m u l h e r e sE x e m p l odoras. A professora da Universidade Federalde Mato Grosso (UFMT) Cecília Arleneenfrenta essa questão desde o início davida profissional. “Sou divorciada, mãe detrês filhas e tive de manter a casa sozinha,há mais de 22 anos”, diz. “Mas sou profissional,portanto não me vejo como sexofrágil”, <strong>em</strong>enda a educadora, que nos últimosanos trabalhou muito para reerguer aincubadora de <strong>em</strong>presas da UFMT, a ArcaMultincubadora. “É uma forma de contribuirpara o desenvolvimento socioeconô-Dra. Íris Ferrari, geneticistaFoi o ex<strong>em</strong>plo da primeira médicabrasileira, Maria Augusta Estrela,que, ainda no século XIX, incentivouD. Pedro II a permitir oacesso das mulheres ao ensino superiorno país. Em 1879, ano <strong>em</strong>que Maria Augusta formou-se nosEstados Unidos, o imperador assinouo decreto que liberava a matrícula de mulheresnas faculdades brasileiras.Oitenta anos depois, outra médica brasileira tambémenveredava pelo caminho do pioneirismo. ÍrisFerrari começava sua carreira como h<strong>em</strong>atologista aoingressar no grupo de pesquisa que desenvolveu, deforma inédita no continente americano, uma técnicapara o diagnóstico de mieloma múltiplo, um tipo decâncer na medula óssea. A técnica, baseada na análisedos cromossomos do paciente, é usada até hoje.Caçula entre os oito filhos de um <strong>em</strong>presário dosetor de máquinas agrícolas, Íris Ferrari logo se acostumariacom a posição de pioneira. Foi a única dafamília que não seguiu a profissão do pai. Preferiusair de sua cidade natal, Jaú, no interior de São Paulo,para estudar na recém-criada Faculdade de Medicinade Ribeirão Preto, primeiro braço da USP fora da capitalpaulista. Na época, fundou a primeira repúblicaf<strong>em</strong>inina da região – e escandalizou a cidade.Depois de revolucionar o diagnóstico do mielomamúltiplo, Íris escolheu especializar-se <strong>em</strong> Genética epartiu para os Estados Unidos. Lá, a médica pesquisouo efeito da radiação X sobre os cromossomos humanos<strong>em</strong> cultura t<strong>em</strong>porária de linfócitos, estimuladospor uma proteína chamada fito-h<strong>em</strong>aglutinina.De volta ao Brasil, passou a desenvolver a técnicapara extração dessa proteína a partir do feijão preto.“Na época, tratava-se de uma substância muito cara”,comenta. Por isso mesmo, ela distribuía o produtogratuitamente para laboratórios de todo o país queestavam interessados <strong>em</strong> citogenética humana.Em 1978, Íris convenceu os pesquisadores da USPsobre a importância da formação <strong>em</strong> Genética e implantou,na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,a primeira residência médicado Brasil nessa área. Dez anos depois,introduziu a Genética Clínicano Hospital Universitário deBrasília (HUB), da Universidadede Brasília (UnB), onde tambémajudou a criar o curso de pós-graduação<strong>em</strong> Patologia Molecular.Embora tenha se destacado especialmente na áreade pesquisa, sua verdadeira paixão é lecionar. “Fazercom que as pessoas se interess<strong>em</strong> pela técnica, ajudarno desenvolvimento de uma pesquisa, é dissoque gosto mais. Sinto orgulho ao ver que meus exorientandosestão brilhando <strong>em</strong> todo o Brasil e, decerta forma, continuam ligados a mim”, declara. Em50 anos de profissão, foram 98 orientações de mestrado,doutorado e iniciação científica concluídas e112 artigos publicados <strong>em</strong> periódicos.Apesar de aposentada pelas duas instituições <strong>em</strong>que trabalhou (USP e UnB), Íris continua produzindo– e trabalhando muito. Passa cerca de 10 horas pordia entre os laboratórios de genética da UnB e doHospital de Apoio da Secretaria de Saúde do DistritoFederal e o atendimento de pacientes com suspeita dedoença herdada no Hospital Universitário de Brasília(HUB). “Continuo porque tenho a cabeça boa. A idadenão está no corpo”, diz a médica, que costuma fazerplantões nos laboratórios nos fins de s<strong>em</strong>ana.Os exames de citogenética, que Íris trabalhou paradesenvolver e popularizar, hoje permit<strong>em</strong> identificarcada tipo de câncer do sangue, além de Síndromede Down e outras cromossomopatias. Íris se esforçapara fazer os testes gratuitos no laboratório degenética do HUB, uma vez que cada exame chega acustar R$ 600,00 <strong>em</strong> laboratórios particulares.O próximo desafio da cientista é implantar umaárea de transplante de medula óssea no Hospital deApoio da Secretaria de Saúde do Distrito Federal,sobretudo para as crianças com câncer. “Sab<strong>em</strong>osque, no caso das crianças, a cura é muito mais freqüente”,diz Íris, que, otimista, prevê a concretizaçãodo sonho para muito <strong>em</strong> breve.Da i a n e S o u z a/U n B Ag ê n c i a36Locus • Abr / Mai 2007
mico do meu estado. É aprender na prática.A incubadora é um instrumento deeducação”, diz.Driblando as dificuldades de ter queconciliar os papéis de mãe e profissional, aprofessora Cecília ajudou a construir acultura do <strong>em</strong>preendedorismo <strong>em</strong> Cuiabá.Em 1993, quando o movimento das <strong>em</strong>presasjúnior crescia <strong>em</strong> todo o país, Cecíliasolicitou que, como trabalho de conclusãode uma disciplina, seus alunosestruturass<strong>em</strong> o projeto de criação deuma <strong>em</strong>presa. “S<strong>em</strong>pre fiz de minhas aulasum espaço de inovação, tenho sede denovidades”, comenta.O resultado das discussões dos trabalhos<strong>em</strong> sala de aula foi a criação da <strong>em</strong>presajúnior da Faculdade de Administração,Economia e Ciências Contábeis da UFMT.Em 2003, a <strong>em</strong>presa júnior virou a FácilConsultoria, <strong>em</strong>presa de referência na região,com uma vasta carteira de clientes.Com o <strong>em</strong>purrão da professora, os estudantesviraram <strong>em</strong>presários de sucesso.“Essa é a beleza da educação: transformar.Eles [os alunos] ampliam a visão, começama perceber algo que estava o t<strong>em</strong>po todoali, dentro deles, e que até então nãopercebiam. Portanto, eu não faço nada,eles já estão prontos, só falta um pequeno<strong>em</strong>purrão, nada mais”, afirma.Mesmo com os desafios profissionais,Cecília conseguiu alcançar importantesconquistas também <strong>em</strong> casa. Seguindo oex<strong>em</strong>plo da mãe, suas três filhas estão formadase, as duas mais velhas, fizeram tambémpós-graduação. Mas, não raro, as mulheresprecisam criar estratégias paraconciliar a profissão e a família. FátimaChamma, da Chamma daAmazônia, preferiu interrompera carreira para cuidardos filhos e da casa,enquanto as crianças erampequenas. Apesar da dificuldade que enfrentoupara voltar ao mercado, depois queseu filho mais velho completou 18 anos,ela alcançou o sucesso na maturidade e dizque não se arrepende de nada.Qu<strong>em</strong> não teve essa opção foi AlessandraGonçalves, da Tatakuki. Como a idéia decriar a <strong>em</strong>presa veio quando ainda estavagrávida, ela v<strong>em</strong> conciliando os papéis d<strong>em</strong>ãe e <strong>em</strong>presária desde o princípio. Hoje,seu filho t<strong>em</strong> 7 anos e lugar exclusivo na<strong>em</strong>presa – ela e o marido montaram um espaçoequipado com brinquedos. Quandonão está brincando, o herdeiro navega nainternet e vê tevê. “S<strong>em</strong>pre que passaalguma notícia sobre pequenas <strong>em</strong>presasou <strong>em</strong>preendedorismo, elenos chama. Os colegas diz<strong>em</strong> queele é que é o presidente da<strong>em</strong>presa”. O orgulho da mãe<strong>em</strong>presária,tanto do filhoquanto do negócio queconstruiu, d<strong>em</strong>onstra queapesar do preço alto pagopelas mulheres <strong>em</strong>preendedoras,a conquista do espaçovale a pena.Locus • Abr / Mai 200737