exedra • 9 • Março <strong>de</strong> 2010foi-lhes pedi<strong>do</strong> que escrevessem num papel a divisão si<strong>lá</strong>bica das palavras que lhestinham calha<strong>do</strong> durante a corrida.Todas as crianças reagiram com entusiasmo ao exercício pois o seu carácter lúdico,potencia<strong>do</strong> por se tratar <strong>de</strong> uma activida<strong>de</strong> no exterior, era bastante evi<strong>de</strong>nte. Osalunos fizeram, na generalida<strong>de</strong>, a divisão si<strong>lá</strong>bica correctamente, registan<strong>do</strong>-se apenastrês casos que merecem a nossa <strong>de</strong>tenção.O primeiro tem a ver com a divisão da palavra “atleta”. A criança dividiu a palavrada seguinte forma: [ɐ] [tə] [lɛ] [tɐ]. Vários colegas começaram a corrigi-la, porémsem verbalizarem a divisão, afirman<strong>do</strong> que o vocábulo tinha apenas três sílabas. Amenina, algo confusa, persistiu na sua contagem quan<strong>do</strong> questionada pela professora.Entretanto, um outro menino fez a divisão correcta da palavra, manten<strong>do</strong> o ataqueramifica<strong>do</strong>. Depois <strong>de</strong> uma explicação sucinta da <strong>do</strong>cente, a aluna pareceu ter compreendi<strong>do</strong>que tinha dito um som que na verda<strong>de</strong> <strong>não</strong> está na palavra.O segun<strong>do</strong> e terceiro exemplos relacionam-se com o núcleo ramifica<strong>do</strong>. No segun<strong>do</strong>caso, o aluno dividiu a palavra “peixeiro” i<strong>de</strong>ntifican<strong>do</strong> apenas um ditongo:[pɐ][i] [ʃɐj] [ɾu]. O discente afirmou que o termo tinha quatro sílabas. A maioria <strong>do</strong>salunos <strong>não</strong> se apercebeu <strong>do</strong> erro <strong>do</strong> colega, mas, quan<strong>do</strong> a professora verbalizou apalavra novamente, alguns fizeram a divisão si<strong>lá</strong>bica correcta.O terceiro caso <strong>não</strong> se relaciona directamente com o exercício, mas foi uma situaçãoque, <strong>de</strong> forma espontânea, a activida<strong>de</strong> proporcionou. Um menino dividiu silabicamenteo termo “merceeiro”. A divisão foi feita <strong>de</strong> forma correcta, mas a criançapronunciou a primeira sílaba como [mɐɾ] ao invés <strong>de</strong> [məɾ] que correspon<strong>de</strong> àpronúncia padrão culta. A professora disse o vocábulo em português padrão, <strong>de</strong>stacan<strong>do</strong>a primeira sílaba, e um <strong>do</strong>s alunos acrescentou: “tem <strong>lá</strong> um é”. O discente quetinha pronuncia<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma menos esperável murmurou “ merceeiro <strong>não</strong> tem <strong>lá</strong> énenhum…”.A parte <strong>do</strong> exercício que <strong>de</strong>correu <strong>de</strong>ntro da sala foi bem conseguida haven<strong>do</strong> apenasa registar a seguinte forma gráfica para a divisão si<strong>lá</strong>bica <strong>de</strong> “professor”: *“profe-s-sor”.Cada um <strong>do</strong>s exemplos <strong>de</strong>scritos merece a nossa observação particular que conduziremosprocuran<strong>do</strong> <strong>não</strong> apenas comentar o erro, como também sugerir o <strong>do</strong>mínioda Consciência Fonológica em que se afigura relevante intervir.Assim, no primeiro caso, encontra-se um típico erro <strong>de</strong> regularização por sobregeneralização.A menina <strong>não</strong> i<strong>de</strong>ntificou uma sílaba complexa, CCV, eliminan<strong>do</strong> oataque ramifica<strong>do</strong> com o acrescento <strong>de</strong> um som intermédio. Esta situação é típica poiso padrão si<strong>lá</strong>bico <strong>do</strong> português mais recorrente é CV, logo, a estudante transformouum padrão irregular num regular. Tratan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma turma, como a <strong>do</strong>cente referiu,bastante motivada em tarefas <strong>de</strong> escrita é natural que a <strong>consciência</strong> intrassi<strong>lá</strong>bica seja124
“ Isso <strong>não</strong> <strong>Soa</strong> <strong>Bem”</strong>. A Consciência Fonológica <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>de</strong> LáReflexão em torno exercícios <strong>de</strong> Consciência Fonológica no Primeiro Ciclo.ainda um <strong>do</strong>mínio necessário a incluir, com maior incisão, na sala <strong>de</strong> aula. È certoque em cerca <strong>de</strong> vinte alunos apenas se registou este erro, facto que terá ocorri<strong>do</strong><strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao gosto e treino da <strong>de</strong>cifração e compreensão leitoras que, como já referimos,potenciam o <strong>de</strong>senvolvimento da Consciência Fonológica. Contu<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> em contaa reacção positiva das crianças a este exercício, será profícuo que mais activida<strong>de</strong>sem torno da <strong>consciência</strong> <strong>do</strong>s constituintes internos da sílaba façam parte <strong>do</strong> contextolectivo. Desta forma, to<strong>do</strong>s ganham, melhoran<strong>do</strong> e sedimentan<strong>do</strong> competências. O<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> discriminação auditiva, ten<strong>do</strong> como alvo a i<strong>de</strong>ntificação<strong>de</strong> ataques ramifica<strong>do</strong>s e a construção <strong>de</strong> exercícios <strong>de</strong> manipulação <strong>de</strong>stesconstituintes são, certamente, uma boa solução.O segun<strong>do</strong> erro incidiu também numa unida<strong>de</strong> intrassi<strong>lá</strong>bica, o núcleo ramifica<strong>do</strong>.O aluno <strong>de</strong>sfez o ditongo, pronuncian<strong>do</strong> como vogal integra a gli<strong>de</strong> [i]. Todavia, oestudante i<strong>de</strong>ntificou o segun<strong>do</strong> ditongo, idêntico ao primeiro. As razões <strong>de</strong>sta ocorrênciapo<strong>de</strong>m pren<strong>de</strong>r-se com a extensão da palavra, mas, também, com a pouca percepçãoda diferença entre vogal e gli<strong>de</strong>. Tal confusão é natural pois para além <strong>de</strong>se tratar <strong>de</strong> um fonema quase idêntico, mudan<strong>do</strong> apenas a intensida<strong>de</strong> com que seproduz, é frequente que a criança aprenda que um ditongo “é constituí<strong>do</strong> por duasvogais”. Mais uma vez, parte-se da imagem gráfica da palavra para explicar uma realida<strong>de</strong><strong>fonológica</strong> o que induz em erro. Desta forma, para além da promoção <strong>de</strong> exercíciosrelaciona<strong>do</strong>s com a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> ditongos, seria importante que as criançaspercebessem a diferença entre os <strong>do</strong>is fonemas que compõem o núcleo ramifica<strong>do</strong>. Aoinvés <strong>de</strong> se insistir na afirmação “das duas vogais” seria pertinente que se explicasseque, na escrita, a sua forma é a mesma, mas na oralida<strong>de</strong> há uma ténue diferença queas distingue, sen<strong>do</strong> uma “mais fraca” que a outra. No nosso enten<strong>de</strong>r, esta explicação<strong>não</strong> é complexa para as crianças po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> até clarificar a noção <strong>de</strong> ditongo, evitan<strong>do</strong> asua elisão na oralida<strong>de</strong> e até na escrita 15 .O terceiro exemplo apresenta<strong>do</strong> <strong>não</strong> se pren<strong>de</strong> com constituintes da sílaba, massim com diversos valores fonéticos <strong>do</strong> mesmo grafema. A pronuncia distinta <strong>do</strong> aluno<strong>não</strong> é inusitada, uma vez que a confusão entre os valores <strong>de</strong> e <strong>de</strong> , para além<strong>de</strong> ser secular 16 , é habitual em falares regionais diversos po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> ser manifestação <strong>do</strong>input linguístico 17 <strong>do</strong> estudante. A correcção <strong>do</strong> erro e o comentário daquele que erroué que parecem interessantes <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista da <strong>consciência</strong> fonémica.O aluno que corrigiu a pronúncia <strong>do</strong> colega, pouco habitual na turma, justificoua sua opinião com base na imagem visual que tem da escrita da palavra, pois afirmouque tinha um “é”. Já o estudante que errou, revela sensibilida<strong>de</strong> à varieda<strong>de</strong> fonética,uma vez que reconhece que essa palavra <strong>não</strong> tem, <strong>de</strong> facto, esse som. Seria interessanteconduzir os alunos a <strong>de</strong>scobrir, partin<strong>do</strong> em primeiro lugar <strong>do</strong> seu conhecimentoimplícito, que o mesmo grafema po<strong>de</strong> ter várias representações fonéticas. O treino<strong>de</strong>sta competência consolidaria, certamente, a expressão oral, o <strong>de</strong>sempenho em leituraem voz alta e a correcção ortográfica.Por último, o erro na divisão si<strong>lá</strong>bica da palavra “professor” ilustra uma confusão125