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94 Revista Brasileira de Literatura Compara<strong>da</strong>, n.11, 2007 Nação: civilização e barbárie 95cará como símbolo do silenciamento e <strong>da</strong> opressão. O crimefora julgado e condenado no meio do mato, sem testemunhas.Um suposto suicídio dissimulará a sentença. Afazen<strong>da</strong> é aparentemente reordena<strong>da</strong>, mas não é mais possívelesquecer o quanto tudo é frágil.O ato de Florêncio não é, porém, acompanhado denenhuma revolta dos escravos. Nenhum deles se aproveita<strong>da</strong> situação. O rapaz não era estimado por seus pares,não era um líder, e inconscientemente ou não esses alimentamo patriarcalismo quando aju<strong>da</strong>m a caçá-lo. Emvez de qualquer manifestação de simpatia ou pesar de seuscompanheiros, o “criminoso” obtém algum gesto de consideraçãode quem aparentemente deveria ficar contra ele:Dona Mariana, esposa <strong>da</strong> vítima, pede a um padre queencomende o corpo. O gesto <strong>da</strong> Senhora soa como níti<strong>da</strong>provocação e na mesma noite ela deixa a fazen<strong>da</strong> para sóretornar depois que o comen<strong>da</strong>dor sucumbe diante <strong>da</strong> febreamarela.Até mesmo em manifestações de alegria, como a festarealiza<strong>da</strong> pelo retorno de Carlota e seu futuro casamento,pode-se verificar o medo que os escravos causamnos brancos:Os senhores ficaram alguns momentos ain<strong>da</strong> no alpendree procuravam distinguir na luz difusa dos candeeiros osvultos agitados e gesticulantes. De quando em vez deixavamentrever muito rápido caras onde o ricto era de volúpiae de dor, e nelas até o riso se tornava sinistro. A músicasempre igual, martelante, sem cessar, sobre-humana,alucinava gra<strong>da</strong>tivamente os <strong>da</strong>nçadores, e eles começavamjá a uivar em vez de cantar, a ter convulsões em vezdos passos primitivos do batuque, e os senhores sentiramser já tempo de se retirarem, porque a loucura viera tomarparte no baile. (Penna, 1997, p.280)Trata-se de uma <strong>da</strong>nça acompanha<strong>da</strong> de música, deum momento em que os escravos celebram a sua sinhazinhacom rituais festivos. Os gestos são estranhos aos moradores<strong>da</strong> casa grande. O movimento dos corpos é descritocomo algo adjacente ao prazer sexual e à magia. Não é àtoa que todos se sentem tão incomo<strong>da</strong>dos na esfera dedomínio patriarcal: os prazeres do corpo são restritos aoshomens e não são propagados publicamente. A única coisaque as mulheres podem expressar fisicamente é a materni<strong>da</strong>depor meio do casamento. No entanto, a maioria estáenvelheci<strong>da</strong> demais para procriar, ao passo que as jovens –Carlota e Celestina – ain<strong>da</strong> não são casa<strong>da</strong>s. Cantar e <strong>da</strong>nçarcomo fazem os negros é coisa fora de cogitação, ve<strong>da</strong><strong>da</strong>a senhoras “civiliza<strong>da</strong>s”. De repente os escravos abandonama cantilena que vinham entoando por uma nova:“Moço rico/ pra casa/ c’Arbernazi” (Penna, 1997, p.281).Na pequena corruptela do nome <strong>da</strong> família, transforma<strong>da</strong>de Albernaz em Arbernazi, há uma renomeação euma demonstração de domínio; a família é recria<strong>da</strong> pormeio desse novo nome. Em meio àquela incompreensãorecíproca, os negros são capazes de perceber que o casamentode Carlota é um negócio. Não compreendem que éa família do noivo que busca o dinheiro, mas alcançamnão haver ali nenhuma relação de afeto a unir dois jovense na sua ingenui<strong>da</strong>de cantam e se divertem com o quepara Carlota e para eles próprios significaria a continui<strong>da</strong>dedo patriarcalismo e, por extensão, <strong>da</strong> escravidão. Aoentrar em casa, a moça, inspira<strong>da</strong> pela <strong>da</strong>nça dos escravos,rodopia no meio <strong>da</strong> sala. Seu arremedo termina diantede uma parede nua: o retrato <strong>da</strong> irmã morta havia sidoretirado. Esse é um sinal do comen<strong>da</strong>dor para que o passadorecente <strong>da</strong> família seja esquecido, é um sinal para queCarlota incorpore a menina e a substitua como ponteharmonizadora entre a casa grande e a senzala – torne-seo & do título do livro de Gilberto Freyre. Tarefa difícil eque tem como propósito básico silenciar possíveis manifestaçõesindeseja<strong>da</strong>s. Quando seu pai viaja, a jovem percebecertos cui<strong>da</strong>dos tomados:De quando em quando chegavam até ela em on<strong>da</strong>s os sonsquebrados de gargalha<strong>da</strong>s, mas tinha ouvido as ordens deixa<strong>da</strong>spor seu pai antes de partir e sabia terem sido as armasembala<strong>da</strong>s distribuí<strong>da</strong>s aos feitores e aos guar<strong>da</strong>s, com