086 :CORRUPÇÃO E JUDICIÁRIO: A (IN)EFICÁCIA DO SISTEMA JUDICIAL NO COMBATE À CORRUPÇÃOAo mesmo tempo, deve-se enfatizar que alguns desses entes desempenhamimportante papel no controle e liberação de alocações orçamentárias, especialmenteos M<strong>in</strong>istérios do Planejamento e da Fazenda. Por todas essas razões, acreditamosque nossa amostra de servidores públicos demitidos por corrupção é representativado total de agentes corruptos.Uma vez estabelecidas as restrições qualitativas de nossa amostra, nosso próximopasso foi determ<strong>in</strong>ar as restrições temporais. Decidimos limitar nossa pesquisaao período de 1993 a 2005 consider<strong>and</strong>o:(i) a publicação e a aplicação do então novo Estatuto do Servidor Público,a Lei n. 8.112 de 1990, que governa sanções discipl<strong>in</strong>ares desde dezembrode 1990, assum<strong>in</strong>do que seus efeitos podem ser mais bem sentidos apósum período de adaptação de 2 anos; e(ii) um período de 4 anos como um prazo razoável para que varas sentenciemalguém já demitido adm<strong>in</strong>istrativamente por corrupção. Esse hiatopermitiu-nos avaliar razoavelmente a progressão dos procedimentos.A <strong>in</strong>clusão das últimas demissões poderia artificialmente afetar odesempenho <strong>judicial</strong> ao não dar tempo suficiente para a revisão <strong>judicial</strong>.2.3.2 Levantamento dos dadosUma vez selecionada nossa amostra, revisamos cada Diário Oficial do período embusca de servidores públicos demitidos nesse <strong>in</strong>tervalo. Nossa busca prelim<strong>in</strong>ar<strong>in</strong>cluiu todos os servidores sancionados com punições associadas a práticas de corrupção,como demissão, perda de aposentadoria e remoção de cargos de confiança.Depois do levantamento dessa primeira amostra mais ampla, processamos os casosde acordo com o fundamento jurídico para a sanção e excluímos da amostra os casosnão relacionados com corrupção. 6Listados todos os casos de corrupção, vasculhamos as bases de dados judiciaispara cada um dos servidores em busca de processos cíveis ou penais, <strong>in</strong>dependentementede terem sido concluídos ou não. Essa busca levou em consideração, também,os casos em que foi pedida a anulação da decisão adm<strong>in</strong>istrativa e a re<strong>in</strong>tegração.Nossa busca <strong>in</strong>cluiu todas as varas federais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e oSupremo Tribunal Federal (STF).Os resultados de nossa pesquisa são apresentados na seção segu<strong>in</strong>te.3 RESULTADOS3.1 ANÁLISE DAS REINTEGRAÇÕESComo mencionado anteriormente, no Brasil, nenhum ato adm<strong>in</strong>istrativo é imune àREVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO7(1) | P. 075-098 | JAN-JUN 2011
13carlos hig<strong>in</strong>o riBeiro de alencar e ivo gico jr. : 087revisão <strong>judicial</strong>. Assim, para fortalecer nossa posição, podemos utilizar a taxa dereversão das demissões adm<strong>in</strong>istrativas como um teste da solidez jurídica dessas decisões.Se encontrarmos uma alta taxa de reversão, é possível se arguir que eventualdiscrepância entre condenações judiciais e adm<strong>in</strong>istrativas decorre, não de umdesempenho ruim do sistema <strong>judicial</strong>, mas ao contrário, de um sistema adm<strong>in</strong>istrativoque pode ser arbitrário.A presença de uma taxa significante de re<strong>in</strong>tegrações também poderia ser <strong>in</strong>terpretadacomo uma evidência de que há uma divergência substancial de critérios deprova utilizados pelo sistema <strong>judicial</strong> e adm<strong>in</strong>istrativo, o que resultaria em uma <strong>in</strong>determ<strong>in</strong>ação.De qualquer forma, a comparação empregada em nosso trabalho seriamuito menos sólida. No entanto, nossos dados não apóiam essa posição.Em nosso trabalho, as re<strong>in</strong>tegrações foram def<strong>in</strong>idas como os casos em que o servidordemitido conseguiu uma ordem <strong>judicial</strong> para que retornasse ao seu órgão deorigem. Essa possibilidade é expressamente prevista no art. 28 da Lei n. 8.112/90,o Estatuto dos Servidores Públicos. Qu<strong>and</strong>o analisamos os dados de re<strong>in</strong>tegraçãoapresentados na Tabela 4, a primeira conclusão importante a que chegamos é queações de re<strong>in</strong>tegração são relativamente comuns. Mais da metade dos servidoresdemitidos entra com uma ou mais ações para ser re<strong>in</strong>tegrado (224 servidores).Dos servidores que ajuizaram ações vis<strong>and</strong>o a re<strong>in</strong>tegração, apenas 29 conseguirama ordem, apesar de um terço dessas decisões (9) a<strong>in</strong>da estarem pendentes derevisão em sede de apelação. Como resultado, apenas 4,5% dos servidores demitidosforam <strong>judicial</strong>mente re<strong>in</strong>tegrados, de um total de 441, e, mesmo se reduzirmos nossaanálise aos casos em que realmente houve contestação <strong>judicial</strong> da demissão (224), asre<strong>in</strong>tegrações resultantes são de apenas 8,93% dos casos.É relevante ressaltar que 104 das ações de re<strong>in</strong>tegração já foram rejeitadas def<strong>in</strong>itivamentee 77 foram rejeitadas em primeira <strong>in</strong>stância, pendentes de apelação. Emoutras palavras, 46,04% das ações já foram rejeitadas def<strong>in</strong>itivamente (trânsito emjulgado). Esses dados <strong>in</strong>dicam que é um mito a afirmativa de que a maioria dos servidorespúblicos demitida retorna à Adm<strong>in</strong>istração Pública. Ergo, é razoável usar oscasos de demissões adm<strong>in</strong>istrativas como aproximações para os casos reais de corrupçãoa fim de estimar-se a efetividade <strong>judicial</strong> dos sistemas cível e crim<strong>in</strong>al.3.2 MEDINDO O DESEMPENHO – RESULTADOSDe 1993 a 2005 conseguimos identificar 687 servidores públicos demitidos (verTabela 5), dos quais 246 (35,81%) foram demitidos por razões não relacionadas comcorrupção e 441 (64,19%) estavam realmente envolvidos em práticas corruptas.Esses resultados são compatíveis com um estudo recente (Rocha e Alencar, 2009)que <strong>in</strong>vestigou as causas, sejam elas ligadas ou não à corrupção, da demissão dos servidorespúblicos federais em outro período (julho de 2001 a junho de 2009). Esseestudo envolve todos os servidores públicos federais (ver Tabela 6). Ambos os estudosREVISTA DIREITO GV, SÃO PAULO7(1) | P. 075-098 | JAN-JUN 2011