubando seis empresas:<br />
uma produtora de vídeo, um estúdio de gravação e distribuidora<br />
fonográfica, um centro de produção e estilo, com três ateliês integrados<br />
(serigrafia, aerografia e grafite, ateliê de bijuteria e adereço e de design à<br />
base de grafite), uma produtora de eventos, uma empresa de confecção e<br />
uma loja padronizada para escoar a produção. “Em breve, as 24 empresas,<br />
de propriedade coletiva, serão unidas em rede. Estamos confiantes no projeto,<br />
mas ainda temos muitas dificuldades para lidar com questões econômicas,<br />
técnicas e de gestão”, diz o rapper cearense.<br />
Abaixo, o DJ King, no encontro Hip Hop<br />
de Rua, no bairro de Vila Madalena,<br />
na zona oeste de São Paulo:<br />
a arte cria canais de comunicação entre<br />
a periferia e o centro<br />
É por tudo isso que, para a rapper mineira Áurea<br />
DeJavu, “a arte produzida no hip hop tem um sentido<br />
social e um poder transformador. Ela dá uma nova perspectiva<br />
aos jovens que vivem em condições marginalizadas”.<br />
Para o cearense, trata-se da melhor expressão<br />
cultural da juventude nos últimos anos. “É um marco<br />
histórico na cultura mundial”, diz o Poeta Urbano.<br />
63
luneta 2 artesanato<br />
FEITO<br />
Porrão de Irará (BA) e, na página<br />
oposta, pote de Água Branca (AL): a<br />
valorização do artesanato requer<br />
educação do consumidor<br />
À MÃO<br />
FOTOS: MARCELO GUARNIERI / ARTESANATO SOLIDÁRIO
A IDÉIA DO ARTESANATO COMO BEM<br />
CULTURAL PODE DESENCADEAR A<br />
REFLEXÃO SOBRE O PAPEL DA<br />
CULTURA TAMBÉM NAS ESFERAS<br />
ECONÔMICA E POLÍTICA<br />
Convidada a escrever sobre essa conexão tão inspiradora e sempre discutida,<br />
que é a da arte, cultura e cidadania, considerei apropriado e atual incitar<br />
a reflexão, não sobre arte num sentido geral, mas sobre artesanato e sua<br />
possibilidade de fomentar toda a riqueza de identidades culturais Brasil afora<br />
e seu potencial como gerador de renda para artesãos pobres do país.<br />
A experiência do <strong>Arte</strong>sanato Solidário – programa social criado em 1998 no<br />
âmbito da Comunidade Solidária e desde 2002 uma organização da sociedade<br />
civil, sempre com o objetivo de geração de trabalho e renda por meio da<br />
revitalização do artesanato de tradição – leva-nos a discutir cotidianamente,<br />
nas esferas interna e pública, a necessidade de co-relacionar artesanato,<br />
desenvolvimento local e cultura.<br />
Não é de hoje a constatação de que a produção do artesanato de tradição<br />
é indissociável de seu contexto cultural, tampouco é assunto para círculos<br />
restritos ou especializados. A idéia do artesanato como bem cultural pode<br />
desencadear a reflexão sobre o papel da cultura nas esferas econômica e<br />
política, por exemplo.<br />
Pensando assim, podemos destacar três aspectos da relação entre artesanato<br />
e cultura:<br />
<strong>Cultura</strong> como modo de vida<br />
Este primeiro aspecto tem forte conteúdo antropológico: o artesanato de<br />
tradição faz parte do modo de vida das pessoas que o produzem, e se organiza<br />
a partir de relações de gênero, com base em valores e conhecimentos<br />
sobre a manutenção da vida, de regras que norteiam comportamentos na<br />
esfera pública e privada etc. Ele se orienta por padrões estéticos próprios e é<br />
transmitido espontaneamente, de geração a geração.<br />
A existência desse artesanato – em suas diversas técnicas e matérias-primas<br />
– e o seu reconhecimento como expressão da cultura são o ponto de partida de<br />
projetos voltados para o resgate das formas tradicionais de sua expressão e para<br />
a sua revitalização como um patrimônio comum daquela comunidade.<br />
Para resgatar e revitalizar de forma compartilhada o saber-fazer artesanal, promovem-se<br />
alguns diálogos, ou trocas. Duas são fundamentais: a primeira é a que<br />
se realiza entre os próprios artesãos, por meio de uma série planejada de oficinas<br />
com o objetivo de incentivar a transmissão do saber-fazer dos mestres aos mais<br />
jovens; desenvolver a organização do trabalho; estimular a formação de associações<br />
ou cooperativas; e incentivar formas de liderança e de gestão associativa. A<br />
segunda troca acontece entre os artesãos e seus produtos, por meio de oficinas<br />
de aprimoramento do produto e de formação de preço.<br />
texto _ Ruth Cardoso<br />
Ruth Cardoso é doutora em<br />
Antropologia, professora da Universidade<br />
de São Paulo, fundadora e presidente da<br />
organização não-governamental Comunitas,<br />
que coordena programas como<br />
Alfabetização Solidária, Capacitação<br />
Solidária e <strong>Arte</strong>sanato Solidário<br />
65
É claro que não se defende, em nome da manutenção<br />
das tradições, a preservação de condições de vida<br />
injustas. Trabalha-se, isto sim, para que os artesãos melhorem<br />
suas vidas, superem suas carências materiais,<br />
aumentem suas rendas com a venda de produtos.<br />
Ações que promovem o desenvolvimento da autoestima<br />
dos artesãos e que fortalecem seus sentimentos<br />
de pertença a um grupo ou a uma comunidade certamente<br />
estão alinhadas com a tão desgastada, mas<br />
nem sempre entendida, relação entre artesanato e<br />
identidade cultural.<br />
<strong>Cultura</strong> para consumo<br />
O segundo aspecto a se considerar refere-se à relação<br />
do artesanato com o mercado consumidor.<br />
Como o objetivo é gerar trabalho e renda, é fundamental<br />
que os produtos de artesanato cheguem ao<br />
mercado – e com qualidade e preços que garantam a<br />
sustentabilidade do negócio.<br />
Mas para chegar lá o produto não pode perder sua<br />
história, aquilo que o torna distinto, único.<br />
Na relação do artesanato e cultura para consumo, é<br />
fundamental sensibilizar o mercado para os produtos<br />
culturais. Comumente se diz que o artesanato deve-se<br />
adequar ao mercado (e pergunto: que mercado? Quais<br />
mercados?). Não seria o caso pensar quase inversamente,<br />
ou seja, adequar o mercado ao artesanato?<br />
Assim, torna-se possível ampliar os usos do produto<br />
do artesanato, que variam em razão de sua trajetória<br />
como mercadoria nos diferentes segmentos consumidores<br />
da sociedade. Um pote feito originalmente para<br />
armazenar água na cozinha conquista o hall de entrada,<br />
a sala de estar ou a biblioteca da família, agora como<br />
objeto decorativo.<br />
Acredito que quando falamos de expansão do mercado,<br />
cultura e consumo, temos que vislumbrar a possibilidade<br />
de um pote vir a ocupar o lugar de destaque<br />
nas prateleiras das lojas ou o canto em nossa casa que<br />
mais o ressaltar. Orgulho de nossas raízes, de nossos<br />
artesãos, de nossa brasilidade.<br />
<strong>Cultura</strong> como recurso<br />
Terceiro aspecto: cultura como recurso, isto é, o artesanato<br />
de tradição como patrimônio da coletividade,<br />
para afirmação e construção de identidade.<br />
Trata-se de uma idéia que vem sendo aplicada (e<br />
muito disseminada) para a melhoria social e econômica,<br />
ou seja, para que a cultura aumente sua participação<br />
em nossa era de envolvimento político decadente<br />
e de conflitos na esfera da cidadania. Vários pensadores<br />
da cultura hoje (Young, Rifkin, Iúdice) vêm chamando<br />
atenção para isso.
O ESTÍMULO À AUTO-ESTIMA<br />
DOS ARTESÃOS E SUA<br />
COMUNIDADE ESTÁ ALINHADO<br />
COM A TÃO DESGASTADA, MAS<br />
NEM SEMPRE ENTENDIDA,<br />
RELAÇÃO ENTRE ARTESANATO E<br />
IDENTIDADE CULTURAL<br />
Por sua vez, agências multilaterais como o Banco Mundial, União Européia,<br />
Banco Interamericano de Desenvolvimento, também têm incluído a cultura<br />
como catalisadora do desenvolvimento humano.<br />
Como transformar esse patrimônio – conceito que vem se alargando, se<br />
expandindo, desde Mário de Andrade, passando por Aloísio Magalhães – em<br />
desenvolvimento social? Como traduzir, se estivermos de acordo, essas orientações<br />
gerais para nossos projetos locais de desenvolvimento, cujo ponto de partida<br />
é o artesanato de tradição?<br />
Ao promover e estimular trocas ou diálogos entre os artesãos, o que se<br />
busca oferecer são condições para que o artesanato, expressão da cultura<br />
da comunidade, se torne um ativo para o fortalecimento da identidade do<br />
grupo e para o surgimento de novos atores coletivos, de novas formas de<br />
participação. Só precisamos torná-lo menos árduo e menos excludente para<br />
os artesãos brasileiros.<br />
Por fim, a confirmação de que estamos no caminho certo, nas palavras<br />
passadas, presentes e futuras de Aloísio Magalhães: “A política paternalista<br />
de dizer que o artesanato deve permanecer como tal é uma política errada;<br />
culturalmente é impositiva porque somos nós, de um nível cultural, que apreciamos<br />
aquele objeto pelas suas características, gostaríamos que ele ficasse<br />
ali. Então, é uma coisa insuportável, errada e de certo modo totalitária, você<br />
impor a uma coletividade, a um grupo, que permaneça naquele ponto. O remédio,<br />
a coisa que se oferece, é a idéia de que ele repita mais. Que passe a<br />
ter mais benefício através da repetição reiterada e monótona daquele momento<br />
da trajetória. E isso é inadequado porque você corta o fio da trajetória,<br />
o fio da invenção, da evolução da invenção, para que ele permaneça parado<br />
no tempo. O caminho, a meu ver, não é esse; o caminho é identificar isso, ver<br />
o nível de complexidade em que está, qual é o desenho do próximo passo e<br />
dar o estímulo para que ele dê esse passo”.<br />
Acima, maracas e cuias decoradas<br />
de Santarém (PA), e baú de couro de<br />
Juazeiro do Norte (CE); na página<br />
oposta, troncos coloridos de Juazeiro<br />
do Norte: artesanato de tradição é<br />
patrimônio da coletividade<br />
67
.gov/.com<br />
O PODER<br />
DE MULTIPLICAR<br />
por_Daniela Rocha<br />
ilustração_Grupo Dragão da Gravura<br />
Colagem de obras dos quatro integrantes<br />
do Grupo Dragão da Gravura
As políticas culturais voltadas para a juventude estão<br />
mudando seu foco. Em vez de buscar estimular<br />
um artista ou a realização de uma obra, elas estão<br />
priorizando o número de pessoas envolvidas, numa<br />
perspectiva coletiva, e buscando resultados amplos<br />
junto às parcelas da sociedade com pouco acesso a<br />
bens culturais. Há uma crescente percepção das atividades<br />
do setor como estratégicas em relação à juventude<br />
, tanto por seu apelo mobilizador como pelo seu<br />
potencial econômico. Mas, segundo especialistas, ainda<br />
há um longo caminho a percorrer em relação à qualificação<br />
e profissionalização na área.<br />
No âmbito do governo federal, o atual carro-chefe no<br />
setor é o programa <strong>Cultura</strong> Viva, lançado pelo Ministério da<br />
<strong>Cultura</strong> (MinC) no ano passado. A idéia é fortalecer ações<br />
culturais já existentes em comunidades populares,<br />
quilombolas e indígenas, que visem a promoção da inclusão<br />
social e cidadania, da formação para o trabalho e do<br />
princípio da economia solidária. “A cultura passa a ser um<br />
elemento agregador, em conjunto com a assistência social<br />
e a educação. A profissionalização dessas ações gera<br />
inclusão por meio da cultura”, diz o assessor da secretaria<br />
executiva do MinC, Alfredo Manevy, de 28 anos.<br />
A TENDÊNCIA DAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA A JUVENTUDE É<br />
INVESTIR NAS INICIATIVAS COMUNITÁRIAS, VINCULADAS À<br />
GERAÇÃO DE RENDA E À INCLUSÃO DIGITAL<br />
Ele é o representante do ministério junto ao Conselho<br />
Nacional de Juventude, formado em agosto deste<br />
ano. “A juventude é um segmento estratégico, que tem<br />
duas dimensões: a de risco, que exige ações para evitar<br />
que jovens se envolvam com o tráfico de drogas, por<br />
exemplo; e a de ação, que busca construir políticas em<br />
que a juventude seja protagonista em sua capacidade<br />
de reciclagem de valores”, diz. O Conselho, no entanto,<br />
ainda está elaborando uma política para a juventude em<br />
todos os setores, inclusive o cultural. Mas a tendência,<br />
segundo Manevy, é manter a linha do fortalecimento de<br />
ações preexistentes. “A cultura precisa ser entendida<br />
como fundamental agente de desenvolvimento, com impacto<br />
direto e indireto na economia do país, sobretudo<br />
se pensarmos nas possibilidades que ela abre na geração<br />
de emprego para os jovens”, diz.<br />
Segundo Célio Turino, secretário de Programas e Projetos<br />
<strong>Cultura</strong>is do Ministério da <strong>Cultura</strong>, o <strong>Cultura</strong> Viva –<br />
que neste ano recebe R$ 31 milhões – tem como objetivo<br />
de fundo restabelecer o vínculo do jovem com a<br />
comunidade e sedimentar uma rede de Pontos de <strong>Cultura</strong>,<br />
locais onde são desenvolvidos diversos projetos e<br />
69
que já somam 250 em todo o país. Um desses projetos é o Agente <strong>Cultura</strong><br />
Viva, convênio com o Ministério do Trabalho e Emprego que fornece 50<br />
bolsas de 150,00 reais mensais durante seis meses para capacitação de<br />
jovens em áreas como grafite, hip hop, desenho animado etc. Outra iniciativa<br />
é a <strong>Cultura</strong> Digital, convênio com o Ministério das Comunicações<br />
que viabiliza a conexão à internet nos Pontos e a distribuição de um kit<br />
multimídia, com dois computadores, câmera de vídeo, ilha de edição e<br />
estúdio básico, para produções audiovisuais.<br />
Para participar do programa, as instituições, com no mínimo dois anos<br />
de atuação, se candidatam junto ao ministério. Um exemplo de Ponto de<br />
<strong>Cultura</strong> é o Centro de Referência Hip Hop, na periferia de Teresina (PI),<br />
onde os jovens ganharam computadores do Banco do Brasil, que estavam<br />
ociosos, e montaram três telecentros em uma escola abandonada.<br />
O espaço é aberto à comunidade, com oficinas de hip hop, música,<br />
serigrafia e grafite. Mais de 30 jovens, entre 16 e 28 anos, são “oficineiros”,<br />
e uma cooperativa presta serviços de serigrafia e grafite. “Temos biblioteca,<br />
sala de leitura e fazemos reforço escolar para crianças, com oficinas<br />
para contar histórias”, diz Gil BV, 25 anos, gestor do projeto.<br />
Abrindo portões<br />
Outro exemplo de política cultural multiplicadora é o do Centro de<br />
<strong>Cultura</strong> da Universidade Federal de Minas Gerais. Muito antes de ser um<br />
A PERCEPÇÃO DE QUE O SETOR CULTURAL É ESTRATÉGICO NAS POLÍTICAS<br />
Ponto de <strong>Cultura</strong>, o espaço de participação social na área de cultura já<br />
existia e foi uma ação inédita a abertura dos portões da universidade<br />
para a comunidade. Criado há 15 anos como centro de exposições, hoje<br />
é um pólo gerador, com uma série de projetos em parceria com prefeituras,<br />
governo federal e entidades da sociedade civil.<br />
O objetivo é atuar na democratização do conhecimento, na ampliação<br />
do acesso aos meios de produção cultural e na formação de um público<br />
produtor e multiplicador de cultura. A ação levou para dentro do campus<br />
grupos culturais da Grande Belo Horizonte, e lançou-se para fora, capacitando<br />
professores da rede pública urbana e de aldeias indígenas. Criouse<br />
um Centro de Convergência de Novas Mídias, que coordena a Rede.Lê<br />
– Rede de Inclusão e Letramento Digital, com 18 telecentros no estado.<br />
“Trata-se de uma experiência de produção conjunta, com professores<br />
da UFMG na coordenação de trabalhos que reúnem estudantes de<br />
graduação e pós-graduação e alunos do ensino médio e professores de<br />
escolas da periferia”, diz a diretora do Centro, a historiadora Regina Helena<br />
Alves da Silva. Ali, são realizados encontros para fomentar a geração<br />
de políticas públicas para a juventude, incluindo questões como o<br />
trabalho e a geração de renda, e a ação dos agentes culturais em seus<br />
bairros. “O papel da universidade é gerar conhecimento. O Centro <strong>Cultura</strong>l<br />
concentra um grande grupo multidisciplinar que abre espaço para a<br />
produção coletiva de professores e alunos e para a pesquisa, por exem-
plo, para entender redes sociais e culturais urbanas”, diz a diretora. A<br />
instituição atinge todos os públicos, mas a professora Regina Helena<br />
estima que cerca de 25 mil jovens estejam envolvidos nas atividades<br />
do centro.<br />
<strong>Cultura</strong> e gestão<br />
O analista da Célula de Negócios em Turismo, <strong>Arte</strong>sanato e <strong>Cultura</strong><br />
do Sebrae de São Paulo, Arlindo de Lima Júnior, concorda que a área<br />
cultural pode ser estratégica como campo de ação de um público jovem,<br />
mas lembra que, do ponto de vista do mercado, o pré-requisito<br />
para o sucesso é ter qualificação. Para isso é preciso uma postura de<br />
empreendedor. No entanto, a idéia da cultura como negócio ainda<br />
não está sedimentada no Brasil. “O conceito de cultura como geradora<br />
de emprego e renda não é abordado com seriedade e como prioridade<br />
nem pelo governo, nem por empresários que poderiam se tornar<br />
parceiros e patrocinadores e se beneficiar da cultura e ações culturais<br />
como valor agregado a sua empresa ou produto”, diz o analista.<br />
O Sebrae propõe o empreendedorismo cultural, um modelo próprio<br />
de gestão e de organização no setor, que inclui, por exemplo, o trabalho<br />
em parcerias estratégicas em vez de ações isoladas. Mesmo assim,<br />
segundo Lima Júnior, ainda são poucos os que conhecem e valorizam<br />
essa postura na área cultural. “Uma das maiores dificuldades é<br />
PÚBLICAS JUVENIS ESTÁ CRESCENDO, MAS AINDA HÁ MUITO QUE AVANÇAR<br />
levar agentes e produtores culturais a perceber a necessidade de buscar<br />
maior profissionalização.” Para ele, enquanto os profissionais da<br />
área não entenderem a necessidade de uma maior capacitação e a<br />
importância de se estudar o perfil das possíveis empresas patrocinadoras<br />
antes de enviar seus projetos, a obtenção de apoios tende a ser<br />
lenta. “Além disso, é preciso se apresentar ao mercado com trabalhos<br />
de qualidade e excelência”, diz.<br />
Na área de educação, o Sebrae oferece cursos rápidos, como Investimento<br />
em <strong>Cultura</strong> (16 horas de duração) e Mercado <strong>Cultura</strong>l (20 horas<br />
de duração). Além disso, apóia algumas iniciativas de fomentação<br />
cultural, voltadas inclusive ao público juvenil, como a Associação Brasileira<br />
de Música Independente, a Rede de Agentes <strong>Cultura</strong>is (RAC) e a<br />
LIBRE (Associação Brasileira de Editoras). A de maior destaque é a<br />
RAC, hoje organizada na Associação Paulista de Empreendedores <strong>Cultura</strong>is<br />
(APEC). “É um movimento livre, que promove assembléias mensais,<br />
com objetivo de fortalecer as redes de contato que possam auxiliar<br />
os agentes a viabilizar seus projetos.” Os agentes cadastrados<br />
são 2.400. A intenção é reunir uma gama de profissionais que já estão<br />
no mercado, que estão entrando ou que querem ampliar contatos<br />
para trocar experiências e gerar oportunidades, explica Lima Júnior.<br />
“Essa é nossa estratégia: ações coletivas com foco no desenvolvimento<br />
de projetos.”<br />
71
chat de revista<br />
QUATRO JOVENS CONVERSAM SOBRE OS<br />
REFLEXOS DAS MANIFESTAÇÕES<br />
ARTÍSTICAS EM SUAS VIDAS<br />
ARTE<br />
NOSSA<br />
DE CADA DIA<br />
ANA LUCIA DA<br />
SILVA CAMPOS, 16<br />
Estudante da 8ª série, curte<br />
hip hop e faz artes circenses<br />
em Goiânia (GO)<br />
THALLES DE<br />
AGUIAR, 20<br />
Carioca, estuda Física na<br />
Universidade Federal do Rio<br />
de Janeiro e é baterista<br />
DAYANA SILVA<br />
GOMES, 20<br />
É atriz, formada pela Escola<br />
de <strong>Arte</strong>s Cênicas do Maranhão<br />
FAGNER<br />
MONTEIRO, 18<br />
Paulista de Ribeirão Pires, é<br />
ator e músico dedicado ao<br />
resgate da cultura popular<br />
GYANCARLO BRAGA A
O contato com a arte e as manifestações culturais pode<br />
se limitar ao entretenimento e lazer ou ir além: servir como<br />
instrumento de expressão social e construção da identidade,<br />
ajudar a promover inclusão social, denunciar uma<br />
realidade, resgatar uma tradição, sensibilizar para um<br />
aprendizado, e pode até se transformar em profissão.<br />
Na sala de bate-papo de Onda Jovem, nesta edição, quatro<br />
jovens trocaram idéias sobre essas questões:<br />
Raimundo Fagner Monteiro Martins, 18 anos, paulista de<br />
Ribeirão Pires, ator e músico dedicado ao resgate da cultura<br />
popular e participante da Arca, uma associação de<br />
artistas; Ana Lucia da Silva Campos, 16 anos, de Goiânia<br />
(GO), estudante da 8ª série, apreciadora de hip hop e entusiasta<br />
das artes circenses como participante do projeto<br />
<strong>Arte</strong>, Circo e Cidadania na Escola de Circo Lahetô;<br />
Dayana Roberta Silva Gomes, de São Luiz, recém-formada<br />
na Escola de <strong>Arte</strong>s Cênicas do Maranhão e integrante<br />
da Rede Sou de Atitude, o núcleo jovem da ONG Agência<br />
de Notícias da Infância Matraca; e o carioca Thalles Carvalho<br />
Giangiarulo Rocha de Aguiar, 20 anos, que cursa<br />
Física na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),<br />
estuda alemão, pratica aikido (uma arte marcial), toca<br />
bateria e gosta de todo tipo de música, menos pagode.<br />
Onda Jovem propôs as perguntas iniciais e depois os jovens<br />
fizeram as suas. A seguir, nosso “chat de revista”.<br />
ANDERSON DE OLIVEIRA DA SILVA /IMAGEM DO POVO<br />
FRANCISCO CAMPOS<br />
PAULO GONÇALVES DA SILVA<br />
73
Onda Jovem: O que é arte para você?<br />
THALLES: Acho que arte é uma forma de transmitir<br />
a outras pessoas o que sentimos e como vemos<br />
a realidade em que vivemos. Além disso, a arte<br />
pode ser um meio de inclusão social e também de<br />
extravasar sentimentos represados.<br />
FAGNER: <strong>Arte</strong> é botar para fora aquilo que sentimos<br />
por meio de formas,<br />
movimentos e<br />
sons.<br />
DAIANA<br />
DAIANA: É a arte de<br />
transformar pequenas<br />
coisas em grandes formas<br />
de expressão.<br />
Acho que essa arte de<br />
fazer a arte vai além<br />
dos limites humanos.<br />
ANA LUCIA: Para<br />
mim, arte é aquilo que dá liberdade ao ser humano<br />
de ir além do pensamento. A arte tem a capacidade<br />
de oferecer lazer e interação e dessa forma<br />
envolver todas as classes sociais.<br />
Qual é o contato que você tem com a arte no seu<br />
dia-a-dia e como ela afeta sua vida?<br />
DAIANA: Participo constantemente<br />
de seminários e oficinas de<br />
várias manifestações culturais.<br />
Faço dança contemporânea e adoro<br />
estar num palco. Também gosto<br />
de ler e de ver comédias, suspenses<br />
e dramas no cinema. Esses contatos<br />
com a arte me ajudam a desenvolver<br />
habilidades, demonstrar sentimentos,<br />
usar minha criatividade e<br />
ter sempre um novo olhar para as<br />
situações do dia-a-dia.<br />
ANA LUCIA<br />
THALLES: Eu tenho contato diretamente com<br />
a música. Toco bateria e meu irmão é baixista. Já<br />
toquei em várias bandas. Essa relação com a música<br />
foi a responsável por muitas amizades. Além<br />
disso, desde pequeno eu gosto muito de desenhar,<br />
a ponto de ter chegado a pensar em fazer disso<br />
uma profissão.<br />
THALLES<br />
FAGNER: Meu contato com a arte é por meio do cinema, do teatro, da música e da<br />
dança, mas tenho um interesse mais aprofundado no resgate da cultura popular.<br />
Nessa área, desenvolvo um trabalho de pesquisa com um grupo chamado Toadas a<br />
Trovadas.<br />
ANA LUCIA: Antes eu tinha contato apenas com hip hop, Quadrilha e Folia de Reis,<br />
mas agora estou ganhando conhecimentos em artes circenses e também participo<br />
de um espetáculo chamado “Nascimento do Mundo”. Tudo isso amplia minha visão<br />
de mundo, um modo diferente de ver e avaliar situações.<br />
“A arte amplia a minha<br />
visão de mundo” ANA LÚCIA CAMPOS<br />
Sem arte, como seria o mundo para você?<br />
THALLES: Acho que seria um tanto quanto chato. A arte é a minha principal fonte<br />
de entretenimento, com o cinema, teatro, exposições, shows e muito mais. E, como<br />
já disse, fiz grandes amigos por meio da música.<br />
FAGNER: A arte faz toda a diferença na minha vida. A arte nos faz ver o mundo de<br />
outra forma. Sem a arte, meu mundo seria uma coisa mecânica.<br />
DAIANA: Eu acho que o mundo seria muito chato, a expressão seria a<br />
mesma para todos.<br />
ANA LUCIA: Sem a arte eu não teria oportunidade de conhecer pessoas,<br />
lugares, ter experiências e situações de criação e participação na vida da minha<br />
cidade. Vejo que as meninas da minha idade que não viveram as experiências<br />
com arte que eu vivi não ampliaram seu mundo, muitas ficam só trabalhando<br />
de empregada doméstica ou babá.<br />
Como você vê a situação das manifestações culturais no Brasil, tanto para<br />
quem se envolve como artista quanto para quem só aprecia, como espectador?<br />
FAGNER: Há uma valorização um pouco maior da arte, principalmente da cultura<br />
popular, mais ainda é pouco. Alguns artistas se fecham, se dirigem a um público que<br />
já possui uma vivência com arte, quando o interessante seria que eles levassem seu<br />
trabalho às pessoas que não têm acesso a essa arte.<br />
ANA LUCIA: As manifestações artísticas brasileiras são muito importantes para<br />
a formação da identidade cultural dos jovens e por isso precisam ser mais valoriza-
“A arte é um meio de fazer inclusão social”<br />
RAIMUNDO FAGNER<br />
das. Elas são cada vez mais raras, pelo menos aqui em Goiânia.<br />
A gente quase não vê bonequeiros, repentistas e teatro de<br />
rua. Tem muita gente, também, que não considera a arte uma<br />
profissão e não topa pagar o valor que ela merece. As pessoas<br />
pedem muitas apresentações gratuitas.<br />
THALLES: A arte em geral é pouco incentivada e difundida.<br />
Quem perde é o povo, que deixa de adquirir cultura, e o artista,<br />
que não tem condições de crescer no seu trabalho. Por isso,<br />
que medidas vocês acham que o governo pode tomar para incentivar<br />
a arte?<br />
DAIANA: Primeiro, acho que nós, jovens, temos de mostrar<br />
o que queremos, para o governo elaborar e executar programas<br />
que atendam às expectativas da juventude. Esse processo poderia<br />
ser feito por meio de discussões de grupo, laboratórios,<br />
oficinas, pesquisas, apoio a projetos experimentais. Além disso,<br />
o governo precisa intensificar e estimular a arte na escola, para<br />
possibilitar a expressão e a descoberta de novos talentos, fomentando<br />
o protagonismo infanto-juvenil nas artes.<br />
ANA LUCIA: O governo deveria aprovar leis de apoio aos grupos<br />
que fazem cultura e criar políticas de incentivo à arte que<br />
permitam o acesso das pessoas de baixa renda.<br />
FAGNER: É preciso que o governo incentive programas de<br />
arte-educação e de resgate cultural, além de oferecer estímulos<br />
às empresas para que patrocinem projetos artísticos. Outra<br />
responsabilidade do poder público é fazer com que a verba destinada<br />
à cultura seja bem aplicada, beneficiando a arte e não<br />
alguns poucos artistas. Porque a arte, eu acredito, é um meio<br />
de fazer inclusão social. Vocês concordam?<br />
THALLES: Para mim, a arte é uma das melhores formas de<br />
inclusão social, e trabalhos com essa finalidade deveriam ser<br />
mais incentivados.<br />
ANA LUCIA: Acho que quanto mais uma sociedade tem contato<br />
com a arte, mais ela se valoriza e dá valor a suas manifestações<br />
culturais. A arte promove o desenvolvimento humano e,<br />
conseqüentemente, um maior engajamento das pessoas com<br />
a vida comunitária.<br />
DAIANA: A arte como engajamento social é muito importante,<br />
pois trabalha todas as relações pessoais e interpessoais, promove<br />
a cidadania, a eqüidade social, o conhecimento e a discussão<br />
da realidade. Por isso é que as diversas manifestações<br />
artísticas precisam ser mais valorizadas e principalmente o artista, que ainda é<br />
visto com preconceito, como quem não tem nada para fazer. Vocês acham que<br />
um artista consegue viver só da arte como profissão?<br />
THALLES: É possível viver somente da arte, mas acho que a<br />
pessoa tem de contar um pouco com a sorte também. O talento<br />
por si só não é decisivo.<br />
ANA LUCIA: Nosso grupo no circo Lahetô vive da arte. Mas<br />
se a sociedade valorizasse mais a arte e o artista, não seria<br />
preciso “ralar” tanto para manter um grupo. É difícil. Por outro<br />
lado, acredito que o artista, assim como qualquer outro profissional,<br />
tem de conquistar o respeito dos outros.<br />
FAGNER: Concordo. Acho que é possível sim o artista viver<br />
da sua arte. Basta ele acreditar no que faz e correr atrás do seu<br />
espaço.<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
FAGNER<br />
ARCA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE ABC/SÃO PAULO<br />
PROPOSTA Facilitar a inclusão no mercado trabalho<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 75 jovens<br />
APOIO AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO GRANDE ABC, PRIMEIRO EMPREGO,<br />
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO<br />
CONTATO Rua Gotardo Botacin, 383, C 4 – Estância Noblesse – Ribeirão Pires (SP) –<br />
Tel.: 11/4823-2748 – arcarte@bol.com.br<br />
REDE SOU DE ATITUDE-MATRACA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO SÃO LUÍS (MA)<br />
PROPOSTA Monitorar políticas públicas do governo federal e mobilizar a mídia para ter uma<br />
nova perspectiva de crianças, adolescentes e jovens<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS Não há um número específico. A demanda é grande,<br />
abrangendo palestras e oficinas em escolas<br />
APOIO COORDENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇOS (CESE)<br />
CONTATO jovens@matraca.org.br<br />
CIRCO LAHETÔ (ESCOLA DE CIRCO DE GOIÂNIA)/PROJETO ARTE, CIRCO E CIDADANIA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO ZONA LESTE DA CIDADE DE GOIÂNIA (GO)<br />
PROPOSTA Atuar com crianças e adolescentes em situação de risco, utilizando a arte circense<br />
como principal ferramenta pedagógica, para formar e informar, visando a formação<br />
humana e a capacitação de novos artistas<br />
NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 120 crianças e adolescentes<br />
APOIO SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DE GOIÂNIA (LEI DE INCENTIVO À CULTURA MUNICIPAL),<br />
FACULDADE CAMBURY, FUMDEC – FUNDO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO,<br />
FUNDAÇÃO PRÓ-CERRADO, CMS – SCITECH<br />
CONTATO Rua 72, esquina com Av H – Parque da Criança – Jardim Goiás – Goiânia (GO) –<br />
Tel.: 62/3281-3301 – circolaheto@yahoo.com.br<br />
75
Links<br />
1<br />
Sinfônica Heliópolis regida pelo maestro Silvio Baccarelli<br />
FOTOS: DIVULGAÇÃO<br />
INSTITUTO BACCARELLI:<br />
CONCERTOS DA PERIFERIA<br />
Um dos cinco melhores espaços de ensino de música no mundo começa<br />
a ser construído agora em novembro em São Paulo, com conclusão<br />
prevista para daqui a um ano. Será um equipamento cultural de 6 mil m 2 ,<br />
com uma sala de concerto com 600 lugares, 12 camarins, 36 salas de<br />
estudo individual, 4 salas de estudo em grupo, sala de informática e biblioteca,<br />
entre outras áreas de convivência. O projeto acústico está sendo<br />
desenvolvido pela mesma equipe responsável pela acústica da Sala São<br />
Paulo, espaço da Orquestra Sinfônica de São Paulo. Mas a elite cultural<br />
que costuma freqüentar a Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes, terá<br />
de ir à periferia para usufruir os espetáculos musicais no novo espaço –<br />
em Heliópolis, na Zona Sul da capital.<br />
A oportunidade sem precedentes de formar músicos e também público<br />
para música acontece exatamente nessa comunidade carente, com<br />
120 mil moradores sem acesso a qualquer entretenimento cultural. Em<br />
Heliópolis, o <strong>Instituto</strong> Baccarelli instalará sua nova sede, a escola de música<br />
com capacidade e estrutura para atender 2.500 alunos por ano. “Será<br />
a primeira no Brasil a ser pensada e planejada com essa finalidade”, diz<br />
Edilson Venturelli, maestro e vice-presidente do <strong>Instituto</strong> que, desde 1996,<br />
promove o desenvolvimento pessoal e social de crianças e adolescentes<br />
de famílias de baixa renda por meio de manifestações artísticas.<br />
O maestro Zubin Mehta rege os jovens músicos do <strong>Instituto</strong> Baccarelli<br />
Com a parceria de empresas privadas (como<br />
a Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo <strong>Votorantim</strong>,<br />
Fundação Volkswagen, Banco Volkswagen<br />
e Petrobras) e com o apoio do Ministério<br />
da <strong>Cultura</strong>, o <strong>Instituto</strong> Baccarelli realiza os projetos<br />
Coral da Gente, Encantar na Escola, Orquestra<br />
do Amanhã e Sinfônica Heliópolis, beneficiando<br />
550 crianças e jovens entre 7 e 21 anos.<br />
Eles fazem constantes apresentações em casas<br />
culturais de São Paulo. “Costumo dizer aos alunos<br />
que eles podem pertencer a uma classe econômica<br />
desfavorecida, mas hoje pertencem à elite<br />
cultural do país”, conta Venturelli.<br />
COM ZUBIN META<br />
Os jovens músicos do <strong>Instituto</strong> Baccarelli<br />
também fazem parte agora de um restrito círculo<br />
de músicos regidos pelo famoso maestro<br />
indiano Zubin Mehta, regente da Filarmônica<br />
de Israel. De passagem por São Paulo, em agosto,<br />
Zubin Mehta visitou o <strong>Instituto</strong> e regeu a<br />
Sinfônica Heliópolis. Um jovem no contrabaixo,<br />
mesmo instrumento tocado por Metha, chamou<br />
a atenção. Era Adriano Costa Chaves, 17<br />
anos, há pouco mais de dois anos no <strong>Instituto</strong>.<br />
Ele foi convidado pelo maestro indiano a estudar<br />
na Academia da Filarmônica de Israel no<br />
próximo ano. “Eu não esperava essa oportunidade.<br />
Foi uma bênção. Agora estou me preparando<br />
para aproveitá-la da melhor forma possível.<br />
Comecei a ter aulas de hebraico, vou estudar<br />
inglês e me aperfeiçoar mais no<br />
contrabaixo”, diz Adriano, que está concluindo<br />
o ensino médio, numa escola pública, e já se<br />
dedica à música 8 horas por dia – esforço que<br />
teve uma bela recompensa.
MOMOMOMOMOMO<br />
2<br />
3 O<br />
A REDE SE AMPLIA<br />
O elenco de jovens talentos que colaboram com a<br />
produção de Onda Jovem não pára de crescer. Nesta<br />
edição, juntam-se ao time fotógrafos e ilustradores<br />
do Rio de Janeiro e de São Paulo. A carioca Deise<br />
Lane Lima, de 22 anos, foi a encarregada das fotos<br />
do ator Leandro Firmino da Hora, na seção O Sujeito<br />
da Frase (pág. 52). Deise começou a fotografar aos<br />
15 anos, depois de um curso no Centro de Ação Social<br />
da Maré, e hoje faz parte da equipe de fotógrafos<br />
do Viva Favela, portal na internet da ONG Viva<br />
Rio. Já o desenhista Jotapê, 19 anos, criou a ilustração<br />
da matéria Horizonte Global (pág. 26). Tatuador,<br />
ele integra o elenco da galeria Choque <strong>Cultura</strong>l, pioneira<br />
entre os espaços paulistanos dedicados à produção<br />
da arte de rua.<br />
CULTURA ATRAI AÇÕES SOCIAIS<br />
número de empresas que investem em programas<br />
sociais no Brasil é crescente. A última Pesquisa sobre Ação<br />
Social, de 2004, do <strong>Instituto</strong> de Pesquisas Econômicas<br />
Aplicadas (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento,<br />
abrange 4 mil empresas com projetos voltados para<br />
diversas áreas nas regiões Sudeste e Nordeste. Sabe-se<br />
que a maioria desses projetos, como comprova a pesquisa,<br />
ainda está voltada para atividades de assistência social<br />
e alimentação, mas a boa notícia é que, em certos<br />
nichos da cidadania empresarial, áreas como cultura e<br />
educação têm liderado as preferências dos investimentos<br />
sociais. É o que mostra o censo do Grupo de <strong>Instituto</strong>s, Fundações e Empresas (Gife), feito em 2004 com 71 associados<br />
que compõem uma rede considerada de referência no<br />
investimento social privado. Na lista de suas prioridades<br />
para investir recursos com fins sociais, <strong>Cultura</strong> e<br />
<strong>Arte</strong>s ocupam o segundo lugar, com 54% das preferências,<br />
atrás apenas de educação, com 87%. Crianças, adolescentes<br />
e portadores de necessidades especiais são<br />
o público beneficiado por 73% dos projetos em arte e<br />
cultura, envolvendo oficinas culturais, produção literária,<br />
teatral ou de audiovisual, atividades de dança e música,<br />
além da manutenção de espaços culturais, doação<br />
de material, concessão de bolsas e restauração de construções<br />
históricas.<br />
FOTOS: DIVULGAÇÃO / INSTITUTO ARTE NA ESCOLA<br />
77
Fato Positivo<br />
DE ACESSÓRIO<br />
A ESSENCIAL<br />
por_Leusa Araujo<br />
<strong>Arte</strong>-educadora<br />
desenvolve atividade com<br />
jovem: qualificação<br />
DIVULGAÇÃO / INSTITUTO ARTE NA ESCOLA<br />
O ensino da arte está começando a colher os frutos<br />
de uma mudança de mentalidade: em vez de ser tratada<br />
nas escolas como “momento cultural” ou atividade<br />
lúdica para “alívio das tensões”, a arte reincorpora a<br />
sua importância como disciplina do conhecimento,<br />
ampliadora de consciência e capaz de promover mudanças<br />
no mundo. “Ainda que estes novos ares não<br />
tenham chegado ainda àquela melhoria desejada na<br />
sala de aula, é possível dizer que o pior estágio da educação<br />
artística, aquele da folha mimeografada para<br />
colorir, está ficando no passado”, afirma Evelyn Iochpe,<br />
com o conhecimento de causa de quem fundou e há<br />
15 anos preside o <strong>Instituto</strong> <strong>Arte</strong> na Escola, a maior referência<br />
nacional na capacitação e qualificação de professores<br />
de arte da rede pública.<br />
De fato, no fim dos anos 80, o objetivo<br />
da aula de arte era fazer o estudante<br />
feliz. Essa arte esvaziada de<br />
seu conteúdo foi “um efeito danoso<br />
das chamadas décadas da livre expressão”,<br />
diz Evelyn, referindo-se ao<br />
fenômeno das Escolinhas de <strong>Arte</strong> dos<br />
anos 60 e 70. Para completar o quadro,<br />
a disciplina nem sequer era obrigatória<br />
no currículo escolar.<br />
Mas uma pesquisa, realizada em<br />
1989 pela Fundação Iochpe para a<br />
Universidade Federal do Rio Grande<br />
do Sul, revelava descontentamento<br />
por parte dos professores. Eles que-
A TRAJETÓRIA<br />
DO PROJETO<br />
ARTE NA<br />
ESCOLA INDICA<br />
QUE HÁ UMA<br />
NOVA<br />
MENTALIDADE<br />
NO ENSINO DE<br />
ARTE NO PAÍS<br />
Avesso<br />
Quase uma década depois de se tornar obrigatório no país, o ensino de arte ainda<br />
não chegou à metade das escolas. A obrigatoriedade foi uma conquista garantida<br />
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de dezembro de 1996. Mas, na<br />
prática, isto ainda não acontece plenamente. “A estimativa do próprio Ministério da<br />
Educação é de que 50% das escolas estejam sem o curso regular de arte por falta de<br />
professores”, diz Evelyn Iochpe. Para reverter esse quadro, o MEC precisa formar<br />
novos docentes - por meio de consórcios com as universidades e de cursos à distância -<br />
até 2007. A meta, entretanto, não deverá se cumprir nesse espaço de tempo. “Não há<br />
vagas suficientes nas universidades e nem formas de custeio que dêem conta de todos<br />
os professores leigos que precisam ser capacitados,” avalia Evelyn.<br />
riam mais acesso ao conhecimento sobre história da arte e concordavam que era preciso<br />
partir da obra de arte para realizar o seu trabalho educacional em sala de aula.<br />
Capacitar esses professores, numa aliança com as universidades públicas, tornou-se um<br />
desafio. O projeto <strong>Arte</strong> na Escola surgiu, então, como o articulador de uma rede de educação<br />
continuada entre as universidades – o lugar certo para produzir o repertório cultural necessário<br />
para que novas metodologias de ensino, como a abordagem triangular de Ana Mae Barbosa<br />
(ver, contextualizar e fazer arte), fossem aplicadas, principalmente nas artes visuais.<br />
O passo seguinte foi a criação e a avaliação de materiais didáticos que falassem a língua<br />
do professor: milhares de vídeos, kits educacionais com reprodução de obras pertencentes<br />
aos museus brasileiros, CDs, DVDs e outros materiais de apoio à visitação de museus, salões<br />
e bienais foram desenvolvidos. “Tudo para iluminar a construção da obra de arte”, explica<br />
Evelyn, para quem somente a imagem de segunda mão na sala de aula não basta: “É preciso<br />
o contato com a arte dos museus e galerias, no seu original”.<br />
DESCOBERTAS E SURPRESAS<br />
Hoje, os números da Rede <strong>Arte</strong> na Escola são expressivos: mais de 4 milhões de alunos da<br />
rede pública, do ensino infantil, fundamental e médio, são atendidos por 20 mil professores,<br />
capacitados pelos 55 pólos universitários. Entre eles, o jovem Richard Maus, bolsista do Pólo<br />
da Universidade Federal do Paraná. Violonista, 22 anos, estudante de música na Universidade,<br />
que atua no projeto “Quarteto de Cordas: uma experiência educativa”, em que músicos<br />
entram na sala de aula para ministrar conteúdos peculiares aos instrumentos de corda e<br />
arco. “É a minha descoberta da música como disciplina didática”, resume Richard, que nunca<br />
teve aula de música na escola.<br />
Para quem ainda tem dúvidas sobre a importância desse aprendizado, o resultado de um<br />
longo trabalho de 20 anos, realizado pelo sociólogo da educação Aaron Benavot em 63 países,<br />
mostrou, para surpresa dos próprios pesquisadores, que é o bom ensino das artes e das<br />
ciências que resulta na obtenção de índices econômicos maiores para os países em desenvolvimento<br />
– e não o ensino da matemática e da língua, como se buscava comprovar. Mas a<br />
fundadora do <strong>Arte</strong> na Escola não se surpreendeu. “Nós já sabíamos que o ensino da arte<br />
melhora a cognição de forma geral e que não se trata de perfumaria para ricos, como muitas<br />
vezes foi tratado”.<br />
PARA SABER MAIS SOBRE<br />
INSTITUTO ARTE NA ESCOLA<br />
ÁREA DE ATUAÇÃO 24 ESTADOS E DISTRITO FEDERAL<br />
PROPOSTA Incentivar e qualificar o ensino da arte do Brasil<br />
JOVENS ATENDIDOS O instituto atende a 20 mil professores, cuja ação atinge 4 milhões de alunos das redes<br />
públicas, do infantil ao ensino médio<br />
AGENTES E EDUCADORES ENVOLVIDOS 230, entre professores, bolsistas, estagiários e voluntários universitários<br />
que atuam nos 55 Pólos da Rede <strong>Arte</strong> na Escola<br />
PATROCÍNIO FUNDAÇÃO IOCHPE, BNDES, BR PETROBRAS E BANCO BRADESCO, POR MEIO DA LEI DE INCENTIVO À<br />
CULTURA DO MINISTÉRIO DA CULTURA<br />
CONTATO Alameda Tietê, 618, Casa 3 – Cerqueira César - São Paulo (SP) – Tel. 11/3060-8388 –<br />
www.artenaescola.org.br<br />
79
Cartas<br />
DIVERSAS<br />
JUVENTUDES<br />
Nós, que lidamos diretamente<br />
com o público jovem, necessitamos<br />
de fato de um canal, como Onda<br />
Jovem, capaz de mostrar as várias<br />
caras da juventude. Parabéns pela<br />
iniciativa e que o empreendimento<br />
de vocês seja um sucesso.<br />
Benedito Maria, São Luís, MA<br />
A juventude está precisando exatamente<br />
disso, de uma publicação<br />
séria e enriquecedora como Onda<br />
Jovem.<br />
Ida Virgínia Comarin, por e-mail<br />
FAÇA CONTATO<br />
Envie cartas ou e-mails para esta<br />
seção com nome completo, endereço<br />
e telefone. ONDA JOVEM se reserva<br />
o direito de resumir e editar os<br />
textos. Endereço: Rua Dr. Neto de<br />
Araújo, 320, conjunto 403, CEP<br />
04111-001, São Paulo, SP. E-mail:<br />
ondajovem@olharcidadao.com.br.<br />
Onda Jovem é um espaço não só para jovens de baixa<br />
renda e sem instrução divulgarem suas idéias, sua indignação<br />
e suas aspirações por uma vida melhor, mas também<br />
para jovens como eu, lutadores, com nível superior, mas que<br />
ainda não conseguiram uma posição digna neste mundo. Criei<br />
uma associação ambientalista chamada AUPEC-VP, Associação<br />
dos Amigos e Usuários do Parque Ecológico de Vila Prudente,<br />
e participo da APREV, Associação de Profissionais Resgatando<br />
Vidas, dando cursos de inglês. Além disso, escrevo<br />
crônicas e faço artesanato em papel reciclado.<br />
Kleber Pedroso, São Paulo, SP<br />
Parabéns pelo excelente trabalho. A publicação aborda<br />
as temáticas voltadas para a juventude de uma forma extraordinária,<br />
interativa e principalmente atrativa.<br />
Ionara Silva, por e-mail<br />
Receber Onda Jovem é mais que um presente para nós<br />
que estamos à frente da elaboração de políticas públicas<br />
para a juventude. É de grande importância compreender<br />
e conhecer a realidades desse nosso imenso Brasil, cheio<br />
de sonhos e esperanças juvenis.<br />
Nilton Bispo, assessor de Juventude, Prefeitura de<br />
Embu, SP<br />
Acho de suma importância uma revista que fala sobre<br />
os jovens, pois trabalho com esse público como assistente<br />
social na Vila Brasilândia e adjacências. Atuo em uma<br />
associação como educadora de noções de cidadania, orientação<br />
sexual, prevenção contra o abuso de vícios e drogas,<br />
liberdade de escolha com responsabilidade e ética.<br />
Ivone S. Garcia, São Paulo, SP<br />
Nós, do Consórcio Social da Juventude da Grande<br />
Teresina, gostamos muito de Onda Jovem.<br />
Narcizo Chagas, Assistente de Inserção no Mercado<br />
de Trabalho, Teresina, PI<br />
Gostaria de receber Onda Jovem. Trabalho no Programa<br />
Voluntários da OSCIP Comunitas – Parcerias para o<br />
Desenvolvimento Solidário.<br />
Adelaide Barbosa Fonseca<br />
Espero receber Onda Jovem. Sou presidente da ONG<br />
Desenvolvimento com Justiça Social – DJS (www.djs.<br />
org.br). Trabalhamos e incentivamos o protagonismo juvenil<br />
por meio da educação em direitos humanos.<br />
Borny Cristiano, São Paulo, SP<br />
Onda Jovem me interessou muitíssimo.<br />
Sou assistente social e a revista<br />
pode me capacitar e informar para uma<br />
melhor intervenção cidadã e profissional.<br />
Ieda, por e-mail<br />
Somos uma ONG que atua na formação<br />
e capacitação de jovens e adolescentes<br />
por meio da educação empreendedora.<br />
Onda Jovem poderá contribuir<br />
com nosso trabalho.<br />
Manoel Gouvêa, diretor da Escola<br />
de Empreendedores, São Paulo, SP<br />
PROJETO DE VIDA E<br />
TRABALHO<br />
Recebi com imenso prazer a notícia de<br />
Onda Jovem. O primeiro número, Projeto<br />
de Vida, trata de um tema muito importante<br />
para nossa instituição de ensino.<br />
Vai ajudar nossa equipe a entender<br />
e lidar melhor com o público jovem no<br />
Grupo de Projetos Sociais.<br />
Renata Hespanhol, Universidade de<br />
Ribeirão Preto - UNAERP, São Paulo, SP
Agradecemos a menção de nosso Programa<br />
em sua revista sobre “A Nova Força<br />
do Trabalho”, aproveitando para dar-lhes<br />
os parabéns pelo belo trabalho editorial.<br />
Carlos H. Sampaio, Programa<br />
Iniciativa Jovem/Dialog/Shell<br />
Recebemos os exemplares “Projeto<br />
de Vida” e “A nova Força do Trabalho” da<br />
revista Onda Jovem. Atualmente, a Fundação<br />
Abrinq está implantando mais dois<br />
projetos de apoio ao jovem: o primeiro<br />
diz respeito à discussão do projeto de<br />
vida dentro das escolas que desenvolvem<br />
educação de jovens e adultos e outro<br />
sobre empreendedorismo juvenil e<br />
microcrédito. As duas publicações vieram<br />
ao encontro dos nossos desafios e<br />
têm contribuído muito com o desenvolvimento<br />
de nosso trabalho. Só temos a<br />
agradecer e parabenizá-los.<br />
Márcia Quintino e Maria do Carmo<br />
Krehan, Programa Prêmio Criança e<br />
Multiprojetos, Fundação Abrinq,<br />
São Paulo, SP<br />
Onda Jovem despertou meu interesse.<br />
Trabalho no Centro Pastoral Santa<br />
Fé, na região noroeste de São Paulo<br />
(Perus), com adolescentes em um Projeto<br />
de Formação de Lideranças Juvenis,<br />
por meio de atividades esportivas,<br />
de artesanato, reforço escolar e desenho,<br />
entre outras.<br />
Luciana Mizinski, São Paulo, SP<br />
Para o trabalho que realizamos, Onda<br />
Jovem é de extrema importância. Atuo<br />
como assistente social na ONG Centro<br />
de Convivência Menina Mulher, que<br />
atende meninas de 7 a 18 anos em situação<br />
de vulnerabilidade.<br />
Katia Cristina Novak, Curitiba, PR<br />
PARCEIRA NA<br />
EDUCAÇÃO<br />
Nós, da ONG Plugados na Educação,<br />
tivemos a imensa boa sorte de receber<br />
Onda Jovem. Nossa missão é promover<br />
a cultura de paz e o aprimoramento<br />
ético, cultural e pedagógico em escolas<br />
públicas estaduais e municipais<br />
de Minas Gerais e São Paulo.<br />
César Sousa Reis,<br />
Plugados na Educação<br />
Queremos receber Onda Jovem. Estamos iniciando um<br />
trabalho de conscientização, reintegração e auto-estima<br />
dos jovens de uma escola pública em Belo Horizonte. Fazemos<br />
parte do Projeto Sempre Um Ato, que em breve se<br />
tornará associação.<br />
Karla Danitza, Belo Horizonte, MG<br />
Parabéns por Onda Jovem. Sou professora da rede estadual<br />
de ensino, coordenadora pedagógica do Centro<br />
Educacional e Social da Consolata (CESC) e assessora da<br />
Pastoral da Juventude de Roraima. Conheci a revista por<br />
meio do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente<br />
de Roraima e me interessei muito, pois também estou<br />
concluindo o Curso de Especialização em Juventude, na<br />
Unisinos – RS.<br />
Vanilsa Pereira de Souza, Boa Vista, RR<br />
Como professora universitária e atuante em trabalhos<br />
sociais com juventude, apreciei muito a revista.<br />
Esther Alves de Sousa, por e-mail<br />
Sou bibliotecária, no Colégio Marista Palmas, e trabalhamos<br />
com grupos de jovens que atuam em ações sociais<br />
e solidárias na cidade de Palmas e região. Onda Jovem<br />
será de grande valia para nós.<br />
Anair Ribeiro Quintanilha Souza, Palmas, TO<br />
Gostaríamos de ter Onda Jovem em nosso acervo.<br />
Faculdade Paulista de Serviço Social, São Paulo, SP<br />
Por meio de pesquisadores da juventude, fiquei sabendo<br />
da revista, que interessa muito a quem atua, como eu,<br />
na área de educação e juventude.<br />
Gilmar Staub, São Miguel do Oeste, SC<br />
Onda Jovem é muito interessante e pertinente para nós,<br />
do Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista (CIP).<br />
Gostaríamos de receber os exemplares.<br />
Maitá Figueiredo, São Paulo, SP<br />
Parabéns pela iniciativa da revista. Sou diretor da ONG<br />
Associação Crescer, que tem a juventude como público alvo.<br />
Pe. Evando Batista de Morais, Contagem, MG<br />
Nós, Religiosas Concepcionistas Missionárias do Ensino,<br />
somos uma entidade religiosa católica que trabalha com<br />
educação de jovens. Gostaríamos de receber Onda Jovem.<br />
Edenilson Coelho, Sede Provincial, São Paulo, SP<br />
Na entidade Lua Nova, atendemos<br />
jovens mães e seus filhos. Adoramos<br />
Onda Jovem, especialmente a segunda<br />
edição, sobre Trabalho, que está muito<br />
relacionada com nossa missão e ações.<br />
Mirthes e Raquel Barros, por e-mail<br />
Nós, da Girassolidário (Agência da<br />
Rede Andi Brasil), achamos Onda Jovem<br />
de excelente qualidade.<br />
Antonio Sardinha, Mato Grosso do Sul<br />
Gostei muito das reportagens de<br />
Onda Jovem.<br />
Marcia Wada, A Cor da Letra,<br />
por e-mail<br />
SITE ONDA JOVEM<br />
Gostei demais de ter descoberto o<br />
site Onda Jovem. Vocês capricharam<br />
nos textos. Parabéns. Sou psicóloga,<br />
trabalho com prevenção à AIDS com jovens<br />
e gostaria de colaborar com vocês.<br />
Ana Luiza, psicóloga, por e-mail<br />
Nós, da Comunidade Transformar,<br />
gostaríamos de cumprimentá-los pela<br />
iniciativa da revista e do site Onda Jovem,<br />
muito bons, bem feitos e de excelente<br />
qualidade. É material importante<br />
para nosso Grupo de Estudos e como<br />
informação qualificada para esta ONG,<br />
que concluiu recentemente um processo<br />
de reestruturação e está iniciando<br />
uma nova fase com a implementação<br />
de projetos que, na sua maioria, têm o<br />
público jovem como destinatário.<br />
Washington de Bessa Barbosa<br />
Júnior, Ribeirão Preto, SP<br />
Parabéns, Onda Jovem, pela bela iniciativa,<br />
projeto gráfico e editorial. Assim<br />
como vocês, o InterCidadania comunica<br />
soluções em busca de um mundo melhor.<br />
Equipe InterCidadania, por e-mail<br />
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Navegando
DESCONFORTO<br />
Se ficarmos muito quietos<br />
podemos dormir.<br />
Respirar pelo nariz<br />
malgrado o compacto<br />
olor de albume.<br />
Consentir<br />
que o sujeito ao lado<br />
resmungue uma<br />
ou duas queixas<br />
torcendo-se na poltrona<br />
ruidosamente.<br />
É um bonito trecho de Brasil que<br />
atravessamos<br />
neste ônibus<br />
neste fevereiro<br />
e não podia mesmo ser diferente.<br />
Para onde quer que se olhe,<br />
desta ou<br />
daquela janela,<br />
a fuzilaria descansa.<br />
A democracia avança<br />
com seus dentes-de-leite.<br />
POR OBRA DA ARTE<br />
Foi um artista visual que revelou a<br />
poesia ao mineiro Ricardo Rizzo, de<br />
24 anos. Quando tinha 13 anos, uma<br />
bolsa de iniciação artística oferecida<br />
pela sua escola, em Juiz de Fora<br />
(MG), levou-o às leituras visuais do<br />
artista plástico Arlindo Daibert sobre<br />
TARSILA<br />
De meia em meia hora<br />
meu coração de baleia<br />
se derrama<br />
sobre os cafezais<br />
Noite, chão, terra cheia<br />
outros mil corações de baleia<br />
respondem iguais<br />
não minto a quem me odeia.<br />
poemas_Ricardo Rizzo<br />
ilustração_Rodolfo Herrera<br />
as obras de Guimarães Rosa e Mário de Andrade. “Eu fiquei apaixonado pela literatura”, diz<br />
Rizzo. A paixão, como tantas, gerou o escritor. Já estudante de Direito, em 2002 publicou o<br />
livro “Cavalo Marinho e outros poemas” (Editora Nankin/Funalfa Edições). Em 2004, ganhou<br />
o prêmio Cidade Belo Horizonte com o livro ainda inédito “Ao Sul da Esfera”, que inclui os<br />
poemas desta página. Atualmente, Rizzo faz mestrado em Ciência Política na Universidade<br />
de São Paulo, mas sem se afastar da literatura: pesquisa os escritos políticos de José Alencar<br />
e é editor da revista literária “Jandira” (Funalfa Edições).<br />
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O <strong>Instituto</strong> <strong>Votorantim</strong><br />
apóia essa causa.<br />
E quer ver muitos jovens<br />
fazendo sucesso na capa.