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Versão em PDF - Ministério Público de Santa Catarina

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Conselho Deliberativo e RedacionalRogério Ponzi Seligman - DiretorAndreas EiseleGuido FeuserJoão José LealPedro Roberto DecomainRui Carlos Kolb SchieflerAs opiniões <strong>em</strong>itidas nos artigossão <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>exclusiva <strong>de</strong> seus autores.Publicação conjunta daProcuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça do Estado<strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e da AssociaçãoCatarinense do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.En<strong>de</strong>reço eletrônico para r<strong>em</strong>essa <strong>de</strong> artigo: revistajuridica@mp.sc.gov.brCatalogação na publicação por Clarice Martins Quint (CRB 384)ATUAÇÃO – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinense/<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça e AssociaçãoCatarinense do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. - v. 3, n. 6, (maio/ago. 2005)- Florianópolis : PGJ : ACMP, 2003 -QuadrimestralDireito – Periódicos. I. <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong>. Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça. II . Associação Catarinensedo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.CDDir : 340.05CDU : 34(05)Revisão: Lúcia Anilda MiguelEditoração: Coor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> Comunicação Social do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>Av. Othon Gama D’Eça, 900, Torre A, 1 o andarCentro – Florianópolis – SCCEP 88015-240(48) 3224.4600 e 3224.4368imprensa@acmp.org.brwww.acmp.org.brPaço da Bocaiúva – R. Bocaiúva, 1.750Centro – Florianópolis – SCCEP 88015-904(48) 3229.9000pgj@mp.sc.gov.brwww.mp.sc.gov.br


Administração do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>Procurador-Geral <strong>de</strong> JustiçaPedro Sérgio SteilSubprocurador-Geral <strong>de</strong> JustiçaNarcísio Geraldino RodriguesSecretário-Geral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Sandro José NeisAssessoria do Procurador-Geral <strong>de</strong> JustiçaFrancisco Bissoli FilhoDurval da Silva AmorimCid Luiz Ribeiro SchmitzColégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> JustiçaMoacyr <strong>de</strong> Moraes Lima FilhoAnselmo Agostinho da SilvaHipólito Luiz PiazzaValdir VieiraPaulo Antônio GüntherLuiz Fernando SirydakisD<strong>em</strong>étrio Constantino SerratineJosé Galvani AlbertonRobison WestphalOdil José CotaPaulo Roberto SpeckJobél Braga <strong>de</strong> AraújoRaul Schaefer FilhoPedro Sérgio Steil – Presi<strong>de</strong>nteVilmar José LoefJosé Eduardo Orofino da Luz FontesRaulino Jacó BrüningHumberto Francisco Scharf VieiraSérgio Antônio RizeloJoão Fernando Quagliarelli BorrelliHercília Regina L<strong>em</strong>keFrancisco <strong>de</strong> Assis FelippeMário G<strong>em</strong>inGilberto Callado <strong>de</strong> OliveiraAntenor Chinato RibeiroNarcísio Geraldino RodriguesNélson Fernando Men<strong>de</strong>sJacson CorrêaAnselmo Jerônimo <strong>de</strong> OliveiraBasílio Elias De CaroAurino Alves <strong>de</strong> SouzaPaulo Roberto <strong>de</strong> Carvalho RobergeTycho Brahe Fernan<strong>de</strong>sGuido FeuserPlínio Cesar MoreiraFrancisco José FabianoAndré CarvalhoCid José Goulart JúniorGladys AfonsoPaulo Ricardo da Silva – Secretário


Administração do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>Conselho Superior do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Pedro Sérgio Steil – Presi<strong>de</strong>nteJosé Eduardo Orofino da Luz FontesJosé Galvani AlbertonOdil José CotaPaulo Roberto SpeckNarcísio Geraldino RodriguesNelson Fernando Men<strong>de</strong>sAndré CarvalhoCid José Goulart JúniorSandro José Neis – SecretárioCorregedor-Geral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>José Eduardo Orofino da Luz FontesSecretário da Corregedoria-Geral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Marcílio <strong>de</strong> Novaes CostaAssessoria do Corregedor-Geral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Aor Steffens MirandaRui Arno RichterKátia Helena Scheidt Dal PizzolCoor<strong>de</strong>nadoria <strong>de</strong> RecursosPaulo Roberto Speck – Coor<strong>de</strong>nadorAssessoria do Coor<strong>de</strong>nador <strong>de</strong> RecursosAbel Antunes <strong>de</strong> MelloCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional da Moralida<strong>de</strong> AdministrativaBasílio Elias De Caro – Coor<strong>de</strong>nador-GeralGladys Afonso – Procuradora <strong>de</strong> JustiçaRogério Ponzi Seligman – Coor<strong>de</strong>nadorJoão Carlos Teixeira Joaquim – Coor<strong>de</strong>nador-Adjunto


Administração do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>Centro <strong>de</strong> Apoio Operacional do Meio AmbienteJacson Corrêa – Coor<strong>de</strong>nador-GeralLuciano Trierweiller Naschenweng – Coor<strong>de</strong>nadorCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional do ConsumidorAntenor Chinato Ribeiro – Coor<strong>de</strong>nador-GeralCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional da Cidadania e FundaçõesAurino Alves <strong>de</strong> Souza – Coor<strong>de</strong>nador-GeralDavi do Espírito Santo – Coor<strong>de</strong>nadorCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional da Infância e Juventu<strong>de</strong>Aurino Alves <strong>de</strong> Souza – Coor<strong>de</strong>nador-GeralHelen Crystine Corrêa Sanches – Coor<strong>de</strong>nadoraCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional da Ord<strong>em</strong> TributáriaSérgio Antônio Rizelo – Coor<strong>de</strong>nador-GeralMaury Roberto Viviani – Coor<strong>de</strong>nadorCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional CriminalOdil José Cota – Coor<strong>de</strong>nador-GeralPaulo Antonio Locatelli – Coor<strong>de</strong>nadorCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional a Investigações EspeciaisAlexandre Reynaldo <strong>de</strong> Oliveira Graziotin – Coor<strong>de</strong>nador-GeralCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional do Controle da Constitucionalida<strong>de</strong>Gilberto Callado <strong>de</strong> Oliveira – Coor<strong>de</strong>nador-GeralCentro <strong>de</strong> Estudos e Aperfeiçoamento FuncionalJosé Galvani Alberton – Diretor


Diretoria da Associação Catarinense do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Presi<strong>de</strong>nteLio Marcos MarinVice-Presi<strong>de</strong>nteNazareno Furtado Köche1 a SecretáriaHavah Emília P. <strong>de</strong> Araújo Mainhardt2 o SecretárioFabiano David BaldissarelliDiretor FinanceiroOnofre José Carvalho AgostiniDiretor <strong>de</strong> PatrimônioAry Capella NetoDiretor Cultural e <strong>de</strong> Relações PúblicasAndrey Cunha AmorimConselho FiscalPresi<strong>de</strong>nteCésar Augusto GrubbaSecretárioAbel Antunes <strong>de</strong> MelloM<strong>em</strong>brosCarlos Henrique Fernan<strong>de</strong>sIvens José Thives <strong>de</strong> CarvalhoJorge Orofino da Luz Fontes


SumárioApresentação..........................................................................................11Assunto especial: controle externo da ativida<strong>de</strong>policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>O Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial.........................................13Carlos Alberto <strong>de</strong> AraújoO Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial Militar............................29Marcello Martinez HipólitoO <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e o Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial.......55Paulo Antônio LocatelliO Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial e a Ord<strong>em</strong> Estamental.......67Raul Schaefer FilhoAspectos Controvertidos do ControleExterno da Ativida<strong>de</strong> Policial..............................................................71Sandro Ricardo <strong>de</strong> SouzaAta da 5 a reunião da Comissão <strong>de</strong> Estudosdo Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial........................................85Centro <strong>de</strong> Apoio Operacional Criminaldo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>DIREITO CIVILFunção Social da Proprieda<strong>de</strong>: a Proprieda<strong>de</strong>como Direito e como Dever..................................................................93Álvaro Borges <strong>de</strong> Oliveira e Pedro Roberto Decomain


10DIREITO FALIMENTARO <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> na Nova Lei <strong>de</strong> Falências..............................127Mario Moraes Marques JúniorProcedimento Penal na Nova Lei <strong>de</strong> Falência ................................149Renato MarcãoDIREITO PENAL TRIBUTÁRIOA Classificação Judicial do LançamentoTributário como Condição Objetiva <strong>de</strong> Punibilida<strong>de</strong>....................159Andreas EiselePena Privativa <strong>de</strong> Liberda<strong>de</strong> eOmissão no Pagamento <strong>de</strong> Tributo...................................................173Eraldo SantosDIREITO TRIBUTÁRIOPrescrição e Decadência <strong>em</strong> Direito Tributário...............................185Ivo ZanoniMINISTÉRIO PÚBLICOSustentação Oral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nos Tribunais..................201Celso Jerônimo <strong>de</strong> SouzaPEÇAS PROCESSUAIS (ASSUNTO ESPECIAL)Mandado <strong>de</strong> Segurança Preventivo contra AtoPraticado pelo Diretor-Geral da Polícia Civil..................................229<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> Goiás


11ApresentaçãoCom<strong>em</strong>oramos a edição do sexto número da Atuação – RevistaJurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinense. Aos poucos, e não s<strong>em</strong>dificulda<strong>de</strong>s, nossa publicação vai ocupando relevante espaço nocenário da discussão jurídica estadual.Na presente edição, o Conselho Deliberativo e Redacional criouuma seção nova, intitulada “Assunto Especial”, que será reservada at<strong>em</strong>as <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse atinentes à atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.Na estréia da nova seção, optou-se por uma matéria que, <strong>de</strong>zesseteanos passados da promulgação da Constituição da República,mantém-se objeto <strong>de</strong> acirrado <strong>de</strong>bate <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> seus exatos limites:o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.Neste tópico, além <strong>de</strong> interessantes artigos contendo diferentesvisões sobre o mesmo assunto, <strong>de</strong>liberou o Conselho pela publicação<strong>de</strong> ata <strong>de</strong> reunião da Comissão <strong>de</strong> Estudos do Controle Externo daAtivida<strong>de</strong> Policial, instituída pela Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong><strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, cujas conclusões traçam importantes diretrizes paraa operacionalização da função institucional prevista no art. 129, VII,da Lei Fundamental. E na seção “Peças Processuais” publicou-s<strong>em</strong>andado <strong>de</strong> segurança preventivo ajuizado pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong><strong>de</strong> Goiás contra ato praticado pelo Diretor-Geral da Polícia Civildaquele Estado que limitava a atuação ministerial na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>controle externo da ativida<strong>de</strong> policial.


12As d<strong>em</strong>ais seções foram compostas a partir <strong>de</strong> artigos jurídicosque abordam questões polêmicas referentes à função social daproprieda<strong>de</strong>, à nova Lei <strong>de</strong> Falências, ao Direito Penal Tributário eao Direito Tributário e à sustentação oral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nosTribunais.Se por um lado t<strong>em</strong>-se a confiança <strong>de</strong> que nossa Revista navegacom ventos favoráveis e no rumo certo, por outro t<strong>em</strong>-se a certeza <strong>de</strong>que isto <strong>de</strong>corre sobretudo da alta qualida<strong>de</strong> dos escritos enviadospelos Colegas e Colaboradores. Resta-nos agra<strong>de</strong>cer-lhes e reiteraro convite para que continu<strong>em</strong> escrevendo.Rogério Ponzi SeligmanDiretor


Assunto especial: controle externo da ativida<strong>de</strong> policialpelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>13O Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> PolicialCarlos Alberto <strong>de</strong> Araújo.Promotor <strong>de</strong> Justiça – RSAntipático por função (resistido por instinto <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa), ocontrole das instituições é uma exigência inafastável da d<strong>em</strong>ocracia.A recente reforma do Po<strong>de</strong>r Judiciário trazida pela EC n o 45 ex<strong>em</strong>plificouos dissabores da discussão sobre a instituição do controleexterno. T<strong>em</strong><strong>em</strong>-se menos as ameaças ao corporativismo e mais asincompreensões dos controladores realmente “externos”. Não é outroo motivo pelo qual há gran<strong>de</strong> resistência à impl<strong>em</strong>entação da previsãodo artigo 129, inciso VII, da CF, relativa ao exercício do controleexterno da ativida<strong>de</strong> policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.Apesar da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prejuízo à eficácia e à eficiência, umavez que é exercido por pessoas não conhecedoras <strong>em</strong> profundida<strong>de</strong>do dia-a-dia da ativida<strong>de</strong> policial, o controle externo é importantepara compl<strong>em</strong>entar o controle interno, sendo indispensável queseja impl<strong>em</strong>entado <strong>em</strong> todo o País. Isso porque o controle interno é<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, quase s<strong>em</strong>pre, <strong>de</strong> dados e provas que são obtidas pelospróprios policiais, que são colegas <strong>de</strong> profissão daqueles que são oalvo das eventuais correições. Razão pela qual na maioria dos paísesa crítica é a mesma, o corporativismo e a falta <strong>de</strong> transparência <strong>de</strong>-Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 13 a 28


14mocrática das investigações nesse nível <strong>de</strong> controle, principalmentese for<strong>em</strong> <strong>de</strong>núncias contra policiais.Entre as formas <strong>de</strong> controle externo possíveis, faz-se restriçãoà possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser exercido por autorida<strong>de</strong>s políticas ocupantes<strong>de</strong> cargos executivos, evitando-se a utilização in<strong>de</strong>vida como cerceamentodas investigações policiais que possam influir nos interesses<strong>de</strong>las. Outras formas seriam a instituição <strong>de</strong> ouvidor-geral ou <strong>de</strong>conselhos comunitários via iniciativa do Po<strong>de</strong>r Executivo. Destaca-se,no entanto, que <strong>de</strong>ssas, apenas a primeira excluiria o controle externoexercido pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, como previsto na ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral, porque atuariam na mesma faixa <strong>de</strong> atribuições.O exercício do controle externo sendo ativida<strong>de</strong> nova para oParquet não po<strong>de</strong> ser impl<strong>em</strong>entada s<strong>em</strong> um estudo profundo <strong>de</strong>sua natureza para evitar equívocos. Na atual conjuntura dos relacionamentosdo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> com as instituições policiais, <strong>em</strong>função da pretensão <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> da investigação, a impl<strong>em</strong>entaçãoapressada po<strong>de</strong> levar ao caminho da <strong>de</strong>smoralização.A serenida<strong>de</strong>, prudência e a perseverança são predicados indispensáveisà implantação do controle externo.Os doutrinadores, conforme citação do ilustre Procurador <strong>de</strong>Justiça, Dr. Luís Alberto Thompson Flores Lenz, na AçãoDeclaratória n o 0010757316, 3 a Vara da Fazenda Pública <strong>de</strong> PortoAlegre, discorr<strong>em</strong> sobre formas <strong>de</strong> exercício do controle externo,aqui sintetizadas:Qu<strong>em</strong> apreen<strong>de</strong>u com rara felicida<strong>de</strong> o escopodo preceito <strong>em</strong> questão foi o não menos ilustrePINTO FERREIRA, um dos mais conceituadoscomentadores da nossa Carta Magna, que ao abordara amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa nova atribuição do Parquetassinalou o seguinte:O MP t<strong>em</strong> a função institucional do exercício docontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial, na formada lei compl<strong>em</strong>entar respectiva.A palavra “controle” proce<strong>de</strong> do francês contrôle,significando principalmente um ato <strong>de</strong> vigilância


15e verificação administrativa. Tal controle se concretizaespecialmente por atos <strong>de</strong> SUPERVISÃO,INSPEÇÃO, FISCALIZAÇÃO sobre as ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>de</strong>partamentos, órgãos, pessoas, comoainda sobre a própria fiscalização financeira ouorçamentária e afinal sobre a corporação <strong>de</strong> servidores,aos quais se atribui a competência parazelar pela observância <strong>de</strong> leis e regulamentos. (in,Comentários à Constituição Brasileira, EditoraSaraiva, 1992, v. 5 o , página 147).Mais adiante, este mesmo mestre, ao conceituar anatureza <strong>de</strong>ssa atribuição, foi categórico ao ressaltarque “o legislador constituinte não buscou estabelecerhierarquia ou disciplina administrativa,pela submissão da autorida<strong>de</strong> policial aos agentesdo MP. Quando o promotor <strong>de</strong> justiça, <strong>em</strong> sua áreafuncional, verificar a existência <strong>de</strong> faltas disciplinares,como ele t<strong>em</strong> atribuições <strong>de</strong> controle externoconferidas expressamente pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral,controle esse que é uma forma <strong>de</strong> correiçãosobre a polícia judiciária, <strong>de</strong>verá dirigir-se aossuperiores do servidor policial faltoso (escrivão,carcereiro, investigador, <strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, etc.),apontando as falhas e as providências cabíveis.(in, opus citatum, p. 147/8)Em sendo assim, <strong>de</strong>ve ser afastada, <strong>de</strong> pronto,qualquer alegação <strong>de</strong> que o controle externo<strong>em</strong> questão acarretaria sujeição hierárquica, ou<strong>de</strong>scumprimento do princípio da autonomia e daseparação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res.Também merece relevo o parecer da Eminente Procuradora<strong>de</strong> Justiça Dra. Solange Maria Palma Alves, no Agravo <strong>de</strong>Instrumento n o 70003919180, Tribunal <strong>de</strong> Justiça RS, 4 a Câmara Cível,apreciando recurso da ação aqui já citada:Examinando-se as diversas formas <strong>de</strong> controle externoinstituídas pela Constituição e buscando a primordial


16finalida<strong>de</strong> da atuação ministerial, chegamos à conclusão<strong>de</strong> que, no inc. VII do art. 129, intentou o constituinte<strong>de</strong> 1988 criar um sist<strong>em</strong>a precípuo <strong>de</strong> fiscalização,um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> vigilância e verificação administrativa,teleologicamente dirigido à melhor coletados el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> convicção que se <strong>de</strong>stinam a formara opinio <strong>de</strong>lictis do promotor <strong>de</strong> justiça, fimúltimo do inquérito policial. Assim, conquanto talmatéria <strong>de</strong>penda da lei compl<strong>em</strong>entar já referida, po<strong>de</strong>-seantever que o controle <strong>de</strong>va ser exercido, entre outrasáreas, sobre: a) as notitiae criminis recebidas pelapolícia e que n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre, na prática, são canalizadaspara a instauração <strong>de</strong> inquéritos policiais b)a apuração <strong>de</strong> crimes <strong>em</strong> que são envolvidos os própriospoliciais (violência, tortura, corrupção, abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>);c) os casos <strong>em</strong> que a polícia não d<strong>em</strong>onstrainteresse ou possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> levar a bom termoas investigações; d) as visitas às <strong>de</strong>legacias <strong>de</strong>polícia; e) a fiscalização permanente da lavratura<strong>de</strong> boletins ou talões <strong>de</strong> ocorrências criminais; f) ainstauração e a tramitação <strong>de</strong> inquéritos policiais;g) o cumprimento das requisições ministeriais(grifamos). [...]Po<strong>de</strong>ríamos, porém, nos perguntar se <strong>de</strong>veriam ser recusadasalgumas formas <strong>de</strong> controle externo que foramventiladas, mas não foram aproveitadas pela Ass<strong>em</strong>bléiaNacional Constituinte (v.g., a comunicação obrigatóriadas ocorrências policiais ou da instauração <strong>de</strong> inquéritos,a supervisão, a avocatória <strong>de</strong> inquéritos, etc.).Diversas <strong>de</strong>ssas idéias não chegaram a ser apreciadasn<strong>em</strong> muito menos recusadas pela Ass<strong>em</strong>bléiaNacional Constituinte, mas foram <strong>de</strong>sacolhidaspor comissões. O único texto efetivamente votadopelo plenário da Constituinte foi o da fórmulagenérica do controle externo, que, antes <strong>de</strong> repelir,engloba, como expressão mais abrangente, outrasformas <strong>de</strong> controle. HUGO NIGRO MAZZILLI, in


17Regime Jurídico do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, Saraiva,1993, SP, p.171-5.Segundo a LOMPU, o controle externo da ativida<strong>de</strong>policial será exercido com os seguintes objetivos:a) respeito aos fundamentos do Estado d<strong>em</strong>ocrático<strong>de</strong> direito, aos objetivos fundamentaisda República, aos princípios informadores dasrelações internacionais, b<strong>em</strong> como aos direitos asseguradosna Constituição e na lei; b) preservaçãoda ord<strong>em</strong> pública, da incolumida<strong>de</strong> das pessoase do patrimônio público; c) prevenção e correção<strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r; d) indisponibilida<strong>de</strong>da persecução penal; e) competência dosórgãos incumbidos da segurança pública.A LOMPU mencionou os seguintes mecanismos <strong>de</strong>controle externo, que pod<strong>em</strong> ser exercitados por meio d<strong>em</strong>edidas judiciais ou extrajudiciais: a) livre ingresso<strong>em</strong> estabelecimentos policiais ou prisionais; b) acessoa quaisquer documentos relativos à ativida<strong>de</strong>fimpolicial; [...] - HUGO NIGRO MAZZILLI, inRegime Jurídico do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, Saraiva,1996, SP, p. 245.Acredito que, <strong>de</strong>ntro da legalida<strong>de</strong> d<strong>em</strong>ocrática, não é possíveloutro caminho senão esse que foi escolhido pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>: o<strong>de</strong> cumprir <strong>de</strong>terminação da CF vigente. Nessa ativida<strong>de</strong>, com certezaterá o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> todo o apoio dos bons policiais, dos meiosjurídicos e da população <strong>em</strong> geral, que é a <strong>de</strong>stinatária final <strong>de</strong> nossosserviços e <strong>em</strong> cujo proveito <strong>de</strong>ve ser feito esse controle (excerto doartigo Não é possível outro caminho senão cumprir <strong>de</strong>terminaçãoconstitucional, <strong>de</strong> Hugo Nigro Mazzilli, publicado <strong>em</strong> O Estado <strong>de</strong>S. Paulo, edição <strong>de</strong> 20.10.96).Em tal direção também se encaminha a jurisprudência pátria:RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N o 238.929-3/1, TJSP, 6 a Câm. Crim., Rel. Des. FanganielloMaifrovitch, J. 16.10.97. No corpo do acórdão:Como se infere dos autos, <strong>em</strong> razão da edição


18do Ato 98/96, do colendo Órgão Especial doColégio <strong>de</strong> Procuradores verificou-se, por partedos agentes da polícia judiciária, dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificar, <strong>em</strong> face da relação <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação<strong>de</strong>corrente daativida<strong>de</strong> correcional estabelecida no artigo 129,inciso VII, da Constituição da República, o âmbitodas atribuições conferidas aos excelentíssimosrepresentantes do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. No casovertente, o ilustre Delegado <strong>de</strong> Polícia Titular do21} Distrito Policial da Comarca da Capital <strong>de</strong>ixou<strong>de</strong> exibir livros <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> políciajudiciária aos excelentíssimos promotores <strong>de</strong>justiça nominados na impetração, consi<strong>de</strong>randoa ativida<strong>de</strong> dos mesmos como exteriorização <strong>de</strong>ilegítimo controle interno. A exigência ministerial,no entanto, apresentou-se legítima, uma vezque <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> fiscalizadora, relativaa documentos <strong>de</strong> assentamentos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária. Visível, portanto,a supracitada relação <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação , pois o<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> também era recipientário dasupracitada ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária. Daío po<strong>de</strong>r correcional que, naquela situação, nãoera hierárquico, interno ou <strong>de</strong> subordinação. [...]Portanto, da função <strong>de</strong> auxílio nasce a relação <strong>de</strong>coor<strong>de</strong>nação e a <strong>de</strong>corrente função correcional extraordinária.Em síntese e voltando ao caso <strong>em</strong> exame,a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> examinar livros <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> atos<strong>de</strong> polícia judiciária era legítima, equivocando-se aautorida<strong>de</strong> policial <strong>em</strong> confundi-la como controleinterno.Assim, <strong>de</strong>ve ser afastada, <strong>de</strong> pronto, qualquer intenção <strong>de</strong>sujeição hierárquica, que revelaria <strong>de</strong>scumprimento do princípio daautonomia e da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res.


A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 revogou o sist<strong>em</strong>a inquisitório,no qual se inseria o controle jurisdicional do inquérito policial. Aadoção do sist<strong>em</strong>a acusatório puro, tanto quanto o controle externoda ativida<strong>de</strong> policial, <strong>de</strong>corre da mesma vertente, insculpida no artigo129 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. O controle externo é exigido menos <strong>em</strong><strong>de</strong>corrência da corrupção policial, que é reconhecida como pontual,e muito mais <strong>em</strong> função da nova inserção do sist<strong>em</strong>a acusatório, reforçandoa titularida<strong>de</strong> da ação penal ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. Assim,a legitimação ativa adquire contornos <strong>de</strong> constitucionalida<strong>de</strong>, sendoessencial a uma ativida<strong>de</strong> policial que forneça instrumentos <strong>de</strong> persecuçãopenal hígidos, livres <strong>de</strong> máculas, transparentes à socieda<strong>de</strong>,institucionais e públicos <strong>em</strong> sua forma. Traduz esse entendimentoa Lei Compl<strong>em</strong>entar Estadual n o 11.578, do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong> 5<strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2001, que fornece o instrumento principal para que aativida<strong>de</strong>-fim da polícia seja realmente controlada, quando estabelecea possibilida<strong>de</strong> legal da requisição <strong>de</strong> providências que corrijamou previnam ilegalida<strong>de</strong>s ou abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou da autorida<strong>de</strong>,conforme transcrição:19Art. 1 o O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, nos termos do art.127, VII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e do art. 111, IV,da Constituição Estadual, no âmbito do Estadodo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, exercerá o controle externoda ativida<strong>de</strong> policial civil e militar, por meio d<strong>em</strong>edidas extrajudiciais e judiciais, po<strong>de</strong>ndo:I - ter livre ingresso <strong>em</strong> estabelecimentos e <strong>em</strong>unida<strong>de</strong>s policiais civis e militares;II - ter acesso a quaisquer documentos, informatizadosou não, relativos à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> políciajudiciária civil e militar e que digam respeito àpersecução penal;III - requisitar à autorida<strong>de</strong> competente a adoção <strong>de</strong>providências para sanar omissão in<strong>de</strong>vida, fato ilícitopenal ocorridos no exercício da ativida<strong>de</strong> policial, prevenirou corrigir ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, po<strong>de</strong>ndoacompanhá-los;


20O controle externo da ativida<strong>de</strong> policial civil e militar é atribuiçãoexclusiva do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, inerente à sua função <strong>de</strong> fiscalda lei, com previsão constitucional específica, que t<strong>em</strong> por objeto averificação <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> dos atos da polícia judiciária na apuraçãodas infrações penais.A legitimação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong>corre da plenitu<strong>de</strong> doexercício da ação penal, que não se cinge a mero repasse <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entosprobatórios ao órgão jurisdicional. O exercício material pleno da legitimaçãoativa torna imprescindível o controle dos atos preparatórios,que instruirão a postulação <strong>em</strong> juízo, indispensável sob o aspecto dalegalida<strong>de</strong>, da eficácia e da objetivida<strong>de</strong>. Essa abrangência do controleé natural e exigível para o aperfeiçoamento da pretensão punitiva.A Implantação do Controle Externo no Rio Gran<strong>de</strong> do SulA implantação <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> controle externo da ativida<strong>de</strong>policial passa pela escolha <strong>de</strong> uma diretriz que explicite uma filosofia<strong>de</strong> trabalho a<strong>de</strong>quada à realida<strong>de</strong> encontrada, tanto <strong>em</strong> face do relacionamentointerinstitucional local pré-existente quanto <strong>em</strong> relação àanálise da existência <strong>de</strong> uma gama <strong>de</strong> informações fi<strong>de</strong>dignas sobrea ativida<strong>de</strong> policial.O diálogo que propiciou a aprovação da Lei Compl<strong>em</strong>entarEstadual n o 11.578/2001, do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, d<strong>em</strong>onstrou a falta <strong>de</strong>um relacionamento interinstitucional no nível <strong>de</strong>sejado e a completaineficiência dos registros policiais dos atos <strong>de</strong> persecução penal e <strong>de</strong>inexistência <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> banco <strong>de</strong> dados comum às instituiçõesque atuam no combate à criminalida<strong>de</strong>. A diretriz cabível nesse cenárioé a aproximação. O estabelecimento <strong>de</strong>ssa diretriz possibilitouformular pr<strong>em</strong>issas no sentido <strong>de</strong> o controle externo necessitar umaativida<strong>de</strong> policial formal, institucional <strong>em</strong> todos os seus métodos epública <strong>em</strong> sua <strong>de</strong>stinação. O meio <strong>de</strong> atingir a finalida<strong>de</strong> da institucionalizaçãoda ativida<strong>de</strong> policial é propugnar por uma atuaçãopolicial i<strong>de</strong>ntificada como serviço público ordinário, capaz <strong>de</strong> prestarcontas à socieda<strong>de</strong>, mediante instrumentos transparentes <strong>de</strong> controleinterno e externo.


Os comandos policiais gaúchos foram completamente permeáveisao benefício <strong>de</strong>sta aproximação como instrumento <strong>de</strong> aperfeiçoamentodo serviço público policial e com a possibilida<strong>de</strong> daelevação da confiança da população nas instituições policiais, assimcomo propiciar uma elevação do nível profissional dos policiais.As primeiras reuniões já apontaram para uma discussão conjunta<strong>de</strong> novas normatizações policiais que viess<strong>em</strong> ao encontro <strong>de</strong>ssaformalização da ativida<strong>de</strong> policial.O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> gaúcho contribuiu incorporando aoconceito da diretriz <strong>de</strong> aproximação as práticas <strong>de</strong> tolerância, bomsenso, confiança mútua, fidalguia e construção conjunta.Devido à previsão <strong>de</strong> que haveria resistência, somente com esseconceito <strong>de</strong> aproximação po<strong>de</strong>r-se-ia criar um claro compromisso <strong>de</strong>tolerância com as eventuais intervenções individuais equivocadas.Houve confiança mútua <strong>em</strong> que o diálogo para a construção conjuntasuperaria as dificulda<strong>de</strong>s previstas e estabelecidas pontualmente,assim como o bom senso no esclarecimento <strong>de</strong> dúvidas e na solução<strong>de</strong> interpretações jurídicas coli<strong>de</strong>ntes. A fidalguia trouxe um equilíbriodas relações interpessoais e profissionais capaz <strong>de</strong> estimular asolidarieda<strong>de</strong> nas dificulda<strong>de</strong>s. A construção conjunta é permanentee realimentada pela solidarieda<strong>de</strong> alcançada.Atualmente as relações interinstitucionais ocorr<strong>em</strong> sob um clima<strong>de</strong> co-responsabilida<strong>de</strong>, com uma autocrítica saudável das instituiçõespoliciais sendo exposta externamente, <strong>de</strong>vido à confiança adquirida<strong>em</strong> um controle externo cooperador, construtivo e permanente.Contudo, a previsão constitucional do controle externo daativida<strong>de</strong> policial a ser exercido pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> assim comoa Lei Compl<strong>em</strong>entar Estadual n o 11.578/2001 não po<strong>de</strong>riam ser interpretadascomo repetitivas da legislação penal e processual penal,menos ainda restritivas. A interpretação teria <strong>de</strong> permitir avançosno sentido <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> interferir positiva ediretamente na ativida<strong>de</strong> policial. O controle não po<strong>de</strong>ria ser cont<strong>em</strong>plativo,s<strong>em</strong> efetivida<strong>de</strong> diante da omissão, do erro ou dolo dofuncionário público policial. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> não se prestaria aesse papel, n<strong>em</strong> a Constituição Fe<strong>de</strong>ral lançaria mão <strong>de</strong>ssa previsãos<strong>em</strong> a mínima pretensão <strong>de</strong> avanço.21


22As novas normatizações internas dos órgãos policiais, quantoaos procedimentos <strong>de</strong> persecução penal, são fruto <strong>de</strong>ssa aproximaçãoinstitucional que, <strong>em</strong> muito, vêm facilitando as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> controleexterno pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, à medida <strong>em</strong> que se rompe uma tradição<strong>de</strong> investigação informal, para subordinar a ativida<strong>de</strong> policialao formalismo, típico da ativida<strong>de</strong> pública e exigível <strong>em</strong> persecuçãopenal <strong>em</strong> face dos direitos fundamentais.A preocupação principal é o rompimento da tradição <strong>de</strong> informalida<strong>de</strong>,possibilitando os controles interno e externo, a existência<strong>de</strong> indicadores confiáveis e viabilizando uma política <strong>de</strong> combate àcriminalida<strong>de</strong> naquilo que <strong>de</strong>penda da atuação policial. Caminha-se,assim, para assegurar <strong>de</strong>finitivamente a formalização da investigaçãopolicial e do inquérito policial, por meio da crescente compreensãoda necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cooperação interinstitucional para o aperfeiçoamentodo serviço público policial, tendo como instrumento o controleexterno da ativida<strong>de</strong> policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.Aliás, a falta <strong>de</strong> formalização dos expedientes policiais revelavaa dimensão da clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> com que os registros eram tratados,como se foss<strong>em</strong> todos fatos não-criminais. Sendo previsível que algunsfatos sejam realmente não-criminais, a diferença consistente naclan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong> da atuação policial – aqui chamadas <strong>de</strong> indagaçõespoliciais (capas com papéis soltos, s<strong>em</strong> numeração, s<strong>em</strong> autuaçãocronológica, s<strong>em</strong> portaria instauradora), o que não transforma registrospoliciais <strong>em</strong> inquéritos policiais, é a chamada “cifra negra” a sercombatida pela institucionalização dos serviços públicos policiais.Acrescenta-se que a implantação, há quatro anos no nossoEstado, d<strong>em</strong>onstrou que havia necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar o serviçopúblico policial aos interesses da socieda<strong>de</strong>. A informalida<strong>de</strong> dotrabalho policial era um terreno fértil para a instalação <strong>de</strong> uma criminalida<strong>de</strong>inserida no aparelho do Estado. Os boletins <strong>de</strong> ocorrência,as indagações policiais e os inquéritos sendo “oficiosos” permitiama <strong>de</strong>sinformação, <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> dados, infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> estatística e,muito provavelmente, manipulações <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> administrativa pararegistrar apenas o que não interessasse a essa criminalida<strong>de</strong> inseridano aparelho estatal ou, pior ainda, “construção” <strong>de</strong> inquéritos eleitosou privilegiados.


O mais grave é o subsídio indireto que o Estado dá a ativida<strong>de</strong>scriminosas, conferindo distintivo, po<strong>de</strong>r, armas, viaturas e meiosadministrativos para a locupletação <strong>de</strong> grupos, que se aproveitaramda tradição <strong>de</strong> décadas <strong>de</strong> informalida<strong>de</strong>, justificada pelo excesso <strong>de</strong>serviço e falta <strong>de</strong> recursos humanos e materiais. Outros segmentosdo Estado, <strong>em</strong> todos os níveis, atuam com dificulda<strong>de</strong>s, mas formalizamos expedientes, numeram folhas cronologicamente, oficializamas etapas, s<strong>em</strong> tentar<strong>em</strong> obstaculizar a fiscalização externa, s<strong>em</strong>supressão <strong>de</strong> fatos e eleição <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>s para expedientes. Paraesses a supressão não é basicamente criminosa; para a polícia, cujaativida<strong>de</strong>-fim é a produção <strong>de</strong> inquéritos policiais, teria que ser ponto<strong>de</strong> honra a institucionalização da extr<strong>em</strong>a legalida<strong>de</strong>.À polícia, na sua ativida<strong>de</strong>-fim, que é a produção <strong>de</strong> base parao exercício da ação penal pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, a completa institucionalizaçãodo inquérito policial será reconhecida como alicercedo respeito da socieda<strong>de</strong>, como instituição aberta, <strong>de</strong> uma legalida<strong>de</strong>transparente, assim alcançando a justificação e a confiança social. Ohistórico exigiu atitu<strong>de</strong>s do Estado, por meio do Po<strong>de</strong>r Executivo, do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, da Chefia da Polícia Civil, do Comando da PolíciaMilitar e da Secretaria <strong>de</strong> Justiça e Segurança, capaz <strong>de</strong> romper comessa tradição <strong>de</strong> “serviço público” informal, e exigirá outras para amanutenção da ativida<strong>de</strong> policial controlada. O Estado, representanteda socieda<strong>de</strong> e do que essa exige no regime d<strong>em</strong>ocrático, t<strong>em</strong>a obrigação <strong>de</strong> prevalecer sobre os <strong>de</strong>sacertos da instituição policial,instalados <strong>de</strong> forma criminosa ou corporativa, <strong>em</strong> qualquer situação,s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar a responsabilida<strong>de</strong> dos gestores públicos <strong>de</strong>assim proce<strong>de</strong>r.Ainda seria necessário à proficiência, a fim <strong>de</strong> modificar essequadro, ter um banco <strong>de</strong> dados e um sist<strong>em</strong>a eficiente <strong>de</strong> registros,tanto <strong>de</strong> ocorrências quanto <strong>de</strong> inquéritos policiais e termos circunstanciados,integrados com o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e Po<strong>de</strong>r Judiciário,se possível que tivess<strong>em</strong> o mesmo número e ano <strong>de</strong> registro, comcódigos diferenciando os registros não criminais, inquéritos policiaise termos circunstanciados.23


24Consi<strong>de</strong>rações para a Impl<strong>em</strong>entação do Controle ExternoO sist<strong>em</strong>a acusatório puro, na CF <strong>de</strong> 1988, orientou o PL 31/95,hoje PL-4254/1998, do Sen. Pedro Simon, do PMDB/RS, que propõ<strong>em</strong>udanças no CPP, revogando o controle jurisdicional do inquéritopolicial, o envio do inquérito policial diretamente ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>e a possibilida<strong>de</strong> das diligências ser<strong>em</strong> diretamente dirigidasà autorida<strong>de</strong> policial, s<strong>em</strong> requerimento ao magistrado, inclusivecom fixação <strong>de</strong> prazo, e estabelece a eqüidistância do magistrado<strong>em</strong> relação às partes. Esse projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>corre da unida<strong>de</strong> programáticada Carta Magna <strong>de</strong> 1988, propondo as modificações que, aolado da titularida<strong>de</strong> exclusiva da ação penal e do controle externoda ativida<strong>de</strong> policial, fecharão o sist<strong>em</strong>a adotado.D<strong>em</strong>ora a aprovação do projeto. Dev<strong>em</strong>-se evitar retrocessos e aaté mesmo a <strong>de</strong>saprovação do projeto <strong>de</strong> lei. Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>scuidar. Épreciso i<strong>de</strong>ntificar o que po<strong>de</strong>ria ser excesso, como os personalismosou a falta <strong>de</strong> uniformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação institucional. Há necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> criar-se e manter-se um método profissional <strong>de</strong> atuação, se possívelcom unida<strong>de</strong> nacional, que permita a continuida<strong>de</strong> do trabalho<strong>de</strong> maneira institucionalizada, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente do Promotor <strong>de</strong>Justiça que execute ou que substitua o titular ao formalizar o ato <strong>de</strong>controle externo.Também não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> LeiCompl<strong>em</strong>entar Estadual que confira ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> o po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> requisitar - conditio sine qua non - o saneamento das ilegalida<strong>de</strong>se irregularida<strong>de</strong>s da ativida<strong>de</strong> policial <strong>de</strong> persecução penal. S<strong>em</strong> aobrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento às requisições, nas hipóteses previstas<strong>em</strong> lei compl<strong>em</strong>entar, inviabiliza-se o controle externo daativida<strong>de</strong> policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> não po<strong>de</strong>, com esses instrumentos àdisposição, comparecer a uma Delegacia <strong>de</strong> Polícia, verificar ilegalida<strong>de</strong>se silenciar, pois sujeitar-se-ia a chancelar ou prevaricar. Ainstitucionalização do controle externo não se justifica apenas paracont<strong>em</strong>plar irregularida<strong>de</strong>s, fazer visitas <strong>em</strong> Delegacias <strong>de</strong> Polícia,ou para uma possível apuração, a cargo <strong>de</strong> instâncias distantes, <strong>de</strong>


irregularida<strong>de</strong>s funcionais ou disciplinares já previstas. A lei compl<strong>em</strong>entar<strong>de</strong>ve estabelecer uma relação jurídica interinstitucional,prevendo po<strong>de</strong>res e <strong>de</strong>veres através <strong>de</strong> requisições e acessos autorizados,entre uma instituição controladora e uma instituição controlada,base legal necessária, justamente por não haver hierarquiainstitucional e funcional, para a correção dos atos <strong>de</strong> persecuçãopenal irregulares, ilegais ou a omissão <strong>de</strong>sses.As requisições <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser feitas “in concreto” para sanar ilegalida<strong>de</strong>s“lato sensu”, por estar<strong>em</strong> <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com as <strong>de</strong>terminaçõesdo Código <strong>de</strong> Processo Penal, Código Penal, leis esparsas enormativas internas das instituições policiais que se submetam aoprincípio da hierarquia das leis. A verificação não vaga, mas precisae <strong>em</strong> concreto, especificada por inquérito, passa pela exigência <strong>de</strong>confrontação <strong>de</strong> livros <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> persecução penal, comoreveladores da existência legal ou não <strong>de</strong>sses atos <strong>em</strong> comparaçãocom os ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> investigação criminal.A informalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registros, ou a inexistência <strong>em</strong> alguns casos,não permite o exercício do controle externo, porque seria impossívelconfrontá-los. Algumas práticas, até constantes <strong>em</strong> normativas internas,como a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> instauração por portaria <strong>de</strong> inquéritopolicial, apenas quando necessário investigar a autoria, que ignorasolen<strong>em</strong>ente que a ativida<strong>de</strong> policial investiga fatos e não pessoas,po<strong>de</strong>rão ter requisitada sua legalização a partir <strong>de</strong>ssa comparaçãodos registros <strong>de</strong> portarias instauradas com o próprio ca<strong>de</strong>rno <strong>de</strong>investigação. Não se po<strong>de</strong> requisitar genericamente a regularização<strong>de</strong> atos <strong>de</strong> persecução penal, s<strong>em</strong> especificar números <strong>de</strong> boletins<strong>de</strong> ocorrências, ou <strong>de</strong> registro ou nomes que i<strong>de</strong>ntifiqu<strong>em</strong> o ato <strong>de</strong>persecução penal. O ato <strong>de</strong> controle só po<strong>de</strong> recair sobre atos <strong>de</strong>persecução penal, que, como tais, são específicos com relação ao fatoinvestigado. Além disso, a requisição genérica é difícil <strong>de</strong> ser verificadaposteriormente, principalmente por um Promotor <strong>de</strong> Justiçaque esteja exercendo uma substituição.Essa necessida<strong>de</strong> inafastável exige que as organizações policiaismantenham registros <strong>de</strong> todo e qualquer ato praticado que tenha amínima ligação que seja com ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persecução penal, mantendolivros registrais e banco <strong>de</strong> dados. Nesse sentido já há <strong>de</strong>cisão25


26judicial que reconhece essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registros e da possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> verificação <strong>de</strong> qualquer documento relativo à persecução penal(na Ação Declaratória n o 0010757316, 3 a Vara da Fazenda Pública<strong>de</strong> Porto Alegre ), da lavra do Eminente Juiz <strong>de</strong> Direito Dr. PEDROLUIZ POZZA, conforme transcrição:E, como se vê do provimento questionado, ele se atém,exclusivamente, à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persecução penal, s<strong>em</strong>imiscuir-se nos afazeres administrativos a cargo daautorida<strong>de</strong> policial, no que concerne à condução darepartição policial. Todavia, quando essa ativida<strong>de</strong>tiver qualquer relação, por menor que seja, com apersecução penal, ela estará sujeita, s<strong>em</strong>pre, aocontrole externo por parte do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.(grifo nosso)Previstas as autorizações necessárias <strong>em</strong> Lei Compl<strong>em</strong>entar,permit<strong>em</strong> ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> ter acesso aos atos <strong>de</strong> persecução, oque inclui seus registros <strong>em</strong> livros próprios policiais para comparar,conferir se reflet<strong>em</strong> a realida<strong>de</strong>, se estão revestidos <strong>de</strong> forma eprazos legais, a fim <strong>de</strong> prevenir omissões e ilegalida<strong>de</strong>s, zelar pelaindisponibilida<strong>de</strong> da ação penal e a eficiência dos atos <strong>de</strong> persecuçãopenal, <strong>de</strong>ssa forma, acautelando a evasão da criminalida<strong>de</strong> antesdo conhecimento do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. Ao autor da ação penal eà socieda<strong>de</strong> interessam a credibilida<strong>de</strong> e a legalida<strong>de</strong> dos atos <strong>de</strong>persecução penal e da ativida<strong>de</strong> policial – porque institucionalmenteatuam do mesmo lado: na relação jurídica tridimensional,na garantia dos direitos das vítimas e como agentes da segurançapública. A requisição só po<strong>de</strong>rá ser exercida com a comparação daefetivida<strong>de</strong> do ato <strong>de</strong> persecução penal com a falta <strong>de</strong>sse, que só avista dos livros <strong>de</strong> registros dos atos e dos ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> investigaçãopo<strong>de</strong>rá induzir.A preocupação principal <strong>de</strong>verá ser o rompimento da tradição<strong>de</strong> informalida<strong>de</strong>, falta <strong>de</strong> institucionalização do serviço públicopolicial que impossibilita os controles interno e externo, tornando-sealvo das instituições a busca <strong>de</strong> indicadores confiáveis quepermitam uma política <strong>de</strong> combate à criminalida<strong>de</strong> naquilo que<strong>de</strong>penda da administração superior policial. Caminhar-se-á assim


para assegurar <strong>de</strong>finitivamente a formalização da investigação policiale do inquérito policial, por meio da crescente compreensãoda necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cooperação interinstitucional para o aperfeiçoamentodo serviço público policial.Da mesma forma, é imprescindível para a institucionalizaçãodo serviço público policial que a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigação seja formalizada<strong>em</strong> certidões <strong>de</strong> diligências que retrat<strong>em</strong> a investigação <strong>em</strong>seus <strong>de</strong>talhes, a fim <strong>de</strong> que a m<strong>em</strong>ória da investigação seja da instituiçãopolicial e não do agente ou da autorida<strong>de</strong> policial. Inquéritospoliciais não pod<strong>em</strong> brotar <strong>de</strong>poimentos, s<strong>em</strong> uma s<strong>em</strong>eadura clara,s<strong>em</strong> relatórios institucionais que permitam a seqüência do trabalhopor qualquer agente ou autorida<strong>de</strong> e, ainda, os controles interno eexterno. Hoje, a informação é proprieda<strong>de</strong> particular do agente ouda autorida<strong>de</strong> policial, não da instituição policial. E isso é po<strong>de</strong>r, eo po<strong>de</strong>r corrompe, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>tectar que é a orig<strong>em</strong> da crisedos inquéritos se avolumar<strong>em</strong> s<strong>em</strong> solução.27As previsões para o controle externoAs palavras <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> para uma construção paulatina e permanentedo controle externo da ativida<strong>de</strong> policial são aproximaçãoe tolerância. A primeira busca <strong>de</strong>struir barreiras, romper preconceitose estimular e propiciar um verda<strong>de</strong>iro conhecimento interno dapolícia e dos policiais. A segunda visa conscientizar os Promotores<strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> que, apesar <strong>de</strong> suas convicções pessoais do que <strong>de</strong>veriaser o controle externo, este sofre limitações <strong>em</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s,<strong>de</strong> ord<strong>em</strong> política, estrutural, histórica, orçamentária e corporativa,tornando-se o controle externo possível na conjuntura, numaperspectiva mutante <strong>de</strong> avanços incessantes, baseada <strong>em</strong> análisesconjunturais periódicas, necessida<strong>de</strong>s e projetos.Talvez a dificulda<strong>de</strong> maior que tiv<strong>em</strong>os nas últimas décadasfoi a atuação policial não ser oficial e <strong>de</strong> acordo com as previsõeslegais. Essa dificulda<strong>de</strong> diz respeito diretamente à visão da ativida<strong>de</strong><strong>de</strong> segurança pública ser obrigatoriamente um serviço públicoefetivo e essencial ao b<strong>em</strong>-estar social. Esse é o objetivo constitu-


28cional do controle externo da ativida<strong>de</strong> policial. A oficialida<strong>de</strong>, alegalida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> suma, a institucionalização da atuação policial comoinstrumento indispensável à paz social, por meio <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>persecução penal transparente, confiável e eficaz. Essa é a missão<strong>de</strong> todos nós, mas, com certeza, será muito mais das novas gerações<strong>de</strong> Promotores <strong>de</strong> Justiça, que a concretizarão, ao longo dos anos,ou permitirão o retrocesso.


Assunto especial: controle externo da ativida<strong>de</strong> policialpelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>29O Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial MilitarMarcello Martinez HipólitoCapitão da Polícia Militar <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>O vigor da d<strong>em</strong>ocracia e a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida <strong>de</strong>sejadapor seus cidadãos estão <strong>de</strong>terminados <strong>em</strong> larga escalapela habilida<strong>de</strong> da polícia cumprir suas obrigações. 1Sumário: 1 Introdução – 2 A dimensão da ativida<strong>de</strong> policial – 3 Apreservação da ord<strong>em</strong> pública e a polícia ostensiva – 4 O controleda ativida<strong>de</strong> policial circunscrito à polícia judiciária – 5 O controleexterno da ativida<strong>de</strong> policial militar – 6 Conclusão.1 IntroduçãoO controle externo da ativida<strong>de</strong> policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,inserido na Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, <strong>em</strong> seu art. 129, VII,ainda carece <strong>de</strong> impl<strong>em</strong>entação e um uniforme entendimento <strong>de</strong> suadimensão, ou alcance, <strong>em</strong> praticamente todo o Brasil.Algumas atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong>sse controle exercidosobre a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária têm provocado forte reação1 GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma socieda<strong>de</strong> livre. Tradução <strong>de</strong> Marcello Rol<strong>em</strong>berg.São Paulo: EDUSP, 2003. p. 13.Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 29 a 53


30dos Delegados <strong>de</strong> Polícia <strong>de</strong> carreira 2 , tanto da Polícia Fe<strong>de</strong>ral quantoda Polícia Civil. Por parte das d<strong>em</strong>ais polícias, não há qualquer manifestação,pois, como se verá adiante, a busca do controle externoda ativida<strong>de</strong> policial aparent<strong>em</strong>ente não t<strong>em</strong> se lançado ao intento<strong>de</strong> alcançá-las.Em que pese a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não prescrever a <strong>de</strong>limitação<strong>de</strong>sse controle, ele praticamente t<strong>em</strong> sido circunscrito ao exercícioda polícia judiciária, seja fe<strong>de</strong>ral ou estadual, como forma <strong>de</strong> estabeleceruma ligação entre o titular da ação penal pública e o órgãoresponsável pela coleta <strong>de</strong> provas, a fim <strong>de</strong> subsidiar a formação dosel<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> convicção para o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> exercer seu misterna justiça criminal.Ocorre que essa <strong>de</strong>limitação do controle externo da ativida<strong>de</strong>policial não coinci<strong>de</strong> com as novas concepções amplas do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> pós 1988, tampouco coinci<strong>de</strong> com as reais atribuições dosórgãos policiais existentes no Brasil.A ausência <strong>de</strong> um sólido saber policial, mesmo no meio dasinstituições policiais, impe<strong>de</strong> que os juristas form<strong>em</strong> uma real ea<strong>de</strong>quada convicção das atribuições das polícias e possibilite umefetivo controle externo <strong>de</strong>ssas organizações, inclusive como forma<strong>de</strong> preservar suas autonomias diante do seu possível uso político 3 ,omissão operacional ou mesmo no <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> sua missão.Interpretando-se a<strong>de</strong>quadamente o prescrito no art. 129, VII, ocontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial não <strong>de</strong>ve se limitar ao exercícioda polícia judiciária no âmbito da Polícia Fe<strong>de</strong>ral e Polícia Civil.2 A dimensão da ativida<strong>de</strong> policialA omissão constitucional das ativida<strong>de</strong>s policiais ensejadoras<strong>de</strong> controle permite uma interpretação tão ampla quanto as reais2 PAULINO, José Alves. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial.Revista <strong>de</strong> Assuntos Criminais, v. 3, n. 3, 1995. p. 49.3 Sobre o <strong>em</strong>prego das polícias como forças <strong>de</strong> repressão política do Estado, ver HU-GGINS, Martha K. Polícia e Política: Relações Estados Unidos/America Latina.Tradução Lólio Lourenço <strong>de</strong> Oliveira. São Paulo: Cortez, 1998.


atribuições policiais e guarda perfeita consonância com a novel dinâmicaprescrita para o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>em</strong> que pese enten<strong>de</strong>rque essa crença, não se consubstancia no entendimento <strong>de</strong> que oconstituinte <strong>de</strong> 1988 tinha essa convicção quando da elaboração daCarta Magna.Ora, para Ferraz 4 , “a chamada interpretação gramatical t<strong>em</strong> naanálise léxica apenas um instrumento para mostrar e d<strong>em</strong>onstrar oprobl<strong>em</strong>a, não para resolvê-lo. A letra da norma, assim, é apenas oponto <strong>de</strong> partida da ativida<strong>de</strong> hermenêutica”.É inegável, <strong>de</strong> maneira geral, que a polícia exerce um papelfundamental na socieda<strong>de</strong>, como <strong>de</strong>screve Foucault:31Mas se a polícia como instituição foi realmenteorganizada sob a forma <strong>de</strong> um aparelho do Estado,e se foi mesmo diretamente ligada ao centroda soberania política, o tipo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que exerce,os mecanismos que põe <strong>em</strong> funcionamento e osel<strong>em</strong>entos aos quais ela os aplica são específicos.É um aparelho que <strong>de</strong>ve ser coextensivo ao corposocial inteiro, e não só pelos limites extr<strong>em</strong>os queatinge, mas também pela minúcia <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>que se encarrega. O po<strong>de</strong>r policial <strong>de</strong>ve-se exercer‘sobre tudo’: não é entretanto, a totalida<strong>de</strong> do Estadon<strong>em</strong> do reino como corpo visível e invisível domonarca; é a massa dos acontecimentos, das ações,dos comportamentos, das opiniões – ‘tudo o queacontece’, o objetivo da polícia são essas ‘coisas<strong>de</strong> todo instante’, essas ‘coisa à-toa’ <strong>de</strong> que falava<strong>Catarina</strong> II <strong>em</strong> sua Gran<strong>de</strong> Instrução. Com a políciaestamos no in<strong>de</strong>finido <strong>de</strong> um controle que procurai<strong>de</strong>almente atingir o grão mais el<strong>em</strong>entar, o fenômenomais passageiro do corpo social [...]. 54 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, <strong>de</strong>cisão,dominação. São Paulo: Atlas, 1994. p. 287.5 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução <strong>de</strong> RaquelRamalhete. Petrópolis:Vozes, 1987. p.176.


32Ocorre que sua importância não se reflete na produção <strong>de</strong> seusaber.Isso porque pouco se sabe e pouco se estuda sobre polícia nomundo e, <strong>em</strong> particular, no Brasil. Exist<strong>em</strong> hoje no Brasil pouco mais<strong>de</strong> uma dúzia <strong>de</strong> livros que tratam especificamente sobre a ativida<strong>de</strong>policial, mas não daquelas dirigidas para as ativida<strong>de</strong>s tipicamentecriminais, sejam preventivas ou repressivas, mas, para as representativasdas ativida<strong>de</strong>s cotidianas <strong>de</strong> uma organização policial <strong>em</strong> seu<strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato constitucional maior <strong>de</strong> preservar a ord<strong>em</strong> pública.Até muito recent<strong>em</strong>ente n<strong>em</strong> historiadores n<strong>em</strong>cientistas sociais haviam reconhecido a existênciada polícia, quanto mais o importante papel que ela<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha na vida social. Praticamente tudo quehavia sido escrito sobre policiamento foi feito pelospróprios policiais, que apenas contavam históriasou davam pequenas notícias. Os índices <strong>de</strong> livros<strong>de</strong> História da maioria dos países n<strong>em</strong> mesmotraz<strong>em</strong> um tópico sobre o t<strong>em</strong>a.[...]As rotineiras manutenções da ord<strong>em</strong> e prevenção<strong>de</strong> crimes são comumente ignoradas, ainda querepresent<strong>em</strong> uma parte muito mais importanteda vida diária dos cidadãos do que a repressãopolítica.[...]Os cientistas sociais têm sido mais irresponsáveisdo que os historiadores ao estudar a polícia. NosEstados Unidos, do começo da Segunda GuerraMundial até meados da década <strong>de</strong> 60, apenas seisartigos sobre a polícia apareceram no AmericanSociological Review.[...]A discrepância entre a importância da políciana vida social e a atenção dada a ela pelo meio


33acadêmico é tão impressionante que exige explicação.6No Brasil, particularmente, o uso constante do aparato policial,<strong>em</strong> especial das antigas Forças Públicas, atuais Polícias Militares,“como tropas militares na <strong>de</strong>fesa do país, ou até mesmo dos própriosEstados-M<strong>em</strong>bros” 7 , impediu o afloramento <strong>de</strong> uma cultura<strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente policial, pois que seus currículos <strong>de</strong> formação eaperfeiçoamento tiveram, por um longo período, o predomínio dai<strong>de</strong>ologia militar.O saber militar <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> suas atribuições reais sofreuforte impacto com o advento da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 e maisrecent<strong>em</strong>ente com a criação, pelo <strong>Ministério</strong> da Justiça, das “Basescurriculares para a formação dos profissionais da área <strong>de</strong> segurançapública”, isso somente <strong>em</strong> 2000. 8Não havendo uma i<strong>de</strong>ologia policial no seio das própriasforças policiais, não se po<strong>de</strong>ria esperar que o Constituinte <strong>de</strong> 1988tivesse uma concepção a<strong>de</strong>quada sobre as tarefas policiais. E, ainda<strong>em</strong> razão <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ologia ainda estar <strong>em</strong> formação, os juristas, <strong>em</strong>particular, ressent<strong>em</strong>-se <strong>de</strong> uma doutrina que possa alicerçar seusposicionamentos diante do direito positivo e da própria dogmáticaque fundamenta o já aludido senso comum teórico dos juristas.No Brasil, os juristas não se perguntam o que é “polícia”, pois aatual Constituição Fe<strong>de</strong>ral numerou as instituições policiais no artigo144, ao contrário, por ex<strong>em</strong>plo, nos Estados Unidos da América, <strong>em</strong>que a Constituição não prescreve quais são os órgãos policiais.As forças dos Estados Unidos são tão <strong>de</strong>scentralizadasque não se t<strong>em</strong> certeza n<strong>em</strong> <strong>de</strong> quantas são.6 BAYLEY, David H. Padrões <strong>de</strong> Policiamento: Uma Análise Internacional Comparativa.Tradução René Alexandre Belmonte. São Paulo: EDUSP, 2001. p 15-17.10LAZZARINI, op. cit. p. 12.7 MARCINEIRO, Nazareno; PACHECO, Giovani Cardoso. Polícia Comunitária: evoluindopara a polícia do século XXI. Florianópolis: Insular, 2005. p. 65.8 Sobre a evolução do ensino nas Polícias Militares do Brasil, ver HIPÓLITO, MarcelloMartinez. A formação policial no Brasil e seus <strong>de</strong>safios. Atuação. Revista Jurídica do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinense. v. 2, n. 3 (maio/ago 2004) – Florianópolis: PGJ:ACMP,2003. p. 55-64.


34A estimativa <strong>de</strong> Bruce Smith, <strong>de</strong> 40.000 forças policiaisseparadas, foi amplamente aceita por muitosanos, ainda que ele não explique como chegou aela. No início dos anos 70, a Law Enforc<strong>em</strong>ent AssistanceAdministration (LEAA) promoveu umapesquisa para <strong>de</strong>terminar quantas forças existiam.Concluiu-se que a estimativa mais apropriadaseria <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 25.000. 9Esses números d<strong>em</strong>onstram que não há um consenso sobre oque seja polícia, pois que o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia não é suficiente para suaqualificação, uma vez quePolícia é vocábulo que <strong>de</strong>signa o conjunto <strong>de</strong> instituições,fundadas pelo Estado, para que, segundoas prescrições legais e regulamentares estabelecidas,exerçam vigilância para que se mantenhama ord<strong>em</strong> pública, a moralida<strong>de</strong>, a saú<strong>de</strong> pública ese assegure o b<strong>em</strong>-estar coletivo, garantindo-se aproprieda<strong>de</strong> e outros direitos individuais. 10O sentido do vocábulo é mais profundamente tratado porMonet, para qu<strong>em</strong>Se consi<strong>de</strong>rarmos a etimologia, existe comumacordo <strong>em</strong> ligar o termo ‘polícia’ – assim como‘política’ – ao grego politeia. Até Aristóteles, comalgumas variações, o termo r<strong>em</strong>ete <strong>de</strong> um ladoà Cida<strong>de</strong> [polis], enquanto entida<strong>de</strong> distinta dasoutras comunida<strong>de</strong>s políticas, <strong>de</strong> outro àquilo qu<strong>em</strong>antém a Cida<strong>de</strong> <strong>em</strong> sua unida<strong>de</strong>, a saber: a arte <strong>de</strong>governar. A partir <strong>de</strong> Platão e Aristóteles, o conceitomuda <strong>de</strong> conteúdo e r<strong>em</strong>ete as duas or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> realida<strong>de</strong>s:primeiramente, <strong>de</strong>signa esse conjunto <strong>de</strong>leis e <strong>de</strong> regras que concerne à administração geralda Cida<strong>de</strong>, isto é, a ord<strong>em</strong> pública, a moralida<strong>de</strong>, asalubrida<strong>de</strong>, os abastecimentos; além disso, r<strong>em</strong>ete9 BAYLEY, op. cit. p. 70.10 LAZZARINI, op. cit. p. 12.


35a esses “guardiões da lei” <strong>de</strong> que fala Platão <strong>em</strong>A República, encarregados <strong>de</strong> fazer respeitar essaregulamentação. Des<strong>de</strong> aquela época, observa-seportanto uma distinção, que ira se endurecendo,entre as autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> polícia, que editam as regras,e as forças <strong>de</strong> polícia, que faz<strong>em</strong> respeitar taisregulamentos, se for preciso, pela força física. 11A amplitu<strong>de</strong> do trabalho policial regido por esse po<strong>de</strong>r, umtanto amplo e complexo, <strong>de</strong>limita a atuação da primeira instituiçãopolicial brasileira, a Intendência Geral da Polícia e da Corte do Brasil,criada no Rio <strong>de</strong> Janeiro, com a vinda da Família Real Portuguesapara o Brasil, <strong>em</strong> 10 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1808.A nova instituição baseava-se no mo<strong>de</strong>lo francêsintroduzido <strong>em</strong> Portugal <strong>em</strong> 1760. Era responsávelpelas obras públicas e por garantir o abastecimentoda cida<strong>de</strong>, além da segurança pessoal e coletiva,o que incluía a ord<strong>em</strong> pública, a vigilância dapopulação, a investigação dos crimes e a capturados criminosos. 12A Polícia Militar surge <strong>em</strong> 1809, com a criação da Guarda Real<strong>de</strong> Polícia, também no Rio <strong>de</strong> Janeiro, “força policial <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po integral,organizada militarmente e com ampla autorida<strong>de</strong> para mantera ord<strong>em</strong> e perseguir criminosos” 13 .Historicamente tratadas como forças militares estaduais oumesmo como instrumento <strong>de</strong> repressão política, mais recent<strong>em</strong>ente,as Polícias Militares, com o advento da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>1988, vêm procurando resgatar a sua autorida<strong>de</strong> administrativa, <strong>de</strong>co-produtora da gestão da cida<strong>de</strong>, para melhor po<strong>de</strong>r trabalhar d<strong>em</strong>odo a prevenir, qual seja, na preservação da ord<strong>em</strong> pública.Certo é que <strong>de</strong>finir o trabalho da polícia não é uma tarefa sim-11 MONET, Jean-Clau<strong>de</strong>. Polícias e Socieda<strong>de</strong>s na Europa. Tradução Mary AmazonasLeite <strong>de</strong> Barros. São Paulo: EDUSP, 2001. p.20.12 HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio <strong>de</strong> Janeiro: repressão e resistência numacida<strong>de</strong> do século XIX. Tradução <strong>de</strong> Francisco <strong>de</strong> Castro Azevedo. Rio <strong>de</strong> janeiro:Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997, p. 46.13 HOLLOWAY, op. cit. p. 47.


36ples, pois o policiamento é uma ativida<strong>de</strong> multifacetada, os policiaissão “pau-pra-toda-obra” 14 , referidos pelos ingleses como “oficiaispara <strong>de</strong>veres <strong>em</strong> geral” 15 , pois as situações que a polícia enfrenta sãotão variadas quantos as exigências da vida humana 16 .Por isso, o Constituinte <strong>de</strong> 1988 acertou quando escolheu aexpressão “ord<strong>em</strong> pública”, que não diria imprecisa terminologicamente,mas cambiante, flexível, <strong>de</strong> acordo com o t<strong>em</strong>po, o lugar,os valores convivenciais postulados pela Ord<strong>em</strong> Jurídica 17 , comoatribuição da Polícia Militar, aparato policial mais visível, nos termosdo parágrafo 5 o do artigo 144 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3 A preservação da ord<strong>em</strong> pública e a polícia ostensivaÉ impressionante o <strong>de</strong>sconhecimento da socieda<strong>de</strong>, dos juristase dos próprios policiais militares acerca <strong>de</strong> sua missão constitucional,que é a polícia ostensiva e a preservação da ord<strong>em</strong>.Quanto à polícia ostensiva, muitos <strong>de</strong>sses sujeitos, <strong>em</strong> seusdiscursos, simplesmente substitu<strong>em</strong> o <strong>de</strong>signativo policiamentoostensivo, constante na Constituição anterior, pelo <strong>de</strong>signativo <strong>de</strong>polícia ostensiva, como se sinônimos foss<strong>em</strong>.Já quanto à ord<strong>em</strong> pública, limitam-se ao entendimento <strong>de</strong> queela po<strong>de</strong> ser alcançada tão-somente <strong>de</strong>ntro da concepção formuladapor Sir Robert Peel “<strong>de</strong> que a polícia po<strong>de</strong>ria evitar o crime com umapatrulha uniformizada regular, que dissuadisse os possíveis com suasintervenções reais ou esperadas – uma função <strong>de</strong> espantalho”. 18“A noção <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> pública, <strong>em</strong> verda<strong>de</strong>, é mais fácil <strong>de</strong> sersentida do que <strong>de</strong>finida”. 19 “A <strong>de</strong>sord<strong>em</strong>, <strong>em</strong>bora não seja fácil <strong>de</strong>14 BAYLEY, op. cit. p. 118.15 BAYLEY, op. cit. p. 119.16 BAYLEY, op. cit. p. 121.17 NETO, op. cit. p. 80.18 BRODEUR, Jean-Paul. Como reconhecer um bom policiamento. Tradução Ana LuísaAmêndola Pinheiro. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 91.19 LAZZARINI, Álvaro. Estudos <strong>de</strong> Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, p. 52.


<strong>de</strong>finir, é algo que os ‘moradores locais’ vão ‘reconhecer quando avir<strong>em</strong> ou ouvir<strong>em</strong>”. 20 Atento às lições <strong>de</strong> Waline, Rivero, Paus Berbard eVe<strong>de</strong>l, José Cretella Jr. anota que a noção <strong>de</strong> ord<strong>em</strong>pública é extr<strong>em</strong>amente vaga e ampla, não se tratandoapenas da manutenção material da ord<strong>em</strong>na rua, mas também da manutenção <strong>de</strong> uma certaord<strong>em</strong> moral, o que é básico <strong>em</strong> direito administrativo,porque, como sustenta, a ord<strong>em</strong> pública éconstituída por mínimo <strong>de</strong> condições essenciais auma vida social conveniente, formando-lhe o fundamentoà segurança dos bens e das pessoas, à salubrida<strong>de</strong>e a tranqüilida<strong>de</strong>, revestindo, finalmenteaspectos econômicos (luta contra monopólios,açambarcamento e a carestia) e, ainda, estéticos(proteção <strong>de</strong> lugares e monumentos). 21Três el<strong>em</strong>entos compõ<strong>em</strong> a expressão “ord<strong>em</strong> pública”:37Segurança Pública [...] é o estado anti<strong>de</strong>litual queresulta da inobservância dos preceitos tuteladospelos códigos penais comuns e pela lei das contravençõespenais, com ações <strong>de</strong> polícia repressivaou preventiva típicas, afastando, assim, por meio<strong>de</strong> organizações próprias, <strong>de</strong> todo o perigo, ou <strong>de</strong>todo mal que possa afetar a ord<strong>em</strong> pública, <strong>em</strong>prejuízo da vida, da liberda<strong>de</strong> ou dos direitos <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong> das pessoas, limitando as liberda<strong>de</strong>sindividuais, estabelecendo que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cadapessoa, mesmo <strong>em</strong> fazer aquilo que a lei não lheveda, não po<strong>de</strong> ir além da liberda<strong>de</strong> asseguradaaos d<strong>em</strong>ais, ofen<strong>de</strong>ndo-a.Tranqüilida<strong>de</strong> pública “do latim tranquilitas (calma,bonança, serenida<strong>de</strong>), exprime o estado <strong>de</strong> ânimo20 BRODEUR, p. 35.21 CRETELLA JR. José apud LAZZARINI, Álvaro. T<strong>em</strong>as <strong>de</strong> Direito Administrativo.2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 52.


38tranqüilo, sossegado, s<strong>em</strong> preocupações n<strong>em</strong> incômodos,que traz as pessoas uma serenida<strong>de</strong>, ouuma paz <strong>de</strong> espírito.Salubrida<strong>de</strong> pública “refere-se ao que é saudável,conforme as condições favoráveis a vida, certo que“referindo-se às condições sanitárias <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> pública,ou coletiva, a expressão salubrida<strong>de</strong> pública<strong>de</strong>signa também o estado <strong>de</strong> sanida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> higiene<strong>de</strong> um lugar, <strong>em</strong> razão do qual se mostram propíciasas condições <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> seus habitantes. 22No entanto e apesar <strong>de</strong>ssa diversida<strong>de</strong>, “Nas representações dopúblico e nas dos próprios policiais, a verda<strong>de</strong>ira polícia é a que visaaos comportamentos criminais”. 23 Porém, a realida<strong>de</strong> está a mostrarque a população usa a polícia para muitas outras coisas mais afetasà ord<strong>em</strong> pública:As pessoas telefonam à polícia, vão às <strong>de</strong>legacias,interpelam policiais na rua para toda uma série <strong>de</strong>probl<strong>em</strong>as, menores ou graves, para comunicarum aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trânsito, para encontrar um objetoperdido, para dar parte <strong>de</strong> um cão vadio; <strong>em</strong> suma,recorr<strong>em</strong> à polícia toda vez que não sab<strong>em</strong> o quefazer, mas pensam que os policiais com certeza osab<strong>em</strong>. 24Assim, persiste a necessária imprecisão do termo “ord<strong>em</strong>pública”.Consi<strong>de</strong>rando-se a inconsistência do conceito <strong>de</strong>ord<strong>em</strong> pública, constata-se que <strong>de</strong>finir a missão dapolícia, particularmente da polícia administrativa,é tarefa ciclópica, o mesmo não ocorrendo com apolícia judiciária, que t<strong>em</strong> o seu escopo <strong>de</strong>limitadopelo Código <strong>de</strong> Processo Penal e satisfatoriamente22 LAZZARINI, op. cit., p. 284-285.23 MONET, Jean-Clau<strong>de</strong>. Polícias e Socieda<strong>de</strong>s na Europa. Tradução Mary AmazonasLeite <strong>de</strong> Barros. São Paulo: EDUSP, 2001. p.113.24 MONET, op. cit. p. 285.


explicitado pelos criminalistas. 25Polícia ostensiva e preservação da ord<strong>em</strong> pública são termosque se refer<strong>em</strong> a situações distintas, porém, contida uma na outra,pois a Polícia Ostensiva se <strong>de</strong>stina, fundamentalmente, à preservaçãoda ord<strong>em</strong> pública pela ação dissuasória da presença do agentepolicial militar.O termo “polícia ostensiva” é novo na ord<strong>em</strong> constitucionalinaugurada <strong>em</strong> 1988 e substitui a anterior expressão “policiamentoostensivo”, que passou a ser uma das fases da polícia ostensiva.Para sua melhor compreensão, Lazzarini disserta, com anecessária profundida<strong>de</strong>, o t<strong>em</strong>a, afirmando que o termo “políciaostensiva” <strong>em</strong>prestou às Polícias Militares uma dimensão b<strong>em</strong> maisampla da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia, trazendo a lição <strong>de</strong> Diogo <strong>de</strong> FigueiredoMoreira Neto <strong>de</strong> que39A polícia ostensiva, afirmei, é uma expressãonova, não só no texto constitucional, como nanomenclatura da especialida<strong>de</strong>. Foi adotada pordois motivos: o primeiro, já aludido, <strong>de</strong> estabelecera exclusivida<strong>de</strong> constitucional e, o segundo paramarcar a expansão da competência policial dospoliciais militares, além do ‘policiamento’ ostensivo.Para b<strong>em</strong> enten<strong>de</strong>r esse segundo aspecto, émister ter presente que o policiamento é apenasuma fase da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia. A atuação doEstado, no exercício <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia, se<strong>de</strong>senvolve <strong>em</strong> quatro fases: a ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> polícia, oconsentimento <strong>de</strong> polícia, a fiscalização <strong>de</strong> políciae a sanção <strong>de</strong> polícia. E continua observando queo policiamento ostensivo correspon<strong>de</strong> apenasà ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização; por esse motivo, aexpressão utilizada, polícia ostensiva, expan<strong>de</strong> aatuação das Polícias Militares à integralida<strong>de</strong> dasfases do exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia. O adjetivo25 SILVA, Jorge da. Segurança Pública e Polícia: Criminologia Crítica Aplicada. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2003. p. 313-314.


40ostensivo refere-se à ação pública <strong>de</strong> dissuasão,característica do policial fardado e armado, reforçadopelo aparato militar utilizado, que evoca opo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> uma corporação eficient<strong>em</strong>ente unificadapela hierarquia e disciplina 26 .A respeito do termo “polícia ostensiva”, a Advocacia-Geralda União já se manifestou sobre o conteúdo <strong>de</strong> cada uma das fasessuscitada por Neto.A ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> polícia se contém num preceito, que,necessariamente, nasce da lei, pois se trata <strong>de</strong> umareserva legal (art. 5 o , II), e po<strong>de</strong> ser enriquecidodiscricionariamente, consoante as circunstâncias,pela Administração. [...]O consentimento <strong>de</strong> polícia, quando couber, seráa anuência, vinculada ou discricionária, do Estadocom a ativida<strong>de</strong> submetida ao preceito vedativorelativo, s<strong>em</strong>pre que satisfeitos os condicionamentosexigidos. [...]A fiscalização <strong>de</strong> polícia é uma forma ordinária einafastável <strong>de</strong> atuação administrativa, através daqual se verifica o cumprimento da ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> políciaou a regularida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> já consentidapor uma licença ou uma autorização. A fiscalizaçãopo<strong>de</strong> ser ex officio ou provocada. No caso específicoda atuação da polícia <strong>de</strong> preservação da ord<strong>em</strong>pública, é que toma o nome <strong>de</strong> policiamento.Finalmente, a sanção <strong>de</strong> polícia é a atuação administrativaauto-executória que se <strong>de</strong>stina à repressãoda infração. No caso da infração à ord<strong>em</strong>pública, a ativida<strong>de</strong> administrativa, auto-executória,no exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia, se esgotano constrangimento pessoal, direto e imediato, najusta medida para restabelecê-la. 2726 NETO, Diogo Figueiredo Moreira Neto apud LAZZARINI. Estudos <strong>de</strong> Direito Administrativo.Faltou o local, a editora e o ano. p. 103 e 104.


Como já visto, o processo histórico pelos quais passaram as PolíciasMilitares no Brasil e seu distanciamento da socieda<strong>de</strong> civil nãopermitiram que as instituições assumiss<strong>em</strong> integralmente as fases dopo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia administrativa <strong>de</strong> preservação da ord<strong>em</strong> pública, sejapelo <strong>de</strong>sconhecimento, seja porque outros órgãos, como a Polícia Civil,<strong>em</strong> matéria <strong>de</strong> administração do trânsito e <strong>em</strong> jogos e diversões, já vinhaexercendo a nova atribuição <strong>de</strong>legada pelo Constituinte à PolíciaMilitar, que, até o momento, não encontrou força política suficiente acorrigir essa distorção levada a efeito pela polícia judiciária.Assim, até o momento, a Polícia Militar, <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> parte,t<strong>em</strong> se limitado a atuar somente numa das fases do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia, afiscalização por meio do policiamento ostensivo, mesmo s<strong>em</strong> dispor <strong>de</strong>instrumentos para uma atuação mais ampla e efetiva nesse aspecto.A execução plena da polícia ostensiva, nas suas quatro fases,principalmente <strong>em</strong> parceria com os Municípios, proporcionaria o <strong>em</strong>pregoefetivo da Polícia Militar na preservação da ord<strong>em</strong> na cida<strong>de</strong>,libertando-a da teleologia da atuação <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente criminal.414 O controle externo da ativida<strong>de</strong> policial circunscrito àpolícia judiciáriaSurgido, na Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, como um “sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> freios e contrapesos” 28 , o controle externo da ativida<strong>de</strong> policialno Brasil, afeto ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, nos termos do art. 129, VII, daConstituição Fe<strong>de</strong>ral, “v<strong>em</strong> causando controvérsias quando <strong>de</strong> suainterpretação e aplicação” 29 , encontrando, no senso comum teóricodos juristas, uma compreensão limitada ao controle externo da ativida<strong>de</strong><strong>de</strong> polícia judiciária.27 BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer n. GM-25: Publicado no Diário Oficial<strong>de</strong> 13.8.2001 p. 06.28 FREITAS, Manuel Pinheiro. Controle externo da ativida<strong>de</strong> policial: do discurso àprática. Revista Cearense do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, V. 1, n. 3. Fortaleza: ProcuradoriaGeral do Estado do Ceará, 1998. p. 173.29 GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Cehmim. Instrumentalida<strong>de</strong> para o exercício docontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial. Ca<strong>de</strong>rnos do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Paraná, v.1, n. 2. Curitiba: <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado do Paraná, 1998. p. 41.


42De uma maneira mais geral a expressão ‘sensocomum teórico dos juristas’(SCTJ) <strong>de</strong>signa ascondições implícitas <strong>de</strong> produção, circulação econsumo das verda<strong>de</strong>s nas diferentes práticas <strong>de</strong>enunciação e escritura do direito. Trata-se <strong>de</strong> umneologismo proposto para que se possa contar comum conceito operacional que sirva para mencionara dimensão i<strong>de</strong>ológica das verda<strong>de</strong>s jurídicas. 30Essa compreensão não só se situa no entendimento <strong>de</strong> que ocontrole previsto na Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 se limita às ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> investigação criminal, ou seja, <strong>de</strong> polícia judiciária, mastambém que ele se dá exclusivamente sobre a atuação da PolíciaFe<strong>de</strong>ral ou Polícia Civil <strong>em</strong> suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> polícia judiciária. Amaioria significativa dos autores segue nesse viés:Para Freitas,No mesmo sentido, Mazzili:A função institucional do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> previstano art. 129, VII da Lei Maior consiste <strong>em</strong> umcontrole sobre a coleta <strong>de</strong> informações pela políciajudiciária (tanto sob o aspecto extrínseco da legalida<strong>de</strong>,como no plano substancial da eficácia e daobjetivida<strong>de</strong>), com base nas quais o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>provocará a atuação da jurisdição penal. 31Na lição <strong>de</strong> Hugo Nigro Mazzili, o controle externoda ativida<strong>de</strong> policial é um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> vigilância everificação administrativa, teleologicamente dirigido àmelhor coleta <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> convicção que se <strong>de</strong>stinama formar a opinio <strong>de</strong>lictis do Promotor <strong>de</strong> Justiça, fimúltimo do próprio inquérito policial. 32Importante frisar que tal mister somente dirá respeitoà ativida<strong>de</strong>-fim das polícias civil e militar,30 WARAT, Luiz Alberto. Revista Seqüência n. 14. Editora da UFSC: Florianópolis, 1987.118 p.31 FREITAS, op. cit., p. 173.32 MAZZILI, Hugo Nigro apud FREITAS, op. cit., p. 174


43vale dizer, a apuração das infrações penais (competênciada Justiça Comum e da Justiça Militarestadual, respectivamente), não havendo que sefalar <strong>em</strong> outra fiscalização que não aquela comvistas à atuação da Polícia que guarda relação coma missão constitucional do Parquet, <strong>em</strong> especial apromoção da ação penal pública. 33Freyesleben admite excepcionalmente o controle externo sobrea Polícia Militar, quando nos inquéritos policiais militares, porém,não diverge dos d<strong>em</strong>ais autores quanto à orientação majoritária:O controle externo <strong>de</strong>ve ser conceituado comoum conjunto <strong>de</strong> normas que disciplinam as relaçõesentre o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e a Polícia Civil,objetivando a efetiva participação do Promotor<strong>de</strong> Justiça na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária e naapuração <strong>de</strong> infrações penais. 34Afora a existência da Lei <strong>de</strong> Organização do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>da União, Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 75/93, que, no entanto, não regulou,“exaustivamente <strong>em</strong> toda a sua plenitu<strong>de</strong>” 35 , o controle externo daativida<strong>de</strong> policial, ainda não há uma lei compl<strong>em</strong>entar <strong>em</strong>anada daUnião que regulamente esse controle por parte do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>dos Estados e Distrito Fe<strong>de</strong>ral.Alguns Estados, como São Paulo, estão procurando disciplinaro controle por meio <strong>de</strong> normas próprias, mas que não têm alcançadoa dimensão pretendida, enfrentando a oposição das autorida<strong>de</strong>spoliciais da Polícia Civil.Procurando suprir essa lacuna, a ProcuradoriaGeral <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo editouo Ato 098/96, estabelecendo normas para o exercício<strong>de</strong> controle externo da ativida<strong>de</strong> da Polícia33 SARABANDO, José Fernando Marreiros. O controle externo da ativida<strong>de</strong> policial.Boletim <strong>de</strong> Informações Técnico-jurídicas. Aracajú: <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong>Sergipe. 1998. p. 10.34 FREYESLEBEN, Márcio Luis Chila. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e a Polícia Judiciária. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 82-83.35 PAULINO, op. Cit. p. 50.


44Judiciária pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. No entanto, aexecução <strong>de</strong>sse controle t<strong>em</strong> sido bastante limitada,<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> das autorida<strong>de</strong>s policiais. Osprocedimentos <strong>de</strong> controle externo existentes revelam-seinsuficientes para a garantia dos direitosfundamentais no processo penal, ao mesmo t<strong>em</strong>poque a colaboração entre as duas instituições t<strong>em</strong>se revelado probl<strong>em</strong>ática. 36Expondo <strong>em</strong> sua obra os bastidores da Ass<strong>em</strong>bléia NacionalConstituinte <strong>de</strong> 1988, Freyesleben anota que a vonta<strong>de</strong> <strong>em</strong>anada do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> era realmente a <strong>de</strong> que o controle se exercessesomente sobre a investigação criminal e não sobre outros el<strong>em</strong>entosda ativida<strong>de</strong> policial 37 e, nesse sentido, caminhou a doutrina quaseque <strong>de</strong> forma unânime.Como será visto a seguir, a interpretação segundo a qual ocontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial está circunscrito à polícia judiciáriaou à tarefa <strong>de</strong> juntar el<strong>em</strong>entos para a formação da convicçãodo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> para a propositura ou não da ação penal pública,não se mostra a<strong>de</strong>quada ao papel do Parquet após 1988, n<strong>em</strong>ao verda<strong>de</strong>iro papel exercido pelas polícias.5 O controle externo da ativida<strong>de</strong> policial militarA doutrina t<strong>em</strong> se manifestado que o controle externo da ativida<strong>de</strong>policial se dá exclusivamente sobre a polícia judiciária, ouseja, sobre a elaboração do inquérito policial pela Polícia Fe<strong>de</strong>ralou Polícia Civil, ou sobre o inquérito policial militar pelas PolíciasMilitares, com vista à formação <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos para a propositura daação penal pública, buscando a “otimização dos inquéritos policiaise dos inquéritos policiais militares, no que diz respeito à qualida<strong>de</strong>36 KOERNER, Andrei, MELHEM, Célia Soibelman, SCHILLING, Flávia. A impl<strong>em</strong>entaçãodo controle do inquérito policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> SãoPaulo. Revista Brasileira <strong>de</strong> Ciências Criminais, n. 28. São Paulo: Revista dos Tribunais,1999. p.28.37 FREYESLEBEN. op. Cit. p. 63.


dos indícios e das provas coletadas” 38 .Ocorre que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, na prescrição doinciso VII do artigo 129, não fez qualquer distinção entre as polícias,tampouco <strong>de</strong>lineou como se daria ou <strong>de</strong>veria se dar o controle ou <strong>em</strong>que sentido ele <strong>de</strong>veria ser exercido, limitando-se a prescrever comofunção institucional do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> “exercer o controle externoda ativida<strong>de</strong> policial, na forma da lei compl<strong>em</strong>entar mencionada noartigo anterior” 39 .45Em alguns países se pensa também na questão dosignificado e o alcance do conceito <strong>de</strong> direção funcionalda polícia por parte do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.Por ex<strong>em</strong>plo, ma Guat<strong>em</strong>ala é discutido se estadireção funcional implica uma relação <strong>de</strong> controle,subordinação ou coor<strong>de</strong>nação. No Brasil, poroutro lado, <strong>em</strong>bora a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong>termine que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> corresponda o“controle externo da ativida<strong>de</strong> policial”, é ressaltadoque <strong>em</strong> nenhuma parte está especificado <strong>em</strong> querealmente consiste este “controle”. 40Uma interpretação do artigo 129, VII não po<strong>de</strong> ter a pretensão<strong>de</strong> reduzir seu alcance somente a duas das cinco organizações policiais,b<strong>em</strong> como <strong>de</strong>sconhecer a divisão <strong>de</strong>finida no direito administrativoentre polícia administrativa e polícia judiciária.Para Meyrelles 41 , por polícia administrativa se enten<strong>de</strong> aquelapolícia preventiva que, <strong>em</strong> geral, age principalmente sobre coisas eativida<strong>de</strong>s que afetam a comunida<strong>de</strong>, é a polícia <strong>de</strong> preservação daord<strong>em</strong> pública, que a Constituição <strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong>signou como sendo aPolícia Militar.38 SARABANDO, op. cit., p. 10.39 BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil: promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 128.40 CHOUKR, Fauzi Hassan, AMBOS, Kai. Org. Polícia e Estado <strong>de</strong> Direito na AméricaLatina. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Lumens Júris, 2004, pp.150-155.41 MEYRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo da Ord<strong>em</strong> Pública. 3. ed. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Forense, 1998. p.90


46Por outro lado,Polícia judiciária é a que o Estado exerce sobre aspessoas sujeitas à sua jurisdição, através do Po<strong>de</strong>rJudiciário e <strong>de</strong> órgãos auxiliares, para a repressão <strong>de</strong>crimes e contravenções tipificadas nas leis penais.Essa polícia é <strong>em</strong>inent<strong>em</strong>ente repressiva, pois sóatua após o cometimento do <strong>de</strong>lito e visa, precipuamente,a i<strong>de</strong>ntificação do criminoso e <strong>de</strong> suacon<strong>de</strong>nação penal. Para tanto o Po<strong>de</strong>r Judiciário éauxiliado pela Polícia Civil, cuja missão primordialé investigar os fatos e a autoria do <strong>de</strong>lito, para aconseqüente ação penal. 42Ocorre que essa distinção no plano das idéias se apresentad<strong>em</strong>asiadamente complexa <strong>em</strong> sua execução, pois a Polícia Militarpelo seu campo residual po<strong>de</strong>, <strong>em</strong> situações especiais, agir comopolícia judiciária.A polícia <strong>de</strong> preservação da ord<strong>em</strong> pública está, também,investida <strong>de</strong> competência <strong>de</strong> polícia judiciária,quando cuida da repressão imediata à infração penal,que não conseguiu evitar, restabelecendo, <strong>de</strong>pronto, a <strong>de</strong>sord<strong>em</strong> causada pela infração penal.Atua, nessa hipótese, que é própria e exclusiva daPolícia Militar, como auxiliar do Po<strong>de</strong>r Judiciário, soba regência das normas <strong>de</strong> Direito Processual Penale, assim, controlada e fiscalizada pela autorida<strong>de</strong>judiciária competente. À autorida<strong>de</strong> judiciária<strong>de</strong>ve fornecer, na repressão imediata, um primeiromaterial <strong>de</strong> averiguação e exame, o mesmo ocorrendoquando da falência operacional <strong>de</strong> outrosórgãos policiais, como nas hipóteses <strong>de</strong> greves<strong>de</strong> servidores <strong>de</strong>sses órgãos ou ineficiência nocumprimento <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s. 4342 MEYRELLES, op. cit. p.91.43 LAZZARINI, Álvaro. T<strong>em</strong>as <strong>de</strong> Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, p. 88.


A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária também é reservada à Polícia RodoviáriaFe<strong>de</strong>ral quando do Patrulhamento Rodoviário e a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> prisão para o fim <strong>de</strong> preservar a ord<strong>em</strong> pública na circunscrição<strong>de</strong> rodovia fe<strong>de</strong>ral, ou mesmo quando lavre Termo Circunstanciadoe encaminhe diretamente ao Juizado Especial Criminal 44 .47A competência <strong>de</strong> polícia ostensiva das PolíciasMilitares só admite exceções constitucionaisexpressas: as referentes às polícias rodoviáriae ferroviária fe<strong>de</strong>rais (art. 144, §§ 2 o e 3 o ), queestão autorizadas ao exercício do patrulhamentoostensivo, respectivamente, das rodovias e dasferrovias fe<strong>de</strong>rais. Por patrulhamento ostensivonão se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r, conseqüência do exposto,qualquer ativida<strong>de</strong> além da fiscalização <strong>de</strong> polícia:patrulhamento é sinônimo <strong>de</strong> policiamento. 45Em sentido contrário, a Polícia Fe<strong>de</strong>ral exerce função <strong>de</strong> PolíciaAdministrativa quando conce<strong>de</strong> porte <strong>de</strong> armas, expe<strong>de</strong> passaportes,b<strong>em</strong> como a Polícia Civil, quando “responsável” pela administraçãodo trânsito e jogos e diversões públicas, como ocorre particularmente<strong>em</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, segundo o prescrito no art. 106, III e VI da Constituiçãodo Estado. 46Durante os trabalhos da Ass<strong>em</strong>bléia Nacional Constituinte,o lobby dos <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> polícia muitolutou para que a palavra ‘administrativa’ fosseacrescentada como atribuição da corporação. Aindaque isso não tenha acontecido, na realida<strong>de</strong> nossapolícia judiciária (Polícia Civil) continua a executarmuitas tarefas <strong>de</strong> polícia administrativa. 4744 Sobre a competência da Polícia Militar e Polícia Rodoviária Fe<strong>de</strong>ral para a lavraturado Termo Circunstanciado, ver JESUS, Damásio Evangelista <strong>de</strong>. Lei dos JuizadosEspeciais Criminais Anotada. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 44-49.45 BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer n. GM-25: Publicado no Diário Oficial<strong>de</strong> 13.8.2001, p. 06.46 SANTA CATARINA. Constituição do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>. 5. ed. Florianópolis:Insular, 2002, p. 93.47 SILVA, op. cit., p. 312.


48Estas manifestações já nos dão mostra <strong>de</strong> que mesmo que sejamaceitos os posicionamentos no sentido <strong>de</strong> que o controle externo <strong>de</strong>vaser dirigido somente às Polícias Fe<strong>de</strong>ral e Civil, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>se revisar<strong>em</strong> os conceitos estabelecidos quanto qu<strong>em</strong> na realida<strong>de</strong>exerce ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Polícia Judiciária.Uma interpretação mais abrangente também estaria <strong>de</strong> acordocom a amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> funções atribuídas ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> a partir<strong>de</strong> 1988.A Constituição <strong>de</strong> 1988, inovando e valorizando ainstituição do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>de</strong>fine as funçõesinstitucionais <strong>de</strong>ste, ou seja, os encargos que o caracterizame i<strong>de</strong>ntificam <strong>em</strong> face dos d<strong>em</strong>ais agentesou organismos. Merece <strong>de</strong>staque especialíssimo,por dizer respeito à própria essência do Parquete sua legitimação na socieda<strong>de</strong> e no Estado cont<strong>em</strong>porâneos,a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ‘zelar pelo efetivorespeito dos Po<strong>de</strong>res <strong>Público</strong>s e dos serviços <strong>de</strong> relevânciapública aos direitos assegurados nesta Constituição,provendo as medidas necessárias a sua garantia’. 48No mesmo diapasão estaria configurado o objetivo dos órgãospoliciais traçados no caput do artigo 144 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,quando estabeleceu que a segurança pública é exercida para apreservação da ord<strong>em</strong> pública e da incolumida<strong>de</strong> das pessoas e dopatrimônio, através <strong>de</strong> todas as polícias:Art. 144 - A segurança pública, <strong>de</strong>ver do Estado,direito e responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, é exercidapara a preservação da ord<strong>em</strong> pública e da incolumida<strong>de</strong>das pessoas e do patrimônio, atravésdos seguintes órgãos:I - polícia fe<strong>de</strong>ral;II - polícia rodoviária fe<strong>de</strong>ral;III - polícia ferroviária fe<strong>de</strong>ral;48 CINTRA, Antônio Carlos <strong>de</strong> Araújo, GRINOVER, Ada Pelegrini, DINAMARCO, CândidoR. Teoria Geral do Processo. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 189.


49IV - polícias civis;V - polícias militares e corpos <strong>de</strong> bombeirosmilitares.O papel do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> no controle externo da ativida<strong>de</strong>policial, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa dimensão hermenêutica ampla po<strong>de</strong>ria se situarnão somente na omissão que traga prejuízo à qualida<strong>de</strong> da propositurada persecução criminal, mas, num sentido positivo, também para agarantia do pleno exercício dos órgãos policiais, inclusive utilizando-se<strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> postulatória para a efetivação <strong>de</strong>ssas garantias.O controle externo da ativida<strong>de</strong> policial é reconhecido comoamplo e complexo por Costa 49 , que, <strong>em</strong> artigo sobre o controle externoda ativida<strong>de</strong> policial militar constata que o Inquérito Policial Militarpara as Polícias Militares não é ativida<strong>de</strong>-fim, mas ativida<strong>de</strong>-meio,e que, portanto, o controle <strong>de</strong>veria ser exercido <strong>em</strong> sua ativida<strong>de</strong>fimconstitucional, que é a preservação da ord<strong>em</strong> pública, a teor doparágrafo 5 o , do artigo 144 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.Costa 50 também reconhece “que o controle externo da ativida<strong>de</strong>policial militar se reveste <strong>de</strong> peculiarida<strong>de</strong>s a exigir um equacionamentoespecífico”, que residiria justamente na expressão ord<strong>em</strong>pública, atribuindo a este vetor relevante uma flui<strong>de</strong>z e imprecisãoterminológica que permit<strong>em</strong> a violação dos direitos humanos pelosagentes <strong>de</strong> segurança, por fim aduzindo que[...] a <strong>de</strong>limitação conceitual do princípio conceitualda ord<strong>em</strong> pública po<strong>de</strong>rá servir como novoparadigma para a formação educacional e atuaçãoprofissional das polícias militares; propiciando,outrossim, maior objetivida<strong>de</strong> do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,no exercício do controle externo da ativida<strong>de</strong>policial militar, tendo por meta a preservação dosdireitos e garantias individuais e coletivos, tal qualpreceituados na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.49 COSTA, Luiz Henrique Manoel da. Introdução ao Estudo do Controle Externo daAtivida<strong>de</strong> Policial Militar. Revista dos Tribunais, v. 756. São Paulo: Editora Revistados Tribunais, 1998, pp. 457-45850 COSTA, op. cit. pp. 460-461.


50No entanto essa concepção se mostra equivocada, primeiro porquea expressão “ord<strong>em</strong> pública” já se encontra <strong>de</strong>finida no Decreto88.777, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1983, <strong>em</strong> seu artigo 2 o , 21), como sendoConjunto <strong>de</strong> regras formais que <strong>em</strong>anam do or<strong>de</strong>namentojurídico da nação, tendo por escoporegular as relações sociais <strong>de</strong> todos os níveis, dointeresse público, estabelecendo um clima <strong>de</strong> convivênciaharmoniosa e pacífica, fiscalizada pelopo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia, e constituindo uma situação oucondição que conduz ao b<strong>em</strong> comum. 51Segundo porque mesmo esta conceituação legal não se apresentasuficiente para <strong>de</strong>limitar a expressão “ord<strong>em</strong> pública”, como já visto,<strong>em</strong> face das atribuições policiais, <strong>em</strong> especial da Polícia Militar.Essa perspectiva <strong>de</strong> atuação do controle externo da ativida<strong>de</strong>policial militar <strong>de</strong>ve se encetar principalmente no modo positivo,qual seja, no sentido <strong>de</strong> exigir que os órgãos públicos, que <strong>de</strong> algumaforma interfer<strong>em</strong> na ord<strong>em</strong> pública, cri<strong>em</strong> mecanismos <strong>de</strong> interferênciado órgão policial militar nos aspectos que diz<strong>em</strong> respeito àpreservação da ord<strong>em</strong> pública.Em todo nosso sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> lei e governo, as maioresconcentrações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r discricionário <strong>de</strong>snecessáriosobre as partes individuais não estão nas agênciasreguladoras, mas na polícia e nos promotores. Infelizmente,nossas tradicionais classificações legais– ‘lei administrativa’, ‘processo administrativo’ e‘agências administrativas’ – excluíram a polícia e ospromotores. Uma terminologia assim não é importante,mas carrega consigo o fracasso <strong>de</strong> transferir oknow-how <strong>de</strong> agências avançadas, tais como agênciasreguladoras fe<strong>de</strong>rais, para agências atrasadas comoos <strong>de</strong>partamentos <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong> nossas cida<strong>de</strong>s. Eupenso que tanto a polícia quanto aos promotores,fe<strong>de</strong>rais e também estaduais e locais, <strong>de</strong>veriam ser51 NETO, Diogo <strong>de</strong> Figueiredo Moreira. Direito Administrativo da Segurança Pública.Direito Administrativo da Ord<strong>em</strong> Pública. 3. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1998, p. 80.


51governados pelos muitos princípios criados por nossasmelhores agências administrativas e para elas.A polícia está entre os mais importantes criadores<strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> toda nossa socieda<strong>de</strong>. E, <strong>em</strong> casosindividuais, ela faz muito mais <strong>de</strong>terminações <strong>de</strong>po<strong>de</strong>res discricionários do que qualquer outraclasse <strong>de</strong> administradores, e não conheço nenhumsegundo colocado próximo. Comparar as <strong>de</strong>cisõespoliciais com as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> agências reguladores étão confuso quanto comparar um assassinato comum milhão <strong>de</strong> dólares, mas a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>governamental através da polícia, medidapor horas <strong>de</strong> trabalho, é mais <strong>de</strong> quarenta vezesmaior que a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> governamentaisatravés <strong>de</strong> todas as sete agências reguladorasfe<strong>de</strong>rais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. Essas agências, juntas, têmcerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil <strong>em</strong>pregados, mas a nação t<strong>em</strong>cerca <strong>de</strong> 420 mil policiais, excluindo <strong>de</strong>sse númeroo pessoal <strong>de</strong> apoio nos <strong>de</strong>partamentos. 52Esse controle po<strong>de</strong>ria se estabelecer por meio da capacida<strong>de</strong> postulatóriacolocada à disposição do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> no seu campo <strong>de</strong>atuação dos interesses difusos e coletivos, pois <strong>em</strong> assim sendo a PolíciaMilitar po<strong>de</strong>ria se tornar um importante indutor <strong>de</strong> políticas públicas.As barreiras que tradicionalmente isolavam apolícia do restante da administração são gradativamentesuperadas: a polícia passa a dispor <strong>de</strong>competências e recursos não-penais para o exercício<strong>de</strong> suas funções e a ter voz na discussão <strong>de</strong>políticas públicas com reflexo direto ou indiretosobre a sua esfera <strong>de</strong> ação, como alterações <strong>de</strong>normas <strong>de</strong> zoneamento, construção <strong>de</strong> um conjuntohabitacional ou alteração dos horários <strong>de</strong>funcionamento <strong>de</strong> um parque. O objetivo é a maiorsincronia entre as ações policiais e as d<strong>em</strong>ais ações52 DAVIS, Keneth Culp apud GOLDSTEIN, Herman. Policiando uma socieda<strong>de</strong> livre.Tradução <strong>de</strong> Marcello Rol<strong>em</strong>berg. São Paulo: EDUSP, 2003, pp. 155-156.


52governamentais <strong>em</strong> perspectiva <strong>de</strong> tratamentopreventivo dos probl<strong>em</strong>as. 53Esse redirecionamento da ativida<strong>de</strong> policial para questões nãocriminais 54 potencializaria muito sua atuação no âmbito da ord<strong>em</strong> pública,no qual o probl<strong>em</strong>a da criminalida<strong>de</strong> se encerra e possibilitaria oajuntamento <strong>de</strong> outras agências nesta tarefa por d<strong>em</strong>asiada complexa,pois “a manutenção da tranqüilida<strong>de</strong> e da paz pública, a prevençãoou a dissuasão das ativida<strong>de</strong>s criminosas <strong>de</strong>pend<strong>em</strong> <strong>de</strong> múltiplosfatores sobre os quais a polícia não t<strong>em</strong> muito domínio” 55 .O redirecionamento para a ord<strong>em</strong> pública implicaria numa atuaçãopolicial militar fundamentalmente focada no Município, passandoa exercer a Polícia Administrativa também no âmbito da legislaçãomunicipal, s<strong>em</strong> se <strong>de</strong>scuidar <strong>de</strong> eventual legislação estadual.A polícia administrativa, porém, é b<strong>em</strong> mais ampla,pois t<strong>em</strong> por objeto não só a prevenção do ilícitopenal, cabendo-lhe também a prevenção e a própriarepressão administrativa <strong>de</strong> toda uma gama <strong>de</strong> outrosilícitos não penais, como os <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong> trânsito<strong>de</strong> veículos terrestres ou moto-aquáticos, os <strong>de</strong> políciadas construções, os <strong>de</strong> polícia aduaneira, os <strong>de</strong> políciafiscal, os <strong>de</strong> polícia do meio ambiente, os <strong>de</strong> políciasanitária, etc., enfim conforme a ativida<strong>de</strong> policiadaesteja sujeita à disciplina das leis respectivas (todavez que uma lei impõe uma <strong>de</strong>terminada restriçãoao administrado, ela conce<strong>de</strong> o correspon<strong>de</strong>ntepo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia à Administração Pública para possibilitara concretização da restrição). 56O Município se caracteriza por ser o espaço <strong>de</strong> transformação social,mesmo <strong>em</strong> relação a probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> natureza criminal. Muito se po<strong>de</strong>fazer por intermédio da atuação da Polícia Militar no campo da ord<strong>em</strong>pública municipal e ensejar reflexos na prevenção da criminalida<strong>de</strong>.53 DIAS NETO, Theodomiro. Segurança urbana: o mo<strong>de</strong>lo da nova prevenção. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 115.54 Para uma compreensão do papel negativo do sist<strong>em</strong>a penal ver ANDRADE, Vera ReginaPereira <strong>de</strong>. Sist<strong>em</strong>a penal máximo x cidadania mínima: código <strong>de</strong> violência na erada globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.55 MONET, op. cit., p. 130.


53[...] por ser o espaço on<strong>de</strong> os probl<strong>em</strong>as se manifestam<strong>de</strong> forma mais direta na vida das pessoas, adimensão local po<strong>de</strong> ser ponto <strong>de</strong> partida para mobilizaçõespolíticas <strong>de</strong> base visando ao tratamento dasconseqüências sociais <strong>de</strong>stes probl<strong>em</strong>as. Este processo<strong>de</strong> valorização do espaço político local é bastanteperceptível no campo da prevenção criminal. 57O trabalho da Polícia Militar na preservação da ord<strong>em</strong> pública<strong>em</strong> toda a sua dimensão, possibilitado por uma atuação efetivaneste sentido por parte do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, que atuaria por meio<strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong> postulatória <strong>de</strong> maneira a exigir dos Po<strong>de</strong>resExecutivos Estaduais e Municipais a promulgação dos instrumentoslegais necessários a realização do encargo constitucional da PolíciaMilitar, <strong>de</strong> maneira também a ampliar as possibilida<strong>de</strong>s da atuaçãopolicial não mais limitada a concepção <strong>de</strong> “espantalho” apregoadapor Robert Peel <strong>em</strong> 1929. 58Assim, numa análise multidisciplinar e muito mais aberta quea utilizada tradicionalmente pela polícia, se chegaria conclusão hojelargamente aceita, mas pouco levada a efeito pelos administradores,<strong>de</strong> que a resposta ao fenômeno da criminalida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> ser somenterepressivo, mas que <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar um maior número <strong>de</strong> variáveisvinculadas a probl<strong>em</strong>ática da ord<strong>em</strong> pública local (prevenção,solidarieda<strong>de</strong>, reinserção social, etc.) Nesse prisma não é estranhoque surjam questões que ainda são pouco levadas <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração,tais como proximida<strong>de</strong> da polícia com o cidadão, maior coor<strong>de</strong>naçãoentre os vários órgãos Municipais e Estaduais com a Polícia Militar eo próprio <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, promover processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralizaçãonecessários a preservação da ord<strong>em</strong> pública local e, mais objetivamente,aumentar a competência e a responsabilida<strong>de</strong> dos municípiosna questão da segurança pública e da própria ord<strong>em</strong> pública. 5956 LAZZARINI, op. cit., p. 85.57 DIAS NETO, op. cit., p. 132.58 “A concepção original <strong>de</strong> Peel era <strong>de</strong> que a polícia po<strong>de</strong>ria evitar o crime com umapatrulha uniformizada regular, que dissuadisse os possíveis <strong>de</strong>linquentes com suas intervençõesreais ou esperadas – uma função <strong>de</strong> ‘espantalho’.” BRODEUR, Jean-Paul. ComoReconhecer um Bom Policiamento. Tradução Ana Luísa Amêndola Pinheiro.59 COUSSELO, Gonzalo Jar. Mo<strong>de</strong>los Comparados <strong>de</strong> Polícia. Madrid: Editorial Dikinson,2000, p. 29. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 91.


546. ConclusãoO controle externo da ativida<strong>de</strong> policial por parte do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> prescrito no art. 129, VII da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>veser direcionado para todas as agências policiais e para todas as suamodalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atuação, não se limitando à esfera da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>polícia judiciária, ou mais especificamente, no levantamento <strong>de</strong> provaspara instruir a propositora ou não da ação penal.Esse controle não <strong>de</strong>ve se limitar ao campo criminal, mas, sobretudo,<strong>de</strong>ve ampliar o campo administrativo das agências policiais,no que se refere as suas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> controle na socieda<strong>de</strong>.Especificamente à Polícia Militar, seu campo amplo e complexo<strong>de</strong> atuação exige uma postura por parte do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>positiva, particularmente no que se refere ao controle externo daativida<strong>de</strong> policial militar.Essa postura, que se daria no âmbito da proteção dos direitosdifusos e coletivos e por meio da capacida<strong>de</strong> postulatória do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, possibilitaria a criação das condições necessárias ao<strong>de</strong>senvolvimento da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia ostensiva exercida pelainstituição militar estadual, para que ela possa alcançar o <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ratoestabelecido pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral e reclamado no âmbito daefetiva atuação administrativa <strong>de</strong> preservação da ord<strong>em</strong> pública,com efeito direto na segurança pública.Para tanto, é condição a formação <strong>de</strong> um saber policial por partedas agências policiais, b<strong>em</strong> como por juristas e socieda<strong>de</strong>, para que todos,no sentido do mandamento constitucional, possam construir umaord<strong>em</strong> pública positiva possível fora do siste ma penal, especialmenteno âmbito da Polícia Administrativa da Ord<strong>em</strong> Pública no Município,tal como ocorre hoje com o Corpo <strong>de</strong> Bombeiros Militar, <strong>em</strong> que suaatuação administrativa é garantida por uma série <strong>de</strong> leis municipais que,por ex<strong>em</strong>plo, imped<strong>em</strong> a concessão do habite-se ou mesmo a realização<strong>de</strong> espetáculos s<strong>em</strong> prévia análise da instituição militar estadual.


Assunto especial: controle externo da ativida<strong>de</strong> policialpelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>55O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e oControle Externo da Ativida<strong>de</strong> PolicialPaulo Antonio LocatelliPromotor <strong>de</strong> Justiça - SC1 IntroduçãoA Constituição da República <strong>de</strong> 1988, conhecida como ConstituiçãoCidadã, estabelece diversos sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> controle, os quaisvisam ao equilíbrio entre os Po<strong>de</strong>res do Estado, sendo a socieda<strong>de</strong> amaior beneficiada pela eficácia <strong>de</strong>sses sist<strong>em</strong>as. O Controle Externoda Ativida<strong>de</strong> Policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> integra essa diretriz<strong>de</strong> freios e contrapesos, característica do Estado D<strong>em</strong>ocrático <strong>de</strong> Direito,<strong>em</strong> que os Po<strong>de</strong>res e instituições públicas são in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntese harmônicos entre si, no entanto, são controlados externamente <strong>de</strong>forma recíproca.Neste sentido se manifesta Hugo Nigro Mazzilli:Controles externos são s<strong>em</strong>pre salutares – o quenormalmente provoca mais polêmica é a forma <strong>de</strong>exercitar esse controle. O controle externo faz parteAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 55 a 65


56da própria harmonia dos Po<strong>de</strong>res, inserindo-se nosist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> freios e contrapesos. 1O controle exercido pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> é previsto naConstituição Fe<strong>de</strong>ral (art 129, VII), todavia, a tutela da legalida<strong>de</strong>pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> não é originária da Constituição <strong>de</strong> 1988,mas intrínseca às funções ministeriais <strong>de</strong> titular da ação penal e <strong>de</strong><strong>de</strong>fensor da socieda<strong>de</strong>.A Lei Compl<strong>em</strong>entar 75/93, Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>da União, disciplinou o exercício do controle externo da ativida<strong>de</strong>policial pelo Parquet Fe<strong>de</strong>ral, na forma <strong>de</strong> seus artigos 9 o e 10 o .Por sua vez, a Lei Orgânica Nacional do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> dosEstados (Lei 8.625/93) não cita explicitamente o referido controle externo,porém, aborda o assunto <strong>de</strong> forma indireta e aplica subsidiariamenteas normas da Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> da União.Diante do disposto no art. 128, § 5 o da Carta Magna, Lei Compl<strong>em</strong>entar<strong>de</strong> iniciativa do Procurador-Geral do respectivo Estado,estabelecerá a organização e as atribuições do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong><strong>de</strong> sua competência. A Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong><strong>Catarina</strong> (Lei Compl<strong>em</strong>entar 197/2000), regulamenta, <strong>em</strong> seu art. 82,XVII, o exercício do controle externo da ativida<strong>de</strong> policial, civil oumilitar, por meio <strong>de</strong> medidas administrativas e judiciais, elencandoos princípios que <strong>de</strong>verão servir <strong>de</strong> vértice para essa atuação.Vale consignar que as diretrizes contidas na Lei Estadual constitu<strong>em</strong>-se<strong>em</strong> um marco às funções do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, uma vezque garante <strong>em</strong> lei, princípios funcionais que <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioriasão previstos nos d<strong>em</strong>ais <strong>Ministério</strong>s <strong>Público</strong>s do País tão somente<strong>em</strong> atos internos.2 HistóricoNa maior parte dos países latino-americanos e europeus vigorao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instrução, no qual o contraditório é a todo1 MAZZILI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. São Paulo: Saraiva,1993.


t<strong>em</strong>po observado, sendo que a polícia judiciária é subordinada ao<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. A estrutura penal brasileira utiliza o sist<strong>em</strong>a daduplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instrução, <strong>em</strong> que a persecução penal é <strong>de</strong>senvolvida<strong>em</strong> duas partes: uma inquisitória e outra contraditória.Na maioria dos países da América Latina, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>comanda as ativida<strong>de</strong>s da polícia judiciária, o que também ocorre<strong>em</strong> alguns países europeus como França, Itália, Espanha e Portugal.Nesses países, a polícia judiciária foi colocada sob a autorida<strong>de</strong> ecomando imediato do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. O México também a<strong>de</strong>riua esse sist<strong>em</strong>a, conforme o art. 21 expresso <strong>em</strong> sua Constituição.Nos Estados Unidos da América do Norte, os promotorescriminais adotam posição extr<strong>em</strong>a <strong>de</strong> adversida<strong>de</strong> ao réu, sendo apolícia juridicamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.No Peru, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> é autônomo e hierarquicamenteorganizado, sendo uma <strong>de</strong> suas funções vigiar e intervir na investigaçãodo <strong>de</strong>lito <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a etapa policial e promover a ação penal <strong>de</strong>ofício ou a pedido da parte, sendo-lhe permitido realizar investigaçõesautônomas.573 Os Contornos do Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> PolicialExiste uma resistência, muitas vezes velada, <strong>de</strong> se aceitar ocontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial, pois, apesar <strong>de</strong> ser uma <strong>de</strong>terminaçãolegal a presença do Promotor <strong>de</strong> Justiça na Delegacia,acaba sendo consi<strong>de</strong>rada uma intromissão pela polícia judiciária.Não há hierarquia <strong>de</strong> cargos, mas é inegável que sendo externo<strong>de</strong>ixa transparecer certa interferência, <strong>em</strong>bora legal, e somente como trato fidalgo, com a <strong>de</strong>vida reciprocida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>-se diminuir estaoposição.O controle externo da ativida<strong>de</strong> policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>não significa a subordinação da polícia judiciária ao Parquet, n<strong>em</strong>d<strong>em</strong>onstra a superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste sobre aquela. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong><strong>de</strong>ve ater-se às ativida<strong>de</strong>s-fim da polícia judiciária, não a<strong>de</strong>ntrandono controle interno da instituição.


58Nesse quadro normativo, cabe ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> o ônus <strong>de</strong>tutelar a socieda<strong>de</strong>, cumprindo, <strong>de</strong>ssa forma, sua função <strong>de</strong> fiscal dalei, na tentativa <strong>de</strong> prevenir e reprimir a criminalida<strong>de</strong>, um anseioda socieda<strong>de</strong>, assegurado a todos pela Constituição.Para o melhor <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>de</strong>sse mister, há a d<strong>em</strong>anda <strong>de</strong> umamaior regulamentação da ativida<strong>de</strong> atribuída ao Promotor <strong>de</strong> Justiçada área do Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial, estabelecendo aforma <strong>de</strong> operacionalização.Os Estados brasileiros visando à operacionalização do ControleExterno da Ativida<strong>de</strong> Policial, cada um à sua maneira, iniciaram aregulamentação <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r. Por meio <strong>de</strong> Leis Compl<strong>em</strong>entares ouAtos, estabeleceram o modo <strong>de</strong> operacionalização e os limites <strong>de</strong>ssecontrole.No Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, a maioria das Promotorias <strong>de</strong>Justiça ainda não possui a atribuição expressa <strong>de</strong>sse controle <strong>de</strong>finida.Seria necessário, para o bom andamento, que o Controle Externo daAtivida<strong>de</strong> Policial fosse incluído <strong>de</strong>ntre as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas.Essa inclusão dar-se-ia por ato da Administração Superior, conferindoa uma Promotoria <strong>em</strong> específico, ou a todas aquelas que naComarca possu<strong>em</strong> atribuição na área criminal, a função <strong>de</strong> controleexterno. Assim, por ex<strong>em</strong>plo, uma Comarca com cinco Promotores<strong>de</strong> Justiça atuando na área criminal, como júri, juizados especiaiscriminais e crimes comuns, todos <strong>de</strong> forma concorrente e disjuntiva,estariam legitimados a exercer os atos <strong>de</strong> controle.Impõe-se, obviamente, a sist<strong>em</strong>atização da atuação, com aindicação do coor<strong>de</strong>nador, <strong>de</strong>ntre os Promotores <strong>de</strong> Justiça legitimados,que gerenciará a operacionalização dos atos <strong>de</strong> controle externoordinário e difuso.Para edificar-se <strong>de</strong> forma sólida e contun<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>ve o solo aser construído o conceito da operacionalização do controle ser firme,inatingível <strong>de</strong> sofrer erosão. Deve o Promotor atuante não ce<strong>de</strong>r at<strong>em</strong>erida<strong>de</strong> do confronto, pois o ódio irracional e a incompreensão<strong>de</strong> certos segmentos policiais não <strong>de</strong>verão servir <strong>de</strong> <strong>em</strong>pecilho e<strong>de</strong>verão ser prontamente repelidos.Para isso, impõe-se uma construção gradual, ininterrupta e


duradoura do controle externo da ativida<strong>de</strong> policial. Superar obstáculos,dissipar preconceitos, inibir a possível aversão causada pelafunção, além <strong>de</strong> incitar o conhecimento interno da polícia tambémé prioritário. N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre o exercício do controle externo será compatívelcom a expectativa advinda da consciência do Promotor <strong>de</strong>Justiça, gerada por sua própria convicção e fomentada pela instituição.É preciso compreen<strong>de</strong>r que o controle externo sofre limitações.A restrição advém do inconformismo <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> é controlado, numhistórico <strong>de</strong> omissão do exercício <strong>de</strong>ssa função principalmente pelocritério estrutural e orçamentário. As corporações tend<strong>em</strong> a se unir,impedindo a fiscalização e muitas vezes, infelizmente, agentes sãoacobertados sob o manto das instituições, quando na realida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veriamter sua postura corrigida.594 Operacionalização do Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> PolicialDentre os diversos mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> controle existentes noPaís, <strong>em</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> melhor se portaria e atingiria os fins almejadoscom a segurança e êxito que a matéria exige, a indicação <strong>de</strong>um coor<strong>de</strong>nador entre os Promotores legitimados a agir no âmbitoda Comarca.Assim, incumbirá ao coor<strong>de</strong>nador do grupo local, quando mais<strong>de</strong> um Promotor <strong>de</strong> Justiça atuante, <strong>de</strong>finir os locais que se realizarãoos atos <strong>de</strong> controle, responsabilizando-se pelo <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho dasatribuições inerentes à função. Capilarizar a atribuição <strong>de</strong> controleexterno redundará na menor exposição pessoal dos promotoresatuantes. A atuação do grupo homogêneo atenuará os <strong>de</strong>sgastesadvindos com o <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho do encargo.Analisando o tratamento <strong>de</strong>stinado pelos diversos <strong>Ministério</strong>s<strong>Público</strong>s do País, verificamos que o controle externo compreen<strong>de</strong>a ativida<strong>de</strong> da Polícia Civil e Militar, s<strong>em</strong>pre que no exercício domúnus <strong>de</strong> polícia judiciária, com fins <strong>de</strong> persecução penal, abrangetambém, a fiscalização quanto às ilegalida<strong>de</strong>s ou abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rcometidos pela autorida<strong>de</strong> policial ou seus agentes.O controle também <strong>de</strong>verá ser exercido <strong>em</strong> relação aos agentes


60prisionais ou policiais que fiscalizam presos provisórios <strong>em</strong> <strong>de</strong>legaciase ca<strong>de</strong>ias públicas. Como essa segregação t<strong>em</strong> por fim garantir a ord<strong>em</strong>pública, a segurança da socieda<strong>de</strong> e permitir a instrução do ca<strong>de</strong>rnoindiciário e do processo crime, ou seja, está ligada diretamente a atos <strong>de</strong>investigação e do processo, merece fiscalização por atos <strong>de</strong> controle.O controle não <strong>de</strong>ve abranger a ativida<strong>de</strong> policial referente à funçãoadministrativa <strong>de</strong>senvolvida por autorida<strong>de</strong> ou agente, envolvendoaspectos funcionais ou disciplinares, os quais estão sujeitos à fiscalizaçãohierárquica e po<strong>de</strong>r correcional por parte dos órgãos e autorida<strong>de</strong>s dopróprio organismo policial. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong>ve, contudo, requisitar,com base no art. 82 da Lei Compl<strong>em</strong>entar 197/2000, a instauração<strong>de</strong> procedimento administrativo junto ao órgão competente, s<strong>em</strong>pre queconstatadas irregularida<strong>de</strong>s, indicando o responsável.Não se cogita a ingerência do promotor sobre questões <strong>de</strong> aspectoseconômicos e <strong>de</strong> ord<strong>em</strong> interna das polícias, como também se<strong>de</strong>ve respeitar o estilo próprio da autorida<strong>de</strong> policial <strong>em</strong> conduzir asinvestigações e dirimir os conflitos, cuidando s<strong>em</strong>pre <strong>de</strong> velar pelofiel cumprimento das normas legais.Ao iniciar os trabalhos <strong>de</strong> controle externo, <strong>de</strong>ve o Promotor,buscar informações, visando conhecer a situação da ativida<strong>de</strong> e daestrutura policial na Comarca. A visita constitui-se <strong>em</strong> uma importanteação inicial a ser adotada permitindo conhecer a realida<strong>de</strong>local, com a cautela <strong>de</strong> não a<strong>de</strong>ntrar na seara administrativa ou <strong>de</strong>correição interna da Polícia Civil ou Militar.O Promotor <strong>de</strong> Justiça, no cumprimento da atribuição <strong>de</strong>controle externo da ativida<strong>de</strong> policial, <strong>de</strong>ve conferir os boletins <strong>de</strong>ocorrência e o seu <strong>de</strong>vido arquivamento na secretaria da Delegacia.Deverá o Promotor <strong>de</strong> Justiça verificar o <strong>de</strong>spacho do Delegado <strong>de</strong>Polícia e o seu cumprimento, como também conferir as guias <strong>de</strong> encaminhamento<strong>de</strong> entorpecente para perícia ou incineração e guias<strong>de</strong> encaminhamento <strong>de</strong> armas apreendidas.O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> atua como fiscal da lei, sendo o titular daação penal. Neste contexto, o Promotor <strong>de</strong> Justiça, visando à tutelada legalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve acompanhar, quando necessário ou solicitado,a condução da investigação policial civil ou militar. Aplicando as


medidas cabíveis, requisitando à autorida<strong>de</strong> competente a adoção<strong>de</strong> providências que vis<strong>em</strong> sanar as omissões in<strong>de</strong>vidas, fatos ilícitospenais ocorridos no exercício da ativida<strong>de</strong> policial, como tambémprevenir ou corrigir ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.A ata servirá ao Órgão do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> como m<strong>em</strong>óriado controle externo, <strong>de</strong>vendo conter anexos e as providências requisitadas,servindo <strong>de</strong> base para a próxima visita. Caso for constatado,na nova visita, que as requisições não foram atendidas, sopesadasas alegações e razões do não atendimento, <strong>de</strong>verão ser alvo das providênciascabíveis na seara extrajudicial, e no âmbito civil e penal.Enten<strong>de</strong>ndo razoáveis as alegações que impediram o atendimentoda requisição, o Promotor requisitará novamente, estabelecendo umnovo prazo, s<strong>em</strong> prejuízo <strong>de</strong> eventual comunicação à Corregedoria-Geral <strong>de</strong> Polícia quando cabível.Por outro lado, percebe-se que a falta <strong>de</strong> um controle administrativointerno mais eficiente nas Delegacias <strong>de</strong> Polícia dificulta oconhecimento da situação fática e o efetivo controle. Verifica-se queinexiste no momento por parte da Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> SegurançaPública e Defesa do Cidadão do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, comotambém pela Corregedoria e Chefia da Polícia Civil, normatização<strong>de</strong>terminando quais os registros que <strong>de</strong>verão existir junto às Delegacias.Assim, torna-se necessária, urgent<strong>em</strong>ente, a criação dos livrosou banco <strong>de</strong> dados próprios, otimizando e gerenciando com melhorqualida<strong>de</strong> o trabalho policial.O regramento s<strong>em</strong> dúvida traria reflexo na eficácia do ControleExterno da Ativida<strong>de</strong> Policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> catarinense. Acriação <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a normativo <strong>de</strong> controle interno das <strong>de</strong>legacias<strong>de</strong> polícia <strong>de</strong>verá incluir livro <strong>de</strong> instauração, distribuição e r<strong>em</strong>essa;livro <strong>de</strong> registro, distribuição <strong>de</strong> requisições ministeriais e judiciais e<strong>de</strong> procedimentos; livro <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> cartas precatórias expedidase recebidas; livro <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> procedimentos cautelares propostosperante a justiça (escutas ambientais, interceptações telefônicas, seqüestro<strong>de</strong> bens, quebra <strong>de</strong> sigilo, mandados <strong>de</strong> busca e apreensão,prisões); livro <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> material e objetos apreendidos ou arrecadados;livro <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> fianças arbitradas; pasta <strong>de</strong> B.O.; pasta<strong>de</strong> comunicações <strong>de</strong> prisões <strong>em</strong> flagrante ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, Po<strong>de</strong>r61


62Judiciário, familiares ou pessoas indicadas, entre outros.Vale frisar que o controle po<strong>de</strong>rá ser exercido também no âmbitocível, inclusive atraindo o inquérito civil e ação civil pública da áreada moralida<strong>de</strong> administrativa sobre atos praticados por policiais civise militares quando suas atuações refletir<strong>em</strong> na persecução penal.A instauração <strong>de</strong> procedimentos administrativos preliminaresou inquéritos civis <strong>de</strong>ve ocorrer para a investigação <strong>de</strong> casos concretos,na maioria das vezes oriundos das próprias inspeções in locoou representações enviadas ao Promotor, quando então po<strong>de</strong>rãoser expedidas recomendações e requisições para a a<strong>de</strong>quação dasirregularida<strong>de</strong>s encontradas.Visando b<strong>em</strong> aten<strong>de</strong>r esse múnus, torna-se, pois, imprescindívela edição <strong>de</strong> ato normativo, elaborado conjuntamente entrePGJ/CGMP e CPJ, instituindo no âmbito das Promotorias <strong>de</strong> Justiçacom atuação na área criminal e conseqüent<strong>em</strong>ente atuando no ControleExterno da Ativida<strong>de</strong> Policial, a forma <strong>de</strong> operacionalização eos limites <strong>de</strong>ssa função. Disciplinando, por ex<strong>em</strong>plo, que <strong>em</strong> cadaComarca os Promotores <strong>de</strong> Justiça com atribuição Criminal exercerão<strong>em</strong> conjunto, ou isoladamente, no caso <strong>de</strong> comarcas iniciais, oControle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial.Para garantir eficiência e segurança ao <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho da função,seria conveniente adotar como plano institucional, que <strong>em</strong> casosexcepcionais, quando solicitado pelos Promotores <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadaComarca, visando evitar exposição pessoal e objetivandoaten<strong>de</strong>r as peculiarida<strong>de</strong>s regionais, o Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça<strong>de</strong>signasse Promotores <strong>de</strong> Justiça <strong>em</strong> número necessário para aten<strong>de</strong>ra d<strong>em</strong>anda imposta, optando por aqueles com s<strong>em</strong>elhante atribuiçãonas suas Comarcas <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>, preferencialmente circunvizinha, <strong>de</strong>forma a integrar o Grupo <strong>de</strong> Atuação Especial do Controle Externoda Ativida<strong>de</strong> Policial, <strong>em</strong> caráter não permanente, que atuará juntamentecom os Promotores da Comarca e com o apoio do Centro <strong>de</strong>Apoio Operacional Criminal (CCR) e Centro <strong>de</strong> Apoio Operacional<strong>de</strong> Investigações Especiais (CIE).Os Promotores <strong>de</strong> Justiça criminais que atuam na Comarca,como já mencionado, indicarão o coor<strong>de</strong>nador para oficiar nas re-


presentações apresentadas por pessoas ou entida<strong>de</strong>s. Os Promotores<strong>de</strong>verão atuar nos procedimentos administrativos criminais queiniciar<strong>em</strong> e nas ações penais resultantes <strong>de</strong>stes procedimentos, relativosa irregularida<strong>de</strong>s ou infrações penais praticadas no exercício daativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária, cabendo-lhes, inclusive, acompanharas audiências judiciais e prosseguir nos respectivos feitos até <strong>de</strong>cisãofinal, valorizando e impondo a co-legitimida<strong>de</strong> para atuar.Convém ainda que o Promotor <strong>de</strong> Justiça indicado como coor<strong>de</strong>nadorou o Promotor <strong>de</strong> Justiça com atribuição na área criminalquando for o único na Comarca, ou ainda, os integrantes do Grupo <strong>de</strong>Atuação Especial <strong>de</strong> Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial, <strong>de</strong>verãoaten<strong>de</strong>r ao público e receber representação ou petição, <strong>de</strong> pessoa ouentida<strong>de</strong>, relacionada a irregularida<strong>de</strong>s ou infrações penais praticadaspela polícia judiciária no exercício <strong>de</strong> suas funções.As ativida<strong>de</strong>s funcionais dos Promotores <strong>de</strong> Justiça com atribuiçãocriminal própria na Comarca ou integrantes do Grupo <strong>de</strong> AtuaçãoEspecial <strong>de</strong> Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial <strong>de</strong>verão abrangerigualmente a apuração e repressão dos <strong>de</strong>litos que se tornar<strong>em</strong>conhecidos no <strong>de</strong>correr das investigações <strong>de</strong>correntes do controleexterno. No exercício <strong>de</strong> suas atribuições, os Promotores <strong>de</strong> Justiçapo<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>cretar, fundamentadamente, o sigilo dos procedimentosadministrativos que instaurar<strong>em</strong>, como também, acompanhar assindicâncias instauradas pelo Corregedor Geral da Polícia Civil.Recebida a notícia <strong>de</strong> infração penal praticada no exercício daativida<strong>de</strong> policial, exceto ativida<strong>de</strong> administrativa não relacionadacom a investigação, os Promotores <strong>de</strong> Justiça com atribuição na área,<strong>de</strong>v<strong>em</strong> cuidar <strong>de</strong> sua formalização, <strong>de</strong>cidindo, <strong>em</strong> seguida, <strong>de</strong> formafundamentada, acerca <strong>de</strong> seu eventual arquivamento, <strong>de</strong> instauração<strong>de</strong> procedimento administrativo ou <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> inquérito policiale, sendo o caso, dar o <strong>de</strong>vido encaminhamento processual.No caso <strong>de</strong> arquivamento da notícia <strong>de</strong> infração penal, os Promotores<strong>de</strong> Justiça ou integrantes do Grupo <strong>de</strong> Atuação Especial <strong>de</strong>Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial <strong>de</strong>verão promover o arquivamentoadministrativo na Promotoria, r<strong>em</strong>etendo o procedimentoao Centro <strong>de</strong> Apoio Operacional Criminal.63


64Os Promotores po<strong>de</strong>rão instaurar procedimentos administrativosna área <strong>de</strong> sua atribuição, nos termos dos artigos 82 a 90 daLei Orgânica do MP/SC e do Ato n o 001/04/PGJ/CGMP, <strong>de</strong> 05 <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 2004, que instituiu o Procedimento Investigatório Criminal.E como já dito, invocar o sigilo.O mais importante é conscientizar que cada Promotor <strong>de</strong> Justiçarealize <strong>em</strong> sua respectiva Comarca, ou o Grupo Especial quandocriado, visitas mensais aos estabelecimentos policiais, para os finsprevistos na Lei Estadual Compl<strong>em</strong>entar n o 197/2000, verificandosea existência dos registros e a correta anotação das ocorrências eseus encaminhamentos. Esses atos <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> forma periódica esist<strong>em</strong>ática, com a elaboração da ata <strong>de</strong> visita aos estabelecimentospoliciais, a qual conterá todas as constatações e ocorrências, assimcomo eventuais <strong>de</strong>ficiências e irregularida<strong>de</strong>s, para <strong>em</strong> seguida daro <strong>de</strong>vido encaminhamento, constitu<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> passo importante paraa consolidação do Controle Externo.Ressalta-se que a atribuição <strong>de</strong> controle externo da ativida<strong>de</strong>policial militar, referente à persecução penal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a requisição atéo término da instrução do inquérito policial militar para apuração<strong>de</strong> crime militar, incube a Promotoria <strong>de</strong> Justiça com atribuiçõesda Auditoria Militar nos casos previstos <strong>em</strong> lei. Porém, acredita-seque essa atribuição possa ser exercida <strong>de</strong> forma concorrente com aPromotoria <strong>de</strong> Justiça do Controle Externo, <strong>em</strong> razão do local dofato, sendo que na fase processual as atribuições serão exclusivas doPromotor <strong>de</strong> Justiça da Auditoria Militar.5 Consi<strong>de</strong>rações FinaisDizer-se nova a função <strong>de</strong> controle externo da ativida<strong>de</strong> policialé enganoso. Contudo, incipiente é a ativida<strong>de</strong> nos mol<strong>de</strong>s <strong>em</strong> que foi<strong>de</strong>lineada e aguarda sua construção <strong>de</strong> forma uníssona quanto aosprocedimentos a ser<strong>em</strong> adotados no âmbito da instituição ministerial.O controle externo não v<strong>em</strong> produzindo os frutos esperados. Comofunção <strong>de</strong>stacada, ainda não conquistou o público a que se dirige. Porinúmeras razões, já conhecidas <strong>de</strong> todos – parcos recursos estruturais,


<strong>de</strong>fasag<strong>em</strong> <strong>de</strong> pessoal, acúmulo <strong>de</strong> atribuições - os Promotores <strong>de</strong>Justiça limitam-se a <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar o trabalho que s<strong>em</strong>pre foi feito,o que reflete nos insignificantes resultados até então obtidos. Urgesist<strong>em</strong>atizar a operação, <strong>de</strong>finir metas, capacitar os operadores ecolher resultados.Ao mesmo t<strong>em</strong>po, torna-se imperativa a construção <strong>de</strong> um conceitonovo <strong>de</strong> Promotor criminal, <strong>em</strong> que esse sinta que o seu trabalhotorna-se ainda mais importante e dignificante quando atua <strong>em</strong> açõesextrajudiciais que iniba ou diminua a prática <strong>de</strong> crimes do que propriamentequando <strong>de</strong>flagra uma ação penal. É tão salutar e eficientequando cria mecanismos para <strong>de</strong>crescer os índices <strong>de</strong> homicídios ou <strong>de</strong>outras ocorrências criminais <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminado bairro <strong>de</strong> seu município<strong>de</strong> atuação quanto atuar brilhant<strong>em</strong>ente e obter uma con<strong>de</strong>nação noTribunal do Júri. Essa é uma função histórica inerente a nossa atuação.Aquela é inabitual, insólita, que necessita nossa atenção.A recru<strong>de</strong>scência das nossas ativida<strong>de</strong>s criminais se impõe. Ocontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial é uma função que renova commaior intensida<strong>de</strong> nossas habituais atribuições e <strong>de</strong>ve ser abraçadacom clamor.Sendo o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> uma instituição que se afirma inspiradapor i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da socieda<strong>de</strong> e do regime d<strong>em</strong>ocrático,natural que assumisse o encargo <strong>de</strong> agir para que a socieda<strong>de</strong> fiqu<strong>em</strong>enos à mercê da criminalida<strong>de</strong> e dos criminosos. A assombrosaescalada avassaladora do crime impõe que o dono da ação penalabandone o medievalismo e penetre nesse novo <strong>de</strong>safio, extirpandose necessário for agentes policias nocivos ao sist<strong>em</strong>a e exigindo lisura,transparência, dinamismo e eficiência nas investigações. Estamosnum t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> tratar o crime na sua universalida<strong>de</strong>, analisando seufenômeno e trabalhar visando a sua redução.Conceber um <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> ao mesmo t<strong>em</strong>po atuante,sensível aos clamores sociais, eficaz no cumprimento do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong>exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial e compreensívelquanto às dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas pelas polícias, mas sobretudo,firme e austero na rotina <strong>de</strong> zelar pela moralida<strong>de</strong> e legalida<strong>de</strong> dosatos policiais, é o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio que <strong>em</strong>erge da nossa rotina diáriae que precisamos enfrentá-lo com disposição e galhardia.65


Assunto especial: controle externo da ativida<strong>de</strong> policialpelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>67O Controle Externo da Ativida<strong>de</strong>Policial e a Ord<strong>em</strong> EstamentalRaul Schaefer Filho 1Procurador <strong>de</strong> Justiça - SC“Por que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> resolveu exercer essa ativida<strong>de</strong>?...nós resolv<strong>em</strong>os exercer porque é nossa obrigação.E é muito simples e por vezes a gente t<strong>em</strong> que l<strong>em</strong>brarque as nossas atribuições não são simples faculda<strong>de</strong> quepod<strong>em</strong> ser ou não exercidas conforme a nossa vonta<strong>de</strong>”(Luiz Antonio Guimarães Marrey – MP/SP)Dentre as funções institucionais do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, apontoua Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 o exercício do controle externoda ativida<strong>de</strong> policial (art. 129, VII, CF) e, expressamente, disse quetal exercício será efetivado na forma da lei compl<strong>em</strong>entar da Uniãoe dos Estados que <strong>de</strong>ve estabelecer a organização, as atribuições eo estatuto da Instituição no âmbito fe<strong>de</strong>ral e estaduais (art. 128, §5 o , CF), enten<strong>de</strong>ndo Julio Fabbrini Mirabete tratar-se a disposiçãoconstitucional <strong>de</strong> norma <strong>de</strong> eficácia limitada ou reduzida,porque não t<strong>em</strong> aptidão para produzir, por simesma, todos os seus efeitos essenciais, <strong>de</strong>vendoser regulamentada por leis compl<strong>em</strong>entares. Porestas <strong>de</strong>verá ser regulada a fiscalização da polícia1 Colaboraram: Karina Hom<strong>em</strong>, Camila Helena Lazzari e Kelly Marianados Santos, Estagiárias do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 67 a 70


68judiciária, não <strong>em</strong> todas as suas ativida<strong>de</strong>s, poisnão se permite pelos dispositivos citados po<strong>de</strong>resgerais <strong>de</strong> tutela n<strong>em</strong> ascendência hierárquica oudisciplinar do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> sobre as políciascivil ou militar, mas para se prever mecanismos<strong>de</strong> controle in genere no sentido <strong>de</strong> assegurar acolheita <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos seguros, <strong>de</strong> forma lícita, paraa instauração do <strong>de</strong>vido processo legal (ProcessoPenal, Atlas, 1997).Observando o comando constitucional a Lei Compl<strong>em</strong>entar n.75/93 – Lei orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> da União, <strong>de</strong> aplicaçãosubsidiária e supl<strong>em</strong>entar às d<strong>em</strong>ais leis compl<strong>em</strong>entares estaduaisque cuidam dos estatutos do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nesse âmbito, <strong>de</strong>conformida<strong>de</strong> com a Lei n o 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>), cont<strong>em</strong>plou dispositivos pertinentes aos objetivose mecanismos ao exercício <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> custos legis, tanto por meio<strong>de</strong> medidas judiciais como extrajudiciais, repelindo, sintomaticamente,a avocatória. Seguindo, no particular, mens legislatoris adotadapelas várias comissões formadas na Constituinte <strong>de</strong> 1988.A Lei Compl<strong>em</strong>entar catarinense (n o 197, <strong>de</strong> 13.07.2000), instituidorada nossa Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, ao disciplinara ativida<strong>de</strong> do controle externo da polícia judiciária e militar (art.80, XVII), adota o instituto do avocatório (alínea “i”), rompendo osist<strong>em</strong>a d<strong>em</strong>ocrático estamental (art. 144, CF).Embora não possua a polícia <strong>de</strong> investigação a absoluta in<strong>de</strong>pendênciana apuração <strong>de</strong> crimes – vez que, <strong>em</strong> caso contrário, estarse-iamandando ao oblívio o princípio segundo o qual é o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> o dono da ação penal –, ela <strong>de</strong>tém atribuições e competênciaque <strong>de</strong>v<strong>em</strong> perfazer, no âmbito da separação dos po<strong>de</strong>res, o asseguramento<strong>de</strong> direitos fundamentais, adotados <strong>em</strong> consagração pelaCarta Magna <strong>de</strong> 1988. Não é para menos que o colega carioca LuizFabião Guasque, <strong>em</strong> elogiável trabalho publicado na Revista <strong>de</strong>Direito do Rio <strong>de</strong> Janeiro n o 3, 1996, <strong>de</strong>ixou consignado quetambém são garantias dos direitos individuais aseparação dos po<strong>de</strong>res e a <strong>de</strong>terminação precisa dasatribuições <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les e da competência <strong>de</strong>


69cada um <strong>de</strong> seus órgãos. É especialmente importanteque eles exerçam mútuo contraste e vigilância<strong>de</strong> modo que nenhum possa exorbitar s<strong>em</strong> incorrerna censura e correção <strong>de</strong> outros. Os po<strong>de</strong>res sãoin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes enquanto ag<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro da lei. Se ainfring<strong>em</strong>, subpõ<strong>em</strong>-se à ação corretiva dos outros.[...] Por isso, a expressão ‘controle externo da ativida<strong>de</strong>policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>’, não significaingerência que <strong>de</strong>termine a subordinação da políciajudiciária ao parquet. Mas sim a prática <strong>de</strong> atos administrativospelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>de</strong> forma apossibilitar a efetivida<strong>de</strong> dos direitos fundamentaisda pessoa assegurados na carta <strong>de</strong> 1988.Sinaliza na mesma direção o digno m<strong>em</strong>bro do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Fe<strong>de</strong>ral e professor da UERJ Juarez Tavares, quando alerta serinconcebível que se atribua a um órgão do Estado,qualquer que seja, inclusive ao Po<strong>de</strong>r Judiciário,po<strong>de</strong>res s<strong>em</strong> limites. A d<strong>em</strong>ocracia vale, precisamente,porque os po<strong>de</strong>res do Estado são limitados,harmônicos entre si, controlados mutuamente esubmetidos ou <strong>de</strong>vendo submeter-se à participação<strong>de</strong> todos, como exercício indispensável dacidadania (mencionado por Guilherme <strong>de</strong> SouzaNucci <strong>em</strong> seu Código <strong>de</strong> Processo Penal Comentado,RT, 2004).Na verda<strong>de</strong>, consoante o sist<strong>em</strong>a legislativo vigente, a presidênciado instrumento repositório da investigação – chamado inquéritopolicial – cabe, ainda, à autorida<strong>de</strong> policial, conquanto possa e é <strong>de</strong>rigor que o faça, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência da sua posição no processo penalbrasileiro, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> requisitar, acompanhar, orientar oudirecionar, as diligências realizadas ou por se realizar, pertinente àcolheita da prova mais esclarecedora. E por isso, por significar peça d<strong>em</strong>anejo do seu trabalho específico, não fica sujeito à subtração, máximepor órgão s<strong>em</strong> relação <strong>de</strong> hierarquia estamental. Não representa,<strong>de</strong> outro lado, tal fato, tecla <strong>de</strong> tolhimento à ativida<strong>de</strong> investigativapatrocinada pelo próprio <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, vez que a polícia não


70<strong>de</strong>tém, na hipótese, a exclusivida<strong>de</strong> da apuração <strong>de</strong> infração penal.De qualquer sorte viola, a ord<strong>em</strong> estamental d<strong>em</strong>ocrática aexpressão “avocar inquérito policial <strong>em</strong> qualquer fase <strong>de</strong> sua elaboração”,constante da alínea “i” do inciso XVII do artigo 82 da LeiCompl<strong>em</strong>entar n o 197, <strong>de</strong> 13.7.2000, do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>,que institui a Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e adota outrasprovidências, por usurpação <strong>de</strong> específica competência, exce<strong>de</strong>ndoos paradigmas do controle externo constitucionalmente atribuído ao<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> (art. 129, VII, CF).Ressente-se, entretanto, essa ativida<strong>de</strong> fiscalizadora, <strong>de</strong> maisnítidos contornos e avanços, com a obnubilação ainda impedindo o<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> assumir <strong>de</strong> vez o controle do inquérito policial.Sabe-se, todavia, que a caminho já se encontram projetos <strong>de</strong> lei.Aliás, proverbial escólio <strong>de</strong> Aury Lopes Junior (Sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong>Investigação Preliminar no Processo Penal, Lumen Juris, 2005):Oxalá!A polícia judiciária somente se justifica como órgãoauxiliar, <strong>de</strong>stinado a apoiar aqueles que representamo Estado na administração da justiça. Comotal, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, no plano funcional, dosjuízes e promotores, que não só requisitam sua intervenção,mas que também dirig<strong>em</strong> sua ativida<strong>de</strong><strong>de</strong> polícia judiciária. Não exist<strong>em</strong> motivos racionaispara <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma completa in<strong>de</strong>pendênciada polícia no <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráterjudicial, pois o fundamento da sua existência estáexatamente <strong>em</strong> atuar conforme e segundo a necessida<strong>de</strong>dos órgãos que administram a justiça.


Assunto especial: controle externo da ativida<strong>de</strong> policialpelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>71Aspectos controvertidos doControle Externo da Ativida<strong>de</strong> PolicialSandro Ricardo <strong>de</strong> SouzaPromotor <strong>de</strong> Justiça - SC1 JustificativaO controle externo da ativida<strong>de</strong> policial pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,inovação trazida pela Constituição da República <strong>de</strong> 1988, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> entãov<strong>em</strong> gerando polêmica. E esta polêmica parece ter se transformado<strong>em</strong> entrave à adoção <strong>de</strong> medidas para a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong>sta normaconstitucional, muito <strong>em</strong>bora exista regramento da matéria <strong>em</strong> nívelinfraconstitucional.Para que se alcance a plena eficácia <strong>de</strong>sta função institucional,é necessário compreendê-la corretamente, evitando-se alimentar acontrovérsia que envolve o assunto e principalmente o <strong>em</strong>bate institucional.Aliás, a expressão “controle externo”, seja qual for suanatureza, encontra forte resistência no corporativismo, que costumacensurá-la como uma in<strong>de</strong>vida intromissão na instituição.Por isso, a discussão do t<strong>em</strong>a “controle externo da ativida<strong>de</strong>policial” <strong>de</strong>ve ser estimulada, na medida <strong>em</strong> que contra-argumentose novas idéias po<strong>de</strong>rão surgir e dar vida a soluções que represent<strong>em</strong>Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 71 a 83


72o real objetivo do legislador constituinte que instituiu tal função aodominus litis.O presente texto, então, traz um ponto <strong>de</strong> vista englobandoalguns controvertidos aspectos do t<strong>em</strong>a para discussão.2 Fonte normativa, conceituação e abrangênciaO controle externo da ativida<strong>de</strong> policial é função institucionaldo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> arrolada no inciso VII, do art. 129 da Constituiçãoda República. Tal dispositivo não encontra correlato nas Constituiçõesanteriores, sendo, portanto, inovação da Carta <strong>de</strong> 1988.Diz o art. 129, da CR:Art. 129. São funções institucionais do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>:[...]VII - exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial,na forma da lei compl<strong>em</strong>entar mencionada no artigoanterior.Percebe-se, inicialmente, que não houve restrição por parte dolegislador quanto ao tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> policial a ser alvo do controleexterno pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. Também se vê que o constituintereservou a compl<strong>em</strong>entação da matéria às Leis <strong>de</strong> iniciativa dos chefesdos <strong>Ministério</strong>s <strong>Público</strong>s da União e Estados (art. 128, § 5 o , da CR).No caso específico <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, s<strong>em</strong> <strong>em</strong>bargo dos dispositivosinseridos na Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> da União(Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 75/93) e Lei Orgânica Nacional do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> (Lei n o 8.625/93), a matéria foi regulada através da Lei Compl<strong>em</strong>entarn o 197/2000 que instituiu a Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> e adotou outras providências. Dispõe oart. 82 da Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>:Art. 82. São funções institucionais do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, nos termos da legislação aplicável:[...]


73XVII - exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong>policial, civil ou militar, po<strong>de</strong>ndo, <strong>de</strong>ntre outrasmedidas administrativas e judiciais:a) ter livre ingresso <strong>em</strong> estabelecimentos policiaisou prisionais;b) ter acesso a quaisquer documentos relativos àativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária, ou requisitá-los;c) requisitar à autorida<strong>de</strong> competente a adoção <strong>de</strong>providências para sanar a omissão ou para prevenirou corrigir ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r;d) requisitar à autorida<strong>de</strong> competente a abertura<strong>de</strong> inquérito sobre a omissão ou fato ilícito ocorridosno exercício da ativida<strong>de</strong> policial, <strong>de</strong>terminandoas diligências necessárias e a forma <strong>de</strong> suarealização, po<strong>de</strong>ndo acompanhá-las e tambémproce<strong>de</strong>r diretamente a investigações, quandonecessário;e) acompanhar ativida<strong>de</strong>s investigatórias;f) recomendar à autorida<strong>de</strong> policial a observânciadas leis e princípios jurídicos;g) requisitar à autorida<strong>de</strong> competente a instauração<strong>de</strong> sindicância ou procedimento administrativocabível;h) exigir comunicação imediata sobre apreensão<strong>de</strong> adolescente;i) avocar inquérito policial <strong>em</strong> qualquer fase <strong>de</strong>sua elaboração e requisitar, a qualquer t<strong>em</strong>po, asdiligências que se fizer<strong>em</strong> necessárias;§ 1 o O controle externo da ativida<strong>de</strong> policial seráexercido tendo <strong>em</strong> vista:I - o respeito aos fundamentos do Estado D<strong>em</strong>ocrático<strong>de</strong> Direito, aos objetivos fundamentais daRepública Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, aos princípios


74informadores das relações internacionais, b<strong>em</strong>como aos direitos assegurados na ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral e na lei;II - a preservação da ord<strong>em</strong> pública, da incolumida<strong>de</strong>das pessoas e do patrimônio público;III - a prevenção e a correção <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r;IV - a indisponibilida<strong>de</strong> da persecução penal;V - a competência dos órgãos incumbidos da segurançapública;VI - outros interesses, direitos e valores relacionadosao exercício da ativida<strong>de</strong> policial.§ 2 o A prisão <strong>de</strong> qualquer pessoa, por parte <strong>de</strong>autorida<strong>de</strong> policial estadual, <strong>de</strong>verá ser comunicadaimediatamente ao m<strong>em</strong>bro do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> que tenha atribuição para apreciá-la, comindicação do lugar on<strong>de</strong> se encontra o preso e cópiados documentos comprobatórios da legalida<strong>de</strong>da prisão.§ 3 o Cabe ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> receber notícia,representação ou petição <strong>de</strong> qualquer pessoa ouentida<strong>de</strong> representativa <strong>de</strong> classe, por <strong>de</strong>srespeitoaos direitos assegurados na Constituição Fe<strong>de</strong>ral ena Constituição do Estado, dando-lhes andamentono prazo máximo <strong>de</strong> trinta dias.§ 4 o Toda a representação ou petição formuladaao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> será distribuída entre osm<strong>em</strong>bros da instituição que tenham atribuiçõespara apreciá-la, observados os critérios fixadospelo Colégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça.§ 5 o As funções do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> só pod<strong>em</strong> serexercidas por integrantes da carreira, que <strong>de</strong>verãoresidir na comarca da respectiva lotação.


A Lei que <strong>de</strong>u compl<strong>em</strong>ento ao comando constitucional <strong>em</strong>nosso Estado criou um leque <strong>de</strong> medidas (administrativas e judiciais)e providências para dar efetivida<strong>de</strong> ao controle externo da ativida<strong>de</strong>policial. Porém, algumas <strong>de</strong>las apresent<strong>em</strong>-se genéricas (art. 82, incisoVII, letra “c”) e até mesmo s<strong>em</strong> pertinência às atribuições do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> Estadual (art. 82, § 1 o , inciso I – “respeito aos princípiosinformadores das relações internacionais”) o que t<strong>em</strong> dificultandosobr<strong>em</strong>aneira, inclusive por parte dos próprios integrantes do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> Catarinense, a compreensão do verda<strong>de</strong>iro alcancee abrangência <strong>de</strong>sta função institucional.Os estudiosos são unânimes <strong>em</strong> afirmar que o controle externoda ativida<strong>de</strong> policial a cargo do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, constitui-se <strong>em</strong>mecanismo <strong>de</strong> fiscalização <strong>de</strong> outra ativida<strong>de</strong> estatal - a apuraçãoda infração penal e sua autoria - atribuída às chamadas Polícias Judiciárias,já que o resultado <strong>de</strong>sta missão, materializado através dosInquéritos Policiais, Termos Circunstanciados e outros procedimentoscongêneres, serve <strong>de</strong> base à ação penal pública, cuja <strong>de</strong>flagraçãoé <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> exclusiva do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.Hugo Nigro Mazzili, com proprieda<strong>de</strong> ensina que “o controleexterno da ativida<strong>de</strong> policial é um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> vigilância e verificação administrativa,teleologicamente dirigido à melhor coleta <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> convicçãoque se <strong>de</strong>stinam a formar a opinio <strong>de</strong>licti do Promotor <strong>de</strong> Justiça,fim último do próprio inquérito policial”. 1No mesmo sentido, Pedro Roberto Decomain leciona que “apossibilida<strong>de</strong> do controle externo da ativida<strong>de</strong> policial por parte do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> <strong>de</strong>ve ser encarada precipuamente como voltada ao controledas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> polícia judiciária, porque direcionadas primordialmente asubsidiar o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> para o exercício da ação penal pública”. 2Portanto, a doutrina encarregou-se <strong>de</strong> dar contornos ao controleexterno da ativida<strong>de</strong> policial, reconhecendo-o como um instrumento751 MAZZILI, Hugo Nigro, Regime Jurídico do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. 2. Ed., Ed.Saraiva, 1995, São Paulo, p. 232/233.2 DECOMAIN, Pedro Roberto, Comentários à Lei Orgânica do Nacional do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. Ed. Obra Jurídica, Florianópolis, 1996, p. 184.


76<strong>de</strong> que se vale o órgão acusador para fiscalizar a ativida<strong>de</strong> estatalresponsável pela investigação <strong>de</strong> crimes e cujo resultado servirá<strong>de</strong> fundamento à ação penal pública que, privativamente, lhe cabepromover (art. 129, I, da CR).Com efeito, este <strong>de</strong>ve ser o alcance <strong>de</strong>sta função institucional,restrito à fiscalização dos atos <strong>de</strong> persecução policial, sejam eles<strong>em</strong>anados da Polícia Civil ou Militar, posto que tal ativida<strong>de</strong> administrativado Estado guarda conexão com a principal função institucionaldo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>: a <strong>de</strong> promover a ação penal pública.Vale dizer, uma função <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da outra e por tal razão instituiu-seeste mecanismo <strong>de</strong> controle.Po<strong>de</strong>-se concluir que o objetivo do legislador constituinte foio <strong>de</strong> permitir que o órgão do Estado encarregado do jus persequendiin judicio, sendo diverso daquele que realiza as investigações criminais,possa acompanhá-las e fiscaliza-las, assegurando, <strong>de</strong>sta forma,uma boa prova indiciária a justificar a <strong>de</strong>flagração da ação penal. Aabrangência <strong>de</strong>sta função Ministerial <strong>de</strong>ve cingir-se, então, aos atos<strong>de</strong> persecução policial, pois <strong>de</strong>les <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a soli<strong>de</strong>z e certeza daação penal.De outro lado, sabe-se que o Inquérito Policial não é imprescindívelao oferecimento da <strong>de</strong>núncia, mas o que se verifica na prática éque as ações penais estão, <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria, instruídas por eles,daí a preocupação <strong>de</strong> se dar efetivida<strong>de</strong> ao mecanismo <strong>de</strong> controleexterno. Também não se <strong>de</strong>ve olvidar que o próprio órgão do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> possui legitimida<strong>de</strong> para colher subsídios probatóriosa informar a persecução penal.O alargamento do espectro <strong>de</strong> abrangência do controle externoda ativida<strong>de</strong> policial, contudo, po<strong>de</strong> gerar conflitos interinstitucionais.Por essa razão, impõe-se a cautela para que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,sob o pretexto <strong>de</strong> zelar pela prova que lhe servirá à ação penal, não seexceda e se transmu<strong>de</strong> <strong>em</strong> verda<strong>de</strong>iro órgão censório <strong>de</strong> policiais. Háque se distinguir o controle “externo” a ser exercido pelo <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, do controle “interno”, institucional, portanto.Não se está afirmando, entretanto, que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> não<strong>de</strong>va agir diante <strong>de</strong> eventuais ilícitos praticados por policiais. Porém,


<strong>de</strong>verá fazê-lo não através do exercício do controle externo da ativida<strong>de</strong>policial, mas sim, por meio do órgão <strong>de</strong> execução competente.Neste prisma, cumpre observar que uma das medidas judiciaisprevistas <strong>em</strong> nossa legislação como instrumento para o exercício docontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial – a ação penal por abuso <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r - a nosso sentir, não se justifica como mecanismo <strong>de</strong> controleda ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persecução policial.773 A ação penal por abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r como medida <strong>de</strong> efetivaçãodo controle externo da ativida<strong>de</strong> policialO art. 9 o , inciso V, da Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 75/93, dispõe queo controle externo da ativida<strong>de</strong> policial será exercido por meio d<strong>em</strong>edidas judiciais e extrajudiciais po<strong>de</strong>ndo o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, entreoutras providências, “promover a ação penal por abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”. Estedispositivo encontra similar na Lei n o 8.625/93, porém, a Lei Orgânicado <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> não cont<strong>em</strong>plou tal atribuiçãoentre aquelas elencadas no seu art. 82. Porém, por força do art. 276 daLei Compl<strong>em</strong>entar n o 197/2000, po<strong>de</strong>-se aplicar o disposto no art. 9 o ,inciso V, da Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 75/93 subsidiariamente.No entanto, questionável a eficiência e utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta medidajudicial – ação penal por abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r – para um efetivo controle daativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> persecução policial. Como afirmado anteriormente, talfunção institucional foi introduzida <strong>em</strong> nosso or<strong>de</strong>namento jurídicovisando conferir ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> meios <strong>de</strong> acompanhar a coleta<strong>de</strong> provas pela autorida<strong>de</strong> policial e, assim, fortalecer a pretensãopunitiva <strong>de</strong>duzida no processo acusatório.Então, o exercício <strong>de</strong>sta função se dará através <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>vigilância e fiscalização dos atos <strong>de</strong> persecução policial, antecipando-sea qualquer irregularida<strong>de</strong> ou ilícito que eventualmente possa<strong>de</strong>sperdiçar ou arruinar provas importantes para o processo penal.Assim, se no <strong>de</strong>correr das ativida<strong>de</strong>s que lhe compet<strong>em</strong>, integrantesda força policial praticam crimes, <strong>em</strong>bora sua conduta possa terreflexos na prova indiciária, tal ilícito <strong>de</strong>verá ser apurado ordinariamentecomo qualquer outro, não reclamando, portanto, medidas


78<strong>de</strong> “controle externo pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>”, fulcradas no art. 129,inciso VII, da CR. O procedimento que irá apurar tal ilícito penal, aísim, reclama a vigilância e fiscalização do Promotor <strong>de</strong> Justiça comoato <strong>de</strong> controle externo por excelência, para que o espírito <strong>de</strong> corponão se sobreponha a cânones constitucionais e faça do respectivoInquérito Policial, um faz <strong>de</strong> conta.Igualmente, <strong>de</strong> nada adianta o manejo da ação penal por abuso<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (rectius: abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>) quando já não mais será possívelzelar pela prova indiciária, fragilizada ou mesmo perdida, assim,pelo cometimento do referido crime. A ativida<strong>de</strong> fiscalizatória <strong>de</strong>vese antecipar a qualquer conduta que coloque <strong>em</strong> risco os el<strong>em</strong>entos<strong>de</strong> convicção necessários à propositura da ação penal.E não só por isso. À época <strong>em</strong> que editada a regra específicanão vigorava a Lei n o 9.099/95, que passou a consi<strong>de</strong>rar os crimes<strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> como <strong>de</strong> menor potencial ofensivo, cont<strong>em</strong>plandoprovidências <strong>de</strong>spenalizadoras. E, dada a realida<strong>de</strong> atualdos juízos criminais, ações penais por tais <strong>de</strong>litos geralmente sãofenecidas pelo mal da prescrição.Por outro lado, a avaliação dos reflexos do crime <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong>autorida<strong>de</strong> no contexto dos indícios probatórios requer um examesubjetivo <strong>de</strong> cada caso, já que n<strong>em</strong> todo <strong>de</strong>lito <strong>de</strong>sta natureza cometidopor policiais trará conseqüências à prova a subsidiar a ação penal,o que não justificaria a existência do dispositivo legal <strong>em</strong> exame comoinstrumento para o exercício do controle externo previsto no art.129, inciso XVII, da CR. Aliás, este exame subjetivo <strong>de</strong> cada caso t<strong>em</strong>tudo para se tornar fonte fecunda <strong>de</strong> futuros conflitos <strong>de</strong> atribuiçãoperante a Corregedoria-Geral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.A propósito, vale trazer à baila o Ato PGJ n o 71/00/MP daProcuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, quedisciplina as atribuições da 8 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça da Comarca <strong>de</strong>Itajaí, verbis: “atuar nos processos <strong>de</strong> execução penal, nos relativos a <strong>de</strong>litos<strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> (Lei n o 4.898/65), tortura (Lei n o 9.455/97), contraa administração pública (Título XI do Código Penal) e exercer o controleexterno da ativida<strong>de</strong> policial”. Ora, foss<strong>em</strong> os <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>e também os <strong>de</strong> corrupção <strong>de</strong> policiais vinculados naturalmenteao controle externo da ativida<strong>de</strong> policial, não se fazia necessário o


<strong>de</strong>staque feito a tais matérias quando da edição do Ato.É claro que não <strong>de</strong>ve o Promotor <strong>de</strong> Justiça furtar-se ao conhecimento<strong>de</strong> reclamações ou <strong>de</strong>núncias envolvendo abusos ou ilegalida<strong>de</strong>scometidas por policiais, mesmo porque isto está reguladotanto na Lei Orgânica Nacional como na Estadual. Para tanto, leiaseo art. 82, inciso XVII, letras “c”, “d” e “g” da Lei Compl<strong>em</strong>entarn o 197/2000. No entanto, não há que se exercer o controle externoatravés <strong>de</strong> processos judiciais por crime <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>,mas sim, antecipar-se o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> na vigilância aos atos <strong>de</strong>persecução, proce<strong>de</strong>ndo a recomendações, orientações e requisiçõespara instauração <strong>de</strong> procedimentos, b<strong>em</strong> como, acompanhar a apuração<strong>de</strong> tais ilícitos pela própria instituição policial.Esta função institucional – controle externo da ativida<strong>de</strong> policial– está intimamente ligada ao exercício da ação penal pública,pelo que não há como se dissociar uma da outra. Aqui, t<strong>em</strong>-se outroaspecto controvertido do assunto: consi<strong>de</strong>rá-lo critério <strong>de</strong>finidor <strong>de</strong>atribuição <strong>de</strong> Promotorias <strong>de</strong> Justiça.794 O controle externo como critério <strong>de</strong>finidor <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong>Promotorias <strong>de</strong> JustiçaNo Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, algumas Promotorias <strong>de</strong> Justiça<strong>de</strong>tém atribuição específica <strong>de</strong> exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong>policial. Ex<strong>em</strong>plos: a 2 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça da Comarca <strong>de</strong>Tubarão e 8 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça da Comarca <strong>de</strong> Itajaí. Em Outrascomarcas, no entanto, não há previsão expressa para o exercício<strong>de</strong>sta função (Promotorias das Comarcas da Capital e Blumenau),constando no Ato administrativo apenas a menção <strong>de</strong> oficiar peranteeste ou aquele juízo criminal.Porém, partindo-se da pr<strong>em</strong>issa que o controle externo daativida<strong>de</strong> policial é uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização e vigilância, oPromotor <strong>de</strong> Justiça com atribuição para oficiar perante juízos criminais,obrigatoriamente, <strong>de</strong>verá exercer o chamado controle externoda ativida<strong>de</strong> policial, pois é através <strong>de</strong>sta função institucional queestará garantindo êxito à ação penal, cuja atribuição <strong>de</strong> propor é sua.


80Ex<strong>em</strong>plo claro do exercício <strong>de</strong>ste controle externo é o requerimento<strong>de</strong> <strong>de</strong>volução dos autos à autorida<strong>de</strong> policial para a realização <strong>de</strong>diligências imprescindíveis ao oferecimento da <strong>de</strong>núncia, formuladocom base no art. 16 do Código <strong>de</strong> Processo Penal, não se concebendoque um Promotor baixe os procedimentos às Delegacias <strong>de</strong> Polícia eoutro vá <strong>de</strong>flagrar a ação penal.Assim, inviável se <strong>de</strong>svincular o exercício do controle externoda ativida<strong>de</strong> policial ao próprio exercício da ação penal. Se existe umm<strong>em</strong>bro do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> oficiando perante um Juízo Criminalé ele qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>verá exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial,pois, mais do que ninguém, saberá <strong>de</strong> que forma acompanhar aativida<strong>de</strong> investigatória, otimizando-a, para que “sua” futura açãopenal não venha a ruir sob a mais tênue brisa.De outra banda, não há que se perquirir se esta ou aquela situaçãoconcreta encontra-se na esfera <strong>de</strong> atribuição do Promotor <strong>de</strong>Justiça que exerce o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial, mesmo quecaracterizadora <strong>de</strong> crime. Esta função <strong>de</strong>ve ser exercida permanent<strong>em</strong>entepelo Promotor <strong>de</strong> Justiça com atribuição criminal, como forma<strong>de</strong> garantir lisura à prova a ser reproduzida no sumário da culpa.Conforme dito, se policiais praticam crimes, sejam eles responsabilizadoscomo qualquer outro funcionário público, agindo o controleexterno sobre a apuração do fato e não sobre suas conseqüências.Convém argumentar que não só o Inquérito Policial instruiações penais. Os procedimentos oriundos do IBAMA, FATMA,Vigilância Sanitária, PROCON e Fiscalização da Fazenda, v.g., constitu<strong>em</strong>-se<strong>em</strong> valiosos el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> prova aptos a justificar a <strong>de</strong>flagraçãoda ação penal. Porém, não se t<strong>em</strong> regramento para o controleexterno <strong>de</strong>stas ativida<strong>de</strong>s que apresentam nítido perfil persecutório.Os ilícitos eventualmente praticados pelos integrantes <strong>de</strong> tais instituições,ainda que trouxess<strong>em</strong> <strong>em</strong>baraços à prova indiciária, então,<strong>de</strong>veriam ser conhecidos obrigatoriamente pelo Promotor <strong>de</strong> Justiçacom atribuição específica para exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong>policial? Evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente que não! Da mesma forma, não há comose vincular os ilícitos praticados por policiais, somente <strong>em</strong> razão <strong>de</strong>sua condição profissional, ao Promotor <strong>de</strong> Justiça responsável pelocontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial.


As ativida<strong>de</strong>s administrativas exercidas por policiais como aguarda <strong>de</strong> presos <strong>em</strong> Delegacias ou Presídios, Detran e outras afins,igualmente, não pod<strong>em</strong> ser fiscalizadas pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> valendo-seda prerrogativa <strong>de</strong> exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong>policial, já que elas não guardam pertinência com a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>polícia judiciária.Portanto, ao Promotor <strong>de</strong> Justiça com atribuição criminal incumbeexercer o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial, cabendo àinstituição estabelecer regras para dar efetivida<strong>de</strong> a tal mister. Só esó. Procedimentos que envolvam crimes praticados por policiais,ou outras situações concretas <strong>de</strong>verão sofrer apuração através docompetente procedimento investigatório – tanto pela instituiçãopolicial como pelo próprio <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> – e no primeiro caso, ofeito <strong>de</strong>verá ser distribuído às Promotorias <strong>de</strong> Justiça regularmente,conforme as regras <strong>de</strong> atribuição já previamente estabelecidas.815 As medidas <strong>de</strong> efetivo controleAlém das medidas elencadas nas Leis Orgânicas do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> – e o próprio artigo 16 do CPP – alguns Estados da Fe<strong>de</strong>ração,através dos seus respectivos Procuradores-gerais <strong>de</strong> Justiça,editaram Atos regulamentando o exercício do controle externo daativida<strong>de</strong> policial – o que gerou certo inconformismo por parte <strong>de</strong>componentes da Polícia, diga-se – e neles se vê como <strong>de</strong>ve ser exercidatal função.Tais orientações - com claro cunho extraprocessual, imanenteao exercício do controle externo – dão ênfase às visitas e inspeções<strong>em</strong> Delegacias <strong>de</strong> Polícia e estabelecimentos penais, b<strong>em</strong> como, àfiscalização da regularida<strong>de</strong> dos Inquéritos Policiais e registros <strong>de</strong>ocorrência.Com efeito, trata-se <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> verificar a regularida<strong>de</strong>das ativida<strong>de</strong>s persecutórias da Polícia, constatando-se in loco a tramitaçãodos Inquéritos Policiais e congêneres. Mas é preciso que exista,nestas instituições, algum sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> registro das ativida<strong>de</strong>s policiais,caso contrário, torna-se difícil exercer algum tipo <strong>de</strong> controle.


82Mesmo assim, na hipótese <strong>de</strong> existir<strong>em</strong> sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> registro oucontrole, <strong>de</strong>ve-se ter cautela para que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> não esteja,com suas visitas ordinárias às Delegacias <strong>de</strong> Polícia e inspeções,chancelando algum tipo <strong>de</strong> ilicitu<strong>de</strong>.Impen<strong>de</strong> registrar, ainda, a difícil tarefa <strong>de</strong> conciliar o cotidiano<strong>de</strong> uma Promotoria <strong>de</strong> Justiça criminal, com inúmeras audiênciasdiárias e infindáveis procedimentos aguardando estudo e exame, àincumbência <strong>de</strong> inspecionar, nas Delegacias <strong>de</strong> Polícia, as ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Polícia Judiciária.Mas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente das medidas já previstas <strong>em</strong> Lei ouato administrativo, o titular da ação penal po<strong>de</strong> exercer o controleexterno não só através das <strong>de</strong>voluções dos feitos na forma do art. 16do Código <strong>de</strong> Processo Penal o que <strong>em</strong> alguns casos po<strong>de</strong> ser tardio.A expedição <strong>de</strong> recomendações e orientações à autorida<strong>de</strong> policialsão instrumentos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> valia para o fortalecimento do acervoprobatório a servir <strong>de</strong> fundamento para a ação penal. E esse controlepreventivo se justifica para evitar possível frustração na produção<strong>de</strong> provas, pois, na prática, quando o ca<strong>de</strong>rno processual aporta<strong>em</strong> juízo, muitas vezes, já não mais é possível reunir os necessáriosindícios a ser<strong>em</strong> reproduzidos no processo judicial.Não se po<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, para tanto, o alcance da funçãoinstitucional <strong>em</strong> <strong>de</strong>bate. As orientações e recomendações <strong>de</strong>v<strong>em</strong> terpor objeto as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> persecução policial, não se apresentandorazoável, v.g., que o Promotor <strong>de</strong> Justiça, com base no art. 129, VII,da CR, recomen<strong>de</strong> a realização <strong>de</strong> blitz policial <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminadaslocalida<strong>de</strong>s da Comarca, nada impedindo que se faça isso sob outraprerrogativa. Deve-se ter <strong>em</strong> mente, ainda, o princípio da razoabilida<strong>de</strong>,notadamente, quando da verificação dos prazos <strong>de</strong> conclusãodos procedimentos pela autorida<strong>de</strong> policial.É certo, enfim, que s<strong>em</strong> uma integração entre os órgãos estataisresponsáveis pela investigação criminal (polícia) e pela posterioracusação <strong>em</strong> juízo (<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>), não se fortalecerá a açãopenal e a função jurisdicional po<strong>de</strong>rá restar prejudicada.


836 Em conclusãoAo controle externo da ativida<strong>de</strong> policial, importante funçãoinstitucional do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, é preciso conferir efetivida<strong>de</strong>.Primeiro, para que se compreenda o verda<strong>de</strong>iro alcance e finalida<strong>de</strong><strong>de</strong>sta função institucional, <strong>de</strong>limitando-se o campo <strong>de</strong> atuação e asatribuições dos órgãos <strong>de</strong> execução, afastando-se entendimentos quevenham a provocar resistência institucional dos órgãos policiais.Também, para que esta função institucional seja <strong>de</strong>vidamente valorizadano contexto processual penal, permitindo ao Promotor <strong>de</strong>Justiça acompanhar ativamente as investigações criminais e fortalecera acusação <strong>em</strong> juízo.A violência <strong>de</strong>corrente do avanço da criminalida<strong>de</strong> hoje vivenciadapela socieda<strong>de</strong> reclama, cada vez mais, um <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>atuante no campo penal, que acompanhe o momento preliminar dacoleta dos indícios probatórios do crime e assegure, com isso, êxitono seu papel <strong>de</strong> dominus litis. Dar efetivida<strong>de</strong> ao exercício do controleexterno da ativida<strong>de</strong> policial é valorizar o exercício da ação penalpública pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> e, <strong>em</strong> última razão, contribuir paraque haja uma correta entrega da prestação jurisdicional.


Assunto especial: controle externo da ativida<strong>de</strong> policialpelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>85Ata da 5 a Reunião da Comissão <strong>de</strong> Estudos doControle Externo da Ativida<strong>de</strong> PolicialCentro <strong>de</strong> Apoio Operacional Criminal<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> - SCAos trinta dias do mês <strong>de</strong> abril do ano <strong>de</strong> dois mil e quatro, àsnove horas e trinta minutos, na Sala <strong>de</strong> Reuniões do Centro <strong>de</strong> ApoioOperacional Criminal, no 4 a andar do Prédio Se<strong>de</strong> da Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça, compareceram para a quinta reunião da comissão<strong>de</strong> estudos para o exercício do controle externo da ativida<strong>de</strong> policialno âmbito do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>: o Dr.PAULO ANTÔNIO LOCATELLI, Coor<strong>de</strong>nador do Centro <strong>de</strong> ApoioOperacional Criminal, o Dr. RICARDO FRANCISCO DA SILVEI-RA, Promotor <strong>de</strong> Justiça da 2 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça da Capital, oDr. CARLOS HENRIQUE FERNANDES, Promotor <strong>de</strong> Justiça da 8 aPromotoria <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Lages, o Dr. CÉSAR AUGUSTO GRUB-BA, Promotor <strong>de</strong> Justiça da 11 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Joinville,a Dra. HAVAH E. P. DE ARAÚJO MAINHARDT, Promotor <strong>de</strong>Justiça da 2 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Rio do Sul e o Dr. SANDRORICARDO DE SOUZA, Promotor <strong>de</strong> Justiça da 1 a Promotoria <strong>de</strong>Justiça <strong>de</strong> Tubarão. Abrindo a reunião, na ord<strong>em</strong> da pauta, chegouseàs seguintes conclusões:Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 85 a 92


86Conclusões da Comissão <strong>de</strong> Estudos do Controle Externo daAtivida<strong>de</strong> PolicialA Comissão <strong>de</strong> Estudos do Controle Externo da Ativida<strong>de</strong>Policial reuniu-se <strong>em</strong> cinco oportunida<strong>de</strong>s: 14 e 28 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>2003; 5 e 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2004, 30 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2004. Após os <strong>de</strong>batese discussões, e consi<strong>de</strong>rando que:A Constituição da República assegura incumbir ao <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> a <strong>de</strong>fesa do regime d<strong>em</strong>ocrático (art. 128), o qual t<strong>em</strong> comoum <strong>de</strong> seus fundamentos a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana (art. 1 o , III),e lhe atribui, como uma <strong>de</strong> suas funções institucionais, o exercíciodo controle externo da ativida<strong>de</strong> policial (art. 129, VII);A Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong> (LeiCompl<strong>em</strong>entar n. 197/2000) disciplina no art. 82, XVII o exercíciodo controle externo da ativida<strong>de</strong> policial por meio <strong>de</strong> medidas administrativase judiciais, elencando os princípios que <strong>de</strong>verão servir<strong>de</strong> vértice para essa atuação;Conclui-se:1 - Há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação do exercício das atribuiçõesafetas ao Promotor <strong>de</strong> Justiça da área do Controle Externoda Ativida<strong>de</strong> Policial, estabelecendo a forma <strong>de</strong> operacionalizaçãojunto às Promotorias;2 - O Controle Externo inclui a ativida<strong>de</strong> da Polícia Civil e PolíciaMilitar, s<strong>em</strong>pre que no exercício do múnus <strong>de</strong> polícia judiciária,com fins <strong>de</strong> persecução penal, abrangendo também, a fiscalizaçãoquanto as ilegalida<strong>de</strong>s ou abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r cometidos pela autorida<strong>de</strong>policial ou seus agentes;3 - A atribuição <strong>de</strong> controle externo da ativida<strong>de</strong> policial militar,referente a persecução penal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a requisição até o término da instruçãodo IPM para apuração <strong>de</strong> crime militar, caberá a Promotoria<strong>de</strong> Justiça com atribuições da Auditoria Militar po<strong>de</strong>ndo atuar <strong>de</strong>forma concorrente com a Promotoria <strong>de</strong> Justiça com atribuições <strong>em</strong>


azão do local do fato, sendo que na fase processual suas atribuiçõessão exclusivas.4 - O Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial será exercido <strong>em</strong>relação aos agentes que fiscalizam presos <strong>em</strong> <strong>de</strong>legacias, ca<strong>de</strong>ias públicas(presos provisórios),contudo, não abrange a ativida<strong>de</strong> policialreferente a função administrativa <strong>de</strong>senvolvida por autorida<strong>de</strong> ouagente, envolvendo aspectos funcionais ou disciplinares, os quaisestão sujeitos à fiscalização hierárquica e po<strong>de</strong>r correicional por partedos órgãos e autorida<strong>de</strong>s do próprio organismo policial;5 - O Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial po<strong>de</strong>rá ser exercidono âmbito cível, inclusive atraindo o inquérito civil e ação civilpública da área da moralida<strong>de</strong> administrativa sobre atos praticadospor policiais civis e militares quando suas atuações refletir<strong>em</strong> napersecução penal;6 - Não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instauração <strong>de</strong> procedimento administrativoou inquérito civil para o exercício do Controle Externo daAtivida<strong>de</strong> Policial, que será exercido a partir <strong>de</strong> visitas aos estabelecimentospoliciais, lavrando-se documento próprio. A instauração<strong>de</strong> procedimentos administrativos preliminares ou inquéritos civisse dará para a investigação <strong>de</strong> casos concretos, na maioria das vezesoriundos das próprias inspeções in loco ou representações enviadasao Promotor, e po<strong>de</strong>rão ser expedidas recomendações e requisiçõespara a a<strong>de</strong>quação das irregularida<strong>de</strong>s encontradas (p.ex: atraso conclusão<strong>de</strong> inquérito, rasuras etc...);7 - É salutar a requisição <strong>de</strong> informações pelo Promotor <strong>de</strong>Justiça junto à autorida<strong>de</strong> policial da Comarca, visando conhecer arealida<strong>de</strong> local, tendo a cautela <strong>de</strong> não a<strong>de</strong>ntrar na seara administrativaou <strong>de</strong> correição interna da Polícia Civil ou Militar;8 - Na maioria das Comarcas do Estado as Promotorias <strong>de</strong> Justiçaainda não possu<strong>em</strong> a atribuição do Controle Externo da Ativida<strong>de</strong>Policial <strong>de</strong>finida, havendo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incluí-la entre as ativida<strong>de</strong>sdas Promotorias <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Entrâncias Intermediária, Finale Especial, com a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> qual Promotor com atuação criminalexercerá a atribuição do Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial;879 - Inexiste por parte da Secretaria <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Segurança


88Pública e Defesa do Cidadão, como também pela Chefia da PolíciaCivil, normatização <strong>de</strong>terminando quais os livros <strong>de</strong> registros que<strong>de</strong>verão existir junto às Delegacias, necessitando-se urgent<strong>em</strong>ente acriação dos livros próprios;PARA TANTO, são necessárias a adoção das seguintes medidas:a) CRIAÇÃO DE UM PROGRAMA JUNTO AO CENTRO DEAPOIO OPERACIONAL CRIMINAL VISANDO DAR SUPORTETÉCNICO-JURÍDICO AO PROMOTOR DE JUSTIÇA QUE IRÁEXERCER AS FUNÇÕES DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVI-DADE POLICIAL, ALÉM DE SERVIR COMO BANCO DE DADOSDAS INFORMAÇÕES REPASSADAS PELOS PROMOTORES APÓSA REALIZAÇÃO DAS ATAS DE VISITAS AOS ESTABELECIMEN-TOS POLICIAIS;b) FORMAÇÃO DE UMA EQUPE DE PROFISSIONAIS HA-BILITADOS JUNTO AO CCR PARA PRESTAREM AUXÍLIO AOSPROMOTORES DE JUSTIÇA NO CUMPRIMENTO DAS ATRIBUI-ÇÕES DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL,PRINCIPALMENTE QUANDO DAS VISTORIAS E INSPEÇOESNAS UNIDADES POLICIAIS;c) REALIZAÇÃO DE ENCONTRO COM OS PROMOTORESDE JUSTIÇA VISANDO DISCUTIR A OPERACIONALIZAÇÃO DOCONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL;d) ENCAMINHAMENTO PELO PROCURADOR-GERAL DEJUSTIÇA AO EGRÉGIO COLÉGIO DE PROCURADORES (ART. 20,XII – LEI ORGÂNICA DO MP/SC), DE PROPOSTA QUE INCLUANAS ATRIBUIÇÕES DOS PROMOTORES INICIAIS O EXERCÍCIODO CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL, E DESTINEAO MENOS UM PROMOTOR DE JUSTIÇA CRIMINAL QUE ATUANAS COMARCAS DE ENTRÂNCIA INTERMEDIÁRIA E FINAL;E DE NO MÍNIMO DOIS PROMOTORES DE JUSTIÇA PARA NACOMARCA DE JOINVILLE (ENTRÂNCIA FINAL) E NA CAPITALDE ENTRÂNCIA ESPECIAL, EXERCEREM ESSA ATRIBUÇÃO;e) ENCAMINHAMENTO PELO PROCURADOR-GERAL DEJUSTIÇA DE SUGESTÃO À CHEFIA DA POLICIA CIVIL DA CRIA-


ÇÃO DE UM SISTEMA NORMATIVO DE CONTROLE INTERNODAS DELEGACIAS DE POLÍCIA QUE INCLUA LIVRO DE INS-TAURAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E REMESSA – LIVRO DE REGISTRO,DISTRIBUIÇÃO DE REQUISIÇÕES MINISTERIAIS E JUDICIAIS EDE PROCEDIMENTOS – LIVRO DE REGISTROS DE CARTAS PRE-CATÓRIAS EXPEDIDAS E RECEBIDAS – LIVRO DE REGISTRO DEPROCEDIMENTOS CAUTELARES PROPOSTOS PERANTE A JUSTI-ÇA (Escutas Ambientais, Interceptações Telefônicas, seqüestro <strong>de</strong> bens,quebra <strong>de</strong> sigilo, mandados <strong>de</strong> busca e apreensão, prisões) – LIVRODE REGISTRO DE MATERIAL E OBJETOS APREENDIDOS OU AR-RECADADOS – LIVRO DE REGISTRO DE FIANÇAS ARBITRADAS– PASTA DE B.O. – PASTA DE COMUNICAÇÕES DE PRISÕES EMFLAGRANTE AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PODER JUDICIÁRIO,FAMILIARES OU PESSOAS INDICADAS - OUTROS;f) EDIÇÃO DE ATO NORMATIVO CONJUNTO ENTRE PGJ/CGMP E CPJ INSTITUINDO, NO ÂMBITO DAS PROMOTORIASDE JUSTIÇA CRIMINAL COM ATUAÇÃO NO CONTROLE EX-TERNO DA ATIVIDADE POLICIAL, A FORMA DE OPERACIO-NALIZAÇÃO E OS LIMITES DESSA FUNÇÃO, DEFININDO-SE AATUAÇÃO NOS TERMOS ACIMA EXPOSTO, ALÉM DE OUTRASHIPÓTESES COMO:1. Em cada Comarca haverá no mínimo um Promotor <strong>de</strong> Justiçacom atribuição <strong>de</strong> Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial;2. Em casos excepcionais, quando solicitado pelo Promotor <strong>de</strong>Justiça, visando evitar exposição pessoal e objetivando aten<strong>de</strong>r aspeculiarida<strong>de</strong>s regionais, o Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>signarátantos Promotores <strong>de</strong> Justiça quantos for<strong>em</strong> necessários, da própriaComarca ou com igual atribuição nas suas Comarcas <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>,preferencialmente circunvizinhas, para integrar o Grupo <strong>de</strong> AtuaçãoEspecial do Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial (GECEP), <strong>em</strong>caráter não permanente, que atuará juntamente com o Promotor daComarca e com o apoio do CCR e CIE.3. Aos Promotores <strong>de</strong> Justiça atuando isoladamente na Comarcaou integrantes do Grupo <strong>de</strong> Atuação Especial <strong>de</strong> Controle Externoda Ativida<strong>de</strong> Policial (GECEP) incumbirá oficiar nas representaçõesque receber<strong>em</strong>, apresentadas por pessoas ou entida<strong>de</strong>s, nos89


90procedimentos administrativos criminais que iniciar<strong>em</strong> e, medianteassentimento ou solicitação do Promotor <strong>de</strong> Justiça com atribuiçãogenérica para o feito, nas ações penais resultantes <strong>de</strong>stes procedimentos,relativos a irregularida<strong>de</strong>s ou infrações penais praticadas noexercício da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária, cabendo-lhes, inclusive,acompanhar as audiências judiciais e prosseguir nos respectivosfeitos até <strong>de</strong>cisão final.4. As ativida<strong>de</strong>s funcionais dos Promotores <strong>de</strong> Justiça comatribuição própria na Comarca ou integrantes do Grupo <strong>de</strong> AtuaçãoEspecial <strong>de</strong> Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial (GECEP)abrangerão igualmente a apuração e repressão dos <strong>de</strong>litos que setornar<strong>em</strong> conhecidos no <strong>de</strong>correr das investigações <strong>de</strong>correntes docontrole externo.5. Caberá ainda aos Promotores <strong>de</strong> Justiça com atribuição própriana Comarca ou integrantes do Grupo <strong>de</strong> Atuação Especial <strong>de</strong>Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial (GECEP) exercer as seguintesativida<strong>de</strong>s, utilizando-se das prerrogativas previstas no art. 82, XVIIda Lei Orgânica do MP/SC:I - aten<strong>de</strong>r ao público e receber representação ou petição, <strong>de</strong>pessoa ou entida<strong>de</strong>, relacionada a irregularida<strong>de</strong>s ou infrações penaispraticadas pela polícia judiciária no exercício <strong>de</strong> suas funções;II - instaurar procedimentos administrativos na área <strong>de</strong> suaatribuição, nos termos dos artigos 82 a 90 da Lei Orgânica do MP/SC e do Ato n o 001/04/PGJ/CGMP, <strong>de</strong> 05 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2004, queinstituiu o Procedimento Investigatório Criminal;III - acompanhar as sindicâncias instauradas pelo CorregedorGeral da Polícia Civil, relacionada a atuação policial vinculadaà persecução penal;IV - realizar, cada Promotor <strong>de</strong> Justiça <strong>em</strong> sua respectiva Comarcaou o Grupo Especial quando formado, visitas mensais aosestabelecimentos policiais, para os fins previstos na Lei EstadualCompl<strong>em</strong>entar n. 197/2000, verificando-se a existência dos livros ea correta anotação das ocorrências e seus encaminhamentos;V - elaborar ata <strong>de</strong> visita aos estabelecimentos policiais,


nela consignando todas as constatações e ocorrências, assim comoeventuais <strong>de</strong>ficiências e irregularida<strong>de</strong>s, dando o <strong>de</strong>vido encaminhamento;VI - apresentar ao Corregedor-Geral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>relatórios trimestrais e anuais das ativida<strong>de</strong>s exercidas, neles consignando,<strong>de</strong>ntre outras informações, o resumo das funções extrajudiciais<strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhadas;VII - As visitas mensais aos estabelecimentos policiais po<strong>de</strong>rãotambém ser realizadas pelos Promotores <strong>de</strong> Justiça integrantes dasPromotorias <strong>de</strong> Justiça do Foro da respectiva Comarca, s<strong>em</strong>pre queassim enten<strong>de</strong>r<strong>em</strong> necessárias;6. Recebida notícia <strong>de</strong> infração penal praticada no exercício daativida<strong>de</strong> policial, exceto ativida<strong>de</strong> administrativa não relacionadacom a investigação, <strong>de</strong>verão os Promotores <strong>de</strong> Justiça com atribuiçãonas respectivas áreas cuidar <strong>de</strong> sua formalização, <strong>de</strong>cidindo, <strong>em</strong> seguida,<strong>de</strong> forma fundamentada, acerca <strong>de</strong> seu eventual arquivamento,<strong>de</strong> instauração <strong>de</strong> procedimento administrativo ou <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong>inquérito policial e, sendo o caso, dar o <strong>de</strong>vido encaminhamentoprocessual;7. No caso <strong>de</strong> arquivamento da notícia <strong>de</strong> infração penal, osPromotores <strong>de</strong> Justiça ou integrantes do Grupo <strong>de</strong> Atuação Especial<strong>de</strong> Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial (GECEP) <strong>de</strong>verão promovero arquivamento administrativo na Promotoria, r<strong>em</strong>etendo oprocedimento ao Centro <strong>de</strong> Apoio Operacional Criminal;8. No exercício <strong>de</strong> suas atribuições, os Promotores <strong>de</strong> Justiçapo<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>cretar, fundamentadamente, o sigilo dos procedimentosadministrativos que instaurar<strong>em</strong>;9. Fica criado, junto ao Centro <strong>de</strong> Apoio Operacional Criminal,o Setor <strong>de</strong> Dados Informatizados, <strong>de</strong>stinado, preferencialmente, àcoleta <strong>de</strong> dados, a partir da análise dos locais <strong>de</strong> maior incidência <strong>de</strong>atos que envolvam controle externo da ativida<strong>de</strong> policial.10. A Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça provi<strong>de</strong>nciará ao Centro<strong>de</strong> Apoio Operacional Criminal e aos Promotores <strong>de</strong> Justiça comatribuição <strong>de</strong> Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial a estrutu-91


92ra material e os recursos humanos necessários à segurança dosPromotores <strong>de</strong> Justiça que o integrar<strong>em</strong>, ao <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>de</strong> suasatribuições e à implantação e pleno <strong>de</strong>senvolvimento do Setor <strong>de</strong>Dados Informatizados.Encerrados os trabalhos, nada mais havendo para se discutir, o Dr.Paulo Antônio Locatelli agra<strong>de</strong>ceu a presença <strong>de</strong> todos, e mandou lavrara presente ata, que foi por mim, .............................Regiane Vieira,Assessora Jurídica, lavrada e será assinada por todos os presentes.RICARDO FRANCISCO DA SILVEIRA2 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça da CapitalCARLOS HENRIQUE FERNANDES8 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> LagesCÉSAR AUGUSTO GRUBBA11 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> JoinvilleHAVAH E. P. DE ARAÚJO MAINHARDT2 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Rio do SulSANDRO RICARDO DE SOUZA1 a Promotoria <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> TubarãoPAULO ANTÔNIO LOCATELLICoor<strong>de</strong>nador do Centro <strong>de</strong> Apoio Operacional Criminal


93DIREITO CIVILFunção Social da Proprieda<strong>de</strong>:a Proprieda<strong>de</strong> como Direito e como DeverPedro Roberto Decomain.Promotor <strong>de</strong> Justiça – SCÁlvaro Borges <strong>de</strong> OliveiraProfessor e Doutorando <strong>em</strong> Ciência Jurídica na Univali – SCIntroduçãoEste trabalho t<strong>em</strong> por objetivo discutir, <strong>de</strong> forma resumida,o conceito constitucional da função social da proprieda<strong>de</strong>, maisespecificamente na perspectiva da função social da proprieda<strong>de</strong>imóvel, apresentando também, com brevida<strong>de</strong>, algumas normasinfraconstitucionais que representam aplicações específicas <strong>de</strong>ssafunção social.Na análise do t<strong>em</strong>a, <strong>de</strong>ve-se ter s<strong>em</strong>pre presente que a expressão“função social” é <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação conceitual difícil, cujo conteúdomuito <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, inclusive, “das concepções políticas da camadadominante”, no dizer <strong>de</strong> Alcino Pinto Falcão. 11 CUNHA, Fernando Whitaker da, e outros. Comentários à Constituição. 1. volume. Arts.1 o ao 7 o . Rio <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1990, p. 234. São <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Alcino Pinto Falcãoos comentários ao art. 5 o da Constituição, incluindo aqueles a seus incisos XXII a XXIII,que tratam respectivamente do direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e da sua função social.Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 93 a 127


941 A função social da proprieda<strong>de</strong>A Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, doravanteCRFB/88, estabelece, <strong>em</strong> seu artigo 5 o , inciso XXIII 2 , que “a proprieda<strong>de</strong>aten<strong>de</strong>rá a sua função social”.Já, <strong>em</strong> seu artigo 182, § 2 o , a CRFB/88 3 afirma que a proprieda<strong>de</strong><strong>de</strong> imóveis urbanos cumpre sua função social quando aten<strong>de</strong>às exigências fundamentais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação da cida<strong>de</strong> expressas noplano diretor.Por fim, o art. 184 da CRFB/88 4 está assim redigido:Art. 184. Compete à União <strong>de</strong>sapropriar por interessesocial, para fins <strong>de</strong> reforma agrária, o imóvelrural que não esteja cumprindo sua função social,mediante prévia e justa in<strong>de</strong>nização <strong>em</strong> títulos dadívida agrária, com cláusula <strong>de</strong> preservação dovalor real, resgatáveis no prazo <strong>de</strong> até vinte anos,a partir do segundo ano <strong>de</strong> sua <strong>em</strong>issão, e cujautilização será <strong>de</strong>finida <strong>em</strong> lei.A ênfase dada pela Constituição à função social da proprieda<strong>de</strong>dificilmente po<strong>de</strong>ria ser maior. Essa circunstância traz entãoconsigo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o intérprete do texto constitucional se2 BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Editora Saraiva. Constituiçãoda República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988.Obra coletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto,Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 33. ed. São Paulo: Saraiva,2004, p. 7.3 BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Editora Saraiva. Constituiçãoda República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988.Obra coletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto,Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 33. ed. São Paulo: Saraiva,2004, p. 121.4 BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Editora Saraiva. Constituiçãoda República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988.Obra coletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto,Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 33. ed. São Paulo: Saraiva,2004, p. 121-122.


<strong>de</strong>sincumba da tarefa <strong>de</strong> especificar <strong>em</strong> que consiste referida funçãosocial. Aqui será feita uma breve <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>ssa função, tomandocomo parâmetros, pelo que <strong>de</strong> elucidativo pod<strong>em</strong> ter para isso, algumasconsi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong> John Locke e também o disposto no art. 153da antiga Constituição do Império Al<strong>em</strong>ão.Discorrendo sobre o seu pensamento acerca da orig<strong>em</strong> e principalmenteda justificativa da existência da proprieda<strong>de</strong> privada(e aqui não se irá discutir se tal pensamento correspon<strong>de</strong> mesmoao verda<strong>de</strong>iro fundamento ou n<strong>em</strong> sequer à verda<strong>de</strong>ira orig<strong>em</strong> daproprieda<strong>de</strong> particular), John Locke 5 assim se expressou:9528. Aquele que se alimenta das bolotas colhidas<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> um carvalho ou das maçãs apanhadasnas árvores da floresta, com toda certeza <strong>de</strong>las seapropriou para si. Ninguém po<strong>de</strong> negar que lhepertença o alimento. Pergunto então: Quandocomeçaram a pertencer-lhe? Quando as digeriu?Quando as comeu? Quando as cozinhou? Quandoas trouxe para casa? Quando as colheu? E é evi<strong>de</strong>nteque, se a colheita, <strong>de</strong> início, não as fez <strong>de</strong>le, nadamais po<strong>de</strong>ria tê-lo feito. Este trabalho estabeleceuuma distinção entre o comum e elas; juntou-lhesalgo mais do que fez a natureza, a mãe comum <strong>de</strong>todos, tornando-as assim direito privado <strong>de</strong>le. Epo<strong>de</strong>rá alguém dizer que não tivesse direito a essasbolotas ou às maçãs <strong>de</strong> que se apropriou por nãoter tido o consentimento <strong>de</strong> todos os homens paraque se tornass<strong>em</strong> <strong>de</strong>le? Seria roubo tomar <strong>de</strong> talmaneira para si o que pertencia a todos <strong>em</strong> comum?Se s<strong>em</strong>elhante consentimento fosse necessário, ohom<strong>em</strong> morreria <strong>de</strong> fome, apesar da abundânciaque Deus lhe <strong>de</strong>u. Vê-se nos terrenos <strong>em</strong> comum,que assim ficam por pacto, que é a tomada <strong>de</strong> qualquerparte do que é comum com a r<strong>em</strong>oção para5 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Ensaio relativo à verda<strong>de</strong>iraorig<strong>em</strong> extensão e objetivo do Governo Civil. Tradução <strong>de</strong> E. Jacy Monteiro. Série OsPensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 46.


96fora do estado <strong>em</strong> que a natureza o <strong>de</strong>ixou que dáinício à proprieda<strong>de</strong>, s<strong>em</strong> o que o comum nenhumautilida<strong>de</strong> teria. E a tomada <strong>de</strong>sta ou daquela partenão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do consentimento expresso <strong>de</strong> todosos m<strong>em</strong>bros da comunida<strong>de</strong>. Assim a grama queo meu cavalo pastou, a turfa que o criado cortou,o minério que extraí <strong>em</strong> qualquer lugar on<strong>de</strong> a eletenha direito <strong>em</strong> comum com outros, tornam-s<strong>em</strong>inha proprieda<strong>de</strong> s<strong>em</strong> a adjudicação ou o consentimento<strong>de</strong> qualquer outra pessoa. O trabalho queera meu, retirando-os do estado comum <strong>em</strong> que seencontravam, fixou a minha proprieda<strong>de</strong> sobre eles.[...] Embora a água que corre na fonte seja <strong>de</strong> todos,qu<strong>em</strong> po<strong>de</strong>ria duvidar que na bilha está somentea que pertence a qu<strong>em</strong> a recolheu? Pelo trabalhotirou-a das mãos da natureza on<strong>de</strong> era comum epertencia igualmente a todos e, <strong>de</strong> tal forma, <strong>de</strong>lase apropriou para si mesmo. [...] Assim esta lei darazão torna o veado proprieda<strong>de</strong> do índio que omatou; permite-se que pertençam os bens àqueleque lhes <strong>de</strong>dicou o próprio trabalho, <strong>em</strong>bora anteriormentefosse direito comum a todos.Transplantando esse mesmo raciocínio para a orig<strong>em</strong> e justificativada proprieda<strong>de</strong> imobiliária, assim escreveu o mesmo John Locke 6 :32. Sendo agora, contudo, a principal matéria daproprieda<strong>de</strong> não os frutos da terra e os animais quesobre ela subsist<strong>em</strong>, mas a própria terra, como aquiloque abrange e consigo leva tudo o mais, penso serevi<strong>de</strong>nte que aí também a proprieda<strong>de</strong> se adquirecomo nos outros casos. A extensão <strong>de</strong> terra que umhom<strong>em</strong> lavra, planta, melhora, cultiva, cujos produtosusa, constitui a sua proprieda<strong>de</strong>. Pelo trabalho,por assim dizer, separa-a do comum.6 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Ensaio relativo à verda<strong>de</strong>iraorig<strong>em</strong> extensão e objetivo do Governo Civil. Tradução <strong>de</strong> E. Jacy Monteiro. Série OsPensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 47.


Em suma, o trabalho <strong>em</strong>pregado torna justificada a proprieda<strong>de</strong>privada. Segundo Locke, que ia até mesmo mais além, a proprieda<strong>de</strong>privada surgia a partir do momento <strong>em</strong> que, pelo <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> trabalho,alguém se apossava <strong>de</strong> algo que antes pu<strong>de</strong>sse ser consi<strong>de</strong>radocomo comum a todos os homens, mas que ninguém, por evi<strong>de</strong>nte,havia ainda tornado útil para si, pelo seu trabalho.Impossível dissociar esse pensamento da conclusão <strong>de</strong> que nãosomente o trabalho serve a justificar a proprieda<strong>de</strong> privada comotambém que essa não se po<strong>de</strong> prolongar, senão enquanto na coisafor <strong>em</strong>pregado trabalho pelo seu possuidor. A proprieda<strong>de</strong> privadanasce da posse, que significa, segundo o pensamento <strong>de</strong> Locke, aplicartrabalho individual sobre uma coisa. Mais que isso, r<strong>em</strong>anescesubjacente ao seu pensamento a idéia <strong>de</strong> que o trabalho <strong>em</strong>pregadosobre uma coisa, a partir do qual se justifica que essa coisa passeao domínio privado <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> sobre ela aplicou trabalho, é aquele<strong>de</strong>stinado à satisfação <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> humana.Ainda mais adiante, Locke também afirmava que todo aqueleque se apossasse <strong>de</strong> mais do que aquilo que podia consumir, oumais do que aquilo que pelo menos pu<strong>de</strong>sse conservar para consumofuturo, ou <strong>de</strong> mais terras do que aquelas que realmente pu<strong>de</strong>ssetornar produtivas, <strong>de</strong>veria conformar-se com o retorno do exce<strong>de</strong>nte(principalmente no que pertine às terras) ao fundo comum. Em outrostermos, o não-uso ou o apossamento <strong>de</strong> mais do que aquilo que sepo<strong>de</strong>ria efetivamente <strong>em</strong>pregar na satisfação das próprias necessida<strong>de</strong>s,significava na realida<strong>de</strong> algo ilícito, que retirava in<strong>de</strong>vidamenteuma parcela do fundo comum e que podia conduzir, s<strong>em</strong>pre quepossível, ao retorno do exce<strong>de</strong>nte a esse fundo comum.Nas palavras <strong>de</strong> Locke 7 :97Antes da apropriação da terra, qu<strong>em</strong> colhia o maispossível <strong>de</strong> frutas silvestres matava, apanhavaou domava tantos animais quantos podia; qu<strong>em</strong>assim <strong>em</strong>pregava os seus esforços com relação7 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Ensaio relativo à verda<strong>de</strong>iraorig<strong>em</strong> extensão e objetivo do Governo Civil. Tradução <strong>de</strong> E. Jacy Monteiro. Série OsPensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 49.


98a qualquer produto espontâneo da natureza d<strong>em</strong>aneira a alterá-los do estado <strong>em</strong> que a naturezaos dispunha, aplicando neles parte do seu esforço,adquiria por esse modo certa proprieda<strong>de</strong> sobreeles; mas se se extinguiam nas mãos <strong>de</strong>le s<strong>em</strong><strong>em</strong>prego conveniente; se os frutos apodreciamou a carne se estragava antes <strong>de</strong> utilizar-se, ofendiaa lei comum da natureza e estava sujeito apunição; invadia a parte do vizinho, porque nãotinha direito mais além do que o exigia o própriouso para qualquer <strong>de</strong>les e po<strong>de</strong>ria servir-lhe paraproporcionar-lhe as conveniências da vida.38. As mesmas medidas regiam igualmente aposse da terra: fosse o que fosse que tratasse ecolhesse, guardasse ou usasse antes <strong>de</strong> estragarse,era o seu direito peculiar; fosse o que fosse quecercasse e pu<strong>de</strong>sse alimentar e utilizar, também<strong>de</strong>le eram o gado e sua criação. Mas, se a gramado cercado apodrecesse no chão ou o frutodas plantações perecesse s<strong>em</strong> que o colhesse eguardasse, esta parte da terra, apesar <strong>de</strong> por elecercada, tinha <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se como abandonadae podia passar à posse <strong>de</strong> terceiro.Resumindo novamente: no pensamento <strong>de</strong> Locke, a aplicação<strong>de</strong> trabalho sobre a coisa bruta, como existente na natureza, inclusivesobre a terra, com o objetivo <strong>de</strong> satisfazer a uma necessida<strong>de</strong> humana,é que fazia nascer e tornava justificada a proprieda<strong>de</strong> particular.Apossar-se <strong>de</strong> mais do que efetivamente se podia aproveitar parao próprio uso ou do que se podia guardar, significava esbulho dofundo comum e o exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>veria passar à posse e proprieda<strong>de</strong><strong>de</strong> terceiros. 88 É interessante registrar que, <strong>em</strong> certa medida, a idéia da função social da proprieda<strong>de</strong>já aparecia até mesmo <strong>em</strong> Aristóteles. Tal fica patente a partir da leitura da seguintepassag<strong>em</strong>, por ele <strong>de</strong>ixada escrita na “Política”, ao expor aquele que entendia ser osist<strong>em</strong>a i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> distribuição da proprieda<strong>de</strong>, n<strong>em</strong> totalmente pública, n<strong>em</strong> totalmenteprivada: “cada hom<strong>em</strong> teria suas próprias posses; parte <strong>de</strong>las estaria à disposição <strong>de</strong> seu


Não seria qualquer <strong>de</strong>spropósito dizer que, <strong>em</strong> s<strong>em</strong>elhante pensamento,resi<strong>de</strong> o germe da própria idéia veiculada pela CRFB/88,segundo a qual, <strong>de</strong>ixando a proprieda<strong>de</strong> imóvel rural <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>rao seu fim social, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sapropriada por interesse social. Claroque <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>sapropriação, o terreno assim <strong>de</strong>sapropriado seriaentregue a outros, que terra alguma possuíam, e que po<strong>de</strong>riam realmenteutilizar aquele imóvel para produção, <strong>de</strong> sorte a satisfazer nãosomente as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>le e <strong>de</strong> sua família como também produziralgo que sirva à satisfação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s vitais <strong>de</strong> terceiros.O pensamento <strong>de</strong> Locke b<strong>em</strong> po<strong>de</strong>ria, pois, ser consi<strong>de</strong>rado umgerme da idéia da função social da proprieda<strong>de</strong> privada, inclusiveda proprieda<strong>de</strong> imobiliária.Agora, o art. 153 da antiga Constituição do Reich Al<strong>em</strong>ão. Foiinvocado por Gustav Radbruch 9 no seguinte contexto:99verda<strong>de</strong>iramente, se o direito serve a moral, não éisso <strong>de</strong>vido aos <strong>de</strong>veres jurídicos que impõe, massim graças aos direitos que outorga. É do lado<strong>de</strong>stes últimos, e não do lado dos primeiros, queele se acha voltado para a moral. Porquanto, seele outorga direitos aos indivíduos, é só a fim <strong>de</strong>círculo imediato, parte seria usada <strong>em</strong> comum com outros. Em Esparta, por ex<strong>em</strong>plo,os cidadãos usam os escravos uns dos outros praticamente como se foss<strong>em</strong> seus, e omesmo acontece <strong>em</strong> relação aos cavalos e aos cachorros; e se eles precisam <strong>de</strong> comidanuma viag<strong>em</strong>, consegu<strong>em</strong>-na no lugar on<strong>de</strong> se encontram. Está claro, então, que émelhor, para a proprieda<strong>de</strong>, permanecer <strong>em</strong> mãos particulares, mas estar<strong>em</strong>os agindocorretamente ao utilizá-la <strong>de</strong> modo comunal” (ARISTÓTELES. Política. Tradução <strong>de</strong>Therezinha Monteiro Deutsch e Baby Abrão. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999,p. 177). Noutras palavras, a proprieda<strong>de</strong> privada <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r a um fim comunitário,pensamento que, no momento presente, redundou na idéia da função social da proprieda<strong>de</strong>(<strong>em</strong>bora não com a tônica do uso comum da proprieda<strong>de</strong> privada, ou <strong>de</strong> umaparcela sua, como preconizado por Aristóteles).9 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. tradução <strong>de</strong> L. Cabral <strong>de</strong> Moncada. 6.ed. Coimbra: Arménio Amado, Editor, Sucessor, 1979, p. 111. Trata-se do art. 153° daConstituição <strong>de</strong> Weimar, elaborada posteriormente ao término da 1ª Guerra Mundial,segundo se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> da leitura <strong>de</strong> Alcino Pinto Falcão (apud CUNHA, FernandoWhitaker da, e outros. Comentários à Constituição. 1. volume. Arts. 1° ao 7°. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Freitas Bastos, 1990, p. 230; são <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Alcino Pinto Falcão os comentáriosao art. 5° da Constituição, incluindo aqueles a seus incisos XXII a XXIII, quetratam respectivamente do direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> e da sua função social).


100estes po<strong>de</strong>r<strong>em</strong> cumprir melhor os seus <strong>de</strong>veres.Pense-se, por ex<strong>em</strong>plo, na justificação do direito<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, fundada nesta ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> idéias.“A proprieda<strong>de</strong> obriga. O seu exercício <strong>de</strong>ve aomesmo t<strong>em</strong>po achar-se ao serviço do b<strong>em</strong> comum”(art. 153 o da Const. do Império). Só <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>staorientação, <strong>de</strong>ve dizer-se, é que v<strong>em</strong> a salientarseo momento ético que resi<strong>de</strong> no direito subjetivo;[...].A proprieda<strong>de</strong> obriga e o seu exercício <strong>de</strong>ve ao mesmo t<strong>em</strong>poachar-se ao serviço do b<strong>em</strong> comum. Essa regra do antigo art. 153 daConstituição do Reich Al<strong>em</strong>ão traduz, por outras palavras, mas comgran<strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, segundo se crê, a noção <strong>de</strong> função social da proprieda<strong>de</strong>,utilizada no texto constitucional brasileiro cont<strong>em</strong>porâneo.Se assim é, então cabe concluir que a proprieda<strong>de</strong> não é somenteum direito mas também um <strong>de</strong>ver.Essa conclusão po<strong>de</strong> ser d<strong>em</strong>onstrada recorrendo-se ao próprioconceito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, como proveniente do Direito Civil.Como previa o art. 524 do Código Civil <strong>de</strong> 1916 10 , “a lei asseguraao proprietário o direito <strong>de</strong> usar, gozar e dispor <strong>de</strong> seus bens, e <strong>de</strong>revê-los do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> quer que injustamente os <strong>de</strong>tenha”.Não é muito distinta a regra do art. 1.228 do vigente CódigoCivil 11 , <strong>de</strong> acordo com a qual “o proprietário t<strong>em</strong> a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar,gozar e dispor da coisa, e o direito <strong>de</strong> reavê-la do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> qu<strong>em</strong>quer que injustamente a possua ou <strong>de</strong>tenha”.Estamos aqui no terreno da tradicional afirmativa latina, segundoa qual a proprieda<strong>de</strong> consistia no jus utendi, fruendi, vel abutendi. 1210 BRASIL. Lei n. 3.071, <strong>de</strong> 1° <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1916 (Código Civil). Editora Saraiva. CódigoCivil. Obra coletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> ToledoPinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Luiz Eduardo Alves <strong>de</strong> Siqueira. 52. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 2001, p. 112.11 BRASIL. Lei n. 10.406, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002. Editora Sugestões Literárias. NovoCódigo Civil. São Paulo: Sugestões Literárias, 2002, p. 141.12 MONTEIRO, Washington <strong>de</strong> Barros. Curso <strong>de</strong> Direito Civil. 3° volume. Direito dasCoisas. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 91.


101Na lição <strong>de</strong> V. César da Silveira 13 , a proprieda<strong>de</strong> romana eradireito absoluto, compreen<strong>de</strong>ndo justamente o jus utendi, isto é, odireito <strong>de</strong> servir-se da coisa, o jus fruendi, ou direito <strong>de</strong> perceber osfrutos e produtos da coisa, e o jus abutendi, correspon<strong>de</strong>nte à faculda<strong>de</strong><strong>de</strong> dispor da coisa <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>finitiva, a título oneroso oua título gratuito.Deve-se registrar, todavia, que a idéia <strong>de</strong> consistir a proprieda<strong>de</strong>na reunião das faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> usar a coisa, perceber seus frutos e <strong>de</strong>la<strong>de</strong>sfazer-se, não é criação do Direito Romano. Para que se o tenhaclaro, basta que se leia o capítulo V do Código <strong>de</strong> Hamurábi, no qualse inser<strong>em</strong> diversas normas relativas à locação <strong>de</strong> terrenos rurais,além <strong>de</strong> regras disciplinando o direito à in<strong>de</strong>nização do proprietárioprejudicado por ações ou omissões <strong>de</strong> proprietários <strong>de</strong> outras terras(negligência na abertura <strong>de</strong> canais para irrigação, ou negligência namanutenção <strong>de</strong> diques, vindo as águas a prejudicar o campo <strong>de</strong> outr<strong>em</strong>,por ex<strong>em</strong>plo). Assim, tratavam do arrrendamento do terreno rural,<strong>de</strong>ntre outros dispositivos, os artigos 42, 43 e 44 do Código. Da vendaou permuta <strong>de</strong>sses terrenos cuidavam os artigos 35 a 41 14 . Hamurábi,autor do Código <strong>em</strong> referência, viveu entre 2067 e 2025 a.C., o queb<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstra ser a idéia <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> como conjunto das faculda<strong>de</strong>s<strong>de</strong> usar uma coisa, perceber-lhe os frutos ou produtos e <strong>de</strong>la<strong>de</strong>sfazer-se, b<strong>em</strong> mais antiga do que o próprio Direito Romano 15 .13 SILVEIRA, V. César da. Dicionário <strong>de</strong> Direito Romano. 2. volume. São Paulo: JoséBuschatsky, Editor, 1957, p. 549, verbete “proprietas”.14 Para ex<strong>em</strong>plificar, o art. 42 do Código afirmava que “se um hom<strong>em</strong> arrendou umcampo para cultivá-lo e não produziu grão no campo, comprovarão contra ele que nãotrabalhou o campo convenient<strong>em</strong>ente e ele dará ao proprietário grãos correspon<strong>de</strong>ntesà produção <strong>de</strong> seu vizinho”. Acerca da venda, o art. 40: “a sacerdotisa, o mercador ououtro feudatário po<strong>de</strong>rá ven<strong>de</strong>r seu campo, pomar e casa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o comprador assumao serviço ligado ao campo, ao pomar e à casa” (VIEIRA, Jair Lot (supervisão editorial).Código <strong>de</strong> Hamurabi. Código <strong>de</strong> Manu - excertos (livros Oitavo e Nono). Lei das XIIITábuas. São Paulo: EDIPRO, 1994, p. 18).15 VIEIRA, Jair Lot (supervisão editorial). Código <strong>de</strong> Hamurabi. Código <strong>de</strong> Manu- excertos (livros Oitavo e Nono). Lei das XIII Tábuas. São Paulo: EDIPRO, 1994, p.9. Também <strong>em</strong> Edward McNall Burns se obtém o informe <strong>de</strong> que o império do qualHammurabi foi chefe teve início por volta <strong>de</strong> 2.000 a.C. o que confirma ser o Códigopor ele elaborado b<strong>em</strong> mais antigo que a legislação romana (BURNS, Edward McNall.História da Civilização Oci<strong>de</strong>ntal. Tradução <strong>de</strong> Lourival Gomes Machado e Lour<strong>de</strong>sSantos Machado. 1. volume. Porto Alegre: Editora Globo, 1952, p. 106).


102Esse conteúdo do direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> persiste ainda hoje,segundo é possível <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r dos noticiados artigos tanto do CódigoCivil <strong>de</strong> 1916 quanto daquele <strong>de</strong> 2002. Po<strong>de</strong>-se afirmar, portanto,que haverá proprieda<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre que houver da parte <strong>de</strong> alguém afaculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar uma coisa, <strong>de</strong> frui-la, é dizer, <strong>de</strong> perceber seusfrutos e produtos e <strong>de</strong> <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sfazer-se, transferindo esses dois primeirosatributos a outr<strong>em</strong>, ou simplesmente abandonando a coisasobre a qual essas faculda<strong>de</strong>s reca<strong>em</strong>. Ad<strong>em</strong>ais, é inerente tambémao direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reivindicar a coisa do po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> qu<strong>em</strong> injustamente a possua ou <strong>de</strong>tenha, situação a partir da qualsurgiu a ação reivindicatória.Em que ponto <strong>de</strong>ssa idéia já tradicionalíssima do jus utendi,fruendi vel abutendi <strong>de</strong>ve-se então situar este outro pensamento b<strong>em</strong>mais cont<strong>em</strong>porâneo, <strong>de</strong> que o exercício <strong>de</strong>ssas faculda<strong>de</strong>s (ou <strong>de</strong>alguma <strong>de</strong>las) <strong>de</strong>ve obe<strong>de</strong>cer à função social que a proprieda<strong>de</strong>possua?Antes <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r, é interessante que se faça uma observaçãopreliminar e uma classificação dos bens, <strong>em</strong>bora rudimentar, utilizandocomo critério a sua <strong>de</strong>stinação econômica. A observação voltaao pensamento <strong>de</strong> Locke, para que se mantenha <strong>em</strong> vista a idéia <strong>de</strong>que as coisas <strong>de</strong> modo geral e, por via <strong>de</strong> conseqüência, o direito aser-se seu proprietário, <strong>de</strong>stinam-se à satisfação <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s vitaishumanas. Já a classificação das coisas a ser feita, tomando comocritério a sua <strong>de</strong>stinação, permite que sejam elas agrupadas <strong>em</strong> duascategorias: bens <strong>de</strong> consumo e bens <strong>de</strong> produção. Essa classificaçãodos bens, <strong>de</strong> cunho antes econômico que jurídico (tanto que não constaexpressamente da legislação), mostra-se, todavia, relevante paraque se possa aquilatar do alcance da função social da proprieda<strong>de</strong>.O enquadramento <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada coisa, inclusive imóvel, <strong>em</strong> umaou outra categoria, po<strong>de</strong> afetar o entendimento <strong>de</strong> qual seja, <strong>em</strong> facedaquela coisa, a sua função social.As coisas da primeira categoria, que abrange inclusive coisasimóveis, são aquelas cujo uso se <strong>de</strong>stina à direta e imediata satisfação<strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> humana. As da segunda categoria são coisasutilizadas para a produção das primeiras, ou seja, <strong>em</strong>pregadas naprodução <strong>de</strong> coisas que a seu turno virão a servir diretamente para


103o atendimento <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> humana. Em termos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>rural, a classificação po<strong>de</strong> ser facilmente ex<strong>em</strong>plificada: aterra é b<strong>em</strong> <strong>de</strong> produção, mas os frutos das árvores nela cultivadas,esses já serão bens <strong>de</strong> consumo, se <strong>de</strong>stinados a saciar a fome daspessoas quando consumidos in natura. Todavia, caso se <strong>de</strong>stin<strong>em</strong> àprodução <strong>de</strong> outras coisas (geléia, por ex<strong>em</strong>plo), continuarão sendobens <strong>de</strong> produção. Deixará um <strong>de</strong>terminado b<strong>em</strong> <strong>de</strong> produção <strong>de</strong>integrar essa categoria, transformando-se <strong>em</strong> b<strong>em</strong> <strong>de</strong> consumo, nomomento <strong>em</strong> que já venha a ser utilizado diretamente, ele mesmo,para satisfação <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> humana, como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>alimento, por ex<strong>em</strong>plo.Em suma: bens <strong>de</strong> produção são aqueles <strong>em</strong>pregados na geração<strong>de</strong> outros bens. Nisso resi<strong>de</strong> sua utilida<strong>de</strong>. Bens <strong>de</strong> consumosão aqueles utilizados direta e imediatamente na satisfação <strong>de</strong> umanecessida<strong>de</strong> humana ou que contribu<strong>em</strong> para essa satisfação, s<strong>em</strong>ser<strong>em</strong> <strong>em</strong>pregados na geração <strong>de</strong> outros bens. Tanto o alimentoquanto o refrigerador são ambos bens <strong>de</strong> consumo; o primeiro é <strong>em</strong>pregadodiretamente na satisfação da necessida<strong>de</strong> humana primária<strong>de</strong> nutrição; o segundo serve também à satisfação <strong>de</strong>ssa necessida<strong>de</strong>,à medida que se presta a conservar alimentos a baixa t<strong>em</strong>peratura;todavia, como não se <strong>de</strong>stina à geração <strong>de</strong> outros bens, não po<strong>de</strong> serincluído na categoria dos bens <strong>de</strong> produção.Deve-se fazer a ressalva no sentido <strong>de</strong> que os bens <strong>de</strong> consumo,como aqui conceituados, não pod<strong>em</strong> ser reconduzidos s<strong>em</strong>preà categoria dos bens consumíveis, como conceituados pelo art. 85 doCódigo Civil. 16 De acordo com aquele dispositivo, “são consi<strong>de</strong>radosconsumíveis os bens móveis cujo uso importa <strong>de</strong>struição imediata daprópria substância, sendo também consi<strong>de</strong>rados tais os <strong>de</strong>stinadosà alienação”.Bens <strong>de</strong> consumo há, efetivamente, observada a conceituaçãoque <strong>de</strong>les se fez (bens que se <strong>de</strong>stinam a satisfazer diretamente umanecessida<strong>de</strong> humana ou, pelo menos, contribu<strong>em</strong> <strong>em</strong> si mesmos paraesta satisfação, s<strong>em</strong> se <strong>de</strong>stinar<strong>em</strong> à elaboração <strong>de</strong> outros bens), que não16 BRASIL. Lei n. 10.406, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002. Editora Sugestões Literárias. NovoCódigo Civil. São Paulo: Sugestões Literárias, 2002, p. 13.


104<strong>de</strong>saparec<strong>em</strong> pelo uso. Nessa categoria inclu<strong>em</strong>-se os tradicionalmente<strong>de</strong>signados como “bens <strong>de</strong> consumo duráveis”. Satisfaz<strong>em</strong> diretamentea uma necessida<strong>de</strong> humana básica, ou ao menos contribu<strong>em</strong> <strong>em</strong>si mesmos para essa satisfação, mas seu uso não os faz <strong>de</strong>saparecerimediatamente. É certo que se <strong>de</strong>terioram ao longo do t<strong>em</strong>po. Isso,porém, não os assimila aos bens consumíveis, já que nestes a tônicaestá no seu <strong>de</strong>saparecimento logo quando da primeira utilização.S<strong>em</strong> <strong>em</strong>bargo, há bens <strong>de</strong> consumo que são também consumíveis,como ocorre com todos os alimentos. Outros bens <strong>de</strong> consumo,todavia, refog<strong>em</strong> a essa categoria dos consumíveis, como ocorre comas peças <strong>de</strong> vestuário, com os aparelhos eletrodomésticos e comvários outros.Por fim, po<strong>de</strong> haver também bens <strong>de</strong> produção enquadrados nacategoria dos consumíveis. Aqueles bens indispensáveis ao processo<strong>de</strong> produção <strong>de</strong> outros, mas que <strong>de</strong>saparec<strong>em</strong> durante esse processo<strong>de</strong> produção, s<strong>em</strong> que no novo b<strong>em</strong> se incorpor<strong>em</strong>, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser havidoscomo consumíveis. É o caso, por ex<strong>em</strong>plo, do combustível utilizadopara o aquecimento <strong>de</strong> cal<strong>de</strong>iras, a seu turno, <strong>em</strong>pregadas na geração<strong>de</strong> outros bens. Pela sua <strong>de</strong>stinação esse combustível <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>radob<strong>em</strong> <strong>de</strong> produção, à medida que serv<strong>em</strong> à geração <strong>de</strong> outros bens.Todavia, pelo seu <strong>de</strong>saparecimento durante o processo <strong>de</strong> produção,po<strong>de</strong> ser enquadrado na categoria dos bens consumíveis.Em suma, as duas categorias - bens <strong>de</strong> consumo e bens consumíveis- não se confund<strong>em</strong>, po<strong>de</strong>ndo haver bens <strong>de</strong> consumo que nãosão consumíveis, e também bens <strong>de</strong> produção que consumíveis são.Dito isso, cabe voltar agora à indagação acerca <strong>de</strong> quando uma<strong>de</strong>terminada coisa estará aten<strong>de</strong>ndo à sua função social e quando issonão estará ocorrendo, ou, como posta a indagação antes, <strong>em</strong> qual dosel<strong>em</strong>entos inerentes ao direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> (faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar, <strong>de</strong>fruir ou <strong>de</strong> dispor) se <strong>de</strong>ve situar a função social da proprieda<strong>de</strong>.Tendo <strong>em</strong> conta a classificação dos bens a que já se aludiu, umacoisa qualquer, que forme objeto <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> privada, estaráaten<strong>de</strong>ndo à sua função social, quando no seu uso se tiver <strong>em</strong> contaa finalida<strong>de</strong> a que ela se <strong>de</strong>stina e no seu uso realmente se estiveraten<strong>de</strong>ndo a essa finalida<strong>de</strong>. A terra, b<strong>em</strong> <strong>de</strong> produção, estará cum-


105prindo sua função social quando for utilizada para a produção <strong>de</strong>outros bens, quer esses, produzidos com o <strong>em</strong>prego do solo, sejam<strong>de</strong>stinados diretamente à satisfação <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong> humana,quer se <strong>de</strong>stin<strong>em</strong> a ser transformados ainda <strong>em</strong> outros, que finalmenteserão <strong>de</strong>stinados à satisfação direta ou indireta <strong>de</strong>ssa necessida<strong>de</strong>.Em se tratando <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> consumo, classificação que po<strong>de</strong> seraplicada inclusive aos imóveis, vale o mesmo raciocínio. Se um imóvel(característica primordialmente <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados imóveis urbanos) se<strong>de</strong>stina a que sobre ele seja erigida moradia para seres humanos, ouse sobre o terreno efetivamente já existe moradia, estando esta a serutilizada por pessoas, então essa coisa, que é b<strong>em</strong> <strong>de</strong> consumo, porquese <strong>de</strong>stina a aten<strong>de</strong>r diretamente à necessida<strong>de</strong> humana <strong>de</strong> habitação,estará cumprindo sua função social. Caso contrário, não.Num primeiro momento, portanto, nisto consiste a funçãosocial da proprieda<strong>de</strong>: no uso efetivo da coisa segundo a finalida<strong>de</strong>a que se <strong>de</strong>stina - b<strong>em</strong> <strong>de</strong> produção ou b<strong>em</strong> <strong>de</strong> consumo. Toda coisaque não esteja sendo utilizada para produzir outros bens ou parasatisfazer direta ou indiretamente a uma necessida<strong>de</strong> humana, nãoestá a cumprir sua função social.No ponto, <strong>de</strong>ve-se apenas acrescentar que a coisa po<strong>de</strong> não estarsendo utilizada diretamente por aquele que <strong>de</strong>tenha a sua proprieda<strong>de</strong>.O uso po<strong>de</strong> estar ocorrendo concretamente por um terceiro, como oarrendatário <strong>de</strong> um imóvel rural, que sobre ele <strong>de</strong>senvolve ativida<strong>de</strong>agrícola ou pecuária, ou como o morador da cida<strong>de</strong>, que resi<strong>de</strong> <strong>em</strong>imóvel alugado. A circunstância <strong>de</strong> não ser o <strong>de</strong>tentor do direito <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong> aquele que no momento está a fazer uso da coisa segundoa sua “vocação” (<strong>de</strong>la, coisa, e não <strong>de</strong>le, proprietário), não faz com queessa coisa não esteja, naquele contexto, aten<strong>de</strong>ndo à sua função social.Estará aten<strong>de</strong>ndo a ela, se estiver sendo utilizada por um terceiro, inclusivequando esse a esteja a utilizar por força <strong>de</strong> contrato celebradocom o proprietário e, pois, por ele autorizado ao uso da coisa.No jus utendi é que se situa, portanto, a idéia da função socialda proprieda<strong>de</strong>.De que modo essa conclusão se liga à regra do antigo art. 153da Constituição do Império Al<strong>em</strong>ão, segundo a qual a proprieda<strong>de</strong>


106obrigava? Não há dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r como a proprieda<strong>de</strong>possa obrigar. Para que se alcance essa compreensão, que será a mesmada idéia da função social da proprieda<strong>de</strong>, basta que se r<strong>em</strong><strong>em</strong>orea possibilida<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> situações outras, que confer<strong>em</strong> àspessoas um direito, cujo exercício é todavia consi<strong>de</strong>rado tambémcomo um <strong>de</strong>ver, tanto que a omissão da ativida<strong>de</strong> atrai a possibilida<strong>de</strong>da imposição <strong>de</strong> uma sanção 17 .A simples l<strong>em</strong>brança, entre nós, do direito <strong>de</strong> voto, já permitevislumbrar tal circunstância. O direito <strong>de</strong> sufrágio é certamente umdireito. Mas, segundo a legislação brasileira, consiste também <strong>em</strong>um <strong>de</strong>ver, tanto que o não-exercício <strong>de</strong>sse direito sujeita o eleitornão apenas à multa como também a uma série <strong>de</strong> outras possíveissanções previstas pelo Código Eleitoral.Acontece o mesmo com o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, quando encaradonessa perspectiva da sua função social. O não-uso da coisapara a finalida<strong>de</strong> a que se <strong>de</strong>stina - seja como b<strong>em</strong> <strong>de</strong> consumo, sejacomo b<strong>em</strong> <strong>de</strong> produção - po<strong>de</strong> atrair como sanção a sua <strong>de</strong>sapropriaçãopelo Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>, para que <strong>de</strong>pois seja entregue a qu<strong>em</strong> estejaefetivamente disposto a utilizá-la, e não a servir-se <strong>de</strong>la como merovalor especulativo, <strong>de</strong>ixando-a ociosa, para futuro enriquecimento,operado justamente custas da escassez <strong>de</strong> certos bens, particularmenteos imóveis, cuja disponibilida<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente limitada.Toda consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> um caráter absoluto do direito <strong>de</strong> pro-17 A palavra “sanção” po<strong>de</strong> ser entendida aqui tanto no sentido estrito quanto no sentidoamplo que lhe conferiu Kelsen. Em sentido estrito, a sanção é conseqüência que <strong>de</strong>veacontecer (<strong>de</strong>ver-ser) <strong>em</strong> face da prática <strong>de</strong> uma conduta cuja realização o Direito proscreve(ilícito). Em sentido mais amplo, a sanção é toda conseqüência que <strong>de</strong>ve incidir(novamente <strong>de</strong>ver-ser) <strong>em</strong> face <strong>de</strong> qualquer situação social que se enten<strong>de</strong> ina<strong>de</strong>quada.A esse respeito, KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução <strong>de</strong> João BaptistaMachado. 4. ed. Coimbra: Arménio Amado – Editor, Sucessor, 1976, título original: ReineRechtslehre, p. 67-68 e 71. O não-uso da coisa sobre a qual inci<strong>de</strong> o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>constitui ilícito, na medida <strong>em</strong> que neste estudo se sustenta que a proprieda<strong>de</strong> é tambémum <strong>de</strong>ver, e que tal se evi<strong>de</strong>ncia justamente porque o uso da coisa é imposto para quese possa afirmar estar ela cumprindo sua função social. Por isso, a <strong>de</strong>sapropriação pelonão-uso ou pelo uso ina<strong>de</strong>quado configura sanção <strong>em</strong> sentido estrito. Todavia, aindaquando se enten<strong>de</strong>sse que o não-uso ou o uso ina<strong>de</strong>quado da coisa não configurass<strong>em</strong>ilícito, tais situações ainda assim <strong>de</strong> todo modo ingressariam no contexto das situaçõessocialmente in<strong>de</strong>sejáveis, o que ainda permitiria o enquadramento da <strong>de</strong>sapropriaçãocomo sanção, somente que agora no anunciado sentido amplo.


107prieda<strong>de</strong>, que ainda permeava a doutrina mais antiga, <strong>de</strong>ve, portanto,ser abandonada. Quando menos, <strong>de</strong>ve ser abandonada a idéia<strong>de</strong> que o proprietário, <strong>em</strong>bora possa usar e fruir, po<strong>de</strong> também, seassim o <strong>de</strong>sejar, abster-se tanto do uso quanto da fruição, mantendointeiramente ociosa a coisa.Carvalho Santos 18 ainda teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observar, acercado direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, o seguinte:o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> é o direito real por excelência,sendo o mais amplo <strong>de</strong>ntre todos êles, oque constitui a sua qualida<strong>de</strong> fundamental, o traçotípico que o caracteriza.Daí a afirmativa da doutrina: o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>t<strong>em</strong> dois caracteres essenciais: ser absolutoe exclusivo. Absoluto porque a pessoa é sôbre acoisa sua mo<strong>de</strong>ratur et arbiter, tendo sôbre ela umpo<strong>de</strong>r ilimitado, quase <strong>de</strong>spótico, e po<strong>de</strong>r fazer<strong>de</strong>la aquilo que melhor lhe apraz, gozá-la, usá-la,<strong>de</strong>strui-la; exclusivo, por isso que o proprietáriot<strong>em</strong> o po<strong>de</strong>r privativo, <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> do qual po<strong>de</strong>impedir que outr<strong>em</strong> goze e disponha da coisasua, po<strong>de</strong>ndo reivindicá-la <strong>de</strong> terceiro possuidor,repelindo qualquer ofensa ao seu direito [...].O direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> persiste sendo exclusivo, por forçado direito <strong>de</strong> reivindicar a coisa <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> injustamente a <strong>de</strong>tenha oupossua. Deixou, todavia, <strong>de</strong> ser absoluto, ao menos na perspectivado não-uso 19 . Havendo vários modos pelos quais uma coisa possa ser18 CARVALHO SANTOS, João Manuel <strong>de</strong>. Código Civil Brasileiro Interpretado. VolumeVII. Arts. 485 a 553. 9. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1979, p. 270.Os itálicos constam do original e a acentuação gráfica também lhe está conforme.19 Também Rosalinda Pinto da Costa Rodrigues Pereira afirma que a proprieda<strong>de</strong>, <strong>em</strong>borapersista sendo um direito, tanto que assegurada expressamente pela CRFB, “nãopo<strong>de</strong> mais ser entendida nos seus caracteres tradicinoais: direito individual exclusivo,absoluto e perpétuo”, <strong>de</strong>vendo na atualida<strong>de</strong> compatibilizar-se com a sua função social(PEREIRA, Rosalinda Pinto da Costa Rodrigues. A teoria da função social da proprieda<strong>de</strong>rural e seus reflexos na acepção clássica <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Revista <strong>de</strong> Direito Civil,Imobiliário, Agrário e Empresarial. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 17, n. 65,julho-set<strong>em</strong>bro/1993, p. 118).


108utilizada, todos capazes <strong>de</strong> dar<strong>em</strong> a ela <strong>de</strong>stinação apropriada comob<strong>em</strong> <strong>de</strong> consumo ou <strong>de</strong> produção, a opção entre tais modos persistesendo do proprietário. Não é ele livre, todavia, para pura e simplesmente<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> usar a coisa, ou <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r seu uso, contratualmente,a outr<strong>em</strong>. Se assim proce<strong>de</strong>, viola a função social da proprieda<strong>de</strong>.No dizer <strong>de</strong> Celso Ribeiro Bastos 20 ,o cerne do nosso sist<strong>em</strong>a jurídico-político repousano fato <strong>de</strong> que não há uma oposição irrefragávelentre o social e o individual ou mesmo <strong>de</strong> que osocial avança na medida <strong>em</strong> que se sufocam osdireitos individuais. A feição ainda predominant<strong>em</strong>enteliberal da nossa Constituição acreditaque há uma maximização do atingimento dos interessessociais pelo exercício normal dos direitosindividuais.O liberalismo não consagra a proprieda<strong>de</strong> comoprivilégio <strong>de</strong> alguns, mas, sim, acredita ser a gestãoindividual do objeto do domínio a melhor forma<strong>de</strong> explorá-lo, gerando <strong>de</strong>starte o b<strong>em</strong> social. Estenão é senão um subproduto natural e espontâneoda livre atuação humana que, motivada pela recompensaque po<strong>de</strong> advir da exploração do b<strong>em</strong>,sobre ele exerce uma criativida<strong>de</strong> e um trabalho s<strong>em</strong>equivalente nos países que a renegam 21 .20 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição doBrasil (promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988). 7. volume. Arts. 170 a 192. São Paulo:Saraiva, 1990. p. 284-285.21 Este pensamento parece <strong>de</strong>itar raízes <strong>em</strong> Aristóteles, para qu<strong>em</strong> o sist<strong>em</strong>a da proprieda<strong>de</strong>privada era o mais a<strong>de</strong>quado, na medida <strong>em</strong> que, “com todos ocupados <strong>em</strong> melhorar aprópria situação, a produção crescerá”. Com tal afirmativa, pretendia o filósofo sustentarque, <strong>de</strong>dicando-se cada qual com mais afinco à coisa <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong> privada, do quese <strong>de</strong>dicaria à coisa que fosse comum, cresce a produção da comunida<strong>de</strong>, pelo crescimentoda produção <strong>de</strong> cada proprietário particular, e todos ganham com isso. Ad<strong>em</strong>ais,os homens ten<strong>de</strong>riam, segundo o pensamento <strong>de</strong> Aristóteles, a cuidar da proprieda<strong>de</strong>pública apenas quando isso os afetasse <strong>de</strong> maneira pessoal (ARISTÓTELES. Política.Tradução <strong>de</strong> Therezinha Monteiro Deutsch e Baby Abrão. São Paulo: Editora NovaCultural, 1999, p. 172; 176).


109Portanto, há uma perfeita sintonia entre a fruiçãoindividual do b<strong>em</strong> e o atingimento da sua funçãosocial. Só esta harmonia e compatibilização pod<strong>em</strong>explicar porque os países que mais se <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>economicamente são os que o faz<strong>em</strong> sob amodalida<strong>de</strong> do capital privado.S<strong>em</strong> <strong>em</strong>bargo, o mesmo autor também pon<strong>de</strong>ra que, tal qualpo<strong>de</strong> acontecer com qualquer direito, também o <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>po<strong>de</strong> ser exercido <strong>de</strong> modo abusivo, “exclusivamente personalistae egoísta”, situação <strong>em</strong> que o <strong>de</strong>tentor do domínio se expõe a duasor<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> sanções: aquelas inerentes ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia e a perda daproprieda<strong>de</strong> 22 .Confirmando, <strong>de</strong> certa forma, também a idéia <strong>de</strong> que é por meiodo uso da coisa que se revela o efetivo cumprimento da função socialda proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve-se fazer uma referência às regras dos artigos183 e 191 da CRFB/88 23 .O primeiro <strong>de</strong>sses dispositivos afirma que aquele que possuircomo sua área urbana <strong>de</strong> até duzentos e cinqüenta metros quadrados,por cinco anos ininterruptos e s<strong>em</strong> oposição, utilizando-a para suamoradia ou <strong>de</strong> sua família, adquirir-lhe-á o domínio, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nãoseja proprietário <strong>de</strong> algum outro imóvel, seja urbano, seja rural.O segundo artigo, a seu turno, consagra a aquisição da proprieda<strong>de</strong>do imóvel rural com área <strong>de</strong> até cinqüenta hectares poraquele que, sendo seu possuidor por cinco anos ininterruptos e s<strong>em</strong>oposição, torná-lo produtivo pelo seu trabalho ou <strong>de</strong> sua família,tendo nele ad<strong>em</strong>ais a sua morada. Também nesse caso é exigívelque o possuidor não seja proprietário <strong>de</strong> outro imóvel, n<strong>em</strong> urbano,n<strong>em</strong> rural.22 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição doBrasil (promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988). 7. volume. Arts. 170 a 192. São Paulo:Saraiva. 1990, p. 285.23 BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Editora Saraiva. Constituiçãoda República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988. Obracoletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto, MárciaCristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.121 e 123.


110Essas duas figuras - conhecidas respectivamente como usucapiãoespecial urbana e usucapião especial rural - apontam no sentidodo acolhimento da idéia formulada por Locke, no sentido <strong>de</strong> queaquele que se apossa <strong>de</strong> mais do que aquilo que efetivamente po<strong>de</strong>usar, usurpa algo do fundo comum. O proprietário que não utilizao imóvel que lhe pertence per<strong>de</strong>-lhe a proprieda<strong>de</strong> para o possuidorque o torna útil com a sua morada e também por fazê-lo produtivo,quando se trata <strong>de</strong> imóvel rural. Confirmando também a idéia <strong>de</strong>que aquele que se apossa <strong>de</strong> mais do que realmente lhe po<strong>de</strong> servirusurpa algo da coletivida<strong>de</strong>, a exigência, aplicável às duas modalida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> usucapião, <strong>de</strong> que o possuidor não seja proprietário <strong>de</strong>outro imóvel.A usucapião não conflita com a garantia constitucional da proprieda<strong>de</strong>.Afinal, há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que se passe o prazo previsto- no caso, <strong>de</strong> cinco anos -, durante o qual presumivelmente se hajamantido inerte o <strong>de</strong>tentor do domínio, tanto que se exige que a posseseja s<strong>em</strong> oposição, para que a proprieda<strong>de</strong> seja adquirida pelo possuidor.Ao proprietário continua facultado o direito <strong>de</strong> reivindicara coisa <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> a <strong>de</strong>tenha ou possua s<strong>em</strong> título jurídico que a tantoo habilite. Somente quando se queda inerte, acentuando a idéia <strong>de</strong>que, pelo não-uso, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> conferir à proprieda<strong>de</strong> a sua função social,é que a posse se converte <strong>em</strong> modo <strong>de</strong> aquisição do domínio (e,naturalmente, <strong>de</strong> sua perda pelo proprietário anterior).Uma <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira observação é ainda necessária, no tocante aoponto, <strong>em</strong> face do Direito Constitucional do Brasil.Em se tratando <strong>de</strong> imóvel rural, a CRFB/88, <strong>em</strong> seu artigo 186,não apenas afirma a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o imóvel seja utilizado parao fim a que se <strong>de</strong>stina, ou seja, venha a ser efetivamente <strong>em</strong>pregadocomo meio <strong>de</strong> produção, quer diretamente pelo <strong>de</strong>tentor do domínio(palavra que aqui está sendo utilizada como sinônima <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>),quer por terceiro, a qu<strong>em</strong> o proprietário ceda contratualmente ouso da coisa, como também exige que nesse uso ocorra o atendimentoa <strong>de</strong>terminados parâmetros.No âmbito dos imóveis rurais, portanto, a função social daproprieda<strong>de</strong>, no Direito Brasileiro, foi dilargada para além da exigênciado próprio uso da coisa. Abrange também o atendimento a


111<strong>de</strong>terminados parâmetros, quando do seu uso. Imóvel rural utilizados<strong>em</strong> atendimento a tais parâmetros também não estará cumprindosua função social.Isso é o que se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> do artigo 186 da CRFB/88 24 , assimredigido:Art. 186. A função social é cumprida quando a proprieda<strong>de</strong>rural aten<strong>de</strong>, simultaneamente, segundocritérios e graus <strong>de</strong> exigência estabelecidos <strong>em</strong> lei,aos seguintes requisitos:I - aproveitamento racional e a<strong>de</strong>quado;II - utilização a<strong>de</strong>quada dos recursos naturais disponíveise preservação do meio ambiente;III - observância das disposições que regulam asrelações <strong>de</strong> trabalho;IV - exploração que favoreça o b<strong>em</strong>-estar dos proprietáriose dos trabalhadores. 25Celso Ribeiro Bastos 26 afirma que “o fornecimento pela própriaConstituição <strong>de</strong> quais os requisitos objetivos que atend<strong>em</strong> à conceituação<strong>de</strong> função social é extr<strong>em</strong>amente conveniente”, por retiraro conceito do campo <strong>de</strong> “abstrações e vaguida<strong>de</strong>s sob o qual tudoacaba encontrando guarida para conferir indicadores <strong>de</strong> naturezaobjetiva”.S<strong>em</strong> <strong>em</strong>bargo, inclusive <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> do que nele existe <strong>de</strong> impreciso,a motivar justamente a exigência do disciplinamento por lei24 BRASIL. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Editora Saraiva. Constituiçãoda República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988. Obracoletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto, MárciaCristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.122.25 Segundo Raul Machado Horta, o atendimento <strong>de</strong>sses requisitos <strong>de</strong>ve ser simultâneo(HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,2002, p. 263).26 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição doBrasil (promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988). 7. volume. Arts. 170 a 192. São Paulo:Saraiva, 1990, p. 286.


112<strong>de</strong>sses parâmetros para reconhecimento do atendimento à funçãosocial pelo imóvel rural, o dispositivo tornou-se também passível <strong>de</strong>certas críticas. Manoel Gonçalves Ferreira Filho 27 , por ex<strong>em</strong>plo, além <strong>de</strong>afirmar que tais parâmetros não são a<strong>de</strong>quados para a caracterizaçãoda função social da proprieda<strong>de</strong>, consi<strong>de</strong>ra que o inciso IV do artigonão resiste à menor crítica, ao provocar perguntas cuja resposta nãopo<strong>de</strong> ser fornecida, senão mediante recurso a total subjetivismo, comoaquela que indagará como caracterizar o b<strong>em</strong>-estar dos proprietáriose o dos trabalhadores que <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> seu labor no imóvel rural.A exigência <strong>de</strong> que ao imóvel rural seja dado aproveitamentoracional e a<strong>de</strong>quado, para que se consi<strong>de</strong>re estar ele aten<strong>de</strong>ndo à suafunção social, não permite, todavia, que o Estado pretenda impordirigismo no exercício da ativida<strong>de</strong> econômica rural. Ao proprietáriocontinua livre <strong>de</strong>finir que <strong>de</strong>stinação dará a seu imóvel, no sentido<strong>de</strong> caber-lhe a escolha da espécie <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica que neleirá <strong>de</strong>senvolver - pecuária, agrícola ou extrativa - e também, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> cada espécie e respeitadas as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada situação, anatureza dos animais que sobre o terreno irá criar, ou a natureza dosprodutos agrícolas que nele produzirá.Há que respeitar, na aplicação do requisito do a<strong>de</strong>quado eracional aproveitamento do imóvel rural, o princípio norteador daativida<strong>de</strong> econômica, expressamente consagrado pela CRFB/88,representado pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa econômica (art. 170, caput),ainda quando a própria Constituição, mesmo consagrandotal liberda<strong>de</strong>, volte a fazer referência a que, na sua impl<strong>em</strong>entação,<strong>de</strong>va ser observada a função social da proprieda<strong>de</strong> (CRFB/88, art.170, inciso III) 28 .27 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira <strong>de</strong>1988. Volume 2. Arts. 104 a 250. 2. ed., atualizada e reformulada. São Paulo: Saraiva,1999. p. 203-204.28 Mo<strong>de</strong>sto Carvalhosa, <strong>em</strong>bora escrevendo a propósito da Emenda Constitucional n.1, <strong>de</strong> 1969, produziu o seguinte conceito operacional dogmático <strong>de</strong> “livre iniciativa”,cuja valida<strong>de</strong> persiste <strong>em</strong> face da CRFB <strong>de</strong> 1988: “conceitua-se, portanto, a iniciativaeconômica privada como direito subjetivo dos resi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>, preferencialmente, organizar<strong>em</strong>e exercitar<strong>em</strong> qualquer modo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> econômica voltada à obtenção<strong>de</strong> um rendimento <strong>de</strong> capital” (CARVALHOSA, Mo<strong>de</strong>sto. A ord<strong>em</strong> econômica naConstituição <strong>de</strong> 1969. São Paulo: RT, 1972. p. 116).


113Em suma, não se po<strong>de</strong>, a pretexto da exigibilida<strong>de</strong> do aproveitamentoracional e a<strong>de</strong>quado do terreno rural, impor ao seuproprietário que se <strong>de</strong>dique a esta ou àquela ativida<strong>de</strong> econômica.Estando o país afastado da idéia da planificação econômica, porforça da qual ao Estado cabia <strong>de</strong>cidir qu<strong>em</strong> produzia o que, quanto,como e on<strong>de</strong>, então se <strong>de</strong>ve concluir que r<strong>em</strong>anesce ao proprietáriodo terreno rural o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolha do que produzir 29 .Finalizando esse aspecto da t<strong>em</strong>ática, como foi observado porSílvio <strong>de</strong> Salvo Venosa 30 , o Estado <strong>de</strong>ve “fornecer instrumentos jurídicoseficazes para o proprietário <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o que é seu e que é utilizado<strong>em</strong> proveito <strong>de</strong> sua família e <strong>de</strong> seu grupo social”. Deve também,todavia, “criar instrumentos legais eficazes e justos para tornar todoe qualquer b<strong>em</strong> produtivo e útil”, à medida que “b<strong>em</strong> não utilizadoou mal utilizado é constante motivo <strong>de</strong> inquietação social”.2 Desdobramentos normativos da idéia da função social daproprieda<strong>de</strong>, no Direito Infraconstitucional brasileiroTendo s<strong>em</strong>pre <strong>em</strong> mira que as coisas pod<strong>em</strong> ser classificadassegundo sua <strong>de</strong>stinação econômica (bens <strong>de</strong> consumo e bens <strong>de</strong> produção)e também a idéia <strong>de</strong> que a função social da proprieda<strong>de</strong> secumpre quando uma <strong>de</strong>terminada coisa está mesmo sendo utilizadapara a finalida<strong>de</strong> a que se <strong>de</strong>stina, po<strong>de</strong>-se enumerar, ainda que s<strong>em</strong> amenor pretensão <strong>de</strong> completu<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong> cada um<strong>de</strong>les, uma série <strong>de</strong> <strong>de</strong>sdobramentos alcançados pelo Direito PositivoBrasileiro, a partir da idéia da função social da proprieda<strong>de</strong>.Inicialmente, o próprio artigo 184 da CRFB/88, antes invocado,contém já uma conseqüência da idéia da função social da proprieda<strong>de</strong>imobiliária rural. Manda ele que seja <strong>de</strong>sapropriado, para fins29 Não se está, portanto, diante daquele conceito <strong>de</strong> função social da proprieda<strong>de</strong> construídopelo nazi-fascismo, como noticiado por Alcino Pinto Falcão (apud CUNHA, FernandoWhitaker da, e outros. Comentários à Constituição. 1. volume. Arts. 1° ao 7°. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Freitas Bastos, 1990, p. 234-235).30 VENOSA, Sílvio <strong>de</strong> Salvo. Direito Civil. Direitos Reais. Volume 5. 3. ed. São Paulo:Atlas, 2003, p. 154.


114<strong>de</strong> reforma agrária, o imóvel rural que não esteja aten<strong>de</strong>ndo à suafunção social. Os imóveis rurais são essencialmente bens <strong>de</strong> produção.Destinam-se, pelo cultivo da terra ou pelo seu uso para a criação<strong>de</strong> animais, a produzir outros bens, que <strong>de</strong>pois serão diretamente<strong>de</strong>stinados à satisfação <strong>de</strong> diversas necessida<strong>de</strong>s humanas, ou serãoutilizados na produção <strong>de</strong> outros bens que a tal satisfação serão aseu turno então <strong>de</strong>stinados. A sanção pelo <strong>de</strong>satendimento à funçãosocial da proprieda<strong>de</strong> consistirá então na sua perda, <strong>em</strong>bora mediantejusta in<strong>de</strong>nização, para que <strong>de</strong>pois a coisa possa ser entregue a qu<strong>em</strong>efetivamente lhe dê <strong>em</strong>prego a<strong>de</strong>quado como b<strong>em</strong> <strong>de</strong> produção.De certa forma, ressurge a idéia <strong>de</strong> Locke, <strong>de</strong> que aquele que seapossa <strong>de</strong> mais do que realmente po<strong>de</strong> utilizar, ainda que seja paraprodução <strong>de</strong> bens <strong>de</strong>stinados ao consumo <strong>de</strong> outros, apo<strong>de</strong>ra-se <strong>de</strong>algo do fundo comum que não lhe cabe e mereceria ser <strong>de</strong>sapossadoda coisa, para que essa passasse a terceiro.Fora do âmbito diretamente constitucional, mas na vertente dafunção social da proprieda<strong>de</strong>, situam-se várias regras legais, todas<strong>de</strong>stinadas justamente a fomentar o uso da coisa, particularmenteda coisa imóvel, seja urbana, seja rural, <strong>de</strong> modo a que atenda efetivamenteà sua função social.Assim, para ex<strong>em</strong>plificar, a Lei n o 10.257, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>2001, que passou a ser conhecida como Estatuto da Cida<strong>de</strong> 31 , <strong>em</strong> seusartigos 5 o e 6 o , disciplina o parcelamento, a edificação ou a utilizaçãocompulsória <strong>de</strong> imóveis urbanos não utilizados, subutilizados ou nãoedificados, num claro <strong>de</strong>sdobramento da idéia da função social daproprieda<strong>de</strong>. A mesma Lei, <strong>em</strong> seu art. 7 o , também autoriza os Municípiosa efetuar cobrança do Imposto sobre a Proprieda<strong>de</strong> Predial eTerritorial Urbana (IPTU), com alíquotas progressivas no t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong>caso <strong>de</strong> imóveis não utilizados, não edificados ou subutilizados. Damesma forma, caso a aplicação das alíquotas progressivas no t<strong>em</strong>ponão se mostre ainda eficaz a fazer com que o proprietário dê ao seuimóvel urbano uso socialmente a<strong>de</strong>quado (que po<strong>de</strong>, no caso, ser31 BRASIL. Lei n. 10.257, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2001. Editora Saraiva. Código Civil. Obracoletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto, MárciaCristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 54. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.1.408-1.425.


115tanto como b<strong>em</strong> <strong>de</strong> consumo quanto como b<strong>em</strong> <strong>de</strong> produção), a Leiantes referida autoriza a <strong>de</strong>sapropriação do imóvel, com pagamento<strong>em</strong> títulos <strong>de</strong> dívida pública 32 .A progressivida<strong>de</strong> do IPTU no t<strong>em</strong>po significa que o Municípiopo<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>terminar majoração <strong>de</strong> alíquotas <strong>de</strong>sse imposto <strong>de</strong> um anopara outro, enquanto não for<strong>em</strong> tomadas pelo proprietário do imóvelas providências previstas <strong>em</strong> lei e <strong>de</strong>stinadas a eliminar as situações<strong>de</strong> não edificação, não utilização ou subutilização do imóvel, todasincompatíveis com a função social da proprieda<strong>de</strong>.Nessa perspectiva, o caput do art. 7 o da Lei n. 10.257, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong>julho <strong>de</strong> 2001, afirma que, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento das condiçõese nos prazos previstos na Lei Municipal relativos a parcelamento ouedificação compulsórios <strong>de</strong> terrenos urbanos, “o Município proce<strong>de</strong>ráà aplicação do imposto sobre a proprieda<strong>de</strong> predial e territorial(IPTU) progressivo no t<strong>em</strong>po, mediante a majoração da alíquota peloprazo <strong>de</strong> cinco anos consecutivos”.O § 1 o do art. 7 o , a seu turno, afirma que o valor da alíquotaa ser aplicado a cada ano será fixado na lei municipal específica aque se refere o caput do artigo 5 o da Lei nacional (artigo este quecuida do parcelamento, edificação ou utilização obrigatórios dosolo urbano) e não exce<strong>de</strong>rá a duas vezes o valor referente ao anoanterior, respeitada a alíquota máxima <strong>de</strong> quinze por cento. O § 2 o doart. 7 o da Lei or<strong>de</strong>na que o Município mantenha a alíquota máximado IPTU utilizado progressivamente, caso, <strong>de</strong>corridos cinco anos, oproprietário do solo não tenha provi<strong>de</strong>nciado seu parcelamento ouna utilização a<strong>de</strong>quada. Finalmente, o § 3 o do mesmo artigo proíbea concessão <strong>de</strong> isenções ou anistias do IPTU, quando <strong>em</strong>pregado32 Vale a pena l<strong>em</strong>brar que o § 2 o , do art. 182 da CRFB (BRASIL. Constituição da RepúblicaFe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Editora Saraiva. Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativado Brasil. Promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988. Obra coletiva da Editora Saraiva,com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos SantosWindt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 121), afirma que “a proprieda<strong>de</strong>urbana cumpre sua função social quando aten<strong>de</strong> às exigências fundamentaisda or<strong>de</strong>nação da cida<strong>de</strong> expressas no plano diretor”. Fica, <strong>de</strong>ssa maneira, condicionadoo reconhecimento e, portanto, o não-reconhecimento do uso do imóvel urbano <strong>de</strong> formaa aten<strong>de</strong>r à sua função social, ao contido no plano diretor <strong>de</strong> cada Município.


116progressivamente 33 .Confirmando também a idéia <strong>de</strong> que é pelo uso que a coisacumpre sua função social, <strong>de</strong>ve-se l<strong>em</strong>brar neste passo também aregra do parágrafo único do artigo 1.238 do Código Civil <strong>de</strong> 2002- Lei n o 10.406, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002 34 , segundo a qual o prazoda usucapião extraordinária fica reduzido para <strong>de</strong>z anos, quando opossuidor haja estabelecido no imóvel sua morada habitual, ou hajanele realizado obras ou serviços <strong>de</strong> caráter produtivo.Aponta no mesmo sentido ainda a regra dos §§ 4 o e 5 o , doartigo 1.228 do Código Civil 35 , segundo as quais po<strong>de</strong> não ocorrera <strong>de</strong>negação do regresso do imóvel reivindicando a posse <strong>de</strong> seuproprietário, quando se tratar <strong>de</strong> área extensa, que esteja na posseininterrupta e <strong>de</strong> boa-fé, por mais <strong>de</strong> cinco anos, “<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rávelnúmero <strong>de</strong> pessoas, e estas nela houver<strong>em</strong> realizado, <strong>em</strong> conjunto ouseparadamente, obras e serviços consi<strong>de</strong>rados pelo juiz <strong>de</strong> interessesocial e econômico relevante”, hipótese <strong>em</strong> que <strong>de</strong>verá ser fixada ajusta in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong>vida ao proprietário.Situação <strong>de</strong> transferência compulsória do domínio da coisa aqu<strong>em</strong>, sendo-lhe possuidor pelo t<strong>em</strong>po mínimo exigido pela regralegal, também haja <strong>em</strong>pregado nela seu trabalho, realizando nelaobras e serviços que o juiz consi<strong>de</strong>re <strong>de</strong> interesse social e econômicorelevante. A transferência do domínio, nesse caso, todavia, salvopossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> usucapião especial urbana ourural, ficará condicionada ao pagamento da in<strong>de</strong>nização fixada.Em t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> imóveis rurais, a Lei n o 4.132, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro<strong>de</strong> 1962 36 , já cuidava da <strong>de</strong>sapropriação por interesse social, para33 A propósito do t<strong>em</strong>a, DECOMAIN, Pedro Roberto; Diretrizes gerais da política urbana;Lei n o 10.257/2001; IPTU progressivo no t<strong>em</strong>po; ,acesso <strong>em</strong> 15 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2004. Toshio Mukai <strong>de</strong>signou o IPTU progressivo no t<strong>em</strong>po,<strong>de</strong>stinado a <strong>de</strong>sestimular não uso ou subutilização <strong>de</strong> imóveis urbanos como modalida<strong>de</strong><strong>de</strong> “tributação extrafiscal <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> punitiva” (MUKAI, Toshio. O Estatuto dacida<strong>de</strong>. Anotações à Lei n. 10.257, <strong>de</strong> 10-7-2001. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 11).34 BRASIL. Lei n. 10.406, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002. Editora Sugestões Literárias. NovoCódigo Civil. São Paulo: Sugestões Literárias, 2002. p. 143.35 BRASIL. Lei n. 10.406, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002. Editora Sugestões Literárias. NovoCódigo Civil. São Paulo: Sugestões Literárias, 2002. p. 142.


117justa distribuição da terra ou para seu uso conforme o b<strong>em</strong>-estarsocial, expressão situada muito próxima daquela da função socialda proprieda<strong>de</strong>. O Decreto n o 95.715, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1988 37 ,regulamenta as <strong>de</strong>sapropriações para reforma agrária e, já <strong>em</strong> seuartigo 1 o , salienta que tal reforma ocorrerá <strong>em</strong> área inexplorada oucom exploração que contrarie os princípios que informam a ord<strong>em</strong>econômica e social, numa clara alusão, mesmo antes da vigência daCRFB/88, à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observância da função social da proprieda<strong>de</strong>rural.De referir-se também a Lei n o 4.504, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>1964 38 , conhecida como Estatuto da Terra. Já, no caput <strong>de</strong> seu artigo2 o e no respectivo § 1 o , a mencionada Lei afirmava:Art. 2 o É assegurada a todos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>acesso à proprieda<strong>de</strong> da terra, condicionada pelasua função social, na forma prevista nesta lei.§ 1 o A proprieda<strong>de</strong> da terra <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penha integralmentea sua função social quando, simultaneamente:a) favorece o b<strong>em</strong>-estar dos proprietários e dostrabalhadores que nela labutam, assim como <strong>de</strong>suas famílias;b) mantém níveis satisfatórios <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>;c) assegura a conservação dos recursos naturais;36 BRASIL. Lei n. 4.132, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1962. Editora Saraiva. Código Civil. Obracoletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto, MárciaCristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 54. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p.1.408-1.425.37 BRASIL. Decreto n. 95.715, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1988. Editora Saraiva. Código Civil.Obra coletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto,Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 54. ed. São Paulo: Saraiva,2003, p. 1.408-1.425.38 BRASIL. Lei n. 4.504, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1964. Presidência da República. <strong>Ministério</strong>Extraordinário para Assuntos Fundiários. Programa Nacional <strong>de</strong> Política Fundiária.Coletânea. Legislação agrária; legislação <strong>de</strong> registros públicos; jurisprudência. Brasília:<strong>Ministério</strong> Extraordinário para Assuntos Fundiários. Programa Nacional <strong>de</strong> PolíticaFundiária, 1983.


118d) observa as disposições legais que regulam asjustas relações <strong>de</strong> trabalho entre os que a possu<strong>em</strong>e a cultivam.Em seu artigo 2 o , § 2 o , alínea b, a mesma Lei também estabeleceser incumbência do Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong> “zelar para que a proprieda<strong>de</strong> daterra <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhe sua função social, estimulando planos para a suaracional utilização, promovendo a justa r<strong>em</strong>uneração e o acesso dotrabalhador aos benefícios do aumento da produtivida<strong>de</strong> e ao b<strong>em</strong>estarcoletivo”.A Lei n o 8.174, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1991 39 , prevê os princípios dapolítica agrícola. Já a Lei n o 8.629, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1993 40 , dispõesobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos àreforma agrária. Por fim, a Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 76, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>1993 41 , com as alterações <strong>de</strong>terminadas pela Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 88,<strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1996, dispõe sobre o procedimento contraditórioespecial, <strong>de</strong> rito sumário, para o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong>imóvel rural, por interesse social, para fins <strong>de</strong> reforma agrária.A Lei n o 8.629, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1993, aten<strong>de</strong>ndo ao queconsta do caput do art. 186 da CRFB/88, <strong>de</strong>fine os critérios e graus<strong>de</strong> exigência <strong>em</strong> face dos quais serão consi<strong>de</strong>rados atendidos os requisitoscontidos nos incisos daquele artigo constitucional, para quese consi<strong>de</strong>re que a proprieda<strong>de</strong> rural aten<strong>de</strong> à sua função social.Assim, no que tange ao requisito previsto pelo inciso I doart. 186 da CRFB/88, o § 1 o do art. 9 o da Lei n o 8.629/93 afirmaque o aproveitamento do terreno rural será havido por a<strong>de</strong>quadoquando aten<strong>de</strong>r aos parâmetros previstos nos §§ 1 o a 7 o do artigo6 o da mesma Lei.39 BRASIL. Lei n. 8.174, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1991. . Acesso<strong>em</strong> 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2004.40 BRASIL. Lei n. 8.629, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1993. . Acesso<strong>em</strong> 14 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2004.41 BRASIL. Lei Compl<strong>em</strong>entar n. 76, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1993. Editora Saraiva. Código <strong>de</strong>Processo Civil. Obra coletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz<strong>de</strong> Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 34. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2004. p. 758-762.


119Para conhecimento <strong>de</strong> tais parâmetros, interessante a transcriçãodo caput e dos §§ 1 o a 7 o do art. 6 o da Lei mencionada:Art. 6 o Consi<strong>de</strong>ra-se proprieda<strong>de</strong> produtiva aquelaque, explorada econômica e racionalmente, atinge,simultaneamente, graus <strong>de</strong> utilização da terra e <strong>de</strong>eficiência na exploração, segundo índices fixadospelo órgão fe<strong>de</strong>ral competente.§ 1 o O grau <strong>de</strong> utilização da terra, para efeito docaput <strong>de</strong>ste artigo, <strong>de</strong>verá ser igual ou superiora 80% (oitenta por cento), calculado pela relaçãopercentual entre a área efetivamente utilizada e aárea aproveitável total do imóvel.§ 2 o O grau <strong>de</strong> eficiência na exploração da terra<strong>de</strong>verá ser igual ou superior a 100% (c<strong>em</strong> porcento), e será obtido <strong>de</strong> acordo com a seguintesist<strong>em</strong>ática:I - para os produtos vegetais, divi<strong>de</strong>-se a quantida<strong>de</strong>colhida <strong>de</strong> cada produto pelos respectivosíndices <strong>de</strong> rendimento estabelecidos pelo órgãocompetente do Po<strong>de</strong>r Executivo, para cada MicrorregiãoHomogênea;II - para a exploração pecuária, divi<strong>de</strong>-se o númerototal <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s Animais (UA) do rebanho, peloíndice <strong>de</strong> lotação estabelecido pelo órgão competentedo Po<strong>de</strong>r Executivo, para cada MicrorregiãoHomogênea;III - a soma dos resultados obtidos na forma dosincisos I e II <strong>de</strong>ste artigo, dividida pela área efetivamenteutilizada e multiplicada por 100 (c<strong>em</strong>),<strong>de</strong>termina o grau <strong>de</strong> eficiência na exploração.§ 3 o Consi<strong>de</strong>ra-se efetivamente utilizadas:I - as áreas plantadas com produtos vegetais;II - as áreas <strong>de</strong> pastagens nativas e plantadas, ob-


120servado o índice <strong>de</strong> lotação por zona <strong>de</strong> pecuária,fixado pelo Po<strong>de</strong>r Executivo;III - as áreas <strong>de</strong> exploração extrativa vegetal ouflorestal, observados os índices <strong>de</strong> rendimentoestabelecidos pelo órgão competente do Po<strong>de</strong>rExecutivo, para cada Microrregião Homogênea,e a legislação ambiental;IV - as áreas <strong>de</strong> exploração <strong>de</strong> florestas nativas, <strong>de</strong>acordo com plano <strong>de</strong> exploração e nas condiçõesestabelecidas pelo órgão fe<strong>de</strong>ral competente;V - as áreas sob processos técnicos <strong>de</strong> formaçãoou recuperação <strong>de</strong> pastagens ou <strong>de</strong> culturas permanentes;§ 4 o No caso <strong>de</strong> consórcio ou intercalação <strong>de</strong> culturas,consi<strong>de</strong>ra-se efetivamente utilizada a áreatotal do consórcio ou intercalação.§ 5 o No caso <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um cultivo no ano, com umou mais produtos, no mesmo espaço, consi<strong>de</strong>ra-seefetivamente utilizada a maior área usada no anoconsi<strong>de</strong>rado.§ 6 o Para os produtos que não tenham índices <strong>de</strong>rendimentos fixados, adotar-se-á a área utilizadacom esses produtos, com resultado do cálculoprevisto no inciso I do § 2 o <strong>de</strong>ste artigo.§ 7 o Não per<strong>de</strong>rá a qualificação <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>produtiva o imóvel que, por razões <strong>de</strong> força maior,caso fortuito ou <strong>de</strong> renovação <strong>de</strong> pastagens tecnicamenteconduzida, <strong>de</strong>vidamente comprovadospelo órgão competente, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> apresentar, noano respectivo, os graus <strong>de</strong> eficiência na exploração,exigidos para a espécie.Com relação ao requisito da utilização a<strong>de</strong>quada dos recursosnaturais disponíveis e preservação do meio ambiente (CRFB/88, art.


121186, inciso II) 42 , o t<strong>em</strong>a v<strong>em</strong> disciplinado pelos §§ 2 o e 3 o do artigo 9 o daLei n. 8.629, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1993, cuja redação é a seguinte:Art. 9 o . [...]§ 2 o Consi<strong>de</strong>ra-se a<strong>de</strong>quada a utilização dos recursosnaturais disponíveis quando a exploraçãose faz respeitando a vocação natural da terra, d<strong>em</strong>odo a manter o potencial produtivo da proprieda<strong>de</strong>.§ 3 o Consi<strong>de</strong>ra-se preservação do meio ambientea manutenção das características próprias do meionatural e da qualida<strong>de</strong> dos recursos ambientais,na medida a<strong>de</strong>quada à manutenção do equilíbrioecológico da proprieda<strong>de</strong> e da saú<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida das comunida<strong>de</strong>s vizinhas.Os dois dispositivos, por evi<strong>de</strong>nte, apresentam textura aberta,para utilizar a expressão <strong>de</strong> Herbert Hart 43 . Evi<strong>de</strong>ncia-se isso no usoda expressão “vocação natural da terra”, no § 2 o , e “medida a<strong>de</strong>quadado equilíbrio ecológico da proprieda<strong>de</strong> e saú<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vidadas comunida<strong>de</strong>s vizinhas”.Já o § 4 o do artigo 9 o da Lei referida dispõe sobre o requisitoconstitucional da observância das disposições que regulam asrelações <strong>de</strong> trabalho (CRFB/88, art. 186, inciso III), o que faz nosseguintes termos:Art. 9 o . [...]§ 4 o A observância das disposições que regulam asrelações <strong>de</strong> trabalho implica tanto o respeito às leis42 Ressalte-se que, <strong>de</strong> um modo geral, o § 1 o do art. 1.228 do Código Civil <strong>de</strong> 2002 afirmao seguinte: “Art. 1.228. [...] § 1 o . O direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser exercido <strong>em</strong> consonânciacom as suas finalida<strong>de</strong>s econômicas e sociais e <strong>de</strong> modo que sejam preservados,<strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com o estabelecido <strong>em</strong> lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais,o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, b<strong>em</strong> como evitada a poluiçãodo ar e das águas” (BRASIL. Lei n. 10.406, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2002. Editora SugestõesLiterárias. Novo Código Civil. São Paulo: Sugestões Literárias, 2002, p. 142).43 HART, Herbert L. A. O Conceito <strong>de</strong> Direito. Tradução <strong>de</strong> A. Ribeiro Men<strong>de</strong>s. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, abril <strong>de</strong> 1986, p. 223.


122trabalhistas e aos contratos coletivos <strong>de</strong> trabalho,como às disposições que disciplinam os contratos<strong>de</strong> arrendamento e parceria rurais.Por fim, o § 5 o do mesmo artigo da Lei mencionada dispõe sobreo requisito constitucional da exploração que favoreça o b<strong>em</strong>-estar dosproprietários e dos trabalhadores (CRFB/88, art. 186, inciso IV):Art. 9 o . [...]§ 5 o A exploração que favorece o b<strong>em</strong>-estar dosproprietários e trabalhadores rurais é a que objetivao atendimento das necessida<strong>de</strong>s básicasdos que trabalham a terra, observa as normas <strong>de</strong>segurança do trabalho e não provoca conflitos etensões sociais no imóvel.No que diz respeito à preservação da função social da proprieda<strong>de</strong>rural, é interessante referir-se ainda, s<strong>em</strong> qualquer pretensão aesgotar a análise das hipóteses <strong>de</strong> situações legais que procuram obtera dita preservação, à Lei n o 9.393, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1996 44 , quedispõe sobre o Imposto sobre a Proprieda<strong>de</strong> Territorial Rural (ITR),e que estabelece alíquotas progressivas <strong>em</strong> função tanto da área doimóvel quanto do seu grau <strong>de</strong> utilização, po<strong>de</strong>ndo chegar a 20%(vinte por cento) do valor da terra nua, <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> imóveiscom mais <strong>de</strong> 5.000 (cinco mil) hectares e grau <strong>de</strong> utilização até 30%(trinta por cento).O objetivo, por evi<strong>de</strong>nte, resi<strong>de</strong> <strong>em</strong> fomentar o uso dos imóveisrurais <strong>em</strong> atendimento à sua função social, tanto que a alíquota doaludido imposto, mesmo para imóveis com área superior a 5.000(cinco mil) hectares, mas com grau <strong>de</strong> utilização superior a 80% (oitentapor cento), será <strong>de</strong> apenas 0,45% (quarenta e cinco centésimospor cento) do valor da terra nua.Trata-se <strong>de</strong> mais uma situação <strong>em</strong> que a tributação é <strong>em</strong>pregadacom finalida<strong>de</strong> extrafiscal, fenômeno que também ocorre com o IPTU44 BRASIL. Lei n o 9.393, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1996. Editora Saraiva. Código Tributário.Obra coletiva da Editora Saraiva, com a colaboração <strong>de</strong> Antonio Luiz <strong>de</strong> Toledo Pinto,Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspe<strong>de</strong>s. 33. ed. São Paulo: Saraiva,2004, p. 663-671.


123progressivo no t<strong>em</strong>po, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> imóveis urbanos não-utilizadosou subutilizados. O objetivo dos tributos <strong>de</strong> um modo geral é basicamentea obtenção <strong>de</strong> receita para o Tesouro <strong>Público</strong>, <strong>de</strong> sorte queo Estado possa cumprir suas finalida<strong>de</strong>s. Situações há, todavia, nasquais a tributação acontece não com esse propósito, mas sim paraservir como mecanismo <strong>de</strong>stinado ou a fomentar ou a <strong>de</strong>sestimular<strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s.De acordo com o ensinamento <strong>de</strong>ixado por Aliomar Baleeiro 45 :quando preten<strong>de</strong> uma intervenção através <strong>de</strong> processostributários, o Estado ora usa dos efeitos drásticosque uma imposição produz sobre os preços e ovalor, conforme vimos a propósitos dos fenômenos<strong>de</strong> repercussão, absorção e transformação, ora afastaesses efeitos através <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong>s e isenções,discriminando, para esse fim, as coisas, fatos ouativida<strong>de</strong>s, que <strong>de</strong>seja preservar e encorajar.Logo <strong>em</strong> seguida, o mesmo autor, apresentando diversas situações<strong>em</strong> que a tributação é <strong>em</strong>pregada não com o propósito <strong>de</strong>obter renda, mas sim com o <strong>de</strong> moldar <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>seconômicas, fomentando-as ou <strong>de</strong>sestimulando-as, inclui entre elas“a fragmentação dos latifúndios ou r<strong>em</strong><strong>em</strong>bramento <strong>de</strong> minifúndiose punição do ausenteísmo por impostos progressivos sobre a área<strong>de</strong>socupada ou sobre heranças recebidas por pessoas resi<strong>de</strong>ntes forada jurisdição do governo, que exerce o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar”. 46É essa exatamente a situação, tanto no IPTU progressivo not<strong>em</strong>po, com alíquotas crescentes ao longo dos anos, <strong>de</strong>stinado a fomentaro a<strong>de</strong>quado uso dos imóveis urbanos, quanto das elevadasalíquotas do ITR, <strong>em</strong> face <strong>de</strong> imóveis <strong>de</strong> ampla extensão, mas <strong>de</strong> usoinsignificante ou nulo.Tanto no caso da elevada tributação dos imóveis rurais porincidência do ITR quanto do crescimento progressivo da alíquota do45 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. 12. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 1978, p. 190.46 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. 12. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 1978, p. 191.


124IPTU ao longo dos anos, ambos <strong>em</strong> face <strong>de</strong> imóveis que, por ociosos,não cumpr<strong>em</strong> sua função social, o evi<strong>de</strong>nte objetivo é o <strong>de</strong> conduziro proprietário ou a dar aproveitamento a<strong>de</strong>quado à terra, ou a transferir-lheo domínio a outr<strong>em</strong>, que então o venha a fazer.ReferênciasLivros e ArtigosARISTÓTELES. Política. Tradução <strong>de</strong> Therezinha Monteiro Deutsch e Baby Abrão.São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à Ciência das Finanças. 12. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 1978.BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição doBrasil (promulgada <strong>em</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988). 7. volume. Arts. 170 a 192. SãoPaulo: Saraiva, 1990.BURNS, Edward McNall. História da Civilização Oci<strong>de</strong>ntal. Tradução <strong>de</strong> LourivalGomes Machado e Lour<strong>de</strong>s Santos Machado. 1. volume. Porto Alegre: EditoraGlobo, 1952.CARVALHO SANTOS, João Manuel <strong>de</strong>. Código Civil Brasileiro Interpretado. VolumeVII. Arts. 485 a 553. 9. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1979.CARVALHOSA, Mo<strong>de</strong>sto. A ord<strong>em</strong> econômica na Constituição <strong>de</strong> 1969. São Paulo:RT, 1972.CUNHA, Fernando Whitaker da, e outros. Comentários à Constituição. 1. volume.Arts. 1 o ao 7 o . Rio <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1990.FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira<strong>de</strong> 1988. Volume 2. Arts. 104 a 250. 2. ed., atualizada e reformulada. São Paulo:Saraiva, 1999.HART, Herbert L. A. O Conceito <strong>de</strong> Direito. Tradução <strong>de</strong> A. Ribeiro Men<strong>de</strong>s. Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, abril <strong>de</strong> 1986.HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,2002.LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Ensaio relativo à verda<strong>de</strong>iraorig<strong>em</strong> extensão e objetivo do Governo Civil. Tradução <strong>de</strong> E. Jacy Monteiro. SérieOs Pensadores. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1978.


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127DIREITO FALIMENTARO <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> na Nova Lei <strong>de</strong> FalênciasMário Moraes Marques Júnior.Promotor <strong>de</strong> Justiça - RJSumário: 1 Introdução - 2 O veto ao artigo 4 o da Lei n o 11.101 (Nova Lei <strong>de</strong>Falências) - 3 A aplicação das normas do Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>em</strong> matéria<strong>de</strong> intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> na área falimentar - 4 A atuação do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> como custos legis nos processos <strong>de</strong> recuperação judiciale falência - As normas constitucionais e a atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>no âmbito falimentar - 6 Conclusões.1 Introdução. . Com a entrada <strong>em</strong> vigor da Nova Lei <strong>de</strong> Falências(Lei n o 11.101, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005), que regula os processos<strong>de</strong> recuperação judicial, extrajudicial e <strong>de</strong> falência, instituindo umanova ord<strong>em</strong> jurídica <strong>em</strong> matéria falimentar, uma questão primordialque <strong>de</strong>verá ser enfrentada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primeiros dias <strong>de</strong> sua aplicação,será a da intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nesses feitos.A Lei <strong>de</strong> Falências revogada (Decreto-Lei n o 7.661/45),<strong>em</strong> seu artigo 210, dispunha expressamente:Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 127 a 148


128O representante do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, além dasatribuições expressas na presente lei, será ouvido<strong>em</strong> toda ação proposta pela massa ou contra esta.Caber-lhe-á o <strong>de</strong>ver, <strong>em</strong> qualquer fase do processo,<strong>de</strong> requerer o que for necessário aos interesses dajustiça, tendo o direito, <strong>em</strong> qualquer t<strong>em</strong>po, <strong>de</strong>examinar todos os livros, papéis e atos relativos àfalência e à concordata.Por força do mencionado dispositivo legal, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>exercia uma ativida<strong>de</strong> ampla e diversificada, por seus órgãos<strong>de</strong> execução, as Promotorias <strong>de</strong> Massas Falidas, que, com o t<strong>em</strong>po,foram se especializando profundamente na matéria falimentar, aparelhando-se,inclusive, com apoio <strong>de</strong> peritos e contadores, como severifica no Rio <strong>de</strong> Janeiro.As Promotorias <strong>de</strong> Massas Falidas, no âmbito do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, foram se constituindo <strong>em</strong> órgãos <strong>de</strong> atuação tradicional,exercendo ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza híbrida e dúplice, pois atuantetanto como custos legis (como órgão interveniente) quanto comoparte (órgão agente), ao investigar a conduta dos administradoresdas socieda<strong>de</strong>s <strong>em</strong>presárias <strong>em</strong> processo falimentar, <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>ndoa persecução criminal, por meio do inquérito judicial e propositura<strong>de</strong> <strong>de</strong>núncias pela prática <strong>de</strong> crimes falimentares.O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, assim, como fiscal da lei, intervinha <strong>em</strong>todas as fases dos processos <strong>de</strong> falência e <strong>de</strong> concordatas preventivase suspensivas, sendo sua oitiva obrigatória antes da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>qualquer questão inci<strong>de</strong>nte importante, inclusive nos processos correlatos,como, por ex<strong>em</strong>plo, nas habilitações <strong>de</strong> crédito, pedidos <strong>de</strong>restituição e ações revocatórias, oferecendo promoções e pareceres,que, <strong>em</strong> muito, contribuíram para o <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> das questões jurídicascomplexas, que se apresentaram ao longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> cinqüenta anos<strong>de</strong> vigência do Decreto-Lei n o 7.661/45.Além <strong>de</strong>ssa atuação, por força da norma inserta no art. 210 daLei revogada, a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> se fazia obrigatória<strong>em</strong> todas as causas <strong>em</strong> que a massa falida ou socieda<strong>de</strong> concordatáriafosse autora ou ré, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> do processo, estivesse o feito<strong>em</strong> trâmite no juízo falimentar ou <strong>em</strong> outro juízo qualquer, <strong>de</strong>vendo


ser intimado pessoalmente para intervir como custos legis.129O Projeto <strong>de</strong> Lei aprovado pelo Congresso Nacional e encaminhadoao Presi<strong>de</strong>nte da República para sanção previa, <strong>em</strong> seu art.4 o , verbis:Art. 4 o . O representante do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>intervirá nos processos <strong>de</strong> recuperação judicial e<strong>de</strong> falência.Parágrafo único. Além das disposições previstasnesta Lei, o representante do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>intervirá <strong>em</strong> toda ação proposta pela massa falidaou contra esta.Tal dispositivo reproduzia o teor do art. 210 da Lei <strong>de</strong> Quebrasrevogada, sendo enfático ao <strong>de</strong>terminar, como obrigatória, a intervençãodo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>em</strong> qualquer processo <strong>de</strong> recuperaçãojudicial ou <strong>de</strong> falência, e ainda nas ações <strong>em</strong> que a massa falida fosseparte, seja como autora, seja como ré.A prevalecer o entendimento firmado sob a égi<strong>de</strong> da Lei revogada,a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> esten<strong>de</strong>r-se-iaaos processos <strong>em</strong> que socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> regime <strong>de</strong> recuperaçãojudicial fosse parte, como se vinha enten<strong>de</strong>ndo <strong>em</strong> relação às causas<strong>em</strong> que concordatária fosse autora ou ré.Assim, a intenção do legislador foi a <strong>de</strong> manter inalterada aintervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, por meio das Promotorias <strong>de</strong>Massas Falidas, exercendo a importante função <strong>de</strong> custos legis, fiscalizandoo cumprimento da lei falimentar <strong>em</strong> todos os momentosprocessuais importantes, seja no processo <strong>de</strong> recuperação judicial,seja no processo <strong>de</strong> falência.Como ver<strong>em</strong>os, no entanto, o art. 4 o do Projeto <strong>de</strong> Lei aprovadopelo Congresso Nacional foi vetado inteiramente pelo Presi<strong>de</strong>nte daRepública, o que impõe uma análise mais aprofundada da disciplinada intervenção ministerial <strong>em</strong> matéria falimentar, após a entrada <strong>em</strong>vigor da nova Lei.Este estudo t<strong>em</strong> por escopo uma primeira abordag<strong>em</strong> <strong>de</strong>ssamatéria, que certamente suscitará uma viva controvérsia no meio


130jurídico, sendo oportuna, portanto, uma atenta e sist<strong>em</strong>ática visãodo t<strong>em</strong>a, a que nos propomos, por ora, com ênfase na atuação do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> como custos legis, nos processos regulados pelanova lei.2 O veto ao artigo 4 o da Lei N o 11.101 (Nova Lei <strong>de</strong> Falências)Após muitos anos <strong>de</strong> tramitação no Congresso Nacional, o projetoque institui a nova Lei <strong>de</strong> Falências e regula também os processos<strong>de</strong> recuperação judicial e extrajudicial foi encaminhado para sançãoao Presi<strong>de</strong>nte da República, que vetou poucos artigos, <strong>de</strong>ntre eleso art. 4 o , que justamente <strong>de</strong>terminava a intervenção obrigatória do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nos processos <strong>de</strong> recuperação judicial, <strong>de</strong> falênciae naqueles feitos <strong>em</strong> que a massa falida fosse parte.As razões do veto são assim expostas:O dispositivo reproduz a atual Lei <strong>de</strong> Falências– Decreto-Lei n o 7.661, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1945,que obriga a intervenção do parquet não apenasno processo falimentar, mas também <strong>em</strong> todasas ações que envolvam a massa falida, ainda queirrelevantes, e.g. execuções fiscais, ações <strong>de</strong> cobrança,mesmo as <strong>de</strong> pequeno valor, reclamatóriastrabalhistas etc., sobrecarregando a instituição ereduzindo sua importância institucional.Importante ressaltar que no autógrafo da nova Lei<strong>de</strong> Falências enviado ao Presi<strong>de</strong>nte da Repúblicasão previstas hipóteses, absolutamente razoáveis,<strong>de</strong> intervenção obrigatória do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,além daquelas <strong>de</strong> natureza penal.Após ser<strong>em</strong> elencados diversos dispositivos da nova Lei queprevê<strong>em</strong> a intervenção do Parquet, as razões do veto prossegu<strong>em</strong>,verbis:Po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>stacar que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> éintimado da <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> falência e do <strong>de</strong>feri-


131mento do processamento da recuperação judicial,ficando claro que sua atuação ocorrerá pari passuao andamento do feito. Ad<strong>em</strong>ais, o projeto <strong>de</strong>lei não afasta as disposições dos arts. 82 e 83 doCódigo <strong>de</strong> Processo Civil, os quais prevê<strong>em</strong> apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> intervir<strong>em</strong> qualquer processo, no qual entenda haverinteresse público, e, neste processo específico,requerer o que enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> direito.A fundamentação do veto, como se percebe, afigura-se bastanteprecária, pois a atuação fiscalizadora do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, ainda queexercida <strong>em</strong> processos <strong>de</strong> pequeno significado econômico, s<strong>em</strong>preassume importância e expressão, tendo <strong>em</strong> vista a relevância dosinteresses tutelados e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma vigilância permanenteda instituição.O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, após a promulgação da Carta da República<strong>de</strong> 1988, <strong>em</strong> que teve o seu campo <strong>de</strong> atribuição significativamenteampliado, v<strong>em</strong> se aparelhando para o fiel <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>de</strong> suamissão constitucional, já estando à altura das importantes funções aele cometidas como guardião do or<strong>de</strong>namento jurídico, dos direitosindisponíveis e da própria ord<strong>em</strong> d<strong>em</strong>ocrática.As razões do veto, portanto, não têm base na realida<strong>de</strong> fática, esim raízes políticas, e correspond<strong>em</strong> a anseios <strong>de</strong> certos segmentos,incomodados com a firme e <strong>de</strong>cisiva atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>nos processos falimentares, s<strong>em</strong>pre exigindo o cumprimento da lei ecoibindo toda a sorte <strong>de</strong> manobras fraudulentas e lesivas ao interessepúblico, não se po<strong>de</strong>ndo falar <strong>em</strong> causas irrelevantes, sendo certoque as Promotorias <strong>de</strong> Massas Falidas têm se <strong>de</strong>sincumbindo b<strong>em</strong>dos seus misteres, estando preparadas para enfrentar a d<strong>em</strong>anda<strong>de</strong> feitos.Ao revés, vetos <strong>de</strong>ssa natureza, mal disfarçam a intenção <strong>de</strong>reduzir a atuação ministerial, <strong>em</strong> <strong>de</strong>sprestígio à instituição e a suaativida<strong>de</strong> processual fiscalizadora, valendo l<strong>em</strong>brar que o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> dos Estados jamais interveio <strong>em</strong> reclamações trabalhistas, porausência <strong>de</strong> atribuição legal, sendo duvidosa a atribuição para intervir<strong>em</strong> execuções fiscais, <strong>em</strong> que o interesse meramente patrimonial da


132entida<strong>de</strong> pública não se confun<strong>de</strong> com o interesse público justificadorda atuação do Parquet, <strong>em</strong> que pese entendimento jurispru<strong>de</strong>ncialdo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>em</strong> contrário 1 , sustentando a obrigatorieda<strong>de</strong>da intervenção ministerial nas execuções fiscais, quandoa Massa Falida for executada, e a inaplicabilida<strong>de</strong>, nessa hipótese,do disposto no enunciado n o 189 da Súmula do próprio tribunal,que afirma <strong>de</strong>snecessária a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nasexecuções fiscais.As razões do veto revelam pouco conhecimento do trabalhoprofícuo do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> na área falimentar, especialmente apóso advento da Constituição da República <strong>de</strong> 1988, quando a instituiçãose fortaleceu e se preparou para enfrentar os <strong>de</strong>safios e árduas tarefasque lhe foram confiadas, somente encontrando respaldo <strong>em</strong> antigosdoutrinadores, que rejeitavam uma ampla atuação do Parquet nosprocessos <strong>de</strong> falência 2 , por enxergar ser d<strong>em</strong>asiada a sua intervenção,o que dificultaria e tornaria moroso o processo.A prática forense t<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstrado, ao contrário, que o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> t<strong>em</strong> sido um importante catalisador dos processosfalimentares, s<strong>em</strong>pre atento ao fiel cumprimento da lei especial,pugnando por diligências úteis e indispensáveis ao bom andamentodos feitos, que acabam por atingir bom termo graças à ativida<strong>de</strong>fiscalizadora ministerial, por si só saneadora e impulsionadorado correto trâmite processual, coibindo manobras fraudulentas eprocrastinatórias b<strong>em</strong> como prevenindo a ocorrência <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>sprocessuais.A importância da atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, no campo falimentar,v<strong>em</strong> sendo reconhecida amplamente por nossos TribunaisSuperiores, sendo unânime o entendimento da sua obrigatorieda<strong>de</strong>,sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, admitindo-se até mesmo legitimida<strong>de</strong> ativapara opor <strong>em</strong>bargos <strong>em</strong> execução fiscal promovida contra massafalida 3 , na <strong>de</strong>fesa dos interesses sócio-econômicos envolvidos.1 RESP n o 614262 / RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJ, <strong>de</strong> 14. 2.2005, p. 172.2 J.C. Sampaio <strong>de</strong> Lacerda, Manual <strong>de</strong> Direito Falimentar. 13. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FreitasBastos, 1996. p. 124. No mesmo sentido, veja-se Trajano <strong>de</strong> Miranda Valver<strong>de</strong>, Comentáriosà Lei <strong>de</strong> Falências. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edição Revista Forense, p. 435.3 RESP n o 28529, Rel. Min. Laurita Vaz, RSTJ vol. 160, p.183.


133Assim, o veto <strong>em</strong> comento, além <strong>de</strong> apresentar insubsistentesfundamentos, po<strong>de</strong> levar à errônea interpretação <strong>de</strong> que a intervençãodo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> po<strong>de</strong>ria ser, a partir da vigência da nova leifalimentar, dispensada nas hipóteses <strong>em</strong> que a própria Lei n o 11.101não disponha expressamente.Certamente tais entendimentos serão sustentados, gerandoincerteza jurídica e controvérsias <strong>de</strong>snecessárias, que teriam sidoevitadas caso mantido o artigo como aprovado pelo CongressoNacional.Cumpre-nos, como intérpretes da nova legislação falimentar,buscar uma aplicação sist<strong>em</strong>ática das normas referentes à atuação do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> no processo civil, para, a<strong>de</strong>quando-as ao universofalimentar e aos procedimentos especiais regulados na Nova Lei <strong>de</strong>Falências, encontrar a correta disciplina da intervenção do Parquet,compatível com o seu perfil constitucional e com a sua relevânciainstitucional, permitindo-lhe uma ativida<strong>de</strong> fiscalizadora <strong>em</strong> todosos momentos processuais importantes no campo falimentar, noresguardo do interesse público que informa a sua ativida<strong>de</strong> comocustos legis.3 A aplicação das normas do Código <strong>de</strong> Processo Civil <strong>em</strong>matéria <strong>de</strong> intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> na área FalimentarAnalisada a inconsistência das razões do veto ao artigo 4 o da LeiFalimentar que <strong>de</strong>terminava a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nosprocessos <strong>de</strong> recuperação judicial e <strong>de</strong> falências, incumbe-nos examinara questão da intervenção à luz das normas gerais do Código <strong>de</strong> ProcessoCivil, que regulam a ativida<strong>de</strong> ministerial no processo civil.O fundamento da intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> no processo<strong>de</strong> insolvência civil ou comercial é o interesse público, que, nessashipóteses, resi<strong>de</strong> na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutela do crédito, da fé pública,do comércio, da economia pública e na preservação do tratamento4 Führer,v Maximilianus Cláudio Américo. Crimes Falimentares. São Paulo: EditoraRevista dos Tribunais, 1972. p.23.


134igualitário dos credores, pilar da execução concursal falimentar.Aliás, é oportuno l<strong>em</strong>brar que os crimes falimentares, como b<strong>em</strong>ressalta Maximilianus Führer 4 , são pluriofensivos, porque ating<strong>em</strong>ou pod<strong>em</strong> atingir diversos bens jurídicos tutelados pela norma penal,sendo imperioso, portanto, que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, como titularexclusivo da ação penal pública falimentar, acompanhe o processo<strong>de</strong> insolvência, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fase pré-falencial.Com efeito, parece-nos evi<strong>de</strong>nte que o interesse público que<strong>de</strong>termina a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> manifesta-se, aindamais cristalino, no momento <strong>em</strong> que é <strong>de</strong>duzido o pedido <strong>de</strong> falência<strong>em</strong> juízo, por quaisquer dos legitimados processuais listados no art.97, incisos I a IV, da Nova Lei <strong>de</strong> Falências.É justamente nesse momento processual que sobreleva o interessepúblico justificador da intervenção ministerial, visto que a<strong>de</strong>cretação da falência t<strong>em</strong> efeitos graves na economia, produzindo,por vezes, a quebra <strong>de</strong> outras socieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>s<strong>em</strong>prego e um abalogeral no crédito, sendo necessário e imprescindível que o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, como fiscal do fiel cumprimento da lei, seja chamado aopinar antes da sentença, analisando <strong>de</strong>tidamente a presença dospressupostos falimentares.Aliás, o interesse público que <strong>de</strong>termina a intervenção do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, nos processos <strong>de</strong> falência e também nos <strong>de</strong> recuperaçãojudicial, é o chamado “interesse público primário”, que conformeRenato Alessi 5 , é o interesse social, o interesse da socieda<strong>de</strong> ou dacoletivida<strong>de</strong> na sua totalida<strong>de</strong>, não se confundindo com o interessepúblico secundário que é o modo como os órgãos da administraçãovê<strong>em</strong> o interesse público, como esclarece Hugo Nigro Mazzilli 6 .Sendo inegável, portanto, a presença <strong>de</strong> interesse público nasações falimentares e <strong>de</strong> recuperação judicial, não há como estarausente o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>em</strong> todos os momentos processuaisrelevantes, como guardião do fiel cumprimento da lei e zelador dosinteresses indisponíveis envolvidos.5 Sist<strong>em</strong>a instituzionale Del diritto amministrativo italiano, Milão, 1960. p.197-8.6 A <strong>de</strong>fesa dos Interesses Difusos <strong>em</strong> Juízo. 15. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.p.42.


135A intervenção é obrigatória e ditada, <strong>em</strong> termos expressos,pelo art. 82, inciso III, do Código <strong>de</strong> Processo Civil, que <strong>de</strong>terminaque <strong>de</strong>ve o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> intervir <strong>em</strong> todas as causas <strong>em</strong> que háinteresse público evi<strong>de</strong>nciado pela natureza da li<strong>de</strong>.Com efeito, pela natureza da ação falimentar e da ação <strong>de</strong> recuperaçãojudicial, não resta dúvidas que há interesse público relevantea justificar e tornar obrigatória a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, a fulminar o processo a partir do ato <strong>em</strong> que<strong>de</strong>veria ter sido intimado a intervir.Nas ações <strong>de</strong> falência e <strong>de</strong> recuperação judicial, a intervençãoministerial, além <strong>de</strong> obrigatória, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>terminada pelo órgãojurisdicional <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ajuizamento do pedido, possibilitando quese manifeste o Promotor <strong>de</strong> Massas Falidas quanto à presença dosrequisitos e dos pressupostos legais, antes <strong>de</strong> proferir sentença <strong>de</strong>quebra, <strong>de</strong>terminar o processamento da recuperação judicial ou<strong>de</strong>cretar <strong>de</strong> plano a falência.Conforme Nelson Nery Junior 7 , a norma inserta no art. 82,inciso III, do CPC<strong>de</strong>ixa aberta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>intervir nas d<strong>em</strong>ais causas <strong>em</strong> que há interessepúblico. Quando a lei expressamente <strong>de</strong>termina aintervenção, não se po<strong>de</strong> discutir ou questionar anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ela ocorrer. A norma ora comentadasomente inci<strong>de</strong> nas hipóteses concretas on<strong>de</strong> aparticipação do MP não se encontra expressamenteprevista na lei. Caberá ao MP e ao juiz a avaliação daexistência ou não do interesse público legitimadorda intervenção do Parquet.Como se observa, a intervenção ministerial nas ações falimentarese nas ações <strong>de</strong> recuperação judicial é obrigatória e inafastável,não sendo ditada por razões <strong>de</strong> conveniência e oportunida<strong>de</strong> doórgão do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, pois inequívoco o interesse público,<strong>de</strong>vendo intervir o Promotor <strong>de</strong> Massas Falidas <strong>em</strong> todo momento7 Código <strong>de</strong> Processo Civil Comentado 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,p.503.


136processual relevante, ainda que omisso o texto legal.É fundamental se observar que a aplicação das normas gerais<strong>de</strong> intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> no processo civil, previstas nosartigos 81 a 85 do Código <strong>de</strong> Processo Civil, aos procedimentos reguladospela Nova Lei <strong>de</strong> Falências (Lei n o 11.101/2005) é <strong>de</strong>terminadapela própria Lei Falimentar, <strong>em</strong> seu art. 189, quando <strong>de</strong>termina aaplicação subsidiária do Diploma Processual, pelo que a atuação doParquet <strong>de</strong>verá ser regulada por esses dispositivos do co<strong>de</strong>x.Assim, no exercício da sua ativida<strong>de</strong> como custos legis, o Promotor<strong>de</strong> Massas Falidas, atuando nos processos <strong>de</strong> falência ou <strong>de</strong>recuperação judicial, terá vista dos autos <strong>de</strong>pois das partes, sendointimado <strong>de</strong> todos os atos do processo, nos termos do art. 83, incisoI, do CPC, po<strong>de</strong>ndo juntar documentos e certidões, produzir prova<strong>em</strong> audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao <strong>de</strong>scobrimentoda verda<strong>de</strong> (inciso II do art. 83 do CPC).Ainda, como órgão interveniente, nas falências e nos processos<strong>de</strong> recuperação judicial, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong>verá ser intimadopessoalmente (art. 236, parágrafo 2 o , do CPC), para todos os atos doprocesso, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> (art. 84 do CPC).Frise-se que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong>ve ser intimado pessoalmentepara intervir, após já ter<strong>em</strong> se manifestado as partes e todosaqueles que <strong>de</strong>veriam ser ouvidos naquela oportunida<strong>de</strong> processual,porém previamente à <strong>de</strong>cisão da questão processual inci<strong>de</strong>nte,possibilitando-se que ofereça promoção ou parecer fundamentado,a fim <strong>de</strong> exercer amplamente o seu munus <strong>de</strong> fiscal da lei e guardiãodo interesse público.Após cada <strong>de</strong>cisão judicial ou sentença, <strong>de</strong>verá ser intimado o<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>de</strong> igual forma, para que possa recorrer das <strong>de</strong>cisõesinjustas ou ilegais, completando a sua ativida<strong>de</strong> fiscalizadora,sendo certo que sua legitimida<strong>de</strong> recursal é ampla e está expressamenteprevista no art. 499, parágrafo 2 o , do CPC, já sendo objeto doenunciado n o 99 da Súmula do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça 8 .8 Enunciado n o 99 da Súmula do STJ: “O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> t<strong>em</strong> legitimida<strong>de</strong> para recorrerno processo <strong>em</strong> que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”.


137Não somente nos processos <strong>de</strong> falência e recuperação judicial<strong>de</strong>verá ser intimado o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> a intervir, mas também<strong>em</strong> todos os processos correlatos e a eles vinculados, como, porex<strong>em</strong>plo, nas habilitações <strong>de</strong> crédito retardatárias, nas impugnações<strong>de</strong> crédito, nos pedidos <strong>de</strong> restituição, b<strong>em</strong> como <strong>em</strong> qualquer açãoproposta pela massa falida ou contra ela, ainda que <strong>em</strong> trâmite <strong>em</strong>juízo diverso do falimentar.Isso se explica, porque não há como se conceber que a ativida<strong>de</strong>fiscalizadora do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> seja limitada ou restrita aos autosprincipais da falência ou da recuperação judicial, eis que se vislumbranestes processos correlatos, também chamados <strong>de</strong> “satélites”, amesma ratio <strong>de</strong>terminante da intervenção, que é a tutela do interessepúblico, que não se confun<strong>de</strong> com o interesse dos credores, mas <strong>de</strong>veser entendida como uma abrangente fiscalização da aplicação da lei,no atendimento do interesse da coletivida<strong>de</strong> na sua totalida<strong>de</strong>, naproteção ao crédito, aos mercados e à economia pública, fortalecendoa crença nas instituições financeiras e econômicas e na própriaadministração da Justiça.De nada adiantaria a atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nos autosfalimentares, se, <strong>em</strong> importantes processos correlatos, fosse verificadaviolação à lei, conluios, frau<strong>de</strong>s <strong>de</strong> todo o gênero, prejudicando amassa falida e esvaziando o seu ativo, por ausência <strong>de</strong> intervençãofiscalizadora do Parquet.Também, nesses processos, a atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>obe<strong>de</strong>cerá às normas do Código <strong>de</strong> Processo Civil (art. 82 a 85),<strong>de</strong>vendo ser feita a sua intimação pessoal, após a manifestação daspartes, para oferecer promoções e pareceres sobre questões inci<strong>de</strong>ntese sobre o mérito, b<strong>em</strong> como para intervir <strong>em</strong> todos os atos doprocesso, estar presente às audiências e aos atos que d<strong>em</strong>and<strong>em</strong> suapresença, <strong>de</strong>vendo ser intimado <strong>de</strong> toda <strong>de</strong>cisão e sentença, para quepossa interpor eventual recurso.Impen<strong>de</strong> frisar que a atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> não estárestrita às hipóteses expressamente previstas <strong>em</strong> dispositivos esparsosda novel Lei n o 11.101/2005, como, por ex<strong>em</strong>plo, nos artigos 8 o ,19, 22, parágrafo 4 o , 30, parágrafo 2 o , 52, inciso V, 59, parágrafo 2 o ,99, inciso XIII, VI, 132, 142, parágrafo 7 o , 143, 154, parágrafo 3 o , 184,


138parágrafo único, e art. 187, parágrafos 1 o e 2 o .A intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nos processos <strong>de</strong> falênciae <strong>de</strong> recuperação judicial, como ver<strong>em</strong>os adiante, <strong>de</strong>verá ocorrer <strong>em</strong>cada oportunida<strong>de</strong> processual <strong>em</strong> que tenha que ser <strong>de</strong>cidida questãoinci<strong>de</strong>nte pelo juízo falimentar e, para tanto, <strong>de</strong>verá ser intimadopreviamente, para que possa oferecer promoção ou parecer, s<strong>em</strong>preapós já ter<strong>em</strong> se manifestado os d<strong>em</strong>ais interessados.4 A atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> como custos legis nosprocessos <strong>de</strong> recuperação judicial e falênciaUma das características mais marcantes da Lei n o 11.101/2005,a par <strong>de</strong> graves <strong>de</strong>feitos técnicos e alguns dispositivos ofensivos àlógica jurídica, é a sua omissão quanto à solução <strong>de</strong> diversas situaçõesantes expressamente previstas na Lei revogada.Apenas para ex<strong>em</strong>plificar, examin<strong>em</strong>os o disposto no 6 o , parágrafo1 o , da nova Lei, que dispõe, verbis:“§ 1 o Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processandoa ação que d<strong>em</strong>andar quantia ilíquida”.Tal dispositivo t<strong>em</strong> seu equivalente na lei revogada, que dispunha<strong>em</strong> seu art. 24, parágrafo 2 o :§2 o Não se compreend<strong>em</strong> nas disposições <strong>de</strong>ste artigo, e terãoprosseguimento com o síndico, as ações e execuções que, antes dafalência, hajam iniciado:I - os credores por títulos não sujeitos a rateio;II - os que d<strong>em</strong>andar<strong>em</strong> quantia ilíquida, coisa certa, prestaçãoou abstenção <strong>de</strong> fato.Como se observa, a Lei revogada previa outras hipóteses <strong>em</strong>que haveria <strong>de</strong> prosseguir a ação ou execução, além dos casos <strong>de</strong>d<strong>em</strong>anda por pagamento <strong>de</strong> quantia ilíquida, que eram as causaspara entrega <strong>de</strong> coisa certa, prestação ou abstenção <strong>de</strong> fato.Pela Lei atual, que silencia a respeito, não há previsão <strong>de</strong> tais


139hipóteses, simplesmente ignoradas, o que po<strong>de</strong>rá gerar controvérsiasabsolutamente <strong>de</strong>snecessárias, não fosse a omissão legal.Na mesma improprieda<strong>de</strong>, incorre a nova Lei, ao se omitirsist<strong>em</strong>aticamente quanto à intimação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, para s<strong>em</strong>anifestar nos diversos momentos processuais, tanto na recuperaçãojudicial quanto na falência.As omissões são inúmeras e, como a intervenção ministerial éobrigatória, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> do ato <strong>em</strong> que <strong>de</strong>veria intervir oPromotor <strong>de</strong> Massas Falidas, limitar<strong>em</strong>os-nos apenas a listar aquelasque, por sua relevância, prejudicam sobr<strong>em</strong>aneira o exercício daativida<strong>de</strong> fiscal do Parquet, na função <strong>de</strong> custos legis.Assim, será obrigatoriamente intimado o órgão do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> a intervir, seja por meio <strong>de</strong> manifestações (pareceres e promoções),seja por meio da presença ao ato, nos seguintes momentosprocessuais, enumerados por ord<strong>em</strong> crescente <strong>de</strong> artigos da novaLei Falimentar:1) nas impugnações <strong>de</strong> crédito, <strong>de</strong>vendo ser intimado parase manifestar após o <strong>de</strong>vedor, o Comitê e o administrador judicial(art.12, caput e parágrafo único);2) antes da homologação da relação dos credores constante doedital do art. 7 o , parágrafo 2 o , como quadro geral <strong>de</strong> credores, possibilitandoum controle prévio do passivo da massa falida ou da socieda<strong>de</strong><strong>em</strong> recuperação judicial (art. 14), justificando-se a intervenção,ad<strong>em</strong>ais, porque po<strong>de</strong> o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, até o encerramento darecuperação judicial ou da falência, pedir a exclusão, reclassificaçãoou retificação <strong>de</strong> qualquer crédito (art. 19), o que d<strong>em</strong>onstra a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> fiscal ab initio;3) para comparecer à audiência especial <strong>de</strong>signada pelo juízofalimentar, quando for intimado a prestar <strong>de</strong>clarações qualquercredor, o <strong>de</strong>vedor ou seus administradores (art. 22, parágrafo 2 o ),sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> do ato, sendo certo que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>também po<strong>de</strong> tomar a iniciativa <strong>de</strong> pleitear a oitiva <strong>em</strong> juízo <strong>de</strong>quaisquer das pessoas listados no art. 22, inciso I, alínea “d”, paraprestar informações sobre fatos <strong>de</strong> interesse da falência;


1404) quando o administrador judicial, na falência, pleitear autorizaçãojudicial para transigir sobre obrigações e direitos da massafalida e conce<strong>de</strong>r abatimento <strong>de</strong> dívidas, <strong>de</strong>vendo o órgão do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> se manifestar sobre o pedido, após ouvido o Comitê eo <strong>de</strong>vedor e previamente à <strong>de</strong>cisão (art. 22, parágrafo 3 o );5) quando convocada ass<strong>em</strong>bléia-geral <strong>de</strong> credores, para queo Promotor <strong>de</strong> Massas Falidas avalie quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suapresença, sendo recomendável o seu comparecimento, especialmente<strong>em</strong> falências <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, para observar o cumprimento das disposiçõeslegais que reg<strong>em</strong> o ato, especialmente as relativas ao quorum<strong>de</strong> instalação e <strong>de</strong>liberação (art. 36 e seguintes) b<strong>em</strong> como quanto àdinâmica das votações;6) antes da <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>fere o processamento da recuperaçãojudicial (art. 52, caput), abrindo-se oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>examinar o preenchimento <strong>de</strong> todos os requisitos legais parao processamento do pedido b<strong>em</strong> como toda a documentação que<strong>de</strong>ve instruí-lo. Embora <strong>de</strong>va ser intimado também da <strong>de</strong>cisão que<strong>de</strong>ferir o processamento (art. 52, inciso V), a ativida<strong>de</strong> ministerialnão po<strong>de</strong> ser exercida apenas a posteriori, tendo <strong>em</strong> vista os efeitosgraves advindos do processamento, especialmente a suspensão dasações e execuções individuais contra o <strong>de</strong>vedor (inciso III do art. 52),estando evi<strong>de</strong>nciado o interesse público na manifestação prévia doórgão ministerial;7) antes da <strong>de</strong>cretação da falência, se rejeitado o plano <strong>de</strong> recuperaçãojudicial apresentado pelo <strong>de</strong>vedor, pela ass<strong>em</strong>bléia-geral <strong>de</strong>credores (art. 56, parágrafo 4 o ), ocasião <strong>em</strong> que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong><strong>de</strong>verá, na tutela dos interesses indisponíveis <strong>de</strong> que é guardião,verificar se a rejeição do plano obe<strong>de</strong>ceu, <strong>em</strong> sua votação, às regrasda Lei Falimentar, b<strong>em</strong> como se não é abusiva ou arbitrária;8) antes da concessão da recuperação judicial, ocasião <strong>em</strong> queserá verificado pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> o cumprimento dos requisitoslegais, o cumprimento do disposto no art. 57 (apresentação dascertidões negativas <strong>de</strong> débitos tributários pelo <strong>de</strong>vedor) e a efetivainexistência <strong>de</strong> objeções <strong>de</strong> credores ao plano <strong>de</strong> recuperação (art.55), sendo certo que, se o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> é legitimado a recorrerda <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> concessão (como <strong>de</strong> resto, aliás, <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>cisão


141neste processo), nos termos do art. 59, parágrafo 2 o , é curial que s<strong>em</strong>anifeste previamente, po<strong>de</strong>ndo exigir o cumprimento <strong>de</strong> qualquerrequisito ou apresentação <strong>de</strong> documento faltante;9) antes da sentença que julgar encerrado o processo <strong>de</strong> recuperaçãojudicial, para que verifique se foram cumpridas todas asobrigações do <strong>de</strong>vedor previstas no plano (art. 63, caput);10) antes <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cidido quanto à <strong>de</strong>stituição do administradorprevista no art. 64, parágrafo único, vez que tal <strong>de</strong>cisão, inclusive,po<strong>de</strong> se dar <strong>em</strong> razão da prática <strong>de</strong> ilícito falimentar, o que exigeo pleno conhecimento pelo órgão do Parquet quanto à conduta doadministrador, para fins <strong>de</strong> propositura da ação penal.11) antes <strong>de</strong> ser autorizada a alienação <strong>de</strong> bens ou direitos integrantesdo ativo do <strong>de</strong>vedor, após manifestação do Comitê (art. 66),vez que cabe ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> velar pela preservação do ativoe pelo fiel cumprimento do plano <strong>de</strong> recuperação;12) antes da <strong>de</strong>cisão que conce<strong>de</strong> a recuperação judicial a umamicro<strong>em</strong>presa ou a <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> pequeno porte (art 72, caput), combase no plano especial <strong>de</strong> recuperação (art. 71), possibilitando queo órgão do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> verifique se a socieda<strong>de</strong> efetivamentese enquadra no conceito legal <strong>de</strong> micro<strong>em</strong>presa ou <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> pequenoporte, nos termos da legislação e, portanto, sujeita à disciplinaespecial mais benéfica da nova lei.13) antes da <strong>de</strong>cisão que convolar a recuperação judicial <strong>em</strong>falência, nas hipóteses do art. 73, velando pela legitimida<strong>de</strong> e legalida<strong>de</strong>da <strong>de</strong>cretação;14) antes <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cidido pedido <strong>de</strong> restituição, após oitiva dofalido, do Comitê, dos credores e do administrador judicial (art. 87,parágrafo 1 o ), <strong>de</strong>vendo o órgão ministerial se manifestar fundamentadamentequanto ao pleito, recorrendo da <strong>de</strong>cisão, se necessário.Intervirá, ad<strong>em</strong>ais, <strong>em</strong> eventual <strong>em</strong>bargos <strong>de</strong> terceiro (art. 93);15) antes da sentença que <strong>de</strong>cretar a falência requerida pelo próprio<strong>de</strong>vedor (autofalência), por credor ou qualquer outro legitimado,<strong>de</strong>vendo ser intimado após o prazo da contestação ou após o ajuizamentodo pedido, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> autofalência. Sobreleva, nesse momento,o interesse público, sendo a ocasião <strong>em</strong> que o interesse meramente


142privado do requerente da quebra ou mesmo do próprio <strong>de</strong>vedor (nocaso <strong>de</strong> autofalência) <strong>de</strong>ve ser contraposto ao interesse social. É nessaoportunida<strong>de</strong> que avulta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção do Promotor<strong>de</strong> Massas Falidas, que <strong>de</strong>verá aquilatar e sopesar os interesses envolvidos,para que cumpra o processo falimentar o seu objetivo maior <strong>de</strong>saneamento do mercado, <strong>de</strong> preservação do crédito e das instituições,b<strong>em</strong> como da tutela da economia na sua totalida<strong>de</strong>, velando pela rápidasolução da controvérsia e evitando a procrastinação do feito e a situação<strong>de</strong> in<strong>de</strong>finição jurídica do estado falimentar da socieda<strong>de</strong>. Não po<strong>de</strong>,por evi<strong>de</strong>nte, limitar-se a atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> a um controleposterior, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> já <strong>de</strong>cretada a quebra, como po<strong>de</strong>ria se supor, ateor do art. 99, inciso XIII, que prevê a obrigatorieda<strong>de</strong> da intimação do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, a ser or<strong>de</strong>nada na própria sentença <strong>de</strong> quebra. Éainda nesse momento que se abre oportunida<strong>de</strong> ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,levando <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração a função social da <strong>em</strong>presa e os princípiosque norteiam a sua preservação, <strong>de</strong> avaliar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exclusãodo mercado daquela unida<strong>de</strong> produtiva, geradora <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregos,renda e arrecadação <strong>de</strong> tributos, b<strong>em</strong> como as conseqüências da suainsolvência no mercado, inclusive <strong>em</strong> relação a outras socieda<strong>de</strong>s, jásendo possível, por vezes, vislumbrar-se a ocorrência, nessa fase, <strong>de</strong>diversas condutas tipificadas como crimes falimentares, o que tornainquestionável a necessida<strong>de</strong> da sua intervenção;16) para acompanhar, se julgar necessário, a arrecadação dosbens da socieda<strong>de</strong> falida, a cargo do administrador judicial (art. 110,caput). Como na Lei revogada, a participação direta no ato é facultativa,mas é indispensável a ciência do órgão ministerial, que po<strong>de</strong>julgar relevante acompanhar a diligência, especialmente <strong>em</strong> certascircunstâncias, como, por ex<strong>em</strong>plo, a existência <strong>de</strong> substâncias tóxicasou controladas, <strong>de</strong>ntre as possivelmente encontradas (falência<strong>de</strong> drogaria ou indústria farmacêutica), ou quando tenha receio oususpeita da ocorrência <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> bens;17) antes da concessão <strong>de</strong> autorização a credores para adquirirbens da massa falida arrecadados, após a oitiva do Comitê (art. 111);18) para se manifestar sobre a celebração <strong>de</strong> contrato referenteaos bens da massa falida (art. 114), pelo administrador judicial, apósa autorização do Comitê, cumprindo verificar se efetivamente o ne-


143gócio é vantajoso para a massa. Frise-se que, a <strong>de</strong>speito da omissãodo texto legal, não basta a autorização do Comitê, somente sendopossível a celebração <strong>de</strong> negócio envolvendo bens da massa, após<strong>de</strong>cisão judicial. Do mesmo modo, por igual razão, <strong>de</strong>verá se manifestaro Promotor <strong>de</strong> Massas Falidas quanto ao cumprimento <strong>de</strong>contrato bilateral (art. 117) ou unilateral (art. 118) pelo administradorjudicial, após manifestação do Comitê;19) para intervir <strong>em</strong> todos os atos da ação revocatória, comocustos legis (art. 134), quando não tiver proposto a ação (t<strong>em</strong> legitimida<strong>de</strong>,nos termos do art. 132). Vale l<strong>em</strong>brar que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>não <strong>de</strong>tinha legitimida<strong>de</strong> para a propositura <strong>de</strong> ação revocatória,pela Lei revogada, sendo nova a atribuição prevista no art. 132 daLei n o 11.101/2005;20) para opinar sobre a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização do ativo damassa falida, após a oitiva do administrador judicial e do Comitê (art.142, caput, art. 144 e 145, parágrafo 3 o ). Insta acentuar que a Lei prevê,no parágrafo 7 o do art. 142, que “o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> será intimadopessoalmente, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>”. Esse dispositivo revela-sebastante lacônico, pois não indica o objetivo da intimação, se paraa presença ao ato <strong>de</strong> alienação ou simplesmente para se manifestarsobre a modalida<strong>de</strong> mais apropriada. Ad<strong>em</strong>ais, encerra expressãosupérflua, vez que toda intimação a órgão do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> éobrigatoriamente pessoal, com vista dos autos, nos termos do art.41, inciso IV, da Lei Orgânica Nacional do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> (Lei n o8.625/93). A interpretação da norma legal <strong>em</strong> comento mais consentâneacom a ativida<strong>de</strong> fiscalizadora do Promotor <strong>de</strong> Massas Falidasé a <strong>de</strong> que ele <strong>de</strong>verá ser intimado para opinar sobre a modalida<strong>de</strong><strong>de</strong> alienação e também para o ato, <strong>de</strong>vendo estar presente ao leilãoou pregão (art. 142, incisos I e III) e ao ato <strong>de</strong> abertura dos envelopespelo Juiz, no caso <strong>de</strong> alienação por propostas (art. 142, parágrafo 4 o ),velando pela obediência às regras estatuídas pelo art. 142, parágrafo6 o , e para que não sejam alienados os bens da massa por preço vil;21) após a apresentação do relatório final da falência pelo administradorjudicial (art. 156) e antes do seu encerramento por sentença b<strong>em</strong>como <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> ser requerida a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> extinção das obrigaçõespelo falido (art. 159), para se manifestar previamente à <strong>de</strong>cisão; e


14422) para opinar sobre o pedido <strong>de</strong> homologação do plano <strong>de</strong>recuperação extrajudicial b<strong>em</strong> como sobre eventual impugnaçãoapresentada (art. 164, parágrafos 4 o e 5 o ). O fundamento da intervençãoministerial, nessa hipótese, é o mesmo justificador da atuaçãonos processos <strong>de</strong> falência e recuperação judicial, consi<strong>de</strong>rando anecessária tutela <strong>de</strong> interesses indisponíveis e o interesse públicoprimário que sobressai <strong>de</strong> igual modo. Frise-se que, por umainterpretação sist<strong>em</strong>ática da própria Lei, chega-se à conclusão <strong>de</strong>que a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> é obrigatória não somentepara atuar como custos legis mas também para que possa constatare reprimir a prática <strong>de</strong> crimes falimentares. Com efeito, nos tipospenais previstos pelos artigos 168, 171, 172, 175 e 178, estão <strong>de</strong>scritascondutas incriminadoras praticadas antes ou <strong>de</strong>pois da homologaçãoda recuperação extrajudicial, sendo indispensável, portanto, a intervençãodo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> durante o processamento do pedidohomologatório, propiciando-se ao titular da ação penal a colheitados el<strong>em</strong>entos necessários à propositura <strong>de</strong> ação penal.Além das hipóteses <strong>de</strong> intervenção mencionadas, como já ressaltado,<strong>de</strong>verá ser intimado o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> a se manifestar sobrequalquer questão inci<strong>de</strong>nte surgida no curso <strong>de</strong> processo <strong>de</strong> falência,recuperação judicial ou extrajudicial, s<strong>em</strong>pre opinando após os interessadose previamente à <strong>de</strong>cisão judicial, possibilitando-se o plenoexercício da sua ativida<strong>de</strong> fiscalizadora, não estando adstrita a atuaçãoministerial àquelas situações mencionadas na lei expressamente.Vale l<strong>em</strong>brar, ainda, <strong>em</strong> reforço a essa ord<strong>em</strong> <strong>de</strong> idéias, que aprópria Lei, ao conce<strong>de</strong>r ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> legitimida<strong>de</strong> para a propositura<strong>de</strong> ação revocatória (art. 132), com o objetivo <strong>de</strong> coibir a prática<strong>de</strong> atos fraudulentos e prejudiciais aos credores da socieda<strong>de</strong> falida ou<strong>em</strong> recuperação judicial, induz à obrigatorieda<strong>de</strong> da intervenção do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>em</strong> todas as fases processuais, a fim <strong>de</strong> que possater conhecimento <strong>de</strong> qualquer ato atentatório à lei e aos interesses damassa falida, sujeitos à <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> ineficácia, listados nos incisosdo art. 129, b<strong>em</strong> como da prática <strong>de</strong> qualquer conduta com intenção<strong>de</strong> prejudicar credores, nos termos do art. 130 da nova Lei.De igual forma, somente será possível a colheita <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos<strong>de</strong> prova e a efetiva repressão aos ilícitos falimentares, se o Ministé-


145rio <strong>Público</strong> acompanhar todos os atos do processo falimentar, paraverificar a ocorrência <strong>de</strong>sses ilícitos, proce<strong>de</strong>ndo à sua investigação,po<strong>de</strong>ndo, se for necessário, requisitar a abertura <strong>de</strong> inquérito policial(art. 187, caput).Somente com a presença do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>em</strong> todas asfases dos processos <strong>de</strong> falência e <strong>de</strong> recuperação judicial (vez que hápossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> convolação <strong>em</strong> falência), po<strong>de</strong>rá ser efetivamentereprimida a prática dos ilícitos falimentares, que tiveram suas penasconsi<strong>de</strong>ravelmente agravadas na nova Lei, que, ad<strong>em</strong>ais, tipificounovas condutas criminosas, exigindo atenção especial do Promotor<strong>de</strong> Massas Falidas e a sua presença a todos os atos processuais nafalência e na recuperação judicial, po<strong>de</strong>ndo, inclusive, promover açãopenal imediatamente após a <strong>de</strong>cretação da quebra, se já presentesel<strong>em</strong>entos probatórios suficientes da ocorrência <strong>de</strong> crime, nos termosdo art. 187, caput.5 As normas constitucionais e a atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>no âmbito falimentarAnalisada a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>em</strong> matériafalimentar, à luz das normas gerais que reg<strong>em</strong> a atuação do Parquetno processo civil, impen<strong>de</strong> um rápido exame das normas constitucionaisque traçaram o perfil da instituição, para melhor aclarara questão da natureza dos interesses que justificam e <strong>de</strong>terminam aintervenção ministerial na área do Direito Falimentar.Encontramos justificativa e base constitucional para atuação do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nos processos <strong>de</strong> falência e <strong>de</strong> recuperação judicialna própria norma inserta no art. 127, caput, da Carta da República<strong>de</strong> 1988, que ex<strong>em</strong>plarmente o <strong>de</strong>fine como “instituição permanente,essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a <strong>de</strong>fesada ord<strong>em</strong> jurídica, do regime d<strong>em</strong>ocrático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis”.Com efeito, o interesse público primário, ou seja, o interessesocial (da socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral ou da coletivida<strong>de</strong> na sua totalida<strong>de</strong>)é que norteia e <strong>de</strong>fine como obrigatória a atuação do <strong>Ministério</strong> Pú-


146blico nos processos falimentares e <strong>de</strong> recuperação judicial, tendo <strong>em</strong>vista os extensos e incomensuráveis reflexos no âmbito <strong>em</strong>presarial,econômico e do crédito, alcançando mesmo a credibilida<strong>de</strong> das instituiçõese da própria Justiça.A intervenção ministerial, na seara da falência e darecuperação judicial, portanto, encontra raízes constitucionais, sendocerto que o Promotor <strong>de</strong> Massas Falidas atuará na função <strong>de</strong> guardiãodo or<strong>de</strong>namento jurídico falimentar e na tutela dos interesses sociaisindisponíveis envolvidos nesses processos.Impen<strong>de</strong> salientar, ad<strong>em</strong>ais, que não importa a natureza jurídicaque venha a ser reconhecida doutrinariamente à recuperaçãojudicial ou extrajudicial (matéria que refoge do objeto <strong>de</strong>ste estudo),vez que, ainda que se vislumbre nesses institutos mera administraçãojudicial <strong>de</strong> interesses privados e, portanto, <strong>de</strong> interesse exclusivodos credores da socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong>presária participantes, a atuação do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> se impõe, vez que não age na tutela dos interessesdos credores ou <strong>de</strong> quaisquer interesses privados, mas, <strong>em</strong> razãoda repercussão que tais processos, têm, na esfera social, no âmbitopúblico e das relações econômicas, pelo que, há interesse públicoprimário no exercício da ativida<strong>de</strong> fiscalizadora ministerial.Assim, não há como se vislumbrar na atuação do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, nos processos <strong>de</strong> falência e recuperação judicial, a tutela <strong>de</strong>interesses metaindividuais, também <strong>de</strong>nominados transindividuais,que são aqueles compartilhados por grupos, classes ou categorias <strong>de</strong>pessoas, pois esses interesses, como elucida Hugo Nigro Mazzilli 9 , sãoos que exced<strong>em</strong> o âmbito estritamente individual, mas não chegama constituir interesse público.Conforme visto, não tutela o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> o interesse doscredores da falida, n<strong>em</strong> da socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> recuperação judicial, e, assim,não há como se confundir o interesse público (s<strong>em</strong>pre indisponível) quenorteia a ativida<strong>de</strong> ministerial nos processos regulados pela Nova Lei <strong>de</strong>Falências, com os interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos,<strong>em</strong>bora estes também reclam<strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa por parte do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>(art. 127, caput e art. 129, III da Constituição Fe<strong>de</strong>ral).9 Ob. cit., p. 43


147A intervenção ministerial nesses processos é ditada pelo interessepúblico evi<strong>de</strong>nciado pela própria natureza da li<strong>de</strong> e suas repercussõesno or<strong>de</strong>namento jurídico e econômico. As conseqüências,por vezes <strong>de</strong> proporções nacionais, que pod<strong>em</strong> advir da falência ourecuperação judicial <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong>presária <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> porte, noabalo ao crédito e na credibilida<strong>de</strong> dos nossos mercados, pod<strong>em</strong>influenciar, inclusive, os investimentos externos no país, pelo que,o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>em</strong> sua missão constitucional <strong>de</strong> guardião door<strong>de</strong>namento jurídico e dos interesses sociais indisponíveis, nãopo<strong>de</strong> ser afastado <strong>de</strong> tais processos, configurando-se inconstitucionalqualquer iniciativa normativa com esse propósito.6. ConclusõesDo estudo da matéria analisada, <strong>em</strong> síntese, pod<strong>em</strong>os chegaràs seguintes conclusões:1) a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> é obrigatória nos procedimentos<strong>de</strong> falência, recuperação judicial e extrajudicial, reguladaspela Lei n o 11.101, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005, b<strong>em</strong> como <strong>em</strong> qualqueroutro processo correlato ou <strong>em</strong> que o <strong>de</strong>vedor seja parte, aplicandoseo disposto no seu art. 189, e regula-se pelas normas do Código <strong>de</strong>Processo Civil (arts. 81 a 85), tendo <strong>em</strong> vista o interesse público primárioevi<strong>de</strong>nciado pela natureza da li<strong>de</strong> (art. 82, inciso III, do CPC),<strong>de</strong>vendo ser intimado para todos os atos processuais, sob pena <strong>de</strong>nulida<strong>de</strong>, a fulminar o processo a partir do ato <strong>em</strong> que <strong>de</strong>veria tersido intimado a intervir;2) nas ações <strong>de</strong> falência e <strong>de</strong> recuperação judicial, a intervençãoministerial <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>terminada pelo órgão jurisdicional <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oajuizamento do pedido, possibilitando que se manifeste o Promotor<strong>de</strong> Massas Falidas quanto à presença dos requisitos e dos pressupostoslegais, antes <strong>de</strong> proferir sentença <strong>de</strong> quebra ou <strong>de</strong>terminar oprocessamento da recuperação judicial, além <strong>de</strong> permitir a colheita<strong>de</strong> el<strong>em</strong>entos probatórios para a propositura <strong>de</strong> eventual ação penalpor crime falimentar b<strong>em</strong> como para que possam ser i<strong>de</strong>ntificadosatos fraudulentos passíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> ineficácia <strong>em</strong> ação re-


148vocatória a ser proposta pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>;3) a intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong>verá ocorrer <strong>em</strong> cadaoportunida<strong>de</strong> processual <strong>em</strong> que tenha que ser <strong>de</strong>cidida questãoinci<strong>de</strong>nte, pelo juízo falimentar, e, para tanto, <strong>de</strong>verá ser intimadopreviamente, para que possa oferecer promoção ou parecer, s<strong>em</strong>preapós já ter<strong>em</strong> se manifestado os d<strong>em</strong>ais interessados, ainda que, <strong>em</strong>cada hipótese, a nova Lei não preveja expressamente a oitiva do Parquet,vez que a atuação ministerial é regulada pelo art. 83, I, do CPC,sendo obrigatória a abertura <strong>de</strong> vista dos autos após as partes.4) a intervenção ministerial, na seara da falência e da recuperaçãojudicial, encontra raízes constitucionais, sendo certo queo Promotor <strong>de</strong> Massas Falidas atuará na função <strong>de</strong> guardião door<strong>de</strong>namento jurídico falimentar e na tutela dos interesses sociaisindisponíveis envolvidos nesses processos, não po<strong>de</strong>ndo ser afastadaa atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>em</strong> razão do interesse públicoprimário, configurando-se inconstitucional qualquer iniciativa normativacom esse propósito.


149DIREITO FALIMENTARProcedimento Penal na Nova Lei <strong>de</strong> FalênciaRenato MarcãoPromotor <strong>de</strong> Justiça - SP“Saber as leis, diz<strong>em</strong> os jurisconsultos, não é ter-lhes<strong>em</strong> mente as palavras, mas conhecer-lhes a força e aintenção. Scire leges non est verba earum tenere, sed vimac potestat<strong>em</strong>”. (Rui Barbosa)Sumário: 1 Introdução - 2 Competência - 3 Ação penal - 4 Oferecimentoda <strong>de</strong>núncia - 5 Procedimento <strong>em</strong> juízo - 6 Regras <strong>de</strong> aplicação subsidiária- 7 Últimas consi<strong>de</strong>rações.1 IntroduçãoFoi publicada <strong>em</strong> edição extra do Diário Oficial da União, nodia 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005, 1 a Lei n o 11.101, que regula a recuperaçãojudicial, a extrajudicial e a falência do <strong>em</strong>presário e da socieda<strong>de</strong><strong>em</strong>presária, por isso conhecida como “Nova Lei <strong>de</strong> Falência”.Entre outras coisas, conforme o disposto <strong>em</strong> seu artigo 200,pela nova Lei, ficam revogadas as disposições dos artigos 503 a 512do Decreto-Lei n o 3.689, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941, o Código <strong>de</strong> ProcessoPenal, que tratam “do processo e do julgamento dos crimes<strong>de</strong> falência”.1 Brasília, 9 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005; 184 o da In<strong>de</strong>pendência e 117 o da República.Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 149 a 158


150Por força do que estabelece seu artigo 201, a nova Lei entrará <strong>em</strong>vigor <strong>em</strong> 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, vale dizer, <strong>em</strong>9 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005, observada a regra do §1 o do art. 8 o da LC 95/98, 2não havendo que se cogitar, por aqui, da aplicação do princípio daincidência imediata estatuído no art. 2 o do CPP.A matéria penal e processual penal v<strong>em</strong> regulada no CapítuloVII. Deste, a Seção I, que compreen<strong>de</strong> os artigos 168 a 178, cuida “Doscrimes <strong>em</strong> espécie” e “frau<strong>de</strong> a credores”; a Seção II, na qual estão osartigos 179/182, traz as “Disposições Comuns” e, por fim, a Seção III,do artigo 183 ao 188, cuida “Do procedimento penal”, sendo este oobjeto das reflexões que buscar<strong>em</strong>os expor nas linhas seguintes, cumprindoanunciar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a inexistência <strong>de</strong> qualquer pretensão nosentido <strong>de</strong> esgotar a matéria nos estreitos limites <strong>de</strong>ste trabalho.2 CompetênciaConforme a norma geral do Código <strong>de</strong> Processo Penal, art. 70,a competência jurisdicional será, <strong>de</strong> regra, <strong>de</strong>terminada pelo lugar<strong>em</strong> que se consumar a infração, ou, no caso <strong>de</strong> tentativa, pelo lugar<strong>em</strong> que for praticado o último ato <strong>de</strong> execução.Em se tratando <strong>de</strong> crime falimentar, mesmo sob a regulamentaçãodo Dec.-Lei n o 7.661/45, a antiga “Lei <strong>de</strong> Falência”, “o forocompetente para o propositura da ação penal é o juízo on<strong>de</strong> foi<strong>de</strong>clarada a falência”. 3 É o juízo da quebra.Segundo Fernando Capez, “Recebida a <strong>de</strong>núncia ou queixa, osautos serão r<strong>em</strong>etidos ao juízo criminal competente, para prosseguimentoda ação, <strong>de</strong> acordo com o procedimento ordinário, seja o crime2 Art. 8 o . A vigência da lei será indicada <strong>de</strong> forma expressa e <strong>de</strong> modo a cont<strong>em</strong>plar prazorazoável para que <strong>de</strong>la se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “Entra <strong>em</strong>vigor na data <strong>de</strong> sua publicação” para as leis <strong>de</strong> pequena repercussão.§ 1 o . A contag<strong>em</strong> do prazo para entrada <strong>em</strong> vigor das leis que estabeleçam período <strong>de</strong>vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando<strong>em</strong> vigor no dia subseqüente à sua consumação integral.3 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual <strong>de</strong> processo penal. 4. ed. São Paulo,Saraiva, 2002. p. 611.


151apenado com <strong>de</strong>tenção, seja com reclusão. Ocorre que, <strong>em</strong> São Paulo,por força da Lei Estadual n o 3.947/83, firmou-se a competência dojuízo universal da falência para o julgamento dos crimes falimentares”.E arr<strong>em</strong>ata: “Essa lei estadual constitui norma <strong>de</strong> organizaçãojudiciária, <strong>de</strong> simples divisão <strong>de</strong> competência, não ofen<strong>de</strong>ndo assim,a Constituição Fe<strong>de</strong>ral. O Código Judiciário do Estado dispõe que amesma competência firmada para a capital aplica-se no interior”. 4É certo que o art. 504 do CPP <strong>de</strong>termina que “a ação penalserá intentada no juízo criminal, <strong>de</strong>vendo nela funcionar o órgão do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> que exercer, no processo <strong>de</strong> falência, a curadoriada massa falida”, entretanto, ensina Damásio E. <strong>de</strong> Jesus com a inteligência<strong>de</strong> s<strong>em</strong>pre e o costumeiro acerto que: “Embora a disposição<strong>de</strong>termine que a ação penal por <strong>de</strong>lito falimentar <strong>de</strong>va ser intentadano juízo criminal, os arts. 109, § 2 o , e 194 da Lei <strong>de</strong> Falências afirmamque ela é iniciada no juízo da falência, excepcionalmente po<strong>de</strong>ndoter início no juízo criminal”. 5Nos precisos termos do art. 183 da “Nova Lei <strong>de</strong> Falência”:“Compete ao juiz criminal da jurisdição on<strong>de</strong> tenha sido <strong>de</strong>cretadaa falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano<strong>de</strong> recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimesprevistos nesta Lei”.Referindo-se ao “juiz criminal” da jurisdição on<strong>de</strong> tenha sido<strong>de</strong>cretada a falência, a Lei afasta qualquer dúvida e retira do “juízouniversal da falência”, que é <strong>de</strong> natureza extrapenal, a competênciapara o processo e julgamento dos <strong>de</strong>litos falimentares.L<strong>em</strong>brando que a “nova lei” não prevê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>concordada preventiva ou suspensiva, uma vez <strong>de</strong>cretada a quebra,concedida a recuperação judicial, ou homologado plano <strong>de</strong> recuperaçãoextrajudicial, competente para as questões penais eventualmentesurgidas será o juiz criminal da jurisdição on<strong>de</strong> tais atos se <strong>de</strong>r<strong>em</strong>,aplicando-se quanto ao mais, para a fixação da competência, no caso<strong>de</strong> pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> juízes igualmente competentes, as regras geraisdo Código <strong>de</strong> Processo Penal (arts. 70 e seguintes).4 Curso <strong>de</strong> Processo Penal. 9. ed. São Paulo, Saraiva, 2003. p. 576.5 Código <strong>de</strong> Processo Penal anotado. 15. ed. São Paulo, Saraiva, 1998. p. 364.


1523 Ação penalPorquanto essencialmente público o b<strong>em</strong> jurídico tutelado naesfera penal, como se verifica na gran<strong>de</strong> maioria dos casos, <strong>em</strong> regra aação penal será pública incondicionada e, somente nos casos especialmente<strong>de</strong>stacados na Lei, ela será <strong>de</strong> outra natureza, vale dizer: públicacondicionada ou privada, <strong>em</strong> quaisquer <strong>de</strong> suas modalida<strong>de</strong>s.Segundo o artigo 503 do CPP, “Nos crimes <strong>de</strong> falência fraudulentaou culposa, a ação penal po<strong>de</strong>rá ser intentada por <strong>de</strong>núnciado <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> ou por queixa do liquidatário ou <strong>de</strong> qualquercredor habilitado por sentença passada <strong>em</strong> julgado”.A previsão cont<strong>em</strong>pla, <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> falência fraudulentaou culposa, as possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação penal pública incondicionada, por<strong>de</strong>núncia <strong>de</strong> iniciativa do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, e ação penal privada, porqueixa a ser ofertada pelo liquidatário ou qualquer credor habilitado porsentença passada <strong>em</strong> julgado.Tal regra, que continuará a ser aplicada até que entre <strong>em</strong> vigora “nova lei”, sofreu modificação visceral.Foi excluída a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação penal privada <strong>em</strong> se tratando<strong>de</strong> crime falimentar, pois, consoante dispõe o art. 184 do novodiploma, “os crimes previstos nesta Lei são <strong>de</strong> ação penal públicaincondicionada”.Afastado qualquer interesse particular primário na persecuçãopenal, subsiste, expressamente, apenas a ação penal <strong>de</strong> iniciativa do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, por <strong>de</strong>núncia.Há que se consi<strong>de</strong>rar, entretanto, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação penalprivada subsidiária da pública, prevista no art. 5 o , LIX, da ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral e também nos arts. 29 do CPP e 100, § 3 o , do CP.Evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, observados os princípios da hierarquia e daverticalida<strong>de</strong> das normas, o disposto no caput do art. 184 não t<strong>em</strong> forçasuficiente para retirar do or<strong>de</strong>namento a regra <strong>de</strong> base constitucional.Aliás, n<strong>em</strong> foi esse o propósito do legislador, tanto assim que, noparágrafo único, cuidou <strong>de</strong> estabelecer: “Decorrido o prazo a que serefere o art. 187, § 1 o , s<strong>em</strong> que o representante do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>


153ofereça <strong>de</strong>núncia, qualquer credor habilitado ou o administradorjudicial po<strong>de</strong>rá oferecer ação penal privada subsidiária da pública,observado o prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 6 (seis) meses”.Quanto à <strong>de</strong>cadência e o prazo para o oferecimento da queixasubsidiária, a regra reproduz o que está disposto no art. 38 do CPP.Assim, verificada a absoluta inércia do órgão Ministerial,qualquer credor habilitado ou o administrador judicial po<strong>de</strong>rá intentara ação penal nos mol<strong>de</strong>s da regulamentação normativa, cumprindoobservar, quanto ao mais, as disposições gerais do Código <strong>de</strong>Processo Penal.4 Oferecimento da <strong>de</strong>núnciaDispõe o art. 508 do CPP que: “O prazo para <strong>de</strong>núncia começaráa correr do dia <strong>em</strong> que o órgão do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> receber ospapéis que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> instruí-la. Não se computará, entretanto, naqueleprazo o t<strong>em</strong>po consumido posteriormente <strong>em</strong> exames ou diligênciasrequeridos pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> ou na obtenção <strong>de</strong> cópias ou documentosnecessários para oferecer a <strong>de</strong>núncia”.O art. 187 da “nova lei” cuidou da matéria nos seguintes termos:“Intimado da sentença que <strong>de</strong>creta a falência ou conce<strong>de</strong> arecuperação judicial, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, verificando a ocorrência<strong>de</strong> qualquer crime previsto nesta Lei, promoverá imediatamentea competente ação penal ou, se enten<strong>de</strong>r necessário, requisitará aabertura <strong>de</strong> inquérito policial”.Em outras palavras, porém, com o mesmo objetivo, cuidou a Lei<strong>de</strong> estabelecer, mantendo as linhas do regramento anterior, que a açãopenal não po<strong>de</strong>rá ser iniciada s<strong>em</strong> que exista prévia sentença <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretaçãoda quebra, e, também agora, conce<strong>de</strong>ndo a recuperação judicial.Fica mantida, portanto, a discussão a respeito da natureza jurídicada sentença <strong>de</strong>claratória da falência, <strong>em</strong> que também se insere,a partir da nova Lei, a natureza da <strong>de</strong>cisão que conce<strong>de</strong> recuperaçãojudicial.


154No particular assunto, entend<strong>em</strong>os que a melhor lição é aquelaapresentada por Damásio E. <strong>de</strong> Jesus, que assim se expressa: “Pensamosque nos <strong>de</strong>litos falimentares, conforme a figura penal, a <strong>de</strong>claraçãoda falência constitui condição <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong> ou el<strong>em</strong>ento do tipo.A diversida<strong>de</strong> da natureza jurídica da <strong>de</strong>claração da quebra <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>dos el<strong>em</strong>entos contidos no tipo penal. Quando a figura incriminadoranão contém a <strong>de</strong>claração da falência como el<strong>em</strong>entar, ela configuracondição <strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong>”. E arr<strong>em</strong>ata no notável jurista: “Quando,entretanto, a <strong>de</strong>finição do crime contém a <strong>de</strong>claração da quebra, estaconstitui el<strong>em</strong>ento do tipo. S<strong>em</strong> ela o fato a atípico”. 6Nos termos do caput do art. 187, intimado da sentença que<strong>de</strong>creta a falência ou conce<strong>de</strong> a recuperação judicial, o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, verificando a ocorrência <strong>de</strong> qualquer crime previsto na Lei,promoverá imediatamente a competente ação penal, prescindindoda instauração <strong>de</strong> inquérito policial, porquanto dispensável, apesar<strong>de</strong> sua inquestionável utilida<strong>de</strong> e necessida<strong>de</strong> na esmagadoramaioria dos casos.Se o material probatório disponível não for suficiente para aformação <strong>de</strong> uma convicção segura e responsável acerca dos fatossob análise, o representante do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong>verá requisitara abertura <strong>de</strong> inquérito policial.Com ou s<strong>em</strong> inquérito, seguindo as linhas do § 1 o do art. 187 donovo regramento, “o prazo para oferecimento da <strong>de</strong>núncia regula-sepelo art. 46 do Decreto-Lei n o 3.689, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941 (Código<strong>de</strong> Processo Penal)”.De forma saudável, a Lei adota como regra geral a ser observada,a adoção dos prazos regulados no art. 46 do CPP. Vale dizer:5 (cinco) dias, estando o investigado preso, e 15 (quinze) dias se oinvestigado estiver solto.Há, entretanto, uma ressalva. Em <strong>de</strong>terminados casos, o representantedo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> po<strong>de</strong>rá “<strong>de</strong>cidir”, a juízo exclusivamenteseu, portanto, s<strong>em</strong> ingerência ou fiscalização judicial anômala,por aguardar a exposição circunstanciada <strong>de</strong> que trata o art. 186 da6 Ob. Cit., p. 366.


155“nova lei”, 7 <strong>de</strong>vendo, <strong>em</strong> seguida, oferecer a <strong>de</strong>núncia <strong>em</strong> 15 (quinze)dias, conforme dispõe a parte final do art. 187.De tal hipótese, somente se po<strong>de</strong>rá cogitar <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong>investigado solto.5 Procedimento <strong>em</strong> juízoDe início é preciso anotar que apenas o crime do art. 178 épunido com <strong>de</strong>tenção, <strong>de</strong> 1 a 2 anos, e multa. Todos os d<strong>em</strong>ais sãopunidos com reclusão, <strong>de</strong> 2 a 4 anos, e multa, exceção feita <strong>em</strong> relaçãoaos crimes dos arts. 168 e 176, para os quais o legislador estabeleceupena <strong>de</strong> reclusão, <strong>de</strong> 3 a 6 anos, e multa, <strong>em</strong> relação ao primeiro, e <strong>de</strong>reclusão, <strong>de</strong> 1 a 4 anos, e multa, quanto ao último.Como se vê, é bastante reduzida a hipótese <strong>de</strong> aplicação dosinstitutos da suspensão condicional do processo e da transação penal(Leis 9.099/95 e 10.259/01), <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> “crimes falimentares”,e a fixação da pena <strong>de</strong> reclusão para a maioria dos ilícitos, somada aopatamar mínimo alcançado por ocasião da individualização formalda pena, b<strong>em</strong> d<strong>em</strong>onstra a intenção <strong>de</strong> se punir com maior rigor ascondutas tipificadas.Se, por um lado, o novo diploma é claro quanto à intençãoacima <strong>de</strong>stacada e se até merece algum aplauso por ter pretendidomaior celerida<strong>de</strong> nos processos criminais, <strong>em</strong> se tratando <strong>de</strong> “<strong>de</strong>litosfalimentares”, como <strong>de</strong>ixa entrever, por outro, é digno do mais forterepúdio, ao estabelecer no art. 185 que, “recebida a <strong>de</strong>núncia ou aqueixa, observar-se-á o rito previsto nos arts. 531 a 540 do Decreto-Lein o 3.689, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1941, Código <strong>de</strong> Processo Penal”.7 Art. 186. No relatório previsto na alínea e do inciso III do caput do art. 22 <strong>de</strong>sta Lei, oadministrador judicial apresentará ao juiz da falência exposição circunstanciada, consi<strong>de</strong>randoas causas da falência, o procedimento do <strong>de</strong>vedor, antes e <strong>de</strong>pois da sentença, eoutras informações <strong>de</strong>talhadas a respeito da conduta do <strong>de</strong>vedor e <strong>de</strong> outros responsáveis,se houver, por atos que possam constituir crime relacionado com a recuperação judicialou com a falência, ou outro <strong>de</strong>lito conexo a estes.Parágrafo único. A exposição circunstanciada será instruída com laudo do contadorencarregado do exame da escrituração do <strong>de</strong>vedor.


156Para que se esclareça mais uma vez, é preciso l<strong>em</strong>brar que a únicaqueixa que po<strong>de</strong> ser recebida <strong>em</strong> tais hipóteses é a queixa subsidiária,portanto, instauradora <strong>de</strong> ação penal privada subsidiária da pública.Superada a questão com o simples esclarecimento <strong>em</strong> termos <strong>de</strong>compl<strong>em</strong>entação, o que resta é espanto e <strong>de</strong>salento, além da certeza<strong>de</strong> que o legislador realmente está <strong>de</strong>spreparado para o enfrentamentodas questões penais e processuais penais, o que, aliás, já nosocupamos <strong>de</strong> escrever outras tantas vezes. 8Com efeito. O procedimento regulado nos arts. 531 a 540 doCPP é o procedimento sumário, e vários dos dispositivos que cuidavamda matéria já foram revogados, sendo recomendada paraa perfeita compreensão do assunto consulta aos ensinamentos <strong>de</strong>Damásio E. <strong>de</strong> Jesus, <strong>em</strong> sua consagrada obra “Código <strong>de</strong> ProcessoPenal anotado”, <strong>em</strong> que a matéria se vê abordada <strong>em</strong> toda sua amplitu<strong>de</strong>e, b<strong>em</strong> por isso, esgotada.Pela nova Lei, indistintamente, o procedimento a ser aplicadoé aquele previsto para os crimes punidos com <strong>de</strong>tenção.Não se <strong>de</strong>sconhece que, <strong>em</strong> outras hipóteses, o Código <strong>de</strong> ProcessoPenal prevê a aplicação <strong>de</strong> um só procedimento para crimespunidos com <strong>de</strong>tenção e reclusão, dando tratamento isonômico. É oque ocorre, por ex<strong>em</strong>plo, nos casos <strong>de</strong> crimes contra a honra, nos termosregulados no art. 519 do CPP. De ver-se, entretanto, que por aquiestamos diante <strong>de</strong> procedimento especial, inclusive e notadamente,<strong>em</strong> razão do disposto no art. 520 do mesmo “Co<strong>de</strong>x”, realida<strong>de</strong> quenão se confun<strong>de</strong> com a indicada pela nova Lei <strong>de</strong> Falência.É certo que o novo tratamento procedimental dispensado, <strong>de</strong>certa maneira, também po<strong>de</strong> ser nomeado <strong>de</strong> especial, entretanto, talreconhecimento <strong>de</strong>correria exclusivamente do fato <strong>de</strong> se ter <strong>de</strong>terminadoa aplicação <strong>de</strong> um procedimento próprio para <strong>de</strong>litos punidoscom <strong>de</strong>tenção a <strong>de</strong>litos que basicamente são punidos com reclusão, s<strong>em</strong>qualquer regra “especial”, diferenciadora do procedimento (ao con-8 MARCÃO, Renato. Apontamentos sobre influências <strong>de</strong>letérias dos Po<strong>de</strong>res Legislativoe Executivo <strong>em</strong> matéria penal. RT 806/431. Direito penal brasileiro: doi<strong>de</strong>alismo normativo à realida<strong>de</strong> prática. RT 781/484.


trário do que ocorre, p. ex., na hipótese do art. 520 do CPP).157A especialida<strong>de</strong>, aqui, é bastante simples e resume-se ao fato <strong>de</strong>se ter escolhido normativamente, para crimes punidos com reclusão,um procedimento próprio para <strong>de</strong>litos mais brandos.A incompatibilida<strong>de</strong> que disso <strong>de</strong>corre é preocupante e chegaaos limites <strong>de</strong> um questionamento fundado <strong>em</strong> base constitucional,à medida que se esbarra no princípio da ampla <strong>de</strong>fesa, pois é cediçoque uma das formas básicas <strong>de</strong> se permitir o exercício <strong>de</strong>sse princípioé estabelecer uma maior amplitu<strong>de</strong> procedimental para os crimescombatidos com maior rigor punitivo no plano formal.Deve haver uma co-relação; uma congruência; e, s<strong>em</strong>pre, umacoerência entre a pena formalmente fixada e o procedimento a ser aplicadona persecução <strong>em</strong> juízo.Para os <strong>de</strong>litos mais brandos, com conseqüências menos sensíveis,os procedimentos mais céleres e menos formais. Para os <strong>de</strong>litosmais graves, punidos com reclusão, os procedimentos mais amplos,com maior amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e formalismo.Não é, entretanto, o que se vê na normatização sob comento,<strong>em</strong> que apenas um <strong>de</strong>lito é punido com <strong>de</strong>tenção, e o procedimentoprevisto para o processo <strong>em</strong> relação a todos os crimes é o mais brandodo Código <strong>de</strong> Processo Penal.O <strong>de</strong>scompasso é flagrante, tanto quanto o equívoco da opçãoadotada pelo órgão legiferante.6 Regras <strong>de</strong> aplicação subsidiáriaComo soldado <strong>de</strong> reserva cuidou a “nova lei” <strong>de</strong> estabelecer<strong>em</strong> seu art. 188, quando n<strong>em</strong> precisava, que se aplicam “subsidiariamenteas disposições do Código <strong>de</strong> Processo Penal, no que nãofor<strong>em</strong> incompatíveis com esta Lei”.


1587 Últimas consi<strong>de</strong>raçõesÉ absolutamente inadmissível que, após mais <strong>de</strong> uma década<strong>de</strong> tramitação, venha para o universo jurídico uma lei com tamanhaincompatibilida<strong>de</strong>.A evolução do conhecimento científico; a realida<strong>de</strong> prática experimentadatodos os dias nas mais variadas instâncias judiciárias,nitidamente estranha aos olhos do Po<strong>de</strong>r Legiferante, b<strong>em</strong> como oprestígio que se quer dar à “Justiça brasileira”, estão por merecermelhor atenção; mais respeito, o que <strong>de</strong>termina a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>um intransigente conhecimento do sist<strong>em</strong>a normativo <strong>em</strong> sentidoamplo, e da técnica <strong>de</strong> elaboração legislativa. No particular, era <strong>de</strong>se esperar especial atenção na “escolha” do procedimento penal a seradotado <strong>em</strong> juízo, ren<strong>de</strong>ndo-se homenag<strong>em</strong>, inclusive, ao princípioconstitucional da ampla <strong>de</strong>fesa.


159DIREITO PENAL TRIBUTÁRIOA Classificação Judicial doLançamento Tributáriocomo Condição Objetiva <strong>de</strong> Punibilida<strong>de</strong>Andreas EiselePromotor <strong>de</strong> Justiça - SCEm julgamento do Habeas Corpus n o 81.611-8, ocorrido <strong>em</strong>22/10/03 (cujo teor foi publicado no DJ, <strong>em</strong> 13/05/05), o Plenáriodo Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral classificou o lançamento do créditotributário (<strong>de</strong>corrente da constituição <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> sua exigibilida<strong>de</strong>,<strong>de</strong>vido à conclusão do procedimento administrativo respectivo)como condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> para a configuração <strong>de</strong> crim<strong>em</strong>aterial contra a ord<strong>em</strong> tributária, <strong>de</strong>finido na Lei n o 8.137/90.Como justificativa da referida classificação, o relator do respectivoacórdão afirmou que, antes <strong>de</strong> constituída a exigibilida<strong>de</strong>do crédito tributário, mediante o lançamento correspon<strong>de</strong>nte, nãoestaria consumado o crime, pois tal lançamento é uma condiçãoobjetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> relativa à modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>litiva <strong>em</strong> análise,<strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência do que, até então, não haveria justa causa para apropositura da ação penal respectiva.A ilustração do raciocínio foi elaborada mediante a indicação dasuposta s<strong>em</strong>elhança das relações existentes entre o lançamento tributárioe os fatos anteriores realizados pelo sujeito ativo <strong>de</strong> crime contraAtuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 159 a 171


160a ord<strong>em</strong> tributária, e a sentença <strong>de</strong> falência e os atos realizados pelosujeito anteriormente à quebra, o que evi<strong>de</strong>ncia o recurso analógicoutilizado para a equiparação (no plano i<strong>de</strong>al) das situações.A conseqüência <strong>de</strong>ssa pr<strong>em</strong>issa teórica é o fato <strong>de</strong> que, antes <strong>de</strong>impl<strong>em</strong>entado o referido lançamento, não há justa causa para eventualpropositura <strong>de</strong> ação penal, pois o crime ainda não estaria consumado.Essa conclusão serviu <strong>de</strong> referencial para diversos julgadosposteriores, <strong>de</strong>ntre os quais pod<strong>em</strong> ser indicados:a) o Habeas Corpus n o 85.428-1, julgado <strong>em</strong> 17/5/05, pela 2 a Turmado mesmo Tribunal (no qual foi adotada a conclusão apresentadapelo Plenário naquela ocasião); eb) o Habeas Corpus n o 83.414-1, julgado <strong>em</strong> 2/3/04, pela 1 a Turmado mesmo Tribunal (<strong>em</strong> que foi adotada uma conclusão similar,porém estruturalmente diversa).O relator do HC n o 83.414-1 formulou a mesma conclusãooperacional (ou seja, a ausência <strong>de</strong> justa causa para a propositura <strong>de</strong>ação penal na hipótese, anteriormente à conclusão do procedimento<strong>de</strong> lançamento do crédito tributário), porém, mediante fundamentodiverso, qual seja, a classificação da constituição da exigibilida<strong>de</strong> docrédito tributário, mediante o lançamento respectivo como el<strong>em</strong>entonormativo do tipo, por consi<strong>de</strong>rar que antes <strong>de</strong> tal lançamento nãohá “tributo” evadido.Ocorre que ambas as classificações são juridicamente impossíveis,pois são incompatíveis com a norma veiculada pelo art. 5 o ,XXXIX, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e pelo art. 1 o do Código Penal, consistenteno princípio da reserva legal.Embora o conceito <strong>de</strong> condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> nãoseja formulado, <strong>de</strong> modo unívoco, pela ciência jurídica, um aspectosuficient<strong>em</strong>ente <strong>de</strong>finido <strong>de</strong> sua configuração po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>duzido <strong>de</strong>seus el<strong>em</strong>entos, qual seja, a característica <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> uma situação<strong>de</strong> fato cuja ocorrência t<strong>em</strong> como conseqüência a impl<strong>em</strong>entaçãoconcreta do po<strong>de</strong>r estatal <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> uma pena.Ou seja, um fato do qual <strong>de</strong>corre uma conseqüência jurídica<strong>de</strong>sfavorável ao sujeito.


161Em termos teóricos, um aspecto cuja realização t<strong>em</strong>, comoefeito, a instauração da intervenção penal, limitante da liberda<strong>de</strong> doresponsável pela prática do crime.Quaisquer das hipóteses reconhecidas (com um âmbito reduzido<strong>de</strong> polêmica) pela ciência jurídica ou pela jurisprudência comocaracterísticas <strong>de</strong> condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> implicam talconseqüência, como é o caso:a) da prolação da sentença que institui a falência <strong>em</strong> relaçãoaos crimes pré-falimentares (art. 186 do Dec.-Lei n o 7.661/45 e art.180 da Lei n o 11.101/05);b) da anulação do casamento <strong>em</strong> relação ao crime <strong>de</strong> induzimentoa erro essencial ou ocultação <strong>de</strong> impedimento (art. 236 doCódigo Penal); ec) da ocorrência <strong>de</strong> morte ou lesão corporal <strong>em</strong> relação aocrime <strong>de</strong> induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122 doCódigo Penal).Em todas essas hipóteses, até o advento da situação fáticaclassificada como condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, o fato é criminalmenteirrelevante, somente passando a sê-lo após a realização dasituação <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência da qual surge concretamente o po<strong>de</strong>r estatal<strong>de</strong> impor uma pena ao responsável.Portanto, a impl<strong>em</strong>entação da condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>instaura concretamente o po<strong>de</strong>r penal do Estado, até entãosomente <strong>de</strong>finido na legislação <strong>de</strong> forma abstrata.Essa característica implica a conseqüência <strong>de</strong> a condição objetiva<strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ter que ser, necessariamente, um el<strong>em</strong>entoconstitutivo do crime ou um aspecto do qual <strong>de</strong>corre a possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> aplicação da pena.Inclusive, a maior polêmica existente no âmbito da ciência jurídicanão se refere aos efeitos da condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> (instituiçãoconcreta do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> intervenção penal), mas à classificação teórica.Dessa forma, como o fato era penalmente irrelevante até suarealização, a hipótese configuradora da condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>compõe a situação cuja conseqüência jurídica concreta é a


162aplicação <strong>de</strong> uma pena ao sujeito.Essa abordag<strong>em</strong>, conforme a qual a condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>é um aspecto instituidor da intervenção penal, foi originalmenteformulada por Binding 1 e <strong>de</strong>senvolvida por diversos autores,havendo divergências somente no que se refere a sua classificaçãona teoria do <strong>de</strong>lito, seja como el<strong>em</strong>ento do tipo (Manzini, 2 Zaffaronie Pierangeli 3 ); el<strong>em</strong>ento adicional ao tipo (Beling, 4 Wessels, 5 Maurache Zipf 6 e Soler 7 ); aspecto configurador da antijuridicida<strong>de</strong> concreta(Reale Júnior 8 ); aspecto adicional à culpabilida<strong>de</strong> (Stratenwerth 9 );el<strong>em</strong>ento adicional ao fato típico, antijurídico e culpável, para a formaçãodo <strong>de</strong>lito (Liszt, 10 Mezger, 11 Battaglini, 12 Marinucci e Dolcini 13e Polaino Navarrete 14 ) ou um aspecto que, <strong>em</strong>bora seja certa sua1 BINDING, Karl. Compendio di Diritto Penale. 8. ed. (trad. BORETTINI, A<strong>de</strong>lmo)Roma: Athenaeum, 1928, p. 162.2 MANZINI, Vicenzo. Tratatto di Diritto Penale. vol. I. 4. ed. Torino: Unione Tipografico-EditriceTorinese, s/data, p. 601/603.3 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual <strong>de</strong> Direito Penalbrasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 769.4 BELING, Ernst von. Esqu<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Derecho Penal. (trad. SOLER, Sebastian) BuenosAires: Depalma, 1944, p. 93.5 WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte geral. (trad. TAVARES, Juarez) Porto Alegre:safE, 1976, p. 30-37/38.6 MAURACH, Reinhart; ZIPF, Heinz. Derecho Penal. Parte general. vol. I. 7. ed. al<strong>em</strong>ã.(trad. GENZSCH, Jorge Bofill; GIBSON, Enrique Aimone) Buenos Aires: Astrea, 1994,p. 372/373.7 SOLER, Sebastian. Derecho Penal Argentino. tomo II. reimp. Buenos Aires: TEA,1951, p. 202/203.8 REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições <strong>de</strong> Direito Penal. Parte geral. vol. I. 2. ed. Rio<strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2004, p. 24-229.9 STRATENWERTH, Günter. Derecho Penal. Parte general. vol. I. 2. ed. al<strong>em</strong>ã. (trad.ROMERO, Gladys Nancy) Buenos Aires: Fabián J. Di Plácido, 1999, p. 18/20.10 LISZT, Franz von. Direito Penal All<strong>em</strong>ão. tomo I. (trad. DUARTE PEREIRA, JoséHygino) Rio <strong>de</strong> Janeiro: F. Briguiet, 1899, p. 308.11 MEZGER, Edmund. Tratado <strong>de</strong> Derecho Penal. tomo II. 2. ed. al<strong>em</strong>ã. (trad. RODRI-GUEZ MUÑOZ, Jose Arturo) Madrid: Revista <strong>de</strong> Derecho Privado, s/data, p. 110.12 BATTAGLINI, Giulio. Diritto Penale. Parte generale. 3. ed. Padova: Cedam, 1949, p.276-281-289.13 MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Corso di Diritto Penale. Parte generale.vol. I. 2. ed. Milano: Guiffrè, 1999, p. 497.14 POLAINO NAVARRETE, Miguel. Derecho Penal. Parte general. tomo II. vol. I.Barcelona: Bosch, 2000, p. 66.


163conseqüência limitadora da liberda<strong>de</strong> individual, <strong>de</strong>vido à instituiçãodo po<strong>de</strong>r interventivo estatal <strong>de</strong> conteúdo penal, não t<strong>em</strong> suaclassificação teórica <strong>de</strong>finida (Welzel, 15 Nuvolone, 16 Bettiol, 17 Jiménez<strong>de</strong> Asúa, 18 Fragoso, 19 Dotti, 20 Tavares 21 e Mestieri 22 ).Paralelamente, alguns autores abordam o instituto no âmbitoda pena e não do <strong>de</strong>lito, como é o caso <strong>de</strong> Rocco, 23 Antolisei 24 eRégis Prado, 25 o que não altera a característica <strong>de</strong> seus efeitos, pois,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> as condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> instituír<strong>em</strong>o crime ou a pena, impl<strong>em</strong>entam o po<strong>de</strong>r punitivo estatal,restringindo a liberda<strong>de</strong> individual do sujeito.Portanto, há suficiente acordo teórico no que se refere à característicaimpl<strong>em</strong>entadora da intervenção estatal das condiçõesobjetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>.Jiménez <strong>de</strong> Asúa chega, inclusive, a afirmar que todos os aspectosque configuram um pressuposto para a intervenção punitiva15 WELZEL, Hans. Derecho Penal Al<strong>em</strong>án. Parte general. 11. ed. al<strong>em</strong>ã. 4. ed. castellana.(trad. BUSTOS Ramírez, Juan; YÁÑEZ PÉREZ, Sergio) Santiago: Juridica <strong>de</strong> Chile,1997, p. 69/70.16 NUVOLONE, Pietro. Corso di Diritto Penale. Parte generale. Milano: La Goliardica,1966, p. 154.17 BETTIOL, Giuseppe. Diritto Penale. Parte generale. 7. ed. Padova: Cedam, 1969, p.197/198.18 JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios <strong>de</strong> Derecho Penal – La ley y el <strong>de</strong>lito. 3. ed.reimp. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 423/426.19 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições <strong>de</strong> Direito Penal. 16. ed. 2. tirag<strong>em</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 2004, p. 266/267.20 DOTTI, René Ariel. Curso <strong>de</strong> Direito Penal. Parte geral. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 2002,p. 670.21 TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p.244-246/247.22 MESTIERI, João. Manual <strong>de</strong> Direito Penal. Parte geral. vol. I. 2. tirag<strong>em</strong>. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Forense, 2002, p. 315.23 ROCCO, Arturo. L´oggetto Del reato e <strong>de</strong>lla tutela giuridica penale. Torino: FratelleBocca, 1913, p. 527.24 ANTOLISEI, Francesco. Manuale di Diritto Penale. Parte generale. 2. ed. Milano:Giuffrè, 1949, p. 142-395/397.25 RÉGIS PRADO, Luiz. Apontamentos sobre a punibilida<strong>de</strong> e suas condicionantes positivae negativa. In. Revista dos Tribunais. vol. 776. São Paulo: Revista dos Tribunais,2000, p. 441.26 JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. op. cit., p. 423.


164estatal mediante a aplicação da pena são condições <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, 26in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> tal aspecto fático ser classificado no âmbitoda tipicida<strong>de</strong>, ilicitu<strong>de</strong> ou culpabilida<strong>de</strong> (ou qualquer outro âmbitono qual se <strong>de</strong>componha analiticamente o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito).As concepções divergentes, que consi<strong>de</strong>ram as condiçõesobjetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> como aspectos restritivos da pena, cujaexpressão teórica se encontra <strong>em</strong> Jescheck 27 e Roxin, 28 <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> doequívoco, salientado por Figueiredo Dias, 29 da equiparação entreas condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> e as causas <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong>pena (como é o caso, por ex<strong>em</strong>plo, da relação <strong>de</strong> parentesco noscrimes contra o patrimônio, prevista no art. 181 do Código Penal),as quais acarretam conseqüências jurídicas completamente diversas,motivo pelo qual não pod<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>radas mediante a mesmaperspectiva teórica.Ou seja, antes <strong>de</strong> ocorrer a condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>,não há relevância penal do fato e sua realização instaura concretamenteo po<strong>de</strong>r penal do Estado, enquanto, antes da ocorrência dascausas <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> pena, a punibilida<strong>de</strong> (po<strong>de</strong>r punitivo estatal) jáexiste e sua realização a exclui, somente tornando o fato penalmenteirrelevante <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então.A diferença entre ambas as hipóteses, e o caráter constituintedas condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, são acentuados pelacrítica formulada por Zaffaroni e Pierangeli à concepção teóricaque consi<strong>de</strong>ra as condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> como aspectosrestritivos (e não constitutivos) do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> intervençãopenal do Estado.Nesse contexto, afirmam que tal perspectiva é “insustentável,porque se a falta das condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> dá lugarà impunida<strong>de</strong>, isto significa que sua presença também fundamenta27 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado <strong>de</strong> Derecho Penal. Parte general. 4. ed. al<strong>em</strong>ã.(trad. SAMANIEGO, José Luis Manzanares) Granada: Comares, 1993, p. 504.28 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte general. tomo. I. 2. ed. al<strong>em</strong>ã. 1. reimp. (trad.LUZÓN PEÑA, Diego-Manuel; CONLLEDO, Miguel Díaz y García; REMESAL,Javier <strong>de</strong> Vicente) Madrid: Civitas, 1999, p. 972.29 FIGUEIREDO DIAS, Jorge <strong>de</strong>. Questões fundamentais <strong>de</strong> Direito Penal revisitadas.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 244.


a punição”. 30165Portanto, como as condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> impl<strong>em</strong>entamrestrição à liberda<strong>de</strong> individual, por constituír<strong>em</strong> o crime ouviabilizar<strong>em</strong> a aplicação da pena, não pod<strong>em</strong> ser instituídas mediante<strong>de</strong>finição jurispru<strong>de</strong>ncial, pois o princípio da legalida<strong>de</strong> impe<strong>de</strong> talcriação mediante instrumento diverso da lei.Essa necessida<strong>de</strong> é expressamente indicada no or<strong>de</strong>namentojurídico italiano, no texto do art. 44 do Código Penal <strong>de</strong> 1930, quedispõe sobre o instituto indicando seus el<strong>em</strong>entos constitutivos nosseguintes termos:“Quando per la punibilità <strong>de</strong>l reato la leggerichie<strong>de</strong> il verificarsi di una condizione il colpevolerispon<strong>de</strong> <strong>de</strong>l reato anche se l´evento, da cui<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> il verificarsi <strong>de</strong>lla condizione, non è dalui voluto” (ressaltei). *Embora o or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro não disponha <strong>de</strong>forma específica sobre os aspectos característicos <strong>de</strong> tal instituto,sua natureza jurídica é idêntica <strong>em</strong> ambos os sist<strong>em</strong>as penais, assimcomo sua configuração teórica. Devido a tal i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, o institutodisciplinado pelo Direito italiano é o mesmo que o existente no Direitobrasileiro (assim como ocorre no Direito al<strong>em</strong>ão, no espanhol,no argentino, no português etc).O requisito estrutural à instituição jurídica <strong>de</strong> uma condiçãoobjetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> é a anterior irrelevância penal do fato (oque não ocorre nos crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária, conforme seráadiante d<strong>em</strong>onstrado). Por esse motivo, a condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>constitui, juntamente com os d<strong>em</strong>ais el<strong>em</strong>entos do crime(fato típico, antijuridicida<strong>de</strong> e culpabilida<strong>de</strong>), a hipótese <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrênciada qual é aplicada uma pena e, portanto, a possibilida<strong>de</strong> jurídica<strong>de</strong> sua <strong>de</strong>finição é subordinada ao princípio da legalida<strong>de</strong>.Essa necessida<strong>de</strong> é i<strong>de</strong>ntificada por Fragoso, o qual, ao <strong>de</strong>finir30 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. op. cit., p. 773.* Quando para a punibilida<strong>de</strong> do crime a lei exige a verificação <strong>de</strong> uma condição o sujeitorespon<strong>de</strong> pelo crime mesmo se o evento, do qual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a verificação da condição,não é por ele querido (trad. do autor).


166as condições objetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, consignou tratar<strong>em</strong>-se <strong>de</strong>“acontecimentos exteriores ao tipo, que a lei estabelece como indispensáveisà punibilida<strong>de</strong> do fato” (ressaltei). 31Portanto, para a regular instituição <strong>de</strong> qualquer aspecto cujarealização impl<strong>em</strong>ente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> uma pena(como é o caso das condições <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>), é necessária a existência<strong>de</strong> um dispositivo legal que o <strong>de</strong>fina expressamente.O que o Plenário do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral fez, no julgamentodo HC n o 81.611-8, ao equiparar o lançamento tributário àsentença <strong>de</strong> falência, para classificar o primeiro como condição objetiva<strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, foi instituir, mediante analogia, um aspectoconfigurador da hipótese <strong>de</strong> fato cuja realização impl<strong>em</strong>enta o po<strong>de</strong>rpunitivo estatal.Porém, a analogia não é um meio juridicamente apto para a<strong>de</strong>finição dos el<strong>em</strong>entos constitutivos da situação cuja conseqüênciajurídica seja a aplicação <strong>de</strong> uma sanção penal.Essa conclusão <strong>de</strong>corre imediatamente da regra veiculadapelo art. 5 o , XXXIX, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e pelo art. 1 o do CódigoPenal.Portanto, como a <strong>de</strong>cisão que classificou o lançamento tributáriocomo condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, por tê-lo equiparado à sentença<strong>de</strong> falência, <strong>de</strong>finiu um dos aspectos constitutivos da hipótesecuja conseqüência é a impl<strong>em</strong>entação do po<strong>de</strong>r interventivo penaldo Estado, mediante analogia, é juridicamente impossível, por serinconciliável com a norma da reserva legal.A única possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização do recurso analógico para aclassificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada situação <strong>de</strong> fato <strong>em</strong> um instituto jurídicoseria a da hipótese <strong>em</strong> que sua incidência ampliasse o âmbito <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong> individual, pela restrição ao po<strong>de</strong>r interventivo estatal.Porém, como foi d<strong>em</strong>onstrado, uma condição objetiva <strong>de</strong>punibilida<strong>de</strong> impl<strong>em</strong>enta a relevância penal <strong>de</strong> um fato, até entãoirrelevante, motivo pelo qual instaura a punibilida<strong>de</strong> (e não arestringe, como seria o caso <strong>de</strong> uma causa <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> pena),31 FRAGOSO, Heleno Cláudio. op. cit., p. 266.


167configurando a hipótese <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência da qual po<strong>de</strong> ser aplicadauma pena ao sujeito, restringindo sua liberda<strong>de</strong> (sendo equivocadoo entendimento diverso, além <strong>de</strong> divergente da expressiva maioriadas abordagens formuladas pelos mais importantes cientistas doDireito Penal, conforme anteriormente indicado).Por esse motivo, não po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida mediante ativida<strong>de</strong>jurispru<strong>de</strong>ncial, realizada com base na analogia.A mesma situação ocorre <strong>em</strong> relação à justificativa adotada nojulgamento do HC n o 83.414-1, <strong>em</strong> que o lançamento tributário foiconsi<strong>de</strong>rado aspecto constitutivo <strong>de</strong> el<strong>em</strong>ento normativo do tipo.Nesse caso, com maior evidência está apresentada a impossibilida<strong>de</strong>jurídica <strong>de</strong> criação, mediante <strong>de</strong>finição jurispru<strong>de</strong>ncial, <strong>de</strong>um el<strong>em</strong>ento do tipo penal pois, assim como no caso das condiçõesobjetivas <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong>, como não há crime s<strong>em</strong> lei que o <strong>de</strong>fina,os el<strong>em</strong>entos do tipo <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser expressamente <strong>de</strong>finidos no dispositivolegal que o veicula.Portanto, os fundamentos das duas <strong>de</strong>cisões são incompatíveiscom o princípio da legalida<strong>de</strong>.A classificação jurídica do lançamento tributário, como condiçãoobjetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ou el<strong>em</strong>ento normativo do tipo, <strong>de</strong>correuda incorreta compreensão da configuração do instituto processual<strong>de</strong>nominado como “justa causa para a propositura <strong>de</strong> ação penal”.A justa causa <strong>de</strong>corre da segura convicção da ocorrência d<strong>em</strong>aterialida<strong>de</strong> (e autoria) <strong>de</strong>litiva, o que pressupõe a ocorrência(prévia) do <strong>de</strong>lito.Após a consumação do crime material contra a ord<strong>em</strong> tributária,que se impl<strong>em</strong>enta no momento da evasão (e não da posteriorconstituição do crédito tributário, pois, se assim fosse, não haveriasonegação s<strong>em</strong> que o Fisco a <strong>de</strong>scobrisse, posteriormente, <strong>em</strong> procedimento<strong>de</strong> fiscalização, cuja finalida<strong>de</strong> é, conforme explica AlbertoXavier, 32 constatar o fato anteriormente ocorrido), po<strong>de</strong> surgir umadúvida sobre a ocorrência da evasão afirmada pelo fiscal no contexto32 XAVIER, Alberto. Do lançamento no Direito Tributário Brasileiro. 3. ed. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Forense, 2005, p. 380/381-383.


168<strong>de</strong> um procedimento <strong>de</strong> lançamento tributário.Caso tal dúvida afete a convicção referente à consumação <strong>de</strong>um <strong>de</strong>lito, ou seja, sobre a ocorrência <strong>de</strong> um fato imponível quetenha impl<strong>em</strong>entado uma obrigação tributária cuja prestação nãofoi satisfeita pelo pagamento do tributo no prazo legal, mediantea realização <strong>de</strong> uma conduta típica, não haverá justa causa para apropositura <strong>de</strong> ação penal.Portanto, a justa causa é um instituto processual e seu objetose refere à instrução da propositura da ação.Como os el<strong>em</strong>entos constitutivos da justa causa se refer<strong>em</strong>ao crime (ou seja, os el<strong>em</strong>entos <strong>de</strong>ste são o objeto <strong>de</strong> análise para aconstatação daquela), este <strong>de</strong>ve estar consumado anteriormente àverificação da configuração daquela.Durante o procedimento administrativo <strong>de</strong> lançamento do créditotributário, po<strong>de</strong> ser constatada uma anterior evasão e, conseqüent<strong>em</strong>ente,a consumação <strong>de</strong> um crime contra a ord<strong>em</strong> tributária.A evasão (assim como o crime) não po<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> um atoconstatatório da Administração, mas <strong>de</strong> um comportamento dosujeito, motivo pelo qual a consi<strong>de</strong>ração do lançamento como omomento consumativo do <strong>de</strong>lito seria como consi<strong>de</strong>rar consumadoo crime, ao final do inquérito policial, cujo objeto é a investigação<strong>de</strong> sua ocorrência.No lançamento tributário, é constatada a ocorrência ou não <strong>de</strong>uma evasão (e, eventualmente, <strong>de</strong> um crime) ocorrida anteriormente.Se, durante tal constatação, surgir uma dúvida sobre tal ocorrência,não haverá justa causa para propor ação penal <strong>em</strong> relação ao fato.Porém, tal situação somente po<strong>de</strong> ser analisada no caso concreto,porque as discussões realizadas no contexto <strong>de</strong> impugnaçõesadministrativas apresentadas <strong>em</strong> procedimentos <strong>de</strong> lançamento tributáriotêm conteúdos variados, os quais não necessariamente têmpor objeto o questionamento da ocorrência da evasão, pois pod<strong>em</strong>se referir a vícios do lançamento ou mesmo abordar a dimensão daevasão, s<strong>em</strong> o questionamento <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> seu objeto.Ou seja, algumas impugnações, mesmo que sejam reconhecidas


169pela Administração como proce<strong>de</strong>ntes, não produzirão, como efeito,a conclusão <strong>de</strong> inexistência <strong>de</strong> evasão.Portanto, a análise da justa causa <strong>de</strong>ve ser realizada <strong>de</strong> formaindividualizada, com a consi<strong>de</strong>ração do objeto da impugnação, assimcomo a aferição da viabilida<strong>de</strong> dos argumentos apresentadospelo impugnante, <strong>de</strong> modo a instaurar, ou não, dúvida referente àocorrência <strong>de</strong> uma evasão.Ocorre que não é porque a discussão ocorrida no contexto <strong>de</strong>um procedimento administrativo <strong>de</strong> lançamento tributário possaafetar a justa causa para a propositura <strong>de</strong> ação penal que esta <strong>de</strong>vaconfigurar uma condição <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ou el<strong>em</strong>ento do tipo. Naverda<strong>de</strong>, a discussão po<strong>de</strong>ria versar sobre a ocorrência ou não <strong>de</strong>uma condição <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ou el<strong>em</strong>ento do tipo, ou seja, ter talt<strong>em</strong>a por objeto, mas não ser, a própria <strong>de</strong>finição da discussão (ousua conclusão), uma condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ou um el<strong>em</strong>entodo tipo.A questão é processual e, portanto, refere-se à prova, cujo objetoé d<strong>em</strong>onstrar a viabilida<strong>de</strong> da acusação, impl<strong>em</strong>entando um âmbitomínimo necessário <strong>de</strong> convicção referente à ocorrência da evasão e,conseqüent<strong>em</strong>ente, do crime contra a ord<strong>em</strong> tributária.Portanto, <strong>em</strong>bora, <strong>em</strong> alguns casos, seja necessário aguardara <strong>de</strong>finição, no âmbito administrativo, da confirmação da anteriorocorrência da evasão, para obter a certeza referente à consumaçãodo crime, essa situação não <strong>de</strong>corre somente da pendência <strong>de</strong> umprocedimento <strong>de</strong> lançamento, mas do conteúdo <strong>de</strong> eventual impugnaçãoapresentada naquele contexto.Não obstante, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>finição não <strong>de</strong>corre dofato <strong>de</strong> o lançamento ser uma condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ouum el<strong>em</strong>ento normativo do tipo, mas da incerteza referente à ocorrênciada evasão.Portanto, a conclusão dos julgamentos anteriormente indicados,qual seja, a <strong>de</strong> que, antes <strong>de</strong> encerrado o procedimento administrativo<strong>de</strong> lançamento, não haveria justa causa para a propositura <strong>de</strong>ação penal, não necessariamente <strong>de</strong>corre das pr<strong>em</strong>issas adotadas(a classificação do lançamento como condição objetiva <strong>de</strong> punibi-


170lida<strong>de</strong> ou el<strong>em</strong>ento do tipo, o que seria, inclusive, juridicamenteimpossível), mas do fato <strong>de</strong> que, conforme o conteúdo da discussãoeventualmente ocorrida durante o procedimento administrativo, oque <strong>de</strong>ve ser aferido no caso concreto, po<strong>de</strong> haver dúvida sobre aefetiva ocorrência anterior do <strong>de</strong>lito.Ou seja, <strong>em</strong>bora a conclusão seja parcialmente a<strong>de</strong>quada (necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>finir no âmbito administrativo, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> dúvida, aocorrência da evasão), seus fundamentos são juridicamente impossíveis(a classificação jurispru<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> tal <strong>de</strong>finição como condiçãoobjetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ou el<strong>em</strong>ento do tipo).Além disso, a preocupação apresentada pelo relator do HC81.611-8, no sentido <strong>de</strong> que, somente após a <strong>de</strong>finição do créditotributário mediante o lançamento, o sujeito terá certeza do montantea ser recolhido, viabilizando a reparação do dano que lhe acarreta aextinção da punibilida<strong>de</strong>, é perfeitamente compatível com o sist<strong>em</strong>ajurídico existente e acima <strong>de</strong>scrito, pois o que afetaria a justa causa,para eventual propositura <strong>de</strong> ação penal, seria a dúvida sobre aocorrência <strong>de</strong> evasão e, nos casos <strong>em</strong> que tal dúvida não ocorresse(seja <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> na impugnação administrativa não ter sidodiscutida a obrigação tributária, mas somente aspectos formais dolançamento ou referentes à regularida<strong>de</strong> da posterior constituição daexigibilida<strong>de</strong> do crédito, seja <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> ser impugnada apenasuma parcela do objeto da obrigação, como é o caso das diferenças<strong>de</strong> alíquotas, por ex<strong>em</strong>plo), o sujeito passivo da obrigação po<strong>de</strong>riarecolher o valor não impugnado, pois ele teria conhecimento certo<strong>de</strong> seu montante, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da <strong>de</strong>cisão relativa à impugnação,porque os objetos da discussão e da evasão são reciprocamentein<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.Portanto, o interessado somente <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> recolher (para fins<strong>de</strong> extinção da punibilida<strong>de</strong>) a parcela <strong>de</strong> dívida objeto <strong>de</strong> impugnaçãoadministrativa, <strong>em</strong> relação à qual não haveria justa causa para apropositura <strong>de</strong> ação penal.Dessa forma, o sujeito não seria processado <strong>em</strong> relação à situação<strong>em</strong> que não há certeza da evasão e po<strong>de</strong>ria obter a extinção dapunibilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação à parcela evasão cuja existência é certa.


171Em síntese, a exposição apresentada d<strong>em</strong>onstra que a constituiçãoda exigibilida<strong>de</strong> do crédito tributário mediante o lançamentonão po<strong>de</strong> ser classificada como condição objetiva <strong>de</strong> punibilida<strong>de</strong> ouel<strong>em</strong>ento normativo do tipo mediante <strong>de</strong>cisão judicial, pois tal medidaseria incompatível com o princípio da legalida<strong>de</strong>, e a justa causa,para a propositura <strong>de</strong> ação penal, <strong>de</strong>ve ser aferida caso a caso, parase verificar se, no contexto <strong>de</strong> uma impugnação a um lançamentotributário, é instalada dúvida sobre a ocorrência da evasão tributáriaou não, além do fato <strong>de</strong> que a discussão não obsta o conhecimento <strong>de</strong>evasões não abrangidas pela impugnação administrativa, quando écerto seu conteúdo, o que viabiliza a respectiva reparação do dano,por parte do sujeito <strong>em</strong> relação a esse objeto.Por esses motivos, a classificação realizada no julgamento <strong>em</strong>análise é juridicamente impossível, e seus argumentos não são a<strong>de</strong>quadospara fundamentar as conclusões apresentadas, pois essasnão <strong>de</strong>corr<strong>em</strong> das pr<strong>em</strong>issas propostas.


172


173DIREITO PENAL TRIBUTÁRIOPena Privativa <strong>de</strong> Liberda<strong>de</strong> eOmissão no Pagamento <strong>de</strong> TributoEraldo Santos1 Prisão civil e prisão penalO vocábulo prisão <strong>de</strong>signa, <strong>em</strong> sentido lato, uma sanção impostaao sujeito, restringindo sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, mediante aexecução <strong>de</strong> uma pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, a qual apresenta comomodalida<strong>de</strong>s a <strong>de</strong>tenção e a reclusão, sendo estas espécies, e aquelagênero.A prisão caracteriza-se por infração <strong>de</strong> uma norma, um preceitolegal, <strong>de</strong>correndo s<strong>em</strong>pre da prática <strong>de</strong> um ato ilícito.Para distinguir-se a prisão civil da penal, não basta a simplesanálise da modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pena a ser aplicada, ou seja, indiferent<strong>em</strong>enteda previsão legal <strong>de</strong>scrita no tipo como modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sanção,pois há pena <strong>de</strong> multa (patrimonial), prevista como modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sanção para o agente que comete infração penal, b<strong>em</strong> como há previsãolegal <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para o agenteque pratica ilícito civil.Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 173 a 184


174A prisão civil e penal <strong>de</strong>termina-se pelo seu antece<strong>de</strong>nte lógico,qual seja, a modalida<strong>de</strong> do instituto <strong>em</strong> que estão inseridas.Percebe-se que uma prisão é civil pelo fato <strong>de</strong> estar prevista comomodalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sanção <strong>de</strong> um tipo classificado no direito positivocomo <strong>de</strong> natureza civil, ou é penal se a natureza do tipo a que estáatrelada for <strong>de</strong> natureza penal.Costa Junior [1991, p. 03] dita: “sanção, categoria jurídica indissociável<strong>de</strong> seu antece<strong>de</strong>nte lógico, que é a infração”.A modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sanção é i<strong>de</strong>ntificada pela norma que a antece<strong>de</strong>.Assim, se o preceito normativo for <strong>de</strong> natureza civil a sançãoserá civil, enquanto que, se a natureza da norma for penal, a sançãoserá penal, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sanção, prisão,multa etc.Eisele [2001, p. 141] tratando da questão diz que:A sanção apenas po<strong>de</strong> existir <strong>em</strong> face <strong>de</strong> umasituação preestabelecida no preceito, pois é conseqüência<strong>de</strong>ôntica do <strong>de</strong>scumprimento da normacontida naquele enunciado.Na estrutura da norma, o que i<strong>de</strong>ntifica o ramo do direito positivoa que este pertence não é o tipo <strong>de</strong> sanção previsto, e sim asel<strong>em</strong>entares <strong>de</strong>scritas no preceito.Nesse sentido, Ramírez [1992, p. 90] explica:A sanção não aparece como <strong>de</strong>finidora da normas<strong>em</strong> sequer, das d<strong>em</strong>ais regras jurídicas: o caráter ea natureza <strong>de</strong>stas não estão dados pela pena.Tanto que po<strong>de</strong> ser modificado o conteúdo da sanção <strong>de</strong> umanorma penal, o qual anteriormente previa a aplicação <strong>de</strong> uma pena privativa<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e passa a prever a aplicação <strong>de</strong> uma pena <strong>de</strong> multa,que é sanção patrimonial, s<strong>em</strong> nada alterar quanto à natureza daquela,permanecendo norma penal. O mesmo ocorre com a norma civil.Um ex<strong>em</strong>plo clássico é a lei <strong>de</strong> alimentos, que comina comoforma <strong>de</strong> sanção, pena <strong>de</strong> prisão para o agente que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> pagarpensão alimentícia, entretanto, tal previsão legal não modifica a naturezada norma citada, sendo essa indiscutivelmente civil.


175Da mesma forma ocorre com alguns tipos penais que prevê<strong>em</strong>a pena <strong>de</strong> multa como forma <strong>de</strong> sanção, não implicando tal previsãoa perda da natureza penal da norma.Na mesma esteira, ocorrendo mudança na natureza do preceito<strong>de</strong>scrito na norma, modificando ou não a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sanção,aquela e esta passarão a revestir-se das características do novo ramodo direito positivo tutelado, ou seja, se um ilícito civil que contémcomo forma <strong>de</strong> sanção pena <strong>de</strong> multa passar a constituir crime porlegislação específica, sua natureza será a penal, mesmo que continueprevendo a pena <strong>de</strong> multa como modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sanção.Não há especificamente uma sanção ou prisão, civil ou penal, esim sanção ou prisão, <strong>de</strong>corrente do cometimento <strong>de</strong> um ilícito <strong>de</strong> naturezacivil ou penal, a sanção, pelo caráter <strong>de</strong> acessorieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> relaçãoao preceito, assume a natureza da norma a que está subordinada.Destarte, chega-se à conclusão <strong>de</strong> que a prisão civil <strong>de</strong>corre daviolação <strong>de</strong> um preceito <strong>de</strong> natureza civil e a prisão penal <strong>de</strong>correda violação <strong>de</strong> um preceito <strong>de</strong> natureza penal.A par das consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong>scritas, conclui-se que a atual Constituiçãobrasileira – <strong>em</strong> seu artigo 5 o , LXVII – veda a prisão por inadimplência<strong>de</strong> uma dívida <strong>de</strong> “natureza civil”, o que quer dizer não <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>infração <strong>de</strong> norma penal, pois, conforme relatado, a norma é que é penalou civil e não a sanção que apenas agrega o significado do preceito.Questão que será melhor abordada no título seguinte.2 A prisão pelo inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida à luz daConstituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do BrasilQuestão muito <strong>de</strong>batida na doutrina e nos tribunais, a prisãopelo inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida <strong>de</strong>safia renomados juristas, poispossui alta carga <strong>de</strong> fundamento constitucional, afigurando-se <strong>de</strong> umlado a proteção à liberda<strong>de</strong> do ser humano e do outro o interesse social,o qual, segundo alguns, po<strong>de</strong> legitimar a imposição <strong>de</strong> restriçõesà liberda<strong>de</strong> individual <strong>em</strong> face do b<strong>em</strong> jurídico ameaçado.No que tange aos crimes previstos nos artigos 168-A do Código


176Penal e artigo 2 o da Lei n o 8.137/90, parte da doutrina enten<strong>de</strong> serconstitucional a pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> prevista como modalida<strong>de</strong><strong>de</strong> sanção para o agente que infringir tais preceitos, pois fundamentamtratar-se <strong>de</strong> prisão penal, ou seja, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> infração auma norma <strong>de</strong> natureza penal, apesar <strong>de</strong> tratar-se do inadimpl<strong>em</strong>ento<strong>de</strong> uma dívida.Com efeito, Rocha [1992, p. 68] <strong>de</strong>staca tal posição ao escrever:Não socorre ao contribuinte a garantia do n o LXVIIdo artigo 5 o da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois ali seproíbe a prisão civil por dívida, e aqui estamos nocampo do apenamento criminal.Quanto à prisão prevista na norma do artigo 5 o , LXVII, Bastos[1989, p. 306] afirma categoricamente que “a prisão <strong>de</strong> que trata aConstituição é <strong>de</strong> natureza civil. Com isto quer-se significar que elanão visa a aplicação <strong>de</strong> uma pena[...]”.Argumenta-se que o legislador, ao tipificar criminalmente <strong>de</strong>terminadainadimplência <strong>de</strong> uma dívida, reveste-a <strong>de</strong> natureza penal,seguindo as regras previstas no or<strong>de</strong>namento jurídico penal, portanto,ausente da garantia constitucional da prisão “civil” prevista no artigo5 o , LXVII, da Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil.Quanto à restrição constitucional, Eisele [2001, p. 148] <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>a constitucionalida<strong>de</strong> da prisão, dizendo:Assim, a restrição constitucional apenas abrange oslimites especificados pelo dispositivo (prisão civil),não po<strong>de</strong>ndo ser ampliada para abranger outrasespécies <strong>de</strong> prisões, como, no caso, a penal.Assim sendo, à marg<strong>em</strong> da vedação constitucional, que prevêa prisão civil pelo inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida, é admissível aprevisão legal <strong>de</strong> pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para o agente que incidirnos crimes <strong>de</strong>stacados, os quais apresentam como modalida<strong>de</strong><strong>de</strong> sanção a pena <strong>de</strong> prisão.Decomain [1994, p. 105] assim se manifesta: “não se trata <strong>de</strong>prisão civil por dívida, mas sim da criminalização do não pagamento<strong>de</strong> uma”.


177Sendo ambos os dispositivos aventados, tipificados criminalmente,cominando penas com finalida<strong>de</strong> retributiva/preventiva, aaplicação <strong>de</strong> pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para o agente que cometeros crimes previstos naqueles diplomas legais consiste <strong>em</strong> prisãopenal e não civil.Quanto à criminalização da conduta, Decomain [1994, p. 105]diz que:O inciso constitucional aventado não impe<strong>de</strong>, comefeito, que o legislador consi<strong>de</strong>re criminoso o nãopagamento <strong>de</strong> uma dívida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que repute essaconduta suficient<strong>em</strong>ente grave para se constituir<strong>em</strong> ilícito penal.Outra questão guindada pelos <strong>de</strong>fensores da corrente que dizser constitucional a prisão pelo inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida,quando revestida <strong>de</strong> caráter penal, especificamente quanto aos dispositivos<strong>de</strong>stacados, refere-se à interpretação do dispositivo constitucional,argüindo que, caso a vedação constitucional abrangessetodas as espécies <strong>de</strong> prisões, não haveria razão do adjetivo “civil”,classificando a modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão.Maximiliano [1991, p. 110] adverte:Presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas;todas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser entendidas como escritasadre<strong>de</strong> para influir no sentido da frase.Assim, partindo-se <strong>de</strong> uma interpretação gramatical do textoconstitucional, conclui-se que a garantia da vedação da prisão civilpor inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida não abrange a prisão penal pelomesmo fato.Em artigo jurídico publicado na Internet <strong>de</strong> autoria do juristaHugo <strong>de</strong> Brito Machado, colhe-se o seguinte comentário:O Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>em</strong> ato <strong>de</strong> seu ilustrepresi<strong>de</strong>nte, negou medida liminar no HC 77.631-SC,afirmando, nesse juízo provisório, ser compatívelcom a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 a prisão pordívida tributária. Em outras palavras, a corte maior


178afirmou, ainda que monocrática e provisoriamente,a constitucionalida<strong>de</strong> do art. 2 o , inciso II, da Lei n o8.137/90, que <strong>de</strong>fine como crime <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> recolher,no prazo legal, valor <strong>de</strong> tributo ou contribuição,<strong>de</strong>scontado ou cobrado, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitopassivo <strong>de</strong> obrigação e que <strong>de</strong>veria recolher aoscofres públicos. O <strong>de</strong>spacho do <strong>em</strong>inente ministroCelso <strong>de</strong> Mello t<strong>em</strong> dois fundamentos, a saber: a)a prisão por dívida, vedada pela Constituição, é aprisão civil, simples meio para compelir o <strong>de</strong>vedor apagar sua dívida, que não se confun<strong>de</strong> com a prisãopenal, sanção pelo cometimento <strong>de</strong> um crime; e b)o Pacto <strong>de</strong> São José da Costa Rica, como qualqueroutro tratado internacional, não po<strong>de</strong> prevalecersobre norma da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.Sendo os dispositivos que prevê<strong>em</strong> a prisão do agente <strong>de</strong> retençãoque não recolhe prestação tributária <strong>de</strong>vida ao fisco, normas<strong>de</strong> natureza penal que incriminam a conduta <strong>de</strong> inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong>dívida e a garantia constitucional que veda a prisão <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>norma <strong>de</strong> natureza civil, não há falar-se <strong>em</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> dareprimenda <strong>em</strong> relação ao agente cuja conduta seja o inadimpl<strong>em</strong>ento<strong>de</strong> dívida prevista como crime pela legislação pátria.3 A prisão por inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida à luz do Pacto<strong>de</strong> São José da Costa RicaEm análise ao t<strong>em</strong>a proposto, pru<strong>de</strong>nte ressaltar a questão daConvenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual é conhecidapela <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> Pacto <strong>de</strong> San José da Costa Rica - do qual oBrasil é signatário –, que trata da questão realçando ainda mais apolêmica da prisão por inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida.Referido pacto estabelece, <strong>em</strong> seu artigo 7, it<strong>em</strong> 7, que:Artigo 7, it<strong>em</strong> 7. Ninguém <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>tido pordívidas. Este princípio não limita os mandados <strong>de</strong>autorida<strong>de</strong> judiciária competente expedidos <strong>em</strong> vir-


179tu<strong>de</strong> <strong>de</strong> inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> obrigação alimentar.Nasce assim mais uma celeuma jurídica, pois diversamentedo que ocorre no artigo 5 o , LXVII, da Carta Magna, aqui não háqualquer ressalva quanto ao adjetivo “civil”, o que d<strong>em</strong>anda maioresforço <strong>de</strong> interpretação hermenêutica para sustentar a tese aventadapela corrente doutrinária que admite a possibilida<strong>de</strong> da prisão peloinadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida, <strong>em</strong> especial a prevista no artigo168-A do Código Penal e artigo 2 o da Lei n o 8.137/90.Parte da doutrina e jurisprudência enten<strong>de</strong> que os tratados eas convenções internacionais – mesmo os que vers<strong>em</strong> sobre direitose garantias fundamentais -, por integrar<strong>em</strong> o or<strong>de</strong>namento jurídicobrasileiro, mediante referendo do po<strong>de</strong>r legislativo (<strong>de</strong>creto), passama adquirir a posição hierárquica <strong>de</strong> lei ordinária.Sobre o t<strong>em</strong>a, Eisele [2001, p. 151] cita entendimento jurispru<strong>de</strong>ncialdo STF para fundamentar tal entendimento:[...] não houve modificação da sist<strong>em</strong>ática <strong>de</strong>recepção da ord<strong>em</strong> jurídica internacional peloBrasil, com a promulgação da Constituição <strong>de</strong>1988, permanecendo válido o entendimento jurispru<strong>de</strong>ncialadotado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1977, pelo Supr<strong>em</strong>oTribunal Fe<strong>de</strong>ral (acima mencionado por Gomes),segundo o qual, a norma <strong>de</strong> Direito Internacionalrecepcionada possui eficácia interna no mesmonível hierárquico que a lei ordinária.Concluindo-se que a convenção ou o tratado internacionalratificado por <strong>de</strong>creto legislativo possui a mesma hierarquia <strong>de</strong> leiordinária, po<strong>de</strong> essa suspen<strong>de</strong>r a eficácia daquele e vice-versa, peloprincípio da lex posterior <strong>de</strong>rrogat priori, tendo alguns doutrinadoresentendido que o pacto, por prever que “ninguém será <strong>de</strong>tido pordívidas”, revogou o artigo 2 o , II, da Lei n o 8.137/90, e não o artigo168-A do Código Penal que é posterior ao pacto.Entretanto, advert<strong>em</strong> os doutrinadores que, se for o caso <strong>de</strong> revogação<strong>de</strong> tal dispositivo, na mesma esteira, terão <strong>de</strong> ser revogadosinúmeros dispositivos expostos no código penal, nos quais a condutatípica configura inadimplência, como ex<strong>em</strong>plo: artigo 334 (na modalida-


180<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>scaminho; 171, parágrafo 2 o , VI (na modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> frustração<strong>de</strong> pagamento); 176; 179 e ainda várias leis esparsas que prevê<strong>em</strong> aprisão como forma <strong>de</strong> sanção pelo inadimpl<strong>em</strong>ento <strong>de</strong> uma dívida,portanto, uma interpretação extensiva do artigo 7, it<strong>em</strong> 7, do Pacto,acarretaria <strong>em</strong> ineficácia <strong>de</strong> inúmeros dispositivos penais, com exceçãodos artigos 168-A e 337-A do código Penal, que lhe são posteriores.Para solução do impasse, estudiosos do assunto propõ<strong>em</strong>interpretar sist<strong>em</strong>aticamente o pacto, nos termos da legislação internacionalque o inspirou teleologicamente, a fim <strong>de</strong> suprir a “lacuna”existente no artigo 7, it<strong>em</strong> 7, do Pacto, pela falta da palavra “civil”.Sobre a forma <strong>de</strong> interpretação Bobbio [1997, p. 76] esclarece:Chama-se interpretação sist<strong>em</strong>ática aquela forma<strong>de</strong> interpretação que tira os seus argumentos dopressuposto <strong>de</strong> que as normas <strong>de</strong> um or<strong>de</strong>namento[...] constituam uma totalida<strong>de</strong> or<strong>de</strong>nada [...], e,portanto, seja lícito esclarecer uma norma obscuraou diretamente integrar uma norma <strong>de</strong>ficienterecorrendo ao “espírito do sist<strong>em</strong>a”, mesmo indocontra aquilo que resultaria <strong>de</strong> uma interpretaçãomeramente literal.Por espírito do sist<strong>em</strong>a enten<strong>de</strong>-se aquilo que a lei (legislador)quis dizer, <strong>em</strong> consonância com as d<strong>em</strong>ais normas, no entanto nãodisse, foi omissa, ou disse <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>sajustada.Partindo <strong>de</strong>ssa pr<strong>em</strong>issa faz-se necessária a análise da normasob um contexto geral do sist<strong>em</strong>a, evitando-se contradição interna,utilizando-se do conteúdo das d<strong>em</strong>ais normas que fornecerão osparâmetros nos quais será i<strong>de</strong>ntificado o significado daquela.As normas a ser<strong>em</strong> analisadas como parâmetro ao artigo 7, it<strong>em</strong>7, do pacto são as fixadas no or<strong>de</strong>namento jurídico constitucional dosEstados americanos, por ser a norma do pacto orientadora <strong>de</strong>ssas.A Constituição <strong>de</strong> Honduras, <strong>em</strong> seu artigo 98, assim especifica:Artigo 98. Nenhuma pessoa po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>tida,arrestada ou presa por obrigações que não provenham<strong>de</strong> crime ou contravenção.


181No mesmo sentido, o artigo 17 da constituição mexicana <strong>de</strong>limita:Artigo 17. Ninguém po<strong>de</strong> ser aprisionado pordívidas <strong>de</strong> caráter puramente civil.A constituição do Panamá não foge à regra:Artigo 21. Não há prisão, <strong>de</strong>tenção ou arresto pordívidas ou obrigações puramente civis.A Constituição da Nicarágua, assim como a brasileira, excepcionaa prestação alimentícia.Artigo 41. Ninguém será <strong>de</strong>tido por dívidas. Esteprincípio não limita os mandados <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>judicial competente por <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>veresalimentares.A carta política da Venezuela, nos mesmos termos da Hondurenha,não contém expressamente o adjetivo “civil”, mas <strong>de</strong>ixa claroa intenção <strong>de</strong> excluir da garantia a dívida <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> crime oucontravenção, veja-se:Artigo 60. ninguém po<strong>de</strong>rá ser privado se sualiberda<strong>de</strong> por obrigações cujo <strong>de</strong>scumprimentonão tenha sido <strong>de</strong>finido pela lei como crime oucontravenção.Verifica-se, nas constituições americanas citadas, que não é, <strong>em</strong>nenhuma <strong>de</strong>las, estendido à norma garantista ao campo do direitopenal, mesmo naquelas que não se restring<strong>em</strong> expressamente aocampo do direito civil.Em uma análise harmônica dos dispositivos das constituiçõesamericanas com o dispositivo <strong>de</strong>limitado no artigo 7, it<strong>em</strong> 7, do Pacto,chega-se a um resultado <strong>de</strong> interpretação hermenêutica restritiva dodispositivo, esten<strong>de</strong>ndo a vedação à prisão <strong>de</strong> caráter estritamentecivil, ou <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> norma <strong>de</strong> natureza civil.Outra questão levantada na doutrina é quanto à exclusão nodispositivo do Pacto – idêntica à Constituição brasileira – da dívidareferente à prestação alimentícia, ou seja, a exclusão <strong>de</strong> uma norma


182<strong>de</strong> natureza civil, por si própria, indica a natureza da regra, limitando-a,i<strong>de</strong>ntificando-a <strong>de</strong> forma indireta.Nesse contexto, Eisele [2001, p. 161] dita que “o gênero respectivoé restrito à dívida civil, da qual a alimentícia é espécie”.Sob esse aspecto, po<strong>de</strong>-se concluir que a exceção dada pelodispositivo quanto à prestação alimentícia, da mesma forma que aConstituição brasileira, revela que a sanção (prisão) não <strong>de</strong>verá serutilizada como meio coercitivo <strong>de</strong> cobrança <strong>de</strong> uma dívida, salvoa exceção contida no texto, o que não abrange, necessariamente, aconduta tipicamente penal que configure inadimplência <strong>de</strong> umadívida, até porque o objetivo finalístico da norma penal é diverso dacoação ao pagamento da dívida, como no caso da prisão do agentepor inadimplência <strong>de</strong> prestação alimentícia.Nesse contexto, o que o pacto veda é a prisão como medida<strong>de</strong> coagir o inadimplente a pagar uma dívida <strong>de</strong> natureza civil, noentanto, a legislação penal tributária não se vale para esse fim específico,o que faz é criminalizar <strong>de</strong>terminado ilícito tributário elevandoseu escopo <strong>de</strong> simples norma in<strong>de</strong>nizatória/compensatória a normapreventiva/retributiva.O acórdão abaixo transcrito, da lavra do Ministro Fernando Gonçalves,d<strong>em</strong>onstra a inaplicabilida<strong>de</strong> do pacto ao crime praticado peloagente que não recolhe ao erário contribuição social previ<strong>de</strong>nciária:EMENTA: PROCESSUAL. OMISSÃO NO ACÓR-DÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃOAO ART. 619, DO CPP. INEXISTÊNCIA. RECURSOESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA7-STJ. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃOSOCIAL. PAGAMENTO. INEXISTÊNCIA. ART.34, DA LEI N o 9.249/95. PACTO DE SÃO JOSÉ DACOSTA RICA. INAPLICABLIDADE. 1 - Se o Tribunal<strong>de</strong> orig<strong>em</strong>, ao solucionar a controvérsia, longe<strong>de</strong> ser omisso, b<strong>em</strong> <strong>de</strong>linea as questões a ele submetidas,não há se falar <strong>em</strong> violação ao art. 619, do CPP,mesmo porque o órgão judicial, para expressar suaconvicção, não precisa tecer consi<strong>de</strong>rações acerca <strong>de</strong>


183todos os argumentos expendidos, apresentando-sea<strong>de</strong>quado quando se pronuncia sobre as matérias<strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> direito, exprimindo o sentido geraldo julgamento. 2 - A questão fe<strong>de</strong>ral, nos mol<strong>de</strong>s<strong>em</strong> que foi <strong>de</strong>lineada, d<strong>em</strong>anda incursão na searafático-probatória, incidindo a censura da súmula 07- STJ. 3 - Inexistindo pagamento ou parcelamentodo débito antes do recebimento da <strong>de</strong>núncia, nãohá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação do art. 34, da Lei n o9.249/95, com vistas à extinção da punibilida<strong>de</strong> docrime <strong>de</strong> omissão no recolhimento <strong>de</strong> contribuiçõesprevi<strong>de</strong>nciárias. 4 - O crime <strong>de</strong>corrente da omissãono recolhimento <strong>de</strong> contribuições previ<strong>de</strong>nciáriasnão se equivale à prisão por dívida, daí porque seafigura inaplicável o Pacto <strong>de</strong> São José da CostaRica. 5 - Recurso especial não conhecido. (Superiortribunal <strong>de</strong> Justiça. Recurso Especial n o 208527 / SC.Ministro Relator: Fernando Gonçalves. Publicadono Diário da Justiça <strong>em</strong> 04/02/2002).Destarte, se o fato caracterizador da inadimplência estiver previstona norma penal como crime propriamente dito, não há falar-se<strong>em</strong> revogação da norma, pois não existe qualquer colisão normativacom a regra prevista no Pacto e aquela, porque o Pacto interpretadoda maneira exposta pressupõe a vedação <strong>de</strong> prisão civil (<strong>de</strong>corrente<strong>de</strong> norma <strong>de</strong> natureza civil), enquanto que a prisão penal, <strong>de</strong>corre<strong>de</strong> infração a norma <strong>de</strong> natureza penal.Referências:BOBBIO, Norberto. Teoria do Or<strong>de</strong>namento Jurídico. 10. ed. (trad. SANTOS, MariaCeleste Cor<strong>de</strong>iro Leite dos) Brasília: UnB, 1997COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Curso <strong>de</strong> Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1991.v. 2.DECOMAIN, Pedro Roberto. Crimes contra a ord<strong>em</strong> tributária. Florianópolis:Obra Jurídica, 1994.


184EISELE, Andréas. Apropriação indébita e ilícito penal tributário. São Paulo: Dialética,2001.MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 11. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:Forense, 1991.RAMÍREZ, Juan Bustos. A pena e suas teorias. Porto Alegre: Fascículos <strong>de</strong> CiênciasPenais, 1992. v. 5.ROCHA, João Luiz Coelho da. A Lei 8.137 e a prisão por débito tributário. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1996. v. 87.


185DIREITO TRIBUTÁRIOPrescrição e Decadência <strong>em</strong> Direito TributárioIvo ZanoniMestre <strong>em</strong> Ciência Jurídica e Auditor Fiscal da Receita Estadual - SCSumário: 1 Introdução – 2 Os probl<strong>em</strong>as da doutrina – 3 A Lei Compl<strong>em</strong>entare as normas gerais – 4 Decadência – 5 Prescrição – 6 Consi<strong>de</strong>rações finais.1 IntroduçãoO presente artigo aborda, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scritiva, informativa e,quando necessário, interpretativa, breve estudo a respeito da prescriçãoe da <strong>de</strong>cadência <strong>em</strong> direito tributário, s<strong>em</strong> incorrer <strong>em</strong> umavisão fiscalista, tampouco <strong>em</strong>presarial, mas ajustada, na medida dopossível, a uma visão ex lege, no sentido da justiça fiscal e da eqüida<strong>de</strong>tributária. Maior ênfase foi dada ao instituto da <strong>de</strong>cadência(caducida<strong>de</strong> do direito <strong>de</strong> lançar), por ser o que t<strong>em</strong> gerado maiorpolêmica entre os tributaristas.Assim, o conteúdo po<strong>de</strong>rá subsidiar pesquisas, acadêmicasou não, relacionadas ao assunto, esclarecer dúvidas e orientar osestudiosos do t<strong>em</strong>a a respeito das interpretações vigentes e tambémalertá-los para os respectivos vínculos com as bases <strong>de</strong> interess<strong>em</strong>otivadoras <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> interpreta a norma tributária.Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 185 a 200


186O Estudo será sist<strong>em</strong>ático, do mais geral ao mais particular,sendo essa seqüência t<strong>em</strong>ática mais a<strong>de</strong>quada ao assunto tratado 1 .2 Os probl<strong>em</strong>as da doutrinaDoutrina tributária para consumoNão é novida<strong>de</strong> que a literatura fiscal tributária publicada pelomercado é predominant<strong>em</strong>ente aquela para consumo <strong>em</strong>presarial,existindo dificulda<strong>de</strong> na publicação, por motivos ligados à lei daoferta e da procura, <strong>de</strong> artigos ou livros s<strong>em</strong> compromisso com asbases <strong>de</strong> interesse predominantes.É pacífico que, conforme a base <strong>de</strong> interesse <strong>em</strong> que se situa,o intérprete da norma ten<strong>de</strong> a adotar uma visão claramente parcial<strong>em</strong> relação ao seu ponto <strong>de</strong> vinculação, mesmo que não assuma claramentetal posicionamento. A i<strong>de</strong>ologia nunca po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scartada,seja <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> escreve, seja <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> interpreta. Diante <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong>,Ataliba, <strong>em</strong> diversas oportunida<strong>de</strong>s, manifestou-se a respeito.Ao prefaciar a tradução brasileira da obra <strong>de</strong> Villegas, assim seexpressa, quanto à dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo das sanções tributárias:A meu ver, os inúmeros probl<strong>em</strong>as postos, <strong>em</strong> matéria<strong>de</strong> sanções tributárias, pelo nosso direito, aindanão foram satisfatoriamente resolvidos. Nossalegislação não é sist<strong>em</strong>ática. A doutrina existente éescassíssima. A jurisprudência tumultuária.Penso que, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte, isto se <strong>de</strong>ve ao atrativoque outras questões oferec<strong>em</strong>, <strong>em</strong>panando a beleza<strong>de</strong>ste t<strong>em</strong>a. A dificulda<strong>de</strong> do estudo, por outro lado,fê-lo relegado pelos nossos doutrinadores 2 .Prefaciando trabalho <strong>de</strong> Martins, Ataliba assevera que “o1 Este trabalho contou com a cooperação <strong>de</strong> Reinaldo da Silva Lelis.2 Prefácio da tradução <strong>de</strong>: VILLEGAS, Hector. Direito penal tributário. Trad. ElisabethNazar et alii. S. Paulo: Resenha Tributária, 1974. p. 11.


187material abundante assim produzido pa<strong>de</strong>ce dos males da visãoparcial e episódica, sofre das <strong>de</strong>ficiências próprias <strong>de</strong> preocupaçãoimediatista” 3 .Por outro lado, já é clássico o posicionamento <strong>de</strong> Maximiliano,baseado nas teorias <strong>de</strong> Black e Cooley: “Não se interpreta a lei tendo<strong>em</strong> vista só a <strong>de</strong>fesa do contribuinte, n<strong>em</strong> tampouco a do Tesouroapenas. O cuidado do exegeta não po<strong>de</strong> ser unilateral: <strong>de</strong>ve mostrarseequânime o hermeneuta e conciliar os interesses <strong>em</strong> momentâneo,ocasional, contraste” 4 .Intérpretes dos intérpretesExist<strong>em</strong> também os intérpretes dos interpretadores, mormentedos interpretadores já falecidos, que, a pretexto <strong>de</strong> atualizar, acabam<strong>de</strong>svirtuando sobr<strong>em</strong>aneira a obra analisada. Mais a<strong>de</strong>quado seria quetais interpretações secundárias tecess<strong>em</strong> artigos <strong>de</strong> própria autoria, <strong>em</strong>vez <strong>de</strong> adotar<strong>em</strong> uma postura quase espiritualista, tentando vasculharo pensamento ou captar mensagens <strong>de</strong> pessoas já não presentes, <strong>em</strong>busca <strong>de</strong> apoio a suas idéias. E, anote-se, exist<strong>em</strong> edições atuais <strong>de</strong> obras,publicadas como obras póstumas, s<strong>em</strong> <strong>de</strong>finir com clareza o que o autororiginal escreveu e o que os atualizadores inseriram no contexto. Ao sefazer uma referência a tais publicações, já não se sabe a qu<strong>em</strong> atribuir aautoria dos escritos. A solução mais indicada seria s<strong>em</strong>pre, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong>autores falecidos, o recurso aos seus textos originais.3 A Lei Compl<strong>em</strong>entar e as normas geraisO assunto acha-se regulado no Código Tributário Nacional.Entretanto, se tido como lei compl<strong>em</strong>entar, o tal código só po<strong>de</strong>ráversar sobre matéria especificamente prevista na Constituição.3 Prefácio <strong>de</strong>: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Da sanção tributária, S. Paulo: Saraiva,1980. p.xi.4 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 11 ed. Rio: Forense,1991. p. 333.


188É <strong>de</strong> Carrazza a lição <strong>de</strong> que,evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, a lei compl<strong>em</strong>entar veiculadora<strong>de</strong> normas gerais <strong>de</strong> direito tributário não cria (en<strong>em</strong> po<strong>de</strong> criar) limitações ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar.Disto se ocupa o texto máximo. O que ela faz éregular as limitações constitucionais ao po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> tributar, prevenindo a ocorrência <strong>de</strong> conflitos<strong>de</strong> competência entre as pessoas cre<strong>de</strong>nciadas alegislar acerca da matéria 5 .4 DecadênciaNoção geralDecadência, no direito tributário, significa a perda do direitoda Fazenda Pública <strong>de</strong> efetuar o lançamento. Existe um prazo parao lançamento, vencido o qual, a Fazenda Pública per<strong>de</strong> o direito <strong>de</strong>constituir o crédito tributário. Pela regra geral da <strong>de</strong>cadência, nãorealizado, no prazo, o lançamento, a Administração per<strong>de</strong> o direito<strong>de</strong> fazê-lo, conforme prediz o artigo 173 do Código Tributário Nacional.Não há dúvida <strong>de</strong> que o lançamento é indispensável paratornar exigível o cumprimento da obrigação tributária. Pelo artigo173, citado, verbis, t<strong>em</strong>-se que:Art. 173. O direito da Fazenda Pública constituir ocrédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos,contados:I - o primeiro dia do exercício seguinte àquele <strong>em</strong>que o lançamento po<strong>de</strong>ria ter sido efetuado;II - da data <strong>em</strong> que se tornar <strong>de</strong>finitiva a <strong>de</strong>cisãoque houver anulado, por vício formal, o lançamentoanteriormente efetuado.5 CARRAZZA, Roque Antonio. Conflitos <strong>de</strong> competência.Col. Textos <strong>de</strong> direito tributário.S. Paulo: RT, 1984. p. 48-49 (v. 3).


189A indagação que suscita a parte final do inciso I é qual o exercícioseguinte àquele <strong>em</strong> que o lançamento tributário po<strong>de</strong>ria tersido efetuado?O lançamento do crédito tributário é múnus público. Nãotendo esse o caráter punitivo e consi<strong>de</strong>rando a prevalência da coisapública, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> dispensa <strong>de</strong> pagamento ou <strong>de</strong> qualquer espécie<strong>de</strong> benefício fiscal, a interpretação, nesse caso, é restrita e não po<strong>de</strong>o fisco abrir mão do recurso público à guisa <strong>de</strong> interpretação maisfavorável ao contribuinte. E tal jamais se justificaria no caso <strong>de</strong> dolo,frau<strong>de</strong> ou simulação, que são condutas <strong>de</strong> transgressão e falta que oagente não po<strong>de</strong> aludir a seu favor.Na interpretação da norma, é <strong>de</strong> suma importância, especificamenteno campo do direito tributário, o ensinamento <strong>de</strong> CarlosMaximiliano: o rigor é maior <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> disposição excepcional, <strong>de</strong>isenções ou abrandamentos <strong>de</strong> ônus <strong>em</strong> proveito <strong>de</strong> indivíduos oucorporações. Em havendo dúvida, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>-se contra as isenções totaisou parciais, e a favor do fisco; ou melhor, presume-se não haver oEstado aberto mão da sua autorida<strong>de</strong> para exigir tributos 6 .O lançamento tanto po<strong>de</strong>ria ser efetuado no primeiro dia <strong>em</strong>que a obrigação tributária surge como no último dia do 5 o ano que seseguir. Ora, uma hipótese não exclui a outra, logo, o prazo máximopara que a Fazenda Pública constitua ou revise o valor do créditotributário, no caso <strong>de</strong> tributos sujeitos ao lançamento homologação, é<strong>de</strong> 5 (cinco) anos, contados do último dia do exercício seguinte àquele<strong>em</strong> que o lançamento po<strong>de</strong>ria ter sido efetuado, ou seja, do últimodia do 5 o ano subseqüente ao da ocorrência do fato gerador. A categoria“Prazo” subenten<strong>de</strong> termo final para exercício <strong>de</strong> algum direitoe, falando-se <strong>de</strong> termo final, não há dúvida <strong>de</strong> que seja o último dia<strong>em</strong> que o lançamento po<strong>de</strong>ria ter sido efetuado. Essa interpretaçãofoi adotada pelo ministro Humberto Gomes <strong>de</strong> Barros, como relatordo julgamento do Recurso Especial n o 58.918-5-RS, pelo STJ, com oqual também concorda Antonio <strong>de</strong> Pádua Ribeiro 7 . Depreen<strong>de</strong>-seainda tal interpretação dos prece<strong>de</strong>ntes REsp. 198631/SP 8 , ERESP169246/SP 9 e REsp. 186546/PR 10 .6 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Cit., p. 333-334.


190Termo iniciala) Se o contribuinte efetuar o autolançamento e pagar o tributo,o prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial começa a contar a partir da data do fatogerador;b) caso ele não efetue e pagamento, o prazo começa a fluir apartir do primeiro dia do exercício seguinte, tendo a Fazenda Públicaaté o último dia do quinto exercício subseqüente ao do fato geradorpara efetuar o lançamento; ec) <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> dolo, frau<strong>de</strong> ou simulação, situação <strong>em</strong> que oprazo só começa a fluir para fins tributários após o conhecimentodo fisco sobre a frau<strong>de</strong>.Alguns colocam a objeção <strong>de</strong> que, no caso da alínea “c”, a<strong>de</strong>cadência não transcorreria in<strong>de</strong>finidamente. Entretanto, o fatogerador, nessa hipótese, está sendo ocultado por uma frau<strong>de</strong>. Afrau<strong>de</strong> é caso <strong>em</strong> que o agente t<strong>em</strong> a reserva mental <strong>de</strong> prejudicar <strong>de</strong>liberadamente,é erro <strong>de</strong>liberado, logo a socieda<strong>de</strong> exige tratamentomuito mais rígido do que o caso <strong>de</strong> simples falta <strong>de</strong> recolhimentodo tributo. Não se po<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r equiparar as duas situações sobpena <strong>de</strong> estar o agente da frau<strong>de</strong> sendo beneficiado pela própriatransgressão. Se alguém pratica frau<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r tambémcriminalmente à socieda<strong>de</strong> 11 , e, per<strong>de</strong>ndo os benefícios da regra <strong>de</strong><strong>de</strong>cadência, a obrigação tributária fica sujeita ao prazo prescricional,po<strong>de</strong>ndo ser constituída neste prazo. O que ocorre é que, no caso<strong>de</strong> frau<strong>de</strong>, enquanto a Fazenda Pública não tomar conhecimento dofato, o seu direito <strong>de</strong> constituir o crédito tributário não <strong>de</strong>cai, <strong>em</strong> setratando <strong>de</strong> tributo sujeito ao lançamento por homologação. Em setratando <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>, portanto, o sujeito ativo t<strong>em</strong> até o prazo da prescriçãopara constituir e cobrar o respectivo valor (o mesmo prazo darevisão do lançamento), se a Fazenda Pública não tiver conhecimentodo fato gerador <strong>de</strong>ntro do prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial normal.7 RIBEIRO, Antonio <strong>de</strong> Pádua. Reflexões jurídicas – palestras, artigos e discursos.Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 45.8 DJ <strong>de</strong> 22.5.2000, da relatoria do Min. Franciulli Netto.9 DJ <strong>de</strong> 4.3.2002, da relatoria do Min. Milton Luiz Pereira.10 DJ <strong>de</strong> 11.3.2002 da relatoria do Min. Milton Luiz Pereira.


191O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, 1 a e 2 a turmas, <strong>em</strong> diversas manifestações,enten<strong>de</strong>u que, quando não há pagamento, não se trata<strong>de</strong> lançamento por homologação, consi<strong>de</strong>rando o início da contag<strong>em</strong>do prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência após o final dos 5 (cinco) anos, contados apartir do fato gerador, sendo, portanto, <strong>de</strong> 10 (<strong>de</strong>z) anos o prazo <strong>de</strong><strong>de</strong>cadência. Transcreve-se uma das <strong>em</strong>entas:PRAZO DECADENCIAL - TRIBUTÁRIO - TRIBU-TOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMO-LOGAÇÃO - DECADÊNCIA - PRAZO. Estabelece oartigo 173, inciso I do CTN que o direito da Fazenda<strong>de</strong> constituir o crédito tributário extingue-se após 05(cinco) anos, contados do primeiro dia do exercícioseguinte àquele <strong>em</strong> que o lançamento por homologaçãopo<strong>de</strong>ria ter sido efetuado. Se não houvepagamento, inexiste homologação tácita. Com oencerramento do prazo para homologação (05 anos),inicia-se o prazo para a constituição do crédito tributário.Conclui-se que, quando se tratar <strong>de</strong> tributosa ser<strong>em</strong> constituídos por lançamento por homologação,inexistindo pagamento, t<strong>em</strong> o fisco o prazo<strong>de</strong> 10 anos, após a ocorrência do fato gerador, paraconstituir o crédito tributário. Embargos recebidos.(STJ. 1 a Turma. Unânime. EREsp n o 132.329/SP. Rel.Min. GARCIA VIEIRA. DJ <strong>de</strong> 07.06.99) 12Essa é a interpretação mais a<strong>de</strong>quada <strong>em</strong> vista do princípio daeqüida<strong>de</strong> e do princípio d<strong>em</strong>ocrático republicano. É evi<strong>de</strong>nte quea situação <strong>de</strong> não-conhecimento por parte do fisco não po<strong>de</strong>rá prevalecerin<strong>de</strong>finidamente. Nesse caso, é <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r-se que o direito<strong>de</strong> lançamento extingue-se conjuntamente com o <strong>de</strong> ação. Uma vezocultado o fato gerador pela frau<strong>de</strong>, o prazo máximo, para exercíciodo direito pelo fisco, será <strong>de</strong> 10 (<strong>de</strong>z) anos, contados do primeirodia do exercício seguinte ao da ocorrência do fato gerador, computando-seo prazo prescricional. O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (STJ)11 No direito positivo al<strong>em</strong>ão, no caso <strong>de</strong> imposto fraudado, não prescreve a pretensãoenquanto não estiver<strong>em</strong> prescritos o processamento e a execução penais. Fonte: FA-NUCCHI, Fábio. A <strong>de</strong>cadência e a prescrição <strong>em</strong> direito tributário. S. Paulo: ResenhaTributária, 1970. p. 75.


192consi<strong>de</strong>rou que o lançamento torna-se <strong>de</strong>finitivo 5 (cinco) anos apóso fato gerador, po<strong>de</strong>ndo ser revisado pelo fisco nos 5 (cinco) anosseguintes. Nas hipóteses <strong>de</strong> inexistência <strong>de</strong> pagamento antecipadoou não-homologação expressa do fisco, o Tribunal interpretou <strong>em</strong>conjunto e sist<strong>em</strong>aticamente os artigos 173, I, e 150, § 4 o , computando,a partir <strong>de</strong> então, outros 5 (cinco) anos, agora com base no artigo173, I, pelo que o die ad qu<strong>em</strong> passa a ser <strong>de</strong> 10 (<strong>de</strong>z) anos após o fatogerador. Estabelecendo-se um parâmetro com a prescrição <strong>em</strong> DiretoPenal (Código Penal, art. 109, inc. I a VI) e a Lei n o 8137/90: o artigo1 o , II, da Lei n o 8137/90 estipula pena <strong>de</strong> 2 a 5 anos. Para cálculo daprescrição, leva-se <strong>em</strong> conta o máximo da pena (5 anos, no caso).Assim, a prescrição é <strong>de</strong> 12 (doze) anos (Código Penal, art. 109-III).Para Rubens Gomes <strong>de</strong> Sousa (autor do Ante-Projeto do CódigoTributário Nacional):A jurisprudência admite que o fisco po<strong>de</strong> s<strong>em</strong>prefazer a revisão dos lançamentos, enquanto nãoprescrever o direito <strong>de</strong> cobrar o tributo [...]: estaopinião t<strong>em</strong> por fundamento a idéia <strong>de</strong> que enquantoo fisco possa cobrar o tributo, po<strong>de</strong> praticartodos os atos necessários à verificação <strong>de</strong> quantolhe é exatamente <strong>de</strong>vido (TJ São Paulo, Ver. Trib.175/350 e 184/288, Rev. Dir. Adm. 21/62; TRF,Rev. Fisc. (imp. Renda) 1950/624). Exist<strong>em</strong>, porém,algumas <strong>de</strong>cisões no sentido <strong>de</strong> que o lançamentonão po<strong>de</strong> mais ser revisto se o tributo já foipago (TJ São Paulo, Rev. Trib. 184/287, Rev.Dir.Adm. 21/65; TJ Minas Gerais, Rev. For. 109/148), oque não é necessariamente exato se o tributo pagonão havia sido lançado corretamente <strong>em</strong> funçãodas circunstâncias do fato gerador 13 .Para realizar o lançamento, o fisco necessita <strong>de</strong> informações,que, se sonegadas <strong>de</strong> forma fraudulenta, imped<strong>em</strong> a sua ativida<strong>de</strong>vinculada <strong>de</strong> lançamento. A frau<strong>de</strong>, a simulação, o conluio são trans-12 Ver também Recurso Especial n o 148698/SP (2 a Turma)13 GOMES DE SOUSA, Rubens. Compêndio <strong>de</strong> legislação tributária. 4 ed. (póstuma)3 tir. S. Paulo: Resenha Tributária, 1982. p. 108. (216 p.)


193gressões à regra jurídica, com base nas quais nenhum contribuintepo<strong>de</strong>rá auferir vantagens posteriores.Esse princípio está b<strong>em</strong> reproduzido na obra <strong>de</strong> Carrió, quandoesse reflete:A nadie <strong>de</strong>be permitírsele obtener provecho <strong>de</strong>su própio frau<strong>de</strong> o sacar ventajas <strong>de</strong> su propiatransgresión. Estas máximas están inspiradaspor consi<strong>de</strong>raciones que atañen al or<strong>de</strong>n público,tienen su fundamento en el <strong>de</strong>recho universaladministrado en todos los países civilizados y nohan sido <strong>de</strong>rogadas por las leyes 14 .Fábio Fanucchi assim discorreu sobre o caso <strong>de</strong> dolo, frau<strong>de</strong>ou simulação:O que a parte final do § 4 o do artigo 150 do CódigoTributário está sugerindo,é a projeção no prazo <strong>de</strong><strong>de</strong>cadência no t<strong>em</strong>po, quando revestido <strong>de</strong> vícios olançamento sujeito a homologação ou quando esselançamento não tenha sido iniciado pelo sujeitopassivo do crédito tributário, no instante <strong>em</strong> quea lei o obrigue a tanto.O dolo, a frau<strong>de</strong> e a simulação, mencionados nalei são vícios <strong>de</strong> prática que implicam repercussão<strong>de</strong> ord<strong>em</strong> tributária, <strong>de</strong>vendo se caracterizarcomo ilícitos tributários. Dois el<strong>em</strong>entos principais<strong>de</strong>v<strong>em</strong> integrar qualquer <strong>de</strong>ssas figuras: a vonta<strong>de</strong>e o prejuízo à Fazenda Pública. [...] Isto verificadomaterialmente, <strong>de</strong> forma a se comprovar irrefutavelmenteo procedimento doloso do sujeito passivoda obrigação tributária principal, esse não po<strong>de</strong>ráse escudar na alegação <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência do direito daFazenda Pública no prazo <strong>de</strong> cinco anos contado da14 CARRIÓ, Genaro R. Principios juridicos y positivismo juridico. Buenos Aires:Abeledo Perrot, 1970. p. 23. Tradução: “A ninguém é permitido obter proveito <strong>de</strong> suaprópria transgressão. ... Estas máximas estão inspiradas por consi<strong>de</strong>rações que se ajustamà ord<strong>em</strong> pública , têm seu fundamento no Direito universal administrado <strong>em</strong> todos ospaíses civilizados e não têm sido <strong>de</strong>rrogadas pelas leis”.


194data do fato gerador, <strong>de</strong>cadência que importaria <strong>em</strong>homologação tácita do lançamento. A <strong>de</strong>cadênciainocorre contada da data <strong>em</strong> que se verificou o fatogerador porém, subsiste com um novo termo inicial,marcado esse: ou pela lei tributária específica a cadatributo, à qual a lei nacional <strong>de</strong>ixa a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>estipulação <strong>de</strong> nova data <strong>de</strong> início do prazo extintivo(segundo se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> do § 4 o do art. 156); ou,pelo conhecimento que o Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong> passe a ter daocorrência do fato gerador ou das circunstânciasmateriais exatas que o cercaram. A Fazenda Públicasubmete o sujeito passivo que proce<strong>de</strong>u comvício, jungindo-o a um lançamento e a partir <strong>de</strong>steinstante passará a correr o prazo <strong>de</strong> prescrição. Nodireito italiano [...], com a constatação <strong>de</strong> crime [...],se verifica uma interrupção no prazo prescricional.No direito al<strong>em</strong>ão [...], no caso <strong>de</strong> imposto fraudado,não prescreve a ação enquanto não estiver<strong>em</strong>prescritos o processo e a execução penal. Esses sãocasos <strong>de</strong> prescrição mas pod<strong>em</strong> informar as práticaslegislativas que se recomendam inclu sive para oscasos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência 15 (grifamos).E Ruy Barbosa Nogueira avaliza tal posicionamento, ao tecerconsi<strong>de</strong>rações a respeito do trabalho <strong>de</strong> Fanucchi, quando diz: “istolhe t<strong>em</strong> valido a confiança <strong>de</strong> ambos os sujeitos da relação tributária.Parece que compreen<strong>de</strong>u b<strong>em</strong> a máxima mo<strong>de</strong>rna <strong>de</strong> que a interpretaçãonão <strong>de</strong>ve ser ‘pró fisco’ n<strong>em</strong> ‘pró contribuinte’, mas ‘pró lege’” 16 .Sendo o assunto constante do Código Tributário Nacional etendo-se o tal código como lei compl<strong>em</strong>entar, a interpretação seguedois caminhos, tratantes da lei compl<strong>em</strong>entar, conforme lecionaFerreira Jardim:As discussões doutrinais pautam por duas variáreis:a primeira, sobraçada pela escola clássica,15 FANUCCHI, Fábio. A <strong>de</strong>cadência e a prescrição <strong>em</strong> direito tributário. S. Paulo:Resenha Tributária, 1970. p. 101-104. (141 p.)16 Prefácio <strong>de</strong>: FANUCCHI, Fábio. A <strong>de</strong>cadência e a prescrição <strong>em</strong> direito tributário.Cit., p. 9.


195nela entrevê prerrogativas para o exercício <strong>de</strong> trêsfunções, na exata consonância com a literalida<strong>de</strong>do artigo 146, incisos e alíneas. Assim caber-lhe-iaversar sobre conflitos <strong>de</strong> competência, regular aslimitações ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar e, por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro,estabelecer normas gerais <strong>de</strong> direito tributário, aex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir tributos, espécies tributárias,fato gerador, base <strong>de</strong> cálculo, contribuinte, etc. Jáa segunda corrente, chamada dicotômica, admitetão-somente duas funções à lei compl<strong>em</strong>entar, valedizer, regular conflitos <strong>de</strong> competência e disporsobre as limitações ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar. Conquantominoritária, esta corrente <strong>de</strong>sfruta <strong>de</strong> inegávelprestígio na comunida<strong>de</strong> jurídica e t<strong>em</strong> por gran<strong>de</strong>paladino o jurista Geraldo Ataliba 17 .Isso também vale para a prescrição e a <strong>de</strong>cadência. Adicionalmente,ilustra Ferreira Jardim:Em sentido oposto, a opinião divergente sustenta queo legislador ordinário abebera a sua competência diretamenteno Texto Supr<strong>em</strong>o, e por isso não po<strong>de</strong>riaficar na <strong>de</strong>pendência do legislador compl<strong>em</strong>entar,máxime porque não há qualquer hierarquia entreos aludidos estatutos normativos. Proclama, sobr<strong>em</strong>ais, que aquele juízo da escola convencional passaao largo <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> postulados constitucionais,<strong>de</strong>ntre eles o fe<strong>de</strong>rativo. A nosso pensar, o ponto<strong>de</strong> vista da chamada escola clássica atrita com adimensão do exercício da competência tributária,além <strong>de</strong> afrontar o primado fe<strong>de</strong>rativo, conformeassevera com <strong>de</strong>scortino Geraldo Ataliba, no que éseguido por Paulo <strong>de</strong> Barros Carvalho, Roque Carrazzae outros. Cumpre assinalar que concordamosintegralmente com a objurgatória dirigida à escolaclássica, uma vez que a visão meramente literal do17 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual <strong>de</strong> direito financeiro e tributário. 5 ed.S.Paulo: Saraiva, 2000. p. 124-127 (355p.).


196artigo 146 faz tábula rasa da interpretação sist<strong>em</strong>áticado direito e, por isso, afigura-se inconciliável com oprincípio da competência tributária 18 .Partindo-se da pertinente colocação <strong>de</strong> Cretella Júnior, nosentido <strong>de</strong> queo lançamento, como ato <strong>de</strong>claratório, não cria, nãomodifica, n<strong>em</strong> extingue direitos, apenas atesta aexistência da obrigação tributária, que nasce da leidiante da ocorrência do fato ou da situação. Seusefeitos retroag<strong>em</strong>, são ex tunc, recuam até a datado ato ou fato por ele <strong>de</strong>clarado ou reconhecido,e equiparando-se ao processo <strong>de</strong> execução, quesegue à fase <strong>de</strong> conhecimento” 19Po<strong>de</strong>-se concluir que o lançamento não modifica a situaçãoobrigacional, mesmo quando a incidência esteja sendo impedida porocultação fraudulenta do fato gerador.A jurisprudência predominante no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiçaé no sentido <strong>de</strong> que o prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial é <strong>de</strong> 10 (<strong>de</strong>z) anos <strong>em</strong> relaçãoaos tributos <strong>em</strong> que se aplica o lançamento por homologação.Ex<strong>em</strong>plificando:Fato gerador ocorrido <strong>em</strong> junho <strong>de</strong> 1990; homologação tácita dolançamento, junho <strong>de</strong> 1995, isto é, 5 (cinco) anos após o fato gerador;aplicação do artigo 173-I do CTN: 5 (cinco) anos a contar do 1 o (primeiro)dia do exercício seguinte àquele <strong>em</strong> que o lançamento po<strong>de</strong>ria tersido efetuado (lançamento por homologação <strong>em</strong> junho <strong>de</strong> 1995); 1995– ano <strong>em</strong> que o lançamento po<strong>de</strong>ria ter sido efetuado; 1996 – Exercícioseguinte àquele <strong>em</strong> que o lançamento po<strong>de</strong>ria ter sido efetuado;1 o /1/1996 – 1 o (primeiro) dia do exercício seguinte = contag<strong>em</strong> 0 (zero);1 o /1/1997 – 1 (um) ano; 1 o /1/1998 – 2 (dois) anos; 1 o /1/1999 – 3 (três)anos; 1 o /1/2000 – 4 (quatro) anos; 1 o /1/2001 - 5 (cinco) anos 20 .18 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Op. cit. p. 128.19 CRETELA JÚNIOR, José. Curso <strong>de</strong> direito tributário constitucional. Rio: forenseUniversitária, 1993. p.66 (288p.)20 De interesse verificar o Ac. Un. da 1 a Seção do STJ - Rel. Min. D<strong>em</strong>ócrito Reinaldo- ERESP 151163/SP - DJU I <strong>de</strong> 22.02.1999, p. 59.


197Ilícito tributário[...] O ilícito tributário comporta duas modalida<strong>de</strong>s:a) infração puramente tributária, apurávelpela autorida<strong>de</strong> administrativa, s<strong>em</strong> necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> processo penal; b) infração tributária e penal<strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> do <strong>de</strong>lito repercutir simultaneamentenas duas esferas do direito, conquanto a apuraçãopenal tenha caráter autônomo 21 .Ex<strong>em</strong>plificam as primeiras a falta <strong>de</strong> recolhimentodo imposto sobre a renda, do imposto sobre aproprieda<strong>de</strong> predial e territorial urbana, <strong>de</strong>ntreinúmeras hipóteses... Representam as segundas ascondutas tributárias e penais, assim como a utilização<strong>de</strong> notas fiscais frias com o objetivo <strong>de</strong> reduziro imposto a pagar ou a <strong>em</strong>issão <strong>de</strong> notas fiscaisespelhadas... De todo modo compre esclarecer quea infração tributária consiste na falta <strong>de</strong> pagamentodo tributo <strong>de</strong>vido, enquanto o crime repousa nafrau<strong>de</strong> ou falsificação cometida. Enfim, trata-se<strong>de</strong> um único comportamento que gera um débitotributário e um crime, fatos distintos e inconfundíveisa ser<strong>em</strong> apurados pela Fazenda Pública e pelaautorida<strong>de</strong> policial competente, respectivamente.Não sobeja dizer que mesmo nesse caso, a relaçãoentre o infrator e a Fazenda Pública reveste naturezaadministrativa e civil, jamais penal 22 .A ocorrência <strong>de</strong> dolo, frau<strong>de</strong> ou simulação obstaculiza, <strong>em</strong>baraçae impe<strong>de</strong> o lançamento, ao ocultar in<strong>de</strong>vidamente a ocorrênciado fato gerador. Navarro Coelho leciona que, havendo obstáculo aoexercício do lançamento, não po<strong>de</strong> correr o prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial 23 . Tal21 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Op. cit. p. 239.22 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Op. cit. p. 24023 NAVARRO COELHO, Sacha Calmon. A <strong>de</strong>cadência e a prescrição <strong>em</strong> matéria tributária.In: MATTOS, Mauro Gomes <strong>de</strong> et alii (Coord.). Revista ibero-americana<strong>de</strong> direito público, RIADP: doutrina, pareceres, jurisprudência. v. II, Ano I, n o 2(Out/Dez 2000) – Rio: América Jurídica, 2000, p. 226.


198afirmação é efetuada a propósito do prazo que o contribuinte t<strong>em</strong>para efetuar o pagamento. Entretanto, a ocultação das informaçõesdilata a situação <strong>de</strong> obstáculo ao lançamento até o momento <strong>em</strong> queo fisco t<strong>em</strong> conhecimento da transgressão. Evi<strong>de</strong>ncia-se novamenteque a prática transgressora não po<strong>de</strong>rá beneficiar qu<strong>em</strong> a praticou.5 PrescriçãoO instituto da prescrição t<strong>em</strong> estrita ligação com o da <strong>de</strong>cadênciae configura a perda do prazo para a Fazenda Pública acionaro sujeito passivo do crédito tributário já constituído. Esse prazo é<strong>de</strong> 5 (cinco) anos e conta-se a partir do lançamento do crédito tributário.Trata-se, assim, <strong>de</strong> um instituto <strong>de</strong> caráter processual, <strong>em</strong>contraposição à <strong>de</strong>cadência, que é um instituto do direito material. Opagamento in<strong>de</strong>vido somente será restituído pela Fazenda Pública secomprovadas e reconhecidas efetivamente as razões do pedido, nãose efetivando se o único motivo for a situação <strong>de</strong> prescrição à data dopagamento. Se consi<strong>de</strong>rarmos a exceções admissíveis no processo <strong>de</strong>execução e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alterações do quantum <strong>de</strong>beatur, po<strong>de</strong>-seconsi<strong>de</strong>rar a sua revisibilida<strong>de</strong> até <strong>de</strong>curso do prazo prescricional.6 Consi<strong>de</strong>rações finaisA interpretação mais a<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> qualquer t<strong>em</strong>a jurídico serás<strong>em</strong>pre aquela <strong>de</strong>svinculada <strong>de</strong> interesses imediatos das partes, ouseja, a mais próxima da visão sist<strong>em</strong>ática, tendo-se <strong>em</strong> vista o sist<strong>em</strong>atributário constitucional, por tal interpretação ser a mais legítima ea mais comprometida com a lei e com a justiça fiscal.Quando o julgador necessita socorrer-se da doutrina, estandoele numa posição eqüidistante entre um e outro pólo da relaçãojurídica tributária, <strong>de</strong>verá sopesar os fatores que interfer<strong>em</strong> na interpretação,procurando enten<strong>de</strong>r <strong>em</strong> que base <strong>de</strong> interesse se situao intérprete, adotando uma postura isenta <strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong>influência prática.


199O juízo <strong>de</strong> eqüida<strong>de</strong> pressupõe uma projeção do que a socieda<strong>de</strong>necessita. Assim, os interesses particulares <strong>de</strong>verão a<strong>de</strong>quar-se <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> suas paralelas, pois que a Justiça como eqüida<strong>de</strong> não está submetidaà influência absoluta <strong>de</strong> interesses e necessida<strong>de</strong>s concretas.Inspirado na filosofia <strong>de</strong> Rawls, Ronald Dworkin preleciona quecasos s<strong>em</strong>elhantes <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter resultados s<strong>em</strong>elhantes. Para ele, não sepo<strong>de</strong> aceitar a força da jurisprudência como força <strong>de</strong> lei, mas se <strong>de</strong>velocalizar sua força gravitacional justamente no Princípio da Eqüida<strong>de</strong>,ao garantir tratamento s<strong>em</strong>elhante a casos s<strong>em</strong>elhantes. Assim:“La fuerza gravitacional <strong>de</strong>l prece<strong>de</strong>nte no pue<strong>de</strong>ser captada por ninguna teoria que suponga queel prece<strong>de</strong>nte tiene fuerza <strong>de</strong> ley como la legislación.Pero lo ina<strong>de</strong>cuado <strong>de</strong> tal enfoque sugiereotra teoria, superior. La fuerza gravitacional <strong>de</strong> unprece<strong>de</strong>nte su pue<strong>de</strong> explicar apelando, no a la pru<strong>de</strong>ncia<strong>de</strong> imponer leyes, sino a la equidad <strong>de</strong> tratar<strong>de</strong> manera s<strong>em</strong>ajante los casos s<strong>em</strong>ajantes” 24 .O <strong>em</strong>prego da eqüida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong> resultar na dispensa dopagamento do tributo <strong>de</strong>vido. “a obrigação principal é estritamente‘ex lege’, <strong>de</strong> Direito <strong>Público</strong>, não tendo as partes a disponibilida<strong>de</strong>da relação jurídico-tributária” 25 .Conclusivamente po<strong>de</strong>-se, <strong>de</strong>ssa forma, afirmar que:Decadência, no direito tributário, significa a perda do direitoda Fazenda Pública <strong>de</strong> efetuar o lançamento. Existe um prazo parao lançamento. Se o contribuinte efetuar o autolançamento e pagar otributo, o prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial começa a contar a partir da data do fatogerador. Caso ele não efetue e pagamento, o prazo começa a fluir apartir do primeiro dia do exercício seguinte, tendo a Fazenda Pública24 Dworkin, Ronald. Los <strong>de</strong>rechos en serio. trad. Marta Gustavino. Barcelona: Ariel,1989. p.185. Tradução: “A força gravitacional do prece<strong>de</strong>nte não po<strong>de</strong> ser adotada pornenhuma teoria que atribua ao prece<strong>de</strong>nte força igual à da lei. Mas a ina<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> talenfoque sugere outra teoria superior. A força gravitacional <strong>de</strong> um prece<strong>de</strong>nte só po<strong>de</strong>explicar apelando-se, não à jurisprudência <strong>de</strong> impor leis, mas à eqüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratar d<strong>em</strong>aneira s<strong>em</strong>elhante casos s<strong>em</strong>elhantes”.25 ROTHMANN, Gerd Willi et alii. T<strong>em</strong>as fundamentais do direito tributário atual.Belém: CEJUP, 1983. p. 109.


200até o último dia do quinto exercício subseqüente àquele no qual o lançamentopo<strong>de</strong>ria ter sido efetuado, exceto <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> dolo, frau<strong>de</strong> ousimulação, caso <strong>em</strong> que o prazo só começa a fluir para fins tributáriosapós o conhecimento do fisco sobre a frau<strong>de</strong>, uma fez que o fato gerador,nesse caso, estaria sendo ocultado por uma frau<strong>de</strong>. Em relação àfrau<strong>de</strong>, a socieda<strong>de</strong> exige tratamento muito mais rígido do que o caso<strong>de</strong> simples falta <strong>de</strong> recolhimento do tributo. Como alerta Leonetti, aprescrição e a <strong>de</strong>cadência são institutos do direito civil 26 . No direito penal,mesmo no arrependimento eficaz, o sujeito respon<strong>de</strong> pelos danosjá praticados e esses danos têm caráter civil. Não se po<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>requiparar as duas situações sob pena <strong>de</strong> estar o agente da frau<strong>de</strong> sendobeneficiado pela própria transgressão. Se alguém pratica frau<strong>de</strong> <strong>de</strong>verespon<strong>de</strong>r também criminalmente à socieda<strong>de</strong>, e, per<strong>de</strong>ndo os benefíciosda regra <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência, a obrigação tributária fica sujeita ao prazoprescricional das obrigações pessoais, po<strong>de</strong>ndo ser constituída nesseprazo. Enquanto a Fazenda Pública não tomar conhecimento do fato, oseu direito <strong>de</strong> constituir o crédito tributário não <strong>de</strong>cai, <strong>em</strong> se tratando<strong>de</strong> tributo sujeito ao lançamento por homologação. Em se tratando<strong>de</strong> frau<strong>de</strong>, portanto, o sujeito ativo t<strong>em</strong> até o prazo da prescrição dodireito pessoal para constituir e cobrar o respectivo valor, se a FazendaPública não tiver conhecimento do fato gerador <strong>de</strong>ntro do prazo<strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial normal. Essa é a interpretação mais a<strong>de</strong>quada <strong>em</strong> vistado princípio da eqüida<strong>de</strong> e do princípio d<strong>em</strong>ocrático republicano. Já aprescrição configura a perda do prazo para a Fazenda Pública acionarjudicialmente o sujeito passivo do crédito tributário já constituído. Esseprazo é <strong>de</strong> 5 (cinco) anos e conta-se a partir da constituição do créditotributário ela inscrição <strong>em</strong> dívida ativa 27 .26 LEONETTI, Carlos Araujo. Prescrição e <strong>de</strong>cadência no direito tributário. Disponível<strong>em</strong> 23/10/2004, no sítio virtual http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto309.htm27 Fato que configura a exigibilida<strong>de</strong> do crédito tributário.


201<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Sustentação Oral do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nos TribunaisCelso Jerônimo <strong>de</strong> Souza 1Promotor <strong>de</strong> Justiça - AC“Ou nós encontramos um caminho, ou abrimos um”.(Aníbal)Sumário: 1 Introdução – 2 Fundamentação – 2.1 A função processual dosProcuradores <strong>de</strong> Justiça – 2.1.1 Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça – 2.1.2 Procurador<strong>de</strong> Justiça – 2.2 A intervenção nos recursos – 2.3 A sustentação oral do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nos Tribunais <strong>de</strong> Superposição – 2.4 A posição da SegundaTurma do STJ – 2.5 A ciência da Sessão <strong>de</strong> Julgamento – 3 Conclusões.1 IntroduçãoComo é sabido, v<strong>em</strong> <strong>de</strong> longe a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> as partes promover<strong>em</strong>a <strong>de</strong>fesa oral das suas teses jurídicas nos tribunais, ora <strong>em</strong>processos originários, ora <strong>em</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso. Não são poucas asvezes <strong>em</strong> que o resultado <strong>de</strong> um julgamento acaba sendo modificadoa partir dos <strong>de</strong>bates nas tribunas, porquanto o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> persuasão doorador acaba convencendo o colegiado que seu direito é melhor.1 Este ensaio contou com a inestimável colaboração do Dr. Antônio Avelino Men<strong>de</strong>s,Dr. Bruno Langoni Salgado, Dr a Denizi Reges Gorzoni, advogados e Janaína Gue<strong>de</strong>sBezerra, acadêmica sextanista do curso <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Acre.Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 201 a 228


202O ponto que nos interessa discutir neste trabalho é tão-somentequanto aos <strong>de</strong>bates orais no julgamento dos recursos manejados ourespondidos pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual.O controle dos atos judiciais, por órgão superior, mediante oreexame do ato contrastado, é mecanismo <strong>de</strong> aperfeiçoamento das<strong>de</strong>cisões judiciais que não se po<strong>de</strong> prescindir. A idéia <strong>de</strong> restringiro acesso ao Judiciário, mediante a racionalização do aviamento <strong>de</strong>recursos, é um fato que gera inquietações. Porém, se é ou não positivaa idéia, isso não será objeto <strong>de</strong> análise neste texto.Se o recurso é <strong>de</strong>flagrado para combater <strong>de</strong>cisão exarada pelojuízo <strong>de</strong> Primeiro Grau, <strong>em</strong> ação proposta pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,é axiomático que a legitimida<strong>de</strong> para recorrer ou respon<strong>de</strong>r será doPromotor <strong>de</strong> Justiça que oficia perante aquele juízo, se sucumbenteou vitorioso, conforme o caso.Alçado ao tribunal, o recurso será julgado pelo órgão colegiadocompetente, e a intervenção ministerial, no processo, dar-se-á porintermédio do Procurador-Geral e, <strong>de</strong> regra, pelo Procurador <strong>de</strong>Justiça, já agora como fiscal da lei.No Segundo Grau <strong>de</strong> jurisdição, a qu<strong>em</strong> competirá <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r orecurso ou a <strong>de</strong>cisão? Ao Promotor que recorreu ou respon<strong>de</strong>u, ouao Procurador que oficia como custos legis? Na hipótese <strong>de</strong>ste divergirdas razões que motivaram o recurso ou a resposta ministerial,po<strong>de</strong>rá se manifestar contra ou a favor da pretensão recursal? Nocaso, qu<strong>em</strong> faria a <strong>de</strong>fesa do recurso ou da resposta? Po<strong>de</strong>r-se-iaadmitir no tribunal, excepcionalmente, o Promotor representandoo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, como parte, e o Procurador <strong>de</strong> Justiça, comofiscal da lei? É disso que ousar<strong>em</strong>os tratar.2 FundamentaçãoNa doutrina, Hugo Nigro Mazzilli, combativo e reconhecidamenteuma das maiores autorida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, resiste àidéia <strong>de</strong> dois m<strong>em</strong>bros da Instituição atuar<strong>em</strong> no mesmo processo, masreconhece que n<strong>em</strong> a doutrina e jurisprudência firmaram critérios para


203essa intervenção simultânea. Diz que grassam muitas discussões sobrea atuação única ou múltipla <strong>de</strong> m<strong>em</strong>bros nos processos notadamentenos feitos cíveis, afirmando, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, que, nas ações penais ou civispúblicas propostas pela instituição, não cabe a intervenção simultânea<strong>de</strong> dois m<strong>em</strong>bros ministeriais, um como autor, e outro, como fiscal dalei. É interessante <strong>de</strong>stacar a lição do ilustre doutrinador 2 , na qual eleafirma que “pouco importa se a atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> numfeito se dá por promotores ou procuradores <strong>de</strong> justiça: importa a causada atuação institucional. Assim, se o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> propõe umaação penal pública, é ele órgão autor, e essa é a posição que assumetanto o promotor <strong>de</strong> justiça que faz a audiência, como o procurador<strong>de</strong> justiça que oficia no tribunal.”Se a afirmação for verda<strong>de</strong>ira, corolário lógico, na ação civilpública, iniciada pela instituição, o tratamento será igual ao sugeridopelo raciocínio do <strong>em</strong>inente Autor. Não obstante, a excelência e reconhecidaautorida<strong>de</strong> do ex-m<strong>em</strong>bro do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> paulista,assim não pensamos, por conta da evi<strong>de</strong>nte distinção existente entreas funções <strong>de</strong> cada um no processo, <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>safiada pelom<strong>em</strong>bro oficiante na instância singela. Se a resistência repousassena simultânea atuação verificada no mesmo grau <strong>de</strong> jurisdição, seriauma coisa, outra é a sincronia entre m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> instâncias distintas.É <strong>de</strong>ssa última que ir<strong>em</strong>os discorrer.A introjeção apressada da noção <strong>de</strong> dois m<strong>em</strong>bros atuando nomesmo processo, com funções distintas, parece absurda, ainda maisquando se l<strong>em</strong>bra que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> é regido pelo princípio daunida<strong>de</strong> e indivisibilida<strong>de</strong>. No entanto, não po<strong>de</strong> ser olvidado que,além <strong>de</strong>sses princípios, existe um outro, o da in<strong>de</strong>pendência funcional,que acaba por mitigá-los. Resi<strong>de</strong> neste a razão <strong>de</strong> se relativizar<strong>em</strong>os dois primeiros, sob pena <strong>de</strong> ocorrer situação <strong>de</strong> difícil assimilaçãopela Socieda<strong>de</strong>, n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre afeita às questões técnico-jurídicas. Nãose quer aqui promover a <strong>de</strong>fesa da intervenção simultânea, comoregra, mas como exceção.De fato, não é incomum ocorrer recurso manejado ou respondidopelo órgão que atua no Primeiro Grau e, chegando o feito no2 Regime Jurídico do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. 3. ed. São Paulo: Saraiva. p. 335.


204Tribunal, o órgão que ali oficia, agindo como custos legis, manifestarseno sentido contrário ou a favor da pretensão recursal, tornando orecurso ou a resposta in<strong>de</strong>fesa. Ainda que assim não fosse, afigura-seimprescindível a presença daquele que recorreu ou respon<strong>de</strong>u, pelomenos, para promover a <strong>de</strong>fesa oral das razões ou contra-razõesque motivaram o <strong>de</strong>safio da <strong>de</strong>cisão, atuando como órgão-agente,e o Procurador <strong>de</strong> Justiça atuará como órgão-interveniente. Nãohá qualquer obstáculo ou impedimento legal para isso. Uma coisaé certa, recurso ou resposta s<strong>em</strong> <strong>de</strong>fesa está fadada ao insucesso.Ad<strong>em</strong>ais, é <strong>de</strong> rigor prestigiar o princípio da ampla <strong>de</strong>fesa, porqueaos litigantes são assegurados: o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa, comos meios e recursos a ela inerentes. (CF, art. 5 o , LV).Os opositores <strong>de</strong>ssa tese dirão, simplesmente, que o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> é uno e indivisível, e a intervenção do Procurador <strong>de</strong>Justiça no Tribunal, supre a ausência do m<strong>em</strong>bro que recorreu, e, seenten<strong>de</strong>r que o recurso não merece prosperar, opinando nesse sentido,ele não ficou in<strong>de</strong>feso. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, <strong>de</strong>certo, é uno eindivisível, porém, possui inúmeras funções constitucionais e legaise são inconfundíveis as <strong>de</strong> fiscal da lei e parte.Outro importante e notável arauto da doutrina, o professorTourinho Filho, adverte sobre a distinção que existe entre as funçõesinstitucionais <strong>em</strong> relevo e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o órgão acusador nãoconseguir d<strong>em</strong>arcar as fronteiras entre uma e outra, se traindo, parafazer prevalecer a concepção acusadora, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> o fiscal da lei, esugere: “para evitar essas traições, a nosso ver, <strong>de</strong>veria o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, na segunda instância, limitar-se à análise dos processos sobo aspecto formal, <strong>de</strong>ixando a apreciação do mérito aos Tribunais ”3 .Essa conclusão só faz reforçar a idéia da plausibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o recorrente<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r oralmente a tese ou antítese recursal, como parte e oProcurador <strong>de</strong> Justiça, será mero órgão interveniente.Luiz Gustavo Grandinetti Castanho <strong>de</strong> Carvalho 4 , <strong>de</strong> outrolado, observa quenão se po<strong>de</strong> confundir a função <strong>de</strong> parte com a<strong>de</strong> fiscal da lei e acrescenta dizendo: no processo3 Código <strong>de</strong> Processo Penal comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, v. II. p. 213.4 O Processo Penal <strong>em</strong> face da Constituição. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense. p. 85.


205criminal por ação <strong>de</strong> iniciativa pública é o MP, unoe indivisível, qu<strong>em</strong> oferece <strong>de</strong>núncia; é ele qu<strong>em</strong>postula a aplicação da sanção penal; e é ele qu<strong>em</strong>,mesmo <strong>em</strong> grau <strong>de</strong> recurso, t<strong>em</strong> legitimida<strong>de</strong> parasustentar oralmente o recurso do promotor... Entãonão se po<strong>de</strong> falar que o mesmo órgão público...possa ser, ao mesmo t<strong>em</strong>po, fiscal da lei e parte,ao ponto <strong>de</strong>, na instância recursal, <strong>de</strong>saparecer aparte, permanecendo apenas o fiscal da lei, <strong>em</strong> umaestranha ação penal s<strong>em</strong> autor.Essa posição doutrinária reforça a distinção entre as funçõesagentes e intervenientes, admitindo, data venia, ainda que implicitamente,a simultaneida<strong>de</strong> rejeitada por Mazzilli e, por conseguinte,só v<strong>em</strong> confortar nossa posição.D<strong>em</strong>ais disso, se foi assegurada a in<strong>de</strong>pendência funcional ao<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, disso resulta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um m<strong>em</strong>bro divergirdo posicionamento do outro. Essa aparente antinomia po<strong>de</strong>ráferir interesse da Socieda<strong>de</strong>, principal <strong>de</strong>stinatária das ativida<strong>de</strong>sministeriais. É <strong>em</strong> nome <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a razoabilida<strong>de</strong>da sustentação oral por aquele que acompanhou os fatos<strong>de</strong> perto, lá on<strong>de</strong> eles aconteceram.Nesse passo, vale conferir a agu<strong>de</strong>za <strong>de</strong> Antônio Cláudio daCosta Machado 5 na lição que nos dá acerca da indisponibilida<strong>de</strong> dointeresse que reclama tutela ministerial, como custos legis, citandoChiovenda, ensina que a ord<strong>em</strong> jurídica o insere na relação processualpara velar imparcialmente pela correta aplicação da lei, trazendo à luzfatos que conduzam à verda<strong>de</strong> real e argumentos judiciosos que maisse aproxime da justiça i<strong>de</strong>al. Enriquece sua posição, invocando EnricoAllorio para registrar que nesta condição a função do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> é fiscalizar a atuação das partes e do juiz com vista à corretaaplicação da lei, <strong>de</strong> sorte a viabilizar o prevalecimento dos interessesindisponíveis da socieda<strong>de</strong> quando estes, <strong>de</strong> fato, existam, b<strong>em</strong> comoimpedir que interesses relevantes <strong>em</strong> tese, mas não amparados peloDireito, recebam a chancela do Po<strong>de</strong>r Judiciário.5 A intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> no Processo Civil Brasileiro, 2. ed., Saraiva,p.280/1.


206Outro belíssimo legado nos <strong>de</strong>ixou José Fre<strong>de</strong>rico Marques,muito b<strong>em</strong> l<strong>em</strong>brado por Antônio Cláudio 6 , sobre a importância epeculiarida<strong>de</strong> da função interveniente quando averba que na contendaentre as partes, os direitos conflitantes pod<strong>em</strong> tomar realce que osinteresses supr<strong>em</strong>os da ord<strong>em</strong> jurídica acab<strong>em</strong> imperceptíveis, porfalta <strong>de</strong> um sujeito que por eles propugne. Certo é que o juiz t<strong>em</strong> o<strong>de</strong>ver <strong>de</strong> aplicar os mandamentos da ord<strong>em</strong> jurídica, fazendo prevaleceros valores mais altos que, numa situação concreta, o direitoobjetivo assegura. Mas, ante a focalização enfática e retumbante,pelas partes, do que a cada uma interessa, <strong>de</strong>ixando <strong>em</strong> plano secundárioos imperativos do b<strong>em</strong> público, ou o juiz <strong>de</strong>sceria à arenado litígio para dar a esses imperativos, na formação das quaestionesfacti, o realce a<strong>de</strong>quado, ou risco haveria <strong>de</strong> continuar<strong>em</strong> eles napenumbra: na primeira hipótese, surgiria o perigo <strong>de</strong> <strong>de</strong>svirtuar-sea imparcialida<strong>de</strong> do órgão jurisdicional; e na segunda, o <strong>de</strong> periclitaro interesse público. Essa é a razão pela qual se justifica, <strong>de</strong> um modogeral, a atuação, no processo, <strong>de</strong> um fiscal da lei para assegurar orespeito aos valores e bens na ord<strong>em</strong> predominant<strong>em</strong>ente tutelados,quando tenha esta <strong>de</strong> incidir para compor um litígio <strong>em</strong> que apareçao interesse público, ou direitos que mereçam amparo especial.Cabe assinalar que, na condição <strong>de</strong> fiscal da lei, o Parquet estálegitimado a recorrer, da Primeira para a Segunda Instância e, <strong>de</strong>sta,para os Tribunais Superiores. No entanto, ao recorrer transmudasua condição para órgão-agente e, sendo assim, po<strong>de</strong>rá sustentaroralmente o recurso no órgão ad qu<strong>em</strong>.Nessa linha é a lúcida opinião externada por José Carlos BarbosaMoreira 7 acerca da feição formal assumida pelo fiscal da leiquando recorre, dizendo: “recorrendo, assume o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>,no procedimento recursal, a condição <strong>de</strong> parte com iguais ‘po<strong>de</strong>res eônus’, à s<strong>em</strong>elhança do que ocorre quando exerça o direito <strong>de</strong> ação,salvo regra especial.”Como se percebe, a posição <strong>de</strong> custos legis reclama do Parquet amesma eqüidistância exigida do Julgador, motivo pelo qual, quando6 Op. Cit. p. 281/2.7 Comentários ao Código <strong>de</strong> Processo Civil, v. 5, p. 235.


207age nessa qualida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> ser ele recusado pela parte, se lhe faltarisenção e, só excepcionalmente, quando atuar como parte. (CPC,art. 138, I).Importante ressaltar a <strong>de</strong>cisão proferida, <strong>em</strong> 13/9/2000, peloSTJ, no ERESP 216.721-SP, Rel. Min. Felix Fischer publicada no Informativon o 70, com esta Súmula:MP. SEGUNDO GRAU. ATUAÇÃO. STJ.Os m<strong>em</strong>bros do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> segundograu, tanto fe<strong>de</strong>ral quanto estadual, não têm legitimida<strong>de</strong>para atuar <strong>em</strong> Tribunais Superiores, ou seja,não têm legitimida<strong>de</strong> para recorrer dos julgamentos<strong>de</strong>stes Sodalícios, ressalvada a hipótese <strong>de</strong> habeascorpus. Recorrer para um Tribunal Superior contra<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> segunda instância é diferente <strong>de</strong> recorrerou atuar nesse mesmo Tribunal.O julgado, <strong>em</strong> vez <strong>de</strong> contrapor a tese que ora se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>, só fazreforçar a sua concepção i<strong>de</strong>ológica, porque não será objeto do trabalhoa legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Promotor ou Procurador <strong>de</strong> Justiça postularno Tribunal <strong>de</strong> Justiça, Regional Fe<strong>de</strong>ral e nos Tribunais Superiores.O que afirmamos, não t<strong>em</strong> correlação com o referido julgado, nãosendo aquela situação objeto <strong>de</strong>ste trabalho. Até porque a sustentaçãooral pelo recorrente não significa postular no tribunal, mas o exaurimentoda sua faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> postular ao tribunal, situação, portanto,muito distinta. O v. acórdão suso mencionado encerra a primeira,este trabalho preten<strong>de</strong> cuidar apenas da segunda situação.2.1 A função processual dos Procuradores <strong>de</strong> Justiça2.1.1 Procurador-Geral <strong>de</strong> JustiçaAqueles que negam ao Promotor <strong>de</strong> Justiça o direito <strong>de</strong> fazersustentação oral na 2 a Instância, se amparam no argumento <strong>de</strong> queali só oficia Procurador <strong>de</strong> Justiça.


208Dispõe a Lei Orgânica Nacional do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> n o 8.625,<strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1993:Art. 29 - Além das atribuições previstas nas ConstituiçõesFe<strong>de</strong>ral e Estadual, na Lei Orgânica e<strong>em</strong> outras leis, compete ao Procurador-Geral <strong>de</strong>Justiça:III - representar o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nas sessõesplenárias dos Tribunais;V - ajuizar ação penal <strong>de</strong> competência origináriados Tribunais, nela oficiando;VI - oficiar nos processos <strong>de</strong> competência origináriados Tribunais, nos limites estabelecidos naLei Orgânica;IX - <strong>de</strong>legar a m<strong>em</strong>bro do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> suasfunções <strong>de</strong> órgão <strong>de</strong> execução.A Lei Orgânica Estadual n o 8, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1983 8 , no seuartigo 7 o , <strong>de</strong>creta:Art. 7 o Ao Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça incumbe:XII - oficiar junto ao Tribunal Pleno, nos Mandados<strong>de</strong> Segurança e nos recursos <strong>em</strong> que houverinteresses da Fazenda Nacional ou que haja participaçãodo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> no primeiro grau<strong>de</strong> jurisdição;XIV - oficiar junto a quaisquer das Câmaras <strong>de</strong>Tribunal, nos recursos <strong>em</strong> que houver interesse daFazenda Estadual, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>legar esta atribuiçãoa qualquer Procurador <strong>de</strong> Justiça;XXXIV - exercer a Ação Pública e acompanhá-la,até o final, <strong>em</strong> todos os processos <strong>de</strong> competênciaoriginária do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>legaresta atribuição a Procurador que especialmente<strong>de</strong>signar.8 Lei Orgânica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado do Acre.


209Por seu turno, o Regimento Interno do Tribunal <strong>de</strong> Justiça doAcre (RITJ), no seu artigo 7 o , legitima o Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiçaa funcionar no Pleno com esta imposição: O Tribunal Pleno funcionacom a presença <strong>de</strong>, pelo menos, seis Des<strong>em</strong>bargadores, com apresença do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça ou Procuradoria-Geral <strong>de</strong>Justiça. Consagra, ao final, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outro m<strong>em</strong>bro, <strong>de</strong>signadopelo PGJ, comparecer à sessão. Mas dirão os opositores: esteserá um Procurador <strong>de</strong> Justiça, necessariamente.Cuidou o Regimento Interno, no artigo 28, das Sessões do Tribunal,dizendo: As sessões do Tribunal, assim como as audiências serãopúblicas, salvo:Parágrafo único – Nas sessões reservadas só permanecerãono recinto, além dos Des<strong>em</strong>bargadores,o Secretário das Sessões e o Procurador-Geral <strong>de</strong>Justiça, b<strong>em</strong> como as partes e seus patronos, excetoquando houver expressa proibição legal.Art. 29 [...].§ 4 o - As sessões extraordinárias serão convocadasmediante edital [...] e, aviso pessoal aos Des<strong>em</strong>bargadores,que a ela <strong>de</strong>vam comparecer, e aoProcurador-Geral <strong>de</strong> Justiça [...].Art. 30 – O Presi<strong>de</strong>nte t<strong>em</strong> assento no centro extr<strong>em</strong>oda mesa, la<strong>de</strong>ado pelo Procurador-Geral <strong>de</strong>Justiça, à direita [...].O citado Regimento, <strong>de</strong> outro lado, pelo artigo 34, d<strong>em</strong>onstra:Art. 34 - À hora regimental ou <strong>de</strong>signada, oPresi<strong>de</strong>nte, ou qu<strong>em</strong> o substituir [...] presentes oProcurador-Geral <strong>de</strong> Justiça [...].Art. 35 – Iniciado os trabalhos, o presi<strong>de</strong>nte, apóso toque dos tímpanos:III – conhecerá <strong>de</strong> qualquer solicitação ou proposta[...] do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça [...].Art. 36 [...].


210§ 1 o A ata mencionará:III – os nomes [...] do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça[...];IV – [...] se houve <strong>de</strong>fesa oral pelo advogado [...].Art. 39 – Os advogados [...] falarão <strong>de</strong> pé, na tribuna[...].Versejando acerca da ritualística da ação penal originária,<strong>de</strong>clarou:Art. 95 - Distribuído o Inquérito ou representação sobrecrime [...] <strong>de</strong> ação pública ou <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>,o Relator encaminhará os autos ao Procurador-Geral<strong>de</strong> Justiça [...].Art. 96 - O pedido <strong>de</strong> arquivamento requerido peloProcurador-Geral <strong>de</strong> Justiça é irrecusável e será <strong>de</strong>feridopor <strong>de</strong>spacho do Relator.Art. 98 - Verificando a extinção da punibilida<strong>de</strong>, aindaque não haja iniciativa do ofendido [...] ouvida aProcuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça.Art. 102 - [...].Parágrafo único – Na Ação Penal Privada, será ouvida,<strong>em</strong> igual prazo, a Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça;2.1.2 Procurador <strong>de</strong> JustiçaE, no tocante às funções dos Procuradores <strong>de</strong> Justiça, proclamaa Lei Orgânica Nacional do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>:“Art. 31 - Cabe aos Procuradores <strong>de</strong> Justiça exercer as atribuiçõesjunto aos Tribunais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não cometidas ao Procurador-Geral<strong>de</strong> Justiça, e inclusive por <strong>de</strong>legação <strong>de</strong>ste.” (Com nosso <strong>de</strong>staque).Já, a Lei Orgânica Estadual assentou:Art. 28. Aos Procuradores <strong>de</strong> Justiça incumbe:


211I - promover a ação penal e civil pública, nos casos<strong>de</strong> competência originária do Tribunal <strong>de</strong> Justiça,quando <strong>de</strong>signados pelo Procurador-Geral;II - oficiar perante as Câmaras Criminais ou Cíveis,separadamente ou reunidas, do Tribunal <strong>de</strong>Justiça, <strong>de</strong> acordo com a <strong>de</strong>signação firmada peloProcurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, e assistir facultativamenteas suas sessões;III - <strong>em</strong>itir pareceres nos processos que lhes for<strong>em</strong>distribuídos;V - interpor os recursos legais, inclusive para oSupr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nos processos <strong>em</strong> queoficiar<strong>em</strong>. (O negrito é proposital).Nossa lei se reporta apenas ao STF, olvidando o STJ, pelo fato <strong>de</strong>,na época da sua promulgação, 18/7/1983, este ainda não existir.Ao excogitar a audiência, sobredito regulamento interna corporisdo TJ/AC resolveu que:“Art. 46 [...].Parágrafo único – Ao Procurador <strong>de</strong> Justiça e aosadvogados será permitido falar ou ler sentados”.Bom que se diga, o velino se reporta, ainda, à intervenção daProcuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça, nos artigos 113, 122, Parágrafo único,150, 151, que tratam da Ação Rescisória, Desaforamento e Perdada Graduação <strong>de</strong> praça. Faz menção a Procurador <strong>de</strong> Justiça noprocessamento do habeas corpus e Precatório, artigos 127, 128, 162;enquanto no habeas data, art. 132, § 1 o , exclama que os autos serãor<strong>em</strong>etidos à Procuradoria-Geral ou à Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça,como se foss<strong>em</strong> órgãos distintos. No Mandado <strong>de</strong> Segurança,art. 138, faz alusão ao parecer da Procuradoria <strong>de</strong> Justiça, o mesmoacontecendo nos artigos 147, 157, 162, Parágrafo único, VII, quandoritualiza a Reclamação, Revisão Criminal e Precatório.Por <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro, volta a mencionar Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiçanos artigos 158, § 1 o , e 163, § 1 o , quando aborda a Suspensão <strong>de</strong>Segurança e Precatório.


212Todos os dispositivos refer<strong>em</strong>-se ora à função <strong>de</strong> fiscal da lei,ora à função <strong>de</strong> parte. Po<strong>de</strong>r-se-ia imaginar o Procurador <strong>de</strong> Justiçaenfeixando simultaneamente as duas funções? Seria razoável, nojulgamento, ora ele agir como fiscal, opinando pela rejeição, e, <strong>em</strong>seguida, agir como órgão-agente, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o recurso? Já vimosanteriormente que é t<strong>em</strong>eroso. De qualquer sorte, nada impe<strong>de</strong> queo Promotor e o Procurador <strong>de</strong> Justiça atu<strong>em</strong> na sessão <strong>de</strong> julgamento,naqueles recursos encetados ou respondidos pelo primeiro, cabendo-lhefazer a sustentação oral na função <strong>de</strong> parte-recorrente e aosegundo, a <strong>de</strong> fiscal da lei.2.2 A intervenção nos recursosO multicitado Regimento focaliza os recursos na sua Sessão II,do Capítulo VII, iniciando com o agravo.Suce<strong>de</strong>-se a Apelação Cível.“Art. 168 - Distribuído o Agravo, ou [sic] autossó serão r<strong>em</strong>etidos à Procuradoria <strong>de</strong> Justiça paraoferta <strong>de</strong> parecer <strong>em</strong> 10 (<strong>de</strong>z) dias, se o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> houver oficiado no Primeiro Grau <strong>de</strong>Jurisdição. (G. N).”“Art. 172 – Distribuída a Apelação, os autos sóserão r<strong>em</strong>etidos à Procuradoria <strong>de</strong> Justiça, paraoferta <strong>de</strong> parecer <strong>em</strong> 15 (quinze) dias, se o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> houver oficiado no 1 o Grau <strong>de</strong>Jurisdição.” (S<strong>em</strong> grifo no original).Na disciplina da apelação criminal, vale conferir o artigo 175,§ 1 o , verbis:Art. 175 – Registrada, autuada e distribuída aApelação [...] na hipótese do artigo 600, do CódigoProcessual Penal, abrirá vista ao apelante e, após ooferecimento das razões ou s<strong>em</strong> elas, r<strong>em</strong>eterá osautos ao represente do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, juntoà Vara ou Comarca <strong>de</strong> orig<strong>em</strong>, paras as contra-


213razões.§ 1 o Não ocorrendo a hipótese acima prevista, osautos serão r<strong>em</strong>etidos à Procuradoria <strong>de</strong> Justiçapara oferta <strong>de</strong> parecer <strong>em</strong> 10 (<strong>de</strong>z) dias [...]. (Onegrito e o grifo não são originais).Quando o assunto é Carta Test<strong>em</strong>unhável, assenta:“Art. 177 [...].Parágrafo único - Após a distribuição, os autosserão r<strong>em</strong>etidos à Procuradoria <strong>de</strong> Justiça, paraoferta <strong>de</strong> parecer no prazo <strong>de</strong> 05 (cinco) dias.”(G.N).Se houver recurso <strong>em</strong> habeas corpus, então, <strong>de</strong>ve-se observar oseguinte:“Art. 181 - Distribuído o Recurso, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente<strong>de</strong> <strong>de</strong>spacho do Relator, tratando-se <strong>de</strong> réupreso, os autos serão r<strong>em</strong>etidos à Procuradoria <strong>de</strong>Justiça para oferta <strong>de</strong> parecer no prazo <strong>de</strong> 02 (dois)dias.” (No original não consta <strong>de</strong>staque).Agora, se se tratar <strong>de</strong> Recurso <strong>em</strong> Sentido Estrito, o procedimentoserá:“Art. 185 – Distribuído o recurso, os autos irão àProcuradoria <strong>de</strong> Justiça, para oferta <strong>de</strong> parecer noprazo <strong>de</strong> 05 (cinco) dias” (Destacamos).Percebe-se que o ponto comum <strong>de</strong>stes dispositivos é que osautos irão ao Parquet para colher seu parecer. Qu<strong>em</strong> <strong>em</strong>ite parecer,<strong>de</strong>certo, não é parte. Se isso é verda<strong>de</strong>iro, a atuação ministerial nestesrecursos, <strong>em</strong> 2 o Grau <strong>de</strong> Jurisdição, será tão-somente como órgãointerveniente.Nada mais.Se o recurso exercitado for os Embargos Declaratórios, diz oRegimento:Art. 188 [...].Parágrafo único - Nas hipóteses previstas nos artigos 187e 188, o representante da Procuradoria Geral <strong>de</strong>


214Justiça manifestar-se-á somente <strong>em</strong> sessão e não haverásustentação oral. (O <strong>de</strong>staque é do autor).A exceção <strong>de</strong>ve ser regrada. Foi pensando nisso que o diplomaarrolou as hipóteses que não comportam sustentação oral.Para o caso dos Embargos Infringentes Cíveis, orienta que:“Art. 193 - Após a distribuição, a Secretaria do ÓrgãoJulgador intimará o <strong>em</strong>bargado para impugnálos.Impugnados ou não, os autos serão r<strong>em</strong>etidosà Procuradoria <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja se manifestado<strong>em</strong> se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Apelação.” (Grifamos).Por sua vez, se a situação reclamar Embargos Infringentes e <strong>de</strong>Nulida<strong>de</strong>s Criminais, terá a seguinte metodologia:“Art. 194 [...].§ 2 o Após a distribuição, os autos serão r<strong>em</strong>etidosà Procuradoria <strong>de</strong> Justiça para parecer, no prazo<strong>de</strong> 10 (<strong>de</strong>z) dias.” (Destacamos).Finalmente, quanto aos Recursos Especial, Extraordinário eOrdinário, o Regimento Interno do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Acre uniformizaa redação dos artigos 200, 206 e 212, dispondo: “<strong>de</strong>corrido oprazo legal, com ou s<strong>em</strong> contra-razões e manifestação do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, quando for o caso, os autos serão conclusos ao Presi<strong>de</strong>ntepara apreciação da admissibilida<strong>de</strong> ou não do recurso, se não estiverimpedido, circunstância que <strong>de</strong>verá ser certificada.” (Destaquei).A avaliação dos dispositivos regimentais supracitados reforçauma crença: o Procurador <strong>de</strong> Justiça, quando oficia nesses recursos,fá-lo como fiscal da lei. Assim sendo, surge uma outra certeza: oPromotor <strong>de</strong> Justiça, na função <strong>de</strong> parte, po<strong>de</strong> sustentar oralmenteno Tribunal <strong>de</strong> Justiça, quando cabível, as razões e/ou contra-razõesdo recurso interposto. Negar-lhe tal direito, encerra intolerável violênciaao princípio da igualda<strong>de</strong>, do contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa,porque, se for o recorrente, apenas o recorrido estará no julgamentopara a <strong>de</strong>fesa oral das suas contra-razões, com probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter oreforço do parecer lançado pelo Procurador <strong>de</strong> Justiça, como amiú<strong>de</strong>acontece e aqui, mais do que nunca, merece aplauso a censura <strong>de</strong> Cas-


215tanho <strong>de</strong> Carvalho. Nesse contexto, se a manifestação for simpáticaao recorrido, então, a Socieda<strong>de</strong> estará totalmente in<strong>de</strong>fesa.N<strong>em</strong> mesmo o argumento da dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> operacionalizaro <strong>de</strong>slocamento do Promotor <strong>de</strong> Justiça que oficia no interior até aCapital, po<strong>de</strong> ser usado como mote para negar-lhe a faculda<strong>de</strong>, porquea viabilida<strong>de</strong> disso passará a ser uma questão interna corporis.Ad<strong>em</strong>ais, as se<strong>de</strong>s dos <strong>Ministério</strong>s <strong>Público</strong>s Estaduais ficam distantes<strong>de</strong> Brasília, on<strong>de</strong> se localizam os Tribunais Superiores, n<strong>em</strong> por isso, alongitu<strong>de</strong> po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> obstáculo para que se lhes admitam a <strong>de</strong>fesaoral nos seus recursos nesses Sodalícios, quando cabível.2.3 A sustentação oral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> nos Tribunais <strong>de</strong>SuperposiçãoMutatis mutandis, nos recursos interpostos ou respondidos pelo<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual, dirigidos ao STF e STJ, cabe, igualmente,sustentação oral pelo Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, ou pelo m<strong>em</strong>broque ele <strong>de</strong>legar atribuição, não havendo impedimento legal ou regimentalpara o ato processual.Os argumentos utilizados alhures val<strong>em</strong> aqui. Nessas Cortes,todos sab<strong>em</strong>os, funciona o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral, por intermédiodo Procurador-Geral da República, ou Subprocuradores-Gerais daRepública, por <strong>de</strong>legação daquele, consoante prevê a Lei Compl<strong>em</strong>entarn o 75/93 e os Regimentos <strong>de</strong>sses Tribunais.O Procurador-Geral ou os Subprocuradores-Gerais da Repúblicafuncionará na condição <strong>de</strong> fiscal da lei, enquanto o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> Estadual, como órgão-agente. Não havendo qualquer dificulda<strong>de</strong>para i<strong>de</strong>ntificar a posição <strong>de</strong> um e <strong>de</strong> outro, no processo ena sessão <strong>de</strong> julgamento.Cabe assinalar que a Carta Política, ao <strong>de</strong>finir os legitimados apropor ADIN, <strong>de</strong>scortina, também, no art. 103, § 1 o , a atribuição <strong>de</strong>custos legis, conferida ao Chefe do Parquet fe<strong>de</strong>ral, dispondo:Art. 103. Pod<strong>em</strong> propor ação <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>:


216VI - o Procurador-Geral da República;§ 1 o O Procurador-Geral da República <strong>de</strong>verá serpreviamente ouvido nas ações <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>e <strong>em</strong> todos os processos <strong>de</strong> competênciado Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (G.N).Dessa redação, resulta inferir que o Procurador-Geral da Repúblicasó vai oficiar como fiscal da lei, se não for ele o autor da ADIN.O comando constitucional vai além, para dizer que a audição não selimita ao controle da constitucionalida<strong>de</strong> do ato ou texto impugnado,mas a todo e qualquer processo que tramitar na Supr<strong>em</strong>a Corte. Otexto do parágrafo se reporta à função fiscalizatória, b<strong>em</strong> distintadaquela reservada no caput e inciso transcritos, que cuidam da ativida<strong>de</strong>parcial da Instituição, quando exercita um dos instrumentosque dispõe para tutelar os interesses mais caros da Socieda<strong>de</strong>.Interessante observar, por outro lado, que a Carta Acreana reproduziuo texto acima, no seu artigo 104, II, § 1 o , restringindo a intervençãodo Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça à ADIN <strong>de</strong> lei, ou ato normativoestadual e municipal contestado <strong>em</strong> face da Constituição local.A Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 75, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1993, que organizao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> da União e regula suas atribuições, narra queo Procurador-Geral da República é o Chefe do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Fe<strong>de</strong>ral, art. 45.A seguir, no artigo 46, o legislador usou outras palavras parareproduzir o § 1 o do art. 103 da CF, com esta redação:Art. 46 - Incumbe ao Procurador-Geral da Repúblicaexercer as funções do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>junto ao Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, manifestando-sepreviamente <strong>em</strong> todos os processos <strong>de</strong> suacompetência.Parágrafo único - O Procurador-Geral da Repúblicaproporá perante o Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral:I - a ação direta <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ouato normativo fe<strong>de</strong>ral ou estadual e o respectivopedido <strong>de</strong> medida cautelar;


217II - a representação para intervenção fe<strong>de</strong>ral nosEstados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, nas hipóteses do art.34, VII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;III - as ações cíveis e penais cabíveis. (S<strong>em</strong> realceno original).N<strong>em</strong> mesmo o intérprete mais obstinado concluiria que o caputdo dispositivo legal acima afasta a atuação excepcional dos <strong>Ministério</strong>s<strong>Público</strong>s Estaduais naquela Corte. Impe<strong>de</strong>-lhe, entretanto,<strong>de</strong> agir como órgão-interveniente, porque isso é exclusivida<strong>de</strong> doMPF, não, porém, como órgão-agente, fazendo a <strong>de</strong>fesa oral no recursointerposto contra <strong>de</strong>cisão do Tribunal local. A parte final realçaesse entendimento, quando <strong>de</strong>fine a função do PGR nos autos, valedizer: opinar sobre as questões processual e meritória contidas nobojo do processo.O parágrafo único cuidou, tão-só, da legitimação ativa. Nãopassa <strong>de</strong>spercebida a vonta<strong>de</strong> reproduzida pelo caput <strong>de</strong>sse artigo.De fato, afigura-se que a aspiração primeira do legislador, <strong>em</strong> relaçãoao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, foi <strong>de</strong> lhe confiar a missão <strong>de</strong> fiscalizar a lei e,apenas num segundo momento, a incumbência <strong>de</strong> agir como parte.Examin<strong>em</strong>os, agora, o art. 47 e o seu § 1 o , que têm este texto:Art. 47 - O Procurador-Geral da República <strong>de</strong>signaráos Subprocuradores-Gerais da Repúblicaque exercerão, por <strong>de</strong>signação, sua funções juntosaos diferentes órgãos jurisdicionais do Supr<strong>em</strong>oTribunal Fe<strong>de</strong>ral.§ 1 o As funções do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>raljunto aos Tribunais Superiores da União, peranteos quais lhe compete atuar, somente po<strong>de</strong>rão serexercidas por titulares do cargo <strong>de</strong> Subprocurador-Geral da República.O caput sugere duas coisas: a uma, no pleno do STF, funcionao PGR; a duas, nas Turmas, a função ministerial po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>legadaaos SGR (Subprocuradores-Gerais da República).No mesmo diapasão, recolhe-se do parágrafo único do artigo


21848 do Regimento Interno do STF, o reforço <strong>de</strong>sse entendimento,senão vejamos:“Art. 48. O Procurador-Geral da República tomaassento à mesa à direita do Presi<strong>de</strong>nte.Parágrafo único. Os Subprocuradores-Gerais po<strong>de</strong>rãooficiar junto às Turmas mediante <strong>de</strong>legaçãodo Procurador-Geral.”Importante alvitrar que, enquanto o art. 46 dispõe que as funçõesdo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, junto ao Supr<strong>em</strong>o, são do Procurador-Geral da República, o § 1 o do art. 47 diz que as funções do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral, perante os tribunais superiores da união, serão exercidaspor Subprocuradores-Gerais. É inegável que <strong>de</strong>ntre os tribunaissuperiores está o próprio STF. No entanto, neste funcionará apenasperante as suas Turmas.Disso resulta uma conclusão muito clara: malgrado o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> tenha como princípios institucionais a unida<strong>de</strong>, a indivisibilida<strong>de</strong>e a in<strong>de</strong>pendência funcional 9 , o campo <strong>de</strong> atuação do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral é distinto do campo <strong>de</strong> ação dos <strong>Ministério</strong>s<strong>Público</strong>s Estaduais, CF, art. 128, I, II. A Lei, quando preconiza que asfunções daquele perante os tribunais superiores serão exercidas porSubprocurador-Geral da República, não significa dizer que afastoua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação, ainda que limitada, aos últimos, atravésdos Procuradores-Gerais <strong>de</strong> Justiça, nas hipóteses <strong>de</strong> recorrer ourespon<strong>de</strong>r recursos.Com efeito, a função <strong>de</strong> órgão-agente perante o Superior Tribunal<strong>de</strong> Justiça, por força do artigo 48, da citada lei compl<strong>em</strong>entar,9 CF, art. 127. [...]. § 1 o São princípios institucionais do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> a unida<strong>de</strong>, aindivisibilida<strong>de</strong> e a in<strong>de</strong>pendência funcional. Para Hugo N. Mazzilli: unida<strong>de</strong> significaque os m<strong>em</strong>bros do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> integram um só órgão, sob a direção <strong>de</strong> um sóchefe; indivisibilida<strong>de</strong> significa que seus m<strong>em</strong>bros po<strong>de</strong>r ser substituídos uns pelosoutros, não arbitrariamente, mas segundo a forma estabelecida <strong>em</strong> lei. Nesse sentido,não há unida<strong>de</strong> ou individualida<strong>de</strong> ou indivisibilida<strong>de</strong> entre os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> <strong>Ministério</strong>s<strong>Público</strong>s diversos, só <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. L<strong>em</strong>bra Eurico <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>Azevedo, para dizer que autonomia funcional significa que os seus m<strong>em</strong>bros, no <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho<strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres profissionais, não estão subordinados a nenhum órgão oupo<strong>de</strong>r [...] submetendo-se apenas à sua consciência e aos limites imperativos da lei...(Introdução ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 23/27).


219igualmente será exercida pelo PGR, po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>legada a Subprocurador-Geralda República, como <strong>de</strong>termina o parágrafo único, verbis:Art. 48 - Incumbe ao Procurador-Geral da Repúblicapropor perante o Superior Tribunal <strong>de</strong>Justiça:I - a representação para intervenção fe<strong>de</strong>ral nosEstados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, no caso <strong>de</strong> recusa àexecução <strong>de</strong> lei;II - a ação penal, nos casos previstos no art. 105, I,“a”, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.Parágrafo único - A competência prevista nesteartigo po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>legada a Subprocurador-Geralda República. (Destacamos).A leitura <strong>de</strong>ssa regra não oferece dificulda<strong>de</strong>, mas o que mereceregistro é o que não está escrito. Consi<strong>de</strong>rando que a Lei apenasregulou que será <strong>de</strong>legada a função <strong>de</strong> órgão-agente, significa dizerque, como nada se referiu quanto à função <strong>de</strong> órgão-interveniente, éporque esta in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação, sendo recolhida da própria lei.Esse raciocínio foi reforçado pelo art. 66, § 1 o , senão vejamos:“Art. 66 - Os Subprocuradores-Gerais da Repúblicaserão <strong>de</strong>signados para oficiar junto ao Supr<strong>em</strong>oTribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,ao Tribunal Superior Eleitoral [...].§ 1 o No Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e no TribunalSuperior Eleitoral, os Subprocuradores-Gerais daRepública atuarão por <strong>de</strong>legação do Procurador-Geral da República”.Observe que o parágrafo não cont<strong>em</strong>pla o STJ, fazendo mençãotão-somente no caput. Todavia, a <strong>de</strong>legação para funcionar no STJ,como vimos, é para agir na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parte, órgão-agente, silenciandoa lei quando a situação reclamar intervenção do custos legis.Desse modo, afigura-se que a atuação como órgão-interveniente, noSTJ, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação do PGR aos Subprocuradores-Gerais,porque a legitimação <strong>de</strong>stes, <strong>de</strong>corre da própria Lei.


220Se isso é verda<strong>de</strong>iro, então, como resolver a aparente antinomiacom o artigo 61 do Regimento Interno do STJ?Art. 61. Perante o Tribunal, funciona o Procurador-Geral da República, ou o Subprocurador-Geral,mediante <strong>de</strong>legação do Procurador-Geral. (Onegrito é nosso).Da forma como está a redação, po<strong>de</strong>r-se-á inferir que tanto afunção <strong>de</strong> órgão-interveniente quanto a <strong>de</strong> órgão-agente do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> serão exercidas pelo PGR, po<strong>de</strong>ndo este <strong>de</strong>legá-las aosSubprocuradores-Gerais. No entanto, data venia, não é isso o quepreconiza a lei compl<strong>em</strong>entar, a qual se refere, apenas, à <strong>de</strong>legaçãoda primeira função, silenciando-se quanto à segunda.Por falar <strong>em</strong> Regimento Interno, o do Superior Tribunal <strong>de</strong>Justiça, aqui e acolá, regula a atuação ministerial, <strong>de</strong>ixando cristalinaa distinção entre as funções que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> executa. Oex<strong>em</strong>plo a seguir é do fiscal da lei.Art. 62. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral manifestarse-ánas oportunida<strong>de</strong>s previstas <strong>em</strong> lei e nesteRegulamento.Art. 64. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> terá vista dos autos 10 :Não há como confundir que nesses dispositivos, o Regimentoi<strong>de</strong>ntifica a atuação do custos legis, excetos os incisos VIII e IX <strong>de</strong>steúltimo dispositivo. Afigura-se correto dizer que, tanto neste comono diploma legal comentado <strong>em</strong> linhas pretéritas, o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Fe<strong>de</strong>ral estará funcionando perante os Tribunais Superiores,nos recursos do e contra o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual, como órgãointerveniente,daí porque nada impe<strong>de</strong> que este promova a <strong>de</strong>fesa10 Este artigo possui treze incisos e consagra que o MP terá vista dos autos, nas argüições<strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>; nos mandados <strong>de</strong> segurança, mandados <strong>de</strong> injunção, habeascorpus e habeas data, originários ou <strong>em</strong> grau <strong>de</strong> recurso; nas ações penais originárias e nasrevisões criminais; nos conflitos <strong>de</strong> competência e <strong>de</strong> atribuições; nas ações rescisórias eapelações cíveis; nos pedidos <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral; nas notícias crime; nos inquéritos<strong>de</strong> que possa resultar responsabilida<strong>de</strong> penal; nos recursos criminais; nas reclamaçõesque não houver formulado; nos outros processos <strong>em</strong> que a lei impuser a intervenção do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>; nos d<strong>em</strong>ais feitos quando, pela relevância da matéria, ele a requerer,ou for <strong>de</strong>terminado pelo relator.


oral, tendo <strong>em</strong> conta sua condição <strong>de</strong> órgão-agente.221Voltando ao RISTJ, proclama este nas sessões <strong>de</strong> julgamentoo seguinte:Art. 159. Não haverá sustentação oral no julgamento<strong>de</strong> agravo, <strong>em</strong>bargos <strong>de</strong>claratórios, argüição<strong>de</strong> suspeição e medida cautelar.§ 1 o Nos d<strong>em</strong>ais julgamentos, o Presi<strong>de</strong>nte da CorteEspecial, da Seção ou da Turma, feito o relatório,dará a palavra, sucessivamente, ao autor, recorrenteou impetrante, e ao réu, recorrido ou impetrado,para sustentação <strong>de</strong> suas alegações.§ 2 o Se o representante do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> estiveragindo como fiscal da lei, fará uso da palavraapós o recorrente e recorrido. (G.N).O Regimento não excepciona, <strong>em</strong> momento algum, a sustentaçãooral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> dos Estados. Fez b<strong>em</strong>, porque a <strong>de</strong>fesa ocorrerána condição <strong>de</strong> órgão-agente. O prazo <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>fesa não exce<strong>de</strong>ráquinze minutos, RISTJ, art. 160. A regra se refere, genericamente, arecorrente e recorrido, s<strong>em</strong> restringir o seu alcance. Desse modo,se o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual recorre ou é o recorrido, a normaregimental não lhe obsta sustentar oralmente sua tese ofensiva ou<strong>de</strong>fensiva.De outro lado, o Regimento Interno do Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ralreservou um título não ao <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> propriamente dito,mas à Procuradoria-Geral da República, como se esta fosse um órgãodistinto do Parquet. Contudo, quando se examinam os dispositivos,percebe-se que estão versando sobre as funções ministeriais.Atua como fiscal da lei quando:Art. 49. O Procurador-Geral manifestar-se-á nasoportunida<strong>de</strong>s previstas <strong>em</strong> lei e neste Regimento.Art. 50. S<strong>em</strong>pre que couber ao Procurador-Geralmanifestar-se, o Relator mandará abrir-lhe vistaantes <strong>de</strong> pedir dia para julgamento ou passar osautos ao Revisor.


222Art. 52. O Procurador-Geral terá vista dos autos 11 :XIV - nos outros processos <strong>em</strong> que a lei impusera intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.XV - nos d<strong>em</strong>ais processos quando pela relevânciada matéria, ele a requerer, ou for <strong>de</strong>terminado pelorelator, Turma ou Plenário.Pedimos vênia para uma breve digressão. Pois b<strong>em</strong>, atente-seque os três últimos comandos suso transcritos, parec<strong>em</strong> contradizerà Constituição Fe<strong>de</strong>ral e à própria Lei Compl<strong>em</strong>entar 75/93, quandosugere a condição: s<strong>em</strong>pre que couber; processos que a lei impuser aintervenção; d<strong>em</strong>ais processos quando pela relevância da matéria,<strong>de</strong>ixando no ar a seguinte indagação: po<strong>de</strong>rá haver processo quenão caiba a intervenção? Se a resposta for afirmativa, então comoconciliá-la com a parte final do imperativo extraído do § 1 o do artigo103 da Magna Carta, e art. 46, caput, da LC 75/93, que manda ouviro Procurador-Geral da República <strong>em</strong> todos os processos <strong>de</strong> competênciada Supr<strong>em</strong>a Corte?A propósito, <strong>em</strong>bora não seja objeto <strong>de</strong>ste ensaio, o art. 103, § 1 o , eart. 46, caput, LC 75/93, já reproduzidos, aparent<strong>em</strong>ente conflitam como caput do artigo 127 da mesma Carta Política, porque este comete aoParquet a tutela da ord<strong>em</strong> jurídica, do regime d<strong>em</strong>ocrático, dos interessessociais e individuais indisponíveis, enquanto aqueles reclamammanifestação <strong>em</strong> todos os processos. Se não excepciona, admite, comocorolário lógico, a intervenção <strong>em</strong> processos <strong>de</strong> matéria disponível.Forçoso é convir que, se é obrigatória a audiência do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> <strong>em</strong> todo e qualquer processo da competência do STF, verse11 O dispositivo possui quatorze incisos e informa que o Procurador-Geral (leia-se: MP)terá vista dos autos, nas representações e outras argüições <strong>de</strong> inconstitucionalida<strong>de</strong>;nas causas avocadas; nos processos oriundos <strong>de</strong> estados estrangeiros; nos litígios entreEstado estrangeiro e organismo internacional e a União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>rale os Territórios; nas ações penais originárias, nas ações cíveis originárias; nos conflitos<strong>de</strong> jurisdição ou competência e <strong>de</strong> atribuições; nos habeas corpus originários e nosrecursos <strong>de</strong> habeas corpus; nos mandados <strong>de</strong> segurança; nas revisões criminais e açõesrescisórias; nos pedidos <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral; nos inquéritos <strong>de</strong> que possa resultarresponsabilida<strong>de</strong> penal; nos recursos criminais; nos outros processos <strong>em</strong> que a lei impusera intervenção do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>; nos d<strong>em</strong>ais processos quando pela relevância damatéria, ele a requerer, ou for <strong>de</strong>terminado pelo relator, Turma ou Plenário.


223ou não sobre direito indisponível, a sua não-convocação, importaránulida<strong>de</strong> processual, CPC, art. 246.Com efeito, a Supr<strong>em</strong>a Corte, ao examinar os Embargos <strong>de</strong>Declaração <strong>em</strong> Agravo Regimental <strong>em</strong> Agravo <strong>de</strong> Instrumento n o158.725-1-MG, no qual foi questionado que o feito não havia sidor<strong>em</strong>etido ao PGR para a sua audição, o <strong>em</strong>bargante foi até irônicoao pedir que a Corte explicitasse acerca do dispositivo constitucionalque teria alterado o § 1 o , do art. 103 da CF. Essa, então, por meio dasua Segunda Turma, <strong>em</strong> aresto da lavra do Ministro Marco Aurélio,<strong>de</strong> 18/12/95, <strong>de</strong>liberou:PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA - AU-DIÇÃO. O preceito inserto no § 1 o do artigo 103 daConstituição Fe<strong>de</strong>ral há <strong>de</strong> merecer interpretaçãoteleológica. Visa ao conhecimento da matéria pelo<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, não implicando, necessariamente,seja-lhe enviado automaticamente todo equalquer processo. O pronunciamento do órgãopo<strong>de</strong> ocorrer na assentada <strong>em</strong> que apreciado orecurso. Prece<strong>de</strong>nte: recurso extraordinário n o177.132-2/RS, relatado pelo Ministro Carlos Vellosoperante o Pleno, <strong>em</strong> 24 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1995.O SFT nada disse sobre a natureza da matéria, objeto da dissidênciaentre os contendores, admitindo, assim, que, <strong>em</strong> todos osprocessos da sua competência, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da matéria, haveráaudiência prévia do Parquet. Isso só faz corroborar o raciocínio<strong>de</strong> que ao Regimento não cabe restringir, on<strong>de</strong> a CF ampliou.Feita a digressão, volt<strong>em</strong>os à análise do RISTF, que versa noTítulo III, acerca das Sessões <strong>de</strong> julgamento, merecendo <strong>de</strong>staque osartigos do 131 e 132.Art. 131. Nos julgamentos, o Presi<strong>de</strong>nte do Plenárioou da Turma, feito o relatório, dará a palavra,sucessivamente, ao autor, recorrente, peticionárioou impetrante, e ao réu, recorrido ou impetrado,para sustentação oral.§ 2 o Não haverá sustentação oral nos julgamentos


224<strong>de</strong> agravo, <strong>em</strong>bargos <strong>de</strong>claratórios, argüição <strong>de</strong>suspeição e medida cautelar. (Os <strong>de</strong>staques sãonossos).Art. 132. Cada uma das partes falará pelo t<strong>em</strong>pomáximo <strong>de</strong> quinze minutos [...]§ 1 o O Procurador-Geral terá prazo igual ao daspartes, falando <strong>em</strong> primeiro lugar se a União forautora ou recorrente.Também o RISTF, como é perceptível, não veda a <strong>de</strong>fesa oral do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual <strong>em</strong> recurso que este agitou ou respon<strong>de</strong>u.A audiência do PGR dar-se-á na condição meramente <strong>de</strong> fiscal da lei.Uma última palavra é preciso reservar ao artigo 68 da Lei Compl<strong>em</strong>entarn o 75/93, o qual está gizado nestes termos:Art. 68 - Os Procuradores Regionais da Repúblicaserão <strong>de</strong>signados para oficiar junto aos TribunaisRegionais Fe<strong>de</strong>rais.A referência à norma retro t<strong>em</strong> razão <strong>de</strong> ser, porque nos recursospropostos perante os citados Tribunais, o Procurador Regional da República,inexoravelmente, atuará como custos legis. Excepcionalmente,o Promotor <strong>de</strong> Justiça po<strong>de</strong>rá recorrer a esses Sodalícios ou rechaçarrecurso nos processos por tráfico internacional <strong>de</strong> entorpecente, quetramitam <strong>em</strong> Comarca que não é se<strong>de</strong> da Justiça Fe<strong>de</strong>ral. Por reserva<strong>de</strong> coerência lógica, também, <strong>de</strong>ve-se admitir a sustentação oral peloPromotor <strong>de</strong> Justiça no TRF, quando couber.2.4 A posição da Segunda Turma do STJNão é <strong>de</strong> hoje que vimos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo essa tese, <strong>de</strong>batendo-acom os colegas <strong>de</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> brasileiro.No final do primeiro s<strong>em</strong>estre do ano <strong>de</strong> 2.000, quando fiz<strong>em</strong>osuma visita ao brioso e respeitado <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> gaúcho,ali chegando, tiv<strong>em</strong>os a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer o Departamento<strong>de</strong> Recursos e Projetos Especiais, vinculado à Procuradoria-Geral


225<strong>de</strong> Justiça, ao qual, <strong>de</strong>ntre outras atribuições, competia o manejo <strong>de</strong>recursos excepcionais. Na época, coor<strong>de</strong>nado pelo brilhante e atenciosocolega Procurador <strong>de</strong> Justiça Ricardo <strong>de</strong> Oliveira Silva.Pois b<strong>em</strong>, o colóquio, como não podia ser diferente, acabou not<strong>em</strong>a: sustentação oral <strong>em</strong> recurso especial ou extraordinário peloParquet estadual nos Tribunais Superiores.O colega confi<strong>de</strong>nciou o inci<strong>de</strong>nte que protagonizou, quandose habilitou no STF para a <strong>de</strong>fesa oral <strong>de</strong> um recurso extraordináriointerposto pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> sul-rio-gran<strong>de</strong>nse. Dizia ele queo Procurador-Geral da República, presente na sessão <strong>de</strong> julgamento,insurgiu-se, dizendo que naquele Tribunal somente o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>ria atuar. No entanto, <strong>em</strong> resposta, o colegasustentou que o Procurador-Geral da República oficiava, naquelesautos, apenas como órgão-interveniente, e que estava ali na condição<strong>de</strong> órgão-agente, e, nesta, pretendia fazer a <strong>de</strong>fesa do recurso.Os Ministros findaram admitindo a legitimida<strong>de</strong> do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul para promover a sustentação oral,abrindo um importante prece<strong>de</strong>nte. Mais que <strong>de</strong>pressa, indagueiao colega se o inci<strong>de</strong>nte fora registrado <strong>em</strong> ata, o mesmo respon<strong>de</strong>unegativamente, asseverando o benefício da falta <strong>de</strong> registro, porquedisso resultaria a conclusão <strong>de</strong> que não houvera controvérsia sobrea questão. A princípio achei interessante seu raciocínio.T<strong>em</strong>pos mais tar<strong>de</strong>, numa viag<strong>em</strong> que fiz<strong>em</strong>os a Brasília,para acompanhar o julgamento <strong>de</strong> um Recurso Especial, tiv<strong>em</strong>os oprivilégio <strong>de</strong> conhecer o colega do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> São Paulo,o Procurador <strong>de</strong> Justiça Gabriel Bittencourt Perez, que fazia o acompanhamentodos recursos da Instituição, oportunida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que,novamente, colocamos <strong>em</strong> <strong>de</strong>bate a matéria. O colega adiantou quealgumas turmas do STJ e o próprio STF, não estavam admitindosustentação oral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual <strong>em</strong> recurso por esteagitado, sob o vetusto argumento <strong>de</strong> que, <strong>em</strong> ambos, só oficiava o<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral.Chegamos a propor que o t<strong>em</strong>a fosse discutido no ConselhoNacional <strong>de</strong> Procuradores-Gerais, tendo o colega José Eduardo SaboPaes, <strong>em</strong>inente Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do


226Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios, sinalizado com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazero seu encaminhamento e <strong>de</strong>fesa perante aquele colegiado, para quese firmasse uma posição, naquela se<strong>de</strong>, sobre a matéria.Finalmente, o t<strong>em</strong>po conspirou a nosso favor e chegou o momento<strong>de</strong> pacificar nosso espírito, submetendo a tese a um dos órgãosfracionários do STJ. Dessa feita, era preciso <strong>de</strong>ixar registrado <strong>em</strong> atao inci<strong>de</strong>nte. Dito e feito. O <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Acre interpôs oRecurso Especial n o 445.664, que tramita perante a Segunda Turmadaquele Sodalício, tendo como relator o nobre Ministro FranciscoPeçanha Martins, que foi levado a julgamento no dia 6 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong>2003. Por <strong>de</strong>legação do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, coube a mim ahonra <strong>de</strong> fazer a sustentação oral. Antes, porém, procuramos saberqual era a posição <strong>de</strong> cada Ministro da Colenda Segunda Turma,acerca da questão e, com exceção do Relator, com qu<strong>em</strong> não falamossobre o assunto, os d<strong>em</strong>ais, eram simpáticos à tese.Fomos para sessão <strong>de</strong> julgamento, aon<strong>de</strong> chegamos b<strong>em</strong> cedopara habilitarmos à sustentação oral. O recurso foi o segundo a serjulgado. A Ministra Eliana Calmon, digníssima Presi<strong>de</strong>nte da Turma,li<strong>de</strong>rou a votação da preliminar, admitindo a <strong>de</strong>fesa oral, recebendo oapoio dos seus pares. Com isso, por unanimida<strong>de</strong>, a Segunda Turmado STJ admitiu a sustentação oral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Acre, <strong>em</strong>certidão vazada nos seguintes termos:A Turma, preliminarmente, <strong>de</strong>cidiu, por unanimida<strong>de</strong>,pela sustentação oral do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>Estadual, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parte; e, no mérito, apóso voto do Sr. Ministro-Relator, não conhecendodo recurso, <strong>de</strong>le divergiu a Sr a Ministra ElianaCalmon, conhecendo do recurso e lhe dando provimento,no que foi acompanhada pelo Sr. MinistroFranciulli Netto. Pediu vista dos autos Sr. MinistroJoão Otávio <strong>de</strong> Noronha.Agora há um prece<strong>de</strong>nte formalmente reconhecido. Antes <strong>de</strong>ssetrabalho, nós já havíamos alinhavado o pensamento, por meio <strong>de</strong> umartigo que n<strong>em</strong> foi concluído, e agora, com a <strong>de</strong>cisão, sentimo-nosfortalecidos para levar adiante o propósito <strong>de</strong> submetê-lo aos colegasdo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> brasileiro, não com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer


227verda<strong>de</strong>s absolutas, mas sim, contribuir, <strong>de</strong> alguma forma, para o<strong>de</strong>bate e reflexão sobre o assunto.2.5 A ciência da Sessão <strong>de</strong> JulgamentoPara arr<strong>em</strong>atar, falta dizer como o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, por meiodo Promotor ou Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça será cientificado daSessão <strong>de</strong> Julgamento, que, por certo, não será pelo modo estampadono art. 552 do CPC.De lege ferenda, um e outro po<strong>de</strong>rão ser intimados via correioeletrônico, mediante aviso <strong>de</strong> confirmação ou carta registrada comAR, que, diante da peculiarida<strong>de</strong>, importará exceção à regra do artigo236, § 2 o , do CPC e artigo 41, IV, da Lei n o 8.625/93.Enquanto não houver lei regulando a questão, tanto o Promotorquanto o Procurador-Geral ou seu <strong>de</strong>legado po<strong>de</strong>rão comparecer àSessão, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> intimação formal, e, nesta, habilitar<strong>em</strong>-seà <strong>de</strong>fesa oral.3 Conclusões3.1 O Promotor <strong>de</strong> Justiça que inaugurar a instância recursalou respon<strong>de</strong>r recurso po<strong>de</strong>rá fazer a sustentação oral no segundograu, quando couber, por ocasião do seu julgamento, na qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> órgão-agente, enquanto o Procurador <strong>de</strong> Justiça funcionará comoórgão-interveniente, vale dizer, fiscal da lei.3.2 O Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, ou o m<strong>em</strong>bro <strong>de</strong>legado, t<strong>em</strong>legitimida<strong>de</strong> para promover a sustentação oral, quando couber, nojulgamento dos recursos que o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual manejarou respon<strong>de</strong>r perante o Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e Superior Tribunal<strong>de</strong> Justiça, na condição <strong>de</strong> órgão-agente, enquanto o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> Fe<strong>de</strong>ral, por meio do Procurador-Geral ou Subprocuradores-Gerais da República, agirá como fiscal da lei.3.3 Tanto o Promotor quanto o Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça,


228que recorrer<strong>em</strong> das <strong>de</strong>cisões do juízo a quo, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> custoslegis ou <strong>de</strong> parte, ou, na hipótese <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r<strong>em</strong> recurso, a sustentaçãooral, no juízo ad qu<strong>em</strong>, dar-se-á na condição <strong>de</strong> órgão-agente,enquanto o Procurador <strong>de</strong> Justiça e PGR, ou seu <strong>de</strong>legado, respectivamente,oficiarão, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgão-interveniente.3.4 A sustentação oral, nos recursos iniciados pelo ou contra o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, por intermédio do Promotor ou Procurador-Geral <strong>de</strong>Justiça, não representa, n<strong>em</strong> se confun<strong>de</strong> com postulação no tribunal,importando, ao reverso, exaurimento da postulação ao tribunal.


229Assunto especial: peças processuaisMandado <strong>de</strong> Segurança Preventivo contra atopraticado pelo Diretor-Geral da Polícia Civil<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>de</strong> GoiásExm o(a) Sr (a) . Dr (a) . Juiz(a) <strong>de</strong> Direito da ____ Vara da FazendaPública Estadual da Comarca <strong>de</strong> GoiâniaO <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> Goiás, por seu ProcuradorGeral <strong>de</strong> Justiça, pelos Coor<strong>de</strong>nadores dos Centros <strong>de</strong> ApoioOperacional Criminal e do Controle Externo da Ativida<strong>de</strong> Policial,com domicílio à Rua 23, esquina com Av. B, Q. A-67, Lts. 15/24,Sala 224-B, 2 o Andar, Edifício Se<strong>de</strong> do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual,Jardim Goiás, Goiânia–GO, CEP 74.805-100 - Telefax (62) 243-8000,v<strong>em</strong>, perante este douto juízo, impetrar o presente MANDADO DESEGURANÇA PREVENTIVO contra ato abusivo e ilegal praticadopelo Sr. Humberto <strong>de</strong> Jesus Teixeira, brasileiro, casado, Delegado <strong>de</strong>Polícia, Diretor Geral da Polícia Civil do Estado <strong>de</strong> Goiás e Conselheiro-Presi<strong>de</strong>ntedo Conselho Superior da Polícia Civil do Estado<strong>de</strong> Goiás, domiciliado necessariamente à Av. Anhanguera n o 7.364- Setor Aeroviário, nesta Capital (art. 76 do Código Civil), ante osfatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.Atuação – Revista Jurídica do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Catarinensev. 3, n. 6, maio/ago. 2005 – Florianópolis – pp 229 a 244


230DOS FATOS E DO DIREITO1. No dia 19.05.2005 foi publicado no Diário Oficial do Estado<strong>de</strong> Goiás n o 19.645 a Resolução n o 01/2005 do Conselho Superior daPolícia Civil do Estado <strong>de</strong> Goiás (CSPC-GO), que limita a atuaçãodo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual na sua ativida<strong>de</strong> do Controle Externoda Ativida<strong>de</strong> Policial, impondo medidas normativas restritasalheias às atribuições do dito conselho, as quais, então, pa<strong>de</strong>c<strong>em</strong> <strong>de</strong>ilegalida<strong>de</strong> por ferir<strong>em</strong> frontalmente dispositivos legais inerentes àin<strong>de</strong>pendência funcional do órgão do ministerial.1.1 A in<strong>de</strong>pendência funcional do Representante do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, além <strong>de</strong> elencada na Constituição da República, está reiteradana Lei Fe<strong>de</strong>ral n o 8.625/93 - LEI ORGÂNICA NACIONAL DOMINISTÉRIO PÚBLICO, que dispõe:Art. 1 o - ......................... omissis .............................Parágrafo único - São princípios institucionais do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> a unida<strong>de</strong>, a indivisibilida<strong>de</strong>e a in<strong>de</strong>pendência funcional.1.2 Como será observado no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>ste writ, a Resolução<strong>em</strong>anada do CSPC-GO afronta esta in<strong>de</strong>pendência <strong>em</strong> lei estabelecida,quanto mais não t<strong>em</strong> aquele órgão <strong>de</strong>liberativo atribuições pararegular atuação funcional que não do organismo policial civil, tantoé que o Decreto Estadual n o 6.077, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2005, assimregula a competência do Conselho:Art.1 o - O Conselho Superior da Polícia Civil doEstado <strong>de</strong> Goiás, órgão colegiado consultivo, normativoe <strong>de</strong>liberativo da Diretoria-Geral da PolíciaCivil do Estado <strong>de</strong> Goiás, t<strong>em</strong> por finalida<strong>de</strong>:I - velar pela perfeita exação e eficiência dosserviços da Diretoria-Geral da Polícia Civil e <strong>de</strong>seus integrantes; (grifos nossos)1.2.1 Foi exatamente nesse dispositivo que os Conselheiros doCSPC-GO sustentaram a <strong>em</strong>issão da resolução aqui atacada, comopo<strong>de</strong> se constatar do primeiro parágrafo da Resolução n o 01/2005-CSPC-GO - documento IV.1.3 Denota-se, pois, que ao regular a atuação do <strong>Ministério</strong> Pú-


231blico tanto nas investigações quanto no controle externo da ativida<strong>de</strong>policial, o CSPC-GO suplantou as atribuições que lhe foram <strong>de</strong>feridaspela legislação, e mais que isto, através <strong>de</strong> uma resolução preten<strong>de</strong>vergar o princípio da legalida<strong>de</strong>, vez que o direito do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> controlar a ativida<strong>de</strong> fim dos organismos policiais <strong>de</strong>corre<strong>de</strong> fixação <strong>em</strong> lei compl<strong>em</strong>entar. Ad<strong>em</strong>ais, a regulamentação dainvestigação pelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> t<strong>em</strong> sustentação <strong>em</strong> ato internacorporis, que como ver<strong>em</strong>os a seguir não teve sua valida<strong>de</strong>e eficácia suspensas pelo Excelso Pretório, até mesmo por que nãotrata <strong>de</strong>ste direito <strong>em</strong> si, e sim da sua forma <strong>de</strong> exercício.1.4 Há que ser observado atentamente que <strong>de</strong> acordo com as normaspróprias do Direito Administrativo, RESOLUÇÃO se trata <strong>de</strong> espécie<strong>de</strong>stinada tão somente a regulamentar matéria atinente ao próprioórgão que a <strong>em</strong>ite, conforme lições doutrinárias abaixo acostadas:“De acordo com essa norma, a diferença entre osvários tipos <strong>de</strong> atos está apenas na autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>que <strong>em</strong>anam, po<strong>de</strong>ndo uns e outros ter conteúdoindividual (punição, concessão <strong>de</strong> férias, dispensas),ou geral, neste último caso contendo normas<strong>em</strong>anadas <strong>em</strong> matérias <strong>de</strong> competência <strong>de</strong> cadauma das referidas autorida<strong>de</strong>s.” 1 (grifos nossos)“É a fórmula <strong>de</strong> que se val<strong>em</strong> os órgãos colegiadospara manifestar suas <strong>de</strong>liberações <strong>em</strong> assuntosda respectiva competência ou para dispor sobreseu próprio funcionamento”. 2Dos ensinamentos supra conclui-se que o CSCP-GO ultrapassouos limites da sua competência ao regulamentar atribuições exclusivasdo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.2. Infere-se do texto da Resolução combatida que o CSPC-GO– documento IV - pasme-se, que ela ‘proíbe o atendimento a requisiçãoe solicitação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> que se fulcre na Resoluçãon o 04/2005 do Colégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça’.2.1. Como po<strong>de</strong>rá ser verificado por este ilustrado juízo na1 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, 13. Ed. , Editora Atlas, p. 215.2 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 7. Ed., Editora Saraiva, p. 85.


232Resolução n o 004/2005-MPGO - documento V - esse ato buscou tãosomente impor medidas <strong>de</strong> cunho procedimental e discriminar oscasos <strong>em</strong> que a investigação será feita diretamente pelo <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>, ressalvando também as atribuições <strong>de</strong> outros órgãos investigativos,senão vejamos a transcrição abaixo:Art. 1 o . O Promotor ou Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiçaconduzirá as investigações <strong>de</strong> infrações penais<strong>de</strong> ação pública nas seguintes hipóteses:I - Julgar necessários maiores esclarecimentos edocumentos compl<strong>em</strong>entares ou novos el<strong>em</strong>entos<strong>de</strong> convicção não constantes das peças <strong>de</strong> informaçãoou do inquérito policial (art. 47 do CPP);II - Nos casos <strong>em</strong> que a gravida<strong>de</strong> da infração eas circunstâncias assim indicar<strong>em</strong>.Parágrafo único. A investigação conduzida por promotorou procurador-geral <strong>de</strong> justiça não exclui apossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formalização por outros órgãos daadministração Pública e não constitui pressupostopara o ajuizamento da ação penal. (grifos nossos)2.2 Ad<strong>em</strong>ais e incisivamente, o direito <strong>de</strong> requisição pelo <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> <strong>de</strong> documentos, diligências, instauração <strong>de</strong> procedimentos,exames, perícia, <strong>de</strong>ntre outros, não <strong>de</strong>corre da Resoluçãon o 004/2005-MPGO, que como supra expend<strong>em</strong>os visa regular procedimentointerno da Instituição, e sim <strong>de</strong> Leis Fe<strong>de</strong>rais e Estaduaisespecíficas a cada caso, conforme colações abaixo:LEI ORGÂNICA NACIONAL – LEI 8.625/93Art. 26. No exercício <strong>de</strong> suas funções, o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> po<strong>de</strong>rá:I - ............................. omissis .................................b) requisitar informações, exames periciais edocumentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais, estaduaise municipais, b<strong>em</strong> como dos órgãos e entida<strong>de</strong>sda administração direta, indireta ou fundacional,<strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados,do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios;


233c) promover inspeções e diligências investigatóriasjunto às autorida<strong>de</strong>s, órgãos e entida<strong>de</strong>s aque se refere a alínea anterior;II - requisitar informações e documentos a entida<strong>de</strong>sprivadas, para instruir procedimentos ouprocesso <strong>em</strong> que oficie;......................... omissis ............................V - praticar atos administrativos executórios, <strong>de</strong>caráter preparatório;LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N o 025/1998Art. 47 - No exercício <strong>de</strong> suas funções, o <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> po<strong>de</strong>rá:I - ............................. omissis .................................b) requisitar informações, exames periciais, certidõese outros documentos <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais,estaduais e municipais, b<strong>em</strong> como dos órgãos eentida<strong>de</strong>s da administração direta, indireta ou fundacional,<strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dosEstados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios;c) promover inspeções e diligências investigatórias;......................... omissis ............................II - requisitar informações e documentos a entida<strong>de</strong>sprivadas, para instruir procedimentos ouprocessos <strong>em</strong> que oficie;......................... omissis ............................VIII - requisitar meios materiais e servidorespúblicos, por prazo não superior a 90 (noventa)dias, para o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s técnicas ouespecializadas, nos procedimentos administrativosafetos à sua área <strong>de</strong> atuação;2.3 Do confronto entre a Resolução n o 001/2005-CSPC-GO e asdisposições legislativas supra elencadas, nota-se que o órgão superior


234do organismo da polícia judiciária estadual quer fazer cair por terrao princípio constitucional da legalida<strong>de</strong>, tanto ao violar lei fe<strong>de</strong>ral eestadual <strong>em</strong> plena vigência, o que é típico tão somente dos regimesditatoriais, o qual nossa Nação conseguiu abolir, a muito custo e luta,inclusive do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, há mais <strong>de</strong> duas décadas.3. De bom alvitre neste tópico registrar que esta última resoluçãonasceu <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação do Conselho Nacional dos Procuradores Gerais<strong>de</strong> Justiça dos <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>s do Brasil, e foi elaborada e aprovadapor unanimida<strong>de</strong> pelo Colégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> Goiás - documento V. Frisamos, todavia, que o atoobjetivou a regulamentação das investigações somente no âmbito doórgão fiscal da ord<strong>em</strong> jurídica, e, <strong>em</strong> nenhum momento, trata <strong>de</strong> qualqueratribuição da Polícia Civil, e n<strong>em</strong> <strong>de</strong> qualquer outra instituiçãoligada ao Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Segurança Pública e Justiça, <strong>de</strong> forma a se a<strong>de</strong>quarperfeitamente ao objeto <strong>de</strong>sta espécie <strong>de</strong> ato administrativo.4. Inobstante, a Associação Nacional dos Delegados <strong>de</strong> Políciaingressou com Ação Direta <strong>de</strong> Inconstitucionalida<strong>de</strong> (ADI) perante oSupr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, isto no dia 11.05.2005, tendo sido <strong>de</strong>signadoRelator o Exm o Sr. Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, que não <strong>de</strong>feriu a liminarpleiteada pela mencionada associação classista, como se vê do extrato<strong>de</strong> acompanhamento processual <strong>em</strong> anexo - documento VI.4.1. Ora, não tendo sido <strong>de</strong>ferida pelo Supr<strong>em</strong>o Tribunal Fe<strong>de</strong>ralliminar suspen<strong>de</strong>ndo os efeitos da Resolução n o 04/2005 do EgrégioColégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> Goiás é certo queessa permanece <strong>em</strong> plena vigência e surtindo a <strong>de</strong>vida eficácia.4.2. Apesar da clareza solar <strong>de</strong> tal regra, v<strong>em</strong> o Conselho Superiorda Polícia Civil, e, arvorando-se <strong>de</strong> todo o “po<strong>de</strong>r” <strong>de</strong> regulamentaçãono Estado possível, <strong>de</strong>termina:Art. 3 o Fica suspensa a inspeção ou vistoria realizadapelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> <strong>em</strong> Delegacias <strong>de</strong>Polícia ou outras repartições da Polícia Civil doEstado <strong>de</strong> Goiás, exceto aquelas procedidas <strong>em</strong>celas e carceragens porventura existentes nessasunida<strong>de</strong>s policiais.4.3. Via <strong>de</strong>ste dispositivo preten<strong>de</strong> o CSPC-GO vetar a possibilida<strong>de</strong>legal do exercício do controle externo da ativida<strong>de</strong> policial pelo


235<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, prerrogativa <strong>em</strong> lei assegurada, <strong>de</strong> modo que aqueleórgão <strong>de</strong>liberativo agiu <strong>em</strong> flagrante ilegalida<strong>de</strong> e abusivida<strong>de</strong>.4.4. Nessa especificida<strong>de</strong> impen<strong>de</strong> esclarecer inicialmente que aConstituição da República <strong>de</strong>terminou <strong>em</strong> seu art. 129, inciso VII, que ocontrole externo da ativida<strong>de</strong> policial, na forma da lei compl<strong>em</strong>entarmencionada no artigo anterior àquele, que se trata do § 5 o do art. 128da CF e a r<strong>em</strong>essa às leis compl<strong>em</strong>entares organizacionais, que nosEstados é <strong>de</strong> iniciativa privativa dos respectivos Procuradores-Gerais,as quais estabelec<strong>em</strong> as atribuições <strong>de</strong> cada <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.4.5. No Estado <strong>de</strong> Goiás trata-se da Lei Compl<strong>em</strong>entar n o25/1998, que dispõe:Art. 49 - O controle externo da ativida<strong>de</strong> policialserá exercido por meio <strong>de</strong> medidas judiciais eextrajudiciais, po<strong>de</strong>ndo o m<strong>em</strong>bro do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong>:I - ter livre ingresso <strong>em</strong> estabelecimentos policiaisou prisionais, civis e militares;II - ter acesso a quaisquer documentos relativosà ativida<strong>de</strong> fim policial;III - representar à autorida<strong>de</strong> competente pelaadoção <strong>de</strong> providências para sanar a omissãoin<strong>de</strong>vida, ou prevenir ou corrigir ilegalida<strong>de</strong> ouabuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r;.................... omissis ...................... (grifos nossos)4.6. Prosseguindo a mesma legislação elaborada com base nosprincípios constitucionais <strong>de</strong>correntes do controle externo da ativida<strong>de</strong>policial, dispôs:Art. 87 - Constitu<strong>em</strong> prerrogativas dos m<strong>em</strong>brosdo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, no exercício da função:........................ omissis ............................VI - ingressar e transitar livr<strong>em</strong>ente:........................ omissis ............................c) <strong>em</strong> qualquer edifício ou recinto <strong>em</strong> que funcio-


236ne repartição judicial, policial ou estabelecimento<strong>de</strong> internação coletiva on<strong>de</strong> <strong>de</strong>va praticar ato, colherprova ou informação útil ao <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penho <strong>de</strong>suas funções, inclusive, quando indispensável,fora do expediente regulamentar, requisitando,nesse caso, a presença <strong>de</strong> funcionário;d) <strong>em</strong> qualquer recinto público ou privado, ressalvadaa garantia constitucional <strong>de</strong> inviolabilida<strong>de</strong><strong>de</strong> domicílio......................... omissis ............................XI - examinar, <strong>em</strong> qualquer repartição policial, autos<strong>de</strong> prisão <strong>em</strong> flagrante ou inquérito, findos ou<strong>em</strong> andamento, ainda que conclusos à autorida<strong>de</strong>,po<strong>de</strong>ndo copiar peças e tomar apontamentos;XII - ter acesso ao réu ou indiciado preso, a qualquermomento, mesmo quando <strong>de</strong>cretada a incomunicabilida<strong>de</strong>;(grifos nossos)4.7. Veja Ex a que a legislação específica não impôs o acesso somentea celas e carceragens, mas sim à repartição policial como umtodo e suas atribuições referentes à ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> polícia judiciária,b<strong>em</strong> como na <strong>de</strong>fesa dos direitos individuais indisponíveis, muitoalém, é claro, da mera parte prisional das Delegacias <strong>de</strong> Polícia,don<strong>de</strong> se comprova outra flagrante ilegalida<strong>de</strong> da ato normativoexpedido pelo CSPC-GO.5. Em última teratologia jurídica, o Conselho Superior da PolíciaCivil, no art. 6 o da Resolução n o 001/2005-CSPC-GO, se auto instituiu‘corte administrativa’ para dirimir conflitos dos atos executivos entr<strong>em</strong><strong>em</strong>bros do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> do Estado <strong>de</strong> Goiás e Delegados<strong>de</strong> Polícia, novamente <strong>em</strong> clara afronta à autonomia funcional daInstituição Ministerial.6. Do exposto, é <strong>de</strong> se concluir também pelo alcance concretoe não abstrato da Resolução n o 001/2005-CSPC-GO.7. Por fim, verifica-se que o CSPC-GO, ao arvorar-se do “po<strong>de</strong>rregulamentador”, <strong>de</strong>u interpretação enviesada ao sobrepor as normasresolutivas às disposições constitucionais e legislativas compl<strong>em</strong>en-


237tares, <strong>em</strong> clara retaliação à <strong>de</strong>scrição do procedimento investigatóriono âmbito do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>.7.1. No documento VII a este incluso, que se trata do Ofícion o 294/2005-DGPC, o Diretor Geral da Polícia Civil do Estado <strong>de</strong>Goiás ao encaminhar a resolução ora tacada à Procuradoria Geral<strong>de</strong> Justiça, afirma ipsis verbis: “Esclareço-lhe, por oportuno, que asvedações ali contidas terão vigência até que o Supr<strong>em</strong>o TribunalFe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cida se o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> t<strong>em</strong> ou não atribuição parapromover diretamente a investigação criminal”.7.1.1. Como d<strong>em</strong>onstrado <strong>em</strong> linhas volvidas, especificamenteatravés do documento VI, o Excelso Pretório não <strong>de</strong>feriu liminar naADI 3494-4, que t<strong>em</strong> como objeto a Resolução n o 004/2005 do Colégio<strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual. Invertendoo papel e competência dos órgão públicos na ord<strong>em</strong> nacional, resolveuo Conselho Superior da Polícia Civil <strong>de</strong>terminar a suspensão (sic).7.2. Nesse tópico vale registrar que no último dia nove (09/06)o Órgão Especial do Egrégio Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> Goiásjulgou improce<strong>de</strong>nte Ação Direta <strong>de</strong> Inconstitucionalida<strong>de</strong> que questionavaato da Procuradoria Geral <strong>de</strong> Justiça que criou o Grupo <strong>de</strong>Combate ao Crime Organizado - GRC - Processo n o 200.202.184.632.DA COMPETÊNCIA DESTE ILUSTRADO JUÍZOConsoante dispõe o art. 125, § 1 o , da Constituição da República,somente compete aos Tribunais <strong>de</strong> Justiça dos Estados o julgamentodas causas especificadas nas Constituições Estaduais.Nesta Unida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>rada a previsão está contida no art. 46, incisoVIII, e quanto ao Mandado <strong>de</strong> Segurança na alínea ‘g’ do dispositivo mencionado,que estabelece ao E. TJGO a competência para processar e julgaro “o mandado <strong>de</strong> segurança e o “habeas-data” contra atos do Governador, daMesa da Ass<strong>em</strong>bléia, do Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado, do Tribunal <strong>de</strong> Contasdos Municípios, do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça do Estado, do Procurador-Geral do Estado, do Procurador-Geral <strong>de</strong> Contas, do Comandante-Geral daPolícia Militar, do Comandante-Geral do Corpo <strong>de</strong> Bombeiros Militar, dotitular da Defensoria Pública e do próprio Tribunal <strong>de</strong> Justiça”.


238Não se inclui na previsão constitucional estadual o Diretor-Geralda Polícia Civil, <strong>de</strong> sorte que a esta autorida<strong>de</strong> se aplica as disposições daLei n o 9.129, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1981, com suas alterações posteriores,qual seja o CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADODE GOIÁS, que estabelece as competência dos Juizes <strong>de</strong> Direito:Art. 30 - Compete ao Juiz <strong>de</strong> Direito:I - Na Vara da Fazenda Pública Estadual:.a) processar e julgar:........................ omissis ............................2 - os mandados <strong>de</strong> segurança contra atos das autorida<strong>de</strong>sestaduais, inclusive os administradorese representantes <strong>de</strong> autarquias e pessoas naturaisou jurídicas com função <strong>de</strong>legada do po<strong>de</strong>r públicoestadual, somente no que enten<strong>de</strong>r com essafunção, ressalvados os mandados <strong>de</strong> segurançasujeitos à jurisdição do Tribunal;É certo, pois, a competência <strong>de</strong>ste juízo para processar e julgaro presente feito.DA NECESSIDADE DE DEFERIMENTO LIMINAR DASEGURANÇAVisando obter este instrumento importantíssimo <strong>de</strong> tutelaimediata ao direito líquido e certo do impetrante, <strong>em</strong> face da possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> superveniência <strong>de</strong> dano irreparável à própria socieda<strong>de</strong>nos procedimentos investigatórios já instaurados e na fiscalizaçãodos estabelecimentos policiais e prisionais, d<strong>em</strong>onstra-se nas linhasseguintes a presença indiscutível dos requisitos processuais do fumusboni juris e periculum in mora. Aliás, este é o ensinamento dosaudoso mestre Hely Lopes Meirelles:“Para a concessão da liminar <strong>de</strong>v<strong>em</strong> concorrer osdois requisitos legais, ou seja, a relevância dosmotivos <strong>em</strong> que se assenta o pedido na inicial e apossibilida<strong>de</strong> da ocorrência <strong>de</strong> lesão irreparávelao direito do impetrante se vier a ser reconhecido


239na <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito - fumus boni iuris e periculumin mora.” (Hely Lopes Meirelles; Mandado<strong>de</strong> Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública;Malheiros Editores, 14 a edição) - (grifos nossos).D<strong>em</strong>onstrados todos os vícios <strong>de</strong> competência, elaboração e alcanceda Resolução n o 01/2005-CSPC-GO, incumbe <strong>de</strong>screver que asegurança preventiva advém da iminente prática <strong>de</strong> atos por parte dosDelegados <strong>de</strong> Polícia que <strong>de</strong>limit<strong>em</strong> a atuação do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong><strong>em</strong> investigações nos casos <strong>de</strong>scritos na Resolução n o 004/2005-CSMP,vez que como frisado <strong>em</strong> linhas volvidas as requisições <strong>de</strong> documentos,diligências e perícias <strong>de</strong>corre da legislação aplicável ao órgão ministeriale não por “autorização” do Conselho Superior da Polícia Civil.Ainda, estando o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial regulamentadonaquelas leis, <strong>de</strong>terminou a Corregedoria Geral do <strong>Ministério</strong><strong>Público</strong> visitas mensais, ao menos <strong>em</strong> uma oportunida<strong>de</strong>, a todas asrepartições policiais e prisionais do Estado <strong>de</strong> Goiás, não po<strong>de</strong>ndo oconselho <strong>de</strong>liberativo <strong>de</strong> questões internas da Polícia Civil “suspen<strong>de</strong>r”dita atuação ministerial fulcrada na lei compl<strong>em</strong>entar da instituição.Em se consi<strong>de</strong>rando que o fumus boni iuris envolve a possibilida<strong>de</strong>fundada <strong>de</strong> que o direito líquido e certo pleiteado pelo impetrantepossa ser amparado pelo or<strong>de</strong>namento jurídico pátrio, constata-seestar por d<strong>em</strong>ais comprovada sua incidência no caso sub examen,no qual encontra-se consubstanciado a aberrante inobservância <strong>de</strong>regras <strong>de</strong> atuação administrativa pelo Conselho Superior da PolíciaCivil do Estado <strong>de</strong> Goiás.O periculum in mora está exposto pelas espécies <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminaçõesrepassadas aos Delegados <strong>de</strong> Polícia do Estado <strong>de</strong> Goiásatravés do equivocado instrumento resolutivo, b<strong>em</strong> como da colocaçãodos interesses difusos e individuais indisponíveis dos cidadãos,mormente quanto ao da fiscalização das ativida<strong>de</strong>s policiaise da obrigatorieda<strong>de</strong> da ação penal pública <strong>em</strong> favor da socieda<strong>de</strong>sofrer<strong>em</strong> grave ameaça <strong>de</strong> não mais estar<strong>em</strong> sob efetivo controle doórgão pela Constituição da República e leis <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes paraeste mister, ainda mais porque a Lei Compl<strong>em</strong>entar n o 025/1998, noTítulo II, Capítulo I, aos tratar dos DEVERES DOS MEMBROS DOMINISTÉRIO PÚBLICO, IMPÔS:Art. 91 - São <strong>de</strong>veres do m<strong>em</strong>bro do <strong>Ministério</strong>


240<strong>Público</strong>, além <strong>de</strong> outros previstos <strong>em</strong> lei:I - <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar, com in<strong>de</strong>pendência, zelo, presteza,serenida<strong>de</strong> e exatidão suas funções, exercendocom probida<strong>de</strong> as atribuições previstas na Constituiçãoda República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil e nalegislação infraconstitucional;......................... omissis ............................XXVIII - encaminhar, mensalmente, até o dia <strong>de</strong>zdo mês subseqüente, Relatório Estatístico <strong>de</strong> seustrabalhos, Relatório <strong>de</strong> Visita e Inspeção à Delegacia<strong>de</strong> Polícia, à Ca<strong>de</strong>ia Pública, unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Polícia Militar e Relatório <strong>de</strong> Visita e Inspeção aosestabelecimentos que abrigu<strong>em</strong> idosos, incapazes,<strong>de</strong>ficientes ou crianças e adolescentes, esten<strong>de</strong>ndo-seeste prazo até o dia vinte nas hipóteses <strong>de</strong>acumulação e <strong>de</strong> plantão forense;Do exposto, requer <strong>de</strong>ste nobre juízo o <strong>de</strong>ferimento liminar dasuspensão da eficácia da Resolução n o 001/2005-CSPC-GO, por nãoestar o ato administrativo alicerçado <strong>em</strong> pr<strong>em</strong>issa legal; por ausência<strong>de</strong> competência normativa daquele colegiado para regulamentar ação<strong>de</strong> outra instituição, no caso o <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong> Estadual; e, porferir o ato atacado prerrogativas e múnus <strong>de</strong> atuação dos m<strong>em</strong>brosdo órgão impetrante <strong>em</strong> lei fixadas.DA TUTELA INIBITÓRIA EXECUTIVAA necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exposição <strong>de</strong>talhada <strong>de</strong>ste tópico surge nãosó do pleito <strong>de</strong>duzido no it<strong>em</strong> ‘c’, mas da própria natureza do mandado<strong>de</strong> segurança e a efetivida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão judicial.Na obra Manual do Processo <strong>de</strong> Conhecimento, 2 a edição revistae ampliada, Editora Revista dos Tribunais, p. 482/3, Luiz GuilhermeMarinoni e Sérgio Cruz Arenhart, prelecionam:“É possível admitir, <strong>em</strong> <strong>de</strong>terminados casos, o<strong>em</strong>prego <strong>de</strong> meios <strong>de</strong> execução direta para evitar aprática, a repetição e a continuação do ilícito.


241Com efeito, há meios que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente davonta<strong>de</strong> do réu (e portanto in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente<strong>de</strong> a multa ter ou não convencido o d<strong>em</strong>andado),pod<strong>em</strong> evitar a prática, a repetição do ilícito, ousua continuação. ...Isso não quer, entretanto, que não seja legítima,quando necessária, a intervenção judicial na formaexecutiva, ... in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da vonta<strong>de</strong> daqueleque po<strong>de</strong> praticá-lo.”A tutela inibitória ‘executiva’, assim como a tutelainibitória ‘mandamental’, configura tutela genuinamentepreventiva. A diferença é que esta últimaatua mediante a coerção indireta, e assim visaconvencer o d<strong>em</strong>andado, ao passo que a primeiraatua através <strong>de</strong> meios executivos que não levam <strong>em</strong>consi<strong>de</strong>ração a vonta<strong>de</strong> do réu”. (grifos nossos)No mesmo sentido é a lição doutrinária <strong>de</strong> Fernão Borba Franco,Mestre <strong>em</strong> Direito Processual Civil e Juiz <strong>de</strong> Direito no Estado <strong>de</strong>São Paulo, in, Aspectos Polêmicos e Atuais do Mandado <strong>de</strong> Segurança- 51 <strong>de</strong>pois - Editora Revista dos Tribunais, p. 354/6, conformecolação abaixo:“O mandado <strong>de</strong> segurança é instrumento processual<strong>de</strong>stinado à rápida e eficaz corrigenda doPo<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>. ......clara a natureza mista do mandado se segurança,um instrumento jurídico (jurisdicional) para a<strong>de</strong>fesa contra atos do Estado; como essa <strong>de</strong>fesa,para possuir eficácia, <strong>de</strong>ve pressupor o mesmopo<strong>de</strong>rio utilizado pelo Estado, é natural que osatos jurisdicionais do mandado <strong>de</strong> segurançatenham características s<strong>em</strong>elhantes às dos atosadministrativos contra que se volvam.Daí os caracteres únicos <strong>de</strong> que se revest<strong>em</strong> asexecuções da liminar e da sentença no mandado<strong>de</strong> segurança, ...Antes, contudo, necessário observar que outra das


242marcantes peculiarida<strong>de</strong>s do mandado <strong>de</strong> segurançaé a presença , no polo passivo, da autorida<strong>de</strong>responsável pelo ato ou omissão que se diz ilegal,e não da pessoa jurídica <strong>de</strong> que é representanteesta autorida<strong>de</strong> ...Isso porque, apesar <strong>de</strong> ser parte a pessoa jurídicarepresentada pela autorida<strong>de</strong> coatora, o mandado<strong>de</strong> segurança é processo sumário, <strong>de</strong> forma que esseproce<strong>de</strong>r possibilita tanto a apresentação <strong>de</strong> informaçõesseguras <strong>em</strong> prazo relativamente reduzidocomo também o cumprimento da ord<strong>em</strong> judicials<strong>em</strong> <strong>de</strong>longas, o que é necessário, sendo o mandado<strong>de</strong> segurança um contraponto à exigibilida<strong>de</strong> eexecutorieda<strong>de</strong> dos atos administrativos (praticadosdiretamente pela autorida<strong>de</strong> coatora, <strong>em</strong> nome dapessoa jurídica)”. (grifos nossos)Na mesma obra, no artigo XXIV - EXECUÇÃO DE SENTENÇAEM MANDADO DE SEGURANÇA, o mestre Marcelo Lima Guerra,Doutor <strong>em</strong> Direito pela PUC-SP e Professor <strong>de</strong> Direito ProcessualCivil na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> <strong>Santa</strong> <strong>Catarina</strong>, p. 650/1, discorresobre a multa diária contra o agente administrativo responsávelpelos atos concretos <strong>de</strong> cumprimento da <strong>de</strong>cisão judicial:“O único instrumento que v<strong>em</strong> sendo utilizado, comcerta freqüência, para assegurar o cumprimento <strong>de</strong><strong>de</strong>cisões judiciais que não envolvam pagamento <strong>de</strong>soma <strong>em</strong> dinheiro - sejam elas finais ou interlocutórias,proferidas no mandado <strong>de</strong> segurança ou <strong>em</strong>outra ação qualquer, por parte do Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>v<strong>em</strong> a ser a multa diária. No entanto, tal instrumento,quando imposto contra o Po<strong>de</strong>r <strong>Público</strong>, t<strong>em</strong> serevelado inoperante. Isso compreen<strong>de</strong>, facilmente,quando consi<strong>de</strong>rada a própria natureza da multadiária como medida coercitiva. ...Para contornar tal situação, sugere-se a aplicaçãoda multa diária contra o próprio agente administrativoresponsável pelo cumprimento daobrigação a ser satisfeita in executivis.”


243Tal lição t<strong>em</strong> assentamento nas disposições processuais civissobre os requisitos e efeitos da sentença:Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento<strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fazer ou não fazer, o juizconce<strong>de</strong>rá a tutela específica da obrigação ou, seproce<strong>de</strong>nte o pedido, <strong>de</strong>terminará providênciasque assegur<strong>em</strong> o resultado prático equivalente aodo adimpl<strong>em</strong>ento.......................... omissis ............................§ 4 o - O juiz po<strong>de</strong>rá, na hipótese do parágrafoanterior ou na sentença, impor multa diária aoréu, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>de</strong> pedido do autor, sefor suficiente ou compatível com a obrigação,fixando-lhe prazo razoável para o cumprimentodo preceito. (grifos nossos)Ad<strong>em</strong>ais Excelência, nas hipóteses que se <strong>de</strong>lineiam a segurançapleiteada é <strong>de</strong> nenhuma aplicação o § 5 o do art. 461 do CPC, principalmentea requisição <strong>de</strong> força policial, visto que o Diretor-Geral <strong>de</strong>uma <strong>de</strong>stas se afigura como autorida<strong>de</strong> coatora.DOS PEDIDOSObjetivando o mandamus assegurar direito líquido e certo doimpetrante, e estando passível <strong>de</strong> comprovação <strong>de</strong> plano da violaçãoàs prerrogativas legais <strong>de</strong> controle externo e <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong>jurídica do CSPC-GO impor ato normativo para vedar investigaçõespelo <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, observa-se, ínclito(a) julgador(a), a perfeitaa<strong>de</strong>quação dos fatos apresentados a esta exigência, confirmado pelaexistência inequívoca da situação fática que se amolda à previsãojurídica abstrata, já que o presente writ não está a postular o amparo<strong>de</strong> mera conjectura, e sim a ilegalida<strong>de</strong> e abusivida<strong>de</strong> plenas daResolução n o 001/2005-CSPC-GO.Presentes, pois, os pressupostos processuais e condições daação exigíveis <strong>em</strong> qualquer procedimento, além dos específicos domandado <strong>de</strong> segurança vislumbrado no ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> colegiada,


244ilegalida<strong>de</strong>, abuso e <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ameaça <strong>de</strong> lesão a direito porlei atribuído, e, por, direito líquido e certo não amparado por habeascorpus ou habeas data, pugna o órgão impetrante:a) A concessão <strong>de</strong> medida liminar na forma pleiteada no tópicoespecífico.b) Seja notificada a Autorida<strong>de</strong> Coatora, qual seja o Conselheiro-Presi<strong>de</strong>ntedo CSPC-GO, no ápice <strong>de</strong>sta qualificado, para, <strong>em</strong>querendo, vir prestar as informações <strong>de</strong> estilo, e, após a audiência do<strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>, seja <strong>de</strong>ferida a segurança impetrada, com vistas a<strong>de</strong>clarar nula <strong>de</strong> pleno direito a Resolução n o 001/2005-CSPC-GO.c) Face o caráter mandamental das <strong>de</strong>cisões a ser<strong>em</strong> proferidasnesta se<strong>de</strong>, seja fixada multa (astreinte) <strong>em</strong> R$ 5.000,00 (cinco milreais) para cada ato <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento, a ser aplicada <strong>em</strong> <strong>de</strong>sfavordas Autorida<strong>de</strong>s Policiais Civis do Estado <strong>de</strong> Goiás, vinculadosfuncionalmente à autorida<strong>de</strong> coatora, e <strong>em</strong> favor do Fundo Especial<strong>de</strong> Mo<strong>de</strong>rnização e Aprimoramento Funcional do <strong>Ministério</strong> <strong>Público</strong>- Lei Estadual n o 14.099/04.Dá-se a causa o valor <strong>de</strong> R$ 100,00 ( c<strong>em</strong> reais), para meroefeito fiscal.Aguarda <strong>de</strong>ferimento.Gabinete da Procuradoria Geral <strong>de</strong> Justiça, nesta Capital doEstado <strong>de</strong> Goiás, aos treze dias do mês <strong>de</strong> junho do ano <strong>de</strong> dois mile cinco (13.06.2005).Saulo <strong>de</strong> Castro BezerraProcurador Geral <strong>de</strong> JustiçaCarlos Alberto FonsecaPromotor <strong>de</strong> JustiçaCoor<strong>de</strong>nador do CAOExFernando Braga Viggianopromotor <strong>de</strong> JustiçaCoor<strong>de</strong>nador do CAOCrim


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