Men<strong>de</strong>s, et al. A contribuição da prática do espeleismo no bem-estar corporalAs falas dos sujeitos 07 e 08 revelamcaracterísticas peculiares do ambiente cavernícola,como o silêncio e a escuridão, que po<strong>de</strong>m remeter aambientes que apresentam quatro elementosimportantíssimos, como introspecção, meditação,tranqüilida<strong>de</strong> e paz.HarmoniaBruhns (2003), ao fazer consi<strong>de</strong>rações sobre osignificado das sensações e emoções relacionadas àsativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> aventura na natureza, admite que, naatualida<strong>de</strong>, há uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> umnovo estilo <strong>de</strong> vida, caracterizado pela aquisição <strong>de</strong>novos hábitos e valores na forma <strong>de</strong> viver.O sujeito 01, em seu <strong>de</strong>poimento, <strong>de</strong>staca quea sua relação com o ambiente <strong>de</strong> caverna “épermeada pela emoção e pela harmonia que oambiente cavernícola proporciona”. Ele afirma quena caverna, a emoção po<strong>de</strong> ser percebida individualou coletivamente, por meio do silêncio, da beleza eda harmonia que o ambiente cavernícola apresenta.Marinho (2001) discute a emoção e oscompromissos compartilhados na prática dasativida<strong>de</strong>s físicas <strong>de</strong> aventura na natureza-AFAN,on<strong>de</strong> são verificadas a coragem, a interação grupal, atomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão e a colaboração.Po<strong>de</strong>-se, assim, ressaltar não só a qualida<strong>de</strong>das relações entre o ser humano e natureza, mastambém as relações entre os seres humanos.Nesse sentido, o sujeito 01 afirma que:[...] a caverna representa harmonia,representa convívio e boas relações com ouniverso ambiental, [...]. Então, existe todauma sinergia, uma sintonia entre ser humanoe natureza, ser humano/ser humano, tentandoperceber e abstrair os pontos que a genteacha que é harmonioso [...]. Eu penso quequanto mais eu doar para a natureza, mais eurecebo nessa relação <strong>de</strong> percepção, <strong>de</strong>harmonia, <strong>de</strong> interesse. [...]. (Sujeito 01)(grifo nosso)Sociabilida<strong>de</strong>No ambiente <strong>de</strong> caverna, a sociabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>ser entendida como solidarieda<strong>de</strong>, relações sociais erelação <strong>de</strong> laços afetivos dos seres humanos,conforme afirma o Sujeito 04, ao referir à cavernacomo lugar <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. A sociabilida<strong>de</strong> estápresente no ambiente cavernícola, associada àmelhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Para Candido (2001),o conceito <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> está intrinsecamenteligado às relações sociais cotidianas, a qual é oelemento integrante da sociabilida<strong>de</strong>.Explorando melhor o tema da sociabilida<strong>de</strong>,Santos (1996) <strong>de</strong>staca que, quanto maior aproximida<strong>de</strong> entre as pessoas envolvidas em umaativida<strong>de</strong>, mais intensa será a sociabilida<strong>de</strong>.O sujeito 04 concebe caverna enquanto espaço<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>:Eu entendo que a caverna é um espaço<strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> [...]. Na medida em que agente <strong>de</strong>batia sobre os primórdios o contatovisual com as pinturas rupestres também,aquilo parece que ia aproximando a cavernacomo um espaço <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. (Sujeito04) (grifo nosso)O sujeito 08 <strong>de</strong>staca a relação estabelecidaentre os integrantes do Espeleogrupo Peter Lund,consi<strong>de</strong>rada por ele como <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>, a união dogrupo:Então existe uma solidarieda<strong>de</strong>, que écrescente. [...]. Convivendo com essaspessoas, [...] <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma caverna pormuito tempo, o grupo vai fortalecendo muito.(Sujeito 08) (grifo nosso)Como se percebe, os sujeitos 04 e 08vinculam as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> exploração em caverna àsolidarieda<strong>de</strong>, à sociabilida<strong>de</strong> e ao companheirismo.Há uma partilha com o outro, o que cria laçosafetivos.Quanto ao segundo indicador, significado doespeleismo, ao se referirem aos benefícios corporaispresentes na prática, os integrantes do EPL,consi<strong>de</strong>ram o bem-estar corporal como a existência<strong>de</strong> um cansaço bom.Segundo Bruhns (2003), a busca por emoçõesna prática <strong>de</strong> aventura na natureza po<strong>de</strong> serresponsável por causar “um efeito purificador(catártico), conduzindo ao bem-estar e à alegria”,constituído num ambiente natural, on<strong>de</strong> há umcontato direto, por meio da flora, da fauna, dasalturas, das amplitu<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> outros aspectospeculiares, meio esse capaz <strong>de</strong> estimular o efeitocatártico, o qual “produz leveza” aos corpos.Esses aspectos positivos relacionados àsatisfação pessoal e ao bem-estar corporal na práticado espeleismo po<strong>de</strong>m ser i<strong>de</strong>ntificados nos seguintes<strong>de</strong>poimentos abaixo. Os sujeitos 7, 3, 6 e 8consi<strong>de</strong>ram o bem-estar corporal como sendo umcansaço bom:[...] lá <strong>de</strong>ntro, a gente fala que é umcansaço gostoso, porque você fica com arespiração ofegante. Às vezes, você faz umCampinas, SeTur/SBE. Turismo e Paisagens Cársticas, 3(2), 2010.84
Men<strong>de</strong>s, et al. A contribuição da prática do espeleismo no bem-estar corporalesforço além da sua capacida<strong>de</strong>, se cansamuito mais. [...]. (Sujeito 07) (grifo nosso)[...] Você fica mais disposto. Quandose pratica o caving, você adquire um preparofísico <strong>de</strong> certa forma que vai melhorar o seudia-dia. Seu cotidiano para você está maisdisposto, mais dinâmico. (Sujeito 03) (grifonosso)Parece que o corpo fica revigorado, agente cansa, mas o cansaço é bom. Pareceque a caverna tem uma força oculta <strong>de</strong>promover esse bem-estar corporal [...].(Sujeito 06) (grifo nosso)[...] Mente, músculo, sangue, enfimtodo o corpo é pleno <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma caverna[...]. Quando você sai <strong>de</strong> uma caverna, comodiz a minha irmã, “é um cansaço bom”, [...].(Sujeito 08) (grifo nosso)Há um consenso, nos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> 7, 3, 6,8, sobre o bem-estar corporal, proporcionado pelaprática do espeleismo. A plenitu<strong>de</strong> corporal émarcante, diante dos <strong>de</strong>poimentos. Tem-se asensação <strong>de</strong> prazer que o ambiente proporciona aosvisitantes.Quanto ao terceiro indicador, motivos para aprática do espeleismo, verificou-se que os motivosrelatados foram: lazer e emoção, em função daaventura, do risco, do novo, do <strong>de</strong>sconhecido e doconfinamento.O lazer em ambiente <strong>de</strong> caverna, por meio daprática do espeleismo, é consi<strong>de</strong>rado, pelosintegrantes do EPL, como uma ativida<strong>de</strong> prazerosa<strong>de</strong> final <strong>de</strong> semana, como uma ótima dose <strong>de</strong>combate ao estresse.Na verda<strong>de</strong>, a caverna é um lugarhabitado, lugar para se habitar vida, lugar <strong>de</strong>ciência, lugar <strong>de</strong> lazer, lugar <strong>de</strong> cultura [...].(Sujeito 04) (grifo nosso)O significado atribuído à caverna como lazer,po<strong>de</strong> ser analisado na perspectiva do bem-estarcorporal, como uma das dimensões da vida humana,no âmbito individual e coletivo (CARVALHO,2005).No ambiente <strong>de</strong> caverna, as sensações eemoções po<strong>de</strong>m ser reconhecidas como o risco, aaventura, o medo, o prazer, o belo, o novo, o<strong>de</strong>sconhecido, a <strong>de</strong>scoberta e o confinamento.Moraes e Oliveira (2006) admitem que osesportes na natureza, termo utilizado em seu estudo,proporcionam sensações, emoções e percepçõesbastante diversas das presentes no cotidiano,possibilitando dar vazões às angústias, aos medos,aos preconceitos <strong>de</strong>senvolvidos culturalmente esocialmente.Os <strong>de</strong>poimentos dos sujeitos 08 e 10evi<strong>de</strong>nciam a presença das sensações e das emoçõesno espeleismo. Para o sujeito 10, essasmanifestações corporais foram percebidas, quandovisitou a Lapa D’água:A cada pessoa que soma, você percebecomo ela interage .[...]. Tudo é multifacetado.É uma “emoção multifacetada” [...].(Sujeito 10) (grifo nosso)O sujeito 10 caracteriza a emoção comomultifacetada, constituída <strong>de</strong> medo e <strong>de</strong> prazer.Nessa concepção <strong>de</strong> emoção multifacetada,paradoxalmente, o medo e o prazer divi<strong>de</strong>m omesmo espaço, sem que uma emoção anule a outra.O sujeito 08 também associa o medo aoprazer, quando visita uma caverna:[...] No início, é medo, enquanto vocênão conhece. [...]. Depois o prazer <strong>de</strong> tá ali[caverna] é renovador [...]. Ela acabasobrepondo, você não consegue perceber esseoutro lado mais tranquilo da caverna.(Sujeito 08)Moraes e Oliveira (2006), ao referir-se àemoção, afirma que todos conhecem a emoção,apesar <strong>de</strong> não conseguirem explicá-la. Ninguém écapaz <strong>de</strong> entendê-la, mas somente experienciá-la, <strong>de</strong>senti-la.Nos <strong>de</strong>poimentos dos sujeitos citados, po<strong>de</strong>-se<strong>de</strong>stacar a ênfase dada à ocorrência <strong>de</strong> emoções, comsignificado positivo. O elemento emocional bastanteenfatizado pelos integrantes caracteriza o prazer. Oprazer é também associado ao belo, ao risco, àaventura, ao medo, ao perigo, aos obstáculos, ao<strong>de</strong>sconhecido, ao bem-estar corporal e àtranquilida<strong>de</strong>, durante a prática do espeleismo,consi<strong>de</strong>rado como beneficio pessoal pelospraticantes do espeleismo.Quanto à análise do quarto indicador, alguns<strong>de</strong>poimentos dos integrantes do Espeleogrupo PeterLund evi<strong>de</strong>nciam uma reflexão sobre areligiosida<strong>de</strong>, vinculada à caverna. O ambientecavernícola po<strong>de</strong> representar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> umencontro mais profundo do ser humano com a suaprópria existência e com Deus, conforme ilustra o<strong>de</strong>poimento abaixo:No momento em que eu estou fazendouma visita numa caverna é um momentomístico para mim. É uma oração. [...] euestou mais próximo <strong>de</strong> Deus. Ali as coisasestão equilibradas, pelo menos maisCampinas, SeTur/SBE. Turismo e Paisagens Cársticas, 3(2), 2010.85
- Page 1 and 2: RFormalmente “Pesquisas em Turism
- Page 3 and 4: EXPEDIENTESociedade Brasileira de E
- Page 5 and 6: SUMÁRIO(CONTENTS)Editorial 52ARTIG
- Page 7 and 8: existência de atividades de planej
- Page 9 and 10: Bento & Rodrigues. O geoturismo com
- Page 11 and 12: Bento & Rodrigues. O geoturismo com
- Page 13 and 14: Bento & Rodrigues. O geoturismo com
- Page 15 and 16: Bento & Rodrigues. O geoturismo com
- Page 17 and 18: Bento & Rodrigues. O geoturismo com
- Page 19 and 20: Bento & Rodrigues. O geoturismo com
- Page 21 and 22: Bernardi, Souza-Silva & Ferreira. C
- Page 23 and 24: Bernardi, Souza-Silva & Ferreira. C
- Page 25 and 26: Bernardi, Souza-Silva & Ferreira. C
- Page 27 and 28: Bernardi, Souza-Silva & Ferreira. C
- Page 29 and 30: Bernardi, Souza-Silva & Ferreira. C
- Page 31 and 32: Bernardi, Souza-Silva & Ferreira. C
- Page 33 and 34: Mendes, et al. A contribuição da
- Page 35 and 36: Mendes, et al. A contribuição da
- Page 37: Mendes, et al. A contribuição da
- Page 41 and 42: Mendes, et al. A contribuição da
- Page 43 and 44: Mendes, et al. A contribuição da
- Page 45 and 46: Resumos de Teses e DissertaçõesRE
- Page 47 and 48: SUMÁRIO DE TÍTULOS - VOLUME 3(SUM
- Page 49 and 50: QUADRO DE AVALIADORES - VOLUME 3(BO
- Page 51: Volume 1 número 2 - p. 173-182: 97