Arte e Cultura - Instituto Votorantim
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A escolha de L.F. não significou um<br />
rompimento com o rap e a “turma do<br />
piche”, mas, hoje, o ajuda a ter uma<br />
reflexão mais elaborada sobre esse<br />
tipo de manifestação. “Quem vê de<br />
fora acha que é vandalismo. Nada a<br />
ver. A gente está mostrando o que<br />
sente, mas não estão entendendo.<br />
Estamos dizendo: ‘olhem, estamos<br />
aqui!’”, conta, acrescentando que, antes<br />
de tocar na orquestra, pichava<br />
porque não era notado. “Agora, toco<br />
violino e sou notado, me aplaudem.”<br />
Mensagem para poucos<br />
Para o antropólogo Alexandre Barbosa<br />
Pereira, autor da tese “De Rolê<br />
pela Cidade – os Pichadores de São<br />
Paulo”, a lógica do pichador é ser reconhecido<br />
e ganhar notoriedade dentro<br />
do grupo. “A mensagem, em geral,<br />
não é para a população, é para eles<br />
mesmos.” Dentro dessa lógica, quanto<br />
mais arriscado for o local ou a situação<br />
da pichação, mais status o autor<br />
ganha dentro dos grupos. É uma forma<br />
de ser conhecido e valorizado por<br />
turmas que circulam por todas as partes<br />
da cidade, algo difícil de acontecer<br />
se não for por meio da intervenção<br />
gráfica no espaço público ou na<br />
propriedade privada. “Alguns, em certos<br />
momentos, até admitem que é<br />
vandalismo. Outros defendem como<br />
uma forma de expressão. E há os que<br />
consideram como um protesto político.<br />
Em geral, o pessoal mais politizado<br />
é o ligado aos movimentos do hip<br />
hop”, diz Pereira.<br />
O psiquiatra Auro Danny Lescher<br />
encontrou no hip hop o sangue bom<br />
que faz bater forte o coração do Projeto<br />
Quixote. Ligado ao departamento<br />
de psiquiatria da Unifesp (Universi-<br />
dade Federal de São Paulo), o Quixote busca criar alternativas<br />
para crianças e jovens em situação de risco<br />
social. “Mas é preciso oferecer uma alternativa de sociabilidade<br />
suficientemente criativa e interessante. Não<br />
dá para ficar apenas fazendo vaso com palito de fósforo.<br />
Tem de ser hip hop na veia”, receita Lescher.<br />
Movimento iniciado nos Estados Unidos na década<br />
de 60 e que se disseminou pelos centros urbanos brasileiros<br />
no início dos anos 80, o hip hop inclui manifestações<br />
artísticas como música (rap), dança (breake) e<br />
também o grafite, que se torna recurso contra a exclusão.<br />
“A opção entre uma arma e uma latinha de tinta<br />
é questão de oportunidade”, acredita Lescher.<br />
O Quixote amplia essas oportunidades criando, por<br />
exemplo, eventos que unem manifestação de cidadania<br />
com grafite. Como uma grande grafitagem realizada<br />
no Carandiru. A pintura do ex-complexo presidiário<br />
foi feita simultaneamente pelos jovens reunidos<br />
pelo Quixote, do lado de fora, e os internos do presídio,<br />
de dentro. “É a arte comunicando dois mundos”,<br />
analisa Lescher. Também canaliza possibilidades oferecendo<br />
formação e oportunidade de geração de renda<br />
por meio do Quixote Spray <strong>Arte</strong>. Ali, jovens desenvolvem<br />
técnicas de grafite e podem ganhar dinheiro<br />
com sua arte, oferecendo produtos como oficinas de<br />
grafite, pinturas decorativas ou de divulgação em fachadas<br />
e camisetas grafitadas. A formação possibilita<br />
que muito pichador se descubra como artista. “Todo<br />
pichador quer ser grafiteiro um dia; e quase todo<br />
grafiteiro já foi um pichador”, diz Lescher.<br />
Rampas de acesso<br />
Wagner, dos Pigmeus, ou “Wag...”, seu nome de guerra<br />
e de muros, faz intervenções urbanas há pelo menos<br />
dez anos: “Picho desde os 15”, conta, com o orgulho de<br />
quem se autodenomina “escritor de rua”. Ele acredita<br />
que se todos os pichadores pudessem fazer algum tipo<br />
de curso, pelo menos 50% mostrariam “que são artistas<br />
mesmo. Todo pichador vira grafiteiro no final”.<br />
Wagner, que já foi motoboy e hoje está desempregado,<br />
vive no limite entre a arte e a ilegalidade. Já escapou<br />
por pouco de levar tiros quando pichava casas<br />
alheias e já foi entrevistado por jornalistas dinamarqueses,<br />
encantados com o desenho sofisticado das<br />
É PRECISO CRIAR<br />
RAMPAS DE<br />
ACESSO PARA<br />
QUEM ESTÁ<br />
EXCLUÍDO PODER<br />
ENTRAR PELA<br />
PORTA DA ARTE E<br />
DA CULTURA.<br />
QUEM VIVE EM<br />
SITUAÇÃO DE<br />
RISCO SOCIAL<br />
TAMBÉM TEM<br />
NECESSIDADES<br />
ESPECIAIS<br />
letras que picha. Ele organiza eventos<br />
para transformar vielas deterioradas<br />
do bairro periférico de Capão<br />
Redondo, onde mora, em “museus a<br />
céu aberto”. Os Pigmeus – “a galera”<br />
de pichadores de Wagner – organizam<br />
esses eventos por conta própria,<br />
chamando pichadores de várias regiões<br />
e buscando patrocínio na comunidade.<br />
O plano de Wagner é transformar<br />
os Pigmeus em uma ONG para<br />
formar e apoiar artistas de rua.<br />
O que o ex-motoboy quer, na definição<br />
mais elaborada do psiquiatra Auro<br />
Lescher, é criar rampas de acesso para<br />
quem está excluído poder entrar pela<br />
porta da arte e da cultura. “Assim como<br />
é necessário construir rampas de