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À guisa de Introdução: um Panorama Teórico - Claudio Naranjo

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À <strong>guisa</strong> <strong>de</strong> Introdução:<strong>um</strong> <strong>Panorama</strong> Teórico“Como qualquer campo <strong>de</strong> estudo científico, a psicologia dapersonalida<strong>de</strong> precisa <strong>de</strong> <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>scritivo ou taxonomia do seutema... a taxonomia permitiria que os pesquisadores estudassem domíniosespecíficos das características da personalida<strong>de</strong>... Além disso, <strong>um</strong>ataxonomia geralmente aceita facilitaria enormemente a ac<strong>um</strong>ulação ecomunicação <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobertas empíricas oferecendo <strong>um</strong> vocabulário ounomenclatura padronizada... Quase todo pesquisador na área espera, em<strong>um</strong> ou outro nível, ser aquele a <strong>de</strong>linear a estrutura que irá transformar aatual babel n<strong>um</strong>a comunida<strong>de</strong> que fale <strong>um</strong>a linguagem com<strong>um</strong>.”Oliver P.John(Institute of Personality Assessment and Research,University of California)1. Uma Visão da Neurose, do Escurecimento e do CaráterFalarei aqui a respeito da personalida<strong>de</strong> em geral, bem como do processo do quepo<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação da consciência – que tecnicamente se <strong>de</strong>nomina a “teoriada neurose” e que encontra <strong>um</strong> eco simbólico nas tradições espirituais nas histórias míticasda “queda do paraíso”. Não estabelecerei <strong>um</strong>a distinção entre a “queda” espiritual daconsciência e o processo psicológico <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento anômalo.Quero ressaltar, para começar, que essa <strong>de</strong>gradação da consciência é <strong>de</strong> talmagnitu<strong>de</strong>, que no final, o indivíduo afetado não sabe a diferença, i.e., não sabe que houvealgo como <strong>um</strong>a perda, <strong>um</strong>a limitação ou fracasso <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver seu pleno potencial. Aqueda é tão gran<strong>de</strong> que a percepção começa a ficar cega com relação à própria cegueira, elimitada a ponto <strong>de</strong> acreditar que é livre. É em vista disso que as tradições orientaisfreqüentemente usam, com relação à condição com<strong>um</strong> da espécie h<strong>um</strong>ana, a analogia dapessoa que está adormecida – analogia esta que nos convida a imaginar que a diferençaentre nossa condição potencial e nosso estado atual é tão gran<strong>de</strong> quanto a condição entre oestado <strong>de</strong>sperto com<strong>um</strong> e o sonho.Falar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>gradação da consciência pressupõe, é claro, a idéia <strong>de</strong> que oprocesso da “queda” não é apenas <strong>um</strong>a queda na “consciência” propriamente dita; ela étambém concomitantemente, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>gradação da vida emocional, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>gradação naqualida<strong>de</strong> da nossa motivação. Po<strong>de</strong>mos dizer que nossa energia psicológica fluidiferentemente na condição saudável/il<strong>um</strong>inada e na condição que chamamos <strong>de</strong> “normal”.Po<strong>de</strong>mos dizer, imitando Maslow, que o ser h<strong>um</strong>ano em pleno funcionamento é motivadopela abundância, enquanto em <strong>um</strong>a condição subótima, a motivação possui a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>“<strong>de</strong>ficiência”: <strong>um</strong>a qualida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scrita como <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> preencher <strong>um</strong>alacuna, em vez <strong>de</strong> <strong>um</strong> transbordamento a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a satisfação básica.Po<strong>de</strong>mos dizer que a distinção entre as condições “superior” e a “inferior” não éapenas a <strong>de</strong> amor abundante versus a <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>ficiente. Encontramos <strong>um</strong>a formulaçãoainda mais completa no budismo como <strong>um</strong>a explicação da queda h<strong>um</strong>ana em função do


que é chamado <strong>de</strong> os “três venenos”. No diagrama triangular abaixo po<strong>de</strong>mos ver retratada,<strong>de</strong> <strong>um</strong> lado a inter<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a inconsciência ativa (geralmente chamada <strong>de</strong>ignorância na terminologia budista) e, do outro, <strong>um</strong> par <strong>de</strong> opostos que constituem formasalternativas <strong>de</strong> motivação <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência: inconsciência, aversão e anseio.InconsciênciaAversão AnseioEstamos familiarizados com a visão freudiana <strong>de</strong> que a neurose consistebasicamente em <strong>um</strong>a interferência na vida instintiva. Freud afirmava que esta frustraçãobásica da criança com relação aos pais era <strong>um</strong>a frustração “libidinosa”, ou seja, <strong>um</strong>ainterferência com as manifestações iniciais <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo sexual pelos pais, principalmentecom relação ao do sexo oposto ao da criança. Poucos hoje em dia se dispõem a apoiar essavisão original da psicanálise, e a chamada teoria da libido foi, no mínimo, posta em dúvida.Os psicanalistas mo<strong>de</strong>rnos, como Fairbaim e Winnicot, concordam em que a origem daneurose é encontrada nos cuidados imperfeitos por parte da mãe e, falando <strong>de</strong> <strong>um</strong> modomais geral, nos problemas <strong>de</strong> criação. Uma maior importância é atribuída hoje em dia àfalta <strong>de</strong> amor do que à idéia <strong>de</strong> frustração dos instintos ou, pelo menos po<strong>de</strong>mos dizer, <strong>um</strong>amaior importância é atribuída à frustração <strong>de</strong> <strong>um</strong> contato e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>relacionamento do que às manifestações pré-genitais ou genitais da sexualida<strong>de</strong>. Nãoimporta como seja, Freud teve o gran<strong>de</strong> mérito <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r que a neurose era <strong>um</strong>acoisa praticamente universal, e que ela é transmitida <strong>de</strong> geração em geração através doprocesso <strong>de</strong> criação dos filhos. Foi necessária <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> heróica para afirmar isto naépoca <strong>de</strong>le, e no entanto agora é lugar-com<strong>um</strong> dizer que o mundo como <strong>um</strong> todo está louco,pois isto se tornou extremamente óbvio.Na visão <strong>de</strong> alguns doc<strong>um</strong>entos espirituais como o Evangelho <strong>de</strong> São João,encontramos a idéia <strong>de</strong> que a verda<strong>de</strong> está. Por assim dizer, <strong>de</strong> cabeça para baixo nomundo: “A luz estava no mundo, as trevas não a compreendiam.” A tradição sufista encerra<strong>um</strong> difundido reconhecimento <strong>de</strong> que o “verda<strong>de</strong>iro homem” também é visto como seestivesse <strong>de</strong> cabeça para baixo, <strong>de</strong> modo que ele parece <strong>um</strong> idiota para as pessoas comuns.No entanto po<strong>de</strong>mos afirmar que não é apenas nos casos dos seres heróicos que a verda<strong>de</strong> écrucificada: ela também o é no caso <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> <strong>de</strong> nós.Não é difícil conceber a noção <strong>de</strong> que todos fomos feridos e, talvezinconscientemente, martirizados pelo mundo durante a nossa infância, e <strong>de</strong>ssa maneira nósnos tornamos <strong>um</strong> elo na transmissão do que Wilhelm Reich cost<strong>um</strong>ava chamar <strong>de</strong> <strong>um</strong>a“praga emocional” que infectava a socieda<strong>de</strong> como <strong>um</strong> todo. Esta não é apenas <strong>um</strong>a visão


psicanalítica mo<strong>de</strong>rna: <strong>um</strong>a maldição que visita geração após geração é algo que já éconhecido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong>. A noção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> doente é a essência das antigasconcepções indiana e grega da nossa época como a <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “ida<strong>de</strong> das trevas”, <strong>um</strong>a“Kaliyuga” – <strong>um</strong>a era <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> queda a partir da nossa condição espiritual original.Não estou dizendo que os cuidados da mãe são tudo; os cuidados do api também sãoimportantes, e eventos posteriores po<strong>de</strong>m ter influenciado nosso <strong>de</strong>senvolvimento futuro,como está evi<strong>de</strong>nte nas tra<strong>um</strong>áticas neuroses <strong>de</strong> guerra. Os primeiros eventos, como aextensão do tra<strong>um</strong>a do parto, também po<strong>de</strong>m ter efeitos <strong>de</strong>bilitantes sobre o indivíduo. Semdúvida, a maneira pela qual as crianças são trazidas ao mundo nos hospitais constitui <strong>um</strong>choque <strong>de</strong>snecessário, e po<strong>de</strong>mos conjecturar que <strong>um</strong>a pessoa nascida na pen<strong>um</strong>bra e quenão leve <strong>um</strong> tapa nas costas para estimular a respiração po<strong>de</strong> estar melhor preparada pararesistir às futuras condições tra<strong>um</strong>áticas da vida – assim como a criança que tenha recebidoos cuidados a<strong>de</strong>quados da mãe no início da vida po<strong>de</strong> estar melhor preparada para assimilara situação tra<strong>um</strong>ática dos cuidados paternos ina<strong>de</strong>quados.Digamos que, utilizando a metáfora <strong>de</strong> Horney, tenhamos vindo ao mundo como asemente <strong>de</strong> <strong>um</strong>a planta que carrega consigo certas potencialida<strong>de</strong>s e que instintivamentetambém espera certos elementos em seu ambiente, como <strong>um</strong>a boa terra, água e sol.A experiência <strong>de</strong> Harlow com chimpanzés, décadas atrás, <strong>de</strong>monstrou, por exemplo,que <strong>um</strong> filhote <strong>de</strong> macaco não precisa apenas <strong>de</strong> leite, mas <strong>de</strong> algo peludo em que possa seagarrar, e que ele po<strong>de</strong> se transformar n<strong>um</strong> adulto <strong>um</strong> tanto normal se for posto em contatocom <strong>um</strong>a mãe <strong>de</strong> imitação coberta <strong>de</strong> veludo, mas não com <strong>um</strong>a mãe artificial feita <strong>de</strong>arame, mesmo que ela tenha <strong>um</strong>a garrafa no peito.Sem dúvida, as necessida<strong>de</strong>s h<strong>um</strong>anas para que a criança se transforme n<strong>um</strong> adultoque funcione plenamente são mais complexas, e existem muitas coisas que po<strong>de</strong>m darerrado, ou, dizendo o mesmo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maneira alternativa: existem muitas maneiras pelasquais a exigência <strong>de</strong> <strong>um</strong> amor suficientemente bom da parte dos pais é frustrada ou traída.Em alguns casos, por exemplo, o auto-envolvimento dos pais po<strong>de</strong> resultar em negligência,enquanto em outros a necessida<strong>de</strong> excessiva <strong>de</strong> mentir da parte dos adultos po<strong>de</strong> provocar ainvalidação da experiência da criança; em outros casos ainda, a ternura po<strong>de</strong> ser ofuscadapela manifestação da violência, e assim por diante.Digamos que nosso jeito <strong>de</strong> ser neste mundo inferior que passamos a habitar <strong>de</strong>poisque fomos expulsos do jardim do É<strong>de</strong>n – a personalida<strong>de</strong> com a qual nos i<strong>de</strong>ntificamos e àqual implicitamente nos referimos quando dizemos “Eu” – é <strong>um</strong> jeito <strong>de</strong> ser que adotamoscomo <strong>um</strong>a maneira <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r nossa vida e bem-estar através <strong>de</strong> <strong>um</strong> “ajustamento”, n<strong>um</strong>sentido amplo do termo, e que geralmente é mais <strong>um</strong>a rebelião do que <strong>um</strong>acompanhamento.Diante da falta daquilo <strong>de</strong> que precisa, a criança em crescimento preciso<strong>um</strong>anipular, e po<strong>de</strong>mos dizer que o caráter é, a partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> ponto <strong>de</strong> vista, <strong>um</strong> mecanismocontramanipulador.Neste estado <strong>de</strong> coisas, portanto, a vida não é guiada pelo instinto, e sim por meioda persistência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estratégia <strong>de</strong> adaptação anterior que compete com o instinto einterfere com a “sabedoria” do organismo, no sentido mais amplo da expressão. Apersistência <strong>de</strong>ssa estratégia <strong>de</strong> adaptação anterior que po<strong>de</strong> ser compreendida no dolorosocontexto no qual ela surgiu e do tipo especial <strong>de</strong> aprendizado que a sustenta: não o tipo <strong>de</strong>aprendizado que ocorre espontaneamente no organismo em <strong>de</strong>senvolvimento,mas <strong>um</strong>aprendizado sob coação, caracterizado por <strong>um</strong>a fixi<strong>de</strong>z ou rigi<strong>de</strong>z especial docomportamento a que ele recorreu na situação inicial como <strong>um</strong>a reação <strong>de</strong> emergência.


Po<strong>de</strong>mos dizer que o indivíduo <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser livre para aplicar ou não os resultados <strong>de</strong>ssenovo aprendizado, e que passou a ser controlado pelo “piloto automático”, pondo emoperação <strong>um</strong>a certa reação instituída sem que a totalida<strong>de</strong> da mente fosse “consultada” ou asituação fosse criativamente consi<strong>de</strong>rada no presente. É essa fixi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> reações obsoletasaliada à perda da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reagir criativamente no presente que é extremamentecaracterística do funcionamento psicopatológico.Embora a soma total <strong>de</strong>sse aprendizado pseudo-adaptativo que eu <strong>de</strong>screvi sejacom<strong>um</strong>ente <strong>de</strong>signada nas tradições espirituais como “ego” ou “personalida<strong>de</strong>” (distinto daessência ou alma da pessoa), creio que é extremamente apropriado dar a ela o nome <strong>de</strong>“caráter”.A palavra “caráter” <strong>de</strong>riva do grego charaxo, que significa gravar. Ela faz referênciaao que é constante n<strong>um</strong>a pessoa, porque foi gravado nela, e, por conseguinte, aoscondicionamentos comportamentais, emocionais e cognitivos.Enquanto na psicanálise o mo<strong>de</strong>lo básico <strong>de</strong> neurose é o <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vida instintivacercada pela ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> superego internalizado a partir do mundo exterior, estoupropondo aqui que nosso conflito básico e nosso modo fundamental <strong>de</strong> estar em oposição anós mesmos consiste em <strong>um</strong>a interferência com a auto-regulação do organismo através donosso caráter, como <strong>um</strong>a parcela <strong>de</strong>le, que po<strong>de</strong>mos encontrar <strong>um</strong> superego com seusvalores e exigências, bem como <strong>um</strong> contra-superego (<strong>um</strong> “pobre-diabo” como Fritz Perlscost<strong>um</strong>ava chamá-lo) que é o objeto das exigências e acusações do superego e que pleiteiaa aceitação <strong>de</strong>ste último. É nesse “pobre-diabo” que encontramos o referentefenomenológico para o “id” freudiano. No entanto, é questionável interpretarmos seusimpulsos vitalizantes como instintivos, <strong>um</strong>a vez que não é o instinto o único a ser objeto <strong>de</strong>inibição <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nós – como resultado da auto-rejeição entranhada e do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sermosalgo diferente do que somos: nossas necessida<strong>de</strong>s neuróticas também o são. As diversasformas <strong>de</strong> motivação <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência, que proporei chamarmos <strong>de</strong> nossas paixões, nos sãoproibidas, tanto com relação ao seu aspecto <strong>de</strong> ganância quanto ao seu aspecto <strong>de</strong> ódio.Po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>screver o caráter como <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> características, e compreen<strong>de</strong>rcomo cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las surgiu como <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntificação com <strong>um</strong> traço paterno ou materno ou,inversamente, a partir do <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> não ser como <strong>um</strong> pai ou <strong>um</strong>a mãe sob esse aspectoparticular. (Muitas <strong>de</strong> nossas características correspon<strong>de</strong>m a <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ntificação com <strong>um</strong> dospais, e, ao mesmo tempo, a <strong>um</strong> ato <strong>de</strong> rebelião com relação à característica oposta dooutro.) Outros traços po<strong>de</strong>m ser compreendidos em função <strong>de</strong> adaptações mais complexas econtramanipulações. No entanto o caráter é mais do que <strong>um</strong> arranjo caótico <strong>de</strong>características. Ele é <strong>um</strong>a estrutura complexa que po<strong>de</strong> ser mapeada como <strong>um</strong>aarborização, on<strong>de</strong> os comportamentos distintos são aspectos dos comportamentos maisgerais, e on<strong>de</strong> até mesmo os diversos traços <strong>de</strong> natureza mais ampla po<strong>de</strong>m sercompreendidos como a expressão <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a coisa mais fundamental.A essência fundamental do caráter que estarei formulando aqui possui <strong>um</strong>a naturezadupla: trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> aspecto motivacional em interação com <strong>um</strong>a tendência cognitiva –<strong>um</strong>a “paixão” associada a <strong>um</strong>a “fixação”. Po<strong>de</strong>mos conceber a posição da paixãodominante e <strong>um</strong> estilo cognitivo prepon<strong>de</strong>rante na personalida<strong>de</strong> comparando-os com osdois focos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a elipse, e po<strong>de</strong>mos agora amplificar nossa <strong>de</strong>claração anterior sobre ocaráter versus a natureza, referindo-nos ao processo em maior <strong>de</strong>talhe como <strong>um</strong>ainterferência da paixão sobre o instinto sob prolongada influência da cognição<strong>de</strong>svirtuada.


O mapa da psique apresentado na página seguinte é <strong>um</strong>a variante gráfica da visão dapersonalida<strong>de</strong> oferecida por Oscar Ichazo e é, <strong>de</strong> várias maneiras, semelhante ao propostopor Gurdjieff. De acordo com as duas perspectivas, a personalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana (no sentido docaráter) compreen<strong>de</strong> cinco “centros”. No entanto, <strong>um</strong> ser h<strong>um</strong>ano plenamente <strong>de</strong>senvolvido<strong>de</strong>spertou em si mesmo o funcionamento <strong>de</strong> dois centros superiores, que recebem os nomes<strong>de</strong> “emocional superior” e “intelectual superior”. Enquanto Gurdjieff se referia a <strong>um</strong> centrointelectual inferior ou ordinário, <strong>um</strong> centro <strong>de</strong> sentimento inferior e <strong>um</strong> centro <strong>de</strong>movimento inferior, Ichazo freqüentemente chamava esse centro <strong>de</strong> movimento <strong>de</strong>“instintivo”, e, <strong>de</strong> acordo com a perspectiva que ele afirmava transmitir, esse centroinstintivo está, por sua vez, dividido em três.Hoje em dia, a teoria do instinto do comportamento <strong>de</strong> Freud foi gravementecriticada na psicologia. Primeiro, o <strong>de</strong>senvolvimento da etiologia foi <strong>um</strong> incentivo para quese estabelecesse <strong>um</strong>a distinção para o instinto no comportamento animal (com seusmecanismos <strong>de</strong> liberação e seu padrão <strong>de</strong> expressão altamente fixo) e qualquer coisa quepu<strong>de</strong>sse ser chamada <strong>de</strong> instinto na vida h<strong>um</strong>ana. A seguir, as idéias <strong>de</strong> Adler, Horney,Klein e outros teóricos da relação objeto acabaram por fazer com que parte do mundopsicanalítico não apenas se voltasse contra o biologismo <strong>de</strong> Freud como também seafastasse da teoria da libido em particular. 1 Fritz Perls, que po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado <strong>um</strong> novofreudiano tendo em vista seu treinamento com Reich, Horney e Fenichel, pareceu estarseguindo o espírito da época ao trocar a linguagem instintiva pela linguagem cibernéticaem seu conceito <strong>de</strong> autorregulação do organismo.1 Embora Guntrip não consi<strong>de</strong>re o impulso em direção ao relacionamento como <strong>um</strong> instinto, outros oconsi<strong>de</strong>ram. Mo<strong>de</strong>l, por exemplo, faz referência a duas classes <strong>de</strong> instinto: os instintos sexuais e agressivos doid e o recém-reconhecido instinto da relação objeto do ego.


Contrastando com essa tendência <strong>de</strong> abandonar a noção do instinto na interpretaçãodo comportamento h<strong>um</strong>ano, a visão apresentada aqui não apenas envolve <strong>um</strong>a teoria doinstinto – pelo menos ela ce<strong>de</strong> ao instinto <strong>um</strong> terço da arena psicológica – como tambémcoinci<strong>de</strong> com a noção psicanalítica da neurose como <strong>um</strong>a perturbação dos instintos – e,inversamente, a cura como <strong>um</strong> processo <strong>de</strong> liberação instintiva. Ao contrário das duasteorias do instinto <strong>de</strong> Freud e também ao contrário da visão <strong>de</strong> Dollard e Miller docomportamento em função <strong>de</strong> <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impulsos, a teoria aquiproposta reconhece três instintos e metas básicos por trás da multiplicida<strong>de</strong> da motivaçãoh<strong>um</strong>ana (sendo a motivação puramente espiritual excluída): a sobrevivência, o prazer e orelacionamento. Creio que embora alguns (como os gestaltistas) possam preferir hoje emdia empregar a linguagem cibernética e dizer que a neurose implica <strong>um</strong>a perturbação daautorregulação do organismo, poucos questionariam a gran<strong>de</strong> importância do sexo, dapreservação e do impulso do relacionamento, bem como da centralida<strong>de</strong> conjunta <strong>de</strong>stescomo metas penetrantes <strong>de</strong> comportamento. Embora a interpretação <strong>de</strong> Marx da vidah<strong>um</strong>ana enfatizasse o primeiro, Freud o segundo, e os teóricos atuais da Relação Objeto oterceiro, não creio que qualquer pessoa tenha abraçado <strong>um</strong>a perspectiva que integreexplicitamente esses três impulsos fundamentais.Ao contrário das religiões tradicionais, que implicitamente igualam o domínioinstintivo à esfera das paixões, a noção atual do estado mental ótimo como <strong>um</strong> estado queencerra <strong>um</strong> instinto livre ou liberado é <strong>um</strong>a noção para a qual o verda<strong>de</strong>iro inimigo na“Guerra Santa”, tradicionalmente <strong>de</strong>terminada contra o falso eu ou eu inferior, não é oanimal interior, e sim a esfera da motivação <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência: a dos impulsos “apaixonados”que contaminam, reprimem e se colocam no lugar do instinto (bem como os aspectoscognitivos do ego que, por sua vez, sustentam as paixões).Como po<strong>de</strong> ser visto no mapa, os aspectos cognitivos e emocionais da personalida<strong>de</strong>são representados como operando em duas modalida<strong>de</strong>s alternativas, <strong>de</strong> acordo com o nível<strong>de</strong> percepção, enquanto o centro instintivo é representado <strong>um</strong>a única vez. Isso po<strong>de</strong> serencarado como <strong>um</strong>a convenção questionável, vista que enten<strong>de</strong>-se que o instinto tambémpo<strong>de</strong> se manifestar <strong>de</strong> duas maneiras contrastantes, ou como <strong>um</strong> instinto acorrentado <strong>de</strong>ntrodos canais fornecidos pelo ego ou n<strong>um</strong> estado <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> on<strong>de</strong> o instinto é encarado comopertencente à essência propriamente dita. 2Aquele que está familiarizado com o uso da “essência” no sufismo compreen<strong>de</strong>rá oreferente <strong>de</strong>ssa palavra como sendo esse aspecto mais profundo da consciência h<strong>um</strong>ana,que existe “em Deus” e se torna manifesto para o indivíduo <strong>de</strong>pois da aniquilação (faná),mas que po<strong>de</strong> achar esse significado incoerente com o atual mapeamento dos atributosdistintos da essência como os estados que pertencem à esfera do intelecto superior, dosentimento superior e do instinto. A contradição <strong>de</strong>saparece se estabelecermos <strong>um</strong>adistinção entre a consciência propriamente dita e o funcionamento da mente no estadoconsciente 9distinto dos estados egóicos). Quando a essência é usada nesse sentido,contudo, precisamos tomar cuidado para não reificar a essência, e posso repetir aqui o queescrevi em Ennea-type structures:2 Embora eu tenha dito em Ennea-type Structures que o instinto puro po<strong>de</strong> ser mapeado como três pontos emcontraste com a representação do instinto relacionado como três eneagramas, <strong>de</strong>vo citar Ichazo, que afirmaque, embora isso seja assim na absorção meditativa, na ativida<strong>de</strong> da expressão da essência na vida ele po<strong>de</strong>ser mapeado como <strong>um</strong> eneagrama no qual estão combinados os três triângulos centrais dos eneagramas dosinstintos.


“A mais ampla distinção no corpo da Psicologia do Quarto Caminho que procuro<strong>de</strong>screver encontra-se entre ‘essência’ e ‘personalida<strong>de</strong>’ – entre o ser real e o sercondicionado com o qual habitualmente nos i<strong>de</strong>ntificamos; entre a mente superior e ainferior. Enquanto Gurdjieff falava <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, Ichazo falava do ego – mais <strong>de</strong>acordo com a recente utilização (viagem do ego, morte do ego, transcendência do ego, eassim por diante) do que com o significado atribuído ao ‘ego’ na atual psicologia do ego. Adistinção é semelhante à proposta hoje em dia por Winnicott entre o ‘eu real’ e o ‘falso eu’;no entanto, po<strong>de</strong> ser enganador falar <strong>de</strong> essência, da alma, do verda<strong>de</strong>iro eu ou do atmãcomo se a referência fosse algo fixo e i<strong>de</strong>ntificável. Em vez <strong>de</strong> falar da essência como <strong>um</strong>acoisa, portanto, <strong>de</strong>veríamos pensar nela como <strong>um</strong> processo, <strong>um</strong>a maneira <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong> ego,não obscurecida e livre <strong>de</strong> funcionar da totalida<strong>de</strong> h<strong>um</strong>ana integrada.”Assim, po<strong>de</strong>mos dizer que o “mapa da psique” apresentado acima só estarácompleto se afirmarmos que ele também mapeia o espaço no qual existem os centros dapersonalida<strong>de</strong> e da essência – espaço esse que po<strong>de</strong> ser tomado como <strong>um</strong> símboloapropriado para a própria consciência. Como a percepção no contexto no qual po<strong>de</strong>mosdizer que “os centros inferiores” existem está <strong>de</strong>generada, eu a sombreei no mapamodificado da Figura 3, enquanto os três “centros superiores”, ao contrário, estão<strong>de</strong>marcados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> círculo branco, para transmitir a noção da trinda<strong>de</strong> na unida<strong>de</strong>,característica do Quarto Caminho e da tradição cristã em geral.


2. Os tipos <strong>de</strong> caráterAqueles familiarizados com o trabalho <strong>de</strong> Gurdjieff saberão como era importantenesta abordagem do “<strong>de</strong>spertar” o aspecto do autoconhecimento, que consiste nodiscernimento da “principal característica” da pessoa, i.e., <strong>um</strong>a característica penetrante dapersonalida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ria ser compreendida como seu centro (<strong>de</strong> <strong>um</strong> modo bastantesemelhante ao que Cattell e outros enten<strong>de</strong>m como “traços fundamentais”, cada <strong>um</strong> dosquais é concebido como a raiz <strong>de</strong> <strong>um</strong>a árvore <strong>de</strong> traços). A perspectiva aqui apresentada vaimais além ao afirmar que o número <strong>de</strong> possíveis “características principais” não é ilimitado– e sim idêntico ao número <strong>de</strong> síndromes básicas da personalida<strong>de</strong>. Além disso, estaremosfalando <strong>de</strong> duas características centrais em cada estrutura <strong>de</strong> caráter, como sugerido acima:<strong>um</strong>a, a característica principal propriamente dita, que consiste em <strong>um</strong>a maneira peculiar <strong>de</strong>distorcer a realida<strong>de</strong>, i.e., <strong>um</strong> “<strong>de</strong>feito cognitivo”; a outra, na natureza <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tendênciamotivacional, <strong>um</strong>a “paixão governante”.Po<strong>de</strong>mos pensar que o caráter po<strong>de</strong> ser estruturado ao longo <strong>de</strong> <strong>um</strong> número distinto<strong>de</strong> maneiras básicas que resultam na ênfase relativa <strong>de</strong> <strong>um</strong> ou outro aspecto da nossaestrutura mental com<strong>um</strong>. Po<strong>de</strong>mos dizer que o “esqueleto mental” que todoscompartilhamos é como <strong>um</strong>a estrutura que po<strong>de</strong>, como <strong>um</strong> cristal, se dividir n<strong>um</strong> certonúmero <strong>de</strong> maneiras pre<strong>de</strong>terminadas, <strong>de</strong> modo que, entre o conjunto das principaiscaracterísticas estruturais, qualquer indivíduo consi<strong>de</strong>rado (como resultado da interaçãoentre fatores constitucionais e situacionais) termina com <strong>um</strong>a ou outra em primeiro planoda personalida<strong>de</strong> – enquanto as características remanescentes situam-se n<strong>um</strong> segundo planomais próximo ou mais remoto. Po<strong>de</strong>mos também utilizar a analogia <strong>de</strong> <strong>um</strong> corpogeométrico que repousa sobre <strong>um</strong>a outra faceta; todos compartilhamos <strong>um</strong>a personalida<strong>de</strong>,com as mesmas “faces”, lados e vértices, porém (na linguagem da analogia) diferentementeorientadas no espaço.De acordo com essa perspectiva, existem nove tipos básicos <strong>de</strong> caráter (ao contráriodos três <strong>de</strong> Sheldon, dos quatro temperamentos <strong>de</strong> Hipócrates, dos cinco tiposbioenergéticos <strong>de</strong> Lowen e das cinco dimensões <strong>de</strong> alguns factorialistas mo<strong>de</strong>rnos, porexemplo). Cada <strong>um</strong> <strong>de</strong>sses tipos existe, por sua vez, em tr~es varieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> acordo com aintensida<strong>de</strong> dominante dos impulsos <strong>de</strong> autopreservação, sexuais ou sociais (e a presença<strong>de</strong> traços específicos que são conseqüência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a distorção “passional” do instintocorrespon<strong>de</strong>nte, que é “canalizado” e “acorrentado” sob a influência da paixão dominantedo indivíduo). 3 Existem, é claro, nove paixões dominantes possíveis, e cada <strong>um</strong>a estáassociada a <strong>um</strong>a distorção cognitiva característica, bem como a <strong>um</strong>a, duas ou trêscaracterísticas mentais <strong>de</strong>rivadas da esfera instintiva, como acabo <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver.3 Não abordarei os 27 subtipos no presente vol<strong>um</strong>e, a não ser <strong>de</strong> maneira limitada, no caso das varieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>caráter <strong>de</strong>sconfiado – vista que as formas do tipo VI do eneagrama são tão diferenciadas que falar <strong>de</strong>las <strong>de</strong> <strong>um</strong>modo geral obscureceria suas características diferenciais não menos surpreen<strong>de</strong>ntes.


Os nove tipos <strong>de</strong> caráter examinados não constituem simplesmente <strong>um</strong>a coleção <strong>de</strong>estilos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>. Trata-se, ao contrário, <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> estruturas <strong>de</strong> caráterorganizadas, com relacionamentos, contrastes, polarida<strong>de</strong>s e outras relações observadosentre elas. Essas relações são mapeadas <strong>de</strong> acordo com a estrutura geométrica tradicional<strong>de</strong>nominada “eneagrama”. 4 Analogamente, falarei a respeito dos tipos do eneagrama – <strong>um</strong>aforma abreviada <strong>de</strong> “tipo <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> segundo o eneagrama”.Uma das aspirações da psicologia mo<strong>de</strong>rna tem sido organizar as síndromescaracterológicas conhecidas no que foi chamado <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo circ<strong>um</strong>plexo. “Durante mais o<strong>um</strong>enos os últimos 30 anos, vários pesquisadores se empenharam em <strong>de</strong>monstrar que amelhor maneira <strong>de</strong> representar a estrutura dos traços <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, quando <strong>de</strong>finidapelo comportamento interpessoal <strong>de</strong> <strong>um</strong> indivíduo, é em função <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>locirc<strong>um</strong>plexo”. 5 Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> continu<strong>um</strong> circular (mostrado na Figura 5) com os tipos <strong>de</strong>caráter adjacentes sendo mais semelhantes, enquanto as oposições ao longo do cículocorrespon<strong>de</strong>m a bipolarida<strong>de</strong>s; o eneagrama, ao contrário, enfatiza a tripolarida<strong>de</strong>. Learypropôs <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo circ<strong>um</strong>plexo em relação ao seu sistema interpessoal, e Schaefer propôs4 Em Fragmentos <strong>de</strong> <strong>um</strong> ensinamento <strong>de</strong>sconhecido, Ouspensky cita Gurdjieff, dizendo que o ensinamentoque ele apresentou era completamente autônomo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> outros caminhos (como a Teosofia ou oOcultismo oci<strong>de</strong>ntal), e que este ensinamento permanecera oculto até sua época. Ele continua dizendo que, àsemelhança <strong>de</strong> outros ensinamentos que utilizam o método simbólico, este também o faz, e que <strong>um</strong> <strong>de</strong> seusprincipais símbolos é o eneagrama. Este símbolo, que consiste <strong>de</strong> <strong>um</strong> círculo dividido em nove partes porpontos que estão ligados entre si por nove linhas que seguem <strong>um</strong> padrão <strong>de</strong>terminado, expressa a “lei <strong>de</strong> sete”e sua ligação com a “lei <strong>de</strong> três”. No mesmo livro Ouspensky cita Gurdjieff como tendo dito que, <strong>de</strong> <strong>um</strong> modogeral, o eneagrama precisa ser refinado como <strong>um</strong> símbolo universal, e que cada ciência po<strong>de</strong> ser interpretadaatravés <strong>de</strong>le, e que, para alguém que saiba como usá-lo, o eneagrama torna inúteis os livros e as bibliotecas.Se <strong>um</strong>a pessoa sozinha no <strong>de</strong>serto <strong>de</strong>senhasse na areia o eneagrama, ela po<strong>de</strong>ria ler as leis eternas douniverso, e a cada vez ela apren<strong>de</strong>ria algo novo que ignorava completamente até então. Ele também diz que aciência do eneagrama foi mantida em segredo durante <strong>um</strong> longo tempo, e agora está mais ao alcance <strong>de</strong> todos,mas apenas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maneira incompleta e teórica, que é praticamente inútil para <strong>um</strong>a pessoa que não tenhasido instruída por alguém que domine essa ciência.5 Cooper, Arnold M., Allen J. Francês e Michael H. Sacks, Psychiatry, Vol 1, The Personality Disor<strong>de</strong>r andNeurosis (Nova York: Basic Books, 1990). Uma literatura sobre os mo<strong>de</strong>los circ<strong>um</strong>plexos citados nesteparágrafo, bem como sobre o mo<strong>de</strong>lo da Figura 5, po<strong>de</strong> ser encontrada nesta mesma coleção.


outro como a maneira <strong>de</strong> organizar os dados resultantes <strong>de</strong> seus estudos das interaçõesentre pais e filhos. Lorr e MacNair relataram <strong>um</strong> “círculo <strong>de</strong> comportamento interpessoal”,resultante <strong>de</strong> <strong>um</strong>a análise <strong>de</strong> fatores da avaliação <strong>de</strong> clínicos sobre vários tipos <strong>de</strong>comportamento interpessoal – o que foi interpretado como refletindo nove agrupamentos<strong>de</strong> variáveis. Além <strong>de</strong>sses mo<strong>de</strong>los circ<strong>um</strong>plexos <strong>de</strong>rivados teoricamente, Conte e Plutchik<strong>de</strong>monstraram que <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo circ<strong>um</strong>plexo mapeia o principal domínio das característicasinterpessoais da personalida<strong>de</strong>. Através <strong>de</strong> dois métodos diferentes, em que <strong>um</strong> é <strong>um</strong>aanálise <strong>de</strong> avaliações semelhantes <strong>de</strong> termos e o outro <strong>um</strong>a aplicação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a análise <strong>de</strong>fatores a avaliações diferenciais semânticas <strong>de</strong> termos, eles produziram <strong>um</strong>a idênticaor<strong>de</strong>nação circular empírica <strong>de</strong> termos, com base no carregamento <strong>de</strong>les dos dois primeirosfatores. Um estudo Posterior realizado pelos mesmos autores examina os conceitos <strong>de</strong>diagnóstico <strong>de</strong> distúrbios <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> DSM II. Eles <strong>de</strong>scobriaram que estes tambémpodiam ser dispostos n<strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m circ<strong>um</strong>plexa relativamente semelhante à resultante doestudo <strong>de</strong> 1967.Talvez o esquema retratado na Figura 6 abaixo seja o mo<strong>de</strong>lo circ<strong>um</strong>plexo maisconvincente até aqui. Concordando também com a opinião atual em função doagrupamento das síndromes do DSM III, a presente caracterologia reconhece três gruposfundamentais: o grupo esquizói<strong>de</strong>, com <strong>um</strong>a orientação voltada para o pensamento (que<strong>de</strong>nominarei aqui <strong>de</strong> tipos do eneagrama V,VI e VII), o grupo histerói<strong>de</strong>, com <strong>um</strong>aorientação voltada para o sentimento (tipos do eneagrama II, III e IV) e outra estruturacorporal (que Kretschmer po<strong>de</strong>ria ter chamado coletivamente <strong>de</strong> epileptói<strong>de</strong>) formada porindivíduos cuja constituição encerra a ectomorfia mais baixa e são predominantementevoltados para a ação.


Passo a fazer agora <strong>um</strong>a breve <strong>de</strong>scrição dos nove tipos básicos <strong>de</strong> caráter, <strong>de</strong>acordo com a n<strong>um</strong>eração padrão atribuída aos pontos situados ao longo do círculo doeneagrama.O primeiro tipo <strong>de</strong> estilo <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> (<strong>um</strong> estilo neurótico, é claro) é, <strong>de</strong> acordocom esta perspectiva, ao mesmo tempo suscetível e bem-intencionada, correta e formal,pouco espontânea e voltada para o <strong>de</strong>ver em vez <strong>de</strong> para o prazer. Essas pessoas sãoexigentes e críticas com relação a si mesmas e aos outros, e prefiro chamá-las <strong>de</strong>perfeccionistas em vez <strong>de</strong> atribuir-lhes <strong>um</strong> rótulo psiquiátrico – embora a síndromecorresponda à personalida<strong>de</strong> obsessiva no DSM III. Enquanto no caso <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> dos tiposdo eneagrama constatamos que ela coinci<strong>de</strong> com <strong>um</strong>a conhecida síndrome clínica, tambémé verda<strong>de</strong> que todo mundo po<strong>de</strong> ser encarado como portador <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ou outra orientação dapersonalida<strong>de</strong>, e que cada <strong>um</strong>a po<strong>de</strong> ser vista em níveis específicos que vão da complicaçãopsicótica aos mais sutis resíduos da infância na vida dos santos.O tipo II do eneagrama correspon<strong>de</strong> à personalida<strong>de</strong> histriônica do DSM III, e eu ocaracterizei, nesta caracterologia do Quarto Caminho, através do paradoxo <strong>de</strong> <strong>um</strong>agenerosida<strong>de</strong> egocêntrica. Os indivíduos representativos são geralmente hedonísticos,<strong>de</strong>spreocupados e rebel<strong>de</strong>s diante <strong>de</strong> qualquer coisa rígida ou que restrinja sua liberda<strong>de</strong>.Quando meu primeiro grupo em Berkeley foi criado, <strong>um</strong> aluno, o Dr. Larry Efron,sintetizou os tipos <strong>de</strong> caráter n<strong>um</strong>a colagem <strong>de</strong> caricaturas <strong>de</strong> William Steig, com a qual eleme presenteou durante <strong>um</strong>a festa <strong>de</strong> aniversário. Na colagem das caricaturas <strong>de</strong> Steig, otipo II é representado por <strong>um</strong>a figura apalhaçada que contrasta com o vigoroso alpinistaque representa o esforçado e obsessivo tipo I.Curiosamente, o tipo III do eneagrama não é encontrado no DSM III, apesar <strong>de</strong>representar o mais americano dos tipos <strong>de</strong> caráter (como observa Fromm, com relação aoque ele chamava <strong>de</strong> “orientação para o mercado”). Concordo com a insatisfação <strong>de</strong>Kernberg com relação à inclusão <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> histérica, diferente dahistriônica, no sentido <strong>de</strong> que o indivíduo representativo não é incongruente ouimprevisível em suas reações emocionais e revela muito mais controle, bem como lealda<strong>de</strong>e a capacida<strong>de</strong> para manter envolvimentos emocionais sistemáticos. Se o termo histéricotambém não fosse coloquialmente <strong>de</strong>signado para <strong>de</strong>signar a personalida<strong>de</strong> excessivamentedramática e por <strong>de</strong>mais impulsiva do tipo IV, po<strong>de</strong>ríamos recomendar que tanto os termoshistéricos quanto histriônicos fossem incluídos n<strong>um</strong>a futura revisão do Diagnostic and


Statistical Manual americano. Percebo que a maioria dos exemplos clínicos <strong>de</strong> Lowen emseu livro sobre Narcissism são indivíduos do tipo III – no entanto, a palavra “narcisista”,que também foi empregada por Horney para <strong>de</strong>screver o caráter, parece inapropriada emvirtu<strong>de</strong> da utilização alternativa. Esta é a disposição caracterológica observada porRiesman, que a discutiu sob o aspecto da orientação para o outro. No eneagrama dascaricaturas, o tipo III é representado por <strong>um</strong> médico, que simboliza o sucesso, arespeitabilida<strong>de</strong> e o know-how profissionais. Os indivíduos do tipo III buscam a apreciaçãodos outros através da realização, da eficácia e da aceitação social, são ao mesmo tempocontroladores e controlados e representam <strong>um</strong> dos tipos <strong>de</strong> caráter mais alegres doeneagrama.O tipo IV é representado na caricatura <strong>de</strong> Steig através <strong>de</strong> <strong>um</strong>a imagem que evoca avítima sofredora das circunstâncias da vida e das pessoas. Isso correspon<strong>de</strong> à personalida<strong>de</strong>auto<strong>de</strong>rrotista incluída na revisão do DSM III. Ele também correspon<strong>de</strong> ao que Horneycost<strong>um</strong>ava chamar <strong>de</strong> caráter masoquista, no qual existe <strong>um</strong>a auto-imagem insatisfatória,<strong>um</strong>a disposição <strong>de</strong> sofrer mais do que o necessário, <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência do amor dosoutros, <strong>um</strong>a sensação crônica <strong>de</strong> rejeição e <strong>um</strong>a tendência para a insatisfação. 6A caricatura do isolamento no ponto 5 é apropriada para <strong>um</strong>a disposição que po<strong>de</strong>ser consi<strong>de</strong>rada como o estilo interpessoal que emerge da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retenção e asustenta. Isso correspon<strong>de</strong> à personalida<strong>de</strong> esquizói<strong>de</strong> do DSM III e aos indivíduos que nãoapenas têm poucas relações mas que não se sentem solitários em seu isolamento, queprocuram minimizar suas necessia<strong>de</strong>s, são tímidos e têm <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> paraexpressar sua raiva.O guerreiro no ponto 6 também transmite <strong>um</strong>a conotação aparentemente muitodiferente do medo, mas no entanto faz alusão a <strong>um</strong>a beligerância surgida do medo daautorida<strong>de</strong> e sustentada através <strong>de</strong> <strong>um</strong> evitar (contrafóbico) da experiência do medo. Nãoobstante, a imagem do guerreiro só é <strong>um</strong>a caricatura apropriada <strong>de</strong> alguns indivíduos ditipo VI do eneagrama, e não dos abertamente fracos e temerosos. Os subtipos são muitodiferenciados nos tipos VI do eneagrama, <strong>de</strong> modo que estes abrangem, junto com apersonalida<strong>de</strong> esquiva do DSM III, também o paranóico, outra forma <strong>de</strong> caráter suspeitosocom características mais obsessivas, como será discutido no capítulo apropriado.O tipo VII correspon<strong>de</strong> ao caráter oral-receptivo ou oral-otimista <strong>de</strong> Karl Abrahame é imitado hoje no DSM III pela síndrome narcisista. O indivíduo típico exibe<strong>de</strong>spreocupação, <strong>um</strong>a sensação <strong>de</strong> merecimento, <strong>um</strong>a tendência para o prazer e <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong>estratégica mais consciente na vida do que a maioria dos outros tipos <strong>de</strong> caráter. Em vez <strong>de</strong>cabeça, a figura caricaturada no ponto 7 parece ter <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> elétrica. Isso sugere que elavive envolta em fantasias e tem a tendência <strong>de</strong> esquecer o mundo real, absorvendo-se emplanos e projetos.O tipo VIII correspon<strong>de</strong> ao fálico-narcisista <strong>de</strong> Reich e é repetido hoje no DSM IIInas personalida<strong>de</strong>s anti-social e sádica. A pessoa que pertence a esse grupo é voltada para opo<strong>de</strong>r, a dominação e a violência. No ponto 8, vemos a caricatura <strong>de</strong> alguém que está <strong>de</strong> pén<strong>um</strong>a plataforma a fim <strong>de</strong> falar com as pessoas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a maneira superior, ou melhor, <strong>de</strong>discursar para elas com <strong>um</strong>a voz forte e po<strong>de</strong>rosa. A caricatura é apropriada, embora <strong>de</strong>ixe<strong>de</strong> incluir a representação <strong>de</strong> <strong>um</strong> comportamento sádico.6 Como será visto, acredito que a personalida<strong>de</strong> limítrofe stricto sensu correspon<strong>de</strong> a <strong>um</strong>a complicação damesma coisa.


No ponto 9, a figura está sentada como é a<strong>de</strong>quado a <strong>um</strong>a representação dapreguiça, e todo o <strong>de</strong>senho sugere <strong>um</strong>as férias à sombra <strong>de</strong> <strong>um</strong>a palmeira n<strong>um</strong>a praiatropical. Apesar <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada à representação da preguiça no sentido convencional, a figuranão faz alusão à preguiça psicológica da pessoa que não quer olhar para si mesma, nem àcaracterística da adaptação excessiva e resignada do tipo IX. Na classificação do DSM III,o tipo IX correspon<strong>de</strong> à personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte – embora o nome não seja muitoapropriado, vista que a <strong>de</strong>pendência é compartilhada por várias personalida<strong>de</strong>s, e não creioque ela constitua o núcleo da estrutura <strong>de</strong> caráter do tipo IX, que também é resignado,autoprotelador, gregário e adaptável. 7Em vez <strong>de</strong> ilustrar os tipos <strong>de</strong> caráter com as caricaturas acima <strong>de</strong>scritas, cujaessência po<strong>de</strong> ser traduzida em palavras, apresentai na Figura 7 – como <strong>um</strong>a informaçãoadicional – <strong>um</strong> <strong>de</strong>senho <strong>de</strong> Margarita Fernan<strong>de</strong>z que transmite alg<strong>um</strong>as das característicasda constituição e dos gestos dos tipos do eneagrama.Colocar as síndromes caracterológicas n<strong>um</strong> círculo implica afirmar qua existemrelacionamentos vizinhos entre eles – e isso po<strong>de</strong> ser prontamente observado, mas não<strong>de</strong>screveria completamente a situação, vista que os tipos <strong>de</strong> caráter adjacentes também sãocontrastantes <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as maneiras. Por exemplo, enquanto o tipo I é rígido, o tipo II nãotolera a rigi<strong>de</strong>z, e enquanto o tipo II é impulsivo, o tipo III é controlado. O tipo III, por suavez, é feliz e o tipo IV é triste, emocional e apegado, e o tipo V é intelectual e <strong>de</strong>spagado; eassim por diante. No entanto quando consi<strong>de</strong>ramos apenas a esfera das paixões, cada <strong>um</strong>a<strong>de</strong>las po<strong>de</strong> ser compreendida como híbrido das duas que lhe são adjacentes.De <strong>um</strong> modo geral, a pessoa que personifica qualquer <strong>um</strong> dos nove tipos <strong>de</strong> caráterpo<strong>de</strong> facilmente ver em si mesma os dois tipos adjacentes no mapa. Assim <strong>um</strong> indivíduo dotipo III do eneagrama, cuja vida é organizada para agradar e ter sucesso, po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>rcom coerência seu comportamento na vida a partir das perspectivas dos tipos II e IV,respectivamente; analogamente <strong>um</strong>a pessoa do tipo IV do eneagrama po<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r7 DSM-III-R


sua experiência como a do tipo III frustrado, ou interpretar suas ações e sentimentos a partirdo ponto <strong>de</strong> vista do apego e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a sensação <strong>de</strong> empobrecimento, como no caso doindivíduo esquizói<strong>de</strong>.Mais genericamente, é claro, a vida ou a experiência <strong>de</strong> cada pessoa po<strong>de</strong> serinterpretada a partir <strong>de</strong> qualquer <strong>um</strong>a das nove perspectivas, <strong>de</strong> modo que a perspectiva quevê o medo atrás <strong>de</strong> tudo – extremamente central no pensamento psicanalítico – tem sidoconsi<strong>de</strong>rada como universalmente aplicável através <strong>de</strong> décadas <strong>de</strong> experiência. No entanto,sem dúvida, alg<strong>um</strong>as interpretações atingem o alvo mais facilmente em alguns tipos <strong>de</strong>caráter, enquanto outras são comparativamente mais remotas.Embora a interpretação que enfatiza a paixão dominante e a perspectiva cognitivatípicas <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> dos pontos do eneagrama seja mais a<strong>de</strong>quada, po<strong>de</strong>mos dizer que osadjacentes vêm em segundo lugar – particularmente aquele que se situa no canto dotriângulo central do mapa. Assim, a preocupação com a auto-imagem ou narcisismo estáainda mais perto do que a característica esquizói<strong>de</strong> como <strong>um</strong>a base <strong>de</strong> interpretação para otipo IV. Analogamente no caso do tipo VII do eneagrama, po<strong>de</strong>mos dizer que se trata <strong>de</strong><strong>um</strong> caráter baseado no medo e pertencente ao grupo esquizói<strong>de</strong>. 8 No entanto, ele tambémestá fortemente relacionado com o caráter vingativo em suas características impulsivas,rebel<strong>de</strong>s e hedonísticas.O tipo VIII do eneagrama, por outro lado, possui <strong>um</strong>a mente essencialmentepreguiçosa (tipo IX), embora seu evitar da interiorida<strong>de</strong> esteja encoberto pela típicaintensida<strong>de</strong> com a qual o indivíduo procura fazer-se sentir vivo, escapando da sensação <strong>de</strong>apatia que acompanha sua falta <strong>de</strong> interiorida<strong>de</strong>.Os tipos <strong>de</strong> caráter posicionados nos cantos seis e nove do eneagrama estãosituados, como no ponto três, entre <strong>um</strong>a polarida<strong>de</strong>. Ao mesmo tempo que existe <strong>um</strong>apolarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tristeza e felicida<strong>de</strong> no canto do lado direito (IV e II), existe <strong>um</strong>a polarida<strong>de</strong><strong>de</strong> alheamento e expressivida<strong>de</strong> no lado esquerdo (V – VII), e <strong>um</strong>a <strong>de</strong> amoral ou antimorale excessivamente moral na parte superior (VIII – I).Po<strong>de</strong>mos dizer que as relações indicadas pelas setas que ligam os pontos dotriângulo interior do eneagrama, bem como aquelas que ligam o restante dos pontos naseqüência 1, 4, 2, 8, 5, 7 e 1, correspon<strong>de</strong>m a relações psicodinâmicas, quando o eneagramaé visto como <strong>um</strong> mapa da mente do indivíduo, como será explicado quando tratarmos doenagrama das paixões. Quando o mapa representa <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> tipos <strong>de</strong> caráter,po<strong>de</strong>mos consi<strong>de</strong>rá-los como indicando a presença oculta daquele que o prece<strong>de</strong> no fluxo,o que não é visível quando consi<strong>de</strong>ramos o eneagrama das paixões que constituem asdisposições <strong>de</strong> motivação por trás dos tipos <strong>de</strong> caráter (ver abaixo).Além dos relacionamentos <strong>de</strong> vizinhança e aqueles <strong>de</strong>marcados pelas linhas no“fluxo interno” do eneagrama, também po<strong>de</strong>mos ver relações <strong>de</strong> oposição no eneagrama: àsemelhança do que acontece com os tipos I e V, os tipos VIII e IV também se colocam emextremida<strong>de</strong>s opostas n<strong>um</strong>a linha reta, o mesmo ocorrendo com os tipos VII e II ao longodo eixo horizontal.Chamo o eixo I-V do eneagrama <strong>de</strong> “anal”, consi<strong>de</strong>rando que tanto o caráteresquizói<strong>de</strong> quanto o obsessivo-compulsivo po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados “anais” sob os aspectosdas <strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> Freud e Jones, o que discuto no primeiro e segundo capítulos <strong>de</strong>ste livro,respectivamente.8 No sentido mais amplo do termo – distinto do uso do esquizói<strong>de</strong> especificamente para o tipo V doeneagrama.


Por outro lado chamo o eixo IV-VIII <strong>de</strong> oral-agressivo, em memória <strong>de</strong> KarlAbraham, pois por mais verda<strong>de</strong>iro que possa ser o fato <strong>de</strong> que é principalmente o tipo IVfrustrado e lamuriante que tem sido chamado <strong>de</strong> oral-agressivo, as características do tipoVIII do eneagrama, merecem igualmente a <strong>de</strong>nominação. 9Analogamente, chamo o eixo II-VII <strong>de</strong> oral-receptivo, pois por mais verda<strong>de</strong>iro queseja o fato <strong>de</strong> que é o tipo VII que melhor correspon<strong>de</strong> ao oral-otimista <strong>de</strong> Abraham, oshistriônicos não apenas são “edipianos”, como também oral-receptivos.Em contradistinção aos tipos <strong>de</strong> caráter até aqui discutidos, creio que os tipos VI eIII do eneagrama po<strong>de</strong>m ser chamados <strong>de</strong> fálicos – embora todos os outros, com exceçãodo tipo VI contrafóbico, também possam ser consi<strong>de</strong>rados como fálicos inibidos. Já o tipoIII, em sua arrogância, é <strong>um</strong>a versão oposta, “excitada” da disposição fálica.Eu não disse nada a respeito do tipo IX do eneagrama sob o aspecto <strong>de</strong> possíveisecos das síndromes pré-genitais e das primeiras tendências genitais. Esse é <strong>um</strong> caráter quepo<strong>de</strong> muito bem ser chamado <strong>de</strong> pseudogenital, porque na maioria dos casos ele parecemenos patológico do que os outros, essencialmente ajustado, contente, amoroso etrabalhador. Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> caráter que imita a saú<strong>de</strong> mental (e, por conseguinte, o sentidooriginal da palavra “genital”). A história do tipo IX é a <strong>de</strong> <strong>um</strong> indivíduo que cresceu rápido<strong>de</strong>mais, que amadureceu sob pressão, per<strong>de</strong>ndo a infância. Ao lado <strong>de</strong>ssa maturida<strong>de</strong>excessiva, porém, esten<strong>de</strong>-se na experiência do indivíduo, logo abaixo do limiar dapercepção ordinária, <strong>um</strong>a disposição regressiva mais profunda e arcaica do que a dosestágios pré-genitais – <strong>um</strong> <strong>de</strong>sejo profundo por parte da pessoa <strong>de</strong> permanecer no útero damãe e a sensação <strong>de</strong> nunca ter saído. Os tipos I e VIII também estão relacionados noeneagrama como imagens especulares <strong>um</strong> do outro, <strong>um</strong> <strong>de</strong> cada lado do ponto IX. Eu oscaracterizei, quando falei dos tipos <strong>de</strong> caráter vizinhos ao tipo IX, como antimorais eexcessivamente morais, mas é preciso ainda dizer que eles compartilham <strong>um</strong>a disposiçãoativa. Do mesmo modo, os tipos V e IV na parte inferior do eneagrama apresentam <strong>um</strong>contraste agudo (po<strong>de</strong>mos chamá-los <strong>de</strong> intenso e fle<strong>um</strong>ático), mas contudo também sãosemelhantes em sua fragilida<strong>de</strong>, hiper-sensibilida<strong>de</strong> e retraimento. Os tipos II e VII doeneagrama, que discutimos como duas formas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a disposição oral-receptiva, tambémpo<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados <strong>um</strong> terceiro par, junto com o I-VIII e o V-IV, no sentido <strong>de</strong> queeles são essencialmente expressivos (em vez <strong>de</strong> ativos e introvertidos).De <strong>um</strong> modo geral, po<strong>de</strong>mos falar <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado direito e <strong>um</strong> lado esquerdo doeneagrama em simetria ao redor do ponto 9, e vemos que o lado direito é mais social e oesquerdo anti-social; ou, em outras palavras, existe mais sedução no lado direito e maisrevolta no esquerdo. Não tenho nenh<strong>um</strong>a dúvida <strong>de</strong> que, pelo menos no mundo oci<strong>de</strong>ntal,existe <strong>um</strong>a predominância <strong>de</strong> homens no lado esquerdo e <strong>de</strong> mulheres no direito, emboraalguns tipos <strong>de</strong> caráter sejam mais diferenciados sob o aspecto do coeficiente do sexo.Enquanto o I e o III são mais comuns entre as mulheres, eles são bem menos femininos sobo aspecto da associação do que os tipos II e IV. No lado esquerdo, o caráter maisdistintamente masculino é o VIII.Um forte contraste po<strong>de</strong> ser percebido entre os tipos <strong>de</strong> caráter dos pares VII-IV eV-II. No primeiro caso trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> contraste entre <strong>um</strong> caráter feliz e <strong>um</strong> caráter triste, eno segundo, <strong>um</strong> contraste entre <strong>um</strong> frio alheamento e <strong>um</strong>a intimida<strong>de</strong> calorosa.9 Deve ser observado que Fritz Perls, que tanto enfatizou a <strong>de</strong>liberação e a agressão oral, era pessoalmente otipo fálico-narcisista, vingativo.


Finalmente, existe <strong>um</strong> contraste a ser observado entre as partes <strong>de</strong> cima e <strong>de</strong> baixodo eneagrama. Enquanto o tipo IX, no topo, representa <strong>um</strong> máximo do que chamei <strong>de</strong>extroversão <strong>de</strong>fensiva – i.e., <strong>um</strong> evitar da interiorida<strong>de</strong> – que caminha <strong>de</strong> mãos dadas com ocontentamento, a parte inferior do eneagrama representa <strong>um</strong> máximo <strong>de</strong> interiorida<strong>de</strong>, bemcomo o <strong>de</strong>scontentamento. Po<strong>de</strong>mos dizer que aqueles que se encontram na parte <strong>de</strong> baixodo eneagrama nunca se sentem suficientemente bem ou satisfeitos, acham que são <strong>um</strong>problema e também são i<strong>de</strong>ntificados como patológicos pelo mundo exterior, enquanto otipo IX ocupa <strong>um</strong>a posição na qual é extremamente improvável que o indivíduo gaça <strong>de</strong> si<strong>um</strong> problema ou pareça patológico para os outros. Existe, no entanto, <strong>um</strong>a característicacom<strong>um</strong> que liga o tipo IX tanto ao tipo IV quanto ao V: a <strong>de</strong>pressão. Entre os tipos IX e IV,a <strong>de</strong>pressão propriamente dita é o elemento com<strong>um</strong>. 10 O tipo V do eneagrama também po<strong>de</strong>ser consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>primido, sob o aspecto da apatia e da infelicida<strong>de</strong>, mas o elementocom<strong>um</strong> mais visível entre os tipos IX e V é o da resignação: a <strong>de</strong>sistência dorelacionamento no caso do V, a resignação sem a perda externa do relacionamento em IX(<strong>um</strong>a resignação da participação), que confere ao caráter sua disposição autoproteladora eabnegada.3. A essência Dinâmica da NeuroseTomando como certo que a <strong>de</strong>terioração emocional é sustentada por <strong>um</strong> distúrbiocognitivo oculto (fixação), passarei agora a examinar a esfera das paixões, i.e., a esfera dosprincipais impulsos motivados pela <strong>de</strong>ficiência que animam a psique. É lógico começar poreles porque, segundo a tradição, eles representam a primeira manifestação do nossoprocesso <strong>de</strong> queda na infância. Embora seja possível reconhecer a predominância <strong>de</strong> <strong>um</strong>aou outra <strong>de</strong>ssas atitu<strong>de</strong>s nas crianças entre 5 e 7 anos, é somente por volta dos 7 anos <strong>de</strong>ida<strong>de</strong> (Um estágio bastante conhecido dos psicólogos do <strong>de</strong>senvolvimento, <strong>de</strong> Gesell aPiaget) que <strong>um</strong> apoio cognitivo para essa predisposição emocional se cristaliza na psique.A palavra paixão há muito encerra <strong>um</strong>a conotação doentia. Desse modo, emAnthropologie, Kant diz que “A emoção é como a água que rompe <strong>um</strong> dique; a paixãocomo <strong>um</strong>a torrente que torna seu leito cada vez mais fundo. A emoção é como aembriaguez que nos faz adormecer; a paixão é como <strong>um</strong>a doença resultante <strong>de</strong> <strong>um</strong>aconstituição <strong>de</strong>feituosa ou <strong>de</strong> <strong>um</strong> veneno”.Creio que outros motivos que levaram as paixões a serem consi<strong>de</strong>radas poucosucessivas da sua natureza ansiosa. Po<strong>de</strong>mos dizer que elas são facetas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a “motivação<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência” básica. O uso da linguagem maslowiana, contudo, não precisa nos <strong>de</strong>ixarcegos com relação à a<strong>de</strong>quabilida<strong>de</strong> da noção psicanalítica <strong>de</strong> oralida<strong>de</strong>: As paixões po<strong>de</strong>mser vistas como <strong>um</strong> resultado <strong>de</strong> retermos como adultos <strong>um</strong> número excessivo das atitu<strong>de</strong>sque todos compartilhamos no seio, isto é, a <strong>de</strong> <strong>um</strong> ser preso n<strong>um</strong>a posição que ocorrem <strong>um</strong>sugar e mor<strong>de</strong>r excessivos diante do mundo.A palavra “paixão” não apenas é apropriada para as emoções inferiores porque elasexistem em inter<strong>de</strong>pendência com a dor (pathos), mas por causa da sua conotação <strong>de</strong>10 Com o tipo IX do eneagrama sendo a base mais com<strong>um</strong> da <strong>de</strong>pressão endógena e o tipo IV do eneagrama seexpressando mais freqüentemente como <strong>de</strong>pressão neurótica.


passivida<strong>de</strong>. Po<strong>de</strong>-se dizer que estamos sujeitos a elas como agentes passivos em vez <strong>de</strong>agentes livres – como afirmou Aristóteles a respeito do comportamento virtuoso e dapsicologia mo<strong>de</strong>rna da saú<strong>de</strong> mental. As tradições espirituais geralmente concordam comrelação a <strong>um</strong>a possível não i<strong>de</strong>ntificação da esfera apaixonada possibilitada pela intuição datranscendência. 11A inspeção do eneagrama das paixões na figura 8 mostra que três <strong>de</strong>las (nos pontos9,6 e 3) ocupam <strong>um</strong>a posição mais central do que as outras. Além disso, por causa dosimbolismo do eneagrama, segundo o qual os diferentes pontos ao longo <strong>de</strong>lecorrespon<strong>de</strong>m a graus e intervalos na escala musical, a preguiça psicoespiritual, no topo, secoloca como a mais fundamental <strong>de</strong> todas – sendo, por assim dizer, o “fazer” das paixões.O fato <strong>de</strong> esses três estados mentais estarem <strong>de</strong>marcados nos vértices do triângulodo eneagrama das paixões transmite a informação <strong>de</strong> que eles são alicerces da estruturaemocional, e que os estados <strong>de</strong>marcados entre eles po<strong>de</strong>m ser explicados como interações<strong>de</strong>sses três em diferentes proporções.Po<strong>de</strong>mos observar que a proposta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a inércia psicológica como <strong>um</strong>a base daneurose reproduz a teoria do aprendizado da neurose como condicionante, enquanto osoutros dois pontos do triângulo interno reproduzem a visão freudiana da neurose como <strong>um</strong>atransformação da ansieda<strong>de</strong> da infância e da visão existencial, que prefigura o ser nãoautêntico e a “má-fé” como a base da patologia.As interconexões mostradas entre esses três pontos (sob a forma <strong>de</strong> lados dotriângulo) constituem o que po<strong>de</strong>mos chamar <strong>de</strong> conexões psicodinâmicas, <strong>de</strong> modo que11 Embora <strong>um</strong>a das metas <strong>de</strong>ssa tradição <strong>de</strong> “trabalho sobre o eu” seja realizar <strong>um</strong>a mudança no controle docomportamento, trazendo o centro emocional inferior das paixões para <strong>um</strong> centro superior, <strong>um</strong> estágio ulterioré almejado: <strong>um</strong> <strong>de</strong>slocamento do “centro intelectual inferior” da cognição ordinária – permeado por visõeserrôneas da realida<strong>de</strong> formadas na infância (fixações) - Para o centro intelectual superior do entendimentocontemplativo-intuitivo.


po<strong>de</strong>mos dizer que cada <strong>um</strong>a fundamenta a seguinte n<strong>um</strong>a seqüência <strong>de</strong>marcada por setasentre elas no sentido anti-horário. Se lermos essa seqüência psicodinâmica começando porcima, po<strong>de</strong>mos dizer que a falta do senso <strong>de</strong> ser (implícita na inércia psicológica ou“robotização” da preguiça) priva o indivíduo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a base a partir da qual ele possa agir,conduzindo <strong>de</strong>sse modo ao medo. Não obstante, como precisamos agir no mundo, por maisque o temamos, nós nos sentimos impelidos a solucionar a contradição agindo a partir <strong>de</strong><strong>um</strong> falso eu em vez <strong>de</strong> (corajosamente) sermos quem somos, perpetuamos oobscurecimento ôntico que, por sua vez, sustenta o medo, mantendo-nos no círculo vicioso.Assim como os lados do “triângulo interno” indicam ligações psicodinâmicas entreos estados mentais <strong>de</strong>marcados nos pontos nove-seis-três-nove (nessa seqüência), ainda épreciso dizer que as linhas que ligam os pontos 1-4-2-8-5-7-1 também indicam ligaçõespsicodinâmicas e que cada paixão po<strong>de</strong> ser compreendida como fundamentada na anterior.Consi<strong>de</strong>remos o caso do orgulho. É fácil perceber que, assim como a expressão <strong>de</strong>orgulho do indivíduo constitui <strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> compensar <strong>um</strong>a insegurança com relação aseu valor pessoal, as pessoas orgulhosas, enquanto grupo, têm em com<strong>um</strong> <strong>um</strong>a repressão ecompensação excessiva pela sensação <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> e carência dominantes na inveja. Jáno caso da inveja, po<strong>de</strong>mos falar da raiva que se voltou para <strong>de</strong>ntro n<strong>um</strong> ato <strong>de</strong>auto<strong>de</strong>struição psicológica. No caso do caráter irado e disciplinador, po<strong>de</strong>mos perceber<strong>um</strong>a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da atitu<strong>de</strong> oral-receptiva, <strong>de</strong>teriorada ou autocon<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte dagula.O tipo VII do eneagrama, por sua vez, com sua habilida<strong>de</strong> expressiva, seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>persuasão e seu charme parece o oposto da falta <strong>de</strong> jeito do tipo V do eneagrama e, noentanto, também po<strong>de</strong> ser visto como a saída, <strong>um</strong>a supercompensação da <strong>de</strong>ficiência para afalsa abundância, semelhante àquela através da qual a inveja se transforma em orgulho. Ocaráter do tipo V, ou esquizói<strong>de</strong>, novamente, é o mais oposto possível do caráterconfrontador, impulsivo, grosseiro e agressivo do vigoroso e rebel<strong>de</strong> tipo VIII, e no entantoé possível compreen<strong>de</strong>r esse afastamento das pessoas e do mundo como <strong>um</strong>a formaalternativa <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> vingança – a <strong>de</strong>cisão vingativa <strong>de</strong> não dar seu amor para osoutros e também a disposição vingativa <strong>de</strong> apagar o outro da sua vida interior. Finalmentequando consi<strong>de</strong>ramos o caráter valentão, provocador e excessivamente masculino do tipoVIII do eneagrama, percebemos <strong>um</strong>a vez mais que ele é exatamente o oposto do <strong>de</strong>licado,sensível e histriônico tipo II. Entretanto, a luxúria po<strong>de</strong> ser vista como <strong>um</strong>a exaltação etransformação do orgulho, na qual a <strong>de</strong>pendência não apenas é negada mas tambémtransformada n<strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> predatória, exploradora ou dominadora com relação aos outros.Quanto à relação entre as paixões <strong>de</strong>marcadas como contíguas ao longo do círculo,é possível encarar cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>las como híbrido das duas que lhe são adjacentes. Assim, oorgulho po<strong>de</strong> ser encarado como híbrido da vaida<strong>de</strong> (<strong>um</strong>a preocupação excessiva com aauto-imagem) e da raiva – on<strong>de</strong> a raiva está implícita como <strong>um</strong>a auto-elevação afirmativadiante dos outros; a inveja, por sua vez, po<strong>de</strong> ser compreendida como híbrido da vaida<strong>de</strong>com o sentido <strong>de</strong> empobrecimento da avareza, cuja combinação resulta na sensação <strong>de</strong> nãose ser capaz <strong>de</strong> viver <strong>de</strong> acordo com as exigências da vaida<strong>de</strong>.Em vez <strong>de</strong> caracterizar as paixões – o que espero fazer nos capítulos sucessivos<strong>de</strong>ste livro à medida que eu <strong>de</strong>screver a disposição caracterológica na qual elaspredominam – direi apenas que precisamos retornar ao significado original das palavrastradicionais. A “raiva”, por exemplo, será usada aqui como <strong>um</strong> antagonismo mais interno ebásico diante da realida<strong>de</strong> do que <strong>um</strong>a irritação explosiva; a “luxúria” mais como <strong>um</strong>ainclinação para o sexo ou até para o prazer: <strong>um</strong>a paixão pelo excesso ou <strong>um</strong>a qualida<strong>de</strong>


apaixonada excessiva com relação à qual a satisfação sexual é apenas <strong>um</strong>a das possíveisfontes <strong>de</strong> gratificação; analogamente, a “gula” não será compreendida aqui em seu estreitosentido <strong>de</strong> <strong>um</strong>a paixão pela comida, e sim no sentido mais amplo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a tendênciahedonista e <strong>um</strong>a insaciabilida<strong>de</strong>; e a “avareza” po<strong>de</strong>rá ou não incluir a avareza em seusentido literal e <strong>de</strong>signará <strong>um</strong> apego temeroso e ganancioso, <strong>um</strong>a alternativa retraída para oapego extensivo da luxúria, da gula, da inveja e <strong>de</strong> outras emoções.Embora o eneagrama das paixões exiba graficamente a informação <strong>de</strong> que existemem cada indivíduo nove formas básicas <strong>de</strong> motivação <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência como <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong>componentes inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, a visão <strong>de</strong> caráter elaborada neste livro envolve <strong>um</strong>postulado complementar- <strong>de</strong> que em cada indivíduo <strong>um</strong>a das paixões (e a fixaçãocorrespon<strong>de</strong>nte) é dominante. Entretanto, ao contrário da opinião <strong>de</strong> alguns teólogoscristãos <strong>de</strong> que existe <strong>um</strong>a hierarquia <strong>de</strong> gravida<strong>de</strong> entre os pecados capitais – e também aocontrário da perspectiva da psicologia contemporânea <strong>de</strong> que os tipos <strong>de</strong> caráter (nos quaisesses diferentes estados mentais são mais nítidos) não apenas surgem em diferentes estágios<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, mas também são mais ou menos graves ou patológicos do que outros– esta perspectiva do “Quarto Caminho” assegura que as paixões são equivalentes tanto sobo aspecto étnico-teológico quanto sob o do prognóstico. Esta afirmação po<strong>de</strong> ser traduzidacomo indicando que enquanto alguns tipos <strong>de</strong> caráter po<strong>de</strong>m ser tratados com mais sucessodo que outros pela psicoterapia e interpretações da mente dos nossos dias, o caminho datransformação não é radicalmente melhor ou pior para as diferentes personalida<strong>de</strong>s sob oaspecto das abordagens tradicionais do trabalho sobre o eu e da meditação.4. Estilos <strong>de</strong> Distorção CognitivosApesar <strong>de</strong> seu significado não ser idêntico ao que Freud lhe atribuiu, a palavra“fixação” traz à mente a idéia <strong>de</strong> que é através do distúrbio cognitivo que ficamos mais“empacados” – cada fixação constituindo, por assim dizer, <strong>um</strong>a racionalização para <strong>um</strong>apaixão correspon<strong>de</strong>nte. Enquanto as paixões representam a essência primitiva dapsicopatologia a partir da qual emergiu a esfera das fixações, <strong>de</strong> acordo com estaperspectiva, são as fixações que sustentam no presente as paixões.Ichazo, <strong>de</strong>finiu as fixações como <strong>de</strong>feitos cognitivos específicos – facetas <strong>de</strong> <strong>um</strong>sistema <strong>de</strong>lusório no ego-mas os nomes que ele <strong>de</strong>u a elas refletem alg<strong>um</strong>as vezes a mesmanoção que refletem as paixões dominantes ou as características associadas que nãosatisfizeram sua própria <strong>de</strong>finição. Reproduzo na Figura 9 o eneagrama <strong>de</strong> fixações <strong>de</strong>acordo com Ichazo conforme relatado por Lilly em Transpersonal Psychologies <strong>de</strong> Tart. 1212 Capítulo “The Arica Training”, <strong>de</strong> John C. Lilly e Joseph E. Hart, em transpersonal Psychologies, editadopor Charles Tart (El Cerito, CA: Psychological Processes, 1983).


Po<strong>de</strong> ser visto aqui a referência ao ressentimento no ponto 1 é praticamenteredundante com relação à “raiva”, e no caso do ponto 2, a adulação se refere principalmenteà “auto-adulação”, a qual é inseparável do auto-engran<strong>de</strong>cimento do orgulho. No caso doponto 3, Ichazo forneceu palavras com significados significativamente diferentes para osaspectos emocional e cognitivo <strong>de</strong> <strong>um</strong> caráter, e no entanto eu questionei o fato <strong>de</strong> eleatribuir a inquietação envolvida na busca da realização à esfera da fixação e o logro àesfera emocional das paixões. 13Na nomenclatura “men<strong>de</strong>lejeffiana” proposta em Arica, que usa termos quecomeçam com a palavra “ego” e contém as primeiras letras da fixação, a <strong>de</strong>signação “egomelan”efetivamente contém informações diferentes da inveja, pois ela faz referência aoaspecto “masoquista” do caráter em questão, a procura do amor e do carinho através daintensificação da dor e do <strong>de</strong>samparo. No entanto, no ponto 5, a palavra que ele propõe,“pão-durismo”, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ir além do âmbito da avareza. O caso do ponto 6 é o mesmo, poisa palavra “covardia” não fornece muito mais informações do que a paixão do medo.Embora “covardia” transmita <strong>um</strong> significado <strong>de</strong> “medo diante do medo”, preferi encarar aacusação, especialmente a auto-acusação, como o problema cognitivo central do tipo VI doeneagrama, conforme eu elaboro no capítulo correspon<strong>de</strong>nte.Quando ouvi pela primeira vez Ichazo ensinar a protoanálise em suas palestras noInstituto <strong>de</strong> Psicologia Aplicada, a palavra que ele usou para a fixação no ponto 7 foicharlataneria, charlatanismo em espanhol. Mais tar<strong>de</strong>, ao se dirigir a <strong>um</strong>a audiência <strong>de</strong>falantes do inglês, ele chamou a personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “ego-plan”. O planejamento evoca atendência do tipo VII <strong>de</strong> viver <strong>de</strong> projetos e fantasias, e <strong>de</strong> substituir a ação pelaimaginação.13 No capítulo sete, proponho a a<strong>de</strong>quabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encarar a vaida<strong>de</strong> como pertencente à mesma esfera doorgulho (<strong>um</strong>a paixão por ser aos olhos do outro, em vez <strong>de</strong> <strong>um</strong>a paixão pela auto-inflação) e <strong>de</strong> encarar ologro e o auto-engano como o aspecto cognitivo do tipo III do eneagrama (em virtu<strong>de</strong> do qual o indivíduo sei<strong>de</strong>ntifica com o falso eu).


Ao falar sobre “ego-venge”, Ichazo aponta para <strong>um</strong>a disposição caracterológica quepo<strong>de</strong> ser encarada como central no tipo correspon<strong>de</strong>nte, e fornece informaçõescomplementares à do seu aspecto “vigoroso”: o tipo VIII do eneagrama não apenas édionisíaco e apaixonado, mas também duro e dominante, portador <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visãopreconceituosa da vida como a <strong>de</strong> <strong>um</strong> luta na qual os po<strong>de</strong>rosos são vencedores.No caso do ponto 9, <strong>um</strong>a vez mais a palavra “ego-in” <strong>de</strong> Ichazo, referente àindolência, é redundante com relação à “preguiça”, a palavra usada para a paixãodominante. Se a preguiça for compreendida como inércia psicoespiritual – semelhante a<strong>um</strong>a automatização da vida e <strong>um</strong>a perda <strong>de</strong> interiorida<strong>de</strong> – a convicção implícita quesustenta a estratégia <strong>de</strong> vida do tipo IX do eneagrama po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada comoenfatizando exageradamente o valor da abnegação e da super-adaptação.Uma ênfase levemente diferente entra em ação se escolhermos nomes para asfixações consi<strong>de</strong>rando a i<strong>de</strong>ntificação sugerida por Ichazo entre elas e a “principalcaracterística” <strong>de</strong> cada tipo <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>. As palavras na Figura 10 se encaixam nasduas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> “fixação”; elas são apropriadas para <strong>de</strong>signar a característica que mais se<strong>de</strong>staca na estrutura <strong>de</strong> caráter correspon<strong>de</strong>nte e po<strong>de</strong>m ser compreendidas comoinseparáveis <strong>de</strong> <strong>um</strong>a operação cognitiva.Desse modo, a simulação (termo mais apropriado do que “logro” neste contexto)envolve enganar a si mesmo e também fingir para os outros, e <strong>um</strong>a confusão cognitiva entreo qual é o caso e aquilo que se afirma ser verda<strong>de</strong>. No caso da vingança também existe <strong>um</strong>areferência à principal característica da punibilida<strong>de</strong> no tipo VII do eneagrama, e também a<strong>um</strong>a visão implícita – inseparável <strong>de</strong>la- <strong>de</strong> que a irracionalida<strong>de</strong> procura corrigir o passadoatravés <strong>de</strong> <strong>um</strong>a retribuição do dano ou da mágoa no presente.No caso da falsa generosida<strong>de</strong> e satisfação do tipo II do eneagrama, isso tambémpo<strong>de</strong> ser encarado como a principal caracterísica a <strong>um</strong> erro cognitivo da parte da pessoa,semelhante ao fingimento. O mesmo po<strong>de</strong> ser dito a respeito da característica autofrustrante


do tipo IV do eneagrama, que envolve olhar para o que está faltando ao invés <strong>de</strong> perceber oque existe, e do <strong>de</strong>sapego do tipo V do eneagrama, inseparável <strong>de</strong> <strong>um</strong>a visão <strong>de</strong> que émelhor “ficar sozinho”.Por mais verda<strong>de</strong>iro o fato <strong>de</strong> que novas características propostas acima são centraispara os tipos <strong>de</strong> caráter e po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas à partir <strong>de</strong> <strong>um</strong> ângulo cognitivo, sinto quemais precisa ser dito a respeito dos valores, suposições e crenças implícitos <strong>de</strong> cada <strong>um</strong> dostipos <strong>de</strong> caráter.Po<strong>de</strong>mos dizer que qualquer <strong>um</strong> dos estilos interpessoais nos quais as paixõespo<strong>de</strong>m se cristalizar envolve <strong>um</strong>a proporção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>alização; <strong>um</strong>a perspectiva oculta <strong>de</strong> queessa é a maneira <strong>de</strong> viver. No processo psicoterapêutico, alg<strong>um</strong>as vezes é possívelrecuperar a memória <strong>de</strong> <strong>um</strong>a época em que a pessoa tomou a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> se vingar, <strong>de</strong>jamais amar <strong>de</strong> novo, <strong>de</strong> viver sozinho e nunca mais confiar em ninguém, e assim pordiante. Quando isso é possível, po<strong>de</strong>mos ainda tornar explícitas muitas idéias que a pessoavenha tomando como verda<strong>de</strong>s a partir <strong>de</strong> então e que po<strong>de</strong>m ser questionadas;computações <strong>de</strong> <strong>um</strong>a criança com dor e em pânico que precisam ser revistas, como propõeEllis em Rational-Emotive Therapy.Talvez possamos dizer que em cada estilo cognitivo é moldado pela característica já<strong>de</strong>scrita no eneagrama das principais características ou fixações, mas, no entanto, existemvarias suposições <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse estilo cognitivo, e cada <strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas suposições, por sua vez,é algo que tomamos como certo, e cada <strong>um</strong>a gera distorções perceptivas e falsosjulgamentos no <strong>de</strong>correr da vida do dia-a-dia, como propôs Beck com seu conceito <strong>de</strong>pensamentos automáticos. Apresento a seguir, por exemplo, <strong>um</strong>a lista incompleta <strong>de</strong>suposições tipicamente relacionadas com os tipos <strong>de</strong> eneagrama.No tipo I, o indivíduo sente que não po<strong>de</strong> confiar nos impulsos naturais, e simcontrola-los, e que o <strong>de</strong>ver é mais importante que o prazer. Este último, com efeito, ten<strong>de</strong> aser encarado como <strong>um</strong> valor negativo no sentido <strong>de</strong> que ele interfere com o que precisa serfeito. Além disso, as noções <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> e correção são implicitamente autoritárias, nosentido <strong>de</strong> que são extrínsecas à sua experiência.No tipo II, encontra-se implícita a idéia <strong>de</strong> que tudo é permissível em nome do amor(Como foi dramatizado por Ibsen em sua famosa peça The Doll House, a qual a heroína nãoconseguia enten<strong>de</strong>r que o fato <strong>de</strong> ela assinar o nome <strong>de</strong> seu falecido pai n<strong>um</strong> chequepo<strong>de</strong>ria incomodar o banco, visto que tudo fora feito com boas intenções). Para sustentaressa perspectiva, por sua vez, a pessoa veio a acreditar que a emoção é mais importante queo pensamento, e quando os dois entram em conflito, é o pensamento que <strong>de</strong>ve sermenosprezado. É coerente também com o comportamento do indivíduo que ele tambémsinta que é necessário ter na vida <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> sedutora, que é válido manipular os outrosconsi<strong>de</strong>rando a maneira como as pessoas são. Além <strong>de</strong> se sentir especial, a pessoa senteque, em vista disso, ela merece privilégios e atenções especiais. Uma suposição poucoprovável <strong>de</strong> ser consciente na mente do indivíduo, mas que po<strong>de</strong> ser muito importante,po<strong>de</strong>ria ser expressa como: “Eles não po<strong>de</strong>riam viver sem mim”. Minha atenção foirecentemente atraída para isso através dos comentários <strong>de</strong> <strong>um</strong> conhecido que, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>voltar à vida cotidiana após <strong>um</strong> retiro espiritual, comentou que tinha ficado extremamentechocado ao ter o insight <strong>de</strong> que o mundo tinha continuado sem ele. Em outras palavras, elenão era indispensável, e o fato <strong>de</strong> ele ter removido sua extraordinária presença do mundo enão ter estado presente para oferecer suas il<strong>um</strong>inadas opiniões não foi catastrófico.No caso do tipo III, é com<strong>um</strong> o indivíduo sentir que o mundo é <strong>um</strong> teatro on<strong>de</strong> todomundo está fingindo. É claro que o fingimento é o único caminho para o sucesso. Um


corolário disso é que os verda<strong>de</strong>iros sentimentos não <strong>de</strong>vem ser expressos. Esta última<strong>de</strong>claração po<strong>de</strong>ria ser <strong>de</strong>scrita como: “não <strong>de</strong>vo ter problemas”; isso po<strong>de</strong> sercompreendido como o resultado da noção <strong>de</strong> que com problemas a companhia não seria tãoagradável aliada a <strong>um</strong>a supervalorização do prazer. Mais fundamental, na minha opinião, éa suposição errada <strong>de</strong> que a medida do valor é o sucesso: o que o mundo valoriza tem valorobjetivo e <strong>de</strong>ve ser valorizado. Outro componente da perspectiva do tipo III é <strong>um</strong>a<strong>de</strong>sesperança que sustenta o otimismo do caráter. Existe a sensação <strong>de</strong> se ter <strong>de</strong> ficar porcima, porque as coisas não iriam bem sem esta vigilância, e o indivíduo também tem asensação <strong>de</strong> que não haveria lugar para ele se ele não fosse útil.Creio que a mais louca das suposições do tipo IV é a noção implícita <strong>de</strong> querevisando o passado e se lamentando po<strong>de</strong> ser possível modifica-lo. Existe a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><strong>um</strong> entendimento mais profundo <strong>de</strong> que não adianta chorar pelo leite <strong>de</strong>rramado. Existetambém a suposição <strong>de</strong> que quanto maior a necessida<strong>de</strong>, maior o direito <strong>de</strong> ser amado, e<strong>um</strong>a i<strong>de</strong>alização concomitante do sofrimento (quanto mais eu sofro, mais nobre eu sou). Asuposição mais aparente é a sensação <strong>de</strong> não ser tão bom quanto os outros – que é <strong>um</strong>aperspectiva inseparável da comparação invejosa. Além disso, o individuo po<strong>de</strong> ter asensação <strong>de</strong> que a vida lhe <strong>de</strong>ve <strong>um</strong>a compensação pelo sofrimento que ele experimentou.Uma convicção típica do tipo V do eneagrama po<strong>de</strong>ria ser expresa da seguintemaneira: “É melhor ficar sozinho”. Existe a sensação <strong>de</strong> quanto menor o n<strong>um</strong>ero <strong>de</strong>compromissos, maior a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a liberda<strong>de</strong> e a felicida<strong>de</strong> tenham lugar, e avisão das pessoas como sendo movidas pelo interesse próprio em seu amor aparente. Hátambém a sensação <strong>de</strong> que é melhor salvar a energia e os recursos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a possibilida<strong>de</strong>futura, e que isso é melhor do que <strong>um</strong> envolvimento presente; e o medo <strong>de</strong> que através dagenerosida<strong>de</strong>, a pessoa possa acabar sem nada. Ainda outra convicção do tipo V doeneagrama é que é melhor precisar <strong>de</strong> pouco para não se tornar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a coisaou <strong>de</strong> alguém.Alg<strong>um</strong>a das suposições mais aparentes do tipo VI do eneagrama estão ligadas a <strong>um</strong>subtipo particular como, por exemplo, a sensação esquiva <strong>de</strong> não ser capaz <strong>de</strong> vencer comos próprios recursos, ou o senso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> do contrafobico como <strong>um</strong>a saída, aautorida<strong>de</strong> pessoal como <strong>um</strong>a segurança. O mais fundamental, contudo, é que não se po<strong>de</strong>confiar nas pessoas, e existe a sensação <strong>de</strong> que as próprias intuições e <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong>vem serquestionadas. A autorida<strong>de</strong> é excessivamente valorizada, mas não é percebida como sendonecessariamente boa. Ela é geralmente (<strong>de</strong> <strong>um</strong> modo ambivalente) ao mesmo tempo boa emá.No tipo VII do eneagrama existe a forte sensação <strong>de</strong> que se está bem e <strong>de</strong> que osoutros também estão bem. A tendência otimista é comparável à tendência pessimista dotipo IV. Nada é seriamente proibido para aquele que é tolerante consigo mesmo, pois existea sensação <strong>de</strong> que a autorida<strong>de</strong> é má e a pessoa esperta po<strong>de</strong> fazer o que quer. Existetambém a sensação <strong>de</strong> se ter direitos através do talento, e <strong>um</strong>a profunda convicção <strong>de</strong> que amelhor maneira <strong>de</strong> ter êxito é por meio do charme pessoal.A visão <strong>de</strong> mundo do tipo VIII do eneagrama é <strong>de</strong> <strong>um</strong>a luta on<strong>de</strong> os fortes sãovencedores e os fracos fracassam. Além disso, é necessário ser <strong>de</strong>stemido para ter sucesso,e também ser capaz <strong>de</strong> corre riscos. Assim como o tipo VIII supervaloriza a força e<strong>de</strong>smerece a fraqueza, ele atribui <strong>um</strong> valor excessivo à auto-suficiência e <strong>de</strong>nigre a<strong>de</strong>pendência. O tipo VIII sente que é válido causar sofrimento durante a busca da suasatisfação, <strong>um</strong>a vez que subsiste <strong>um</strong>a qualida<strong>de</strong> vingativa relacionada com <strong>um</strong>a época emque foi a vez <strong>de</strong>le <strong>de</strong> sofrer para a satisfação <strong>de</strong> outros. Se queremos alg<strong>um</strong>a coisa, vamos


em frente e a pegamos, não importa o que possa estar no caminho pensa ele. E ele tambémpensa que “o que as pessoas chamam <strong>de</strong> virtu<strong>de</strong> não passa <strong>de</strong> hipocrisia”. Para o sensualindivíduo VIII, os obstáculos da autorida<strong>de</strong> social são o inimigo, e <strong>de</strong>vemos agir <strong>de</strong> acordocom os nossos impulsos.O adaptável tipo IX do eneagrama não apenas sente mas pensa que quanto menosconflito existir, melhor, e que também é melhor não pensar <strong>de</strong>mais para evitar o sofrimento.Um corolário <strong>de</strong> evitar o conflito, portanto, é a tendência <strong>de</strong> se conformar e apoiar <strong>um</strong>ai<strong>de</strong>ologia conservadora. N<strong>um</strong> nível mais profundo e correspon<strong>de</strong>ntemente menos racional,contudo, existe no indivíduo o pensamento <strong>de</strong> que é melhor se embotar do que correr orisco <strong>de</strong> ser morto. O tabu sobre o egoísmo não é algo que existe apenas no nível dosentimento, mas também no intelectual. A pessoa acredita que não é bom ser egoísta e que<strong>de</strong>vemos nos submeter às necessida<strong>de</strong>s dos outros. Um lema para o tipo IX po<strong>de</strong>ria ser oseguinte: “não ponha em risco a harmonia existente”.Por mais verda<strong>de</strong>iro que seja o fato <strong>de</strong> que cada estilo interpessoal envolve <strong>um</strong>atendência cognitiva- no sentido <strong>de</strong> <strong>um</strong>a suposição implícita <strong>de</strong> que essa é a melhor maneira<strong>de</strong> ser – minha impressão é que isso não exaure <strong>um</strong>a análise do aspecto cognitivo daorientação <strong>de</strong> cada personalida<strong>de</strong>, e portanto, como participei no meu Preâmbulo, estareiexaminando do começo ao fim do livro, além das fixações e mecanismos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, o queeu chamo <strong>de</strong> “ilusões”: erros metafísicos, concepções errôneas implícitas com relação aoser.Chamei a visão que eu exponho nas seções <strong>de</strong>nominadas “PsicodinâmicasExistencial” <strong>de</strong> “Teoria da Neurose <strong>de</strong> Nasrudin” como referência à anedota sobre a chaveperdida.Dizem que o mula estava <strong>de</strong> quatro procurando alg<strong>um</strong>a coisa em <strong>um</strong> dos becos domercado. Um amigo juntou-se a ele na sua busca (conforme o mula explicou) da chave <strong>de</strong>sua casa. Somente <strong>de</strong>pois que <strong>um</strong> longo tempo havia se passado sem nenh<strong>um</strong> sucesso, oamigo teve a idéia <strong>de</strong> perguntar a Nasrudin: “Você tem certeza que per<strong>de</strong>u a chave aqui?”E ele respon<strong>de</strong>u: “Não, tenho certeza que perdi em casa.”. “Então por que você estáprocurando por ela aqui?”, perguntou o amigo. “Porque aqui está mais claro!” -explicou omulá.A idéia central <strong>de</strong>ste livro, portanto, é <strong>de</strong> que estamos procurando pela “chave” nolugar errado.O que é essa “chave” para nossa libertação e suprema realização? Do começoao fim <strong>de</strong>stas páginas eu a chamo <strong>de</strong> “Ser”, embora fosse possível afirmar com justiça quedar a ela esse nome é por <strong>de</strong>mais limitado e limitante. Po<strong>de</strong>mos dizer que somos, mas nãotemos a experiência <strong>de</strong> ser, não sabemos quem somos. Ao contrário, quanto maisintensamente examinamos nossa experiência, mais <strong>de</strong>scobrimos em sua essência <strong>um</strong>asensação <strong>de</strong> carência”<strong>um</strong> vazio e insubstancialida<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a falta <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> ser. É dafalta da sensação percebida do ser – na minha opinião- que <strong>de</strong>riva a “ motivação <strong>de</strong><strong>de</strong>ficiência”, o impulso oral básico que sustenta toda a árvore da libidoA libido neurótica não é Eros, como propôs Freud. Eros é a abundância, e a<strong>de</strong>ficiência é a busca da abundância, a motivação ordinária. Incluída na <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong>libido está a palavra “passional”, e as “paixões” que transpõe o espectro da motivaçãoneurótica são, aproximadamente falando, “<strong>de</strong>rivadas do instinto”. Mais exatamente, elas


são a expressão <strong>de</strong> <strong>um</strong> empenho em recobrar e sensação <strong>de</strong> ser que foi perdida através dainterferência do organismo. 14Po<strong>de</strong> ser dito que existe <strong>um</strong>a psicodinâmica original na ocasião da gênese do caráterna infância e <strong>um</strong>a psicodinâmica sustentadora na ida<strong>de</strong> adulta, e propõe que elas não sãoidênticas. Enquanto a psicodinâmica original constitui <strong>um</strong>a resposta à questão crucial <strong>de</strong>sermos ou não amado – ou mais especificamente <strong>um</strong>a resposta à frustração interpessoal,po<strong>de</strong>mos dizer que não é principalmente <strong>um</strong>a frustração amorosa o que sustenta amotivação <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência no adulto, e sim <strong>um</strong>a experiência <strong>de</strong> carência baseada n<strong>um</strong> vácuoôntico, que se autoperpetua e na auto-interferência existencial correspon<strong>de</strong>nte.Uma <strong>de</strong>claração para a análise sistemática <strong>de</strong> todas as estruturas <strong>de</strong> caráter à luz doobscurecimento ôntico e a “busca do Ser no lugar errado” foi a perspectiva <strong>de</strong> Guntrip, 15on<strong>de</strong> ele escreve: “A teoria psicanalítica teve durante muito tempo a aparência daexploração <strong>de</strong> <strong>um</strong> circulo que não tinha <strong>um</strong> centro obvio, até que surgiu a psicologia doego. A exploração teve que começar com os fenômenos periféricos – comportamento,disposições do ânimo, sintomas, conflitos, ‘mecanismos mentais’, impulsos eróticos,agressão, medo, culpa, estados psicóticos e psiconeuróticos, instintos e impulsos, zonaserógenas, estágios <strong>de</strong> amadurecimento e assim por diante. Tudo isso é naturalmenteimportante e precisa encontrar seu lugar na teoria total, mas na verda<strong>de</strong> tudo é secundáriocom relação a <strong>um</strong> fator absolutamente fundamental, que é a ‘essência’ da ‘pessoa comotal’”.É o sentimento da ausência <strong>de</strong>ssa essência que estou postulando como o núcleo <strong>de</strong>toda a psicopatologia. 16 Esse fator fundamental na raiz <strong>de</strong> todas as paixões (motivação <strong>de</strong><strong>de</strong>ficiência) é <strong>um</strong>a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser que existe lado a lado com <strong>um</strong>a vaga apreensão da perda doser.Acrescentarei apenas a essa teoria, nesse ponto, a asserção <strong>de</strong> que on<strong>de</strong> quer que o“ser” pareça estar, ele não está; e que o ser só po<strong>de</strong> ser encontrado da maneira maisimprovável: Através da aceitação do não-ser e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a jornada através do vazio.14 Em coerência com a noção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a perturbação do eu subjacente aos distúrbios narcisistas <strong>de</strong> Kohut, porémmais geral, a visão <strong>de</strong>talhada aqui percebe essa “perturbação do eu” como a essência <strong>de</strong> cada forma <strong>de</strong>psicopatologia, e não apenas o resultado inevitável da fragmentação como também a perturbação mais geralda auto-regulação própria do organismo a ela subjacente.15 Op. Cit.16 Guntrip utiliza o termo ego “para <strong>de</strong>notar <strong>um</strong> estado ou condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do todo psíquico, datotalida<strong>de</strong> do eu.“Ego” expressa a auto-realização da psique e cada processo psíquico possui <strong>um</strong>a ‘qualida<strong>de</strong>do ego’, seja a <strong>de</strong> <strong>um</strong> ego fraco ou forte.”(p.194, op.cit.). Sobre a fraqueza do ego, Guntrip escrevo oseguinte: “Existe <strong>um</strong> maior ou menor grau <strong>de</strong> imaturida<strong>de</strong> na estrutura <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os seresh<strong>um</strong>anos, e esta imaturida<strong>de</strong> é vivenciada como <strong>um</strong>a explícita fraqueza e ina<strong>de</strong>quação do ego”. Ele tambémescreve: “A sensação da fraqueza surge <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ausência <strong>de</strong> sentimentos confiáveis com relação à própriarealida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como <strong>um</strong> ego”. (p. 176, op. cit.). É claro que escolhi falar sobre o “ser” ou “senso <strong>de</strong>ser” em vez <strong>de</strong> “ego” ou “auto-i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>” para a essência da pessoa saudável, e <strong>de</strong> “<strong>de</strong>ficiência ôntica” ou“obscurecimento ôntico” para a essência da neurose – em vez <strong>de</strong> adotar a “insegurança ôntica” <strong>de</strong> Laing ou a“fraqueza do ego” <strong>de</strong> Guntrip, ambas as quais evocam <strong>um</strong>a nuança específica (tipo VI do eneagrama) <strong>de</strong> <strong>um</strong>aexperiência mais universal.

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