Revista <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Ornitologia</strong>, <strong>20</strong>(1), 30‐39Março <strong>de</strong> <strong>20</strong>12 / March <strong>20</strong>12Artigo/ArticleImpacto da rodovia BR‐392 sobre comunida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> aves no extremo sul do BrasilAlex Bager 1,3 e Clarissa Alves da Rosa 1,21. Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Lavras, Departamento <strong>de</strong> Biologia, Setor <strong>de</strong> Ecologia, Grupo <strong>de</strong> Pesquisa em Ecologia <strong>de</strong> Estradas. CampusUniversitário, Caixa Postal 3.037, CEP 37<strong>20</strong>0‐000, Lavras, MG, Brasil. E‐mail: www.dbi.ufla.br2. Mestranda do Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação em Ecologia Aplicada da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Lavras.3. E‐mail: abager@dbi.ufla.br (autor para correspondência).Recebido em 05/08/<strong>20</strong>11. Aceito em 02/11/<strong>20</strong>11.Abstract: Impacts of the BR‐392 highway on bird communities in extreme southern Brazil. We investigated changes instructure of a bird community related to distance from a highway. Also, we related the avian community in the surrounding areawith the community affected by road mortality. Data were collected in southern Brazil at three different sites associated with a fe<strong>de</strong>ralhighway (BR‐392). At each site, we compared the diversity of birds in nearby areas (up to 150 m) and far from the highway (150and 450 m). We also collected data on road-killed birds along the highway. We did not i<strong>de</strong>ntify clear differences in avian communitystructure in areas near and far from the highway: abundance, richness, and diversity metrics shared similar values. Dominanceseemed the only community parameter affected, showing greater values in areas near the highway. The average road-kill rate was0.1 ind./km/day and affected mainly common urban species. We did not observe any kind of relationship between road-kill ratesand species abundance in habitats surrounding the highway.Key-Words: Community structure, edge effects, landscape, road ecology, road-kill.Resumo: Impacto da rodovia BR‐392 sobre comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aves no extremo sul do Brasil. Objetivamos avaliar alteraçõesno padrão da estrutura <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aves em relação à distância <strong>de</strong> uma rodovia. De forma complementar, relacionamos acomunida<strong>de</strong> existente no entorno e aquela afetada por atropelamento. As coletas <strong>de</strong> dados foram realizadas no extremo sul doBrasil, em três diferentes ambientes associados a uma rodovia fe<strong>de</strong>ral (BR‐392). Em cada ambiente comparamos a diversida<strong>de</strong><strong>de</strong> aves em áreas próximas (até 150 m) e distantes da rodovia (150 e 450 m). Coletamos também dados sobre as aves atropeladasao longo da rodovia. Nós não i<strong>de</strong>ntificamos um padrão claro <strong>de</strong> variação na estrutura das comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aves entre as áreaspróximas e distantes da rodovia, tendo constatado índices <strong>de</strong> abundância, riqueza e diversida<strong>de</strong> semelhantes. O único parâmetroque evi<strong>de</strong>nciou diferenças foi a dominância, maior nas áreas próximas da rodovia. A taxa <strong>de</strong> atropelamento foi <strong>de</strong> 0.1 ind./km/dia eafetou principalmente espécies comuns e sinantrópicas, não tendo sido constatada relação entre a abundância no entorno e o número<strong>de</strong> animais atropelados.Palavras-Chave: Atropelamento, ecologia <strong>de</strong> estradas, efeitos <strong>de</strong> borda, estrutura <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s, paisagem.O sistema rodoviário exerce um papel fundamentalno <strong>de</strong>senvolvimento da socieda<strong>de</strong>. Rodovias melhoram oacesso às áreas produtoras e turísticas, incentivando a distribuição<strong>de</strong> renda e o <strong>de</strong>senvolvimento social (Perz et al.<strong>20</strong>07). No entanto, rodovias também causam impactosambientais negativos, tanto em escala espacial quanto temporal(Forman e Alexan<strong>de</strong>r 1998). Rodovias são agentes<strong>de</strong> fragmentação <strong>de</strong> habitats <strong>de</strong> alto impacto (Forman eDeblinger <strong>20</strong>00), resultando em significativa alteração eredução da diversida<strong>de</strong> (Fahrig e Rytwinski <strong>20</strong>09). As alterações<strong>de</strong> habitats se expan<strong>de</strong>m além das margens da rodoviaem uma largura variável, área conhecida como “zona <strong>de</strong>efeito da rodovia”. A distância e efeitos <strong>de</strong>sta zona variamconforme o grupo taxonômico, po<strong>de</strong>ndo ocorrer nas margensda rodovia (menos que 50 metros) e se esten<strong>de</strong>r atécentenas <strong>de</strong> metros (Reijnen et al. 1995, Forman e Deblinger<strong>20</strong>00, Laurance et al. <strong>20</strong>07, Benítez-López et al. <strong>20</strong>10).Espécies generalistas po<strong>de</strong>m ser beneficiadas e aumentaremsua abundância <strong>de</strong>vido a maior variabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> hábitats, maior disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alguns recursos eseleção <strong>de</strong> predadores (Goosem <strong>20</strong>00, Fuentes-Montemayoret al. <strong>20</strong>09), enquanto outras po<strong>de</strong>m ser repelidaspela rodovia (Develey e Stouffer <strong>20</strong>01). Há aindaespécies que utilizam a rodovia para <strong>de</strong>slocamento ealimentação, <strong>de</strong>vido a abundância <strong>de</strong> insetos e carcaças(Pinowski <strong>20</strong>05), aumentando muitas vezes a probabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> atropelamento (Trombulak e Frissell <strong>20</strong>00). Dosimpactos <strong>de</strong> rodovias à biodiversida<strong>de</strong>, o atropelamento<strong>de</strong> fauna silvestre é um dos mais visíveis e estudadosno mundo (Lodé <strong>20</strong>00, Clevenger et al. <strong>20</strong>03, Taylor eGoldingay <strong>20</strong>04). Contudo, o atropelamento é apenasum dos problemas inerentes à implantação <strong>de</strong> rodovias,po<strong>de</strong>ndo esta ainda gerar impactos <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> borda eefeito barreira (Forman e Alexan<strong>de</strong>r 1998). No Brasil, os
Impacto da rodovia BR‐392 sobre comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aves no extremo sul do BrasilAlex Bager e Clarissa Alves da Rosa31estudos relacionados a impactos <strong>de</strong> rodovias sobre a faunasão uma preocupação recente, muitas vezes associadosàs unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação (Prado et al. <strong>20</strong>06, Gumier‐-Costa e Sperber <strong>20</strong>09) e restritos a listagens <strong>de</strong> espéciesatropeladas (Bager et al. <strong>20</strong>07).Pouco se sabe dos efeitos <strong>de</strong> atropelamentos nas populaçõese comunida<strong>de</strong>s do entorno das rodovias (Mummeret al. <strong>20</strong>00, Erritzoe et al. <strong>20</strong>03) e as aves estão entreum dos grupos mais afetados por atropelamento (Erritzoeet al. <strong>20</strong>03, Coelho et al. <strong>20</strong>08), sendo seus efeitos muitasvezes subestimados em monitoramentos em função<strong>de</strong> <strong>de</strong>lineamentos experimentais ina<strong>de</strong>quados (Clevengeret al. <strong>20</strong>03). Além disso, muitas espécies possuem altasusceptibilida<strong>de</strong> aos efeitos causados pela fragmentaçãodo habitat e ruídos do tráfego, afetando o comportamentoe relações sociais das espécies e alterando a estruturadas comunida<strong>de</strong>s, sobretudo próximo as bordas da rodovia(Develey e Stouffer <strong>20</strong>01, Parris e Schnei<strong>de</strong>r <strong>20</strong>09).Das 1832 espécies <strong>de</strong> aves que ocorrem no Brasil(CBRO <strong>20</strong>11), mais <strong>de</strong> um terço ocorrem no Estado doRio Gran<strong>de</strong> do Sul (Bencke <strong>20</strong>01). O extremo sul do RioGran<strong>de</strong> do Sul se <strong>de</strong>staca por possuir uma vasta extensão<strong>de</strong> áreas úmidas sazonais e permanentes, que servem <strong>de</strong>abrigo e alimentação para diversas espécies resi<strong>de</strong>ntes emigratórias. Por isso, a região é apontada como área <strong>de</strong>extrema importância para a conservação <strong>de</strong> aves no Brasil(Bencke et al. <strong>20</strong>06). Nesta região está inserida a rodoviafe<strong>de</strong>ral BR‐392, cujo entorno comporta uma diversida<strong>de</strong><strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 170 espécies <strong>de</strong> aves (Dias e Maurício 1998).Neste contexto, os objetivos <strong>de</strong>ste trabalho foram(1) avaliar a existência <strong>de</strong> variação na estrutura <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> aves em relação a distância da rodovia BR‐392,(2) estabelecer se a abundância das diferentes espécies influenciana sua taxa <strong>de</strong> atropelamento.Material e MétodosÁrea <strong>de</strong> estudoA área <strong>de</strong> estudo compreen<strong>de</strong> um trecho <strong>de</strong> 51 km <strong>de</strong>extensão da rodovia fe<strong>de</strong>ral BR‐392, que possui uma pista<strong>de</strong> rodagem pavimentada. Essa rodovia está localizada nomunicípio <strong>de</strong> Rio Gran<strong>de</strong>, entre as latitu<strong>de</strong>s 31°47’S e32°04’S e longitu<strong>de</strong>s 52°<strong>20</strong>’O e 52°10’O, e inserida naPlanície Costeira do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (Figura 1). AFigura 1: Localização das três áreas <strong>de</strong> estudo (BC – Banhado do Capão Seco, BV – Banhado do Vinte e Cinco, MP – Marisma da Ponte Preta)na rodovia BR‐392, no sul do Brasil, mostrando o <strong>de</strong>lineamento amostral consi<strong>de</strong>rando áreas <strong>de</strong> domínio e controle.Figure 1: Location of the three study areas (BC – Banhado do Capão Seco, BV – Banhado do Vinte e Cinco, MP – Marisma da Ponte Preta) alongthe BR‐392 highway in southern Brazil, showing the sampling <strong>de</strong>sign with the domain and control sites.Revista <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Ornitologia</strong>, <strong>20</strong>(1), <strong>20</strong>12