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Arte e Cultura - Instituto Votorantim

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A cena contemporânea<br />

Com o passar do tempo, no entanto,<br />

a arte moderna sofreu um desgaste.<br />

Por um lado, ela tornou-se tão experimental<br />

que acabou por afastar-se<br />

do público, que passou a achar suas<br />

manifestações cada vez mais estranhas<br />

e de difícil compreensão. Isso<br />

aconteceu particularmente a partir<br />

dos anos 60 e 70, em Nova York, para<br />

onde se transferiu a vanguarda artística<br />

dos centros europeus depois da<br />

Segunda Guerra, e onde várias noções<br />

modernas foram radicalizadas.<br />

No movimento minimalista, criado<br />

ali, o lema era “Menos é Mais”; a arte<br />

não deveria ter autoria, nem passado<br />

ou futuro, apenas a ação do momento<br />

presente. “O que se vê é o que<br />

se tem”, diziam os minimalistas. “Não<br />

há nada por trás das formas.”<br />

Em meio a isso, as pessoas sentiam<br />

falta de histórias e da possibilidade de<br />

serem arrebatadas de emoção pelas<br />

obras de arte. Por outro lado, a noção<br />

do novo, fundamental para a vanguarda,<br />

também se tornou algo improvável,<br />

sobretudo num mundo repleto de<br />

informações e estímulos.<br />

Com a mudança global que se delineia<br />

a partir dos anos 80, torna-se mais<br />

gritante ainda a necessidade de uma<br />

modificação no conceito de arte. Mais<br />

do que isso: torna-se necessário que a<br />

arte se modifique para sobreviver. E é<br />

aí que sai de cena a arte moderna e<br />

sobe ao palco a contemporânea.<br />

Para começar, a organização prévia do mundo entre<br />

capitalismo e socialismo entra em colapso com o fim do<br />

regime socialista soviético e a queda do muro de Berlim<br />

(1989). As novas realidades políticas provocam um fluxo<br />

geográfico internacional, fazendo com que os deslocamentos<br />

humanos instaurem uma nova noção de identidade<br />

e de nacionalidade.<br />

A virtualização produz uma profunda modificação na<br />

maneira como as pessoas se relacionam. A relação tempo<br />

e espaço, que antes obedecia a uma proporcionalidade,<br />

agora é instável.<br />

Se os estímulos de informação proliferam sem limites<br />

temporais ou espaciais, tornando-se muitas vezes excessivos,<br />

a memória torna-se um bem maior. Para o cientista<br />

russo e Prêmio Nobel, Ilya Prigogine, “o fim da humanidade<br />

seria uma sociedade que perdeu sua memória”.<br />

Prigogine aponta para uma valorização cada vez maior da<br />

memória como um bem ao qual muitas pessoas terão<br />

pouco acesso num futuro em que tudo é descartável.<br />

A importância dada à moda, às aparências e à “atitude”,<br />

aliada a uma tecnologia sofisticada de cirurgias,<br />

implantes, aparelhos de ginástica e substâncias químicas,<br />

além das possibilidades genéticas que se abrem<br />

com os seqüenciamentos cromossômicos, fazem do<br />

corpo um campo de experimentações futurísticas. A<br />

busca pela originalidade, que caracterizava a vanguarda<br />

modernista do século 20, é substituída pela atitude<br />

de busca de reconhecimento, de celebridade. Transfere-se<br />

o alvo das preocupações da produção para o produtor,<br />

da obra para o autor.<br />

Tanta coisa acontece rápida e simultaneamente que<br />

afeta nossa capacidade de lidar com a memória, a<br />

afetividade, o corpo, a identidade, enfim. Esses, então,<br />

passam a ser os grandes assuntos a serem tratados<br />

pelos artistas contemporâneos, espécies de radares de<br />

seu próprio momento histórico. A arte abstrata continua<br />

a existir, mas é na figuração, nas narrativas, nas<br />

imagens ligadas à própria história de vida do artista e<br />

às micropolíticas referentes ao mundo em que vive que<br />

está o grande foco da arte contemporânea.<br />

Se fosse convidada a reformular o ensino da arte no<br />

momento contemporâneo, eu substituiria o estudo dos<br />

movimentos que caracterizaram a era moderna por esses<br />

grandes temas que acompanham a produção e o pensamento<br />

dos artistas contemporâneos, permitindo que a<br />

arte continue a fazer sentido e a ecoar nossa essência.<br />

Trabalhando nos sintomas desse<br />

cenário, grandes nomes internacionais<br />

parecem confirmar essa tendência.<br />

Cindy Sherman fotografa-se assumindo<br />

identidades variadas. A francesa<br />

Louise Bourgeois, com mais de 80 anos<br />

de idade, é uma das mais radicais artistas<br />

da atualidade, construindo universos<br />

escultóricos que mesclam autobiografia<br />

e erotismo. O norte-americano<br />

Mathew Barney cria em seus filmes<br />

uma mitologia miscigenada, misturando<br />

tempos e espaços.<br />

No Brasil, Adriana Varejão pinta fachadas<br />

de azulejaria portuguesa sangrando<br />

como se em carne viva, criando um<br />

potente comentário sobre a história<br />

colonial e seus rastros de sofrimento.<br />

Ernesto Neto constrói com náilon, espuma<br />

e enchimentos, verdadeiras metáforas<br />

de nossos órgãos e peles.<br />

Em meio a múltiplas possibilidades de<br />

usos de materiais, espaços e tempos, a<br />

arte contemporânea não separa a rua<br />

e o museu. O coreógrafo Ivaldo Bertazzo<br />

mescla tradições étnicas milenares com<br />

o gestual urbano de crianças e jovens<br />

de favelas brasileiras. O músico Naná<br />

Vasconcelos utiliza com precisão sons<br />

do corpo e voz de milhares de pessoas<br />

e afirma que Vila-Lobos é um “genuíno<br />

músico popular, já que consegue fazer<br />

ecoar os sons do povo, ainda que de forma<br />

sinfônica”.<br />

Felizmente, a arte contemporânea<br />

tem a liberdade de apontar suas heranças<br />

e sua história sem precisar ir ao grau<br />

zero da originalidade e está cada vez<br />

mais infiltrada nas peles da vida. Assim<br />

ela permanece pulsando.<br />

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