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Arte e Cultura - Instituto Votorantim

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caminho das pedras<br />

PERTO DE SE TORNAR AUTO-SUSTENTÁVEL, O GRUPO CULTURAL AFRO<br />

REGGAE ENSINA QUE COERÊNCIA É FUNDAMENTAL PARA TIRAR JOVENS DO<br />

TRÁFICO CARIOCA<br />

Dia desses, um e-mail aterrissou na caixa-postal sempre congestionada de<br />

José Junior, o coordenador-executivo do Grupo <strong>Cultura</strong>l Afro Reggae, no Rio<br />

de Janeiro. No título, uma solitária palavra: Resgate. O texto: “A sogra dele<br />

está superfeliz que o mesmo saiu do tráfico e veio nos pedir que fizéssemos<br />

o currículo dele, pois a filha dela e o filho também fizeram currículo no Afro<br />

Reggae e tiveram a sorte de arrumar emprego muito rápido. Ela falou que ele<br />

tem diploma de ascensorista”, escreveu Vitor Onofre, coordenador do Núcleo<br />

de Vigário Geral e, assim como Junior, um dirigente, ou “puro-sangue”, no<br />

dialeto da organização. Ele previa nova deserção no exército do tráfico de<br />

drogas carioca – que se consumou logo no dia seguinte.<br />

Menos um traficante, mais uma vitória – mera rotina, no surpreendente trabalho<br />

que o Afro Reggae desenvolve, a partir da disseminação da cultura afro,<br />

em comunidades populares do Rio de Janeiro há 12 anos. A salvação de jovens<br />

decididos a viver (e morrer) na guerra das favelas materializa-se, sobretudo, na<br />

formação cultural e artística que pavimenta a construção de cidadania.<br />

As vagas nas oficinas são disputadas pelos moradores de Vigário Geral, Parada<br />

de Lucas (favelas cujos traficantes sustentam uma guerra há<br />

inacreditáveis 22 anos), e Cantagalo, áreas onde o Afro Reggae mantém núcleos.<br />

Hoje, são ao todo 60 projetos culturais, outras três unidades em sistema<br />

de parceria, nove bandas, uma trupe de teatro e duas de circo, na ONG<br />

que conta com 176 funcionários (incluindo bolsistas e estagiários) e está bem<br />

perto de se tornar auto-sustentável.<br />

O alicerce de tamanho sucesso chama-se coerência. O Afro Reggae tem como<br />

fundamento inegociável não aceitar patrocínios da indústria do tabaco e de fábricas<br />

de bebidas. Sem álcool, cigarros nem drogas. “E os puros-sangues também<br />

não fumam nem bebem, muito menos usam drogas”, diz o coordenador.<br />

Nascido na dor<br />

A luta contra a violência é a gênese do Afro Reggae.<br />

Em janeiro de 1993, Junior era um produtor iniciante de<br />

bailes funk, quando o ritmo foi banido da cidade, por causa<br />

do arrastão na Praia do Arpoador (como se chamou o<br />

conflito entre gangues de Vigário Geral e Parada de Lucas,<br />

que se enfrentaram na areia famosa do canto de<br />

Ipanema). Ele trocou de ritmo e começou a promover<br />

festas de reggae – “a contragosto”, como lembra.<br />

Um par de bailes bem-sucedidos depois, Junior enxergou<br />

no gênero a possibilidade de promover a cultura<br />

afro, seu projeto de vida. Criou, com três amigos, o<br />

jornal “Afro Reggae Notícias”, para difundir essas e outras<br />

manifestações. Em agosto daquele ano, o Rio foi<br />

sacudido pela chacina de Vigário Geral, na qual 21 moradores<br />

da favela foram assassinados por um bando<br />

de policiais militares. “Senti que tínhamos de fazer algo<br />

por lá”, relembra Júnior, carioca, 37 anos. Um mês depois<br />

do massacre, eles entraram na favela, para “fazer<br />

alguma coisa, de um jeito meio kamikaze”, como descreve<br />

o “arrastão do bem”, do bloco afro Tafaraogi, que<br />

tomou as ruas da comunidade.<br />

O passo seguinte foi instalar no morro o Núcleo Comunitário<br />

de <strong>Cultura</strong>, com as primeiras oficinas: dança, percussão,<br />

reciclagem de lixo, futebol e capoeira. Os 12 instrumentos<br />

levados pelo grupo eram disputados a tapa por<br />

jovens que enxergavam horizonte onde a olho nu havia<br />

apenas diversão. “Ninguém pensava em ser artista, mas<br />

RESGATE<br />

PELO REGGAE

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