luzcâmeraaçãoAlma de ParisPiaf – Um Hino de Amor é uma história de paixões,frustrações amorosas e tragédias – inclusive umassassinato – que marcaram a vida dagrande diva da música francesaPOR REYNALDO DOMINGOS FERREIRAApesar de não mostrar umretrato por inteiro da vida amorosade Edith Piaf e de ter narrativamuito picotada por seguidosfashbacks, o que pode confundiro espectador, o filme de OlivierDahan, além de ter uma boainterpretação de Marion Cotillardno papel da cantora francesa,comove principalmente pela paixãocom que foi realizado.É esse realmente o grande atributodo filme – intitulado La Vie en Rose naFrança, onde obteve sucesso, mas nãoconseguiu ser premiado em Berlim –que mais parece uma declaração deamor de Olivier Dahan, responsávelpelo roteiro e pela direção, à cantora, aqual, malgrado o sucesso que alcançouno mundo inteiro, teve uma vidapontilhada por muitos acontecimentosbizarros e trágicos.Alguns desses acontecimentossão mostrados no filme, que focalizamais aspectos da vida americana deEdith Piaf, pois ela morou durantealgum tempo em seu apartamento naPark Avenue, em Nova York, e viajoumuito com seus fiéis amigos pelointerior dos EUA, tomandochampanhe e se drogando durantetodo o tempo. Os momentos de Piafna França são, no filme, os de muitapobreza e dificuldade, além daqueles44
em que volta para se despedir noOlympia e morrer, em 1963, em Grasse,na Provence. Mas ela foi enterrada nocemitério Père Lachaise, em Paris, ondeseu túmulo continua sendo muitovisitado.O filme de Dahan não ressalta,por exemplo, a fase em que, apósser descoberta, aos 17 anos, peloempresário Louis Leplée (GérardDepardieu), Edith recebeu o nome deLa Môme Piaf e se tornou rica e famosacomo Mistinguette, Charles Trénet eTino Rossi. Nem menciona o fato deela ter descoberto o cantor e ator YvesMontand, que se tornaria uma de suaspaixões até que ele, rico e famoso, secasasse com Simone Signoret. E muitomenos destaca, como seria necessário,a meu ver, sua amizade com JeanCocteau, Gilbert Bécaud e CharlesAznavour – que foi seu secretário emNova York – nem seu último casamentocom Theo Sarpo, com quem gravouum disco.Edith Giovanna Gassion nasceuem 1915, em Belleville, bairro pobrede Paris. Era filha de uma cantora derua e de um contorcionista de circo,Louis Gassion (Jean-Paul Rouve), mascomo vivia à míngua, perambulandopelo bairro onde nasceu, foi levada paraa Normandia a fim de ser criada pelaavó (Sylvie Testud), dona de um bordel.Assim, Edith passou a viver no meiodas prostitutas, despertando emalgumas delas, como Titine(Emmanuelle Seigner), o instintomaternal que às vezes se exacerbava.Quando, certo dia, Edithamanheceu sem poder enxergar a luzdo dia, o médico diagnosticou infecçãona retina, difícil, segundo ele, de sertratada. As meninas do bordel decidementão levar Edith ao túmulo de SantaTerezinha, em sua cidade natal, Lisieux,que fica próxima. Diante do túmulo,Edith, além de oferecer um buquê deflores à santa, pede-lhe fervorosamenteque lhe conceda a graça de voltar aenxergar. Retornando a casa, no diaseguinte, ela recupera a visão.Em vista disso, Edith se apega aSanta Terezinha, quando tem deenfrentar momentos trágicos de suavida, que são muitos, pois se tornasuspeita de haver participado doassassínio de Leplée, escapa de acidentede carro com um de seus amantesamericanos, tenta o suicídio, perde afilha, Marcelle, vítima de meningite,e um de seus grandes amores, MarcelCerdan (Jean-Pierre Martins), campeãomundial de boxe, morre em desastrede avião ao atender ao seu chamadotelefônico para ir encontrá-la emNova York.É por sinal do relacionamento deEdith Piaf com Marcel Cerdan queDahan extrai as duas seqüências maisempolgantes de seu filme: a primeira éa que focaliza, pelas belas imagens deTetsuo Nagata, a luta de Marcel noringue, enquanto Edith torce por ele naplatéia e, pela trilha sonora, canta umde suas mais líricas canções; a segundaé quando Edith, em seu apartamento,em imagem subjetiva, vê Marcel chegar,abraçá-la, tirar o paletó e deitar-se nacama, enquanto ela vai procurar orelógio que comprara para ele e, emimagem objetiva, fica sabendo pelasdemais pessoas que a cercam da mortedele no desastre de aviação.É nesse segundo momento, também,que a atriz Marion Cotillard, ajudadapor uma maquiagem excepcional, tem oseu melhor e mais dramático momentona composição do papel de La Piaf.Pena é que em algumas outrasseqüências ela se exceda em fazercaretas, o que, apesar de parecerapropriado pela origem circense dapersonagem, desmerece suapersonalidade de atriz. Quem ensinavaisso bem era Giulietta Masina. Mas,nas cenas finais, principalmente quandocanta, no Olympia, Non, je ne regrette rien(Não, eu não lamento nada), de CharlesDumont e Michel Vaucaire, Cotillardestá magnífica. Aliás, segundo consta,a atriz teria estudado canto parainterpretar o papel de Edith Piaf,cuja voz, segundo Marlene Dietrich(Caroline Sillrol), era a alma de Paris.No elenco de bom nível se destacamainda, como não poderia deixar de ser,Gérard Depardieu, numa breve apariçãocomo Louis Leplée, Jean Paul Rouve,como Louis Gassion, e EmmanuelleSeigner, como Titina. Mas quem marcapresença no filme, além de Cotillard, éo estreante Jean-Pierre Martins no papelde Marcel Cerdan, tanto nas cenas depugilismo como na última em queaparece na imagem subjetiva de EdithPiaf. Também a trilha sonora, deChristopher Gunning, é outro atributodo belo filme de Dahan, constituída de,entre outras músicas, La vie en rose, deLouiguy, Millord, de Marguerite Monnote Georges Moustaki, L´Hymne àl´Amour, de Marguerite Monnot, e LesMômes de la Cloche, de Vincent Scotto.Piaf – Um Hino ao AmorFrança, Reino Unido e RepúblicaTcheca/2007, 140 min. Direção: OlivierDahan. <strong>Roteiro</strong>: Olivier Dahan e IsabelleSobelman. Com Marion Cotillard, GérardDepardieu, Sylvie Testud, Pascal Grégory,Emmanuelle Seigner, Jean Paul Rouve, Jean-Pierre Martins e Clotilde Cerveau.Fotos: Divulgação45