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Povoamento e despovoamento - Fundação Museu do Homem ...

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<strong>Povoamento</strong> e <strong>despovoamento</strong>: dapré-história à sociedadeescravista colonial.Claudete Maria Miranda DiasFUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 417


ResumoA análise da formação da sociedade americana, passa atualmente pelo significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> povoamento e<strong>despovoamento</strong> <strong>do</strong> território piauiense e, questiona o pensamento <strong>do</strong>minante na historiografia queenfatiza a formação <strong>do</strong>s "primeiros núcleos de povoamento" e "conquista <strong>do</strong> território", sem levar emconta a perspectiva <strong>do</strong>s povos pré-históricos e das populações nativas que habitavam toda a região eforam extintas pela guerra da colonização. Há o deslocamento <strong>do</strong> eixo de análise pre<strong>do</strong>minante, poisé importante ter-se em vista três tipos de povoamento: o pré-histórico, o nativo e o colonial, só assimtem-se a compreensão exata de como se deu a organização social americana. O povoamento colonialdas Américas que representou também o <strong>despovoamento</strong> da população nativa desenrolou-se soba égide da destruição de um povo com possíveis origens pré-históricas cujos vestígios arqueológicosestão na Serra da Capivara, em São Raimun<strong>do</strong> Nonato, Piauí, Brasil. No lugar delas formou-se umaoutra: exógena, livre e escrava constituída pela mistura <strong>do</strong> nativo, <strong>do</strong> negro e <strong>do</strong> branco coloniza<strong>do</strong>r. Aorganização nativa é substituída pela sociedade colonial escravista.AbstratThe analysis of the formation of the American society, currently passes for the meaning of the povoamentoand <strong>despovoamento</strong> of the state In Piauí territory and, questions the <strong>do</strong>minant thought inthe history that emphasizes the formation of the "first nuclei of povoamento" and "conquest of theterritory", without taking in account the perspective of the prehistoric peoples and the nativepopulations that they inhabited all the e region had been extinct for the war of the settling. It has thedisplacement of the axle of pre<strong>do</strong>minant analysis, therefore it is important to have in sight three types ofpovoamento: the prehistoric one, the native and the colonial, thus only has it accurate understanding ofas if it gave the American social organization. The colonial povoamento of Americas that also representedthe <strong>despovoamento</strong> of the native population was uncurled under égide of the destruction of a peoplewith possible prehistoric origins whose archaeological vestiges are in the Mountain range of the Capivara,in Are Raymond Nonato, Piauí, Brazil. In the place of them one another one was formed: exógena,exempts and slave consisting of the mixture of the native, the black and the coloniza<strong>do</strong>r white. Thenative organization is substituted by of the slaves colonial society.FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 418


IntroduçãoA análise <strong>do</strong> processo histórico de formação ou estruturação da sociedade americana passa atualmentepelo questionan<strong>do</strong> <strong>do</strong> pensamento <strong>do</strong>minante na historiografia - que enfatiza a formação <strong>do</strong>s “primeirosnúcleos de povoamento”, a “conquista <strong>do</strong> território” e a idéia de “descobrimento e colonização”, difundi<strong>do</strong>pelos primeiros pesquisa<strong>do</strong>res para valorizar a história <strong>do</strong>s “conquista<strong>do</strong>res” e coloniza<strong>do</strong>res europeusque invadiram essas terras no início de 1500.Para se compreender melhor a questão <strong>do</strong> povoamento das Américas deslocamos o eixo de análisecomum na historiografia para traçar aqui uma explicação ten<strong>do</strong> como base a perspectiva <strong>do</strong>povoamento pré-histórico e o nativo, ou indígena. Na verdade, ao mesmo tempo em que ocorre opovoamento pelo coloniza<strong>do</strong>r, provoca-se o <strong>despovoamento</strong>, pela guerra da colonização, <strong>do</strong>s povosnativos que possivelmente habitavam a região desde os tempos pré-históricos cuja dataçãoestabelece sua origem em mais de 70 mil anos.Para isto tem-se em vista nessa análise <strong>do</strong> povoamento das Américas, a possível relação entre ospovos pré-históricos, habitantes da Serra da Capivara, em São Raimun<strong>do</strong> Nonato, Piauí, e aspopulações nativas extintas durante a colonização e que habitavam praticamente toda essa região aexemplo <strong>do</strong> que era o povoamento em to<strong>do</strong> o território americano 1 .Para entender melhor essa questão foca-se nesta pesquisa a realidade <strong>do</strong>s povos que habitavam os“ sertões de dentro”, mas especificamente nas terras onde é hoje a zona caatinga da região sudeste<strong>do</strong> Piauí que provavelmente permaneceram na região até serem extintos em <strong>do</strong>is séculos de guerrada colonização em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVIII a começo <strong>do</strong> XIX, comandada por desbrava<strong>do</strong>res <strong>do</strong>sertão “prea<strong>do</strong>res de índios”. Então é de supor que na época que os coloniza<strong>do</strong>res invadiram as terras<strong>do</strong>s nativos, eles já existiam há milhares de anos, desde a pré-história. De caça<strong>do</strong>r-coletores, passarampara ceramistas-agricultores, como eram os nativos da época da colonização. As populações nativasviveram comunitariamente em harmonia com a natureza até a chegada <strong>do</strong>s coloniza<strong>do</strong>res quan<strong>do</strong> sedelineia a sociedade escravista colonial com a formação das famílias de fazendeiros de ga<strong>do</strong>, além<strong>do</strong>s os vaqueiros, lavra<strong>do</strong>res, escravos, artesãos e comerciantes.<strong>Povoamento</strong> mais antigo das AméricasO sertão-sudeste <strong>do</strong> Piauí é a região de povoamento mais antigo das Américas, comprovadamentepovoada por povos pré-históricos caça<strong>do</strong>r-coletores e ceramistas-agricultores, entre 70.000 a2.000 anos a.C. de acor<strong>do</strong> com as pesquisas arqueológicas da Fundação <strong>Museu</strong> <strong>do</strong> <strong>Homem</strong>Americano 2 (FUMDHAM).A arte rupestre, restos de carvão de fogueira, utensílios líticos, artefatos de pedra e esqueletos humanos,analisa<strong>do</strong>s pelo Carbono 14, estabelecem as diferentes datações. Essa população ocupou a regiãode São Raimun<strong>do</strong> Nonato e possivelmente, não apenas a Serra da Capivara, mas as Serras dasConfusões, Serra Branca e Serra Talhada. Deixaram numerosos vestígios, encontra<strong>do</strong>s no ParqueNacional da Serra da Capivara, quan<strong>do</strong> então forma-se um espaço onde os vestígios desaparecem.O elo de vestígios mais recentes dá-se com a colonização das terras onde é hoje o Piauí (mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong>século XVII a começo <strong>do</strong> XIX), quan<strong>do</strong> a região era densamente habitada por uma população nativa.FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 419


Em <strong>do</strong>is séculos de colonização, os nativos são extintos por uma verdadeira guerra, continua e violenta,comandada por desbrava<strong>do</strong>res <strong>do</strong> sertão nordestino, paulistas e baianos, “prea<strong>do</strong>res de índios” 3. Asterras foram ocupadas para a implantação de uma economia baseada na criação de ga<strong>do</strong>.Faltam ainda pesquisas e estu<strong>do</strong>s, para estabelecer com mais precisão as possíveis relações entreesses ceramista-agricultores da tradição Agreste e as populações nativas (índios) dizimadas peloscolonos brancos com a guerra da colinação entre mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVII e <strong>do</strong> XIX. O caminho parapreencher essa lacuna, é a arqueologia histórica, em estágio inicial por pesquisa<strong>do</strong>res da Fundham eda UFPI. A história da colonização dessa região ainda é bastante incipiente, tanto em termos dehistoriografia quanto em testemunhos, mal conserva<strong>do</strong>s ou mesmo destruí<strong>do</strong>s enquanto ao contrárioas pesquisas arqueológicas fornecem mais da<strong>do</strong>s e informações <strong>do</strong> que a história que estáintimamente relacionada à arqueologia. As referencias ou vestígios encontraram-se em numerosos“sítios” na “área arqueológica” da “Serra da Capivara,” como a arte rupestre pintada nos roche<strong>do</strong>s,com diferentes estilos, rica e variada, datada em 15 mil anos; restos de fogueira de 48 a 50 mil anos,carvão e fósseis humanos de 9 mil anos, grande quantidade de restos de objetos de cerâmica de 3 milanos, uma infinidade de artefatos de pedra 4 , utensílios líticos pertencentes a grupos caça<strong>do</strong>res coletores,agricultores e ceramistas, em épocas de fauna e flora abundantes 5 . Analisa<strong>do</strong>s pelo Carbono 14 daAlemanha e <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da América, comprovam a existência de uma população pré-históricaem terras piauienses. Essa população, se não é a mais antiga das Américas, é uma das mais antigas.São testemunhos de vários povos ou grupos humanos que ocuparam a região de São Raimun<strong>do</strong> Nonato,com uma densidade populacional maior que a atual, graças aos recursos hídricos e ao clima favoráveis,diferentes <strong>do</strong>s atuais incluí<strong>do</strong>s no “polígono da seca”: só floresce com as chuvas ou com muita água.As escavações e sondagens de uma equipe interdisciplinar, há mais de trinta na zona arqueológicada serra da capivara comprovam a existência de vestígios espalham-se em mais de 800 sítios(cataloga<strong>do</strong>s pela equipe da Fumdham) cujas datações se estendem desde as mais antigas comde 46.000 anos a.C.até aos povos da tradição agreste de idade mais recente 3 a 2000 anos a.C.Estes ocuparam toda a região. Os povos iam sobrepon<strong>do</strong>-se em termos culturais, artes e tradiçãoe no lugar <strong>do</strong>s ceramistas da tradição nordeste surgem os agricultores que continuaram até oséculo XVIII de nossa era, quan<strong>do</strong> então começou a guerra de extinção, com a colonização dasterras <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio Parnaíba (Punaré).A arqueóloga Niède Gui<strong>do</strong>n propõe “como hipótese de trabalho que diversos grupos humanos chegaramà América, por diferentes vias de acesso, tanto marítima como terrestres”. Existiriam diferentes “origense rotas de penetração <strong>do</strong> homem” e chegaram até o continente pela costa <strong>do</strong> nordeste brasileiro, hápelo menos 70 mil anos atrás. “ 6 . As controvérsias da comunidade científica em torno da questãoestabelecem a possibilidade de outras “fontes populacionais” ou “rotas alternativas” e impedem quehaja um consenso em torno <strong>do</strong> povoamento das Américas 7 .A tradicional datação norte-americana sobre o início <strong>do</strong> povoamento das Américas, diz que uma correntemigratória por terra sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> nordeste da Ásia, atravessou o estreito de Bering durante uma glaciação,entre 35 mil a 12 mil anos atrás, espalhan<strong>do</strong>-se pelo continente americano. Outros estu<strong>do</strong>s dizem queos primeiros grupos, possivelmente teriam atravessa<strong>do</strong> o oceano em pequenas embarcações, utilizan<strong>do</strong>os meios próprios para “cruzar os oceanos antes que os “descobri<strong>do</strong>res” tivessem <strong>do</strong>mestica<strong>do</strong> osmares’ 8 . Outros: teriam chega<strong>do</strong> trazi<strong>do</strong>s por correntes marítimas, ou elas seriam autóctones. O Piauífoi uma das últimas regiões brasileiras a ser colonizada, uma das primeiras a acabar com sua populaçãonativa e atualmente é considerada a região de povoamento mais antigo das Américas.FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 420


<strong>Povoamento</strong> nativo e povoamento colonialO significa<strong>do</strong> <strong>do</strong> povoamento é uma questão importante que surge para se compreender melhor asociedade piauiense <strong>do</strong> século XVIII para o XIX: a “conquista <strong>do</strong> território” foi uma verdadeira guerrade extermínio provocan<strong>do</strong> o <strong>despovoamento</strong> <strong>do</strong>s nativos, os habitantes <strong>do</strong>s sertões quan<strong>do</strong> chegou oprea<strong>do</strong>r, o coloniza<strong>do</strong>r, o cria<strong>do</strong>r que se arma “até os dentes” contra os nativos que na visão daqueles,“perturbavam tranqüilidade <strong>do</strong>s colonos”. Ora, os nativos foram expropria<strong>do</strong>s, vilipendia<strong>do</strong>s,escraviza<strong>do</strong>s, aldea<strong>do</strong>s para que surgisse uma outra sociedade e entram para a história como selvagensque faziam arruaças, ameaças, correrias, violências?Nesse senti<strong>do</strong>, tenciona-se aqui reforçar a discussão sobre o significa<strong>do</strong> de conceitos como “conquista”“descobrimento” ou “invasão”, para mostrar que o povoamento colonial gerou um <strong>despovoamento</strong> nativoe que, portanto, o processo de colonização desenrolou-se sob a égide da destruição de um povo.O chama<strong>do</strong> “povoamento <strong>do</strong> Piauí” pelo coloniza<strong>do</strong>r branco representou também o <strong>despovoamento</strong>de sua população nativa; com o final da guerra da colonização, o Piauí estava despovoa<strong>do</strong> de nativos.No lugar deles formou-se uma outra população, exógena, livre e escrava constituída por uma mistura<strong>do</strong> nativo, <strong>do</strong> negro e <strong>do</strong> branco coloniza<strong>do</strong>r, os elementos étnicos pre<strong>do</strong>minantes na sociedadebrasileira: a estratificação nativa é substituída pela colonial escravista 9 .A idéia de “conquista <strong>do</strong> território piauiense”, é intensamente usada pela historiografia reproduzin<strong>do</strong>que o coloniza<strong>do</strong>r europeu inculcou durante séculos, servin<strong>do</strong> como justificativa à mortandade praticadacontra os nativos, para se apoderarem de suas riquezas e torná-los escravos. A concepção de ocupaçãoe povoamento perpassa por toda a historiografia brasileira, da mais tradicional a mais moderna, bemcomo a idéia de descobrimento, aparecen<strong>do</strong> como acontecimentos naturais no universo de uma novaordem comandada por Portugal, um episódio da expansão ultramarina européia 10 .A conquista aqui é vista como invasão das terras. Como tem si<strong>do</strong> dito atualmente por estudiosos, aAmérica foi invadida e não descoberta. Esta mesma interpretação pode ser perfeitamente relacionadaao Piauí. Claro que para o europeu, que chegou aqui com o objetivo de se apossar de tu<strong>do</strong>, é um atode conquista, mas sob o ponto de vista <strong>do</strong>s nativos, foi uma invasão. A conquista foi sempre mostradacomo um direito <strong>do</strong> europeu por ter “descoberto” as novas terras. O termo “descobrir” é pleno de umsenti<strong>do</strong> de <strong>do</strong>minação que justificou a “conquista” por meio de um brutal sistema de colonização 11 .A historiografia piauiense incorporou e reproduz tradicionalmente a idéia de “conquista <strong>do</strong> território”descoberta, ocupação e povoamento para explicar a ocupação das terras <strong>do</strong>s nativos e em geralfocaliza a implantação das fazendas de ga<strong>do</strong>, o comércio, a organização <strong>do</strong> poder a partir dasfamílias latifundiárias, dan<strong>do</strong> pouco destaque à existência de uma população dizimada pela guerra,sem se dar conta de que esses conceitos valorizam unilateralmente a perspectiva <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r,apagan<strong>do</strong> e até mesmo menosprezan<strong>do</strong> a existência de uma outra população no cenário onde sedesenrolou a história da colonização.Essa visão foi introduzida pela <strong>do</strong>cumentação utilizada por uma geração de escritores-historia<strong>do</strong>resque apenas reproduziram-na quase que literalmente, de alguma forma seguin<strong>do</strong> a tradição dahistoriografia brasileira que também difunde a idéia unilateral de conquista <strong>do</strong> território pelocoloniza<strong>do</strong>r, quase como um direito por ser mais poderoso e rico, impon<strong>do</strong>-se sobre uma populaçãode selvagens indígenas 12 .FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 421


Essa <strong>do</strong>cumentação foi utilizada pelos primeiros pesquisa<strong>do</strong>res da história <strong>do</strong> Piauí aceita como amais pura realidade, sem a preocupação de uma leitura critica desses relatos, mapas ou memóriasdescritivas feitas por viajantes, e cronistas pessoas alheias ao meio ambiente, de uma região sertanejacomo o Piauí, como os autores de duas obras consideradas básicas: a de Pereira d´Alencastre, escritaem 1857 e Pereira da Costa, de 1909 vincula<strong>do</strong>res pioneiros da idéia de conquista e povoamento <strong>do</strong>Piauí. Serviram de “inspiração” para outros estu<strong>do</strong>s, de outros pesquisa<strong>do</strong>res. Vale ressaltar, que oantropólogo Luiz Mott trouxe à cena o que talvez seja o <strong>do</strong>cumento manuscrito com mais informaçõessobre o Piauí, encontra<strong>do</strong> no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, onde existe abundante<strong>do</strong>cumentação manuscrita sobre o Piauí, inédita e a espera de pesquisa<strong>do</strong>res piauienses 13 . O padrehistoria<strong>do</strong>rCláudio Melo, um <strong>do</strong>s poucos que teve a chance de fazê-lo realizou um levantamento sobreo perío<strong>do</strong> colonial, mas não teve tempo de publicá-lo, morreu antes em 1998. Há quem afirme, porexemplo, ser “a região de Jerumenha e Valença, no centro sul <strong>do</strong> Piauí a de povoamento colonial maisantiga, cuja conquista se deu na segunda metade <strong>do</strong> século XVIII, por meio da política de interiorizaçãoda colonização implementada pela Coroa Portuguesa no senti<strong>do</strong> de impulsionar a expansão <strong>do</strong>povoamento e exploração econômica <strong>do</strong> sertão nordestino impon<strong>do</strong> a conquista e ocupação <strong>do</strong> interior,no apresamento de nativos e conquista de novas terras para instalação <strong>do</strong>s currais de bovinos, realizadapelos conquista<strong>do</strong>res, misto de apresa<strong>do</strong>res de índios e cria<strong>do</strong>res de ga<strong>do</strong>: “... nem to<strong>do</strong>s osconquista<strong>do</strong>res proprietários de currais chegaram a ser fazendeiros”, mas mesmo depois da conquista<strong>do</strong> território continuaram existin<strong>do</strong> curraleiros no Piauí, que chegaram em uma primeira fase dacolonização cujo povoamento se efetivou em um segun<strong>do</strong> momento cauteriza<strong>do</strong> pela “conquista daterra aos índios e inserção da região no contexto colonial brasileiro” 14 .Ou seja, o Piauí para o <strong>do</strong>minante pensamento historiográfico, foi conquista<strong>do</strong> e povoa<strong>do</strong> peloscoloniza<strong>do</strong>res. O povoamento se dá com a colonização. Considera-se povoamento apenas o que sedeu com a colonização, o anterior, primitivo, não é considera<strong>do</strong> povoamento, é o que então? O que seentende é que o Piauí é uma construção <strong>do</strong> regime colonial português no Brasil. Não existe Piauí antes<strong>do</strong> povoamento colonial. Ele é fruto de uma ocupação territorial efetivada através da expulsão,apresamento e a dizimação da população nativa que ocupava o território que viria a ser o Piauí.Essa visão reforça a concepção de que “a verdadeira ocupação <strong>do</strong> solo piauiense” realizou-secom as fazendas de ga<strong>do</strong> <strong>do</strong>s fazendeiros baianos, seus descobri<strong>do</strong>res e povoa<strong>do</strong>res pioneiros,no final <strong>do</strong> século XVII e primeira metade <strong>do</strong> XIX, perío<strong>do</strong> em que se efetivou “a conquista” <strong>do</strong>território piauiense. De acor<strong>do</strong> esta visão, a “verdadeira ocupação” <strong>do</strong>s sertões piauienses sedeu com a instalação <strong>do</strong>s currais pelos fazendeiros baianos e paulistas “os primeiros povoa<strong>do</strong>res”em terras <strong>do</strong>adas em sesmarias após a expulsão “<strong>do</strong>s índios que infestavam” essas terras,reforçan<strong>do</strong> a idéia <strong>do</strong> povoamento colonial como pioneiro, sem considerar os habitantes nativos.Ou seja, “o início <strong>do</strong> povoamento <strong>do</strong> Piauí” deu-se com a ocupação das terras pelo coloniza<strong>do</strong>r enão com o povoamento <strong>do</strong>s nativos: “devemos a ocupação <strong>do</strong> Piauí” aos primeiros povoa<strong>do</strong>res, osertanista e os sesmeiros que penetraram o território com seus rebanhos e <strong>do</strong>minaram o indígena 15 ,inclusive estabelece o ano de 1674 como o marco inicial da “conquista e descobrimento” atribuídaa Domingos Afonso Sertão e enfatiza que “qualquer estu<strong>do</strong> sobre a história <strong>do</strong> Piauí deve iniciarseobrigatoriamente a partir <strong>do</strong>s currais de criatório” 16 , considerada a primeira forma de ocupação<strong>do</strong> solo. Nesse debate historiográfico aberto sobre o início da penetração <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r, existeoutro marco, o ano de 1671, data em que o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho chegou aesses sertões, estabelecen<strong>do</strong>-se então uma discussão sobre a prioridade <strong>do</strong> “descobrimento” <strong>do</strong>Piauí, sem levar em conta a existência das populações nativas que habitavam a região.FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 422


Populações nativasSegun<strong>do</strong> o historia<strong>do</strong>r piauiense, Odilon Nunes, nos primeiros tempos da colonização os “índiosfervilhavam como formigas nos vales <strong>do</strong>s rios <strong>do</strong> Piauí”. No final <strong>do</strong> século XVIII e começo <strong>do</strong> XIX,praticamente não existiam mais 17 .As populações nativas que habitavam o Piauí nessa época, faziam parte <strong>do</strong> grupo <strong>do</strong>s Tapuia etambém Tupi, que ocupavam indiscriminadamente o litoral e os sertões 18 . Até a chegada <strong>do</strong>coloniza<strong>do</strong>r viviam em comunidades, em harmonia com a natureza. As guerras e os rituaisantropofágicos eram recursos utiliza<strong>do</strong>s em casos extremos.Em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVI, começam as penetrações <strong>do</strong> homem branco no Piauí, pelo litoral. Outravertente de penetração deu-se pela Serra da Ibiapaba, onde surgin<strong>do</strong> as primeiras fazendas de ga<strong>do</strong>.Porém a mais importante penetração dá-se em torno <strong>do</strong>s anos de 1660-70, quan<strong>do</strong> a região torna-se“alvo de intensa penetração”, principalmente por baianos e paulistas.Nessa época, a região, ainda não existia juridicamente como capitania ou província <strong>do</strong> Piauí.Durante os 200 anos de duração da colonização, era considerada pelo coloniza<strong>do</strong>r como terra deninguém, mesmo sen<strong>do</strong> povoada intensamente de nativos. Juridicamente, pertenceu a princípio aPernambuco, depois ao Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Grão Pará, cria<strong>do</strong> em 1621, depois transforma<strong>do</strong> em Esta<strong>do</strong>Maranhão, em 1751. Em 1758, é criada por Carta Régia <strong>do</strong> rei de Portugal, a Capitania de SãoJosé <strong>do</strong> Piauí, como um aceno para apaziguar a guerra contínua com as populações nativas e osconflitos de terra entre sesmeiros e posseiros.É dificultoso quantificar bem como é quase impossível localizar geograficamente com precisãorigorosa, a população nativa nas terras piauienses 19 , nessa época. Os poucos da<strong>do</strong>s e estatísticasexistentes são precárias, contraditórios, confusos e imprecisos, devi<strong>do</strong> ao caráter nômade e daemigração constante em busca de terras férteis e alimentos, como também pela guerra contínua,que os obrigava a se locomoverem de um lugar para outro. Tem-se apenas uma idéia aproximada,das tribos e nações sediadas no baixo, médio e delta <strong>do</strong> rio Parnaíba, nas cabeceiras e vales <strong>do</strong>rio Gurguéia, na serra da Ibiapaba, nas cabeceiras <strong>do</strong> rio Piauí, na foz e cabeceiras <strong>do</strong> rio Poty,nos limites com Pernambuco e na região central <strong>do</strong> Piauí. A nomenclatura, localização equantificação variam entre os autores piauienses. 20Havia no Piauí, quatro etnias - JÊ, CARAIBA, CARIRI, E TUPI entre diversas e numerosas tribos ounações como os Tremembés, Jenipapos, Anapurus, Cupinharós, Amanajás, Precatis, Aramis, Alongás,Aroás, Amoipiras, Guegês, Jaicós, Pimenteiras, Gilbués, Tapecuás, Timbiras 21 . Essa populaçãodesenvolvia uma agricultura rudimentar, plantava mandioca, milho e batata <strong>do</strong>ce para se alimentar,além da caça e da pesca, viviam nus e tinham cabelos cumpri<strong>do</strong>s. Os guerreiros pintavam os corposcom tinta de jenipapo e urucu, enfeitavam-se com penas de arara, tucano e outras plumagens coloridas,como a maioria das populações nativas brasileiras e americanas, nas épocas de festas e guerrasquan<strong>do</strong> usavam arco, flecha, lanças e chaporras 22 .Apesar da guerra de extermínio, as tradições, usose costumes e cultura, como crendices, festas, <strong>do</strong>rmir em redes, comer beiju de mandioca, tomar banhode rios, caçar e pescar, permanecem em alguns hábitos alimentares, familiares e uma nomenclaturade cidades, além <strong>do</strong> traço mestiço, resulta<strong>do</strong> da mistura entre o nativo e o nativas, a base da etniapiauiense. Para suprir a falta de mulheres, o coloniza<strong>do</strong>r mantinha vivas as mulheres nativas “de pelemacia e rosto gracioso”, para servirem de concubinas e com quem gerou numerosos filhos 23 .FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 423


As populações nativas permaneceram em segurança até a chegada <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r que traz em si ogerme da violência.No Piauí, durante o perío<strong>do</strong> de mea<strong>do</strong>s de 1660 até final <strong>do</strong> século XVIII, numerosos expedições foramorganizadas com a finalidade de expulsar os nativos de suas terras, aprisioná-los para torná-los escravosnas grandes fazendas de ga<strong>do</strong> e de lavoura, para combater outras aldeias, como guias em penetraçõesnas matas ou para expulsá-los das terras férteis e ricas em minérios e madeira. Eram para “fazerguerra ao gentio bárbaro” com o apoio das autoridades portuguesas, como as lideradas DomingosJorge Velho, pelo Ten.Cel. João <strong>do</strong> Rêgo Castelo Branco.” 24 e José Dias da Silva, designa<strong>do</strong> para“conquistar” os pimenteiras <strong>do</strong>s vales <strong>do</strong>s rios Gurguéia e Piauí : são totalmente dizima<strong>do</strong>s sob ocoman<strong>do</strong> destes militares, por meio de uma guerra, entre 1776 a 1784.As expedições com 100, 200 até 400 homens, eram equipadas pela própria metrópole portuguesaque mandava distribuir entre os colonos, recursos, armas de fogo, munição como pólvora, cavalos,canoas e até grandes barcos para navegarem pelos rios. Como recompensas por terem “limpa<strong>do</strong> oterreno <strong>do</strong> gentio selvagem”, recebiam, grandes extensões de terras <strong>do</strong>adas em sesmarias, tanto pelogoverno português, como pelas autoridades <strong>do</strong> Ceará, Bahia, Pernambuco e Bahia, para a implantaçãode grandes fazendas de ga<strong>do</strong>. Um <strong>do</strong>s maiores sesmeiros piauienses, Domingos Jorge Velho, chegoua possuir uma área de 10 a 12 léguas de extensão, o equivalente a 24.000 km2 25 .Os fazendeiros baianos da poderosa Casa da Torre <strong>do</strong>s Dias D”Ávila, comandaram diversasexpedições armadas pelos sertões e caatingas, verdadeiros massacres, como o <strong>do</strong>s Gueguêsnos vales <strong>do</strong> rio Gurguéia em 1764. Após esses episódio, a Casa da Torre recebe comorecompensa, uma sesmaria de 24 léguas e outra de 30 léguas em 1681 26 .Após duzentos anos de guerra contínua, os nativos que habitavam as terras onde é hoje o Piauí,são praticamente extintos. Ao final <strong>do</strong> século XVIII e início <strong>do</strong> XIX, encontram-se ainda alguns“focos” de resistência em algumas vilas, mas o governo da época considera que a capitania <strong>do</strong>Piauí, estava “pacificada”, livre <strong>do</strong>s “selvagens gentios”.O extermínio <strong>do</strong>s nativos no Piauí tem uma cronologia elaborada pelo Prof. João Gabriel Baptista, queinicia no distante ano de 1537 e se prolonga até 1890, quan<strong>do</strong> ainda os se “índios pimenteiras encontramse“fazen<strong>do</strong> incursões no alto Piauí e Parnaguá” no início <strong>do</strong> século XIX 27 .O Piauí era um verdadeiro “corre<strong>do</strong>r de migrações” para os nativos <strong>do</strong> nordeste fustiga<strong>do</strong>s peloprea<strong>do</strong>res e pela penetração <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r em busca de terras e de braços para a escravizar. Ascaracterísticas físicas e geográficas variadas <strong>do</strong>s sertões piauiense, como as serras, caatingas, rios,várzeas abundantes, vales e as chapadas ofereciam excelentes pastos naturais, recursos hídricos,frutos silvestres, animais de caça em abundância, além de servirem de abrigo e refúgio para as tribosdas vertentes <strong>do</strong> rio São Francisco e litoral nordestino e da bacia amazônica ou inversamente 28 . Essascondições eram favoráveis à ganância <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r.Uma verdadeira caçada aos nativos é empreendida. “Sob o pretexto de que cometiam atos depilhagem e homicídios”, eram ataca<strong>do</strong>s com tanto furor pelos prea<strong>do</strong>res de “índios que nem mesmoas crianças eram poupavam 29 , mortas cruelmente.FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 424


Colonização e extermínio em São Raimun<strong>do</strong> NonatoCom a chegada <strong>do</strong>s brancos baianos, por volta <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> século XVIII, pelos rios São Francisco eParnaíba, inicia-se a colonização <strong>do</strong>s sertões de dentro. O objetivo aqui é fugir um pouco da abordagempre<strong>do</strong>minante e apontar o processo de colonização da região onde hoje se localiza o Parque NacionalSerra da Capivara (século XVIII e XIX), através da guerra de extermínio das populações nativas e a umprovável elo entre elas e as populações pré-históricas 30. .(70.000 a 2. 000 anos A.C.).Numerosas batalhas foram travadas com os nativos e no começo <strong>do</strong> XIX, praticamente não haviamais nativos na região. A colonização no Piauí começou mais tarde, entre a exploração da canade açúcar no Nordeste e a mineração nas Minas Gerais. Mas foi tão brutal que praticamenteapagaram-se os testemunhos da época. Os raros existentes são sucintos e superficiais, mas umapesquisa exaustiva e escrupulosa está em andamento, nos Arquivos Público <strong>do</strong> Piauí, nas paróquiasmais antigas, além da história oral.Entre as fontes encontradas, confirma-se que os povos nativos da região de São Raimun<strong>do</strong> Nonato,dizima<strong>do</strong>s pelo coloniza<strong>do</strong>r, eram os Pimenteira, cita<strong>do</strong>s com mais freqüência nas crônicas e nos<strong>do</strong>cumentos relativas ao sudeste <strong>do</strong> Piauí, entre os anos de 1697, 1761, 1776, 1784 e 1818. Refugian<strong>do</strong>se<strong>do</strong>s brancos coloniza<strong>do</strong>res da região de Cabrobó (Pernambuco) ocuparam uma vasta região entreos atuais esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Piauí e Pernambuco, no sudeste, perto <strong>do</strong> alto <strong>do</strong> rio Piauí, na fronteira com oMaranhão E Goiás. Considera<strong>do</strong>s como “índio selvagem”, ou “silvícolas da tribo <strong>do</strong>s tapuias” pela<strong>do</strong>cumentação, povoavam to<strong>do</strong> o vale ou a bacia, cabeceiras <strong>do</strong> rio Piauí, onde é hoje SRNonato.Viviam em plena liberdade, plantavam e cultivam legumes em terras férteis e caçavam para sobrevirem.Supõe-se que pertenciam ao tradicional grupo JÊ, por alguns costumes típicos e língua e restos decerâmica encontradas nas escavações na Serra da Capivara. São da<strong>do</strong>s ainda precários, à esperade outras escavações.Por volta da segunda metade <strong>do</strong> século XVIII, existia nessa região, mais de 50 fazendas de ga<strong>do</strong> <strong>do</strong>“desbrava<strong>do</strong>r” Domingos Afonso Mafrense. Com sua morte passaram aos jesuítas como herança. Norastro <strong>do</strong>s jesuítas, interessa<strong>do</strong>s em catequizar os “selvagens”, vieram os foragi<strong>do</strong>s, aventureiros,interessa<strong>do</strong>s em ocupar a terra, com roça<strong>do</strong>s típica fazenda familiar, tornan<strong>do</strong>-se posseiros.Alguns relatos referem-se à resignação <strong>do</strong>s nativos, que não lutaram e sim recorreram imigração,aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> a região para se fixarem na fazenda Onça. 30 km da cidade atual de SRNonato(616). Porém a ocupação das terras pelo coloniza<strong>do</strong>r branco , foi feitas com,” luta e resistênciapor parte <strong>do</strong>s nativos”, uma luta sangrenta, com assassinatos, raptos, roubos, depredações. Emalgumas regiões foram totalmente extintos no final <strong>do</strong> século XVIII. Em outras resistem à escravidãoaté as primeiras décadas <strong>do</strong> XIX.Em torno da década de 20 <strong>do</strong> século XIX, foi “declarada” uma guerra que durou 8 anos, quan<strong>do</strong> “suamajestade, o senhor D. João”, confiou a tarefa a José Dias Soares, capitão de infantaria <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>maior <strong>do</strong> exercito, com to<strong>do</strong> o material suficiente para expulsar e se apoderar das terras <strong>do</strong>s pimenteiras.A “conquista” e “pacificação” <strong>do</strong> território pelo famoso coronel Zé Dias, foi à base da guerra, dacatequese, <strong>do</strong>s aldeamentos, da escravidão e outros abusos. Os Pimenteira foram expulsos pelosjesuítas, sesmeiros e posseiros. Os que sobreviveram refugiaram-se “nos matos” das margens <strong>do</strong>Tocantins. Há quem acredite que foi o Cel. Zé Dias que evitou “derramamento de sangue”. O seuobjetivo era resgatar um sobrinho seu, José Dias, “Brabo”, rapta<strong>do</strong> pelos nativos há anos atrás.FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 425


As terras usurpadas <strong>do</strong>s nativos são distribuídas entre familiares, amigos e companheiros da guerra,transformam-se em várias fazendas de ga<strong>do</strong>, roça<strong>do</strong>s de lavoura. Os sesmeiros e posseiros, vão setornan<strong>do</strong> fazendeiros e lavra<strong>do</strong>res, impon<strong>do</strong>-se pela guerra, aos nativos pimenteira, possivelmente osceramistas-agricultores.A partir daí surgem outros povos, bem como uma nova sociedade, outra organização social, com aformação das famílias de sertanejos, cria<strong>do</strong>res de ga<strong>do</strong>, cavalos e caprinos. As famílias de sertanejosviviam nas fazendas , comen<strong>do</strong> o que plantava, vestin<strong>do</strong> o que teava com o algodão que produzia, erahospitaleira, respeitan<strong>do</strong> a Deus, as leis e apego à terra. A convivência familiar ao contrário de outrasregiões era marcada pelo contato amigável.Pre<strong>do</strong>minou a pecuária extensiva de 1780 a 1830, abastecen<strong>do</strong> a Bahia, Pernambuco, Ceará comboiadas, em caravanas e com quem mantinha comercio de produtos deriva<strong>do</strong>s <strong>do</strong> leite como a manteigade nata, o requeijão. Devi<strong>do</strong> às dificuldades de transporte, as secas constantes, e à pequena produçãoagrícola além <strong>do</strong> desconhecimento de méto<strong>do</strong>s de armazenagem, o desenvolvimento econômico daregião é lento. É uma sociedade rústica de fazendeiros, até 1890, quan<strong>do</strong> a maniçoba torna-se umproduto rentável economicamente. É uma época <strong>do</strong> progresso da maniçoba, in<strong>do</strong> até as primeirasdécadas <strong>do</strong> século XX, tornan<strong>do</strong> os antigos fazendeiros em comerciantes e de conflitos sociais comoa “guerrilha “em Caracol, provoca<strong>do</strong>s, entre o os colonos e os “ audaciosos aventureiros” baianos,cearenses e pernambucanos, atraí<strong>do</strong>s pela industria da maniçoba.Como a pecuária extensiva, a maniçoba era extrativa, e em pouco tempo “os maniçobais nativos dascaatingas, foram explora<strong>do</strong>s” à exaustão. Dois fenômenos de depredação <strong>do</strong> meio ambiente. Essesfenômenos de desmatamento soma<strong>do</strong>s às secas constantes, modificaram as características ambientaisda região da época pré-histórica de fauna e flora abundantes.Algumas considerações finaisA violência da guerra de extermínio <strong>do</strong>s nativos que habitavam as terras onde é hoje o Piauí ainda nãofoi desvendada totalmente, faltam estu<strong>do</strong>s e pesquisas. Falta, ou ainda estar por ser feita, sem dúvida,uma história essencialmente “indígena” 31 .Ao final de <strong>do</strong>is séculos de “guerra contínua” os nativos <strong>do</strong> Piauí, por mais guerreiros e valentes quefossem, mesmo os mais “ferozes” como os antropófagos, não resistiram. Quem era o selvagem? Osnativos que foram dizima<strong>do</strong>s ou os europeus “civiliza<strong>do</strong>s” que dizimaram tribos e nações inteiras?Poucos sabem da existência de uma população nativa em terras piauienses. A guerra foi tão violentaque praticamente apagou a memória dessa população, resgata<strong>do</strong> atualmente por alguns estudiosos.A problemática <strong>do</strong>s nativos piauienses não é tão diferente quanto às outras regiões <strong>do</strong> Brasil: suasterras foram expropriadas e o nativo escraviza<strong>do</strong>, expulso ou extinto.Em quase cinco séculos de resistência e luta, restam umas centenas de “índios” que passarampara a história como “seres efêmeros” ou “selvagens silvícolas”. Eles são parte não só <strong>do</strong> nossopassa<strong>do</strong> como <strong>do</strong> nosso presente e futuro. Será que no sexto centenário <strong>do</strong> “descobrimento daAmérica” haverá talvez algo a festejar?FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 426


Para uns, a dizimação <strong>do</strong>s povos nativos deveu-se ao encontro de sociedades diferentes: a européiae a americana, ou o Antigo e Novo Mun<strong>do</strong>. Mas vários aspectos contribuíram para a dizimação depopulações inteiras no continente americano, como as <strong>do</strong>enças (varíola, sarampo, coqueluche,tifo, catapora, difteria, gripe, peste bubônica e malária), a escravidão, os aldeamentos civis ereligiosos, a fome e as guerras. Juntos provocaram um verdadeiro morticínio, mortandade ou “um<strong>do</strong>s maiores cataclismos biológicos <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>” ou “catástrofe demográfica” 32 . Para uns, o continenteamericano perdeu mais de 2/3 de sua população, enquanto para outros a “de população” foi naordem de 95 a 96% 33 . Em geral os testemunhos <strong>do</strong>s cronistas tendem a elevar tanto as taxas dapopulação como o alcance <strong>do</strong> genocídio. Mas de qualquer maneira fica claro que o continentetinha uma densidade populacional considerável.Notas1Claudete Maria Miranda Dias. Mestra<strong>do</strong> em História <strong>do</strong> Brasil. Universidade Federal <strong>do</strong> Piauí. E-mail:clau@ufpi.br2PARENTI, Fábio. Les gisements quaternaires de la Toca <strong>do</strong> Boqueirão da Pedra Furada (Piauí-Brésil),dans le contexte de la pré-historire américaine. Fouilles, stratigraphie, chronologie, évolution culturelle.Thèse de <strong>do</strong>ctorat. École de Hautes Études en Science Sociales. Paris, 1993; GUIDON, Niède e outros.“le plus ancien peuplement de l’Amerique: le paleolithique du Nordest brésilien”. in, Bulletin de la SocietéPré-historique Française. T. 91; n. 4. paris, 1994(p. 246-250).3DIAS, Claudete Maria Miranda . A dizimação das populações nativas <strong>do</strong> Piauí. Anteprojeto de pesquisa.UFPI, Teresina, 1992.4PARENTI, Fábio. Op. Cit.5GUIDON, Niède. “As ocupações pré-históricas <strong>do</strong> Brasil (excetuan<strong>do</strong> a Amazônia). in, CUNHA, ManuelaCarneiro da. (Org.) . História <strong>do</strong>s índios <strong>do</strong> Brasil. São paulo, Cia. das Letras, 1992, p. 42.6GUIDON, Niède. “As ocupações pré-históricas <strong>do</strong> Brasil(excetuan<strong>do</strong> a Amazônia). IN, CUNHA, ManuelaCarneiro da. Op. Cit. p 39.7MARTI, José. Nossa América. Antologia. Trad. de Maria Angélica de A. Trajber. Editora Hucitec, SãoPaulo, 1983; PRADA, Manuel Gonzales. Páginas libres. Horas de Lucha. Biblioteca Ayacucho, Lima,s/d; MARIATEGUI, Jose Carlos. 7 ensaios de interpretación de la realidad peruana. Biblioteca Amauta,Lima, 1989.8CUNHA, Manuela Carneiro da. Op. Cit. p. 10.9Vide: DIAS, Claudete Maria Miranda. “Balaios e bem-te-vis: a guerrilha sertaneja”. Teresina, FundaçãoMons. Chaves, 1995. Capítulo I: “Em busca <strong>do</strong>s sertões de dentro” pp.39/58. Nele introduziu-se umaanálise sintética <strong>do</strong> sistema colonial com destaque para a <strong>do</strong>ação das sesmaria e extinção <strong>do</strong>s nativos.10Vide: PRADO JR., Caio. Formação <strong>do</strong> Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1979: MELLOE SOUSA, Laura.(Org.). História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida privada na AméricaPortuguesa. Coleção dirigida por Fernan<strong>do</strong> Novais. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.11Vide: DIAS, Claudete Maria Miranda. “Descobrimento ou invasão: eis a questão”. Teresina, JornalMEIO NORTE, Caderno Alternativo, quarta feira, 7 de janeiro de 1998. Idem. “Que história é essa dedescobrimento <strong>do</strong> Brasil!”. Idem. <strong>do</strong>mingo, 24 de maio de 1998, quarta feira, 7 de janeiro de 1998;BUENO, Eduar<strong>do</strong>. A viagem <strong>do</strong> descobrimento. A verdadeira história da expedição de Cabral. - Rio deJaneiro: Objetiva, 1998.FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 427


12No Piauí, a maioria das interpretações baseia-se nas mesmas fontes e no mesmo enfoque teóricometo<strong>do</strong>lógico,recolhi<strong>do</strong>s nos mais antigos <strong>do</strong>cumentos da história piauiense, como a Descrição <strong>do</strong>sertão <strong>do</strong> Piauí <strong>do</strong> Padre Miguel de Carvalho, em 1697, o Mapa Geográfico da Capitania <strong>do</strong> Piauí,de 1761, elabora<strong>do</strong> pelo engenheiro João Antônio Galúcio e a Descrição da Capitania de São José<strong>do</strong> Piauí, escrito pelo Ouvi<strong>do</strong>r Antonio José de Morais Durão, de 1772, além <strong>do</strong>s viajantes Spix eMartius de passagem pelo Piauí no início <strong>do</strong> século XIX, da Memória relativa às capitanias <strong>do</strong> Piauí eMaranhão, escrita em 1810 por Francisco Xavier Macha<strong>do</strong> e o Roteiro <strong>do</strong> Maranhão a Goiás pelaCapitania <strong>do</strong> Piauí, de autoria desconhecida, publicada em 1900 pela revista <strong>do</strong> Instituto Histórico eGeográfico Brasileiro.13MOTT, luiz. O Piauí colonial. Teresina, Projeto Petronio Portella, 1975.14ENNES, Ernesto. As guerras de Palmares. vol. 1, 1938 e PORTO, Carlos Eugênio. Roteiro <strong>do</strong> Piauí.Rio de Janeiro, Artenova, 1974 (1a. ed. 1955); OLIVEIRA, Maria Amélia Freitas M. de. A Balaiada noPiauí. Teresina, Projeto Petronio Portella, 1985; Brandão, Tânia Maria Pires. A elite colonial piauiense:família e poder. Teresina, Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995. “Descrição da Capitania deSão José <strong>do</strong> Piauí, 1772. Memória de autoria <strong>do</strong> Ouvi<strong>do</strong>r Antônio José de Morais Durão. Vide: MOTT,Luiz R. B. Piauí colonial. População, economia e sociedade. Teresina, Projeto Petrônio Portella, 1985;BRANDÃO, Tânia Maria Pires. Op. Cit., p. 24, p. 36/37/ 38, p. 47 e 52.15Vide: Maria Amélia Mendes de. Op. Cit., p.33/34 e p. 37/38.16Reproduzin<strong>do</strong> o marco estabeleci<strong>do</strong> por PEREIRA D´ALENCASTRE, Op. Cit. e reforça<strong>do</strong> porPEREIRA DA COSTA, F. A. Op. Cit. e por NUNES, Odilon Nunes. Devassamento e conquista <strong>do</strong> Piauí.Teresina, Comepi, p. 34, to<strong>do</strong> embasan<strong>do</strong>-se em Rocha Pita. História da América Portuguesa.1950.Vide: MOTT, Luiz R. B. Op. Cit., no qual esta idéia é encontrada desde as primeiras páginas.17NUNES, Odilon. Pesquisas para a história <strong>do</strong> Piauí. vol. 1. Rio de Janeiro, Artenova, 1985. p. 44.18CASTELO BRANCO, Moysés. O índio no povoamento <strong>do</strong> Piauí. Teresina, Artes Geográficas, 1984. p. 9.19CHAVES, Joaquim. O índio no solo piauiense. Teresina, Série Histórica, 1953. p. 13.20BAPTISTA, João Gabriel. Op.Cit. p. 10.21BAPTISTA, João Gabriel. Etnohistória indígena piauiense. Teresina, 1992(datilografa<strong>do</strong>)22CASTELO BRANCO, Moysés. Op.Cit.23CASTELO BRANCO, Moysés. Op. Cit. p. 19.24DIAS, Claudete Maria Miranda. “Memória escondida de uma sociedade”. IN, Revista Presença, AnoVII, n. 14 - Jan/Jun: 1985. p. 49.25CHAVES, Pe. Joaquim. Op. Cit. p.11.26Idem .p. 11. e p. 14.27CHAVES, Pe. Joaquim. Op. Cit. p.20.28CHAVES, Pe. Joaquim. Op. Cit..29NUNES, Odilon. Op. Cit. p. 48..30NUNES, Odilon. pesquisas para a história <strong>do</strong> Piaui. Rio de Janeiro. Artenova, 1975. v.1; Idem.Devassamento e conquista <strong>do</strong> Piaui. Teresina, Comepi, 1972; CASTELO BRANCO, Moysés. O índiono povoamento <strong>do</strong> Piauí. Artes gráficas, Teresina, 1984; CHAVES, Joaquim. O índio no solo piauiense.Teresina, 1953; BAPTISTA, João Gabriel. Etnohistória indígena piauiense. Teresina, Edufpi, 1994.31Está em andamento a organização <strong>do</strong> livro HISTÓRIA DOS ÍNDIOS DO PIAUÍ, para ser publica<strong>do</strong>provavelmente em abril de 2007.32CUNHA, Manuela. Op. Cit. p. 1233Idem. p.14.FUMDHAMentos VII - Claudete Maria Miranda Dias. 428


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