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IHURevista do Instituto Humanitas UnisinosON-LINENº 416 - Ano XIII - 29/04/2013 - ISSN 1981-8769A organização domundo do trabalhoe a modelagemde novassubjetividadesMário SergioSalernoO trabalho mediado pelasinovações tecnológicas.Impactos e desafiosGiovanni Alves:Ser-mercadoria nummomento histórico decrise radical da formamercadoriaRobertoHeloani:A organização dotrabalho e a manipulaçãoda subjetividadeE <strong>MAIS</strong>Richard Poulin:O caso de amor entre aprostituição internacionale o capitalismoLetícia de Luna Freire:A ciência em ação deBruno LatourMemória:Liliana Segnini fala sobreo legado de Robert Castel


LEIA NESTA EDIÇÃOTEMA DE CAPA | Entrevistas5 Mário Sergio Salerno: O trabalho mediado pelas inovações tecnológicas. Impactos edesafios8 Roberto Heloani: A organização do trabalho e a manipulação da subjetividade11 Marcia de Paula Leite: Organização do trabalho: uma mudança de paradigma13 Giovanni Alves: Ser-mercadoria num momento histórico de crise radical da formamercadoria18 Ruy Braga: A condição de insegurança é a regra do mundo do trabalho, hoje21 Baú da IHU On-Line22 José Ricardo Ramalho: Multifuncionalidade e precarização dos laços de trabalho25 Claudio Dedecca: A virtuosa relação crescimento/emprego/renda28 Christian Marazzi: Acabou a fase do trabalho seguro e por tempo indeterminado31 Elísio Estanque: O sindicalismo europeu precisa se refundar33 Lucas Henrique da Luz: A contribuição da universidade na modelagem das relações detrabalhoDESTAQUES DA SEMANA38 Memória: Robert Castel (1933-2013)40 Entrevista da semana: Richard Poulin: O caso de amor entre a prostituiçãointernacional e o capitalismo44 Reportagem da semana: O “encarpetado” chão de fábrica47 Artigo da semana: Cesar Sanson: Povos indígenas não cabem no projeto da atualesquerda49 Entrevistas em destaque50 Destaques On-LineIHU EM REVISTA52 Agenda de eventos53 Entrevista de Eventos: Leticia de Luna Freire: A ciência em ação de Bruno Latour55 Notícias de Eventos60 Roteiro Charles Taylor no Brasil61 Publicação em destaque62 Retrovisor63 Sala de leituratwitter.com/ihubit.ly/ihufacebookÍndice www.ihu.unisinos.brwww.ihu.unisinos.br3


depois ter os louros, a recompensa.O próprio modelo de produção erade longo prazo. Hoje não. Esse jovemjá entra na escola e logo acaba recebendoa ideologia da internet, da informaçãovirtual, na qual não se exigedo sujeito grande reflexão, mas muitomais uma pró-atividade de resposta.Isso não quer dizer que o sujeito estápensando, mas que ele está sendotreinado para responder rapidamente.O resultado disso é que, quandoele entra no mundo corporativo,começa a ouvir comentários de queaquela pessoa que estava lá outro diajá não está mais e que a média de permanêncianaquela organização é de 2a 3 anos. Daí ele para e pensa: afinalde contas, me é permitido pensar quevou passar minha vida toda aqui? Seráque essa será a minha casa? Será quedevo compartilhar minhas angústias eincertezas com esse grupo? É outra lógica.Uma coisa é ter um amigo, umapessoa com a qual você compartilhaas ansiedades, desejos, medos, receios,neuras. E outra coisa é ter umaamizade profissional. Esse jovem, desdecedo, aprende que no mundo dotrabalho atual é preciso construir amizadesprofissionais, o que é diferentede construir amizades. A amizade profissionaldura enquanto for do interessede ambos. São raras as pessoas quesaem de uma organização e mantêmcontato com seus ex-colegas. Seráque é porque são pessoas perversase frias? Nada disso. São pessoas “normais”,que aprenderam que ter umarelação afetiva e efetiva pode ser atéperigoso, porque essas amizades sãodatadas, não são verdadeiras. A relaçãoque se estabelece com os colegasé a mesma que se acaba tendo comas empresas. E esse perfil vai sendomoldado. Mais do que isso: vai secriando uma cultura dentro das organizações,e hoje boa parte delas estámoldada por essa lógica, cujo mote éo seguinte: aproveite enquanto der; ofuturo ninguém sabe; nem você temcontrole desse futuro. É claro que emuma situação como essa não se podeesperar dos jovens sonhos de longoprazo, uma lealdade estrita às pessoase à organização e, muito menos, uma“Esse jovem,desde cedo,aprende queno mundo dotrabalho atual épreciso construiramizadesprofissionais, oque é diferentede construiramizades”dedicação incondicional. Ele pode atétrabalhar muito, até 16 horas por dia,como alguns trabalham, mas é umtrabalho voltado para si, que queruma recompensa rápida, imediata ede preferência segura. Ele construiuuma lógica que não é perversa. Temosuma organização do trabalho que exigeuma nova modelagem, uma novasubjetividade – chamo isso de manipulaçãoda subjetividade – e respondecom uma nova subjetividade: sendoindividualista para melhor se adaptara essa realidade. Quem é perversonão é o jovem, nem o gestor, nem ochefe. Se tem alguém perverso é aprópria forma de organizar o trabalho.Essa forma diferenciada de organizaro trabalho tem obviamente benefícios,pontos positivos, mas tambémtem muitos pontos negativos. Não é àtoa que ainda nesta década, até 2020,segundo relatórios internacionais, asegunda causa de afastamento do trabalhoserá o transtorno mental, sendoque a mais recorrente será a depressão.Isso é gravíssimo. Uma característicamuito forte desse modelo deorganização do trabalho é a solidão.Encontra-se rodeado de pessoas, masverdadeiramente se está só.IHU On-Line – Quais são os novosformatos da agressão no trabalho?Roberto Heloani – Quando comeceia trabalhar com o tema doassédio moral, há mais de 15 anos, oassédio era mais explícito. Mas de unstempos para cá ele está cada vez maissofisticado, mais sutil. Temos o assédioa jornalistas, na área de serviços,na justiça, tem assédio a médicos, naacademia, até nas grandes universidades,como USP e Unicamp. Ou seja,não é que o assédio não existisse hádécadas. É óbvio que sim, mas porque hoje se fala tanto e por que eletanto se disseminou? Essa nova lógicado trabalho tende a reificar a coisificaçãodas pessoas. Hoje não tenhograndes amigos, pois as pessoas quetrabalham comigo poderão vir a sermeus concorrentes para uma futuravaga. Isso para um jovem de 20 e poucosanos é muito duro. É muito deseducativosaber que ele vai ter que desejarque tantas pessoas se deem malpara que ele garanta sua vaga. O própriomodelo de organização prega otrabalho coletivo. No entanto, as avaliaçõescontinuam sendo individuais.Isso causa na cabeça das pessoas umasensação de guerra constante. Esse éo modelo indutor de agressão. Então,teremos desde agressões mais grosseirase explícitas até aquelas bemsutis, acompanhadas de elogio, comgrande cinismo. Não é à toa que oassédio moral se sofisticou, está complexo,mas extremamente destrutivo.IHU On-Line – Qual o preço queos trabalhadores do mundo inteiroestão pagando em função da crise financeirainternacional? Qual a especificidadedo Brasil?Roberto Heloani – A crise nospaíses europeus nos mostrou muitobem isso. A gente sabe que a UniãoEuropeia é algo difícil de se estabelecer,uma ficção. Não quero serpessimista, mas me diga o que umportuguês tem a ver com um grego?O que um grego tem a ver com umalemão? Sabemos que foi uma tentativade fazer um acordo econômico.No entanto, a Europa tem línguas eculturas muito diferentes. Já não eraTema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 20139


Tema de Capawww.ihu.unisinos.bruma união fácil. O que mantinha unidospovos tão diversos, que há poucotempo se digladiavam, era o interesseeconômico e o Welfare State– Estado-previdência. Os países capitalistascentrais tentaram – e conseguiram– bolar um sistema na lógicakeynesiana de redistribuição, que é alógica da social-democracia. O projetokeyenesiano é um estado, dentrodo capitalismo, minimamente protetor.Isso, até certo ponto, manteve ascoisas a contento. Quando, a partirda década de 1980, esse projeto vaisendo paulatinamente substituídopelo projeto neoliberal, teremos oseguinte: o projeto neoliberal vaipregar, afinal de contas, outra lógica,que é a do “salve-se quem puder”, alógica do Estado mínimo. Não competeao Estado ficar pensando muitoem educação, saúde, segurança, mascompete ao indivíduo. Esse projetoneoliberal diz o seguinte: você é oprincipal responsável por você próprio.Esse negócio de sociedade é um“lero”. O neoliberalismo vai, pouco apouco, minando o Estado protetor,vai tornando esse Estado cada vezmenor, menos interventor, menospositivo. E o mercado vai fazendo avez do Estado.É claro que, quando se tem umaconcepção de Estado dessa forma,se acaba tendo outra concepção desociedade e de homem, que vai induziras pessoas a terem projetosvoltados a um pequeno grupo social:a si e a família. Essa nova lógica econômicarespinga nos países latino--americanos. Por que o Brasil foi umdos menos afetados? Porque ele foi,na América Latina, um dos poucospaíses que não aderiu ao projeto neoliberal.Ao contrário da Argentina eprincipalmente do Chile, onde a previdênciafoi privatizada. O respingoda financeirização no Brasil ocorreue ocorre até hoje. Temos uma inflaçãolatente, um medo latente; porém,apesar de tudo isso, por termosum Banco Central com políticas deintervenção, graças ao governo Lulae ao Bolsa Família, conseguimos incluircomo consumidores uma parcelasignificativa da população que“Não é a toaque ainda nestadécada, até 2020,segundo relatóriosinternacionais, asegunda causa deafastamento dotrabalho será otranstorno mental,sendo que a maisrecorrente será adepressão. Isso égravíssimo”estava totalmente à margem. É a políticainterna e as políticas públicas,as ações concretas do governo queamortecem os efeitos, ou, pelo contrário,exponenciam e os aumentam.Nunca tivemos Estado de bem-estarsocial no Brasil. O emprego formalaumentou recentemente. Tem maisgente com carteira assinada, masainda temos subemprego. Onde setem um capital financeiro muito forteem detrimento da produção, éclaro que isso trará consequênciaspara a questão do emprego. Há setoresque estão se automatizando cadavez mais. Há também a questão dosterceirizados, que será regulamentadaagora. Temos uma situação deuma classe média que perdeu muito,temos as chamadas classes C, D e Eque se mantiveram, mas permaneceno Brasil um percentual mínimo depessoas, da ordem de 2%, que detémuma quantidade de riqueza estonteante.Isso é justamente consequênciado processo de financeirização daeconomia.IHU On-Line – Quando se fala definanças e trabalho/emprego, o quepodemos identificar como crise reale como crise imaginária?Roberto Heloani – Ao contráriodo que as pessoas pensam, a lógicafinanceira trabalha muito com o imagináriosocial. Temos a especulação,que também usa e abusa dos medos,receios e ilusões das pessoas. Investirem ações pode ser até um ótimonegócio. Não sou contra a bolsa devalores. Só que para ganhar dinheironessa área ou a pessoa tem umasorte absurda – então é melhor jogarna loteria – ou ela entende muitode negócios, é um profissional. Amaior parte da população não temnem uma coisa nem outra. Temossituações surrealistas, não de medoexplícito, mas um receio, um temorlatente, que faz com que as pessoastenham atitudes que podem ser vistascomo irracionais.IHU On-Line – Como se configuramos processos de migração internacionalde trabalhadores e de deslocamentosde empresas? Quais suasimplicações no mundo do trabalho?Roberto Heloani – Essa é umaquestão complexa, que envolve aspectosfinanceiros, culturais e deviolência simbólica. A questão dosexpatriados, por exemplo. Há poucotempo, ser expatriado era um prêmiopara um executivo. As pessoas comemoravamcom champanhe e uísqueescocês quando iam ser expatriadas.Hoje a coisa não é bem assim. Issoacontece menos e alguns sabem que,sendo expatriados, estão correndoum risco muito grande, mesmo queseja apresentado como uma promoção.Isso porque o grau de exigênciasa curto prazo é muito forte. Se a pessoafor vista pelo grupo que está láà frente como alguém que veio roubaro cargo de outra ou obstaculizara promoção de alguém, ela pode seraté boicotada, colocada de lado. Éinteressante como essa lógica atingedesde o jovem até o executivo sênior.A expatriação, em consequência disso,é vista com outros olhos.10SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Organização do trabalho:uma mudança de paradigmaMarcia de Paula Leite acredita que é possível pensar em uma legislação que melhorea situação do mercado de trabalho atual. E cita, pontualmente, a regulamentação daterceirizaçãoPor Graziela WolfartIHU On-Line – Quais são as permanênciase rupturas do novo chãode fábrica? O que o caracteriza hojeem comparação com o cenário de 30anos atrás?Marcia de Paula Leite – Desde adécada de 1980 mudou muita coisa. Aforma de organização do trabalho mudoumuito. Em termos de organizaçãodo trabalho, nós efetivamente mudamosde paradigma. Aquele sistemaque tínhamos de divisão do trabalhomuito rígida, dentro da fábrica, comuma organização taylorista e fordistado trabalho, está sendo transformadoe substituído por novas formas de organizaçãodo trabalho mais baseadasnos princípios japoneses. Essas novastécnicas mudam a forma de a fábricaproduzir. Hoje temos uma organizaçãoNa opinião da professora Marcia dePaula Leite, o aumento dos postos detrabalho formais, com carteira assinada,não representa o fim do trabalho precarizado.“Estamos tendo uma melhoria nosentido de que há mais trabalho com carteiraassinada. No entanto, segundo alguns estudos,a maior parte desses novos empregospaga até dois salários mínimos. Isso mostrauma precariedade. Não estamos vivendo umprocesso de precarização, porque a situaçãoestá melhorando. Apesar de o salário mínimoter aumentado de forma significativanos últimos anos, ainda é um salário baixo”.Na entrevista a seguir, concedida à IHU On--Line por telefone, a professora percebe que,desde a década de 1980, “a forma de organizaçãodo trabalho mudou muito. Em termosde organização do trabalho, nós efetivamenteda produção que vai de trás para frente,quando comparamos com os princípiostayloristas e fordistas. A fábricacomeça a funcionar a partir do pedido.Ao contrário de antigamente, quandoas fábricas produziam a partir da entradada matéria-prima, porque o mercadoera garantido. O que permanece éo princípio básico do capitalismo, queé a necessidade de sempre aumentara produtividade, diminuir os temposmortos e aumentar o lucro. Isso fazcom que continue havendo controlesobre os trabalhadores para que elesproduzam a maior quantidade possívelno menor tempo possível. No entanto,as formas de controle mudaram.IHU On-Line – Como seriam essasnovas formas de controle?mudamos de paradigma”. O que permanece,continua, “é o princípio básico do capitalismo,que é a necessidade de sempre aumentar aprodutividade, diminuir os tempos mortose aumentar o lucro. Isso faz com que continuehavendo controle sobre os trabalhadorespara que eles produzam a maior quantidadepossível no menor tempo possível. No entanto,as formas de controle mudaram”.Márcia de Paula Leite possui graduaçãoem Ciências Sociais pela Universidade de SãoPaulo – USP, mestrado em Ciência Políticapela Universidade Estadual de Campinas –Unicamp e doutorado em Sociologia pela USP.Atualmente é professora da Unicamp. É coautorade, entre outros, Novas configurações dotrabalho e economia solidária (São Paulo: Annablume,2012).Confira a entrevista.Marcia de Paula Leite – Temos ocontrole pelas máquinas, que é muitomaior. Nas equipes de trabalho ocontrole passa a ser dos próprios colegas,porque muitas vezes as empresasfazem competição e comparaçãoentre as equipes. Além disso, temosas metas e participação nos lucros eresultados, o que causa o controledos companheiros de equipe para queninguém saia perdendo. Por exemplo,o colega pressiona você por sua paradaa fim de tomar um café, e issodiminui a produção. Trata-se de umcontrole efetivo.IHU On-Line – O que significa, naprática, o aumento dos postos de trabalhoformais, com carteira assinada?É o fim do trabalho precarizado?Tema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201311


Tema de CapaMarcia de Paula Leite – Não, infelizmentenão. Estamos tendo umamelhoria no sentido de que há maistrabalho com carteira assinada. No entanto,segundo alguns estudos, a maiorparte desses novos empregos paga atédois salários mínimos. Isso mostra umaprecariedade. Não estamos vivendoum processo de precarização, porquea situação está melhorando. Apesarde o salário mínimo ter aumentado deforma significativa nos últimos anos,ainda é um salário baixo.IHU On-Line – Quais os desafiosde pensar em uma legislação trabalhistatendo em vista uma divisãodo trabalho no interior da cadeiaprodutiva?Marcia de Paula Leite – Podemos,sim, pensar em uma legislaçãoque melhore. E pontualmente aquelaque pode fazer isso é a regulamentaçãodo trabalho da terceirização. Alógica das empresas, para aumentar olucro, é de terceirizar o máximo possível,tudo o que podem e até o quenão podem. Isso acaba gerando situaçõesque precarizam o trabalho quandose tem trabalhadores que estãosaindo de uma empresa e indo paraempresas menores, com menos condiçõesde oferecer um trabalho maisrazoável.IHU On-Line – Como se configuramas novas articulações entre vidaprofissional e vida privada, submetidasaos princípios de flexibilidade edisponibilidade?Marcia de Paula Leite – Por umlado, vemos uma intensificação dotrabalho, especialmente no setor deserviços e no trabalho não industrial.Neste, há o esquema das horasextras, que continuam ocorrendo eacabam gerando uma jornada maislonga. Por outro lado, a flexibilizaçãoda jornada não é algo que tenha influenciadomuito nessa dinâmica. Hárealmente a existência de um poucomais de trabalho em casa do que háalguns anos, mas isso não é um movimentomuito significativo no mercadode trabalho como um todo. Há algumasprofissões em que isso ocorremais. O que eu vejo é que as pessoascontinuam trabalhando e trabalhandomuito.IHU On-Line – Qual é a marcaque a mulher imprime ao mundo dotrabalho, mesmo ganhando menosdo que os homens, apesar de possuir,algumas vezes, um nível de formaçãosuperior a eles?Marcia de Paula Leite – Não seise há uma marca da mulher no mundodo trabalho. A questão é que a mulhercontinua carregando uma cargamuito grande do trabalho doméstico,que não é distribuído entre os gênerosde modo que possa aliviar essaresponsabilidade. Isso acontece mesmoquando a mulher tem um cargoimportante, ou tenha mais formação.Outra coisa que podemos perceber éo estereótipo das empresas de queas mulheres não devem fazer serviçopesado, que elas são boas para acomunicação, mas não são boas paramandar. Tudo isso acaba segregando amulher em determinados nichos que,em geral, são os menos remunerados,pouco valorizados, com menor possibilidadede carreira. A marca não é damulher, mas do trabalho que se oferecea ela.Leia mais...>> Marcia de Paula Leite já concedeuoutra entrevista à IHU On-Line.Confira:• A permanência de um passivo sociale trabalhista no Brasil. Publicadana edição número 390, de 30-04-2012, disponível em http://bit.ly/14WmqaGLEIA OS CADERNOS IHUwww.ihu.unisinos.brNO SITE DO IHUWWW.IHU.UNISINOS.BR12SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Ser-mercadoria num momentohistórico de crise radical daforma-mercadoriaGiovanni Alves confirma que desde o começo da década de 2000 alterou-se de formasignificativa a morfologia do trabalho industrial no Brasil por conta das inovaçõestecnológicas e organizacionaisPor Graziela WolfartSegundo a reflexão do professor GiovanniAlves, em entrevista concedida por e--mail à IHU On-Line, a década de 2000foi de reorganização do capitalismo brasileirocom as grandes empresas aumentando investimentosprodutivos, reordenando suas estratégiasde negócios na perspectiva da concorrênciainternacional acirrada. Para ele, o quese coloca hoje é “a formação da consciência declasse e, portanto, a formação da classe socialcapaz de promover mudanças históricas profundasno Brasil”. Seguindo seu raciocínio, eleafirma que “na época de crise estrutural docapital, a renúncia do sindicalismo à formaçãoda consciência de classe é deveras muito perversa,pois o que a história está cada vez maismostrando é que não existe futuro com o capitalismo”.E dispara: “a ‘captura’ da subjetividadedo trabalho vivo adquiriu dimensõesamplas e intensivas. A lógica da gestão toyotizadainvadiu não apenas o chão de fábrica,mas os escritórios e repartições públicas e atéIHU On-Line – Como a revoluçãotecnológica tem afetado o chão defábrica, pensando na realidade brasileirados últimos anos?Giovanni Alves – As grandes fábricasno Brasil têm passado por profundastransformações produtivasnos últimos anos. Desde o começo dadécada de 2000 alterou-se de formasignificativa a morfologia do trabalhoindustrial no Brasil por conta das inovaçõestecnológicas e organizacionais.Nos polos mais desenvolvidos da indústria– e também do setor de serviços,as novas tecnologias informáticasde base microeletrônica e tecnologiasinformacionais em rede alteraram oprocesso de produção de mercadoriase a organização dos serviços dedistribuição e serviços financeiros etelecomunicações.Se a década de 1990 foi a décadada reestruturação produtiva que atingiude forma disruptiva o mundo docapital e, por conseguinte, o mundodo trabalho no Brasil, então a décadade 2000 foi a década de reorganizaçãodo capitalismo brasileiro com asa vida cotidiana (no plano léxico-locucional,por exemplo, trabalhador assalariado tornou--se mero ‘colaborador’, linguagem apropriadapor lideranças sindicais). Enfim, a reestruturaçãoprodutiva assumiu novas dimensões noplano do controle laboral”.Giovanni Alves é professor da Faculdadede Filosofia e Ciências do Departamento deSociologia e Antropologia da UniversidadeEstadual Paulista Júlio de Mesquita Filho -Unesp, Campus de Marília. Livre-docente emteoria sociológica, é mestre em Sociologia edoutor em Ciências Sociais pela Unicamp.Atualmente, desenvolve o projeto de pesquisa“A derrelição de Ícaro - Sonhos, expectativase aspirações de jovens empregadosdo novo (e precário) mundo do trabalho noBrasil (2003-2013)”. É autor de, entre outros,Dimensões da Precarização do Trabalho - Ensaiosde sociologia do trabalho (Bauru: Práxis,2013).Confira a entrevista.grandes empresas aumentando investimentosprodutivos, reordenandosuas estratégias de negócios na perspectivada concorrência internacionalacirrada.A ofensiva do capital adquiriuuma dimensão progressiva no sentidodo investimento não apenas emcapital fixo, mas principalmente investimentosem novas estratégias organizacionaise de gestão da força detrabalho. Nesse sentido, disseminou--se o que eu denomino o “espírito” dotoyotismo, que assumiu um caráterTema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201313


É claro que há tempos, pelo menosdesde a implantação da UniãoEuropeia em seu formato neoliberal,o modelo de Estado social europeu,construído no pós-guerra, dava sinaisde falência social, com o crescimentodo desemprego de longa duração,principalmente entre jovens trabalhadores,e a ampliação da mancha deprecariedade laboral.O que presenciamos hoje com acrise da zona do Euro é apenas o tirode misericórdia no projeto socialdemocrataeuropeu. Todo social-democrataé hoje um neoliberal envergonhado;ou então, um Dom Quixotede La Mancha pós-moderno incapazde perceber a falência irremediáveldo modelo civilizatório do capitalismoconcertativo. Na verdade, a crise europeiaexige de nós hoje, intelectuaiscríticos, a crítica radical do modo deprodução capitalista e modo de civilizaçãoburguesa.Cenário brasileiroNo caso do Brasil, país capitalistahipertardio e sociedade burguesadependente e carente de modernização,o tsunami da crise europeia aindanão chegou às nossas praias tropicais.Parte significativa da intelectualidadepolítica e social da esquerda reformistano país ainda está fascinada pelomodelo social europeu ou Estado debem-estar, o qual hoje nem os próprioseuropeus acreditam que possase sustentar nas próximas décadasde desenvolvimento de capitalismofinanceirizado.A mediocridade das nossas liderançasde esquerda reformista é indiscutível.O reformismo social e políticono Brasil não se deu conta de que viveuma profunda crise ideológica. Muitosintelectuais neokeynesianos deesquerda acreditam que o modelo neodesenvolvimentistacom dominânciafinanceira possa se sustentar por muitotempo, sem expor seus limites irremediáveiscomo projeto civilizatório.Os limites do projeto lulista noBrasil, com o aprofundamento dacrise europeia e os impasses do capitalismocentral sob a hegemoniafinanceira, tornam-se, com o avançarda conjuntura da década de 2010,cada vez mais explícitos, exigindomedidas mais ousadas de controlesocial e intervenção na economia (oque arrepia os escrúpulos da social--democracia quixotesca ou neoliberaisenvergonhados incrustados nogoverno).No Brasil, elo mais forte do capitalismohegemônico na AméricaLatina, a incapacidade (ou tibieza)da social-democracia em aprofundarreformas de controle social edemocratização do sistema político--jurídico e econômico e, the last butnot the least, o sistema midiático,só abre espaço, como na Europa emcrise, para o avanço das forças conservadorase reacionárias da direitatupiniquim.Na verdade, é o pêndulo perversoda crise estrutural do capital que,no plano político, oscila entre governossociais-democratas medíocres egovernos conservadores e reacionáriosimpenitentes, que ameaça nospróximos anos os parcos direitos sociaisdos trabalhadores brasileiros;pêndulo perverso lastreado num sistemapolítico radicalmente corrompido,ineficaz e ineficiente para expressara representação popular.Portanto, a maior ameaça aosdireitos sociais dos trabalhadoresbrasileiros não é a direita reacionária,mas sim a tibieza de parte da esquerdareformista hegemônica incapaz deaprofundar, sem aventuras, mas comousadia, as reformas sociais no país.É claro que a incapacidade política daesquerda social-democrata deriva estruturalmenteda miséria histórica dosintelectuais de esquerda radical noBrasil, incapazes de hegemonia socialnum cenário de violência simbólica emanipulação midiática historicamenteestrutural da direita socialmenteorganizada.Enfim, na medida em que não seinveste num processo de formação daconsciência de classe social capaz denegar o estado de coisas existentes,com uma esquerda política e sindicalcapaz de travar a luta ideológica, commais criatividade e menos sectarismo,ampliando alianças sociais e políticassem perder a radicalidade, fragiliza-sea capacidade de resistência ao tsunamida crise europeia que se aproximae, ao mesmo tempo, azeita-sea máquina do pêndulo perverso docapital em sua etapa de crise estrutural.Como diria Marx, hic Rhodus, hicsalta.IHU On-Line – Como podemosinterpretar a presença do presidentedo Sindicato dos Metalúrgicos doABC, no evento de lançamento deum veículo da Ford do Brasil? 2 Trata--se de uma mudança nas relaçõesentre capital e trabalho na regiãoconsiderada berço do sindicalismobrasileiro?Giovanni Alves – Trata-se apenasda comprovação da estratégia de concertaçãosocial adotada pelo Sindicatodos Metalúrgicos do ABC – SMA-BC. No lugar da luta de classes e dosindicalismo de confronto, o SMABCadotou, há mais de vinte anos, a estratégiado sindicalismo propositivo, negociandocom o capital as inovaçõesprodutivas no local de trabalho e colaborandocom as grandes empresasmontadoras. Pode-se dizer que existeuma “parceria” entre as montadoras eo SMABC, “parceria conflituosa” queocasionalmente provoca rusgas entreos parceiros, mas nada que abale aconfiança ideológica na ideia da concertaçãosocial.Primeiro, é preciso salientar queo sindicalismo brasileiro não nasceuna região do ABC paulista. O que nasceulá foi o saudoso “novo sindicalismo”,que surgiu nas grandes grevesde 1979 e 1980, berço do PT e daCUT. Entretanto, nos últimos trintaanos, o novo sindicalismo envelheceumuito rapidamente e tornou-se umsindicalismo pragmático, propositivo,neocorporativo e bastante eficaz naprática da negociação coletiva tendocomo base a organização por local detrabalho (as comissões de fábrica). OSMABC é enraizado nas fábricas e issoé uma singularidade local construídahistoricamente pela negociação e lutaoperária. Poucos sindicatos têm essabase nos locais de trabalho.IHU On-Line – A partir das novasrelações de trabalho, podemos identificarainda uma solidariedade entreclasses? O que pesa mais diante dasnegociações trabalhistas em nossosdias?Giovanni Alves – As novas relaçõesde trabalho nascem constrangidaspela realidade da crise estruturaldo capital que pressiona as empresas2 Saiba mais em http://bit.ly/WTcBEE(Nota da IHU On-Line).Tema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201315


Tema de Capawww.ihu.unisinos.bra inovarem vorazmente visando garantirmelhores custos de produção epressiona os sindicatos a renunciaremà ideologia da luta de classes e assumiremo sindicalismo propositivo e decolaboração de classes. Visando preservarsuas bases, muitos sindicatosaderem de modo pragmático à novarealidade da concorrência capitalista,aproximando-se do horizonte ideológicodas empresas. Fazem greve, maspor empresas, evitando politizá-las,isto é, generalizá-las e dar-lhes umconteúdo político-ideológico da lutade classes.A luta sindical tornou-se maisamesquinhada pelo economicismo,em parte devido às próprias condiçõesda ofensiva do capital na produçãoque reduziu o poder de barganhade muitos sindicatos; muitas vezestambém as novas condições da acumulaçãocapitalista, a acumulaçãoflexível, colocam imensas dificuldadespara a negociação coletiva nos termosda preservação da consciência de classe,fazendo com que sindicalistas combaixa formação político-intelectualsucumbam à mediocridade geral, tornando-semeros gestores da força detrabalho e dos negócios capitalistas.O sindicalismo brasileiro – talcomo ocorre na maioria dos paísescapitalistas – não está preparado paraaquilo que David Harvey 3 intitulou“condição pós-moderna”. O que significaque se fecharam no burocratismo,neocorporativismo e pragmatismo venal,amesquinhando mais ainda a lutasindical (que Lenin denominava de“luta cinzenta”). Este fechamento dohorizonte ideológico do sindicalismomuitas vezes fez os sindicatos tornarem-seeficazes tecnicamente na negociaçãocoletiva, mas em detrimentoda sua capacidade moral-política deformação da consciência de classe. Oque pode ser constatado pelo desprezopela formação sindical com caráterpolítico-ideológico. O caso exemplar éa CUT que adotou o discurso da cidadania(sindicato-cidadão) e deixou delado o discurso da classe trabalhadoracomo sujeito protagônico da constru-3 David Harvey (1935): geógrafo marxistabritânico, formado na Universidade deCambridge. É professor da City Universityof New York e trabalha com diversasquestões ligadas à geografia urbana.(Nota da IHU On-Line)ção de uma sociedade sem exploradorese explorados.Mas, como dizemos, a crise daCUT é a crise do PT. Não adianta responsabilizaro sindicalismo pela crisedo intelectual orgânico de classe. Naépoca de crise estrutural do capital, arenúncia do sindicalismo à formaçãoda consciência de classe é deverasmuito perversa, pois o que a históriaestá cada vez mais mostrando é quenão existe futuro com o capitalismo.Entretanto, caso não seja construídoo sujeito histórico-político de classecapaz de negar o estado de coisasexistentes, por meio de um processode democratização radical da sociedade,a crise capitalista só tenderáa aprofundar mais ainda a barbáriesocial como modo de reproduçãodo capital em sua etapa de criseestrutural.IHU On-Line – O que é o “trabalhoideológico” e como ele pode sermedido, mensurado, avaliado?Giovanni Alves – Apresentei oconceito de “trabalho ideológico” nomeu novo livro – intitulado Dimensõesda precarização do trabalho (Práxis,2013). O trabalho, como categoriaontológica fundante (e fundamental)do ser social, é formado por posiçõesteleológicas que, em cada oportunidade,põem em movimento sériescausais; como disse Vygotsky 4 , eleimplica tanto instrumentos quantosignos, elementos de mediação dasposições teleológicas compositivasdo processo de trabalho (Lukács diria:posições teleológicas primárias e posiçõesteleológicas secundárias).Todo trabalho humano, incluindoo trabalho ideológico, implica aarticulação de instrumentos e signos.Entretanto, no caso do “trabalho ideológico”,os signos tornam-se essenciaispara a realização da posição teleológicasecundária: por isso a açãosobre outros homens. Na medida em4 Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934): cientista humano bielo-russo.Pensador importante em sua área, foipioneiro na noção de que o desenvolvimentointelectual das crianças ocorreem função das interações sociais e condiçõesde vida. Veio a ser descoberto pelosmeios acadêmicos ocidentais muitos anosapós a sua morte, que ocorreu em 1934,por tuberculose, aos 37 anos. (Nota daIHU On-Line)que se desenvolve a sociedade deserviços e amplia-se a escala dos conflitossociais, o trabalho ideológico,formado por posições teleológicassecundárias, constitui hoje amplamentea esfera das ocupações profissionaisvinculadas à reprodução econtrole social.O trabalho ideológico constituia natureza material de diversas ocupaçõesprofissionais no interior dadivisão social do trabalho. Por exemplo,ele caracteriza o trabalho de formaçãoe informação (professores ejornalistas), o trabalho de regulaçãoe normatividade (juízes e policiais),o trabalho de convencimento (publicitários),o trabalho do cuidado(médicos, enfermeiros, psicólogos eassistentes sociais), etc. O trabalhoideológico das profissões vocacionadasexige, do homem-que-trabalha,cuidado, abnegação e doação (como,por exemplo, o trabalho do formadorou o trabalho assistencial). Finalmente,enquanto modalidadesde trabalho assalariado no setor privadoou no setor público, elas sãoregidas pela lógica do trabalho abstrato,subsumindo-se diretamenteou por derivação, aos parâmetros deprodutividade. O que significa que,na sociedade do capital, o trabalhoideológico impregna-se da lógica dotrabalho estranhado.Na medida em que a formamaterial do trabalho ideológico impregna-seda forma social do capital,caracterizada pelo trabalho estranhado,constitui-se uma implicaçãosubjetiva de natureza perversa. Oque explica, de certo modo, o crescimentodo adoecimento laboral,principalmente transtornos mentais,nas categorias de trabalhadores assalariadosvinculados ao “trabalhoideológico”. Devido à sua forma deser (trabalho imaterial), o trabalhoideológico como trabalho concreto érecalcitrante à quantificação e às medidasda lei do valor. Ele não pode sermedido ou avaliado de acordo com a“régua” da lei do valor. De forma arbitrária,o capital utiliza para avaliar aprodução da “saúde” ou “educação,a mesma régua que avalia a produçãode carros e salsichas”. Na verdade,os critérios de produtividadedo “trabalho ideológico”, imbuídosdo produtivismo capitalista, são me-16SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


os simulacros próprios da época docapitalismo fictício, um capitalismodescolado da própria objetividadeda lei do valor-trabalho (que o digaa predominância, hoje, do capitalfictício).Na verdade, como explico no livro,esta é uma das naturezas da crisedo capital: a desmedida do valor,tendo em vista que muitas atividadesde serviços capitalistas que implicam“trabalho ideológico” não se adequammaterialmente à forma socialdo capital. É o típico caso de inadequaçãoda forma material à forma socialdo valor, elemento crucial da crisede valorização nas condições da criseestrutural do capital.IHU On-Line – O que marca asnovas formas de controle sobre ostrabalhadores contemporâneos?Quais os desafios se considerarmosum controle sobre a subjetividade dotrabalhador?Giovanni Alves – As novas formasde controle sobre os trabalhadorescontemporâneos são marcadospelo “espírito” do toyotismo, conceitotratado por mim no livro Trabalho esubjetividade (Boitempo, 2011). Nãose trata meramente de dispositivosorganizacionais próprios do modelojaponês, mas sim de uma pletora devalores-fetiches que impregnam ometabolismo social do trabalho estranhadonas condições da acumulaçãoflexível.O “espírito” do toyotismo caracteriza-seentão pela “captura” dasubjetividade do homem-que-trabalhapelas disposições estranhadasdo capital. É a lógica da gestão hegemônicanão apenas na indústria, masnos serviços e administração pública,que articula novas modalidades deremuneração baseada em cumprimentode metas e jornada de trabalhoflexível, além de uma crescentecarga ideológica nos treinamentosque assumem mais um caráter psicológico-comportamentaldo quetécnico-profissional.Na verdade, os treinamentos dasempresas atuam mais sobre o trabalhovivo do que sobre a força de trabalho:treina-se hoje nas empresasmais para se manipular e conformaro operário ou empregado na linha da“autoajuda” empresarial, incutindo--lhes valores-fetiches do capital; doque para formar tecnicamente e operacionalmentea força de trabalho. Aomesmo tempo, pari passu ao ambientedo “trabalho em equipe” e a proclamaçãoda ideologia da colaboração,disseminam-se, nos novos locais detrabalho reestruturados, formas perversasde pressão psicológica que osgestores fazem sobre o trabalho vivo(o assédio moral).No plano do mercado de trabalho,as novas formas de contrataçãoflexível que se disseminam fechamo cerco sobre a subjetividade do trabalhadorassalariado na medida emque contribuem para a dessubjetivaçãode classe, tendo em vista quesão os trabalhadores precarizados,trabalhadores assalariados em geralpouco organizados, que perdem o referencialcoletivo do em si da classe,ocorrendo, desse modo, a subordinaçãototal da individualidade pessoal àcondição de “classe” ou condição deproletariedade.IHU On-Line – Como ocorre aarticulação entre mente e corpo dohomem-que-trabalha no século XXI?Giovanni Alves – Como salienteiacima, a ideia de “captura” dasubjetividade do homem-que-trabalhapressupõe uma nova articulaçãoentre mente e corpo, muito mais sofisticadado que aquela que havia naépoca do fordismo-taylorismo. Porisso, a vigência da lógica do toyotismocomo “espírito” intelectual--moral da gestão capitalista. Com asnovas tecnologias de base informacionale a crise estrutural do capital,que produz contradições insanas noplano da produção e reprodução dovalor, as estratégias de gestão capitalistabaseiam-se cada vez mais noenvolvimento do trabalho vivo naprodução do capital. É uma perversaironia da história que o capitalismoda grande indústria, que “negou”o lugar do trabalho vivo na produçãode valor, seja obrigado a repô--lo contraditoriamente nas novascondições do desenvolvimento capitalistae produção do capital. É porisso que estamos numa nova formasocial de produção do capital que eudenomino (no meu livro chamadoDimensões da precarização do trabalho)de “maquinofatura”.A “maquinofatura” é a formasocial no interior da qual o capital,em sua etapa de crise estrutural, reproduzsuas candentes contradições.Portanto, a maquinofatura, como amanufatura e a grande indústria, nãoé apenas um “modelo” de organizaçãoda produção de mercadorias,mas principalmente um modo decontrole estranhado do metabolismosocial e, portanto, de articulaçãoentre mente e corpo. É uma formade produção social no interior daqual ocorre o desenvolvimento daprodução do capital. É a vigência daterceira forma de produção do capital(a maquinofatura) que explica,por exemplo, a presença enquantomomento predominante da reestruturaçãoprodutiva do capital, da “captura”da subjetividade do homem--que-trabalha e das novas formas deestranhamento que dilaceram o núcleohumano-genérico.Nesse caso, o capital atinge seulimite radical, isto é, o capital atingea sua própria raiz, o homem, ou melhor,as relações sociais no sentido daconstituição/deformação do sujeitohistórico como homem-que-trabalha.O toyotismo como ideologia orgânicada produção de mercadoriassurgiu no seio da maquinofatura, namedida em que a “captura” da subjetividadedo homem-que-trabalhapelo capital tornou-se seu nexo essencial.O capitalismo manipulatórioinaugura a era da maquinofaturacomo derivação lógica (e ontológica)da grande indústria.Ao mesmo tempo, a epidemiologialaboral nas condições históricasda maquinofatura caracteriza-sepelo predomínio do adoecimentoda mente, na medida em que o queestá sob tensão é (como na manufatura)o homem integral. Entretanto,enquanto na manufatura o que estáposto é o homem como força de trabalho,na maquinofatura o que estáposto em questão é o homem comotrabalho vivo. Nas condições do capitalismomanipulatório opera-se demodo radical a redução do trabalhovivo à força de trabalho como mercadoria– e pior: ser-mercadoria nummomento histórico de crise radical daforma-mercadoria.Tema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201317


Tema de CapaA condição de insegurança é aregra do mundo do trabalho,hojePara Ruy Braga, as principais tendências do mercado de trabalho brasileiro naúltima década tendem a combinar a formalização do emprego e a precarização dascondições de trabalhoPor Graziela WolfartAo descrever a recente dinâmica domundo do trabalho, o professor RuyBraga, da USP, explica que “os trabalhadoresjovens entram no mercado detrabalho, são rapidamente absorvidos pelasempresas, consumidos por um regime fabrildespótico, e quando adoecem são tambémrapidamente demitidos e substituídos poroutro trabalhador jovem, que recomeça omesmo ciclo”. Na entrevista a seguir, concedidapor telefone à IHU On-Line, ele consideraque faltam hoje, no Brasil e na sociologia dotrabalho internacional, mais estudos sobre adiscriminação por orientação sexual dos trabalhadores.E continua: “nós temos grandesdesafios do ponto de vista do mundo do trabalho,da mobilização sindical pela frente, dedefesa e ampliação dos direitos trabalhistas.Penso que a melhor maneira de se lidar comesses desafios, do ponto de vista da sociologiacrítica e do trabalho, é pensar a fundo essesproblemas em uma perspectiva independentedos governos e das empresas, assumindoo ponto de vista da sociedade civil e dostrabalhadores”.Ruy Braga é especialista em Sociologiado Trabalho e leciona no Departamento deSociologia da Faculdade de Filosofia, Letrase Ciências Humanas da Universidade de SãoPaulo – USP, onde coordenou o Centro deEstudos dos Direitos da Cidadania – Cenedic.É graduado em Ciências Sociais pela Universidadede Campinas – Unicamp, onde cursoumestrado em Sociologia e doutorado emCiências Sociais. É pós-doutor pela UniversidadeCalifórnia/Berkeley, nos Estados Unidos,e livre-docente pela USP. Entre outros, é autorde Por uma sociologia pública (São Paulo: Alameda,2009) e A política do precariado (SãoPaulo: Boitempo, 2012).Confira a entrevista.www.ihu.unisinos.brIHU On-Line – Em que medida apolítica do precariado reflete a situaçãodo mundo do trabalho brasileiro?Ruy Braga – Vamos começar falandodo que seria a política do precariado.Parto da ideia de que a reproduçãodo capitalismo na semiperiferia,em vez de produzir o consentimentooperário, como foi, de alguma maneira,mais frequente nos países de capitalismoavançado, em especial nossetores monopolistas, promove, narealidade, o que eu costumo chamarde inquietação operária. O regime deacumulação, nessas condições semiperiféricas,tem dificuldade de garantire ampliar concessões materiais aostrabalhadores, o que acaba fazendocom que esses mesmos trabalhadoressejam levados compulsoriamente aum processo de automobilização embusca tanto da efetivação quanto daampliação dos direitos trabalhistas.Muitas vezes, esse processo de automobilizaçãopela efetivação e ampliaçãodos direitos trabalhistas é feitocontra a vontade dos próprios sindicatos.Os trabalhadores têm que se mobilizarcontra o controle da burocraciasindical. Esse processo encontra-seem curso, ainda hoje, no Brasil. É deflagrante atualidade, a despeito deque se consegue identificar hoje umadinâmica um pouco mais fragmentada.Sem dúvida, essa dinâmica encontra-sepresente, por exemplo, no atualciclo grevista das obras do Programade Aceleração do Crescimento - PAC,em especial em Belo Monte 1 , onde1 Usina Hidrelétrica de Belo Monte:central hidrelétrica que está sendo construídano Rio Xingu, no estado brasileirodo Pará, nas proximidades da cidade deAltamira. Sua potência instalada será de11.233 MW; mas, por operar com reservatóriomuito reduzido, deverá produzirefetivamente cerca de 4.500 MW (39,5TWh por ano) em média ao longo do ano,o que representa aproximadamente 10%18SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


os trabalhadores se encontram emgreve, ou paralisados, ou se mobilizando.Além disso, encontramos esseprocesso de política do precariado, demobilização daqueles que são os trabalhadoresmais precarizados e piorremunerados, também, por exemplo,no Estado, com o precariado associadoà educação, principalmenteda educação do ensino fundamentale secundário. Temos greves acontecendoem escala nacional dos professores,temos dinâmicas grevistas detrabalhadores pobres precarizados,como é o caso dos trabalhadores doscorreios. Então, é possível dizer queessa dinâmica política do precariadoreflete a situação do mundo do trabalhobrasileiro de diversas maneiras etem efetivamente uma atualidade.IHU On-Line – Qual o poder ea força da insegurança na trajetóriados assalariados em nossos dias?Ruy Braga – A reprodução docapitalismo na semiperiferia transformoua condição de insegurança emregra. Podemos identificar aqui a insegurançasalarial, com os baixos saláriose as poucas garantias trabalhistas.Entre 2002 e 2010 foram criados 2.1milhões de empregos formais, todoano, no mercado de trabalho brasileiro,mas 94% desses empregos pagavaaté 1.5 salário mínimo, ou seja,até 900 e poucos reais. Isso significaque os baixos salários correspondemà regra, o que evidentemente implicaem uma insegurança monetária. Temosassociado a isso a insegurança doprocesso de trabalho, com o aumentodo consumo nacional (388 TWh em 2009).Em potência instalada, a usina de BeloMonte será a terceira maior hidrelétricado mundo, atrás apenas da chinesa TrêsGargantas (20.300 MW) e da brasileirae paraguaia Itaipu (14.000 MW); e seráa maior usina hidrelétrica inteiramentebrasileira. O leilão para construção eoperação da usina foi realizado em abrilde 2010 e vencido pelo Consórcio NorteEnergia. A usina está prevista para entrarem funcionamento em 2015. Desde seuinício, o projeto de Belo Monte encontrouforte oposição de ambientalistas brasileirose internacionais e de algumas comunidadesindígenas locais. Essa pressãolevou a sucessivas reduções do escopo doprojeto, que originalmente previa outrasbarragens rio acima e uma área alagadatotal muito maior. Em 2008, o CNPE decidiuque Belo Monte será a única usinahidrelétrica do Rio Xingu. (Nota da IHUOn-Line)do número de acidentes trabalhistas,que praticamente duplicou nos últimos10 anos, além de um aumentotambém significativo no número deadoecimentos, em especial aquelesassociados a Lesão por Esforço Repetitivo(LER), a Distúrbio OsteomuscularRelacionado ao Trabalho (DORT) e adoenças de fundo psicossomático.Temos uma insegurança impostapela própria reprodução do regimefabril, ou seja, basta olhar as taxasde rotatividade ao longo dos últimos10 anos para ver como houve um aumentonelas. Como no Brasil não háefetivamente uma cláusula contra demissãoimotivada, isso favorece o quecostumamos chamar, em sociologiade trabalho, de manejo predatório daforça de trabalho. Isto é, os trabalhadoresjovens entram no mercado detrabalho, são rapidamente absorvidospelas empresas, consumidos porum regime fabril despótico, e quandoadoecem são também rapidamentedemitidos e substituídos por outrotrabalhador jovem, que recomeça omesmo ciclo. E eu diria também queexiste uma flagrante insegurança nascondições de vida nas cidades. A violênciaurbana está associada com ascondições de vida precárias, ocupaçõesirregulares, ilegalismo, favelização.De acordo com os dados oficiaisdo IBGE, coletados pelo Censo 2010,temos praticamente 12 milhões depessoas, ou seja, 6% da populaçãobrasileira, vivendo em favelas. Issoimplica uma flagrante insegurança doponto de vista das condições de vidanas cidades e aponta para uma ampliaçãoda insegurança do trabalhadorbrasileiro.IHU On-Line – Quais são as principaistendências do mercado de trabalhono país na última década?Ruy Braga – Eu destacaria duastendências principais. Por um lado, éflagrante o que poderíamos chamarde formalização do emprego, ou seja,a criação de milhões de empregosformais, o que praticamente inverteaquela relação entre formal e informalque tínhamos na década de 1990.De fato, em termos de formalizaçãoestamos no ápice da curva históricado emprego formal no Brasil. Isso éevidentemente positivo porque, juntocom o emprego formal, existemalgumas garantias trabalhistas. Mas,por outro lado, existe também umaampliação da precarização das condiçõesde trabalho. A precarizaçãonormalmente está muito associada àprecarização contratual. No entanto,existe uma outra forma de precarizaçãodo trabalho, que é mais complexa,porque é multifacetada e se associaao problema das condições de trabalho,ou seja, as condições de consumoda mercadoria “força de trabalho”.Temos o aumento da taxa de rotatividade,o aumento da flexibilização, donúmero de acidentes de trabalho e ageneralização do que podemos chamarde trabalho assalariado sub-remunerado,apesar de formal. Ou seja,as principais tendências do mercadode trabalho brasileiro nessa últimadécada tendem a se polarizar, a combinaressas duas principais dinâmicas:de um lado, a formalização do empregoe, de outro lado, a precarização dascondições de trabalho.IHU On-Line – O que faz dos operadoresde telemarketing um “retrato”do precariado pós-fordista?Ruy Braga – Eu tenho insistidonessa ideia de que o grupo de teleoperadoresé uma espécie de retrato doprecariado brasileiro pelo fato de quepodemos identificar uma certa coincidênciadas principais característicasdesse grupo com as grandes tendênciasdo mercado de trabalho brasileironos últimos 10 anos. Existe basicamenteuma sobreposição de características.Eu destacaria, em primeiro lugar,a questão do emprego formal, ou seja,não existe praticamente o emprego informalna indústria do call-center brasileiro,o que coloca o precariado vinculadoa essa tendência. No entanto,existe também um baixo nível de qualificaçãodessa força de trabalho, queacaba implicando na multiplicação debaixos salários que, por sua vez, colocamesses trabalhadores em condiçõesefetivamente precárias de vida. Alémdisso, esse grupo é um retrato do precariadopós-fordista brasileiro porqueé fundamentalmente formado por trabalhadoresjovens. De fato, a indústriado call-center se tornou, nos últimos15 anos, a principal porta de entradapara o emprego formal, para os jovens,assalariando predominantemente mulheresnão brancas.Tema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201319


Tema de Capawww.ihu.unisinos.brIHU On-Line – Quais são hoje asdemandas das pautas operárias e emque elas se diferem da sociedade trabalhistade 30 anos atrás?Ruy Braga – Existem diferençasrelacionadas às pautas específicas,ou algumas demandas históricas. Porexemplo, há 30 anos uma das demandasera a oficialização ou a efetivaçãodo salário mínimo, ou a conquista dodireito ao décimo terceiro salário.O que me chama atenção, na verdade,é uma certa permanência, umasimilaridade. Se analisarmos hoje asprincipais campanhas nacionais e mobilizaçõesde trabalhadores no Brasil,iremos perceber claramente umatentativa de articulação de demandasque exigem uma ampliação da proteçãosocial com a busca da ampliaçãodo progresso material dos trabalhadores.Ou seja, temos uma demandapor melhores salários, mas ao mesmotempo temos demandas por garantiade proteção do trabalhador contra ademissão imotivada, por diminuiçãoda jornada de trabalho para garantir oemprego, mas sem diminuição de salários,temos demandas por proteçãocontra a precarização das condiçõesde trabalho, pela efetivação dos direitostrabalhistas para os trabalhadoresdomésticos, pelo fato de que essesconstituem o principal grupo sócio--ocupacional brasileiro, com mais de 7milhões de trabalhadores.“Se a relação entredesemprego altoe inflação baixafosse efetivamenteverdadeira, aAlemanha, nasdécadas de 1920 e1930, seria o paíscom as menorestaxas de inflaçãodo mundo. Essarelação não émecânica”IHU On-Line – O que deve sercomtemplado nos estudos da sociologiado trabalho do século XXI?Ruy Braga – A agenda da sociologiado trabalho no Brasil e em escalainternacional tem sido dominada porum tripé muito correto, convenientee importante que busca, por um lado,aprofundar o estudo da relação entrea política e o trabalho, ou seja, aprofundara pesquisa sobre as diferentesrelações entre estados, sindicatos,trabalhadores em diferentes contextosnacionais; por outro lado, temosum exponencial aumento dos estudosde caso que se dedicam a perscrutaras formas atuais de precarização dotrabalho. E finalmente o que tem seconsolidado nos últimos anos na sociologiabrasileira e internacional sãoos estudos concentrados nessa novacomposição da força de trabalho pós--fordista: uma flagrante preocupaçãocom a feminização da força detrabalho. No caso de países como oBrasil, precisamos pensar evidentementeem estudos que colocam numprimeiro plano o problema racial, ouseja, a questão de que essa força detrabalho é predominantemente nãobranca. O que está faltando são estudosque destaquem diferentes formasde dominação não tradicionais oumenos conhecidas. Faltam no Brasile na sociologia do trabalho internacionalmais estudos sobre a discriminaçãopor orientação sexual dostrabalhadores.IHU On-Line – Qual sua opiniãosobre a opção de apostar no desempregocomo controle da inflação?Ruy Braga – Essa é uma tese deeconomistas ortodoxos, neoclássicosque imaginam que o problema da inflaçãopassa fundamentalmente poruma, dentre tantas variáveis. Isso nãoprocede. Se a relação entre desempregoalto e inflação baixa fosse efetivamenteverdadeira, como defendemesses economistas, a Alemanha, paracitar um exemplo histórico que muitosconhecem, nas décadas de 1920e 1930, seria o país com as menorestaxas de inflação do mundo. Essa relaçãonão é mecânica. A realidade dainflação é marcada por um arranjocomplexo de variáveis e de causas.Deve-se evitar o descontrole inflacionário,porque isso prejudica principalmenteo trabalhador. No entanto, eunão apostaria no desemprego. Essaé a pior maneira de se lidar com isso.Sou favorável que o governo lancemão de medidas mais agressivas deadministração dos preços, principalmentedaqueles produtos que compõema cesta básica. Essa é uma maneira,do ponto de vista do mundo dotrabalho, mais eficiente de controlar oque chamo de inércia ou descontroleinflacionário.IHU On-Line – Tendo em vista ocenário de desaceleração econômica,o que podemos esperar da realidadedo mundo do trabalho no Brasil paraos próximos anos?Ruy Braga – Em primeiro lugar,não acredito que vá haver uma mudançadrástica do atual cenário político,do ponto de vista do mundo dotrabalho, no curtíssimo prazo. Colocoessa mudança mais no médio e longoprazo. No entanto, se acompanharmosa evolução da curva das grevesno Brasil, de 2000 para cá, houve,de fato, um aumento discreto permanentena atividade grevista. Euaposto que esse cenário marcado porum baixo crescimento econômico vaicontinuar alimentando esse aumentoprogressivo, permanente e constantedas mobilizações grevistas no Brasil.IHU On-Line – Qual a inspiraçãoque Robert Castel pode oferecer paraos desafios do mundo do trabalhoem nossos dias?Ruy Braga – Robert Castel foium dos mais importantes sociólogosdo trabalho do segundo pós-guerra.Eu diria que ele foi um dos mais importantessociólogos do período. Aspesquisas que ele desenvolveu nosúltimos 40 anos sobre, principalmente,o processo de institucionalizaçãodos direitos trabalhistas ao longo doséculo XX, destacando evidentementea Europa e, em especial, a Europaocidental, é uma das mais importantescontribuições sobre o tema para asociologia do trabalho. Robert Castelé incontornável nesse sentido. É uma20SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


grande perda para a sociologia, para asociologia do trabalho e para a sociologiacrítica internacional. No entanto,vejo questões problemáticas tambémno seu trabalho que, evidentemente,inspiram a sociologia do trabalhohoje e continuarão inspirando, sendofonte permanente de inquietação, delevantar desafios para o tema na contemporaneidade.Por exemplo, RobertCastel, ao enfatizar aquela dinâmicade institucionalização dos direitos eseus desdobramentos, a relação doEstado com os sindicatos e os trabalhadores,naquilo que ele chamava desalariados (a classe dos trabalhadoresassalariados), acabou tendo algumadificuldade em interpretar a centralidadeque a insegurança social inerenteao processo de mercantilização dotrabalho ocupa no mundo do trabalhocontemporâneo. Eu vejo uma áreaproblemática na teoria de Castel que,por sua vez, tem alguma dificuldadede refletir sobre essa relação entre ainsegurança inerente à mercantilizaçãodo trabalho e o processo de crisedo Estado de bem-estar social, crise darelação salarial fordista, crise financeirae econômica. Ele acabou tentandodar conta disso através de um conceitode precariado que colocava muitaênfase num certo comportamentopolítico regressivo, autoritário, antidemocrático,que ele chamava de novasclasses perigosas na Europa, em especialna França. Não vejo o precariadodessa forma, nem que essa seja umaboa solução para o caso europeu e,sem dúvida, não é uma boa soluçãoteórica para o caso brasileiro.Baú da IHU On-LineIHU On-Line – O senhor gostariade acrescentar mais algum comentáriosobre o tema?Ruy Braga – Nós temos grandesdesafios do ponto de vista do mundodo trabalho, da mobilização sindicalpela frente, de defesa e ampliação dosdireitos trabalhistas. Penso que a melhormaneira de se lidar com esses desafios,do ponto de vista da sociologiacrítica e do trabalho, é pensar a fundoesses problemas em uma perspectivaindependente dos governos e das empresas,assumindo o ponto de vista dasociedade civil e dos trabalhadores.Leia mais...>> Ruy Braga já concedeu outrasentrevistas à IHU On-Line. Confira:• O desmantelamento do estado debem-estar social é o DNA do capitalismo.Notícias do Dia 28-09-2012,disponível em http://bit.ly/VSYdd4;• A política do precariado e a mercantilizaçãodo trabalho. RevistaIHU On-Line número 411, de 10-12-2012, disponível em http://bit.ly/Y0FNuSPara pesquisar e consultar outras edições da revista IHU On-Line sobre o tema dotrabalho, confira:• As mutações do mundo do trabalho. Desafios e perspectivas. Edição número 390, de 30-04-2012, disponível emhttp://bit.ly/KfpF2D• Trabalho imaterial e apropriação da subjetividade humana. Entrevista com Sílvio Camargo, número 387 de 26-03-2012,disponível em http://bit.ly/Hafd5c• Biocapitalismo e trabalho. Novas formas de exploração e novas possibilidades de emancipação, número 327, de 03-05-2010, disponível em http://bit.ly/JwXRSa• O capitalismo cognitivo e a financeirização da economia. Crise e horizontes, número 301, de 20-07-2009, disponível emhttp://bit.ly/9ZMEXs• O mundo do trabalho e a crise sistêmica do capitalismo globalizado, número 291, de 04-05-2009, disponível emhttp://bit.ly/aJl0Bi• O mundo do trabalho no Brasil de hoje. Mudanças e novos desafios, número 256, de 28-04-2008, disponível emhttp://bit.ly/bHjG51• O trabalho no capitalismo contemporâneo. A nova grande transformação e a mutação do trabalho, número 216, de23-04-2007, disponível em http://bit.ly/b7yjJN• Mais inovação tecnológica e... piores condições de trabalho. Um paradoxo!, número 188, de 10-07-2006, disponível emhttp://bit.ly/9XI3hj• Trabalho. As mudanças depois de 120 anos do 1º de maio, número 177, de 24-04-2006, disponível em http://bit.ly/9hpxec• As obras coletivas e seus impactos no mundo do trabalho, número 161, de 24-10-2005, disponível em http://bit.ly/cPi0xB• A crise da sociedade do trabalho, número 98, de 26-04-2004, disponível em http://bit.ly/9fGZ4W• Economia Solidária e a crise do mundo do trabalho, número 66, de 30-06-2003, disponível em http://bit.ly/9BUpq7• 1º de maio: trabalho e memória, número 57, de 28-04-2003, disponível em http://bit.ly/c1VjpBTema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201321


Tema de CapaMultifuncionalidade eprecarização dos laços detrabalho“O tempo de trabalho se adequa às exigências do processo produtivo tornandomenos claras as fronteiras entre o espaço do trabalho e o da vida da casa, da família”,afirma José Ricardo RamalhoPor Graziela Wolfart e Cesar Sanson“Acrise de produtividade do sistemade produção capitalista emanos recentes e as demandasdela decorrentes, em um mercado cada vezmais globalizado, resultaram em mudançasimportantes no mundo do trabalho”. A conclusãoé do professor José Ricardo Ramalho,que concedeu a entrevista a seguir para aIHU On-Line por e-mail. Ele não tem dúvidade que o trabalho “continua sendo uma importanteatividade constituinte da sociedadecontemporânea, mas abre-se agora um lequede outras possibilidades que precisam ser exploradaspelo investigador social preocupadoem desvendar as novas estratégias postas emprática no processo de acumulação e o queacarretam para os que vivem do trabalho, aténo que se refere às manifestações de resistênciaque irão emergir”.José Ricardo Ramalho é sociólogo e professorno Departamento de Sociologia e doPrograma de Pós-Graduação em Sociologiae Antropologia da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ). Fez doutorado emestrado em Ciências Sociais (Ciência Política)na Universidade de São Paulo, e pós--doutorados na Universidade de Londrese na Universidade de Manchester. É autorde, entre outros, Sociologia do Trabalho noMundo Contemporâneo (2. ed. Rio de Janeiro:Zahar, 2009).Confira a entrevista.www.ihu.unisinos.brIHU On-Line – A partir de umaperspectiva histórica e tendo presentea evolução das forças produtivas,particularmente a Revolução Tecnológica,quais são os novos temas – ouparadigmas – que se colocam para aanálise do mundo do trabalho?José Ricardo Ramalho – A crisede produtividade do sistema de produçãocapitalista em anos recentes eas demandas dela decorrentes, emum mercado cada vez mais globalizado,resultaram em mudanças importantesno mundo do trabalho. Oprocesso de reestruturação das empresas,nos países industrializados,se fez com a criação de novos mecanismosde controle e de organizaçãoda produção, amparado no uso intensode tecnologias de informação,e teve consequências nas formas deassalariamento vigentes. A introduçãode relações de trabalho marcadaspela flexibilidade colocou emxeque os empregos de longa duraçãoe disseminou ocupações atípicas eprecárias. Um contexto como este,combinando intensificação do trabalhocom insegurança no emprego,trouxe para o debate, por um lado, anecessidade de rever os argumentosconstruídos em situações de trabalhoformal e assalariado e, por outro, ainsegurança com relação à pertinênciado trabalho como formador deidentidade social.Não há dúvida de que o trabalhocontinua sendo uma importanteatividade constituinte da sociedadecontemporânea, mas abre-se agoraum leque de outras possibilidadesque precisam ser exploradas pelo investigadorsocial preocupado em desvendaras novas estratégias postas emprática no processo de acumulação eo que acarretam para os que vivemdo trabalho, até no que se refere àsmanifestações de resistência que irãoemergir.Para a sociologia do trabalho, asteorias construídas a partir do conhe-22SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


cimento sobre o controle gerencialexercido pela unidade fabril fordista,de produção em massa, não são maissuficientes para explicar o que acontecehoje dentro de empresas dos diversossetores, tal como o de serviços,marcado pela flexibilização das relaçõesde trabalho, pelo crescimento doemprego precário e inseguro, e pelaausência de proteção da legislaçãotrabalhista. Além do fato de a elaboraçãoteórica a partir do trabalhadorformal não captar com a devida acuidadeas manifestações de trabalhoinformal, a domicílio, que se multiplicamnesse novo contexto.IHU On-Line – A reflexão acadêmicaacerca das mudanças no mundodo trabalho tem conseguido acompanharo que está acontecendo nomundo real ou há defasagens significativas?O que dizer das críticas àsociologia do trabalho por continuaranalisando o mundo do trabalho comas mesmas categorias da sociedadeindustrial? Qual é a sua visão?José Ricardo Ramalho – Emborajá seja possível identificar um conjuntoexpressivo de pesquisas voltadaspara a investigação das transformaçõesno mundo do trabalho e seusdesdobramentos sobre a vida dos trabalhadores,sobre a estrutura das empresase sobre as formas de empregoque emergem na sociedade contemporânea,creio que ainda há lacunasimportantes a ser preenchidas pelosestudos dedicados a essa temática.No caso do Brasil e da AméricaLatina, por exemplo, a referência bibliográficatradicionalmente utilizadase inspira em uma literatura produzidaa partir da realidade de sociedadesindustrializadas, no contexto de ummercado de trabalho formalizado. Oque se tem percebido, neste caso, é aincapacidade de, com esse corpo conceitual,explicar as particularidadesdo emprego, do mercado de trabalhocom a marca da informalidade, doprocesso de industrialização tardio e,em consequência, das característicasdiferenciadas assumidas pela organizaçãosindical. Trata-se, portanto, dodesafio que se coloca para a sociologiado trabalho: refazer ênfases e“A introduçãode relações detrabalho marcadaspela flexibilidadecolocou em xequeos empregos delonga duraçãoe disseminouocupações atípicase precárias”aprofundar pesquisas também sobreo que é o trabalho “não clássico”.Outras tradições além dasfábricasPor outro lado, pensar o trabalhoem outras dimensões além de suamanifestação dentro das fábricas temexigido uma abertura maior para dialogarcom outras tradições de análisesocial. A organização das empresas emrede, por exemplo, colocou relevâncianas localidades e regiões onde se estabelecemas atividades econômicase trouxe para o debate a dimensão daparticipação dos trabalhadores e sindicatosnas discussões públicas sobreprojetos de desenvolvimento e sobreatuação política. Importante tambémé atentar para a necessidade de revisitaras instituições de representaçãodos trabalhadores. Os sindicatos aindapassam por grandes dificuldadespara enfrentar as novas estratégiasdas empresas, e as práticas políticasanteriores não têm sido eficazes naresistência aos efeitos negativos paraos que vivem do trabalho. Novas pesquisasprecisam avaliar o modo comoa instituição sindical poderia retomarsua capacidade de contestação e regulaçãodas atividades no mercado detrabalho.IHU On-Line – Há novidades nosestudos sobre trabalho? Qual temsido a contribuição da sociologia dotrabalho brasileira nesse debate equais são as principais ausências?José Ricardo Ramalho – A ampliaçãodo escopo de estudos sobreo trabalho tem demonstrado novosinteresses de pesquisa e o despertarde outros tipos de curiosidade, muitasvezes a partir da revisita aos velhos temasdiscutidos em períodos históricosanteriores. Isso se aplica também àsociologia do trabalho brasileira. Algunsdesses temas tem sido objetode investigação continuada aqui e nospaíses industrializados, principalmenteno que se refere às mudanças nasformas de organização das empresase do trabalho. Assim, os estudos sobrea consolidação do padrão flexível têmgarantido debates acirrados sobre seucaráter positivo ou negativo e sobresuas consequências sociais. Por umlado, argumenta-se a favor da multifuncionalidadecomo algo que dáautonomia ao trabalhador; por outrolado, enfatiza-se a “precariedade” dosnovos laços de trabalho como formade tornar o trabalhador mais vulnerávelna relação com as empresas.Tempo de trabalhoNo Brasil e no exterior, uma discussãoque avançou se deve à alteraçãoda concepção de “tempo de trabalho”,tendo em vista que cada vezmais vem ocorrendo uma extensãoda jornada de trabalho à revelia daslegislações existentes. O “tempo detrabalho” se adequa às exigências doprocesso produtivo tornando menosclaras as fronteiras entre o espaço dotrabalho e o da vida da casa, da família.Ao mesmo tempo, algumas ausênciasno debate sobre o trabalho na sociedadeatual começam a ser objetode novos investimentos de pesquisa.Como mencionei acima, identifica-sea importância do aprofundamentode estudos sobre o chamado trabalhonão clássico marcado por atividadesnão assalariadas, ocupações atípicas,precárias e inseguras. Da mesma forma,é preciso avaliar a dimensão dochamado “trabalho imaterial” – aquelecujo produto não se evidencia deimediato como resultado do esforçohumano – e chegar à compreensãode outro tipo de trabalhador que seTema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201323


Tema de Capawww.ihu.unisinos.brforma a partir das atividades assimdesignadas.Um fato do mundo contemporâneodo trabalho é, sem dúvida, ocrescimento da participação das mulheres,que tem provocado a sensibilidadedos pesquisadores no sentidode discutir, por exemplo, a importânciada flexibilização no mundo dotrabalho para a organização e a reproduçãoda vida familiar, associando asquestões do trabalho às questões degênero.Outra questão incontornávelse refere à relação entre o trabalhooferecido e as condições de vida dostrabalhadores. Para pensar positivamentevale a pena lembrar os escritosde Robert Castel, que ressaltavam arelevância do trabalho na construçãode redes de sociabilidade e de presençado trabalhador, na estrutura social.Entretanto, agora como emqualquer outro período da história, otema traz à tona os mecanismos pelosquais a inserção no trabalho, reincidentemente,leva à exacerbação dapobreza e à exclusão social. O contextoatual das relações de trabalho noBrasil também aponta para uma ênfasenecessária na investigação sobrea existência de laços de trabalho tãoprecarizados que chegam a configurartrabalho infantil e formas de trabalhoanálogas à escravidão.IHU On-Line – No que Marx continuaindispensável para o estudo domundo do trabalho e no que deve serrevisto e ampliado?José Ricardo Ramalho – Não vejocomo pesquisar o tema do trabalhosem fazer referência a Marx e a suaanálise fundamental sobre o funcionamentodo sistema capitalista e do“Outra questãoincontornável serefere à relaçãoentre o trabalhooferecido eas condiçõesde vida dostrabalhadores”seu processo de acumulação. A cadacrise do capitalismo, como a mais recentede 2008, a atualidade da obrade Marx se confirma e fornece elementospara um entendimento geraldos mecanismos do sistema econômico.Mas os estudos sobre o mundo dotrabalho, hoje, não podem prescindirde outros enfoques e de consideraros diferentes contextos nos quais asformas e usos do trabalho se manifestam.Preocupações em compreendero trabalho imaterial, por exemplo, oua formação de diferentes subjetividadesassociadas ao trabalho não clássico,demandam abordagens elaboradasem situações sociais inexistentesno período histórico ao qual Marx dedicouas suas análises.IHU On-Line – Em que medidaa pesquisa acadêmica sobre o mundodo trabalho pode contribuir parauma mudança na legislação trabalhista?Há necessidade de uma revisãonesse sentido?José Ricardo Ramalho – O estudosistemático dos efeitos do padrão flexívelsobre o mercado de trabalho noBrasil, e das estratégias empresariaispara abolir parte considerável da proteçãolegislativa traz bons elementospara a reflexão e o debate político sobrealterações necessárias na legislaçãotrabalhista. Pesquisas acadêmicase a decisiva contribuição do DepartamentoIntersindical de Estatística e EstudosSocioeconômicos – Dieese paraa elucidação dos principais problemasque afetam o mundo do trabalho têmdemonstrado a necessidade de discutire, eventualmente, fazer alteraçõesnas leis que não amparam ou não regulamcomo deviam os laços de trabalho,deixando que se reproduzam oscasos de terceirização de atividades,e de condições de trabalho análogasà escravidão. O mesmo se aplica aosescritos dedicados ao sindicalismo nopassado e no presente que, ao abordaremquestões relativas à pluralidadesindical e ao imposto sindical, porexemplo, contribuem não só para odebate político no interior do própriomovimento sindical como oferecemargumentos para tornar os sindicatosmenos dependentes do Estado.Leia mais...>> José Ricardo Ramalho já concedeuoutra entrevista à IHU On-Line.Confira:• Trabalho flexível: a crise das representaçõestrabalhistas. Publicadana edição n. 256, de 28-04-2008,disponível em http://bit.ly/11E8BrpLEIA OS CADERNOS TEOLOGIA PÚBLICANO SITE DO IHUWWW.IHU.UNISINOS.BR24SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


A virtuosa relação crescimento/emprego/rendaPara Claudio Dedecca, aumentar a renda e o poder de consumo das famílias é algoque favorece a arrecadação do Estado, o que permite uma ampliação do seu gastosocial com infraestrutura e políticas sociaisPor Graziela WolfartIHU On-Line – Quais as novidadesno Brasil em relação às políticaspúblicas de trabalho, renda e proteçãosocial?Claudio Dedecca – A experiênciarecente brasileira nega um conjuntode expectativas que havia sido constituídono final de década de 1990 nopaís sobre as perspectivas do mercadode trabalho. Ao longo da décadade 1990, a avaliação que se tinha doponto de vista do mercado de trabalhoé de que nós teríamos uma situaçãode desemprego recorrente, emque não seria mais possível ampliar osetor formal ou realizar a geração deemprego e desenvolver políticas públicasde proteção e desenvolvimentodo trabalho. A década passada mostraque essa avaliação da década de 1990EDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013era totalmente falaciosa. Foi possívelpara o país voltar a crescer, gerar empregos,elevar os salários e realizarpolíticas públicas de proteção e desenvolvimentodo trabalho. Portanto,nosso grande desafio a partir deagora, em termos de país, é darmoscontinuidade de sustentação a essatrajetória positiva que conhecemosnos últimos tempos.IHU On-Line – Qual a importânciapara o mundo do trabalho brasileirodo fato de o Lula ter reconstituídouma visão nacional no país, deque temos que ter um projeto queatenda aos interesses dos diversossegmentos da sociedade brasileira? 11 Reflexão levantada pelo professor naNa visão do professor Claudio Dedecca,da Unicamp, a década passadamostrou que “foi possível para o paísvoltar a crescer, gerar empregos, elevar ossalários e realizar políticas públicas de proteçãoe desenvolvimento do trabalho. Portanto,nosso grande desafio a partir de agora,em termos de país, é darmos continuidadede sustentação a essa trajetória positiva queconhecemos nos últimos tempos”. Na entrevistaa seguir, concedida por telefone à IHUOn-Line, ele defende que “a política econômicatende a ter uma trajetória própria e apolítica de infraestrutura, isto é, investimentoem saneamento, transporte, etc., acabaocorrendo na brecha permitida pela políticaeconômica”, o que já estaria melhorando,mas ainda precisa avançar. E aponta: “o trabalhadordepende que o mercado de trabalhofuncione bem, o desemprego seja baixo,a renda aumente, as condições de empregosejam favoráveis, mas ele depende igualmentedo desenvolvimento de um conjuntoimportante de políticas de Estado em termosda sua condição de vida”.Claudio Salvadori Dedecca é professor doInstituto de Economia da Unicamp. Possuigraduação, mestrado e doutorado em CiênciasEconômicas pela Universidade Estadualde Campinas. Dentre outros, é autor de Trabalhoe Gênero no Brasil: Formas, Tempo eContribuição Sócio-Econômica (Brasília: UNI-FEM - ONU, 2005) e Racionalização e Trabalhono Capitalismo Avançado (Campinas: Unicamp- IE, 1999).Confira a entrevista.Claudio Dedecca – O impactoé enorme e extremamente positivo,porque obviamente a reconstituiçãodo projeto nacional para o país restabeleceuma confiança dos diversossegmentos da sociedade em relaçãoao futuro que esse país pode ter. Enesse exato momento existe uma razoávelconvergência em boa parte dossetores da sociedade brasileira, quepossuem a confiança de que é possívelque o país estabeleça uma trajetóriaprópria de desenvolvimento combenefícios sociais, com redução da desigualdade,com geração de emprego,entrevista “O governo Lula e a reconstituiçãode uma visão nacional no país”,publicada na IHU On-Line número 413,de 01-04-2013, disponível em http://bit.ly/XVHGVy (Nota da IHU On-Line)Tema de Capa www.ihu.unisinos.br25


Tema de Capawww.ihu.unisinos.brcom proteção social. Esse é um fatoextremamente positivo porque tira opaís de uma situação de pessimismomuito radical, que ele havia conhecidona década de 1990 e insere nasociedade brasileira uma visão de queela pode fazer um desenvolvimentoeconômico e social mais justo.IHU On-Line – Como esse projetopode preservar questões básicas,como o crescimento, a estrutura produtiva,a renda e o emprego?Claudio Dedecca – Nos últimosanos o Brasil tem buscado desenvolverum conjunto de medidas com oobjetivo de fortalecer o crescimento.Alguns fatores têm jogado negativamenteem relação a esse processocomo, por exemplo, o cenário internacional.É fundamental que ocenário internacional melhore, quetenhamos uma perspectiva de crescimentoda economia internacional. Edo ponto de vista da política interna,o desenvolvimento e a articulação daspolíticas econômicas e sociais aindase estrutura. O Brasil sofre uma articulaçãomuito baixa entre esses trêsconjuntos de política. A política econômicatende a ter uma trajetóriaprópria e a política de infraestrutura,isto é, investimento em saneamento,transporte, etc., acaba ocorrendo nabrecha permitida pela política econômica.O mesmo ocorre com a políticasocial. Nos últimos tempos, essa relaçãoentre a política de infraestrutura,as políticas sociais e a política econômicatem melhorado. A decisão dogoverno em reduzir a taxa de juros,em defender o crescimento como uminstrumento fundamental para a execuçãode políticas de infraestrutura epolíticas sociais, tem sido uma condutamuito favorável. Mas precisamosmelhorar ainda mais esse processo. Éfundamental que a política econômicatenha não só objetivos, metas, inflação,busque manter o superávit econômicoe ampliar as reservas internacionaisque o país tenha, mas tambémé importante que faça parte da políticaeconômica os objetivos sociais, istoé, avanços no campo da educação,do saneamento, que ela tenha comoparâmetro desafios sociais e não sódesafios econômicos, como tem sido“Nos últimosanos o Brasiltem buscadodesenvolverum conjuntode medidascom o objetivode fortalecer ocrescimento”a marca da condução da política econômicanesses últimos 30 anos.IHU On-Line – Em que implicaa ação do governo do PT de ter conseguidovincular de modo estreito anecessidade de provocar um desenvolvimentona base produtiva com ageração de emprego?Claudio Dedecca – As implicaçõesdesta relação são extremamenteimportantes, por dois motivos: emprimeiro lugar, em termos gerais, parao país ter uma base produtiva maisdesenvolvida e para poder competirinternacionalmente. Apesar de que opaís tem encontrado dificuldade paraconcretizar esse objetivo. O segundoaspecto é que o desenvolvimento dabase produtiva em uma perspectivade fortalecimento do emprego e dofortalecimento da renda gera um duploimpacto: de um lado, o aumentodo emprego e da renda melhora ascondições de poder de compra dasfamílias e isso é fundamental, porqueboa parte da população depende dotrabalho e do salário para viver e manterseu padrão de consumo. Ampliara estrutura produtiva, o emprego e arenda é algo que beneficia as famílias,ainda mais com políticas envolvendoo salário mínimo, para reforçar esseprocesso. Por outro lado, se temos oaumento da atividade econômica, doemprego e da renda, o Estado tambémé beneficiado, porque a arrecadaçãocresce, portanto esse processopermite que o Estado não só ampliesua capacidade de investimento, mastambém de gastos na área social ede infraestrutura. Portanto, como noBrasil a população é muito carente emtermos de infraestrutura e de políticassociais, favorecendo a arrecadação doestado, obviamente se propicia umaampliação do gasto social do Estado.IHU On-Line – Como as políticasde renda (salário mínimo, BolsaFamília, etc.) impactam no âmbitodo trabalho e do emprego em nossopaís?Claudio Dedecca – Há uma amplaconvergência entre os analistasde que essas políticas têm sido muitoboas para o mundo do trabalho. Nãopodemos olhar apenas para o trabalhador,temos que olhar para sua família.Os efeitos do aumenta da rendae a melhora do mercado de trabalhoaumentou a capacidade de gasto doEstado. Essa melhora na renda dasfamílias – seja por meio de transferênciade renda ou pelo salário mínimo– favoreceu o poder de compra. Aquestão que é necessária ressaltar éde que as necessidades de uma famíliade baixa ou média renda é muitomais complexa do que pura e simplesmentea renda do trabalho ou a rendada transferência do Bolsa Família.É preciso ter acesso à educação, àsaúde, habitação, saneamento. Nessesentido, ainda estamos nos movendolentamente em relação às políticassociais e à importância que elas têmpara o trabalhador. Isto é, o trabalhadordepende que o mercado de trabalhofuncione bem, o desemprego sejabaixo, a renda aumente, as condiçõesde emprego sejam favoráveis, mas eledepende igualmente do desenvolvimentode um conjunto importante depolíticas de Estado em termos da suacondição de vida.IHU On-Line – Pensando emsalário mínimo, podemos dizer queo salário atual é condizente comas necessidades dos trabalhadoresbrasileiros?Claudio Dedecca – Não, o saláriomínimo atual não é condizente.Entretanto, devemos ressaltar que26SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


temos uma política de estado para osalário mínimo. E se privilegiarmos ocrescimento e entendermos que a relaçãocrescimento/emprego/renda évirtuosa, mantida a política do saláriomínimo atual, poderemos ter, ao finaldesta década, uma situação garantidade renda para os trabalhadoresbrasileiros que ganham remuneraçãomais baixa. Não temos ainda hoje,mas constituímos um mecanismo extremamenteimportante para viabilizarque os salários baixos no Brasildeixem de ser irrisórios e passem ater um valor substantivo. Estamos nocaminho certo.“Do ponto devista da evoluçãoda apropriaçãodo mundo dotrabalho emrelação ao tempodas pessoas, nósnão estamos indobem”IHU On-Line – Que relação podeser estabelecida hoje entre tempo etrabalho? Como é feito uso do tempono capitalismo do século XXI, tendoem vista o mundo do trabalho noBrasil?Claudio Dedecca – Existe todauma discussão de que as transformaçõestecnológicas mais gerais e recentesdo capitalismo nos propiciariam aampliação do tempo livre e diminuiçãodo tempo de trabalho. Infelizmenteessa tese não tem nenhum respaldona realidade. O mundo do trabalhovem ampliando a distorção do tempodisponível das pessoas. Nos últimos 15anos, no Brasil, tínhamos uma legislaçãoque falava em jornada de 44 horassemanais de trabalho, concentrada desegunda a sábado até a hora do almoço.No entanto, permitimos a aberturado comércio aos domingos, colocamosbanco de horas e permitimos a realizaçãode trabalho em horários queescapam do período normal de trabalho.Do ponto de vista da evolução daapropriação do mundo do trabalho emrelação ao tempo das pessoas, nós nãoestamos indo bem. E essa situação nãoé própria do Brasil. No mundo inteiro, apopulação dedica cada vez mais tempopara o mercado de trabalho.IHU On-Line – Considerando acrescente imaterialização das atividadescomo uma tendência do trabalhono século XXI, como isso apareceno Brasil?Claudio Dedecca – O Brasil aindatem um espaço muito grande para geraçãode empregos caracterizados pelotrabalho manual e material. O desenvolvimentodesse trabalho e a geraçãodesses empregos são muito importantespara o mercado de trabalho brasileironos próximos anos. O que temosque fazer é nos preocupar menos seo trabalho está vinculado a atividadesmateriais ou imateriais, mas fundamentalmentepromovermos o desenvolvimentodos setores e gerarmos empregosque temos a possibilidade de gerar.E, mais do que isso, buscarmos melhorara qualidade desses empregos.IHU On-Line – Qual a importânciae a força dos sindicatos nademocracia atual, tendo em vista odesemprego?Claudio Dedecca – É enorme,até porque a Constituição brasileiradetermina que o sindicato participede várias políticas públicas. E mais, sea economia e o mercado de trabalhovão bem, também avança a negociaçãocoletiva e melhoram as relaçõesde trabalho. E o sindicato tem um papeldecisivo nesse processo. As condiçõesdo mercado de trabalho têmfavorecido os sindicatos.Leia mais...LEIA OS CADERNOS IHU IDEIASNO SITE DO IHUWWW.IHU.UNISINOS.BR>> Claudio Salvadori Dedecca jáconcedeu outras entrevistas à IHUOn-Line. Confira:• Salário mínimo: “É preciso abandonara postura de pensar o Brasil acurto prazo”. Entrevista publicadano sítio do IHU em 15-02-2011, disponívelem http://bit.ly/11p3sUb• O governo Lula e a reconstituiçãode uma visão nacional no país. Entrevistapublicada na IHU On-Line n.413, de 01-04-2013, disponível emhttp://bit.ly/XVHGVyTema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201327


Tema de CapaAcabou a fase do trabalhoseguro e por tempoindeterminadoPara Christian Marazzi, não há nenhuma chance de sairmos da crise sem que o capitalretome a via do endividamento. “Uma nova bolha financeira está por explodir nospróximos meses”, prevêPor Graziela Wolfart | Tradução de Sandra Dall Onderwww.ihu.unisinos.brIHU On-Line – Como o senhorpercebe a crise na Europa considerandoa situação particular de cadapaís? Como falar do mundo do trabalho,a partir da crise, em uma situaçãocomo a da Alemanha e da Grécia,por exemplo?Christian Marazzi – Na Europa,a crise começou “oficialmente” nooutono de 2009, quando a Grécia foiatacada pela primeira vez pelos mercadosfinanceiros e da União EuropeiaOs efeitos da crise na Europa sobre omercado de trabalho até agora têmsido devastadores, aponta o economistasuíço Christian Marazzi, “com o aumentodo desemprego, o fechamento de muitaspequenas e médias empresas, a deterioraçãoda qualidade de vida dos cidadãos, o aumentodo número de suicídios. Na Grécia, tudoisso atingiu proporções dramáticas, mas tambémno resto da Europa as coisas estão indonesta direção”. Ele fez esta e outras afirmaçõesna entrevista que concedeu por e-mailpara a IHU On-Line, onde acrescenta que “oprincipal objetivo do capital, perfeitamentecoerente com a política neoliberal, é o de minimizaro custo do trabalho, com o aumentodo exército de desempregados, a redução dasaposentadorias, o aumento na cobrança deimpostos e a destruição definitiva dos sindicatos.O que não está claro é o significado destaestratégia macroeconômica, uma vez que nãoé possível sair da crise atual, na esperança deuma recuperação da competitividade de todasas economias europeias”. E Marazzi identificaum panorama assustador: “uma coisaparece clara: não há nenhuma chance de sairda crise sem que o capital retome a via do endividamento.O problema é que, mesmo queos bancos centrais estejam criando liquidez,mais do que devem, essa liquidez não desembocana economia real, permanece nos circuitosfinanceiros e, portanto, alimenta umanova (e enorme) bolha financeira. Que estápor explodir nos próximos meses”.Christian Marazzi é professor e diretor deinvestigação socioeconômica na Universidadedella Svizzera Italiana. Também foi professorna Universidade Estadual de Nova York e naUniversidade de Pádua, dentre outras. Entresuas obras, citamos Autonomia (Cambrigde:MIT Press, 2007), Capital and language (Cambrigde:Mit Press, 2008), em parceria comMichael Hardt e Gregory Conti, e O lugar dasmeias: A virada linguística da economia e seusefeitos na política (São Paulo: Civilização Brasileira,2009).Confira a entrevista.em função da situação da sua dívidapública. A partir daquele momento, eaté agora, tem havido uma sucessãode crises da dívida soberana, com paísescomo a Irlanda, Portugal, Espanhae, no fio da navalha, a Itália, mais recentemente,o Chipre, alvo dos mercadosque têm como objetivo impormedidas de austeridade para restaurar(“consolidar”) a despesa pública esair da crise. Na verdade, o que aconteceué que as medidas de austeridade,ou seja, os cortes de gastos públicose o aumento de impostos, têmcontribuído para agravar a situaçãoeconômica e social dos países periféricosda zona do euro, provando que aausteridade, em vez de facilitar a recuperaçãoda recessão, ao contrário,piora. Os efeitos sobre o mercado detrabalho até agora têm sido devastadores,com o aumento do desemprego,o fechamento de muitas pequenase médias empresas, a deterioração da28SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


qualidade de vida dos cidadãos, o aumentodo número de suicídios.Na Grécia, tudo isso atingiu proporçõesdramáticas, mas também noresto da Europa as coisas estão indonesta direção, especialmente no quediz respeito ao desemprego entre osjovens, por exemplo, que na Espanhaou na Itália atingiu proporções inacreditáveis​,de mais de 40%.Na Alemanha, que certamenteé o país economicamente mais forte,esta situação do mercado de trabalhoe do desemprego começou muito antesda crise, especialmente no iníciode 2000, com os planos de trabalhodo governo vermelho-verde, que optarampor um mercado de trabalhocada vez mais flexível e temporário(“pleno emprego do trabalho temporário”,dizia-se), também com baseno trabalho imigrante para reduzir ossalários.IHU On-Line – Com a crise naEuropa e os desafios impostos porela ao mundo do trabalho, quais asprincipais transformações recentesno que se refere à geração de rendae de consumo?Christian Marazzi – É difícil respondera essa pergunta, porque nãoestá claro qual é (se houver) o projetopor trás deste ataque frontal ao mundodo trabalho. Na verdade, o principalobjetivo do capital, perfeitamentecoerente com a política neoliberal, éo de minimizar o custo do trabalho,com o aumento do exército de desempregados,a redução das aposentadorias,o aumento na cobrança deimpostos e a destruição definitiva dossindicatos. O que não está claro é osignificado desta estratégia macroeconômica,uma vez que não é possívelsair da crise atual, na esperança deuma recuperação da competitividadede todas as economias europeias, aomesmo tempo, através da retomadadas exportações. Os países mais afetadospela crise da dívida soberanaestão se tornando um grande grupode força de trabalho pobre, prontos amigrar para os países do norte da Europa.Talvez esta seja a referência queemerge da estratégia da crise, criarum Sul de serviços (e emprego) paraos ricos do Norte. De toda forma háanos, quando algum novo emprego écriado, ele é certamente temporário“A austeridade,em vez de facilitara recuperaçãoda recessão, aocontrário, piora”e por tempo determinado. Acabou afase do trabalho seguro e por tempoindeterminado.IHU On-Line – Em que medida atransformação das finanças em “ferramenta”ativa para suportar a demandase relaciona com o desmantelamentodo Estado social e coma crescente privatização dos benspúblicos?Christian Marazzi – Na fase deexpansão do capitalismo financeiro,desde os anos 1980, tem havido umaprivatização dos mecanismos de criaçãoda demanda agregada de Keynes 1 .O endividamento das famílias e empresastem, gradualmente, tomado olugar da dívida pública dos países nasua função de criação da demandaadicional (a salarial) necessária paraobter lucros. Não que a dívida públicatenha diminuído. Pelo contrário, oseu aumento se deve principalmenteà redução da carga fiscal sobre o capi-1 John Maynard Keynes (1883-1946):economista e financista britânico. SuaTeoria geral do emprego, do juro e dodinheiro (1936) é uma das obras mais importantesda economia. Esse livro transformoua teoria e a política econômicas,e ainda hoje serve de base à políticaeconômica da maioria dos países não-comunistas.De Keynes, publicamos um artigoe uma entrevista na 139ª edição, de02-05-2005, disponível para download emhttp://migre.me/4b8NA e outra entrevistana 144ª edição, de 06-06-2005, disponívelpara download em http://migre.me/4b8NR. Confira, também, dois artigosna 145ª edição, de 13-06-2005, disponíveispara download em http://migre.me/4b8Ob e um artigo nos Cadernos IHUIdeias número 37, de 2005, intitulado Asconcepções teórico-analíticas e as proposiçõesde política econômica de Keynes,de autoria do Prof. Dr. Fernando FerrariFilho, disponível para download emhttp://migre.me/4b8Pq. Leia, também,a edição 276 da Revista IHU On-Line, de06-10-2008, intitulada A crise financeirainternacional. O retorno de Keynes, disponívelpara download em http://migre.me/4b8OK. (Nota da IHU On-Line)tal e rendimentos elevados, aumentode demandas geradas pelo envelhecimentoda população e ao aumentodos custos com a saúde. Com a criseda dívida privada, por meio da intervençãodos países para ajudar o sistemabancário à beira da falência, foinovamente transformada em dívidapública. Assistimos à socialização dadívida e a privatização dos lucros. Eeste aumento da dívida pública oportunizouo ataque aos gastos públicosdo welfare state e a privatização debens públicos.IHU On-Line – Na última entrevistaque nos concedeu 2 , o senhorafirmou que “é a cooperação, a trocade saberes e conhecimentos, ascompetências adquiridas no âmbitodo não trabalho que são recursosestratégicos para o desenvolvimentodo capital”. Como reflete sobre essaafirmação a partir da crise na UniãoEuropeia?Christian Marazzi – Posso apenasreiterar que, em lugar do uso capitalistado “comum”, justamente o trabalhode cooperação, do conhecimentoe da experiência, podemos e devemosagora responder com a luta por umarenda de cidadania, uma renda queseja uma forma de monetização detodo o trabalho gratuito que fazemospara (simplesmente) viver, mas quese insere na estratégia do capital decaptar a mais-valia absoluta, atravésde dispositivos de externalização daexploração do trabalho.IHU On-Line – Com a crise noemprego/trabalho, quais os impactosque as grandes empresas sofremem função da quebra do mecanismoda dívida (aqui pensando no cartãode crédito e nas hipotecas imobiliárias,por exemplo)?Christian Marazzi – A crise é sempreum momento de cortes de gastos,mesmo que apenas para reduzir as dívidasacumuladas em fase de expansão.E isso, para as empresas em geral,significa redução da demanda porbens de consumo e de investimento.Para as grandes empresas significa2 Confira: A sociedade: uma grande fábricade produção de valor. Publicadana revista IHU On-Line n. 327, de 03-05-2010, disponível em http://bit.ly/xnP2oq (Nota da IHU On-Line)Tema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201329


Tema de Capadirecionar as estratégias de vendaspara os países emergentes, criandonovamente a armadilha da dívidapara esses mesmos países. De fato,países como a China, e outros, estãoagora se confrontando com um aumentoacentuado da dívida dos seusbancos em direção aos países ocidentais.Uma coisa parece clara: não hánenhuma chance de sair da crise semque o capital retome a via do endividamento.O problema é que, mesmoque os bancos centrais estejam criandoliquidez, mais do que devem, essaliquidez não desemboca na economiareal, permanece nos circuitos financeirose, portanto, alimenta uma nova(e enorme) bolha financeira. Que estápor explodir nos próximos meses.“Há anos, quandoalgum novoemprego é criado,ele é certamentetemporárioe por tempodeterminado”IHU On-Line – Quais as peculiaridadesda crise europeia em relaçãoao mundo do trabalho se compararmoscom os impactos sofridos nosEUA, por exemplo, com a crise de2008/2009?Christian Marazzi – A principalpeculiaridade em relação aos EstadosUnidos e Europa diz respeito à naturezadas moedas criadas em seus respectivoscontinentes. O dólar é umamoeda soberana cuja criação e circulaçãodentro dos Estados Unidos permitemo crescimento econômico (e,consequentemente o emprego) emtodos os estados federados. Na Europa,o euro veicula um processo dedesenvolvimento divergente entre ospaíses do Norte e dos países do Sul.Isso acontece porque o euro é umamoeda sem um Estado, uma moedasem uma política fiscal e econômicacomum aos países membros da UniãoEuropeia. Isso significa que, dentro dazona do euro, o desenvolvimento deum país (como a Alemanha) é feito àcusta do subdesenvolvimento de outrospaíses (como a Grécia, a Espanhaou a própria Itália).Leia mais...>> Christian Marazzi já concedeuoutras entrevistas à IHU On-Line.Confira:• Política do comum: uma fonte diretade valor econômico. Publicada nasNotícias do Dia do sítio do IHU, em23-03-2009, disponível em http://bit.ly/d4AqGP;• A vida no centro do crescimentoeconômico. Publicada na revista IHUOn-Line n. 301, de 20-07-2009, disponívelem http://bit.ly/cmubdm;• A sociedade: uma grande fábricade produção de valor. Publicada narevista IHU On-Line n. 327, de 03-05-2010, disponível em http://bit.ly/xnP2oqAcompanhe o IHU no Blog no endereçowww.unisinos.br/blogs/ihuwww.ihu.unisinos.br30SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


O sindicalismo europeu precisase refundarPara o sociólogo português Elísio Estanque, as razões da crise do trabalho na Europapartiram de uma mudança no paradigma econômico, que começou há cerca de trêsdécadas com o advento do modelo neoliberal, estreitamente vinculado ao podercrescente do capitalismo financeiro sobre a economia realPor Graziela Wolfart e Cesar SansonIHU On-Line – Qual é o tamanhoda crise do trabalho na Europa (pensandoparticularmente na realidadede cada país)? Quais são os setoresmais atingidos?Elísio Estanque – A crise econômicaatinge, em primeiro lugar, os trabalhadores(incluindo os segmentos daclasse média). Para além das medidasde austeridade que se traduziram emcortes de salários muito violentos (variandoentre 20 a 30% conforme osníveis de renda), a crise atinge praticamentea todos. Mesmo os setoresmais pobres e que vivem de pensõesmínimas e da previdência social (cujosvalores nominais se mantêm) são atingidos,porque o aumento do impostosobre o consumo (IVA), que incidesobre produtos elementares e sobreo comércio em geral, e o aumento docusto da gasolina e dos transportes públicosatingem também esses setoresEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013ataque aos direitos laborais naEuropa está sendo conduzido pe-“O los interesses do capitalismo selvageme por uma doutrina hiperliberal, quenega a existência de estruturas e desigualdadessociais como fontes de atraso, e paraquem os indivíduos / trabalhadores devemestar o serviço da performance da macroeconomia,e não o contrário”. A afirmação é doprofessor e sociólogo português Elísio Estanque,que concedeu a entrevista a seguir para aIHU On-Line por e-mail. Para ele, “a crise atuale as subsequentes políticas de austeridade(impostas pela Alemanha e países do norte daEuropa) orientam-se para uma retomada domercantilismo e um destroçar do Estado debem-estar e dos direitos trabalhistas”. Nesteexcluídos. Além de que o brutal aumentodo desemprego (em meia dúziade anos aumentou de 9% para 18%)atinge em especial as camadas de menoresrecursos. Depois as ditas classesmédias – que em Portugal incluem ostrabalhadores dos serviços e os funcionáriospúblicos com uma qualificaçãomediana, além dos quadros intermédiosdo setor público e privado – são asque maiores cortes salariais e maiorespenalizações sofreram na carga fiscal,porque se situam nos níveis intermediáriosdos escalões de renda.caminho, continua, “pretende-se desmantelare se possível pôr fim ao sindicalismo maiscombativo”. E conclui: “a Europa sairá destacrise modificada e será obrigada a alterar oseu posicionamento nas relações globais ecom os continentes do hemisfério Sul”.Elísio Estanque é professor da Faculdadede Economia da Universidade de Coimbra,em Portugal, onde também é pesquisador doCentro de Estudos Sociais. É professor visitantena Universidade Estadual de Campinas– Unicamp, onde se encontra desde janeirodeste ano. É licenciado em Sociologia peloInstituto Superior de Ciências do Trabalho eda Empresa, de Lisboa, e doutor em Sociologiapela Universidade de Coimbra.Confira a entrevista.IHU On-Line – Quais são as razõesde fundo da crise do trabalho naEuropa?Elísio Estanque – As razões defundo, em minha opinião, partiram deuma mudança no paradigma econômico,que começou há cerca de trêsdécadas com o advento do modelo neoliberal,estreitamente vinculado aopoder crescente do capitalismo financeirosobre a economia real. Desde aera Thatcher/Reagan que a pressãosobre as políticas sociais e o Estado--previdência não parou de aumentar,em favor de uma igualmente crescentesacralização dos mercados e do privado.Entretanto, perante a reduçãodo crescimento econômico, o envelhecimentoda população o aumentoda despesa pública (em especial nasáreas da saúde, educação e previdência)favoreceram as opções da maioriados governos europeus (incluindoos de filiação social-democrata) porpolíticas de restruturação do Estado,de privatização de diversos serviçospúblicos (ou partes deles), ao mesmotempo em que abriam mão do controlesobre os lucros e os fluxos financeiros,admitindo uma crescente desregulação,facilitando os movimentos deTema de Capa www.ihu.unisinos.br31


Tema de Capawww.ihu.unisinos.brcapitais e pressionando cada vez maisos direitos laborais e o valor do trabalho.Por outro lado, a ideologia da desindustrialização,da competitividadeindividual e do consumismo desenfreadoajudou a inebriar setores importantesdo funcionalismo e da classemédia, que aderiram cada vez maisao crédito (inicialmente fácil e barato)para comprarem a crédito, se endividarem(em especial na aquisição decasas e apartamentos próprios) comisso ajudando o setor bancário, dosseguros e a especulação financeira aenriquecerem enquanto ficavam cadavez mais dependentes. O ataque aosdireitos laborais na Europa está sendoconduzido pelos interesses do capitalismoselvagem e por uma doutrinahiperliberal, que nega a existênciade estruturas e desigualdades sociaiscomo fontes de atraso, e para quemos indivíduos / trabalhadores devemestar ao serviço da performance damacroeconomia, e não o contrário.IHU On-Line – A crise vem impondouma revisão das conquistasdo Estado de bem-estar social? Éirreversível?Elísio Estanque – A crise atual eas subsequentes políticas de austeridade(impostas pela Alemanha e paísesdo norte da Europa) orientam-separa uma retomada do mercantilismoe um destroçar do Estado de bem--estar e dos direitos trabalhistas. Nestecaminho, pretende-se desmantelare, se possível, pôr fim ao sindicalismomais combativo. Eu acredito que o Estadosocial não vai voltar ao que já foium dia, pelo menos enquanto a economiaeuropeia não voltar a crescersignificativamente.IHU On-Line – Caminha a Europapara a “inseguridade social”, comodizia Castel 1 ?Elísio Estanque – Creio que o Estadosocial do futuro passará por modelosde trabalho diferentes e formasde exercício democrático também distintas.Mas as sociedades europeias,em especial as da Europa do sul, nãoaguentam uma economia completamentemercantilizada e um trabalhoque volte aos padrões do que foi noséculo XIX. A cultura democrática e os1 Sociólogo francês recentemente falecido.Sobre ele, leia uma entrevista publicadanesta edição, com Liliana Segnini.(Nota da IHU On-Line)padrões de vida que sucessivas geraçõesde trabalhadores foram assimilandotornam a cidadania ativa umarealidade, mesmo no quotidiano davida. E esse sentido de liberdade, essaexpectativa de progresso, essa ambiçãode desenvolvimento e de justiçasocial (presentes no legado do Estadoe da social-democracia europeia) ajudarãoa mobilizar os cidadãos e a umaprofunda renovação dos sistemas políticosdemocráticos da Europa. Como projeto de integração em risco – emespecial perante a eventualidade dofim da moeda única –, a Europa vai serobrigada a reinventar-se. Mas estouconvencido de que não vai deixar delutar pelas ideias progressistas e emancipatóriasque (embora sob diferentesideologias) nela tiveram o seu berço.A Europa sairá desta crise modificadae será obrigada a alterar o seu posicionamentonas relações globais e com oscontinentes do hemisfério Sul.IHU On-Line – O movimento sindicaltem conseguido reagir?Elísio Estanque – O movimentosindical tem reagido. Porém, por continuaramarrado a modelos organizativose a práticas dos tempos do fordismo,revela enormes dificuldades emse aliar e em se aproximar dos novossetores descontentes e camadas daforça de trabalho precarizada. O sindicalismoeuropeu precisa se refundar,e isso deve acontecer em articulaçãocom os novos movimentos juvenis ede trabalhadores precários que emergiramrecentemente na Europa.IHU On-Line – O que ainda difereo mercado de trabalho europeu dobrasileiro?Elísio Estanque – Lá (na Europa) amemória dos direitos trabalhistas estábem presente e os governos neoliberaisainda não desmantelaram todosesses direitos. No Brasil os trabalhadores– pelo menos os segmentos maisfrágeis – não possuem um passado deconquistas, mas sim de miséria. Hoje,muitos se beneficiam de uma efetivamelhora salarial e de direitos. Umaparte deles está seduzida por esse fascínioencantatório que é o consumismo,estão inebriados pelo aparentefacilitismo do “ter”, mas isso não estásendo acompanhado por um sentidodo “ser”, por um reforço efetivo daconsciência dos direitos de cidadania.IHU On-Line – O senhor está noBrasil desde janeiro. Que relações jáconsegue estabelecer entre o mundodo trabalho aqui em relação à realidadeeuropeia?Elísio Estanque – O mercado detrabalho brasileiro continua muito flexível,com muita rotatividade, bastantejovem, e apenas está iniciando umciclo de conquista de direitos e de reconhecimento.Falta qualificação, queexiste mais na Europa, mais presençareguladora do Estado e capacidadede consolidação da esfera pública.Tal como nos países europeus, estáse acentuando um dualismo entrefuncionalismo (servidores públicos)e os trabalhadores do setor privado.Há uma economia pujante, mas umadificuldade na renovação, inovaçãotecnológica e modernização do tecidoprodutivo.IHU On-Line – Comparando asrealidades portuguesa e brasileira, oque o senhor pode dizer sobre a desigualdadesocial e as característicasda classe média, principalmente emrelação ao trabalho e ao emprego?Elísio Estanque – A concentraçãode renda é mais intensa no Brasil. Oscontrastes de classe, entre riquezae pobreza, são bem mais chocantesaqui. Os trabalhadores europeus queremcontinuar a ver a porta aberta daclasse média. Os trabalhadores brasileiros,ao verem fechar-se a porta damiséria, já se julgam parte da “nova”classe média (ou serão os interessesdo marketing que trabalham paracriar essa imagem?). Em ambos os casos,trata-se de classes trabalhadorasem intensa recomposição. Enquantona Europa a fragmentação reflete umrecuo social (e isso se ressente no pessimismoe no descontentamento daclasse média, dos trabalhadores e dosdesempregados), no Brasil as conquistassociais criam uma subjetividadepositiva e de alguma euforia quantoa melhorias de poder de compra e destatus social. O futuro é muito incertoem ambos os casos, mas é importanteque em cada um dos lados do Atlânticose saiba aprender com a experiênciahistórica (a recente e a mais antiga)do outro lado. Em qualquer doscasos, creio que a cooperação seráfundamental. E espero que Portugale Brasil possam ser protagonistas centraisnesse processo.32SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


A contribuição da universidadena modelagem das relações detrabalhoPara Lucas Henrique da Luz, um dos coordenadores do curso de Administração daUnisinos, o espaço acadêmico não deve se voltar apenas ao desenvolvimento detecnologiasPor Graziela Wolfart e Ricardo MachadoIHU On-Line – Como avalia queo ensino universitário, de modo geral,aborda o tema do trabalho e suasrelações em nossos dias? Quais osavanços e as lacunas, nesse sentido?Lucas Henrique da Luz – A análiseprecisa ser vista de maneira maisampla e, portanto, para além da ideiade como o ensino universitário abordaa temática do trabalho e suas relações.Se fosse responder diretamenteà questão, diria que na maioria dasvezes aborda-se o tema de forma umtanto reducionista, com uma ideiapredominante ainda de racionalidadeeconômica e eficiência como principale/ou único motor das relações de trabalho.Isso me parece um tanto perigoso.Por isso proponho uma reflexãoum pouco diferente.EDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013Em entrevista concedida por e-mail à IHUOn-Line, Lucas Henrique da Luz consideraque a universidade, antes mesmode abordar o tema do trabalho nos cursos queoferece, “contribui para a modelagem das relaçõesde trabalho”, sobretudo porque operasob lógicas na qual é pensada a formação doaluno. “Ao afirmar que o ensino universitárioe sua pesquisa contribuem para a construçãoda realidade e de seus significados, coloca-sesobre ele relevantes implicações éticas. Assim,penso que devemos cada vez mais pensar emtermos de ética na pesquisa e no ensino e nãoo fazer de maneira normativa-instrumental,bem como evitando dissociar ciência, tecnologiae ética”, avalia o coordenador.EnsinoO ensino universitário, antesmesmo de abordar esse tema (trabalho)em aulas, em espaços de debate,ele contribui para modelagemdas relações de trabalho, seja peloscursos que oferece seja pelas lógicasem que se pensa a formação dos alunose os resultados e externalidadesdessa formação e dos sujeitos dela.Também contribui para a modelagemexposta acima por meio de pesquisa,de desenvolvimento de tecnologias,de técnicas aplicadas ao governo davida, das instituições em geral e dosseus sujeitos, enfim, da realidade contemporânea.Para não tornar muitoabstratas essas colocações iniciais, odesenvolvimento de tecnologias deconectividade, a promoção de novasLucas Henrique da Luz possui mestradoem Ciências Sociais Aplicadas pela Universidadedo Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, graduaçãoem Administração de Empresas – Hab.Recursos Humanos pela mesma universidadee especialização em Elaboração e Avaliaçãode Projetos Sociais, pela Universidade Federaldo Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente, édoutorando em Administração na Unisinos. Éum dos coordenadores do curso de Administraçãoda Unisinos (ao lado de Silvia Polgati eDagmar Sordi), e professor nesse mesmo cursoe no de Graduação Tecnológica em Gestãode Recursos Humanos. É integrante do InstitutoHumanitas Unisinos – IHU.Confira entrevista.modalidades de ensino, a implementaçãode currículos baseados em competências,a lógica de uma formaçãoempreendedora, os planejamentos devida e de carreiras que são feitos comos alunos, as opções apresentadas –debatidas, etc., com certeza são (re)produtoras de relações de trabalho. Enesse momento nem se trata de avaliarse boas ou ruins, se melhores oupiores, mas constatar que isso ocorree perceber que não são relaçõesneutras. Como mostra Agamben 1 em1 Giorgio Agamben (1942): filósofo italiano.É professor da Facolta di Design e artidella IUAV (Veneza), onde ensina Estética,e do College International de Philosophiede Paris. Sua produção centra-se nasrelações entre filosofia, literatura, poesiae fundamentalmente, política. Entresuas principais obras, estão Homo Sacer:Tema de Capa www.ihu.unisinos.br33


Tema de Capawww.ihu.unisinos.brO Reino e a Glória 2 : a forma como ascoisas são dispostas influencia no agirdas pessoas, sendo uma dispositioque induz a liberdade.Falta de pluralidadeAssim, pergunto se muitas vezeso ensino universitário não reforçaquase que uma única forma de disporas coisas, diminuindo a pluralidadede possibilidades. Jean-FrançoisChanlat vem alertando para a faltade pluralidade de perspectivas, anecessidade de espaços de trabalhopensados, concebidos de formamais plural. Stefano Zamagni 3 tamopoder soberano e a vida nua I (Belo Horizonte:Ed. UFMG, 2002); A linguageme a morte (Belo Horizonte: Ed. UFMG,2005); Infância e história: destruição daexperiência e origem da história (BeloHorizonte: Ed. UFMG, 2006); Estado deexceção (São Paulo: Boitempo Editorial,2007); Estâncias – A palavra e o fantasmana cultura ocidental (Belo Horizonte: Ed.UFMG, 2007); e Profanações (São Paulo:Boitempo Editorial, 2007). Em 04-09-2007 o site do Instituto Humanitas Unisinos– IHU publicou a entrevista Estadode exceção e biopolítica segundo GiorgioAgamben, com o filósofo Jasson da SilvaMartins, disponível para download emhttp://migre.me/uNk1. A edição 236 daIHU On-Line, de 17-09-2007, publicou aentrevista Agamben e Heidegger: o âmbitooriginário de uma nova experiência,ética, política e direito, com o filósofoFabrício Carlos Zanin. Para conferir omaterial, acesse http://migre.me/uNkY.Confira, também, a entrevista Compreendera atualidade através de Agamben,realizada com o filósofo Rossano Pecoraro,disponível para download em http://migre.me/uNme. A edição 81 da RevistaIHU On-Line, de 27-10-2003, tem comotema de capa O Estado de exceção e avida nua: A lei política moderna, disponívelem http://migre.me/uNo5. Leia,ainda, as edições 344, de 21-09-2010,intitulada Biopolitica, estado de excecaoe vida nua. Um debate, disponívelem http://migre.me/5WjQm e 343, de13-09-2010 O (des) governo biopoliticoda vida humana, disponível em http://migre.me/5WjSa. Acompanhe e participedos eventos do IHU em 2013 sobre Agamben:Seminário O pensamento de Agamben:técnicas biopolíticas de governo,soberania e exceção, cuja programaçãocompleta pode ser conferida em http://bit.ly/WdV0ca e Minicurso de GiorgioAgamben – 2013, cuja programação podeser acessada em http://bit.ly/VUyR2V.(Nota da IHU On-Line)2 AGAMBEN, Giorgio. O Reino e a Glória:uma genealogia teológica da economia edo governo: homo sacer, II. (São Paulo:Boitempo, 2011). (Nota da IHU On-Line)3 Stefano Zamagni: economista italiano,é professor da Universidade de Bolonha,na Itália, e vicediretor da sede italianada Johns Hopkins University. Leia no sítiowww.ihu.unisinos.br os Cadernos IHUbém demonstra preocupação com afalta de pluralidade de concepçõesque pode dificultar a construção deuma sociedade mais feliz. Para elenão há espaços à pluralidade de concepçõese formas de agir no mercadoque acaba baseado em uma única racionalidade,capaz de eliminar bensrelacionais e reciprocidade, gerandouma sociedade com um futuro provavelmentecomprometido e certamentesem condições de satisfazerà demanda de felicidade de seusmembros. Assim, em termos de ensinouniversitário e suas influênciasno mundo do trabalho, nas relaçõesde trabalho, cabe a reflexão sobrese o espaço universitário mostra aosseus interlocutores, à sua comunidadeacadêmica, essa pluralidade depossibilidades ou se reforça uma daspossibilidades como o caminho a sertrilhado e seguido, como a liturgia aser proferida e seguida.O mesmo autor (Zamagni) aofalar da identidade e missão da universidadecatólica na atualidade 4 ,coloca que elas devem ter seu genomafundamentado em três elementos:geratividade, reciprocidade e odom como gratuidade. Penso queesses elementos devem servir deanálise de como se está construindoo meio universitário, até no que dizrespeito ao trabalho, fomentandoreflexões e análises sobre as contribuiçõesdeste à geração de novosconhecimentos na busca de ver-Ideias número 185 (A identidade e a missãode uma universidade católica na atualidade);número 183 (A Europa e a ideiade uma economia civil); número 159 (Aética católica e o espírito do capitalismo);número 157 (Democracia, liberdadepositiva, desenvolvimento); número 155(Civilizar a economia: o amor e o lucroapós a crise econômica), todos de autoriade Stefano Zamagni. A IHU On-Linetambém já entrevistou Zamagni em duasoportunidades. Confira: “Eficiência e justiçanão bastam para assegurar a felicidade:o valor do princípio do dom na economia”,entrevista publicada na ediçãonúmero 360 da Revista IHU On-Line, de09-05-2011, disponível em http://migre.me/4IliU; e “Reciprocidade, fraternidade,justiça: uma revolução da concepçãode economia”, entrevista publicada naedição número 364 da Revista IHU On-Line,de 06-06-2011, disponível em http://bit.ly/ku0Iv0 (Nota da IHU On-Line)4 Leia no sítio www.ihu.unisinos.br oCadernos IHU Ideias número 185 (A identidadee a missão de uma universidadecatólica na atualidade) (Nota da IHU On--Line)dades (geratividade), ao fortalecimentoda ideia de comunidade quepode contribuir para devolver a relevânciada reciprocidade e do domnesse espaço e, consequentemente,recolocá-los como importantes naeconomia e nas relações de trabalho.O contrário disso pode tornar oespaço universitário como locus decompetição e de compra de insumosque o estudante revenderá ao mercadopara obter um bom emprego,como mostra Zamagni.Construção da realidadeAnalisando ainda de outra perspectiva,ao afirmar que o ensino universitárioe sua pesquisa contribuempara a construção da realidade e deseus significados, colocam-se sobreele relevantes implicações éticas.Assim, penso que devemos cada vezmais pensar em termos de ética napesquisa e no ensino e não o fazerde maneira normativa-instrumental,bem como evitando dissociar ciência,tecnologia e ética. Como mostraVázquez (2008, p. 26), em uma épocaem que história, antropologia, psicologiae ciências sociais proporcionamrelevantes materiais para o estudodo fato moral, não se justifica maisa existência de uma ética puramentefilosófica, especulativa ou dedutiva,divorciada da ciência e da própriarealidade humana moral. Em um artigoque estou elaborando, proponhorefletirmos sobre ética no ensino ena pesquisa a partir de algumas “categorias”,baseadas em Souza (2007),quais sejam: ética em seu lugar derealização, o que Souza (2007) denominade ética e ecologia; entendendoque elas estão imbricadas, poisa primeira é que permite ao sujeitopensar e agir a partir de seu lugar nomundo, numa pluralidade de possibilidadese percebendo os reflexosdelas, em consonância com a ideiade ecologia da ação de Morin (2000);na continuidade dessa categoria, devemospensar ética e alteridade, ouseja, influências do que fazemos nabusca, na tentativa das relações, doviver juntos, entendendo as atividadesde ensino e pesquisa, da comunidadeacadêmica na sua relação como outro, com o viver em comum, como fazer em sociedade; também a categoriaética e racionalidade, ou seja,34SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


o conjunto de relações da ética como cotidiano mundano do ensino e daspesquisas – que racionalidades sãoconstruídas e o que dá base a elas,aos seus resultados e processos. Teriamainda outras categorias, maspenso que essas já demarcam a necessidadede uma constante reflexãosobre como nossas práticas de ensinoe pesquisa modelam as relações detrabalho e o que se (re) produz comisso. Então, parece-me que pensaravanços e lacunas não deve ser algopontual, mas sim deve ser avaliadonessa perspectiva mais de fundo, dosentido que ser e fazer universidade(ensino, pesquisa e extensão) assumecotidianamente e, aí sim, seusreflexos no mundo do trabalho.AvançosPor fim, os avanços localizam-semais na esfera de ambientes de trabalhomenos violentos em termos dequestões físicas, de melhorias nos níveiseducacionais dos trabalhadores,de tímidas melhorias de rendas e diminuiçãode falta de trabalho no Brasil.Porém, é difícil falar de avançosquando temos quase que semanalmentedenúncias de trabalho escravoe países com altíssimos índices dedesempregados, independentementede serem países ricos ou pobresno quesito econômico-financeiro.Enquanto lacunas, penso ser necessáriodiscutir mais fortemente a financeirizaçãodas relações de trabalho;a diversidade dos trabalhadores,analisando-os enquanto multidão;potencialidades e problemas dasrelações entre tecnociência e trabalho;a relação entre trabalho e saúdemental, entre outros exemplos, bemcomo aproximar os estudos de diferentesáreas sobre trabalho, imbricá--los fazendo novas conexões, parapoder sair das mesmas análises quese repetem ao longo do tempo. Porém,volto a enfatizar que a reflexãode fundo, proposta acima, me parecemais pertinente que partir para aspectospontuais.IHU On-Line – Como o filme InsideJob pode ser analisado do pontode vista da crise financeira e seus impactosno mundo do trabalho?Lucas Henrique da Luz – A análisede Agamben da genealogia da“Saímos deuma ideia deconhecimentos dotrabalhador, deleaplicar no trabalhoconhecimentose habilidadese ingressamosnuma lógica decompetências,que envolvecapacidade”economia e do governo, apresentadaem pelo menos duas oportunidadespelo professor Castor Ruiz na revistaIHU On-Line, é também uma boa basepara análise do filme, da crise e dosimpactos no mundo do trabalho. Apartir das ideias de Agamben, algumasinstituições como o mercado estão sacralizadasatualmente. Uma instituiçãosacralizada acaba retirando daspessoas sua capacidade de agir, poisresulta inalcansável para as “pessoascomuns”. Somente os especialistaspodem agir em relação a elas. Essesespecialistas seriam os tecnocratasque assumem a função de novos sacerdotes(para mais detalhes, cf. ediçãon. 414 da revista IHU On-Line – artigoprofessor Castor Bartolomé Ruiz– confira em http://bit.ly/15oqZK7).Porém, essas instituições interferemna vida das pessoas. E o filme mostratambém isso, um conjunto de especialistas(desde pesquisadores acadêmicosaté operadores de títulos deprime e subprime e os avaliadores dasagências de risco, passando por políticos)que acaba montando toda umaengenharia financeira que as pessoasnão entendem, não alcançam, mas atêm como solução para seus problemasde moradia, como relevantes ageração de postos de trabalho ao movimentara economia, como paradigmade desenvolvimento.AdoraçãoÉ uma adoração que deve serfeita a esse mercado sagrado, financeirizadoque, no momento em quealguns fiéis percebem e resolvem“duvidar” da sua divindade, desconfiarda maquinaria de governo criada,acaba mostrando sua insustentabilidadee vindo a entrar em colapso,desacelerando a economia mundial eretirando postos de trabalho em todoo mundo. Claro que os especialistas,os sacerdotes desse mercado, continuamcom seus trabalhos e com suasdesculpas especializadas, ganhandoaltos bônus remuneratórios e a catequizarinvestidores e trabalhadoresno mundo todo. Então, para além deoutras análises que já fiz do filme (cf.análise feita na revista IHU On-Linen. 391, disponível em http://bit.ly/IH8KEX), creio que é importante ressaltaresses aspectos, que mostrama financeirização não somente daeconomia, mas de diferentes dimensõesda vida das pessoas, incluindoo trabalho, e, assim como a vida daspessoas, que dependem dessas engenhariasfinanceiras.Como a financeirização é volátil,incerta, especulativa e não necessariamenteprodutiva, ela acaba mostrandoo esgotamento do modelo atualde desenvolvimento, de economia,de trabalho – financeirizados e secularizados,bem como os conflitos deinteresses que nele existem e a lógicaunitária, de uma só direção a seguir,que resultou em crises enormes domundo do trabalho. Parece incrível,mas a promessa da modernidade deum trabalho mais realizador e emancipatóriotravestiu-se de eficientismosacralizado e colocou todos a correr,não sabendo bem para onde, comoapontou Sennett (2006) e, sob o governoda “providência” do mercado,cujos efeitos colaterais podem ser violentos– como mostra o filme, principalmentepara os trabalhadores, paraaqueles que não são sacerdotes dessaprovidência.IHU On-Line – Em que medida omundo do trabalho atualmente desvelaum modelo econômico e socialTema de Capa www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201335


Tema de Capawww.ihu.unisinos.bresgotado? Que tipo de “nova economia”poderia ser pensada paravislumbrar alternativas à crise dotrabalho/emprego?Lucas Henrique da Luz – Creioque o modelo que está esgotado nãoseja econômico apenas, mas sim ummodelo de sociedade. Esse esgotamentoolhado a partir do mundo dotrabalho revela-se em questões comoo adoecimento dos trabalhadores; afalta de tempo constante (é importantepara as pessoas poderem pronunciar,a cada momento, que estão commuitas coisas a fazer, para aprender,para buscar – já pensou alguém dizerhoje que está ocioso? – isso seria profanaro sistema, a lógica do modeloatual). A combinação das tecnologias,que aceleraram brutalmente o ritmode trabalho, com a financeirização dassuas relações, só poderia resultar emespaços de trabalho bastante instáveis,com falta de vínculo, de memória,de trajetória, superficiais, que nãopodem ser sustentáveis. Como bemescreveu Enéas Costa de Souza 5 , háuma “insustentável leveza do capitalfinanceiro” e é ela que está na basedas relações de trabalho hoje, no bojodo modelo econômico e social.Outra coisa que parece revelar oesgotamento do modelo via trabalhoé que, por mais que se tenha aumentadoa produção material e imaterial,não se alcançou um paradigma sustentávele de maior justiça social; pelocontrário, nosso modelo é ambientale socialmente insustentável. Destruímosa natureza e aumentamos diferençasentre os mais ricos e os maispobres – concentramos riqueza e,mesmo os trabalhadores com altasfaixas de renda, em sua maioria, revelam-senão felizes, não realizados,segundo pesquisas feitas com executivos,por exemplo.ContextoApontar possibilidades na complexidadedo contexto atual, de criseepocal, é algo sempre muito difícil.Podemos pensar na perspectiva deeconomia solidária, da economia de5 Confira a entrevista “A insustentávelleveza do capital financeiro”, concedidapor Enéas Costa de Souza e publicada nosítio do IHU em 10-04-2013 e disponívelem http://bit.ly/ZoyUyL (Nota da IHUOn-Line)comunhão, nos movimentos ligadosao slow – penso que são tentativas.Porém, alguma possibilidade de superaçãodesse esgotamento passaobrigatoriamente pela necessidadede reinventarmos usos para umasérie de coisas, como as tecnologiasda comunicação e informação, utilizando-aspara celebração, para ócio,para devolver ao centro da economiae do nosso modelo de sociedade avida em suas diferentes formas. Opapel da universidade como potencializadorade um pensamento quepensa e não somente de um pensamentoque calcula – como definiuZamagni – parece ser fundamentalpara que entendamos melhor as técnicasque governam, os espaços detrabalho e assim iluminar caminhos ealternativas.IHU On-Line – Em que sentido ocontexto cultural na pós-modernidade,na sociedade capitalista, contribuipara as metamorfoses no mundodo trabalho?Lucas Henrique da Luz – Aquiter-se-ia que discutir se o termo pós--modernidade é o mais adequado,pois também usam-se termos comohipermodernidade (Lipovetsky), modernidadelíquida (Bauman), modernidadetardia (Giddens), dentreoutros e se ela representa principalmentecontinuidade (Habermas) ousuperação (Lyotard, Levinas) em relaçãoà modernidade. Porém, para opropósito do questionamento, issonão é o essencial e tomarei o termopós-modernidade. Nela emergiu ouvem emergindo um contexto culturalque reforça os paradigmas atuais detrabalho e é reforçada por eles, nummovimento de retroalimentação. Reforçao individualismo, a perspectivade perceber o outro como objeto,assim como um hiperconsumo e apreocupação com o curto prazo. Elacoloca uma cultura de identidadesem curso, construídas em processostransitórios, fugazes, temporais, deconstante negociação (Santos, 2001),gerando uma certa descontextualizaçãoda (s) identidade (s). Assim,forja uma cultura que rompe com asnarrativas de espaço e tempo, forjandouma cultura do efêmero; quevaloriza talento numa perspectivade utilidade, onde a “vida útil” dequase tudo e todos tende a ser cadavez mais curta, onde a tecnologia ea ciência invalidam e criam/renovamcapacitações e competências a cadamomento; que incentiva e/ou pedea não vinculação, a superficialidadeonde o relevante é a experimentaçãoe a constante reformulação de“vínculos”. Então, como sintetizouSennett (2006), o contexto culturalpós-moderno é um contexto da efemeridade,fragilidade e superficialidadedos vínculos com tudo e todos,das transações e não relações, dafragmentação do político, do econômico,do social e do seguir em frentecomo premissa básica.Claro que tudo isso impacta nasrelações de trabalho, de forma a torná-lasinstáveis, com vínculos superficiais,com valorização da dimensãoimaterial fazendo com que as pessoas,os trabalhadores (que são hojecada vez mais múltiplos em identidades)precisem estar buscando “qualificação”(novos talentos e utilidades)constantemente, preocupados comsuas competências em potencial enão com o que fazem ou fizeram apenas.Eles precisam estar dispostos aabandonar trajetórias, partir paranovos desafios, descontextualizar-senovamente a qualquer momento.Pegando aspectos mais macro dasrelações de trabalho, podemos dizerque saímos de uma ideia de conhecimentosdo trabalhador, dele aplicarno trabalho conhecimentos e habilidadese ingressamos numa lógica decompetências que envolve capacidade,ou seja, além dos conhecimentose habilidades envolve comportamentos,ocupa-se do conjunto de experiênciasdas pessoas, da sua cultura,enfim, das subjetividades. Então, osreflexos da cultura pós-moderna sedão nessa instabilidade, incerteza, naconstante efemeridade e insegurançanas relações de trabalho, colocandoo trabalho imaterial como decisivo e,podem, ao mesmo tempo, ameaçar asaúde dos trabalhadores, colocá-losem relações cada vez mais individualizadas,como, quiçá, podem gerarrelações que permitam certa emancipação,seu desenvolvimento comosujeito, para que eu não seja tão pessimista.O certo é que isso modificamecanismos de controle, técnicas degoverno.36SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Temade deCapa CapaDestaquesda da Semanawww.ihu.unisinos.brIHU IHU em emRevistawww.ihu.unisinos.br37EDIÇÃO 000 | SÃO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000 SÃO LEOPOLDO, 00 SÃO DE LEOPOLDO, XXX DE 000000 | EDIÇÃO DE XXX DE 000000 | EDIÇÃO 00037


Destaques da Semanawww.ihu.unisinos.br38MemóriaRobert Castel (1933-2013)Por Graziela WolfartFaleceu no último dia 12 de março o sociólogofrancês Robert Castel, aos 79anos, em Vincennes, próximo a Paris,como informou a Escola de Altos Estudos deCiências Sociais – EHESS, onde era diretordesde 1990. Castel nasceu em 1933 em Brest(França) em uma família operária. A morte desua mãe, devido ao câncer, quando tinha 10anos e o suicídio de seu pai dois anos depoismarcaram sua infância. Na Faculdade, Castelfoi aluno de Raymond Aron e Pierre Bourdieu,junto ao qual abandonou a filosofia pelasCiências Sociais. Durante sua trajetória acadêmica,dirigiu o Centro de Estudos dos MovimentosSociais – CNRS (sigla em francês).Nos anos 1970 começou sua carreira com estudossobre a psiquiatria e a doença mental,na linha de Michel Foucault e Franco Basaglia.Mas foi sua análise da formação do mundode trabalho assalariado, as transformaçõestrabalhistas e as políticas sociais o que lherendeu amplo reconhecimento. Estudou asconsequências do trabalho assalariado sobreas relações sociais e o indivíduo contemporâneodevido ao surgimento de um mundo deprecariedade, flexibilização e desemprego.Robert Castel é autor de inúmeros livros,dentre os quais citamos: L’insécurité sociale.Qu’est-ce qu’être protégé? (Le Seuil/La Républiquedes idées, Paris, 2003), traduzido comoA insegurança social. O que é ser protegido?(Petrópolis: Vozes, 2005) e Les métamorphosesde la question sociale. Une chronique dusalariat (Paris: Fayard, 1995), traduzido comoAs metamorfoses da questão social (Petrópolis:Vozes, 1998).IHU On-Line – De forma geral,qual o principal legado que o pensamentoe a obra de Robert Castel deixampara a contemporaneidade?Liliana Segnini – As epígrafes selecionadaspor Robert Castel para o livroAs metamorfoses da questão social:uma crônica do salário (Rio de Janeiro:Vozes, 1998)são primorosas paraa formulação da síntese de seu pensamento,do legado que deixa para asciências sociais. Em primeiro lugar, suaconstante preocupação em reiterarque a análise sociológica do presenteimplica na compreensão do passado.Assim, Castel, avesso às ortodoxias,Robert Castel esteve na Unisinos proferindoa conferência “O futuro da autonomia e aconstrução de uma sociedade de indivíduos”,no dia 23-05-2007, durante o Simpósio InternacionalO futuro da autonomia. Uma sociedadede indivíduos?, promovido pelo InstitutoHumanitas Unisinos – IHU naquele ano. Dapalestra, resultou o artigo “O futuro da autonomia.Uma sociedade de indivíduos?”, publicadoem no livro O futuro da autonomia e aconstrução de uma sociedade de indivíduos:uma leitura sociológica (São Leopoldo: Unisinos,2009, 132 páginas).A professora Liliana Segnini, da Unicamp,analisa o legado do pensamento e da obrade Robert Castel. Na entrevista que concedeupor e-mail à IHU On-Line, ela consideraque Castel reconstitui a história do trabalhona França. “Fim do trabalho? Indaga [Castel]para expressar um pensamento na moda nosanos 1990. Discorda veementemente. Ressaltaque é a relação com o trabalho que mudou:em lugar de um pilar sólido de direitos regulamentado,hoje é vivido com a angústia dasincertezas face à sua supressão e as formasinstáveis de vivenciá-lo. Justifica: – Desemprego?Não significa estar longe do trabalho.O que deseja o desempregado? Emprego”.Liliana Rolfsen Petrilli Segnini é doutoraem Ciências Sociais pela Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo. É professora e pesquisadorana Universidade Estadual de Campinas– Unicamp. É autora de, entre outros,Trabalho e gênero: mudanças, permanênciase desafios (São Paulo: Editora 34, 2000).Confira a entrevista.recorreu a cientistas sociais vinculadosa diferentes perspectivas teóricas quemarcaram a opção metodológica presenteem sua obra: o sociólogo ÉmileDurkheim 1 e o historiador Fernand1 “Por mais que recuemos no tempo,nunca perdemos de vista o presente”.SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Braudel 2 reiteraram a relevância doresgate histórico, da reconstituição dagênese de um fenômeno social paracompreender as metamorfoses daquestão social no presente. A filósofaHannah Arendt 3 expressa o sentido eos objetivos da obra por Castel desenvolvida.A questão central do livro é otrabalho, mas esta não era sua intençãoprimeira. O objeto inicial eram osmarginalizados, os fora da norma. Noentanto, sempre voltava ao trabalho– ou pela ausência ou pela precariedadedo trabalho. Percebia uma lacunaem sua formação para desenvolver oprojeto e dizia em aulas, seminários etextos: “não sou sociólogo do trabalhonem historiador”.IHU On-Line – O que marca oolhar de Castel sobre as relações queenvolvem o mundo do trabalho?Liliana Segnini – A singular contribuiçãode Castel também estásintetizada no subtítulo de sua obra– uma crônica do salário – ou do processohistórico do assalariamento.Reconhece que o trabalho assalariadoquase sempre foi sinônimo desituação miserável, condenando ostrabalhadores a viver de forma miserável.No interior de uma história commuitas lutas, contradições, avanços erecuos, constituiu-se um pilar de coesãosocial, possibilitando garantias edireitos sociais e no trabalho; torna-seconsistente e não mais só sinônimode miserabilidade. A partir da RevoluçãoIndustrial assiste-se à construçãoda sociedade salarial. Esta história sedá de diferentes formas, em diferentescontextos históricos e geográficos.Castel realiza um recorte histórico egeográfico – ele reconstitui a históriado trabalho na França.(Émile Durkheim). (Nota do autor).2 “Gostaria que os especialistas das CiênciasSociais vissem igualmente na históriaum meio de conhecimento e de pesquisa.Não é verdade que o presente só é pelametade a presa de um passado obstinadoem sobreviver, e que o passado, atravésde suas regras, diferenças e semelhanças,é a chave indispensável de todo oconhecimento do presente?”(FernandBraudel). (Nota do autor)3 “O que temos diante de nós é aperspectiva de uma sociedade detrabalhadores sem trabalho, isto é,privados da única atividade que lhesresta. É impossível imaginar algo pior.”(Hannah Arendt). (Nota do autor)Suas análises possibilitam oquestionamento em relação a outroscontextos, como o Brasil onde se observa,em poucas linhas, que a campanhaabolicionista que culmina naAbolição dos Escravos em 13 de maiode 1888 informa histórias de lutassangrentas, de uma monarquia já decrépita,a vitória da República (que sedeu formalmente em 15-11-89) e deum novo modo de produção nascente,apoiado na indústria e no trabalholivre, assalariado. Nesse contexto opositivismo informa uma ideologia ea compreensão científica de mundo.O processo de industrialização, sobretudoa partir dos anos 1930, é acompanhadopela escolarização de massa,necessária formação de trabalhadoresvendedores de força de trabalho.Para o autor, a “sociedade salarial”efetivamente se desenvolve a partirdo término da segunda grande guerra,na Europa. No entanto, uma longahistória marca sua trajetória. Numaprimeira etapa, “o salariado acampoudurante muito tempo às margens dasociedade” (Castel, 1998, p. 495), posteriormentefoi se instalando, mas nãoprevalece e permanece de forma subordinada.Na terceira etapa se difundede tal forma que situa e classifica oindivíduo numa sociedade a partir davivência de um pilar sólido de direitosvinculados ao trabalho. No Brasil, esteperíodo deve ser relativizado, sobretudono que se refere aos direitos dotrabalhador, mas é possível reiterar aanálise do autor considerando a crescenteparticipação do operário na PopulaçãoEconomicamente Ativa – em1950, 16,8%; em 1970, 24,96%; em1980, 32,67%. (FIBGE, 1985). A supressãodos empregos e às ameaças aosdireitos outrora conquistados levouCastel a formular a pergunta: “teremoschegado a uma quarta etapa de umahistória antropológica da condição doassalariado, etapa em que sua odisseiase transforma em drama?” (op. cit., p.496) Analisar o contexto socioeconômicono qual as políticas de integração,prevalecentes até os anos 1970, sãopouco a pouco substituídas pelas ditaspolíticas de inserção, as rupturas nestatrajetória, constitui o fulcro analíticoda “Nova questão social”, aprofundadano seu livro A insegurança social: Oque é ser protegido (Vozes, 2005).Fim do trabalho? Indaga paraexpressar um pensamento na modanos anos 1990. Discorda veementemente.Ressalta que é a relação como trabalho que mudou: em vez de umpilar sólido de direitos regulamentado,hoje é vivido com a angústia dasincertezas face à sua supressão e asformas instáveis de vivenciá-lo. Justifica:– Desemprego? Não significa estarlonge do trabalho. O que deseja o desempregado?Emprego.Nesse contexto, o Estado é apontadopelo autor como a única instituiçãocapaz de domesticar o mercado,impedindo o aprofundamento das desigualdadessociais.Leia mais...>> Robert Castel concedeu umaentrevista à IHU On-Line. Confira:• “As pessoas não são autônomas pornatureza, por essência”. Publicadana edição número 220, de 21-05-2007, disponível em http://bit.ly/Y95hHO• O futuro da autonomia e a construçãode uma sociedade de indivíduos:uma leitura sociológica (São Leopoldo:Unisinos, 2009, 132 páginas).>> Sobre Robert Castel, confira tambémo seguinte material publicado pelo sítiodo IHU:• Um mundo sem proteção. A mortede Robert Castel. Artigo publicadoem 07-04-2013, disponível em http://bit.ly/16HEyQP• O risco do fim da sociedade salarial.Entrevista com Robert Castel publicadaem 12-12-2007, disponível emhttp://bit.ly/17mrwuc• “A França deve mudar”. Entrevistacom Robert Castel publicada em 02-09-2008, disponível em http://bit.ly/13zqFnW• O dobre de finados soou para o liberalismo.Artigo de Robert Castel publicadoem 06-03-2009, disponívelem http://bit.ly/11JzKJtDestaques da Semana www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201339


Destaques da Semanawww.ihu.unisinos.brEntrevista da SemanaO caso de amor entre aprostituição internacional e ocapitalismoCoordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas Feministas da Universidade deOttawa, no Canadá, Richard Poulin discute a exploração de mulheres em escala mundialPor Ricardo Machado | Tradução de Vanise DreschIHU On-Line – Por que a globalizaçãoneoliberal é, na avaliaçãodo senhor, o fator dominante noaumento de mulheres em situaçãode prostituição e do tráfico demulheres?Richard Poulin – A submissão àsregras do mercado e às leis liberaiscontratuais de comércio leva a umaaceitação cada vez maior do ato comercial,que, em troca de uma somaPara Richard Poulin, a prostituição gerouuma indústria sexual de dimensõesmundiais, onde atualmente representauma verdadeira potência econômica. “Ela [aindústria do sexo] constitui 5% do produtointerno bruto da Holanda, 4,5% na Coreia doSul, 3% no Japão e, em 1998, a prostituiçãorepresentava de 2% a 14% do total das atividadeseconômicas da Indonésia, Malásia, Filipinase Tailândia”, sustenta o professor. Ementrevista concedida por e-mail à IHU On-Line,o pesquisador destaca que a prostituiçãoestá diretamente relacionada às estratégiasde consumo, exploração e a lógicas análogasà escravidão. “Os indivíduos estrangeirosprostituídos situam-se no nível mais baixo dahierarquia prostitucional, são social e culturalmenteisolados e exercem a prostituiçãonas piores condições possíveis, sendo ao mesmotempo submetidas a diferentes formas deviolência, tanto no cotidiano prostitucionalquanto no transporte de um país para o outro”,argumenta.Richard Poulin é sociólogo e professor titularda Universidade de Ottawa. Dedica-se atemas relacionados ao feminismo, sobretudoàs pesquisas de direitos humanos e exploraçãosexual de mulheres e crianças. É autor de11 livros e dezenas de artigos sobre o tema.Suas obras mais recentes são Les meurtresen série et de masse, dynamique sociale etpolitique (Montréal, éditions Sisyphe, 2009),Exploitation sexuelle, crime sans frontières(Paris, Les éditions du GIPF, 2009) e Poulin, R.avec la coll. de Mélanie Claude, Pornographieet hypersexualisation. Enfances dévastées(Ottawa, L’Interligne, 2008).Confira a entrevista.variável de dinheiro, dá acesso ao órgãosexual das pessoas. A prostituiçãopassou a ser atualmente, em grandenúmero de Estados da Europa ocidentale do Pacífico sul, um “trabalho” legítimoe, em alguns casos, um “direito”e uma “liberdade”. A globalizaçãoda prostituição criou um vasto mercadode trocas sexuais, em que milhõesde mulheres e meninas são transformadasem mercadoria de caráter sexual.Esta indústria é atualmente umagrande potência econômica. Ela constitui5% do produto interno bruto daHolanda, 4,5% na Coreia do Sul, 3% noJapão e, em 1998, a prostituição representavade 2% a 14% do total dasatividades econômicas da Indonésia,Malásia, Filipinas e Tailândia.A prostituição é considerada pormuitos países um meio de desenvolvimentoeconômico, o que várias orga-40SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


nizações internacionais reforçam. Assim,o Fundo Monetário Internacional– FMI e o Banco Mundial incentivamos governos dos países capitalistas periféricosa desenvolverem sua indústriado turismo e do entretenimentocomo alta fonte de divisas para o pagamentoda dívida contraída junto aessas organizações.IHU On-Line – Quais as característicasdos países onde as mulheressão traficadas e quais característicasdos países onde tais mulheres são exploradassexualmente?Richard Poulin – Primeiro, emtodos os países as mulheres e as meninasdas minorias étnicas e nacionaissão super-representadas, portantosuperexploradas na prostituição. É ocaso, principalmente, das minoriasétnicas no norte da Tailândia e noMianmar. As populações origináriasda minoria húngara na Romênia, daminoria russa nos países bálticos edas minorias ciganas por toda a parteno Leste Europeu estão “super-representadas”entre as pessoas prostituídasno seu próprio país, bem como naEuropa ocidental. Os autóctones doCanadá e indivíduos de muitos paíseslatino-americanos também estãosuper-representados entre as pessoasprostituídas em seus países respectivos.É igualmente o caso dos afro--americanos nos Estados Unidos. Emescala mundial, os agentes de prostituiçãodo Norte exploram mulheres ecrianças do Sul e do Leste, assim comomulheres e crianças pertencentes aminorias étnicas ou nacionais.GlobalizaçãoSegundo, a globalização capitalistaacentuou o desenvolvimentodesigual entre os países, produzindouma pressão significativa a favor dasmigrações internacionais, que se feminizaram.Paralelamente ao crescimentoda prostituição local ligada àsmigrações do campo para as cidades,milhões de jovens mulheres e meninassão transportadas, cada ano, paraos centros urbanos do Japão, da Europaocidental, da América do Nortee de vários países do Terceiro Mundo,como a Tailândia, para serem prostituídas.Nos lugares onde a indústriada prostituição é muito desenvolvida,inclusive nos países dependentes,criam-se circuitos mundiais detráfico, num espantoso vaivém. Essasrealidades definem as condições e aextensão da globalização capitalistaatual para as mulheres e as criançasque são vítimas da indústria sexual.Os indivíduos estrangeiros prostituídossituam-se no nível mais baixo dahierarquia prostitucional, são sociale culturalmente isolados e exercema prostituição nas piores condiçõespossíveis, sendo ao mesmo temposubmetidas a diferentes formas deviolência, tanto no cotidiano prostitucionalquanto no transporte de umpaís para o outro.IHU On-Line – A que tipos deviolência as mulheres em situação deprostituição estão sujeitas?Richard Poulin – O dinheiro é achave da relação prostitucional: eleliga e submete a pessoa prostituídaao prostituidor, tornando a relaçãoimpessoal, reificada e desequilibrada.O sistema prostitucional é uma manifestaçãoparticularmente significativada dominação dos homens pelo sexona sociedade mercantil. A mercadorianão é apenas uma “coisa”, emboraaparente ser; ela é essencialmenteuma relação social. A transformaçãode um ser humano em mercadoriaprostitucional significa não somentesua coisificação, mas também suainserção em relações de submissãosexista e de subordinação mercantil.Alguém se torna uma pessoa prostituídaem consequência de um itineráriocaótico, que fragiliza, vulnerabiliza edestrói. As brutalidades e outras violências,principalmente as violênciassexuais, mas também as violênciaspsicológicas, têm como consequênciao fato de instituir a sujeição e de fazercom que a resignação se sobreponhaa qualquer veleidade de contestaçãoou de revolta.Em qualquer um dos casos, égrande a violência física e sexual,qualquer que seja o regime jurídicoque enquadra a prostituição, sejam asmulheres prostitutas clandestinas ounão, estejam elas na calçada ou não,em bordéis registrados ou não. É umaquimera crer que a legislação seja umfator de segurança para as pessoasprostituídas, pois ela não questionaum dos fundamentos da violência inerenteà prostituição: o desequilíbriode poder fundamental entre o prostituidore a pessoa prostituída e entreo proxeneta e sua “propriedade”. Oíndice de mortalidade de mulheres emeninas aliciadas para a prostituição,no Canadá, é 40 vezes superior ao damédia nacional.IHU On-Line – Que paralelospodemos traçar na história entre operíodo escravagista e a atual exploraçãodo tráfico humano?Richard Poulin – Em três níveis.Primeiro, na Antiguidade era estreitaa relação entre o desenvolvimento daescravidão, o da prostituição de mulherese crianças (escravos destinadosà prostituição) e o status muito inferiordas mulheres “livres”. O homemgrego pode vender como escrava amulher livre adúltera. Demóstenesexpõe, em termos breves e precisos,o que é a vida sexual ideal dos homensde Atenas: “Casamo-nos com amulher para termos filhos legítimos euma fiel guardiã da casa. Temos companheirasde cama para nos servir edispensar os cuidados cotidianos; temosas hetairas para os prazeres doamor.” Segundo, certos bordéis legaisdos estados de Nevada e Novo Méxicosão protegidos por grades, cães,agentes de segurança, como se, naverdade, não passassem de um universocarcerário em que as pessoasprostituídas se encontram em situaçãode detenção ou escravidão. EmHamburgo, os acessos a certos bairrosreservados à prostituição são fechadospor chicanas. Em Istambul, a entradados “complexos de bordéis” évigiada. Em Calcutá, as prostitutas seoferecem atrás das grades. Na Tailândia,as crianças são tiradas de gaiolaspara serem entregues aos turistas sexuais.Terceiro, é impossível combatero tráfico sem combater a causa: aprostituição. A história da luta da abo-Destaques da Semana www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201341


Destaques da Semanawww.ihu.unisinos.brlição da escravatura dos negros bemmostrou isso. Leis contra o tráfico nãolevaram à abolição da escravatura.Esta teve de ser abolida para que cessasseo tráfico dos negros. Por fim, sea escravidão, o colonialismo, o racismoe, sobretudo, o apartheid foramjulgados e condenados como formashistóricas de dominação e opressãoinaceitáveis, por que não fazer o mesmocom a prostituição?IHU On-Line – Como a injeção derecursos do Fundo Monetário Internacional– FMI e do Banco Mundialpara desenvolvimento da economia,seja para a industrialização ou paraobras de infraestrutura, em paísesemergentes resulta em aumento doturismo sexual local?Richard Poulin – Desde a crisedo endividamento dos países do Sul,no início dos anos 1980, a promoçãodo turismo como setor de exportaçãoou provedor de divisas estrangeirasé muitas vezes um elemento essencialdas medidas de ajuste estruturalprescritas pelo FMI aos países pobrese muito endividados. O Banco Mundiale suas filiais concedem “auxílio”a projetos de turismo em 60 países.Por exemplo, como a indústria daprostituição era uma importante fontede renda para o governo coreano,este adotou políticas de “desenvolvimentoeconômico” que favoreciamo crescimento da indústria sexual. Apartir do outono de 1973, ele adotouuma política de expansão do turismobaseado na mercantilização do corpodas mulheres, o turismo kisaeng. Onúmero de turistas japoneses – 85%de homens sós – disparou. Em 1989, aprostituição representava 5% do produtonacional bruto do país. Durantea guerra do Vietnã, o Banco Mundialrecomendou que a Tailândia adotassecomo estratégia econômica o desenvolvimentodas indústrias do turismoe do entretenimento. Desde então, aprostituição tornou-se uma indústriamaciça.IHU On-Line – Que relações seestabelecem entre neoliberalismo,Estado de Direito, prostituição e imagináriossociais no que diz respeito ànaturalização da exploração sexual?Richard Poulin – Em épocas doliberalismo triunfante, seja nas décadasque antecedem a grande crisede 1929 ou desde a vitória do neoliberalismodos anos 1980, o confinamentodas mulheres nos bordéis, nosquartos-vitrines e em outros locais fechadosou sua relegação em zonas de“tolerância” e em bairros reservadossão muito apreciados. Governos regulamentama prostituição, legalizandoassim a clausura de mulheres ouseu afastamento social em red lightdistricts em proveito dos proxenetas.Estes têm suas atividades e suas rendaslegitimadas, enquanto os clientesprostituidores têm, oficialmente ecom pleno direito, acesso ao corpo eao órgão sexual das mulheres.Oriunda da supremacia do homemsobre a mulher, a prostituição seagrava constantemente sob o efeitoda globalização neoliberal. Intensifica-sea oferta de jovens mulheres, decrianças ou de pessoas “feminizadas”como instrumentos de prazer. Homenscada vez mais numerosos consideramo uso das pessoas prostituídascomo um privilégio que lhes é atribuídode “direito”.IHU On-Line – Como os Estadosse beneficiam economicamente daprostituição ainda que ela não sejauma atividade legalizada?Richard Poulin – Na era neoliberal,a maioria dos Estados limita aintervenção social à redução dos malefícios:eles investem na distribuiçãode seringas novas e de preservativos,mas não atacam nem as causas nemas consequências da prostituição. Taispolíticas forçam as pessoas prostituídasa permanecerem na prostituição.Quanto menos o Estado intervémpara combater os efeitos produtoresde desigualdades e de pobreza do capitalismo,mais ele contribui para oconfinamento de suas prezas em bordéisregulamentados, os quais lhe rendemlucros consideráveis sob a formade taxas e impostos. A prostituição eas indústrias sexuais ligadas a ela – osbares, os clubes de dançarinas, as casasde massagem, as casas de produçãode pornografia, etc. – apoiam-senuma importante economia subterrâneacontrolada pelo crime organizado.A criminalidade financeira e econômicabem como todas as outras formasde criminalidade não são fenômenosmarginais que vêm se enxertar naglobalização capitalista; esta criminalidadeé consubstancial à globalizaçãoneoliberal e ao seu princípio de desregulamentação.Os organismos financeirosmais “honráveis” participamdas operações de lavagem, o que, naverdade, é um modo de legalizaçãodos lucros criminosos. Mesmo que osEstados não legalizem tais atividades,eles não deixam de ter lucros consideráveiscom elas.IHU On-Line – Ao longo da história,que papel a indústria da guerraocupa no fomento da indústria dosexo?Richard Poulin – As invasões e asocupações militares foram um fatordecisivo para a globalização das indústriassexuais. As guerras modernasgeraram um desenvolvimento considerávelda prostituição e implicaramem sua organização “racional” emproveito dos exércitos. Centenas demilhares, senão milhões, de mulherese meninas foram postas ao serviço sexualdos militares em casas fechadasfinanciadas e organizadas pelos Estados.Os exemplos são numerosos:desde os comfort women 1 , para os militaresjaponeses, até os camptowns 2 ,e rest and recreation sites 3 , para os GI,1 Mulheres de conforto ou mulheres dealívio é um eufemismo utilizado para designarmulheres forçadas à prostituição eescravidão sexual nos bordéis militaresjaponeses durante a II Guerra Mundial. Aestimativa é que entre 50.000 e 200.000mulheres tenham sido conscritas, mas onúmero pode ser ainda maior.2 Campo de concentração de prostituiçãona Coreia do Sul durante a ocupaçãomilitar os Estados Unidos e Japão naGuerra das Coreias, entre 1950 e 1953.(Nota da IHU On-Line)3 Termo utilizado por militares norte--americanos como sinônimo de sites deprostituição. Originalmente o termo serefere a locais onde soldados em missãoficam descansando das missões em queestão em operação. É um período extraem relação às férias e datas de visita àsfamílias.42SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


passando pelos BMC (Bordéis militaresde campanha), para as tropas francesase coloniais, e pelos “estabelecimentossanitários” alemães durantea Segunda Guerra Mundial. Evidentemente,o planejamento racional daprostituição para os exércitos exigia,entre outras coisas, a organização dotráfico de mulheres e de crianças parafins de prostituição.IHU On-Line – De que maneirapode ser percebida a contaminaçãoliberal em movimentos sociais(grupos feministas, por exemplo) epartidos de esquerda, considerandoa experiência alemã onde os social--democratas e os verdes alemães legalizarama prostituição?Richard Poulin – Governos legalizama exploração da prostituição,sobretudo de jovens mulheres, pretensamenteem nome das própriaspessoas prostituídas, transformadasassim em “trabalhadoras do sexo” ouem “prestadoras de serviços sexuais”.Nunca são invocadas as verdadeirasrazões dessa regulamentação: garantirque os homens tenham acesso àspessoas prostituídas para alimentaremo prazer viril, perpetuar o podermasculino e garantir rendas substanciaispara os cofres do Estado e de outrosproxenetas.Organizações internacionais, regionaise nacionais bem como váriasorganizações não governamentais epartidos de “esquerda” social-liberaisadotaram uma justificação descaradae cínica para a exploração da prostituiçãode mulheres. Segundo eles, existe,ao lado da prostituição “forçada”,que é insuportável e constitui umaviolação dos direitos humanos, umaprostituição que é “voluntária”, umaprostituição aceitável, respeitosa daautonomia das pessoas e do direitode dispor do corpo. Para os “apoiadores”da prostituição, o “direito” dealienar o seu sexo no mercado passoua fazer parte, nesta era do capitalismoneoliberal, do arsenal dos direitos do“Homem”. Não é mais uma questãode favorecer o “direito” de não serprostituído, e sim de advogar pelo direitode sê-lo!Poderes alinhadosMuitos poderes se aliaram paralegitimar a indústria da prostituição:governos, o crime organizado, as indústriasdo sexo, organizações internacionais,regionais, nacionais e nãogovernamentais. Intelectuais, universitários,jornalistas, progressistas econservadores promovem e apoiam aprostituição alheia, mas nunca a suaprópria nem a de seus filhos, pois oque é bom para o outro não o é necessariamentepara si mesmo.Sem falar do crime organizado,que controla uma parte crescente daeconomia mundial, assim como osproxenetas e os traficantes, que fazemnegócios de ouro. As indústriasdo turismo, a mídia (dos rentáveisanúncios de prostituição à promoçãoe à difusão pornográfica), as companhiasde aviação e de hotelaria e osEstados em número cada vez maior setornam cúmplices. Os bancos e outrasinstituições financeiras, se não investemdiretamente, apressam-se parareciclar o dinheiro acumulado pelaexploração da prostituição de milhõesde mulheres e crianças. Os Estadosangariam taxas e impostos, concedendolicenças e outras autorizações monetariamentelucrativas, quando elesmesmos não organizam esse “setor”em crescimento em sua economianacional.RecrutamentoO recrutamento precoce – a idademédia de ingresso na prostituição,nos países dominantes do capitalismo,é de mais ou menos 14 anos e éainda menor nos países dominados –e o tráfico são necessários para substituiras pessoas prostituídas que odesgaste rápido e a morte frequentetiram do mercado.IHU On-Line – Que pistas indicamum caminho para a redução daexploração sexual? Que dimensãotem o desafio posto?Richard Poulin – De acordo comrecente pesquisa realizada em Vancouver,uma parcela grande (95%)das pessoas prostituídas entrevistadasdeseja deixar a prostituição.(Uma pesquisa semelhante realizadaem escala internacional confirmouque 92% das mulheres prostituídasdesejam deixar a prostituição.) Estapesquisa também evidenciou asnecessidades imediatas dessas mulheres,em sua maioria autóctones(52%). Aproximadamente 82% delasdisseram precisar de um tratamentode desintoxicação (droga ou álcool);66% dizem precisar de uma moradiaou de um lugar seguro; 67% queremuma formação profissional; 41%,cuidados médicos; 49%, cursos deautodefesa; 58%, serviços de aconselhamento;33%, assistência jurídica;12%, serviços de creche para crianças;e 4%, um serviço de proteçãofísica contra os proxenetas.Lei contra prostituidoresNa Suécia, desde a adoção, em1999, de uma lei que penaliza osprostituidores, diminuiu o númerode mulheres prostituídas, e o recrutamentoe o afluxo de pessoas do exteriorquase pararam e o número deprostituidores recuou, passando de12,5% para 8,5%. Os homens jovensnão são mais recrutados como prostituidores.Na Suécia, a prostituiçãoé compreendida como uma forma deviolência masculina praticada contraas mulheres e as crianças, e por issoas pessoas prostituídas têm acesso atodos os serviços disponíveis às mulheresvítimas de violência. Uma leique penaliza os prostituidores temcertamente um valor pedagógico: ocrime é comprar ou alugar o sexo daspessoas, e não o fato de uma pessoaser prostituída.CombateTravar um combate pela aboliçãodo sistema prostitucional e de tudoaquilo que dele resulta (o tráfico, oturismo sexual, etc.) é trabalhar parapôr fim à submissão de um sexo pelooutro e à mercantilização sexual sobtodas as suas formas. Se foi possívelabolir a escravidão, que constituiu,durante quatrocentos anos, um dosfundamentos das economias ocidentais,é realista crer que se possa aboliro sistema prostitucional.Destaques da Semana www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201343


cadas, principalmente o relacionadoao Produto Interno Bruto – que levouo Brasil a ocupar a 6ª economia mundialà frente da Inglaterra, mas quedepois recuou. Portanto, deixe parao passado o estereótipo das botas euniformes, porque agora o chão defábrica também é elegante, usa ternoe gravata, usa tênis All Star e camisaxadrez, usa salto alto e vestido.DiferençasAbordar a questão das mudançasno trabalho é como caminhar nofio da navalha, pois não significa que aevolução tecnológica necessariamentetornou o trabalho melhor ou pior,mas que agora opera sobre outra lógica.Na agência de marketing digitalCadastra, em Porto Alegre, cerca de60 pessoas trabalham diariamenteem um local absolutamente aconchegante.A longa e ampla sala se estendesem divisórias, com mesas compridas,onde diversos empregados trabalhamem núcleo – conforme a atividade quedesenvolvem –, mas todos integradosem um mesmo ambiente. Mais oumenos no meio deste espaço, tem acozinha – muito bem equipada e ondeocorre diariamente, por volta das 16h,o café da tarde, ocasião em que todosse reúnem para descontrair e dar umaaliviada na rotina. Junto à cozinhaexiste e uma espécie de sala de estarcom redes, sofás, vídeo-games e algunsbrinquedos. Os aniversariantestêm balões de festa com um sorrisocolados aos monitores de suas estaçõesde trabalho. Assim, basta ver abexiga amarela para saber que é dia edar um abraço especial no colega.De acordo com a analista de recursoshumanos da Cadastra, a psicólogaNicole Lunardi, a proposta doespaço é proporcionar um ambienteprazeroso de trabalho. “Aqui na Cadastranão controlamos o horárioexato em que o empregado chega,temos flexibilidade, pois tambémqueremos que ele faça uma atividadede que gosta, na qual possa estudar.Nós trabalhamos por performance,temos metas para atingir, mas o nossomodelo de trabalho é de autogerenciamento”,explica Nicole. Trocandoem miúdos, o autogerenciamento significauma flexibilidade para o empregadogerir a própria forma de trabalho,ou seja, não existe a figura de um“Abordar aquestão dasmudanças notrabalho é comocaminhar no fioda navalha, poisnão significaque a evoluçãotecnológicanecessariamentetornou o trabalhomelhor ou pior,mas que agoraopera sobreoutra lógica”chefe em cima da pessoa cobrandoo exercício de duas atividades, o queimplica no desenvolvimento da autonomiaprofissional da pessoa, à medidaque cabe a ela o envolvimento e atomada de algumas decisões. “Apesarde nossas metas e nossa flexibilidadeninguém fica aqui trabalhando de madrugada”,complementa Nicole.SeleçãoPara um modelo pouco tradicionalde trabalho, há também um modopouco tradicional de seleção. O únicopré-requisito mais formal para trabalharna Cadastra é que o candidatotenha curso de graduação, seja elecompleto ou, digamos assim, quasecompleto. Portanto, uma carteira detrabalho cheia de assinaturas de antigosempregos e longas experiênciasnão se tornou um instrumento tãoimportante assim. De resto, espera--se que o candidato seja criativo – daía importância de um ambiente maisleve e de uma rotina menos pesada,de modo que as subjetividades possamser estimuladas –, e que ele tenhavontade de aprender. Não é rarover alguém lendo um livro durante oexpediente, inclusive estimula-se aprática, estudando para as provas decertificação do Google, por exemplo,ou rindo de um vídeo do YouTube. “Agente gosta que nossos colegas leiame que se distraiam durante o expediente.Queremos que eles se sintamem um clima agradável”, frisa Nicole.ControleEmbora o trabalho dos empregadosse paute pelo autogerenciamento,há um rigoroso controle das atividadespor meio de relatórios, o que permitemanter em dia as demandas dos clientes.“O controle é subjetivo e feito pelosrelatórios diários sobre o trabalhoque as pessoas salvam na rede. Para ocontrole são levadas em consideraçãodesde as planilhas até o comportamentono trabalho”, esclarece Nicole.O mal-estar na pós-modernidadedo trabalho, fazendo uma analogia aBauman 1 , está relacionado às metas.As equipes, como explicado anteriormente,são divididas em núcleos queatendem a determinados clientes e,por isso, a pressão das metas é bastantediluída nas demandas de cadaum. Eventualmente, quando umameta não é atingida, há um “mal-estar”,como considera Nicole, mas issoraras vezes acontece. “Nossos controlespermitem calcularmos os riscos deuma meta não ser atingida. Aí trabalhamospara evitar que isso ocorra”,ressalta a analista de RH.Quando o trabalho faz bemInteressada pela área de comunicaçãodigital, Erica Rigo, estudante deRelações Públicas da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul – UFRGS,entrou na Cadastra há um ano e novemeses para trabalhar na área de linkspatrocinados. “Eu ainda não conheciamuito sobre como era o trabalho nosetor para o qual fui admitida, porém1 Zygmunt Bauman: sociólogo polonês,professor emérito nas Universidades deVarsóvia, na Polônia e de Leeds, na Inglaterra.Publicamos uma resenha do seu livroAmor líquido (São Paulo: Jorge ZaharEditores, 2004), na 113ª edição do IHUOn-Line, de 30-08-2004. Publicamos umaentrevista exclusiva com Bauman na IHUOn-Line n. 181 de 22-05-2006, disponívelpara download em http://bit.ly/agTfsn.(Nota da IHU On-Line)Destaques da Semana www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201345


Destaques da Semanaisso não foi empecilho para não conseguira vaga. Desde que entrei, participeide treinamentos e fui orientadapor supervisores para desenvolverminhas habilidades na área”, explica.Para ela, a integração do trabalho doestagiário com os demais profissionaisfoi um diferencial em relação àsoutras empresas em que trabalhou.Ela conta que, mesmo com asmetas a cumprir, se sente bem no trabalhoe que o ambiente proporcionouamizades e momentos com colegasfora do expediente. “A Cadastra entendeque, por sermos uma empresavoltada à performance, temos simmuitas pressões por resultados e,para amenizar, ela propicia espaçosem que podemos aliviar estas tensõese manter uma convivência agradável”,salienta.Erica acredita que a quebra debarreiras no trabalho e a não hierarquizaçãodas relações, embora existahierarquia de funções, favorece o desenvolvimentoprofissional. “A proximidade(inclusive física) no ambientede trabalho também proporcionamuitas trocas de experiências entreas próprias equipes, o que enriquecemuito o trabalho de todos, pois podemosutilizar os pontos fortes de cadapessoa para a melhoria no trabalhodos demais”, avalia.“A procura detrabalhos emque a realizaçãopessoal eprofissional sejamconvergentes écada vez maiscomum ”Quando o trabalho faz malCarolina 2 trabalhou em umaempresa multinacional relacionada àárea de criação de software em ummodelo de autogerenciamento muitoparecido com a da agência Cadastra,mas com metas mais agressivas.Para ela, a experiência foi de intensoaprendizado em vários aspectos, mascomo seu ingresso não estava diretamenterelacionado à sua área de formação,ela optou por deixar o emprego,pois também considerava que otrabalho exigia muito da carga horária2 O nome verdadeiro da entrevistada foipreservado a pedido dela. (Nota da IHUOn-Line)dela. “O mais negativo foi que eu nãome adaptei à tarefa e aos horários,que começaram a atrapalhar minhavida social”, explica Carolina.Para ela, a mudança no controledo trabalho focado nas metas, sobretudoem uma empresa multinacionalcom muitos empregados e clientes,implicava uma pressão muito rigorosa,onde a manutenção do emprego,às vezes, estava condicionada àconquista dos objetivos da empresa.Entretanto, ter trocado de empregopermitiu a Carolina voltar à área deformação e novamente a perseguirseu sonho profissional. “De certa formater trabalhado em um ambientetão distante, profissionalmente falando,fez com que a ficha de se fazeraquilo de que realmente gosta caísse”,conta.Por fim, Carolina reconhece quea experiência também foi importanteprofissionalmente e que um bomtrabalho é “aquele no qual a gente sesente bem e sabe que tem sempre algumanova e boa oportunidade paraaprender e se desenvolver”. Em temposde gostos ecléticos, a vaidade doemprego em grandes corporações, sejamelas nacionais ou internacionais,a procura de trabalhos em que a realizaçãopessoal e profissional sejamconvergentes, são exemplos cada vezmais comuns.Acesse o facebook do Instituto Humanitas Unisinos - IHU e acompanhe nossas atualizaçõesfacebook.com/InstitutoHumanitasUnisinoswww.ihu.unisinos.br46SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Artigo da SemanaPovos indígenas não cabem noprojeto da atual esquerdaPor Cesar Sanson“Os povos indígenas são um estorvoao modelo nacional desenvolvimentistada esquerda latino--americana e brasileira no poder. Esses povosnão cabem no projeto da atual esquerda. Maisainda, são vistos como obstáculo e amarra aolivre desenvolvimento das forças produtivas1Tributária de um marxismo reducionistaque vem as forças produtivas– trabalho e capital – como meiopara controlar e transformar os recursosnaturais com vistas à produção debens materiais, base do crescimentoeconômico, a atual esquerda latino--americana enxerga nos povos indígenasum obstáculo ao pleno desenvolvimentodo modelo em curso.Nesse modelo, as terras, aságuas, as matas, o ar, a biodiversidadee os minérios estão subordinadosà lógica produtivista, âncora do crescimentoeconômico e base da distribuiçãode renda. Na medida em queos povos indígenas ocupam os territóriosonde se encontram os recursosvitais para o modelo, eles devem serremovidos. É nesse contexto que devemser interpretadas as tensões queenvolvem os povos indígenas em todoo território latino-americano e, particularmente,no Brasil.portadoras do crescimento econômico”. Ocomentário é de Cesar Sanson, docente naUniversidade Federal do Rio Grande do Norte– UFRN, em artigo para a IHU On-Line. Trata--se de síntese da Conjuntura da Semana publicadano sítio do IHU em 22-04-2013 1 .Eis o artigo.O arsenal de emendas constitucionais,portarias e regulamentaçõesassociadas aos grandes projetos e aobraço armado do ruralismo e do Estado– vide o caso do povo Munduruku 2– ameaçam não apenas os territórios,mas a própria integridade física dospovos indígenas. O Estado de exceção,na concepção agambeniana, chegouaos povos indígenas.O caso brasileiro é emblemáticonessa perspectiva. O modelo econômicoem curso é altamente dependenteda exploração e exportação dematérias-primas, em especial de commoditiesagrícolas e minerais. Nessaperspectiva e para viabilizar o modelo,o Estado brasileiro investe pesadoem obras de infraestrutura na áreade transporte e geração de energia– rodovias, ferrovias, hidrovias, portos,aeroportos, usinas hidrelétricas,linhas de transmissão, dentre outras.O modelo necessita do total controledo território e na medida em queestá ocupado por indígenas ou outrospovos tradicionais - quilombolas, pescadoresartesanais, ribeirinhos –, elesse tornam um empecilho e precisamser removidos. Como destaca análisede conjuntura do Conselho IndigenistaMissionário - Cimi 3 , “é muito evidenteque os setores político-econômicosanti-indígenas e antidemocráticos, representantesdo agronegócio, das mineradoras,das grandes empreiteiras eo próprio governo brasileiro estão articuladose empenhados para ampliaro acesso, o controle e a exploraçãodos territórios indígenas, quilombolas,dos pescadores artesanais, doscamponeses, de preservação ambiental,dentre outros”.Para conseguir seus objetivos, dizo Cimi, os setores anti-indígenas adotaramuma estratégia que tem trêsobjetivos centrais:• Inviabilizar e impedir o reconhecimentoe a demarcação das terrasindígenas.Destaques da Semana www.ihu.unisinos.br1 1 - http://bit.ly/13qc3XVEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 20132 - http://bit.ly/Zgx7AC3 - http://bit.ly/ZDnQ0q47


Destaques da Semanawww.ihu.unisinos.br• Rever procedimentos de demarcaçãode terras indígenas jáfinalizados.• Invadir, explorar e mercantilizar asterras demarcadas, que estão naposse e sendo preservadas pelospovos indígenas, pelos quilombolase por outros grupos tradicionais.É nesse contexto que se assisteao uso de diferentes instrumentos político-administrativos,judiciais e legislativospara derrogar os frágeis direitosindígenas. A artilharia é pesada evisa atingir os objetivos citados acima.Entre as principais iniciativas dos ruralistaspara o desmonte dos direitos indígenase com o explícito objetivo de“abrir a porteira” dos seus territórios,destacam-se:• PEC 215: O projeto de emendaconstitucional propõe transferir dopoder Executivo para o CongressoNacional a demarcação e homologaçãode terras indígenas e quilombolas,além de rever os territórioscom processo fundiário e antropológicoencerrado e publicado.• PEC 38: Dá ao Senado Federal competênciapara aprovar processosde demarcação de terras indígenase determina que a demarcação deterras indígenas ou unidades deconservação ambiental respeite olimite máximo de 30% da superfíciede cada estado.• PEC 237: Permite a posse indiretade terras indígenas por produtoresrurais. A PEC acrescenta um parágrafoà Constituição para determinarque a pesquisa, o cultivo e aprodução agropecuária nas terrastradicionalmente ocupadas pelosíndios poderão ocorrer por concessãoda União, tendo em vista ointeresse nacional.• Projeto de Lei 1610: Prevê a mineraçãoem terras indígenas, ou seja,a exploração mineral poderá ocorrerem todo e qualquer espaço nointerior da terra indígena.”O Estadode exceção,na concepçãoagambeniana,chegou aospovosindígenas”Os povos indígenas, porém, nãoenfrentam apenas o agronegócio. Enfrentamtambém o governo que temdirecionado seu arsenal de instrumentosjurídicos para derrotar os indígenasquando se trata de defendero seu modelo. Dentre as principaisiniciativas do governo, destacam-se:• Portaria 303: De iniciativa da Advocacia-Geralda União (AGU), aportaria confirma o entendimentodo STF de que os direitos dos índiossobre as terras não se sobrepõemaos interesses da política de defesanacional, ficando garantida a entradae instalação de bases, unidadese postos militares no interior dasreservas. A expansão estratégicada malha viária, a exploração dealternativas energéticas e de “riquezasde cunho estratégico parao país” também não dependerãode consentimento das comunidadesque vivem nas TIs afetadas, deacordo com as regras.• Decreto nº 7.957/13: Cria a Companhiade Operações Ambientaisda Força Nacional de SegurançaPública, tendo como uma de suasatribuições “prestar auxílio à realizaçãode levantamentos e laudostécnicos sobre impactos ambientaisnegativos”. Na prática significaa criação de instrumento estatalpara repressão militarizada de todae qualquer ação de comunidadestradicionais, povos indígenas e outrossegmentos populacionais quese posicionem contra empreendimentosque impactem seus territórios.Foi o que se viu na OperaçãoTapajós.• Portaria Interministerial 419/11:Regulamenta a atuação de órgãose entidades da administração públicacom o objetivo de agilizar oslicenciamentos ambientais de empreendimentosde infraestruturaque atingem terras indígenas.Logo, a postura do governo emrelação aos povos indígenas é clara:ou os povos indígenas submetem-seao modelo ou sentirão a mão pesadado Estado. Portanto, a atitude dogoverno brasileiro não é de descaso,omissão e negligência para com ospovos indígenas – o governo tem umlado nesse debate e o seu lado é a defesado seu projeto.Toda a insatisfação dos povosindígenas ficou latente quando recentementenão conseguiram audiênciacom a presidente. Afirmaram os povosindígenas em carta pública: “Perdemosas contas de quantas vezes emque Dilma esteve com latifundiários,empreiteiras, mineradores, a turmadas hidrelétricas. Fez portarias e decretospara beneficiá-los e quase nãodemarcou e homologou terras tradicionaisnossas. Deixou sua base noCongresso Nacional entregar comissõesimportantes para os ruralistas eseus aliados”.Os povos indígenas, entretanto,resistem como historicamente resistiram.Na sua luta contra os ruralistase contra a insensibilidade do governo,contam com poucas forças, entre elas,a principal é o Cimi. Os partidos deesquerda não apoiam a luta indígena,apenas alguns parlamentares isolados.Há partidos de esquerda que sãoclaramente anti-indígenas, tal como oPCdoB. O movimento sindical sequerconhece essa luta e raramente se posicionaquanto aos seus conflitos.48SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Entrevistas em destaqueA revista IHU On-Line traz nesta e nas próximas edições resumos das entrevistas especiais mais acessadas durante orecesso, entre janeiro e março de 2013. Os conteúdos estão disponíveis no sítio IHU On-Line (www.ihu.unisinos.br).A multiplicação da internet nas favelase a visibilidade social dos jovensEntrevista com Jorge Luiz Barbosaonfira nas Notícias do Dia de 22-02-2013Acesse no link http://bit.ly/XtvpqWUma pesquisa realizada em cinco favelas do RioJaneiro – Rocinha, Cidade de Deus, Manguinhos e oscomplexos do Alemão e da Penha – apontou que 90%dos jovens dessas comunidades acessam a internetde seus computadores pessoais. Para o levantamento,foram entrevistados dois mil jovens, e o estudo foirealizado em parceria pela Secretaria Estadual deCultura juntamente com a ONG Observatório deFavelas. “Na rua o jovem de favela é apenas ‘umjovem da favela’, não é um cidadão. Não possui suacidadania reconhecida, seu corpo abrigado e sua vidarespeitada. Agora em seu Facebook ele se mostra,fala de si, identifica suas preferências, afirma seusgostos, enuncia seus conflitos, tudo isso porque nãose sente só. Entra em contato com jovens parecidoscom ele e diferentes dele”, destaca o professore pesquisador Jorge Luiz Barbosa, em entrevistaconcedida à IHU On-Line por e-mail.“O feminismo transformou o mundo”Entrevista especial com Rose Marie MuraroConfira nas notícias do dia de 07-03-2013Acesse o link http://bit.ly/YQub8nLEIA OS CADERNOS IHUNO SITE DO IHUWWW.IHU.UNISINOS.BRAos 82 anos, depois de décadas dedicando-seao estudo do feminismo, a escritora e física RoseMarie Muraro avalia que o movimento “mudou aconsciência” do mundo, porque transformou asmulheres. “A mulher muda a consciência dos filhose mudando a consciência dos filhos, ela muda aconsciência das gerações. O homem não tem amesma relação com a criança, ele se dedica mais àscoisas práticas, enquanto a mulher se dedica maisàs pessoas. Então, se você muda uma mulher, vocêmuda o correr das gerações. Eu tenho a honra de terajudado, com a minha obra, a mudar a cabeça dasgerações”, declara. Na entrevista concedida à IHUOn-Line por telefone, em ocasião do Dia Internacionalda Mulher, Rose Marie assinala que, após teremconquistado espaço em diversas áreas, as mulheresdevem se inserir no debate econômico e repensar aeconomia.Destaques da Semana www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201349


Destaques da SemanaDestaques On-LineEntrevistas especiais feitas pela IHU On-Line no período de 22-04-2013 a 29-04-2012, disponíveis nas Entrevistas do Diado sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).Redução da maioridade penal: umaproposta falaciosaEntrevista especial com André Luís CallegariConfira nas notícias do dia de 22-04-2013Acesse o link http://bit.ly/13qcv8wReduzir a maioridade penal para acabar com aviolência “é uma falácia”, considera André LuísCallegari à IHU On-Line. Segundo ele, a proposta nãoé fundamentada empiricamente e a aprovação damaioridade penal “seria uma mera transferência físicado lugar de cumprimento da pena. Transferiríamosfisicamente os menores da Fundação de AtendimentoSocioeducativo – FASE para o Presídio Central”,adverte Callegari.“Uma revolução”. A lei n. 10.639/3 eo ensino da história e da cultura afrobrasileiranas escolas“Pacem in Terris”. Os 50 anos deuma encíclica e a dimensão social doEvangelhoEntrevista especial com Frei Carlos JosaphatConfira nas notícias do dia de 24-04-2013Acesse o link http://bit.ly/10cLQYCEm entrevista à IHU On-Line, o que Frei CarlosJosaphat descreve a encíclica Pacem in Terris, deJoão XXIII, publicada há 50 anos, como “a mensagemmais oportuna, mais sábia, mais operacional para omundo moderno”. Para Josaphat, ao lado de Materet Magistra, a Pacem in Terris constitui “a melhorformulação ética da dimensão social do Evangelho,a qual se torna operacional pelo empenho de nãoficar em uma elaboração teórica, abstrata. Mas,inaugurando uma análise dos sistemas industriais,econômicos, agrícolas, elas lançam uma grandeluz sobre as raízes e causas das exclusões edesigualdades sociais”.Entrevista especial com Lúcia Regina PereiraConfira nas notícias do dia de 23-04-2013Acesse o link http://bit.ly/17MwS07Semiárido: dez anos de investimentoscontraditórioswww.ihu.unisinos.brUma reivindicação do Movimento Social Negro,que inclui no currículo oficial das escolas aobrigatoriedade do ensino da história e da culturaafro-brasileira, completa dez anos. Apesar de algunsprofessores ainda serem resistentes à legislação,Lúcia Regina Pereira ressalta que “diferente de dezanos atrás, mais pessoas, escolas, e educadores têmciência, se não consciência, dessa outra parcela dapopulação que precisa se ver na história e se ver deforma positiva”, avalia.Entrevista especial com Roberto MalvezziConfira nas notícias do dia de 25-04-2013Acesse o link http://bit.ly/10eNJnMApós completar dez anos, o Programa 1 Milhão deCisternas mudou a perspectiva de vida e convivênciacom o semiárido, diz Roberto Malvezzi à IHU On-Line. “Com ele deixamos de focar nas grandes obrase dirigimos o olhar para cada casa, cada caso, comouma rendeira tece sua peça ponto a ponto”.50SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


TemadeCapaDestaquesda SemanaIHU emRevistawww.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 000 | SÃO LEOPOLDO, 00 DE 00 DE 0000 SÃO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIÇÃO 00051


IHU em RevistaAgenda deEventosEventos do Instituto Humanitas Unisinos – IHUprogramados para a semana de 29-04-2013 a 06-05-2013Data: 29-04-2013Evento: Sociedade, Religiões, Secularização. Ciclo de Debates com Charles TaylorAtividade: O debate liberais–comunitários: colóquio com Charles Taylor – Diálogo com filósofos, sociólogos, cientistas dareligião e teólogosPalestra: Características e interfaces da secularizaçãoHorário: 14h30 às 22hLocal: Sala Ignacio Ellacuria e Companheiros, no IHUData: 29-04-2013Conferência: Pertença religiosa numa era secular. Desafios e possibilidadesPalestrante: Prof. Dr. Charles Taylor (McGill University Montreal – Canada)Horário: 19h30 às 22hLocal: Auditório Central, na UnisinosMais informações: http://bit.ly/XWct3kData: 29-04-2013Evento: Ciclo de Estudos em EAD: Sociedade SustentávelProfessor: MS Gilberto A. FaggionMódulo 3: Por um novo paradigma civilizacionalPeríodo: 15 de abril a 25 de maioLocal: Plataforma Moodle UnisinosMais informações: http://bit.ly/XuBgMBData: 29-04-2013Evento: Mostra do ObservaSinos: De olho no ValePeríodo: A exposição será itinerante nos 14 municípios da região do Vale do Rio dos Sinos.Mais informações: http://bit.ly/Zu5W0Pwww.ihu.unisinos.brData: 02-05-2013Evento: IHU IdeiasPalestra: As inovações tecnológicas e/ou sócio organizacionais e seus impactos nas relações de trabalhoPalestrante: Profa. Dra. Valmíria Carolina Piccinini (UFRGS)Horário: 17h30 às 19hLocal: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHUMais informações: http://bit.ly/14kjqExData: 02-05-2013I Seminário – XIV Simpósio Internacional IHU: Revoluções Tecnocientíficas, Culturas, Indivíduos e SociedadesPalestra: A ciência em ação de Bruno LatourPalestrante: Profa. Dra. Letícia de Luna Freire (UFRJ)Horário: 19h30 às 22hLocal: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHUMais informações: http://bit.ly/XW4RxKData: 06-05-2013Evento: Ciclo de filmes: Crise do Capitalismo no Cinema – IHU CinemaExibição de filme: Catastroika (Aris Hatzistefanou e Katerina Kitidi. Grécia, 2012, 88 min)Horário: das 17h às 19hLocal: Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHUMais informações: http://bit.ly/XSTJo952SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Entrevista de EventosA ciência em ação de Bruno LatourA antropóloga e pesquisadora Leticia de Luna Freire fará palestra na Unisinos no dia02-05-2013, integrando o I Seminário do XIV Simpósio Internacional IHUPor Ricardo Machadonão está interessado na Ciênciacom ‘C’ maiúsculo, que seria a ciência“Latourpronta e acabada, mas na ciência com‘c’ minúsculo, ou seja, na ciência em construção”,explica Leticia de Luna Freire em entrevista pore-mail à IHU On-Line. A palestra da professoraLeticia, que ocorre na quinta-feira, às 19h30, naSala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU,integra o ciclo de debates que antecede ao XIVSimpósio Internacional IHU – Revoluções Tecnocientíficas,Culturas, Indivíduos e Sociedades.IHU On-Line – O que é ciênciaem Bruno Latour 1 ?Leticia de Luna Freire – Comocoloca claramente, sobretudo no livroA ciência em ação (São Paulo: UNESP,2000. 438 páginas) Latour não está interessadona Ciência com “C” maiúsculo,que seria a ciência pronta e acabada,mas na ciência com “c” minúsculo, ouseja, na ciência em construção. Sua propostaé investigar como se dá, na prática,o processo de construção dos fatoscientíficos, em seus mínimos detalhes,em cada gesto dos cientistas, dentro efora dos seus laboratórios, com o mesmoestranhamento e observação dedicadacom que os antropólogos estudavamos chamados povos “selvagens”.Com sua “antropologia das ciências”,1 Bruno Latour (1947): filósofo francês, éum dos fundadores dos chamados EstudosSociais da Ciência e Tecnologia (ESCT). Éreconhecido, entre outros trabalhos, porsua contribuição teórica - ao lado de outrosautores como Michel Callon e JohnLaw - no desenvolvimento da ANT - ActorNetwork Theory (Teoria ator-rede) que,ao analisar a atividade científica, consideratanto os atores humanos como osnão humanos, estes últimos devido à suavinculação ao princípio de simetria generalizada.(Nota da IHU On-Line)EDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013Latour busca estudar a produção de verdadenas sociedades contemporâneas,e a ciência, ao lado de outras esferascomo o direito, por exemplo, é, nessesentido, crucial. Afinal, quem hoje questionao formato de dupla hélice do DNA,a eficácia da penicilina, a existência dacamada de ozônio ou mesmo a existênciado inconsciente?Leticia de Luna Freire é antropóloga, pesquisadorado Laboratório de Etnografia Metropolitana– LeMetro/IFCS-UFRJ, do Instituto Nacionalde Estudos em Administração Institucional deConflitos – InEAC-UFF e do Grupo de PesquisaEntre-Redes – UERJ. Além disso, é pós-doutorandado Programa de Pós-Graduação em Antropologiada Universidade Federal Fluminense– PPGA-UFF.Confira a entrevista.IHU On-Line – Os trabalhos deBruno Latour buscam compreenderas ciências como consequência dasociedade e vice-versa. Como explicaro trabalho do autor e da pesquisanesse sentido?Leticia de Luna Freire – Diante doque foi dito cima, Latour vai se interessarjustamente pelas controvérsias edisputas que ocorreram antes dessesenunciados científicos se legitimaremcomo “fatos”, tornando-se, para nós,inquestionáveis, pelo menos até queum novo argumento surja colocando--os novamente em xeque. Utilizandouma metáfora do próprio Latour, estaé uma abordagem que se volta paraos objetos enquanto eles ainda estão“quentes”, cabendo ao pesquisador seguiros atores em ação, sejam eles cientistas,políticos, moléculas, vegetaisou qualquer outra coisa que produzaefeito, diferença. Parte-se do princípiode que há uma permeabilidade entreo lado de “dentro” e o lado de “fora”do laboratório, ou seja, que há umarelação direta entre o que um cientistafaz em seus experimentos e o queele faz politicamente, atuando juntoàs agências de fomento à pesquisa, àsinstituições acadêmicas, às instânciasreguladoras governamentais, etc., etodo esse coletivo faz parte da ciência,que passa a ser aqui entendida comouma rede de atores. O que o pesquisadorbuscaria alcançar, ao final, não éuma interpretação, enquadrando tudonuma moldura teórica ou aludindo aum “contexto social”, como fazem osvelhos estudos de sociologia das ciências,mas sim uma descrição – a maisdigna possível – das associações produzidasempiricamente. Do ponto devista metodológico, esta seria a únicamaneira de compreender a realidadedos estudos científicos, já que a ciênciaé fundada sobre uma prática, e nãosobre ideias. A esse projeto, Latour,junto com outros pesquisadores, deuo nome de Teoria do Ator-Rede, cujaIHU em Revista www.ihu.unisinos.br53


IHU em Revistawww.ihu.unisinos.brsigla em inglês (ANT – Actor-NetworkTheory) alude à palavra “formiga”, evocandoo trabalho longo, detalhista e defarejador de trilhas de quem se engajanessa tarefa.IHU On-Line – Quem é o cientistanas obras de Latour?Leticia de Luna Freire – Na leituraque faço dos seus trabalhos, ocientista seria nada mais que um atorentre outros, produto de uma associaçãohíbrida de elementos. Na análiseque Latour faz das controvérsias emtorno das “descobertas” de Louis Pasteur2 no século XIX, ele mostra comoo sucesso do cientista não foi frutode suas ações solitariamente, mas dacombinação de seu talento com forçasque incluíam desde o movimento higienistaaos interesses coloniais, passandopela disputa com outros cientistasque também estudavam a relaçãoentre doenças e micróbios. Nessaconcepção de que os homens nuncaefetuam sozinhos suas ações, Latournos faz ainda questionar se foi mesmoPasteur que produziu o ácido lácticoou se foi o ácido láctico que produziuPasteur como esse grande cientistaque hoje reconhecemos! Assim comoo objeto de sua “descoberta”, o cientistatambém seria efeito de uma associaçãode elementos heterogêneos,humanos e não humanos, produzidasob determinadas condições.IHU On-Line – Quando Latourmenciona que os estudos sobre asciências deveriam partir desde antesdas caixas-pretas terem sido fechadas,o que ele está colocando emdebate?Leticia de Luna Freire – Ele estácolocando justamente o que seria oobjetivo de sua proposta de estudo daciência, ou seja, da prática científica emvias de se fazer. Latour fala de objetos“quentes” e “frios” para se referir, respectivamente,àqueles que ainda sãoalvo de controvérsias, e àqueles cujodebate já se estabilizou (ou esfriou),com uma versão tida como vencedo-2 Louis Pasteur (1822-1895): cientistafrancês. Suas descobertas tiveram enormeimportância na história da química eda medicina. É lembrado por suas notáveisdescobertas das causas e prevençõesde doenças. Suas descobertas reduzirama mortalidade de febre puerperal, e elecriou a primeira vacina para a raiva. Seusexperimentos deram fundamento para ateoria microbiológica da doença. (Notada IHU On-Line)ra sobre as demais. Como exemplo doprimeiro tipo, podemos citar, a respeitode várias sociedades, a questão doaborto ou do casamento homossexual,alvo de intensos debates em diversasinstâncias (medicina, direito, religião,etc.). Como exemplo do segundo tipo,podemos citar os efeitos nocivos da ingestãode álcool sobre a direção de umveículo, reconhecidos pela medicina eregulados pelo direito através, dentreoutros, do que aqui chamamos de LeiSeca, ou, ainda, no âmbito mais geralda sociologia como ciência, a vitória daperspectiva de Émile Durkheim sobre ade Gabriel Tarde 3 . Em sua abordagem,Latour está mais interessado nos objetosdo primeiro tipo, dando um tratamentosimétrico tanto para os quese tornarão vencedores quanto paraos que se tornarão vencidos na históriada ciência; tanto para o enunciadoque vingará como “verdade” quantopara aquele que passará a figurar, demodo negativo, como “crendice”. Eletoma de empréstimo o termo “caixa--preta” da cibernética justamente paradesignar aquilo que, a despeito detoda a complexidade e controvérsiaque o constituiu, se estabilizou comoverdadeiro e indubitável. É isso queacontece quando nos referimos ao buracona camada de ozônio decorrenteda poluição de determinados gases ouquando nos referimos às influências dosocial sobre o comportamento de umacriança, parecendo existir um entendimentoconsensual sobre o que se diz,ainda que ninguém possa ver e apontarpropriamente o “buraco” ou o “social”.Latour, por sua vez, quer estudaro processo anterior à constituição dascaixas-pretas, isto é, quando as controvérsiasainda estão em aberto. Comoele diz, sua entrada no mundo da ciêncianão é pela entrada mais grandiosada Ciência, mas pela porta dos fundos.IHU On-Line – Tendo em vistaa perspectiva de Latour, de que maneirase articulam as questões científicase políticas no discurso dospesquisadores?Leticia de Luna Freire – Para Latour,ciência e política, assim como naturezae cultura, não estão situadas empolos opostos, mas estão em constanteinteração, sendo impossível pensá-lasde maneira dissociada. Se tomarmos3 Jean-Gabriel de Tarde (1843-1904): filósofo,sociólogo, psicólogo e criminologistafrancês.como exemplo a recente Conferênciadas Nações Unidas para o Meio Ambiente,realizada no Rio de Janeiro noano passado, veremos que o que estáem jogo nas discussões, unindo especialistase chefes de estado (cientistase políticos), não são as florestas, a atmosfera,os oceanos enquanto “puro”objeto das ciências naturais, mas oselementos da natureza também comoobjetos políticos. Fenômenos comoa contaminação das águas e o efeitoestufa redefinem ali as relações entreciência e política. Essa conferência daONU seria um bom exemplo de análisedaquilo que Latour denomina “políticada natureza”.IHU On-Line – Como Latour lidacom a questão da autonomia doautor quando ele é utilizado comoreferência?Leticia de Luna Freire – Não merecordo de ter visto Latour preocupadodiretamente com esta questão. Mas,dependendo do entendimento que sefaz da noção de autonomia, e a tomoaqui como sinônimo de independência,diria, a partir de sua perspectiva,que o autor não é, de modo algum,independente. Na verdade, ele só setorna uma “referência” sobre determinadoassunto ou objeto, tornando-semais forte que outros no campo científico,quanto mais conectado estivera outros atores, quanto mais for capazde produzir associações. Por exemplo,um cientista que produziu determinadomedicamento e visa colocá-lono mercado só terá o necessário reconhecimentoquanto mais sua experiênciafor citada em artigos científicose quanto mais alianças fizer, seja cominstituições acadêmicas, associaçõesprofissionais, indústria farmacêuticae grande mídia, reproduzindo e reforçandoa sua autoria do feito. O mesmoocorre com um texto científico, queganhará mais força quanto mais forcitado, debatido ou criticado. Curiosamente,como chamam a atenção osprofessores Iara Souza e Dário Júniorna introdução do último livro de Latourpublicado no Brasil, ele está entre osdez autores mais citados na área deciências humanas, segundo a lista divulgadapela Thompson Reuters 4 , em2009, o que mostra que, apesar de polêmico,Latour é um ótimo cientista.4 Publicação sobre ciência, tecnologiae negócios – www.thomsonreuters.com.(Nota da IHU On-Line)54SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Notícias de EventosCharles Taylor e o debate liberais-comunitários:a necessidade de uma fusão cultural permanenteUma cálida manhã de outono euma plateia que lotou a sala IgnacioEllacuría e Companheiros, no InstitutoHumanitas Unisinos – IHU, marcou aprimeira conferência do filósofo canadenseCharles Taylor no Brasil em 24-04-2013 1 . Concentrando suas ideiasem torno do debate liberais-comunitários,o pensador iniciou sua falatrazendo a variedade de sentidos quetais conceitos costumam assumir emnossos dias. Isso porque as pessoaspartem de bases muito diferentespara abordar tal temática. A reportagemé de Márcia Junges.Na opinião de Taylor, é precisocompreender a influência do mundoanglo-saxão no debate liberais-comunitários.Assim, um dos autores fundamentaisnesse assunto é John Rawls(1905-2002) 2 , que inaugurou umaonda de estudos sobre o neoliberalismo.A série de teorias iniciada com Rawlsé normativa, e em seu caso é a teoriada justiça que ocupa lugar central,com o volumoso A teoria de justiça.Tocqueville 3 (1805-1859), grandepensador francês do século XIX, foielencado como um autor importantepara que se compreenda a democracialiberal, observa Taylor. “TantoRawls quanto Tocqueville estão preocupadosem analisar a sociedademoderna em relação às anteriores”. Efrisou: “Uma sociedade pode ser libe-1 A matéria foi publicada também no sítiodo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.Confira no link http://bit.ly/10eNyc5.(Nota da IHU On-Line)2 Edição 45 da Revista IHU On-Line foidedicada a John Rawls. Confira no link:http://bit.ly/bf90Gu (Nota da IHU On-Line)3 Alexis Carlis Clerel de Tocqueville (1805-1859): pensador político e historiadorfrancês, autor do clássico A democraciana América (São Paulo: Martins Fontes,1998-2000). (Nota da IHU On-Line)EDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013ral sem ser democrática. Os regimesque buscavam igualar as massas eramterrivelmente autoritários”.Joseph Schumpeter 4 (1883-1950), pensador austríaco que migroupara os Estados Unidos após aSegunda Guerra Mundial, previa emsua teoria que a democracia continhaespaço para manter as pessoas emuma inatividade programada, umaespécie de apatia. Esse autor escrevesobre o medo de que o poder temde que as pessoas queiram participardemais da política, trazendo ideiasintolerantes e inconvenientes. Taisautores fazem uma espécie de preempçãosobre a “periculosidade” dademocracia, como se fosse melhor apolítica nos tempos da Inglaterra doséculo XVIII. Algo como “vamos entãodeixar as elites governarem”. A partirdisso percebemos que liberalismo edemocracia não andam de mãos dadasnecessariamente.Charles Taylor recuperou a ideiade tirania da maioria, tributária a Tocqueville,que alertava para o fato deque esta poderia tomar conta da sociedade.Tal posicionamento é recorrentena história norte-americana, como noperíodo de McCarty (1908-1957) e nopós-11 de setembro. Tocqueville, umdemocrata destacado, queria compatibilizardemocracia e liberalismo. Todaa tradição que chamamos de republicanismoé uma teoria que se preocupacom a república, a democracia autogo-4 Joseph Alois Schumpeter (1883-1950):foi professor de economia em 1909 naUniversidade de Czernovitz (atualmenteUcrânia), e, a partir de 1911, na Universidadede Graz. Em 1919 assumiu o postode Ministro das Finanças da RepúblicaAustríaca, permanecendo por poucosmeses nesta função. É considerado umdos importantes economistas da primeirametade do século XX.vernante a encontrar condições parasua saúde contínua.Em sua obra, Monstesquieu(1689-1755) 5 falava sobre a república,a monarquia e o despotismo. A razãoque mantém a monarquia viva é ahonra, e na república trata-se da virtude.Essas ideias influenciaram desdeRousseau (1712-1778) até HannahArendt (1906-1975), e se preocupamcom a saúde de uma democracia liberal,e não simplesmente com valoresem si. Esse é o estranho contexto noqual surge o debate liberais-comunitários,comenta Taylor.Sociedades de imigraçãoOs liberais de inclinação normativase depararam com várias objeçõesà sua teoria. Um sentido da palavracomunitarismo é a reação das pessoasa partir dessa tradição humanística cívicacontra o liberalismo simplesmentenormativo. Nos EUA fala-se em movimentocomunitário sem grande poderpolítico, mas com influência intelectualdestacada. Contudo, pondera Taylor,temos que observar de perto que emnome da liberdade as pessoas nãoacabem promovendo a ascensão decertos atos negativos. A saúde de umasociedade republicana fica periclitantequando se elevam empresas em vez depessoas. A reação republicana é de quedeveríamos ver as questões de liberdadenum contexto de responsabilidade.Outro sentido de liberalismo, bemdiferente e que usa o termo comunitarismo,é aquele que fala de comunida-5 Charles-Louis de Secondat (Barão deMontesquieu – 1689-1755): político, filósofoe escritor francês. Ficou famosopor sua Teoria da Separação dos poderes,atualmente consagrada em muitas dasmodernas constituições nacionais. Suaobra mais famosa é O espírito das leis.(Nota da IHU On-Line)IHU em Revista www.ihu.unisinos.br55


IHU em Revistawww.ihu.unisinos.brde da república inteira, de toda a sociedade.Outros falam em comunidadesculturalmente definidas. Em muitascomunidades norte-americanas e mesmodo Canadá, seus membros vêm doexterior. Durante muito tempo tais sociedadesse definiram com sociedadesde imigração, e estavam estruturadaspara isso. O segundo tipo de sociedadede imigração são aquelas que se converteramem sociedades de imigraçãosem querer sê-lo, como é o caso daEuropa Ocidental, caso da Alemanhaapós a construção do muro. Havia empregosque deveriam ser ocupados, ea taxa de natalidade estava caindo. AAlemanha Ocidental recebeu, então,um influxo de imigrantes para supriressa lacuna. O que se fez nesse país foidefinir tais trabalhadores como GastArbeiters.Fusão cultural permanenteO feminismo nas sociedades doHemisfério Norte surgiu para rompercom um modo de pensar e agir. Umadas características fundamentais dasdemocracias dessa parte do globo éa existência, ou pela primeira vez, aautoasserção das diversidades. Nessecaso temos o problema de gruposdiferentes dentro das sociedades liberaismais amplas, clamando por aceitação,igualdade e liberdade. O comunitarismopoderia designar qualquerdoutrina e dizer que devemos reconheceras diferenças e dar às pessoaso que elas merecem. Esse significadoé tão diferente do primeiro que chegaa ser contraposto a ele.E o que o reconhecimento realmenteacarreta? “É aqui gostaria defalar em multiculturalismo, termotambém confuso em sua delimitaçãode sentido e que significa várias coisasdiferentes”, completou Taylor. Criadona Austrália e logo depois utilizadono Canadá, esse conceito foi endereçadoàs pessoas demonstrando as diversidadesoriundas da globalização.Uma parte dos primeiros imigrantesdesses locais veio das ilhas britânicas,da Itália, da Alemanha, da Espanha,da Europa Oriental e do mundo todo.O senso de diversidade cultural cresceumuito, e o multiculturalismo eraum conjunto de políticas para lidarcom essa diversidade. Por um lado, omulticulturalismo foi entendido comoum incentivo à criação de guetos,mas tal interpretação correspondia àforma como as sociedades europeiasreagiam a isso. “As pessoas diferentesnão deveriam invadir a paz da sociedade,perturbando-a”, disse Taylor.No Canadá o multiculturalismoqueria integrar pessoas de todas asnacionalidades. O fato de seus ancestraisvirem de outros lugares nãoretira a igualdade dos cidadãos dediferentes nacionalidades. Isso foiacompanhado de propostas de inserçãoe reconhecimento de pessoas,reconhecimento como cidadãos, combase numa cidadania comum. “Entretanto,a palavra comunitarismo poderealmente tornar esse debate muitoconfuso. No caso da França, a palavramulticulturalismo foi assimiladaa reconhecimento de primeira espécie.A diferença é reconhecida, masas pessoas devem ficar em seu lugar.Isso porque representam uma ameaçaà república, pensam os franceses”.Entretanto, é preciso integrar as pessoasnuma cidadania comum, pontuao pensador. “A pessoa estrangeira temdireitos e deveres como todos”.Ao longo desse debate, há doisquadros do comunitarismo; um deles,de um lado, está associado ao termonegativo, apontando que o grupo deveser diferente sem se misturar. E, dooutro lado, você reconhece e oferecea possibilidade de as pessoas viveremnesse lugar. Taylor ressaltou que a fusãodas culturas é fundamental, e que estaselas em mudança permanente. “As pessoassão acostumadas com uma continuidadee uma linearidade culturais, egostam de pensar que a sociedade continuaráa ter estruturas imutáveis. Essaé uma das grandes reações emocionais.Tudo e todos que tiram essa linearidadesão mal recebidos”. O interlúdio infelizna história do Ocidente é a nossa surdezpara as outras culturas, arrematou.Democracia e reforma constanteUma democracia moderna e diversificadatem a ver com sua própriareforma. Esse sistema político temque se perguntar o que se está fazendoe tentando promover. “Temoslutas tremendas no Quebec sobre asdiferenças religiosas, sobretudo comos muçulmanos. Na Europa e Américado Norte há movimentos perigosos deislamofobia em institutos acadêmicosde direita que refletem o suposto perigodessa religião, que deve ser combatida”,lamentou Charles Taylor. “Nasdemocracias modernas devemos trabalharconstantemente sobre essetipo de exclusão”.Temos um profundo mal-estar emrelação à mudança em nossas sociedades.Trata-se de uma questão centralnas democracias de nosso tempo. Tocquevillenão precisava se preocuparcom esse fator. Ele figura como umpensador interessante porque percebeuas duas as exclusões massivas queocorriam pelos idos de 1830 nos EUA,em relação aos índios e negros. Ele descrevea exclusão dessas pessoas e discutiua democracia americana nos termosem que os americanos a concebiam.Tal teoria está baseada em ignorar essetipo de exclusão. Nas sociedades atuaisdo Hemisfério Norte isso é impossível.“Há um saudosismo de voltar ao passado,quando ‘sabíamos quem éramos’”,ironiza Taylor.56SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


“Não é possível ser solidário unilateralmente”.Charles Taylor e o debate liberais-comunitáriosNo segundo dia do Debate liberais-comunitários:Colóquio com CharlesTaylor, na quinta-feira, 25-04-2013 6 ,o filósofo canadense iniciou sua explanaçãofalando sobre os bens irredutivelmentesociais, tensionando a partirdesse conceito como pode se constituiruma teoria crítica da política liberal. Areportagem é de Márcia Junges.De acordo com Taylor, John Rawlsafirma que a principal virtude deuma sociedade é que ela seja justaem termos de bens que podem serdistribuídos, como a prosperidade,bem-estar econômico e bem-estar nacional.Os bens não distributíveis sãoa amizade e o amor, o que Taylor chamoude bens de comunhão. Os bensirredutivelmente sociais incluem:1) A confiança social – em democraciasricas e bem sucedidas não falamossobre isso porque trata-se quasede um pressuposto, disse Taylor. “Masestamos prestes a perder essa prerrogativa.Achamos que podemos confiaruns aos outros, quando reina umadesconfiança mútua ubíqua. Contudo,esse bem pode e deve ser partilhado”.2) Comunalidade – refere-se aograu em que nos sentimos parceirosem um empreendimento na sociedade.Trata-se de algo análogo, porémmais fraco, à amizade descrita porAristóteles no livro VII da Ética. Podem-seter graus de comunalidade econfiança diferentes na sociedade.3) Solidariedade – estamos dispostosa colaborar com o Outro? Nos EUAexiste uma grande solidariedade emrelação a certas coisas, como em desastresnaturais. Já em casos de problemaspessoais como perda de emprego ouproblemas de saúde, o nível de ajuda éextremamente baixo. “Mas não é possívelser solidário unilateralmente”, relembrouo filósofo canadense.6 A matéria foi publicada também no sítiodo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.Confira no link http://bit.ly/12rMcip.(Nota da IHU On-Line)EDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013A grande ousadia da modernidadeAlgo a ser desfrutado coletivamentecompreende os recursos deposses coletivas, cujo bem é passívelde distribuição, como o petróleo, nocaso do Canadá e Brasil. Por outrolado, existem recursos culturais quefazem parte da língua e cultura. O queaconteceria se perdêssemos a grandetradição musical do Ocidente? Issoocorre quando culturas menores sãoabsorvidas por maiores. É estranhocomo na disseminação da música ocidentalpelo mundo esta marginalizaaquela originária dos outros países. NaÍndia as pessoas gostam de Beethovene Mozart, mas mantêm seus gostos etradições musicais originários.A cultura e a língua continuamexistindo porque são intercambiadasconstantemente na sociedade. Mastambém é assim que as línguas desaparecem,pontuou Charles Taylor,referindo-se ao ocaso de idiomas depovos originários do Canadá. E o queisso pode significar para a teoria política?Existe uma tendência na teoriapolítica analítica anglo-saxã em termosde conceber a política em termosindividuais e bens individuais.Na obra La societé des égaux 7 (Paris:Editions du Seuil, 2013. 432 pages ),de Pierre Rosanvalon 8 é exposto o desenvolvimentoda democracia a partirda revolução americana e francesa, e osaltos e baixos da ética subjacente a elas.Esse nível de igualdade é vivido pelaspessoas envolvidas no projeto democrático.Somos parceiros iguais no empreendimentocoletivo da sociedade.A ideia da democracia moderna,na qual todas as pessoas são membrosdo empreendimento em pé de7 Confira a entrevista sobre a obra nosítio do IHU On-Line no link http://bit.ly/18ewEz4.8 Pierre Rosanvallon (1948): historiador eintelectual francês cuja obra se dedica ahistória da democracia com base no modelopolítico francês, o papel do Estado ea questão da justiça social nas sociedadescontemporâneas. (Nota da IHU On-Line)igualdade é a grande ousadia da modernidade,garantiu Taylor. A grandeaposta da democracia modernaé que todos deveriam ser incluídosem termos de igualdade. “Existeuma impressão compartilhada entrea população de que somos cidadãosiguais. Essa percepção aflora e passapara um segundo plano frente apercepções de desigualdade. Isso éessencial da própria democracia ocidental”,frisou o pensador. “Há umadificuldade entre os grupos de se vereme entenderem como parceiros.A igualdade de distribuição é importantena democracia, mas é precisoalgo ainda maior. Trata-se dos bensirredutivelmente sociais”.SupernormatividadeSomos obrigados a passar deuma noção puramente normativa eindividual para uma outra que examinaas condições da realização dasnormas. Essa teoria também colocaem primeiro plano certos bens sociaisirredutíveis. Não teremos o tipode sociedade que queremos a menosque tenhamos muita solidariedade,confiança mútua, comunalidade. Nãochegamos nem sequer perto daquelasnormas, e precisamos ter uma teoriaque dê conta disso.E o que move essa supernormatividadee concentração? É umaconcepção profunda e defeituosado raciocínio, da razão. Em RichardDawkins 9 lemos que o direito é mais9 Clinton Richard Dawkins (1941): zoólogo,etólogo, evolucionista e escritor britânico,nascido no Quênia. Catedráticoda Universidade de Oxford, é conhecidoprincipalmente pela sua visão evolucionistacentrada no gene, exposta emseu livro O gene egoísta, publicado em1976. O livro também introduz o termo“meme”, o que ajudou na criação da memética.Em 1982, realizou uma grandecontribuição à ciência da evolução coma teoria, apresentada em seu livro O fenótipoestendido. Desde então escreveuoutros livros sobre evolução e apareceuem vários programas de televisão e rádiopara falar de temas como biologiaevolutiva, criacionismo, religião. Por suaIHU em Revista www.ihu.unisinos.br57


IHU em Revistaimportante que o bem. Qual é a açãocorreta a ser feita? O bem é umaabreviação entre o que era a vida boapara os antigos? Surge a esperançaintransigente defesa à teoria de Darwin,recebeu o apelido de “rottweiler de Darwin”,em alusão ao apelido de ThomasH. Huxley, que era chamado de “buldoguede Darwin (Darwin’s bulldog). Recentementeestá envolto em grande polêmicapor conta das ideias contidas em suaobra Deus, um delírio (São Paulo: Cia dasLetras, 2007), publicada em 2006 sob otítulo The God delusion. Confira o debatesobre diversas de suas ideias na edição245 da IHU On-Line, de 26-11-2007, intituladaO novo ateísmo em discussão,disponível para download em http://bit.ly/jSY3h9 . (Nota da IHU On-Line)no pensamento pós-iluminista quepodemos deixar tudo isso de lado.“Temos uma compreensão muitoreduzida da racionalidade na filosofiamoderna. O raciocínio é fundamentalna racionalidade, mas claramente issonão é a história toda, porque qualquerraciocínio acontece numa certalinguagem. O raciocínio só é bom namedida em que os termos sejam perceptíveis”,acrescentou Taylor. Nossoconhecimento é inseparável do contextoem que vivemos e como superamosas fontes de conflito.Na opinião de Taylor, o que se verificaé que sentimos um impulso maisforte para ajudar certas pessoas porqueformamos comunidade com elas.Aí surge a questão sobre o bem quereside nessa comunidade. De todaforma, é preciso uma mudança de paradigma.Um bom exemplo disso é aTeologia da Libertação 10 . “Temos umatradição cristã antiga e estabelecidaque faz a opção preferencial pelos pobres.Há uma junção de compreensãoonde os encontramos na história moderna”,disse o filósofo.10 A Revista IHU On-Line dedicou doisnúmeros à Teologia da Libertação publicadasem 2007 e em 2011. Confira, respectivamente,nos links http://bit.ly/bsMG96 e http://bit.ly/SSYVTO .A vivência da fé numa sociedade secular.Um relato autobiográfico de Charles Taylorwww.ihu.unisinos.brNa manhã da sexta-feira, 26-04-13, Charles Taylor esteve à frente daConversação com teólogos/as: vivênciada fé numa era secular. Um relatoautobiográfico. Ele recuperou aspectossobre sua vivência religiosa, referindo--se à experiência da igreja católica delíngua inglesa em Quebec, no Canadá,cujo início se deu no século XVII.A reportagem é de Márcia Junges.De acordo com Taylor, há três tiposde biografias entre os cristãos no nossotempo. Primeiramente mencionouaquelas pessoas que não vivenciaramrupturas em sua fé, prosseguindo como credo que professavam em família,desde cedo. Essas pessoas se sentemameaçadas pela secularização que sepropaga pelo mundo, e querem se defenderdesse tipo de ambiente. BentoXVI se encaixa nesse perfil, comentou.No segundo grupo de cristãos seenquadram aqueles que ainda creem,ao passo que no terceiro grupo figuramos que passaram a crer novamente.Os cristãos que ainda creem sãoaqueles que pensam que talvez tenhamuma perspectiva semelhante àprimeira categoria de pessoas descritaspor Taylor, as tradicionais. Essassão pessoas cujo hiato que ocorreuem sua vida foi motivado pela formacontínua da fé que seus pais tinham.Descobriram nova caminhada paradentro da fé. Esse hiato aponta paraformas muito diferentes de vivenciara fé, na qual as pessoas não podemsimplesmente recuperar a forma queesta tinha no passado. Isso não significanada para elas. Mas trata-se derecuperar uma nova abordagem paraa fé. O Concílio Vaticano II 11 constituiua base para uma série de pessoas quevoltaram a crer. Tratava-se de um empreendimentoextraordinário de teólogosque organizaram esse evento.Para os teólogos Yves Congar 12 eHenri De Lubac 13 estas formas diferen-11 Confira a Revista IHU On-Line sobre otema no link http://bit.ly/REokjn.12 Yves Marie-Joseph Congar(1904:1995): teólogo dominicano francês,conhecido por sua participaçãono Concílio Vaticano II. Foi duramenteperseguido pelo Vaticano, antes do Concílio,por seu trabalho teológico. A issose refere o seu confrade Tillard quandofala dos “exílios”. Sobre Congar a IHUOn-Line publicou um artigo escrito porRosino Gibellini, originalmente no siteda Editora Queriniana, na editoria Memóriada edição 150, de 8-08-2005,lembrando os dez anos de sua morte,completados em 22-06-1995. Tambémdedicamos a editoria Memória da 102ªedição da IHU On-Line, de 24-05- 2004,à comemoração do centenário de nascimentode Congar. (Nota da IHU On-Line)13 Henri de Lubac (1896-1991): teólogojesuíta francês. Foi suspenso pelo Papa Piotes estão no contexto de uma profundacontinuidade da tradição. De certa forma,toda trajetória intelectual dessesteólogos frente ao antimodernismoera de recuperar as fontes dos padresda Igreja para ver que havia uma formade se apropriar dessa herança. A teologiapor trás do Vaticano II se deu contada importância do voltar a crer.O retorno à féNo grupo três há a percepção deque foi um erro abandonar a fé, e passa--se a ver sentido novamente na crença,destaca Taylor. O filósofo canadense sedisse integrante dessa parcela de cristãos.“Antes do Vaticano II eu era umadolescente confuso. Agora sou um octogenárioconfuso”, gracejou. “Muitascoisas não eram aceitáveis na Igreja nomeu tempo de juventude. A Igreja emQuebec era muito autoritária. Quandovocê saía da religião, era visto comouma pessoa desajustada”. Taylor men-XII. No seu exílio intelectual, escreveu umverdadeiro poema de amor à Igreja quesão as suas Méditations sur l’Eglise. Foiconvidado a participar do Concílio VaticanoII como perito e o Papa João Paulo II ofez cardeal no ano de 1983. É consideradoum dos teólogos católicos mais eminentesdo século XX. Sua principal contribuiçãofoi o modo de entender o fim sobrenaturaldo homem e sua relação com a graça.(Nota da IHU On-Line)58SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


cionou a importância das obras de Congare De Lubac nessa fase de questionamentosque viveu na juventude.Uma busca constanteDando início ao debate que seguiuao relato autobiográfico de Taylor, o coordenadordo curso de Jornalismo daUnisinos, Edelberto Behs, questionoua pertinência de se falar de um quartogrupo de cristãos. Trata-se daquelesque não se ligam a nenhuma instituição,mencionou. Charles Taylor destacouque evidentemente existe uma relaçãoentre o terceiro e a quarto grupos.As pessoas do grupo três entendem asi como envolvidos numa busca. Umadas diferenças é que não estão simplesmentemais uma vez em busca deuma verdade que colocaram em dúvidae voltaram a ela. “Mas se envolveramnuma busca que residia na fé cristã eprecisavam organizar isso”, assinalou. Ecompleta: “Existe, sim, uma quarta biografia,mas seus integrantes estão nomesmo espaço. Há uma conexão entreainda crer e crer novamente. As pessoasestão em busca sempre”.Sociabilidade difusaOutra temática que surgiu nodebate foi a questão da relação mídiae religião. Para Edelberto Behs, a sociedadeda informação está criandouma nova ambiência e transformandoa religião. “Não sabemos o quevai ser isso, mas é inegável que essasrelações com a fé estão em processode mutação”. As igrejas tradicionaistêm perdido espaço nesse cenário,acrescentou.Para Taylor, a continuidade não seconstitui na nova tecnologia, mas intensificaalgo que já estava acontecendo.Num mundo de pessoas em busca háaqueles que habitam. Entre os buscadoresjá surgiram vários tipos de sociabilidadesdiferentes, de modo que podehaver conexão entre elas porque sãopessoas que buscam de forma geral, ouquerem uma disciplina de meditação.Se essas pessoas tem fé e pertencem àigreja, esse tipo de sociabilidade difusafoi incrementada, intensificada pelasnovas mídias. Podemos ver isso emtodos os campos, como na política. “Aconectividade adquiriu uma nova qualidade.Essa busca difusa começou nosEUA. As novas mídias fazem diferençana era secular, mas não são cruciais”,ponderou o filósofo.Convívio problemático com adiversidadeO Frei Luís Carlos Susin, da PontifíciaUniversidade Católica de PortoAlegre – PUCRS questionou sobre ao crescimento do fundamentalismo,que toma conta de modos diferenciadosde várias partes do mundo,bem como do pentecostalismo edas experiências carismáticas. ParaTaylor, o fundamentalismo bíbliconorte-americano introduz uma noçãode sentido literal que não seriacompreendida por Santo Agostinho.Existe uma tecnologia na criação demais solidariedade fundamentalista,como a Al-Qaeda, e existe a tecnologiapara as pessoas que buscamcrer. Há uma sensação de ameaçaque algumas pessoas experenciam.Quanto ao fundamentalismo ateísta,Taylor disse que a postura de RichardDawkins é semelhante àquela dosbispos anglicanos do século XIX emrelação a Charles Darwin.O diálogo entre a primeira e asegunda modernidade, o sincretismoreligioso brasileiro e a nova gramáticado mistério foram outros temasabordados na conversa. Sobreo sincretismo, Taylor mencionouque tal experiência é também encontradano Japão e Índia. Estamosem um mundo de múltiplas possibilidadese conexões sincretistas entreindivíduos. Vive-se na fronteira,mencionou.Outra questão que suscitou discussõesfoi sobre a possibilidade de articularpoliticamente a fraternidade, a igualdadee a liberdade. Para Taylor é precisover a estranha dialética da histórica,com essas ideias apontadas. “Elas foramassumidas em formas que negam inteiramentea fé”. Existem várias formas pelasquais esses ideais foram assumidos edistorcidos. No caso político da RevoluçãoFrancesa a igualdade foi suprimidarapidamente. No Novo Testamento vê--se um conjunto de regras que parecemcorretas e inquestionáveis, mas quequando aplicadas vão contra o espíritode Deus. Em seu ponto de vista, “convivemosmuito mal com a diversidade”.Sacerdócio e gêneroTaylor se diz muito encorajado pelasações do Papa Francisco, que foi escolhidoem 13-03-2013 pelo colégio cardinalício.O Sumo Pontífice aponta paraos novos tempos que vivem a sociedadee a igreja. “O mundo moderno podeser tudo, menos relativista. Há malucosfundamentalistas por todo lado. E quandoa igreja fala a partir do Evangelho, elasempre cativa as pessoas”.Questionado sobre a possibilidadedo Papa Francisco autorizar osacerdócio feminino ele diz que “detestariaser o Papa” nessa hora dadaa complexidade da questão. Contudo,destacou: “È preciso romper o vínculoentre o sacerdócio e o gênero”. Nofuturo as pessoas se perguntarão pelomotivo que impedia as mulheres deserem ordenadas.Confira aqui a programação completados eventos de Charles Taylorno Instituto Humanitas Unisinos –IHU: http://bit.ly/ZSOYZLLeia mais...>> Confira outros materiais sobreCharles Taylor publicados pelo site doInstituto Humanitas Unisinos – IHU.• Sociedade, Religiões e Secularização.Debate com Charles Taylor. Notíciasdo Dia 26-04-2013, disponívelem http://bit.ly/12rNrOw• A contribuição de Charles Taylor àautonomia na Modernidade. Entrevistacom Paulo Roberto Monteirode Araújo, edição 220 da revista IHUOn-Line, de 21-05-2007, disponívelem http://bit.ly/HpAZ5r• O porquê do retorno do sagrado.Um artigo de Charles Taylor. Notíciasdo Dia 23-01-2009, disponívelem http://bit.ly/I9MgrZ• Cidadãos modelos: uma vida melhorajuda a integração. Notícias do Dia15-07-2011, disponível em http://bit.ly/HsbTHNIHU em Revista www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201359


IHU em RevistaCharles Taylor no BrasilRoteiro de Viagens e atividadesacadêmicasAcompanhe o roteiro de atividades acadêmicas de Charles Taylor no Brasil:• 23 a 29/04/2013 – Taylor participou de atividades acadêmicas no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em SãoLeopoldo-RS.• 30/04/2013 – Atividade na Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR em parceria com o Centro de Pesquisase Apoio a Trabalhadores – Cepat 1 , participando do colóquio com professores e alunos: “Desafios da filosofia e dateologia em uma sociedade secular” e ministrando a conferência: “Religiões e Sociedade nas trilhas da secularização.”• 05/05/2013 – Atividades acadêmicas em Belo Horizonte nas Faculdades Jesuítas – FAJE.• 06/05/2013 – Atividades acadêmicas em Belo Horizonte Faculdades Jesuítas – FAJE, com palestra para professores ealunos de teologia.• 06/05/2013 – Conferência na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas.• 07/05/2013 – A FAJE terá nova palestra para professores e alunos de teologia.• 08/05/2013 – Taylor participará de atividades acadêmicas na Universidade Cândido Mendes – RJ, com a conferência“Alguns aspectos do processo de secularização”.• 10/05/2013 – Atividades acadêmicas na Universidade Federal de Rio Grande do Norte – UFRN, com a conferência “Políticasdo reconhecimento: Um debate contemporâneo”.• 12/05/2013 – Atividades acadêmicas na Universidade Católica de Pernambuco – Unicap. Mais informações em http://bit.ly/17tbMFS.• 13/05/2013 – Colóquio na Universidade Católica de Pernambuco – Unicap com professores de teologia e filosofia:“Uma era Secular”, bem como a conferência “Políticas do reconhecimento”.• 14/05/2013 – Colóquio na Universidade Católica de Pernambuco – Unicap com professores de teologia e filosofia “Umaera secular” e a conferência “Religiões e sociedade nas trilhas da secularização”.• A vinda de Charles Taylor ao Brasil é uma promoção do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.1 Mais informações no link http://bit.ly/10CUzda.Acesse o Twitter do IHU em twitter.com/_ihuwww.ihu.unisinos.br60SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Publicação em destaqueConfira uma das publicações mais recentes do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.Cadernos IHU ideiasA hospitalidade frente ao processo de reassentamentosolidário aos refugiadosO Caderno IHU ideias apresenta o texto A hospitalidadefrente ao processo de reassentamento solidárioaos refugiados de Joseane Mariéle Schuck Pinto,bacharel em Direito e aluna do curso de especializaçãoem Relações Internacionais e Diplomacia, pela Unisinos.O ensaio apresenta o trabalho de reassentamentosolidário dos refugiados, que necessitam deixar ospaíses de origem devido à perseguição por cor, raça,religião, conflitos armados ou ideologia política, trabalhoque é feito pela Associação Antônio Vieira – ASAV,vinculada ao Alto Comitê Nacional para os refugiados– Acnur e ao Comitê Nacional para os Refugiados– Conare.A autora faz um pequeno resgate histórico dosmovimentos migratórios de refugiados, desde a primeirametade do século XX com a Segunda GuerraMundial, e na segunda metade com a descolonizaçãoafro-asiática. O Brasil, destaca Joseane, é reconhecidodiante da comunidade internacional “por sua posturahumanitária em relação ao atendimento de refugiados,não obstante os problemas internos relacionadosaos âmbitos social, econômico e político, sendo que abusca da integração é a forma de refúgio mais plenae, contudo, mais complexa, uma vez que ultrapassa asexpressões iniciais de acolhida, da documentação, doatendimento a necessidades básicas e imediatas”.Uma discussão do texto aborda a DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos, assinada em 1948. Ofoco do debate gira em torno das concepções universalistas e relativistas culturais, à medida que os primeiros sustentamuma proposta ocidental de direitos humanos – fundada no individualismo, nos direitos civis e políticos –, enquantoos segundos sustentam uma concepção oriental – baseada no coletivismo, nos direitos econômicos e sociais. É diantedestes paralelos que a autora apresenta o trabalho de acolhimento dos refugiados na contemporaneidade.Os Cadernos IHU ideias podem ser adquiridos diretamente no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, no campus daUnisinos, ou pelo e-mail humanitas@unisinos.br.A partir de 5-05-2013 esta edição estará disponível na íntegra, neste sítio, em formato PDF.Mais informações podem ser obtidas no link bit.ly/LGK9BC ou pelo telefone (51) 3590.4888.IHU em Revista www.ihu.unisinos.brEDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201361


IHU em RevistaRetrovisorO mundo moderno é o mundo sem política. Hannah Arendt 1906-1975Edição: 206 – Ano VI – 27-11-2006Disponível em http://bit.ly/ZJYkrOHannah Arendt nasceu em 1906, em Linden, perto de Hannover, na Alemanha.Os pais, judeus reformados, segundo Julia Kristeva, eram críticos do sionismo. Em1933, ela se exila, escapando da Shoah, inicialmente, em Paris, depois em NovaYork, em 1941, tornando-se cidadã norte-americana. A edição comemora o centenáriode nascimento de Hannah Arendt e dá continuidade à edição n. 168, de12-12-2005, sob o título Hannah Arendt, Simone Weil e Edith Stein, três mulheresque marcaram o século XXI. Contribuem para esta edição Julia Kristeva, MiroslavMilovic, Françoise Collin, Sylvie Courtine-Denamy, Lisa Disch e Fina Birulés. Complementao número um texto de Gilmar Hermes sobre a 27ª. Bienal Internacionalde São Paulo.Carlos Drummond de Andrade: o poeta e escritor que detinha osentimento do mundoEdição: 232– Ano VII – 20-08-2007Disponível em http://bit.ly/13UNp5N“No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho”.Quem não se lembra de Carlos Drummond de Andrade quando escuta essesversos já clássicos? Por ocasião dos 20 anos da morte do poeta, em 17 de agostode 2007, a revista IHU On-Line fez uma edição especial sobre a obra do autor. Participamdo número Affonso Romano De Sant’anna, Alcides Villaça, John Gledsone Iumna Maria Simon, Luiz Costa Lima, Ronald Polito e Ana Lúcia Liberato Tettamanzy.Confira também a entrevista sobre o pensamento de Celso Furtado, sempreatual e questionador, com o professor da UFRGS e doutor em economia PedroCezar Dutra da Fonseca. A Profa. Dra. Christa Berger, jornalista e pesquisadora doPPG em Comunicação da Unisinos, fala sobre a contribuição da mídia para a formulaçãode uma política de memória.www.ihu.unisinos.brCélulas-tronco embrionárias: algumas ponderações éticas e científicasEdição: 246 – Ano VII – 03-12-2007Disponível em http://bit.ly/17UzrjHAntes mesmo do julgamento do Supremo Tribunal Federal – STF sobre a açãodireta de inconstitucionalidade que barra a pesquisa com células-tronco embrionárias,autorizada pela Lei de Biossegurança, a revista IHU On-Line lançou um debatesobre as questões éticas relacionadas ao tema. No ano seguinte a Corte declarouque esta não está em contrariedade com a Constituição. Debateram o tema LuísMontoliu, Cláudio Fonteles, Francesco D’Agostino e Laurie Zoloth, Karen Lebacqz,José Garcia Abreu Junior, Volnei Garrafa e James Edgar Till. A edição conta com umpoema do professor aposentado Benno Dischinger, que também é o destaque doIHU Repórter desta semana.62SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 2013 | EDIÇÃO 416


Sala de Leitura♦ ♦ ♦ ♦ ♦PINKER, Stevem. Os anjos bons da nossa natureza – Por que aviolência diminuiu. (São Paulo: Companhia das Letras, 2013.1.048 pág)Acabo de atravessar, ao longo de mil páginas, centenas de argumentosdetalhadamente articulados em defesa de uma tese que parece absolutamenteimprovável para a nossa experiência cotidiana: a violência diminuiuem termos absolutos ao longo da jornada milenar do homo sapiens até osdias de hoje. Essa é a tese central de Os anjos bons da nossa natureza, novaobra de Steven Pinker, um dos expoentes da chamada psicologia evolucionária,professor da Universidade de Harvard e considerado pela revista Timeuma das cem personalidades mais influentes do mundo atual. A última emais gratificante leitura que fiz nos últimos tempos. As críticas a sua tesesão compreensíveis. Enfatizamos muito mais eventos recentes do que devastaçõesde séculos e milênios passados. O assassinato de um vizinho temmais impacto para nossa mente do que os cerca de 100 milhões de mortosem nome do comunismo no século XX ou os 65 milhões de mortos duranteo tráfico transatlântico de escravos nos séculos XVI e XVII. Essa é a chave deouro de Pinker: desfazer sensos-comuns. Desativar as afirmações superficiaissobre o tema.Rodrigo Petronio Ribeiro é editor, escritor e professor. Formado emLetras Clássicas pela USP, é professor da Casa do Saber, da Fundação ArmandoÁlvares Penteado – FAAP, do Museu da Imagem e do Som – MIS e da Fundação Ema Klabin.♦ ♦ ♦ ♦ ♦TABUCCHI, Antonio. Noturno Indiano. (São Paulo: Cosac Naif, 2012. 96 pág)[imagens: noturno_indiano.jpg / Robertson Frizero.jpg ]“Noturno Indiano”, do italiano Antonio Tabucchi 1 , propõe uma viagem misteriosa,mas profundamente realista, à cidade indiana de Bombaim na companhiado narrador que investiga por conta própria o paradeiro de um amigo quenão encontra há muitos anos. A prosa fluida e rica de Tabucchi leva o leitor a umlabirinto de referências e paisagens, na qual não há certezas e cada nova pistaconduz a um novo universo de surpresas na paisagem da Índia. À procura desseamigo que já pode até mesmo estar morto, ou vivendo clandestinamente porconta de seu envolvimento com uma organização secreta, visitamos com ele omosaico de incríveis contrastes daquele país – do misticismo ocidentalizado daSociedade Teosófica à figura de um taxista ateu, do desafio de dormir em espeluncasna periferia a uma noite no mais luxuoso hotel de Bombaim, das péssimascondições de um hospital público aos serviços de um adivinho e curandeirolocal. É nessa verdadeira colcha de retalhos que Tabucchi estende uma tramaque mantém o leitor preso até o final repleto de novas surpresas e revelações.Boa literatura por um escritor que conhece bem o ofício de contar uma história.Robertson Frizero é mestre em Teoria da Literatura pela PUCRS, escritor eprofessor de Criação Literária.IHU em Revista www.ihu.unisinos.br1 Antonio Tabucchi (1943-2012): foi um escritor italiano, professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Siena. Em 2004obteve também a nacionalidade portuguesa. É autor de mais 30 livros. (Nota da IHU On-Line)EDIÇÃO 416 | SÃO LEOPOLDO, 29 DE ABRIL DE 201363


IHU em RevistaContracapaTecnologia e trabalhoNa quinta-feira, dia 02 de maio, a Profa. Dra.Valmíria Carolina Piccinini, da UFRGS, irá proferira palestra “As inovações tecnológicas e/ou sócioorganizacionais e seus impactos nas relações detrabalho”. O evento acontece das 17h30 às 19h,na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU.Mais informações em http://bit.ly/14kjqExA ciência em ação de Bruno LatourNo próximo dia02 de maio, durante aprogramação do I Seminário– XIV SimpósioInternacional IHU: RevoluçõesTecnocientíficas,Culturas, Indivíduose Sociedades, serárealizada a palestra “Aciência em ação deBruno Latour”, com aProfa. Dra. Letícia de Luna Freire, da UFRJ, das 19h30às 22h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, noIHU.A palestra da professora Leticia, que concedeuuma entrevista nesta edição, antecede ao XIV SimpósioInternacional IHU – Revoluções Tecnocientíficas, Culturas,Indivíduos e Sociedades.Mais informações podem ser obtidas em http://bit.ly/XW4RxKCharles Taylor no BrasilAcompanhe o roteiro de atividades acadêmicas deCharles Taylor no Brasil:De 23 a 29/04, Taylor participou de atividades acadêmicasno Instituto Humanitas Unisinos – IHU, em SãoLeopoldo-RS.Dia 30/04 ele estará na Pontifícia Universidade Católicado Paraná – PUCPR em parceria com o Centro dePesquisas e Apoio a Trabalhadores – Cepat, participandodo colóquio com professores e alunos: “Desafiosda filosofia e da teologia em uma sociedade secular” eministrando a conferência: “Religiões e Sociedade nastrilhas da secularização”Dia 05/05 serão realizadas atividades acadêmicasem Belo Horizonte, sendo que dia 06/05 haverá uma palestrapara professores e alunos de teologia das FaculdadesJesuítas – FAJE, e uma conferência na PontifíciaUniversidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas. AFAJE também será palco no dia 7/05 de outra palestrapara professores e alunos de teologia.Já no dia 08/05 Taylor participará de atividades acadêmicasna Universidade Cândido Mendes - RJ, com a conferência“Alguns aspectos do processo de secularização”.E no dia 10/05 as atividades acadêmicas serão naUniversidade Federal de Rio Grande do Norte – UFRN,como a conferência “Políticas do reconhecimento: Umdebate contemporâneo”.Dia 12/05 acontecem atividades acadêmicas naUniversidade Católica de Pernambuco – Unicap e no dia13/05 um colóquio com professores de teologia e filosofia:“Uma era Secular”, bem como a conferência “Políticasdo reconhecimento”.O roteiro encerra no dia 14/05 com o colóquio comprofessores de teologia e filosofia “Uma era secular” e aconferência “Religiõese sociedadenas trilhasda secularização”.A vinda deCharles Taylor aoBrasil é uma promoçãodo InstitutoHumanitasUnisinos - IHUtwitter.com/ihubit.ly/ihufacebook

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