32Impacto da rodovia BR‐392 sobre comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aves no extremo sul do BrasilAlex Bager e Clarissa Alves da Rosaregião apresenta clima do tipo subtropical (Cfa; Köeppen1948) com chuvas bem distribuídas, cuja média anual <strong>de</strong>precipitação fica entre 1250 mm e <strong>20</strong>00 mm e temperaturamédia anual <strong>de</strong> 17°C (Klein 1998). É uma regiãoformada por ambientes característicos <strong>de</strong> zona costeiracom <strong>de</strong>posições marinhas e lacustres do complexo lagunarPatos-Mirim, além <strong>de</strong> áreas úmidas, campos secos ematas <strong>de</strong> restinga arenosas e paludosas (Carvalho e Rizzo1994, Waechter e Jarenkow <strong>20</strong>01).O inventário <strong>de</strong> aves foi realizado em três áreas localizadasno entorno da rodovia: Banhado do Capão Seco(BC) (31°50’<strong>20</strong>”S e 52°19’07”O); Banhado do Vinte eCinco (BV) (31°59’35”S e 52°17’24”O); e Marisma daPonte Preta (MP) (32°06’47”S e 52°09’30”O). O BC éuma das maiores extensões <strong>de</strong> banhados do estado e exibeuma gama <strong>de</strong> diferentes fisionomias palustres, comamplos espelhos d’água, espessas turfeiras e <strong>de</strong>nsa coberturavegetal (Bencke et al. <strong>20</strong>06). Apresenta manchas <strong>de</strong>macrófitas emergentes <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte que são, em suamaioria, compostas por junco Schoenoplectus californicus(C. A. Mey.). O BV apresenta uma comunida<strong>de</strong> vegetalcom estrutura espacial zonada, com distintas formaçõesherbáceas e arbustivas, po<strong>de</strong>ndo formar pequenos capões<strong>de</strong> mata (Costa et al. <strong>20</strong>03). O MP é um ambiente estuarino,recoberto principalmente por vegetação herbácease plantas rizomatosas perenes <strong>de</strong> Spartina sp. (Poaceae),Scirpus sp. (Cyperaceae) e Juncus sp. (Juncaceae) recobremgran<strong>de</strong> parte da sua área (Costa e Davy 1992, Costa1998).Coleta <strong>de</strong> dadosRealizamos três períodos <strong>de</strong> monitoramentos bimestraisda avifauna no entorno da rodovia entre os meses <strong>de</strong>novembro <strong>de</strong> <strong>20</strong>08 e abril <strong>de</strong> <strong>20</strong>09. Em cada área (BC,BV e MP) <strong>de</strong>finimos seis pontos <strong>de</strong> amostragem <strong>de</strong> raio <strong>de</strong>150 m (cerca <strong>de</strong> 942 m 2 ). Três pontos foram localizadossobre a rodovia, os quais <strong>de</strong>nominamos <strong>de</strong> “domínio” etrês estavam a 300 m da pista, que chamamos <strong>de</strong> “controle”(Figura 1). Definimos essa distância <strong>de</strong> amostragem,<strong>de</strong>vido os principais efeitos <strong>de</strong> rodovias sobre as comunida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> aves serem evi<strong>de</strong>ntes sobretudo até os primeiros500 m <strong>de</strong> borda com a rodovia (Reijnen et al. 1995; Kuitunenet al. 1998). Em cada amostragem efetuamos contagenspopulacionais por pontos (Reynolds et al. 1980,Bibby et al. <strong>20</strong>00) utilizando binóculo (10 × 21 mm) eluneta (30 × 60 mm), durante <strong>de</strong>z minutos. Realizamosas contagens em períodos matutinos (a partir da 06:30 h)e crepusculares (após as 17:00 h), <strong>de</strong> modo a cobrir oshorários que ocorrem a maior ativida<strong>de</strong> da avifauna (Sick1997). As coletas foram realizadas durante três dias consecutivossendo nove na área <strong>de</strong> domínio e nove na áreacontrole, totalizando 27 amostragens na área <strong>de</strong> domínioe 27 na área controle.Para quantificar as taxas <strong>de</strong> atropelamento e i<strong>de</strong>ntificaras espécies afetadas, realizamos 13 monitoramentosa uma velocida<strong>de</strong> média <strong>de</strong> 50 km/h utilizando veículoautomotor, tendo seu início às 06:30 h. Realizamos osmonitoramentos quinzenalmente em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> <strong>20</strong>08e semanalmente entre janeiro e março <strong>de</strong> <strong>20</strong>09. Coletamosdados <strong>de</strong> data e posição geográfica das aves encontradasatropeladas durante os monitoramentos e, sempreque possível, os indivíduos foram i<strong>de</strong>ntificados seguindoa taxonomia e nomenclatura recomendada pelo CBRO(<strong>20</strong>11).Análise <strong>de</strong> dadosOs três pontos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados em cada área foramconsi<strong>de</strong>rados réplicas, tendo seus dados reunidospara compararmos a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aves entre domínioe controle. Calculamos a suficiência amostral separadamenteem cada área, sendo analisada através da relação donúmero <strong>de</strong> monitoramentos (unida<strong>de</strong>s amostrais) e da riqueza<strong>de</strong> espécies observada. Para isso usamos o estimador<strong>de</strong> espécies Chao 1 no programa EstimateS 7.5 (Colwell<strong>20</strong>05), utilizando 1000 aleatorizações.Analisamos a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada área através do índice<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Simpson, calculado pelo programaPast (Hammer et al. <strong>20</strong>01) e do índice <strong>de</strong> equitabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> Simpson, calculado segundo a fórmula: E = 1/D/S,on<strong>de</strong> E = Equitabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Simpson, D = Dominância<strong>de</strong> Simpson e S = Riqueza <strong>de</strong> espécies. O valor <strong>de</strong> dominância<strong>de</strong> Simpson foi obtida através <strong>de</strong>: D = 1/∑N i 2 /N T 2 , on<strong>de</strong> N ié o número <strong>de</strong> indivíduos <strong>de</strong> cada espécie eN Té o número total <strong>de</strong> indivíduos.Comparamos a composição <strong>de</strong> espécies entre as áreas<strong>de</strong> amostragem por análise <strong>de</strong> agrupamento, utilizandoa média do número <strong>de</strong> indivíduos por espécie para cadaárea, diferenciando as regiões <strong>de</strong> domínio e controle, totalizandoseis grupos. Incluímos na análise as 30 espéciesmais abundantes em todas as áreas, e construímos o diagrama<strong>de</strong> agrupamento utilizando o método <strong>de</strong> agregação<strong>de</strong> Ward e distância Euclidiana, padronizando os valores.A análise foi realizada no programa Statistica 6.0 (Statsoft<strong>20</strong>04).Comparamos a abundância e composição da comunida<strong>de</strong><strong>de</strong> aves existente na área domínio e controle dasdiferentes áreas utilizando a análise <strong>de</strong> Friedman. Foramrealizadas duas análises, uma com todas as espécies e outraincluindo as 10 espécies mais abundantes em cada área,totalizando 26 espécies. A comparação <strong>de</strong> dominânciautilizou diagramas <strong>de</strong> Whittaker (Melo <strong>20</strong>08). Para aassembleia <strong>de</strong> aves atropeladas, calculamos a suficiênciaamostral como <strong>de</strong>scrito para a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> entorno. Arelação entre a taxa <strong>de</strong> atropelamento e a abundância daespécie no entorno da rodovia foi testada utilizando correlação<strong>de</strong> Spearman, consi<strong>de</strong>rando a abundância total, naRevista <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Ornitologia</strong>, <strong>20</strong>(1), <strong>20</strong>12
Impacto da rodovia BR‐392 sobre comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aves no extremo sul do BrasilAlex Bager e Clarissa Alves da Rosa33Tabela 1: Lista das espécies <strong>de</strong> aves e número <strong>de</strong> contatos na rodovia BR‐392, entre novembro <strong>de</strong> <strong>20</strong>08 e abril <strong>de</strong> <strong>20</strong>09. Área <strong>de</strong> domínio (d) eárea <strong>de</strong> controle (c) das três áreas amostradas (Banhado do Capão Seco – BC, Banhado do Vinte Cinco – BV e Marisma da Ponte Preta – MP). Asespécies são listadas em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>crescente <strong>de</strong> abundância com base no número total <strong>de</strong> contatos. Nomenclatura e taxonomia seguem CBRO (<strong>20</strong>11).Table 1: List of bird species and contacts obtained along the BR‐392 highway between November <strong>20</strong>08 and April <strong>20</strong>09. Domain sites (d) andcontrol sites (c) sites of three study areas (Banhado do Capão Seco – BC, Banhado do Vinte Cinco – BV and Marisma da Ponte Preta – MP). Speciesare listed in <strong>de</strong>creasing or<strong>de</strong>r of abundance based on the total number of contacts. Nomenclature and taxonomy follow CBRO (<strong>20</strong>11).SP BCd BCc BVd BVc MPd MPc TotalMolothrus bonariensis (Gmelin, 1789) 107 186 127 67 100 4 591Chroicocephalus maculipennis (Lichtenstein, 1823) 309 85 0 8 18 80 500Passer domesticus (Linnaeus, 1758) 70 49 37 58 90 0 304Egretta thula (Molina, 1782) 63 66 4 28 33 45 239Pseudoleistes virescens (Vieillot, 1819) 29 55 32 9 27 14 166Chauna torquata (Oken, 1816) 53 61 2 16 0 7 139Columba livia Gmelin, 1789 22 29 12 12 49 12 136Ar<strong>de</strong>a alba Linnaeus, 1758 21 41 4 18 25 24 133Vanellus chilensis (Molina, 1782) 33 49 0 9 9 28 128Ciconia maguari (Gmelin, 1789) 74 30 6 0 0 10 1<strong>20</strong>Guira guira (Gmelin, 1788) 24 17 27 8 19 18 113Tachycineta leucorrhoa (Vieillot, 1817) 13 28 18 31 12 11 113Tringa flavipes (Gmelin, 1789) 0 0 0 36 25 51 112Milvago chimango (Vieillot, 1816) 23 23 18 18 12 15 109Myiopsitta monachus (Boddaert, 1783) 18 19 9 31 <strong>20</strong> 7 104Sicalis luteola (Sparrman, 1789) 8 30 8 25 22 10 103Phalacrocorax brasilianus (Gmelin, 1789) 13 <strong>20</strong> 0 27 10 17 87Pygochelidon cyanoleuca (Vieillot, 1817) 13 10 15 30 19 0 87Bulbucus ibis (Linnaeus, 1758) 9 51 6 4 0 14 84Plegadis chihi (Vieillot, 1817) 49 3 0 12 0 11 75Embernagra platensis (Gmelin, 1789) 16 14 7 8 17 7 69Anas flavirostris Vieillot, 1816 15 31 0 2 9 11 68Sicalis flaveola (Linnaeus, 1766) 26 7 16 0 13 2 64Furnarius rufus (Gmelin, 1788) 25 7 18 2 11 0 63Dendrocygna viduata (Linnaeus, 1766) 43 12 0 0 0 3 58Progne tapera (Vieillot, 1817) 5 13 9 28 3 0 58Amazonetta brasiliensis (Gmelin, 1789) 10 31 0 0 2 5 48Rupornis magnirostris (Gmelin, 1788) 13 7 7 3 3 8 41Jacana jacana (Linnaeus, 1766) 12 14 0 6 3 5 40Caracara plancus (Miller, 1777) 5 13 1 6 4 10 39Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766) 9 3 11 1 8 7 39Ar<strong>de</strong>a cocoi Linnaeus, 1766 8 14 1 4 4 6 37Troglodytes musculus Naumann, 1823 9 3 6 5 6 8 37Alopochelidon fucata (Temminck, 1822) 6 10 9 6 4 0 35Tyrannus savana Vieillot, 1808 2 4 8 14 6 0 34Anumbius annumbi (Vieillot, 1817) 2 5 7 8 4 2 28Megaceryle torquata (Linnaeus, 1766) 4 10 1 6 6 1 28Chrysomus ruficapillus (Vieillot, 1819) 7 11 2 4 0 4 28Circus buffoni (Gmelin, 1788) 3 8 1 4 4 5 25Nycticorax nycticorax (Linnaeus, 1758) 15 3 0 5 0 0 23Synallaxis spixi Sclater, 1856 7 4 6 3 0 3 23Xolmis irupero (Vieillot, 1823) 3 4 6 3 3 3 22Colaptes campestris (Vieillot, 1818) 5 3 0 6 3 4 21Patagioenas picazuro (Temminck, 1813) 3 5 0 4 0 8 <strong>20</strong>Agelaioi<strong>de</strong>s badius (Vieillot, 1819) 8 0 4 0 7 0 19Anas georgica Gmelin, 1789 3 7 0 5 3 0 18Sterna tru<strong>de</strong>aui Audubon, 1838 0 0 0 0 2 16 18Amblyramphus holosericeus (Scopoli, 1786) 1 5 4 2 0 5 17Certhiaxis cinnamomeus (Gmelin, 1788) 6 4 3 0 1 3 17Himantopus melanurus Vieillot, 1817 0 0 0 0 7 7 14Platalea ajaja Linnaeus, 1758 0 7 0 2 0 5 14Aramus guarauna (Linnaeus, 1766) 6 3 1 0 2 1 13Revista <strong>Brasileira</strong> <strong>de</strong> <strong>Ornitologia</strong>, <strong>20</strong>(1), <strong>20</strong>12