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Michel Foucault, choses dites, choses vues - Culturgest

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Moi, Pierre Rivière...<strong>Michel</strong> <strong>Foucault</strong>, tendo participado no dossier,que pensa do filme de René Allio? Como é querecebeu a transposição para imagens destas personagensque viu aparecer progressivamente apartir dos textos?— Não participei minimamente na elaboração dofilme. Não estou a dessolidarizar-me, pelo contrário,mas a minha jogada, ao publicar este texto,era dizer a quem quisesse, médicos, psiquiatras,psicanalistas, comentadores, cineastas, homensde teatro... : “Façam com isto o que quiserem.”René Allio fez uma coisa boa, grande. O facto deter feito representar aquilo nos próprios lugares,por actores amadores que eram camponeses absolutamenteparecidos com os que eram contemporâneosda história, diria quase pelas mesmaspersonagens, tudo isto é importante. O filme nãoafastou a história do que ela foi. Permitiu, pelocontrário, que a história voltasse ao seu ponto departida. Conhecemos esta história porque Rivière,supostamente analfabeto, a escreveu. A maneiracomo Allio usou a voz off, querendo que tudo o queé dito no filme tivesse sido dito no relato (não hánenhum discurso original do filme) é, parece-me,muito novo.[...] Saber tantas coisas sobre pessoasque no fim de contas não foram nada, que nãodeixaram nenhum rasto na história, saber tantascoisas sobre a sua vida, os seus problemas, os seussofrimentos, a sua sexualidade também, é muitoimpressionante. Quanto mais sabemos, menos nofim de contas compreendemos. Acabam por serpequenos fragmentos de vida que se confrontamintensamente. Quanto mais vemos estas personagens,menos as compreendemos. Quanto mais sãoiluminadas, mais obscuras ficam.[...] O que me marcou foi uma coisa que aliásexistia no dossier, mas que o filme de Allio merevelou muito mais; é que este pobre Rivière, emsuma, para se tornar um intelectual, porque pertencea esta classe agrícola, de gente pequena,tem de degolar a mãe, o irmão e a irmã. A nós, eaos nossos equivalentes da época, para nos tornarmosintelectuais, bastava-nos, digamos, umapequena decisão, pegar em papel e numa caneta.Já ele, precisa de pegar num podão para se tornarintelectual, com este gesto que realiza, estegesto ritual, este assassínio real que realiza, enquantoque nós ficamos muitas vezes ao nível doassassínio simbólico, e melhor para nós num certosentido. Ele precisa de pegar num podão parater o direito de escrever, para ter uma históriapara contar, para sair do vulgar.- Sim, mas podemos dizer o contrário. Para chegara este assassínio, era preciso que tivesse tomadoa decisão de escrever, já que, no seu projecto, tratava-seprimeiro de escrever o assassínio futuro,e depois, uma vez feita a narrativa, ir matar. Há aliuma espécie de nó entre a escrita e o assassínioque é formidável.[...][“Pourquoi le crime de Pierre Rivière?” (entrevista com F.Châtelet), Parispoche, 10-16 de Novembro de 1976, pp. 5-7 (textoreproduzido em <strong>Michel</strong> <strong>Foucault</strong>, Dits et Écrits II, 1976-1988,Paris, Gallimard, 2001, pp. 106-108).]

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