13.07.2015 Views

Gestão Ambiental e Negociação de Conflitos em Unidades ... - Sema

Gestão Ambiental e Negociação de Conflitos em Unidades ... - Sema

Gestão Ambiental e Negociação de Conflitos em Unidades ... - Sema

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Rodrigo Cambará Printes Org.


"Livro financiado com recursos do Subprograma Projetos D<strong>em</strong>onstrativos do tipo Apara florestas tropicais do Brasil/Ministério do Meio Ambiente (PDA/MMA), parteintegrante do Projeto Gerenciamento Integrado <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da MataAtlântica: a capacitação<strong>em</strong> gestão participativa como uma estratégia <strong>de</strong> conservação(PDA-468MA)".Diagramação:Lilian Lopes MartinsCapa:Iuri e Igor BuffonFotos:Iuri Buffon, Rodrigo Cambará Printes e Sílvio KrombanerRevisão:Rodrigo Cambará PrintesImpressão:CORAG - Companhia Rio-gran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> Artes GráficasTirag<strong>em</strong>: 1000 ex<strong>em</strong>plares2012PRINTES, Rodrigo Cambará (Org.)Gestão ambiental e negociação <strong>de</strong> conflitos <strong>em</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação do nor<strong>de</strong>ste do RioGran<strong>de</strong> do Sul / Rodrigo Cambará Printes (Org.). – Porto Alegre: CORAG, 2012.165 p.; il.; color.Bibliografia.ISBN: 978-85-7770-187-21. Gestão <strong>Ambiental</strong>. 2. Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação. 3. Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong>. I.PRINTES, Rodrigo Cambará. II.Título.CDU: 504


LISTA DE FIGURAS:Figura 1: Mapa geral das áreas estudadas e respectivas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação....................16Figura 2: Percentual <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> crime ambiental por tipo......................................................... 25Figura 3: Percentuais <strong>de</strong> atuações <strong>em</strong> intervalos <strong>de</strong> duas horas ao dia........................................... 28Figura 4: Percentual <strong>de</strong> autuações por dia da s<strong>em</strong>ana............................................................................... 28Figura 5: Percentual <strong>de</strong> autuações por município......................................................................................... 29Figura 6: Principais cultivos realizados na APA Rota do Sol...................................................................... 40Figura 7: Sobreposição das cultivares <strong>de</strong> batata com o zoneamento ecológico-econômicoda APA Rota do Sol <strong>de</strong>finido pelo plano <strong>de</strong> manejo...................................................................................... 52Figura 8: O município <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, as fazendas pesquisadas (1 a 4) e a APARota do Sol............................................................................................................................................................................... 66Figura 9: Impactos causados pela construção <strong>de</strong> rodovias e pelo tráfego <strong>de</strong> veículos naspopulações <strong>de</strong> animais silvestres. Modificado a partir <strong>de</strong> JAEGER et al., 2006.............................. 77Figura 10: Variação t<strong>em</strong>poral no número <strong>de</strong> atropelamentos para cada um dos grupos <strong>de</strong>vertebrados, consi<strong>de</strong>rando o primeiro dia <strong>de</strong> cada campanha (<strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro não houve monitoramento<strong>de</strong>vido a uma queda <strong>de</strong> barreira na rodovia)....................................................................... 87Figura 11: Perfil altimétrico, localização <strong>de</strong> pontes <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> fauna e intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>agregações ao longo da Rodovia Rota do Sol, num raio <strong>de</strong> 100m....................................................... 89Figura 12: Perfil altimétrico, localização <strong>de</strong> pontes <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> fauna e intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agregações<strong>de</strong> atropelamentos ao longo da Rodovia Rota do Sol, num raio <strong>de</strong> 1000 m......................... 89Figura 13: Mapa <strong>de</strong> uso e cobertura do solo do Parque Estadual do Tainhas, 1984..............101Figura 14: Mapa <strong>de</strong> uso e cobertura do solo do Parque Estadual do Tainhas, 1997..............102Figura 15: Mapa <strong>de</strong> uso e cobertura do solo do Parque Estadual do Tainhas, 2009..............103Figura 16: Parque Natural Municipal da Ronda <strong>em</strong> relação ao município <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong>Paula...........................................................................................................................................................................................127


LISTA DE TABELASTabela 1: Agrupamento <strong>de</strong> autuações <strong>de</strong> acordo com o tipo <strong>de</strong> crime.......................................... 23Tabela 2: Ocorrência <strong>de</strong> autuações <strong>em</strong> APP...................................................................................................... 26Tabela 3: Percentual <strong>de</strong> autuações por ano....................................................................................................... 27Tabela 4: Percentual <strong>de</strong> autuações por estação do ano............................................................................. 27Tabela 5: Comparação entre área e quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuações............................................................. 29Tabela 6: Percentual <strong>de</strong> autuações na parte alta e baixa da APA Rota do Sol.............................. 30Tabela 7: Comparação entre extensão <strong>de</strong> estradas e quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuações....................... 30Tabela 8: Percentual <strong>de</strong> ocorrências <strong>em</strong> relação a distância das estradas...................................... 31Tabela 9: Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuações por categoria <strong>de</strong> zoneamento.................................................. 31Tabela 10: Agrotóxicos utilizados <strong>de</strong>ntro da APA Estadual Rota do Sol........................................... 41Tabela 11: Perfil dos pecuaristas que a<strong>de</strong>riram a práticas alternativas às queimadas para omanejo <strong>de</strong> campos nativos <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, RS...................................................................... 68Tabela 12: Caracterização da ativida<strong>de</strong> pecuária s<strong>em</strong> queima <strong>de</strong> campo nas proprieda<strong>de</strong>sinvestigadas............................................................................................................................................................................. 69Tabela 13: Tamanho das proprieda<strong>de</strong>s, área <strong>de</strong>stinada ao manejo e t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> utilização dapecuária s<strong>em</strong> fogo............................................................................................................................................................... 70Tabela 14: Ovinocultura e silvicultura nas proprieda<strong>de</strong>s pesquisadas.............................................. 71Tabela 15: Renda por hectare nas proprieda<strong>de</strong>s que utilizam a pecuária s<strong>em</strong> fogo............... 71Tabela 16: Espécies e número <strong>de</strong> indivíduos dos atropelamentos registrados na RodoviaRota do Sol, entre julho <strong>de</strong> 2009 e julho <strong>de</strong> 2010............................................................................................ 81Tabela 17: Dinâmica do uso e cobertura do solo no Parque Estadual do Tainhas, nos anos <strong>de</strong>1984, 1997 e 2009..............................................................................................................................................................101Tabela 18: Resultados dos parâmetros obtidos nos pontos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> água do rio Tainhas,na Vila Unidos, Cambará do Sul, <strong>em</strong> comparação com os padrões da Resolução CONAMAnúmero 357/05....................................................................................................................................................................116Tabela 19: Esforço amostral e distribuição geográfica das entrevistas...........................................128Tabela 20: Principais conflitos pré-impl<strong>em</strong>entação do PNMR i<strong>de</strong>ntificados através das entrevistase sugestões <strong>de</strong> possíveis acordos........................................................................................................134


LISTA DE SIGLASANVISA – Agência Nacional <strong>de</strong> Vigilância SanitáriaAPA - Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong>APP – Área <strong>de</strong> Preservação PermanenteASCAR – Associação Riogran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> Empreendimentos <strong>de</strong> Assistência Técnica eExtensão RuralBMP – Bitmap (formato matricial digital)BOA – Boletim <strong>de</strong> Ocorrência <strong>Ambiental</strong>CAPES – Coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Pessoal <strong>de</strong> Nível SuperiorCEASA – Centro Estadual <strong>de</strong> Abastecimento S.A.CF – Constituição Fe<strong>de</strong>ralCITE-78 - Clube <strong>de</strong> Integração e Trocas, São Francisco <strong>de</strong> Paula, RSCONAMA – Conselho Nacional do Meio AmbienteCOOPAF - Cooperativa da Agricultura Familiar e Consumidores <strong>de</strong> São Francisco<strong>de</strong> Paula, RSCORSAN – Companhia Riogran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> SaneamentoCNPq – Conselho Nacional <strong>de</strong> Desenvolvimento Científico e TecnológicoDDT - Dicloro-Difenil-TricloroetanoDEFAP – Departamento <strong>de</strong> Florestas e Áreas Protegidas/SEMADESMA - Núcleo <strong>de</strong> Estudos <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica/UFRGSDP – Desvio padrãoDRH – Departamento <strong>de</strong> Recursos Hídricos/SEMAEPI – Equipamento <strong>de</strong> Proteção IndividualESEC – Estação EcológicaETE – Estação <strong>de</strong> Tratamento <strong>de</strong> EsgotosFAPERGS – Fundação <strong>de</strong> Amparo à Pesquisa do Rio Gran<strong>de</strong> do SulFEPAM – Fundação Estadual <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Henrique Luiz Roessler (RS)FOM – Floresta Ombrófila MistaGANECO – Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (UERGS/SEMA)GL – Graus <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>


GPS – Global Positioning Syst<strong>em</strong> (sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> posicionamento global)Ha – HectareIBGE – Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e EstatísticaICMBio- Insituto Chico Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da Biodiversida<strong>de</strong>INPE – Instituto Nacional <strong>de</strong> Pesquisas EspaciaisINPEV – Instituto Nacional <strong>de</strong> Processamento <strong>de</strong> Embalagens VaziasKFW – Entwicklunsbank (Banco da Al<strong>em</strong>anha)MCT – Ministério da Ciência e TecnologiaMDA – Ministério do Desenvolvimento AgrárioMDE – Mo<strong>de</strong>lo Digital <strong>de</strong> ElevaçãoPCMA-RS – Programa <strong>de</strong> Conservação da Mata Atlântica (convênio SEMA/KFW)PFNM – Produto Florestal Não Ma<strong>de</strong>irávelPGDR - Programa <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural/UFRGSPLAGEDER – Curso <strong>de</strong> Graduação Tecnológica <strong>em</strong> Planejamento e Gestão para oDesenvolvimento Rural/UFRGSPNMR – Parque Natural Municipal da Ronda, São Francisco <strong>de</strong> Paula, RSPRAD – Projeto <strong>de</strong> Recuperação <strong>de</strong> Área DegradadaREBIO – Reserva BiológicaRGB – Red, Green, Blue (composição <strong>de</strong> bandas coloridas <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> satélite)RMS – Root Mean Square Error (erro médio quadrático)SAF – Sist<strong>em</strong>a Agro FlorestalSESAN – Secretaria Nacional <strong>de</strong> Segurança Alimentar e NutricionalSEMA – Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do SulSHP – Shapefile (formato vetorial digital)SIG – Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação GeográficaSISNAMA – Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Meio Ambiente (Lei Fe<strong>de</strong>ral 6.938/81)SNUC – Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.985/00)TI – Terra IndígenaUAB – Universida<strong>de</strong> Aberta do BrasilUC – Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ConservaçãoUERGS – Universida<strong>de</strong> Estadual do Rio Gran<strong>de</strong> do SulUFRGS – Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do SulUTM – Universal Transversa <strong>de</strong> Mercator (projeção universal cilíndrica cartográfica)


Lista <strong>de</strong> autores por or<strong>de</strong>m alfabéticaANDREAS KINDELBiólogo. Professor da UFRGS. Programa <strong>de</strong> Pós Graduação <strong>em</strong> Ecologia, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do RioGran<strong>de</strong> do Sul. E-mail: andreas.kin<strong>de</strong>l@ufrgs.brAROLDO VIEIRATecnólogo <strong>em</strong> gestão ambiental. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP95.400.00. E-mail: aroldovieira5@gmail.comCAMILA VIEIRA-DA-SILVAEngenheira agrônoma, doutoranda. Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural, UFRGS.E-mail: camivs@gmail.comDAMIANE BOZIKITecnóloga <strong>em</strong> gestão ambiental. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP95.400.00. E-mail: dammyy@gmail.comDANIEL VILASBOAS SLOMPBiólogo, técnico da SEMA, gestor do Parque Estadual do Tainhas. Parque Estadual do Tainhas, Secretariado Meio Ambiente do Estado (SEMA) – Rua Henrique Lopes da Fonseca, 36, Centro, São Francisco <strong>de</strong>Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP 95.400.00. E-mail: daniel-slomp@s<strong>em</strong>a.rs.gov.brECLÉIA BRANQUEL FREITASTecnóloga <strong>em</strong> gestão ambiental. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) – Rua Assis Brasil 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP95.400.00. E-mail: freitas.ecleia@gmail.comELIZABETE MENGER DE OLIVEIRATecnóloga <strong>em</strong> gestão ambiental. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong>(GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,Brasil, CEP 95.400.00. E-mail: betynhaoliveira@hotmail.comFERNANDA ZIMMERMAN TEIXEIRABióloga, doutoranda. Programa <strong>de</strong> Pós Graduação <strong>em</strong> Ecologia, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> doSul. E-mail: fe_bio04@yahoo.comGUSTAVO MARTINSEngenheiro agrônomo, mestrando. Programa <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural/UFRGS,Núcleo <strong>de</strong> Estudos <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica (DESMA). E-mail: gustavo.martins@ufrgs.br


IURI BUFFONTecnólogo <strong>em</strong> gestão ambiental. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP95.400.00. E-mail: iuribuffon@gmail.comLEONARDO BEROLDTProfessor da UERGS. Pró-reitor <strong>de</strong> ensino. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong>(GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP95.400.00. E-mail: beroldt@gmail.comLUCAS GUILHERME HAHN KEHLTecnólog <strong>em</strong> gestão ambiental. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) – Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil. CEP95.400.000. e-mail: lucaskehl@gmail.comLOVOIS DE ANDRADE MIGUELEngenheiro agrônomo. Professor da UFRGS. Programa <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural/UFRGS. E-mail: pgdr@ufrgs.brRODRIGO CAMBARÁ PRINTESBiólogo. Professor da UERGS. Coor<strong>de</strong>nador do GANECO. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação<strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong>do Sul, Brasil, CEP 95.400.00. E-mail: rodrigo-printes@uergs.edu.brRUMI REGINA KUBOBióloga. Professora da UFRGS. Departamento <strong>de</strong> Economia, Núcleo <strong>de</strong> Estudos <strong>em</strong> DesenvolvimentoRural Sustentável e Mata Atlântica (DESMA)/UFRGS. E-mail: rumikubo2002@gmail.comSILVIO ANDRÉ KRONBAUERTecnólogo <strong>em</strong> gestão ambiental. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP95.400.00. E-mail: silviokronbauer@hotmail.comTHIAGO SILVA DOS ANJOSTecnólogo <strong>em</strong> gestão ambiental. Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) – Rua Assis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil. CEP95.400-000. E-mail: thiago.sv.anjos@gmail.com


SUMÁRIOAPRESENTAÇÃO......................................................................................................................................................17CAPÍTULO 1DISTRIBUIÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DOS AUTOS DE INFRAÇÃO NA ÁREA DE PROTEÇÃOAMBIENTAL ESTADUAL ROTA DO SOL, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL......................................19CAPÍTULO 2UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS E DESTINAÇÃO DAS EMBALAGENS NA ÁREA DE PROTE-ÇÃO AMBIENTAL ESTADUAL ROTA DO SOL, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL..........................37CAPÍTULO 3SITUAÇÃO ATUAL DO CULTIVO DE BATATA (Solanum Tuberosum L.) E O USO DE AGROTÓ-XICOS NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL ESTADUAL ROTA DO SOL, RIO GRANDE DOSUL, BRASIL....................................................................................................................................................................49CAPÍTULO 4ALTERNATIVAS AO USO DO FOGO NO MANEJO DE CAMPOS NATIVOS PARA ATIVIDADEAGROPASTORIL EM SÃO FRANCISCO DE PAULA, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL................61CAPÍTULO 5ATROPELAMENTOS DE ANIMAIS SILVESTRES NA ROTA DO SOL: COMO MINIMIZAR ESSECONFLITO E SALVAR VIDAS?................................................................................................................................77CAPÍTULO 6DINÂMICA DO USO DO SOLO NA ÁREA DESTINADA AO PARQUE ESTADUAL DO TAI-NHAS, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL: O CASO DA SILVICULTURA DE Pinus SPP.................97CAPÍTULO 7SUGESTÕES PARA A DESTINAÇÃO DO LIXO E O TRATAMENTO DE EFLUENTES SANI-TÁRIOS DA VILA UNIDOS, CAMBARÁ DO SUL, A PARTIR DA PERCEPÇÃO DOS SEUSMORADORES.............................................................................................................................................................111CAPÍTULO 8IDENTIFICAÇÃO DOS CONFLITOS PRÉ-IMPLEMENTAÇÃO DO PARQUE NATURAL MUNI-CIPAL DA RONDA, SÃO FRANCISCO DE PAULA, RIO GRANDE DO SUL, BRASIL...............125CAPÍTULO 9CARACTERÍSTICAS DO EXTRATIVISMO DO PINHÃO E SITUAÇÕES DE CONFLITO NO NOR-DESTE DO RIO GRANDE DO SUL, BRASIL.................................................................................................139CAPÍTULO 10:ECONEGOCIAÇÃO..................................................................................................................................................153BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................................................16413


APRESENTAÇÃOEste livro resulta dos trabalhos <strong>de</strong>senvolvidos pelo Laboratório <strong>de</strong> Gestão<strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO), entre 2008-2011, naregião nor<strong>de</strong>ste do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.O GANECO nasceu <strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2008, através <strong>de</strong> uma parceria entreo Curso Superior <strong>de</strong> Tecnologia <strong>em</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> da Universida<strong>de</strong>Estadual do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UERGS) e a Secretaria do Meio Ambiente doEstado (SEMA), ambos com se<strong>de</strong> <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula. Originalmenteo GANECO foi previsto <strong>de</strong>ntro do plano <strong>de</strong> manejo da Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong>Estadual Rota do Sol (APA Rota do Sol), com o objetivo <strong>de</strong> produzirconhecimento técnico-científico para auxiliar na negociação dos conflitosambientais gerados pela implantação daquela unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação.Após um ano <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, as pesquisas e ações do GANECO já haviamextrapolado a poligonal da APA Rota do Sol e estavam cont<strong>em</strong>plandooutras unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação, como o Parque Estadual do Tainhas e oParque Natural Municipal da Ronda, além das zonas <strong>de</strong> amortecimento daReserva Biológica da Mata Paludosa, do Parque Nacional da Serra Geral e daFloresta Nacional <strong>de</strong> São Francisco. Além disso, foram incorporadas comoáreas <strong>de</strong> estudo as reservas legais (averbadas ou não), áreas <strong>de</strong> preservaçãopermanente e outros fragmentos <strong>de</strong> mata e campo situados <strong>em</strong> proprieda<strong>de</strong>sprivadas, fora da malha <strong>de</strong> áreas protegidas, na região nor<strong>de</strong>ste doRio Gran<strong>de</strong> do Sul. A proximida<strong>de</strong> geográfica entre diversas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>conservação e proprieda<strong>de</strong>s privadas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância ambiental favorec<strong>em</strong>a gestão integrada e a discussão dos conflitos comuns naquelaregião do Estado (Figura 1).Em 2010 os estudantes e professores da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do RioGran<strong>de</strong> do Sul (UFRGS), presente <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula através do CursoSuperior Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural (PLAGE-DER), oferecido no pólo da Universida<strong>de</strong> Aberta do Brasil (UAB), e do Curso<strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural (PGDR), também passaram aparticipar do GANECO. Na mesma época professores e alunos do Curso <strong>de</strong>Pós-Graduação <strong>em</strong> Ecologia da UFRGS passaram a <strong>de</strong>senvolver pesquisasjunto ao GANECO.Neste volume o leitor encontrará sete capítulos resultantes <strong>de</strong> trabalhos<strong>de</strong> conclusão <strong>de</strong> curso <strong>de</strong> alunos da UERGS, além <strong>de</strong> dois capítulos<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> um mestrado e um doutorado da UFRGS. O último capítuloé uma reflexão geral sobre tais experiências.Hoje o GANECO segue <strong>em</strong> plenas ativida<strong>de</strong>s. Sua história <strong>de</strong>monstra quea parceria entre instituições e pessoas po<strong>de</strong> gerar proprieda<strong>de</strong>s <strong>em</strong>ergentes,como ocorre com as interações entre espécies num ecossist<strong>em</strong>a. Os <strong>de</strong>talhes<strong>de</strong>sta história estão a sua disposição nas próximas páginas <strong>de</strong>ste livro.Boa leitura!15


16Figura 1: Mapa geral das áreas estudadas e respectivas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação


CAPÍTULO 1:DISTRIBUIÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DOS AUTOS DEINFRAÇÃO NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTALESTADUAL ROTA DO SOL, RIO GRANDE DO SUL, BRASILTIME AND SPATIAL DISTRIBUTION OF ENVIRONMENTALCRIMES IN THE ROTA DO SOL STATE ENVIRONMENTALPROTECTED AREA, RIO GRANDE DO SUL, BRAZILSilvio André KRONBAUER, 1 Iuri BUFFON 2 & Rodrigo Cambará PRINTES 3ResumoÁrea <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> (APA) é uma das sete categorias <strong>de</strong> unida<strong>de</strong><strong>de</strong> conservação (UC) <strong>de</strong> uso sustentável previstas pelo Sist<strong>em</strong>a Nacional<strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.985/00). A ocupação humana<strong>em</strong> seu interior é permitida, mas a fiscalização da legislação ambiental éreforçada, levando a conflitos que po<strong>de</strong>m culminar <strong>em</strong> crimes ambientais.Compreen<strong>de</strong>r os crimes que ocorr<strong>em</strong> numa APA é importante do ponto <strong>de</strong>vista da gestão. Consi<strong>de</strong>rando que as autuações possu<strong>em</strong> as coor<strong>de</strong>nadasgeográficas dos locais <strong>de</strong> ocorrência, é possível avaliar sua distribuição espacialatravés <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> geoprocessamento e Sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> InformaçãoGeográfica. O objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi fazer um diagnóstico da distribuiçãoespacial e t<strong>em</strong>poral dos crimes ambientais na APA Rota do Sol entre2005 e 2008. As fontes primárias foram os autos <strong>de</strong> infração lavrados pelaBrigada Militar e pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado. Os autos <strong>de</strong>infrações foram selecionados por município, <strong>de</strong>pois por coor<strong>de</strong>nada geográficae por último espacializados com o auxílio <strong>de</strong> software <strong>de</strong>ntro dapoligonal da APA Rota do Sol. As autuações foram classificadas por similarida<strong>de</strong><strong>em</strong> sete categorias. A categoria <strong>de</strong> maior frequência foi <strong>de</strong>smatamento.Mais <strong>de</strong> 64% das autuações se referiam a infrações cometidas <strong>em</strong>Área <strong>de</strong> Preservação Permanente (APP). Verificou-se um maior número <strong>de</strong>autuações <strong>em</strong> 2008, primeiro ano <strong>de</strong> implantação da UC. A estação do ano1,2,3Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro,São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP 95.400.00. e-mail: silviokronbauer@hotmail.com/iuribuffon@gmail.com/rodrigo-printes@uergs.edu.br17


com maior ocorrência <strong>de</strong> autuações foi o verão. O município com maiorocorrência <strong>de</strong> autuações foi São Francisco <strong>de</strong> Paula, porém 50% da APAestá neste município. Itati apresentou 50% a mais <strong>de</strong> autuações do que osoutros três municípios afetados pela UC. Cerca <strong>de</strong> 93% das autuações foramfeitas <strong>em</strong> até 1 quilômetro <strong>de</strong> alguma estrada. A maioria das autuações foifeitas no intervalo das 11h às 13h e das 13h às 15h. A maior parte <strong>de</strong>lasfoi efetuada <strong>em</strong> terças e quartas-feiras. A partir da análise da distribuiçãoespaço-t<strong>em</strong>poral <strong>de</strong> autuações <strong>de</strong>ntro da APA foram sugeridas novas estratégias<strong>de</strong> gestão territorial.Palavras-chave: fiscalização, gestão ambiental, geoprocessamento.AbstractIn Brazil, the Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> (APA) – Environmental ProtectionArea – is one of the seven categories of sustainable preservationunits (PU) listed in the Fe<strong>de</strong>ral Law number 9,985/2000. Eventhough environmentallaw control is reinforced, human occupation within its limits isallowed, what might generate environmental crimes. Un<strong>de</strong>rstanding thecrimes that occur in an APA is important as far as its manag<strong>em</strong>ent is concerned.So it is possible to study these criminal occurrences by geoprocessingtechniques (using GIS), since the infraction reports contain the indicationsof geographic coordinates. The objective of the present research has beento evaluate the time and spatial distribution of environmental infractionreports insi<strong>de</strong> the Rota do Sol Protected Area, between the years of 2005and 2008. The study was done in the offices of the State Environmental Secretaryand Environmental Police, in São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> doSul, Brazil. The data was collected within unit limits, being selected, first byeach municipal district occurrence, after that, by geographical coordinates,and, at last, with the use of a software aid within the limits of the Rota doSol APA. The reports have been classified in seven kinds by their similarities.The most occurrences have fallen un<strong>de</strong>r <strong>de</strong>foresting. More than 64% of theinfractions have reached Permanent Preservation Areas (PPA). The greatestnumber of infractions occurred in 2008, when the PU was first established.Summer is the season when there is the most number of infractions. SãoFrancisco <strong>de</strong> Paula is the municipal district where occurs the most infractionscaring lawsuits; though, important to note, APA is in this town. Itati,another district, presented 50% infractions more than the other three districtsinclu<strong>de</strong>d in the PU. 93% of all the infractions have happened around18


1km distant to any road. Most of the infractions have occurred between11:00 to 13:00 and 13:00 to 15:00, on Tuesdays and Wednesdays. From theanalysis of time and space distribution of infractions and lawsuits within theAPA new strategies of manag<strong>em</strong>ent have been suggested.Key words: inspection, environmental manag<strong>em</strong>ent, geoprocessing1. IntroduçãoO Artigo 7º da Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.985/00 (Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Conservação, SNUC) divi<strong>de</strong> as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação (UC) <strong>em</strong> dois grupos:Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Proteção Integral e Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Uso Sustentável, grupono qual está incluída a categoria Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> (APA). Oobjetivo básico das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Uso Sustentável é: “compatibilizar a conservaçãoda natureza com o uso sustentável <strong>de</strong> parcela dos seus recursosnaturais”. A APA é <strong>de</strong>finida pelo Artigo 15 do SNUC como sendo:“Uma área <strong>em</strong> geral extensa, com um certo grau <strong>de</strong>ocupação humana, dotada <strong>de</strong> atributos abióticos,bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantespara a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e o b<strong>em</strong>-estardas populações humanas, e t<strong>em</strong> como objetivosbásicos proteger a diversida<strong>de</strong> biológica, disciplinaro processo <strong>de</strong> ocupação e assegurar a sustentabilida<strong>de</strong>do uso dos recursos naturais”.A lei informa ainda que a APA po<strong>de</strong> ser constituída por terras públicasou privadas, e que po<strong>de</strong>m ser estabelecidas normas e restrições para a utilização<strong>de</strong> uma proprieda<strong>de</strong> privada localizada numa APA, respeitados oslimites constitucionais.Há no Brasil cerca <strong>de</strong> 8.000.000 <strong>de</strong> hectares <strong>em</strong> Áreas <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong>(VIO & BENJAMIN, 2001). Dentre as UC situadas no Rio Gran<strong>de</strong> doSul, merece <strong>de</strong>staque a APA Rota do Sol, criada pelo Decreto Estadual nº37.346, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, por ser a maior unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação noBioma Mata Atlântica no Estado.De acordo com o plano <strong>de</strong> manejo da APA Rota do Sol (RIO GRANDEDO SUL, 2009), se por um lado a criação da APA não impõe a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> terras, por outro coloca aos moradores o <strong>de</strong>safio domanejo sustentável, ou <strong>de</strong> menor impacto, dos recursos naturais. A não observânciadas normas previstas pelo plano <strong>de</strong> manejo, mas principalmente19


pelo Código Florestal Nacional (Lei Fe<strong>de</strong>ral 4.771/1965) e pela Lei <strong>de</strong> CrimesAmbientais (9.605/1998), po<strong>de</strong> levar os habitantes da APA a ser<strong>em</strong> notificadose/ou atuados pelos agentes <strong>de</strong> fiscalização.O termo “crime”, conforme o conceito formal é a violação culpável dalei, o <strong>de</strong>lito (FERREIRA, 1999). Neste mesmo sentido, o Decreto Fe<strong>de</strong>ral nº3.179/1999 (revogado pelo Decreto Fe<strong>de</strong>ral 6.514/2008) <strong>de</strong>finia os crimesambientais como sendo “condutas e ativida<strong>de</strong>s lesivas ao meio ambiente”.Des<strong>de</strong> 2005 os crimes autuados pelos órgãos ambientais do Rio Gran<strong>de</strong>do Sul possu<strong>em</strong> a indicação das coor<strong>de</strong>nadas geográficas do local da ocorrênciano auto <strong>de</strong> infração (Artigo 16 do Decreto Fe<strong>de</strong>ral nº 6.514/2008).Estas coor<strong>de</strong>nadas são obtidas por aparelhos <strong>de</strong> GPS manuais, o que possibilitaestudos através <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> geoprocessamento.De acordo CÂMARA et al. (2002), o termo geoprocessamento <strong>de</strong>notaa disciplina que utiliza técnicas mat<strong>em</strong>áticas e computacionais para o tratamentoda informação geográfica e que v<strong>em</strong> influenciando <strong>de</strong> maneiracrescente as áreas <strong>de</strong> Cartografia, Análise <strong>de</strong> Recursos Naturais, Transportes,Comunicações, Energia e Planejamento Urbano e Regional. Segundo CÂ-MARA & MEDEIROS (1998), as técnicas <strong>de</strong> geoprocessamento, <strong>em</strong>basadasnos Sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> Informações Geográficas (SIG), vêm sendo cada vez maisutilizadas, principalmente na caracterização do meio ambiente e no cruzamento<strong>de</strong> informações <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> mapas, a fim <strong>de</strong> contribuir para aelaboração <strong>de</strong> propostas <strong>de</strong> manejo e gestão ambiental.Para MAZZA et al. (2005), os procedimentos metodológicos consolidadosno uso do Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação Geográfica e do Sensoriamento R<strong>em</strong>otoproporcionam aos gestores e técnicos das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação, envolvidosna conservação dos recursos naturais, uma fonte <strong>de</strong> informação paratomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão visando o zoneamento ambiental e o plano <strong>de</strong> manejo.A fiscalização precisa ser vista como uma ferramenta para a gestão ambiental,pois a partir <strong>de</strong>la os gestores po<strong>de</strong>m tentar substituir formas ina<strong>de</strong>quadas<strong>de</strong> manejo por outras, menos impactantes. Por isso, é importantecompreen<strong>de</strong>r quais os crimes ambientais cometidos <strong>de</strong>ntro da UC e qualsua distribuição no espaço e no t<strong>em</strong>po. Isto permite monitorar e prever aocorrência <strong>de</strong> novas infrações s<strong>em</strong>elhantes.2. ObjetivoO objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi realizar um diagnóstico da distribuiçãoespacial e t<strong>em</strong>poral dos autos <strong>de</strong> infração por crimes ambientais <strong>de</strong>ntro daAPA Estadual Rota do Sol, no período <strong>de</strong> 2005 a 2008, com o auxílio <strong>de</strong> SIG.20


3. Métodos3.1 Área <strong>de</strong> EstudoA Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rota do Sol (APA Rota do Sol),se localiza na região Nor<strong>de</strong>ste do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, e é uma das três unida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> conservação administradas pela Se<strong>de</strong> Conjunta da Secretaria doMeio Ambiente do Estado (SEMA) <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula. Ela foi criadapelo Decreto Estadual nº 37.346, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, como medida mitigadorapela construção da rodovia Rota do Sol (ERS 453 e RSC 486), que ligaa serra gaúcha ao litoral (RIO GRANDE DO SUL, 2009) (Figura 1).A superfície da APA Rota do Sol compreen<strong>de</strong> parte <strong>de</strong> quatro municípios:São Francisco <strong>de</strong> Paula, Cambará do Sul, Itati e Três Forquilhas, todosno Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (Figura 1). A área total da APA é <strong>de</strong> 54.670,5hectares. A UC se insere totalmente no Bioma Mata Atlântica, entre as regiõesdos Campos <strong>de</strong> Cima da Serra e Litoral Norte Gaúcho. A vegetaçãoé classificada como: Savana, Floresta Ombrófila Mista e Floresta OmbrófilaDensa, sendo os dois primeiros tipos predominantes na parte alta (regiãodos Campos <strong>de</strong> Cima da Serra), e o terceiro, na parte baixa da APA (regiãolitorânea). O plano <strong>de</strong> manejo da APA Rota do Sol foi homologado pelaPortaria nº 22, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009.Os principais objetivos da APA Rota do Sol, segundo seu plano <strong>de</strong> manejo,e o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> criação, são os seguintes: proteger os recursos hídricosali existentes (principalmente as nascentes dos rios Tainhas e Três Forquilhas),conservar as áreas <strong>de</strong> campos caracterizados como Savana Gramíneo-Lenhosa,promover a recuperação das áreas com Floresta OmbrófilaMista e Floresta Ombrófila Densa, propiciar a preservação e conservação dafauna silvestre, garantir a conservação do conjunto paisagístico e da culturaregional e funcionar como zona <strong>de</strong> amortecimento da Estação EcológicaEstadual (ESEC) <strong>de</strong> Aratinga. A ESEC <strong>de</strong> Aratinga está localizada no centroda APA e correspon<strong>de</strong> a sua Zona <strong>de</strong> Proteção Integral.3.2 Fontes primáriasForam utilizados, para formação do banco <strong>de</strong> dados, os autos <strong>de</strong> infraçãoque geraram Boletim <strong>de</strong> Ocorrência <strong>Ambiental</strong> (BOA) fornecidos pelosseguintes órgãos autuadores: Batalhão <strong>de</strong> Polícia <strong>Ambiental</strong> <strong>de</strong> Canela,Batalhão <strong>de</strong> Polícia <strong>Ambiental</strong> <strong>de</strong> Xangri-lá e Departamento <strong>de</strong> Florestas eÁreas Protegidas (DEFAP/SEMA). Foram <strong>de</strong>scartadas as autuações que nãomencionavam as coor<strong>de</strong>nadas geográficas.Inicialmente, os autos <strong>de</strong> infração foram separados pelo município <strong>de</strong>orig<strong>em</strong>, sendo aproveitados apenas os registrados nos municípios <strong>de</strong> SãoFrancisco <strong>de</strong> Paula, Cambará do Sul, Itati e Três Forquilhas. A seguir, os autos<strong>de</strong> infração foram filtrados <strong>de</strong> acordo com as coor<strong>de</strong>nadas geográficas, sen-21


do consi<strong>de</strong>rados apenas os crimes ocorridos entre as coor<strong>de</strong>nadas UTM E559000 e 595000 (mínima e máxima) e UTM N 6738000 e 6766000 (mínimae máxima). Estas coor<strong>de</strong>nadas foram escolhidas com base nos limites extr<strong>em</strong>osda poligonal da APA, acrescidos <strong>de</strong> aproximadamente 10% da dimensão.Por fim, <strong>em</strong> função do formato irregular da UC, foi feita uma seleçãomanual dos crimes cuja localização era efetivamente <strong>de</strong>ntro da poligonalda APA, com o auxílio do software Arcview GIS.Nos autos e relatórios fornecidos, foram levantados os seguintes dados:data e hora da autuação, local, município, coor<strong>de</strong>nadas UTM, Datum,área da infração, informação sobre se a infração atingiu ou não Área <strong>de</strong>Preservação Permanente (APP), valor da multa e tipo <strong>de</strong> infração.Foi utilizado um roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado aplicado a alguns agentesautuadores (um <strong>de</strong> cada órgão autuador), cujas respostas foram utilizadasqualitativamente. No roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado, foram apuradas questõestais como: orig<strong>em</strong> das infrações, uso do recurso <strong>de</strong> notificação, dificulda<strong>de</strong>sencontradas na atuação, opiniões sobre melhoria do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> fiscalizaçãoe eficiência do licenciamento, entre outras.3.3 Imagens, arquivos e programas utilizadosForam utilizados, para análise <strong>de</strong> distribuição dos pontos, os seguintesarquivos e imagens:Arquivo <strong>de</strong> pontos das autuações, gerado através do software Cartalinx;Arquivos vetoriais (<strong>em</strong> formato shapefile) dos limites da APA Rota do Sole da EEE Aratinga (disponibilizados pela SEMA);Imag<strong>em</strong> do satélite SPOT 5 (<strong>em</strong> formato tiff, composição RGB 341, pixel<strong>de</strong> 5 metros) datada <strong>de</strong> 13/12/2002 (disponibilizada pela SEMA);Arquivo vetorial (<strong>em</strong> formato shapefile) da malha viária da área abrangidapelo projeto Mata Atlântica Sul (disponibilizado pela SEMA);Arquivos vetoriais (<strong>em</strong> formato shapefile) dos limites administrativos dosmunicípios integrantes da APA Rota do Sol (fornecidos pelo IBGE).Arquivo vetorial (<strong>em</strong> formato shapefile) do zoneamento da APA Rota dosol (disponibilizado pela SEMA);As imagens utilizadas estavam georreferenciadas no Datum SAD 69,sendo necessária a projeção dos arquivos <strong>de</strong> pontos, que haviam sido levantadosno campo no Datum Córrego Alegre, para este sist<strong>em</strong>a.Os softwares utilizados para a realização do trabalho foram o CartaLinx(CLARKLABS, 1999), o Idrisi An<strong>de</strong>s (CLARKLABS, 2006), o Arcview GIS (ESRI,1998) e o Excel (MICROSOFT, 2003).3.4 Padronização das autuaçõesPara padronizar os dados, as infrações foram agrupadas por similarida<strong>de</strong>(tipos <strong>de</strong> 1 a 7), <strong>de</strong> acordo com a Tabela 1. No grupo “outros” (tipo 7)22


foram reunidos os crimes com poucas autuações (até o máximo <strong>de</strong> duas),exceto o crime <strong>de</strong> queimada, que foi mantido como uma categoria separadapara po<strong>de</strong>r ser analisado (se fosse o caso) juntamente com os outroscrimes que envolviam o uso do fogo (como os do tipo 3).Tabela 1:Agrupamento <strong>de</strong> autuações <strong>de</strong> acordo com o tipo <strong>de</strong> crimeTipo Descrição dos Crimes Dispositivos legais Discriminação do Dispositivo1Queimada <strong>de</strong> campo ou floresta (uso <strong>de</strong>fogo s<strong>em</strong> autorização)Lei Est. 9.519/1992Art. 28. É proibido o uso do fogo ou queimadas nas florestas e <strong>de</strong>mais formas<strong>de</strong> vegetação natural.Decreto 6.514/2008Art. 58. Fazer uso <strong>de</strong> fogo <strong>em</strong> áreas agropastoris s<strong>em</strong> autorização do órgãocompetente ou <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com a obtida.2 Corte <strong>de</strong> vegetação s<strong>em</strong> autorização Lei Fed. 9.605/1998Art. 39. Cortar árvores <strong>em</strong> floresta consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> preservação permanente,s<strong>em</strong> permissão da autorida<strong>de</strong> competente.Decreto 6.514/2008Art. 43. Destruir ou danificar florestas ou <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> vegetação natural,<strong>em</strong> qualquer estágio sucessional, ou utilizá-las com infringência das normas <strong>de</strong>proteção <strong>em</strong> área consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> preservação permanente, s<strong>em</strong> autorizaçãodo órgão competente ou <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com a obtida.3Desmatamento (corte <strong>de</strong> vegetação)com uso <strong>de</strong> fogo para eliminação dosresíduos (s<strong>em</strong> autorização)Lei Est. 9.519/1992Art. 38. Ficam proibidos, por prazo in<strong>de</strong>terminado, o corte e a respectiva exploraçãoda vegetação nativa da Mata Atlântica, cuja área será <strong>de</strong>limitada peloPo<strong>de</strong>r ExecutivoDecreto 6.514/2008Art. 58. Fazer uso <strong>de</strong> fogo <strong>em</strong> áreas agropastoris s<strong>em</strong> autorização do órgãocompetente ou <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com a obtida.4Drenag<strong>em</strong> ou uso <strong>de</strong> recursos hídricos(para fins <strong>de</strong> irrigação, etc) s<strong>em</strong> autorizaçãoDecreto 6.514/2008Art. 61. Causar poluição <strong>de</strong> qualquer natureza <strong>em</strong> níveis tais que result<strong>em</strong> oupossam resultar <strong>em</strong> danos à saú<strong>de</strong> humana, ou que provoqu<strong>em</strong> a mortanda<strong>de</strong><strong>de</strong> animais ou a <strong>de</strong>struição significativa da biodiversida<strong>de</strong>.5 Plantio (espécies exóticas) <strong>em</strong> APP Lei Fed. 4.771/1965Art. 2°. Consi<strong>de</strong>ram-se <strong>de</strong> preservação permanente, pelo só efeito <strong>de</strong>sta Lei, asflorestas e <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> vegetação natural situadas (...)Decreto 6.514/2008Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural <strong>de</strong> florestas ou <strong>de</strong>mais formas<strong>de</strong> vegetação nativa. (...) Parágrafo único. Caso a infração seja cometida <strong>em</strong>área <strong>de</strong> reserva legal ou <strong>de</strong> preservação permanente (...).6Lançamento <strong>de</strong> resíduos e/ou produtosperigosos s<strong>em</strong> autorizaçãoLei Fed. 9.605/1998Art. 54. Causar poluição <strong>de</strong> qualquer natureza <strong>em</strong> níveis tais que result<strong>em</strong> oupossam resultar <strong>em</strong> danos à saú<strong>de</strong> humana, ou que provoqu<strong>em</strong> a mortanda<strong>de</strong><strong>de</strong> animais ou a <strong>de</strong>struição significativa da flora7Outros (caça ilegal, aberturas <strong>de</strong> estradass<strong>em</strong> autorização, comércio <strong>de</strong> combustíveiss<strong>em</strong> autorização)Lei Fed. 9.605/1998Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre,nativos ou <strong>em</strong> rota migratória, s<strong>em</strong> a <strong>de</strong>vida permissão, licença ou autorizaçãoda autorida<strong>de</strong> competente, ou <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com a obtidaArt. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, (...), estabelecimentos,obras ou serviços potencialmente poluidores, s<strong>em</strong> licença ou autorizaçãodos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legaise regulamentares pertinentes.23


3.5 Processamento <strong>de</strong> dadosOs dados foram tabulados no programa Microsoft Excel, sendo as colunaspreenchidas com as informações dos autos, <strong>de</strong>ntre elas as coor<strong>de</strong>nadasUTM. Uma vez tabulados, os pontos referentes à localização das autuaçõesforam inseridos no software CartaLinx, <strong>de</strong> acordo com as coor<strong>de</strong>nadas.Após, os pontos foram projetados do Datum “Córrego Alegre” para o Datum“SAD 69”, com o auxílio das ferramentas <strong>de</strong> importação e exportaçãodo software Idrisi. A seguir, foi feita a montag<strong>em</strong> <strong>de</strong> um projeto no softwareArcview GIS com os pontos e a poligonal da APA, sendo excluídos da camada<strong>de</strong> pontos aqueles que estavam fora da poligonal.Para confirmar o município <strong>de</strong> ocorrência das infrações autuadas, foiadicionada ao projeto a camada com o mapa dos limites municipais. Nessafase, a localização <strong>de</strong> apenas uma das autuações foi alterada, pois constava(na i<strong>de</strong>ntificação do município) como feita <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula,quando, <strong>de</strong> acordo com as coor<strong>de</strong>nadas UTM, o município correto <strong>de</strong> ocorrênciaera Cambará do Sul.Para fazer a análise da extensão das estradas, inicialmente foi adicionadaao projeto criado no software Arcview GIS a camada <strong>de</strong> estradas do ProjetoConservação da Mata Atlântica (PCMA – Convênio entre o banco al<strong>em</strong>ãoKFW e o Governo do Estado do RS). Num segundo momento, foram excluídastodas as estradas e vias que não foss<strong>em</strong> abrangidas pela APA Rota do Sol.Após foram criadas intersecções nos pontos on<strong>de</strong> as estradas r<strong>em</strong>anescentesatingiam a linha da poligonal da APA, sendo excluídos aqueles trechos externosà poligonal. Além disso, com o auxílio do software Arcview GIS, foram vetorizadosos trechos <strong>de</strong> estradas inexistentes no arquivo original utilizado, aex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> alguns trechos <strong>de</strong> difícil visualização na imag<strong>em</strong> utilizada para olevantamento, mas cuja existência era conhecida no presente trabalho. Porfim, foram codificadas as estradas (e/ou segmentos) <strong>de</strong> acordo com o município,o que permitiu o levantamento da extensão total <strong>em</strong> cada município.Para a análise da distância das infrações à estrada, foram criados “buffers”para cada ponto correspon<strong>de</strong>nte às autuações, nas distâncias <strong>de</strong> 50,100, 500 e 1000 metros. O buffer correspon<strong>de</strong> a um círculo (<strong>em</strong> volta doponto) cujo centro é o próprio ponto e o raio é a referida “distância <strong>de</strong> buffer”(ou seja, a distância do centro até a borda). Tal procedimento foi utilizadopara verificar qual dos buffers estava sendo atingido ou cortado porestradas, do menor para o maior, possibilitando a i<strong>de</strong>ntificação da faixa <strong>de</strong>distância <strong>de</strong> cada ponto.Por fim, para a análise <strong>de</strong> zoneamento, foi adicionada ao mesmo projetono software Arcview GIS a camada referente à divisão da APA Rota do Solpor classe <strong>de</strong> zoneamento, e feita a apuração do quantitativo <strong>de</strong> autuações<strong>em</strong> cada local.24


3.6 Outras <strong>de</strong>finiçõesPara o levantamento dos horários <strong>em</strong> que ocorreram as autuações, foifeita uma divisão <strong>em</strong> intervalos <strong>de</strong> duas horas, a contar do início da primeirahora <strong>em</strong> que ocorreram autuações.As análises por data, (ano, estação, dia da s<strong>em</strong>ana), hora, área e ocorrência<strong>em</strong> APP foram feitas apenas com os dados tabulados, s<strong>em</strong> o uso <strong>de</strong> SIG.4. Resulados e discussãoNo período <strong>de</strong> estudo, foram localizadas 28 autuações efetuadas <strong>de</strong>ntroda APA, com média <strong>de</strong> uma a cada 19,5 Km². Foi verificada a ocorrência<strong>de</strong> autuações durante todos os quatro anos do período estudado (<strong>de</strong> 2005a 2008), b<strong>em</strong> como nos quatro municípios pertencentes à área da APA.4.1 Ocorrência por tipo <strong>de</strong> autuação e áreaQuanto aos tipos <strong>de</strong> infração, no agrupamento por similarida<strong>de</strong> (<strong>de</strong>acordo com a Tabela 1), verificamos que a maior quantida<strong>de</strong> das autuaçõesno período pesquisado foi por <strong>de</strong>smatamento, crime previsto no Artigo nº43 do Decreto nº 6.514/2008 (corte <strong>de</strong> vegetação nativa s<strong>em</strong> autorizaçãodo órgão competente). Nota-se que a ocorrência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> infração éainda maior quando somado ao tipo 3, que inclui, além <strong>de</strong> <strong>de</strong>smatamento,o uso do fogo para eliminação <strong>de</strong> resíduos. Esta gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>infrações relacionadas ao <strong>de</strong>smatamento po<strong>de</strong> ter, como uma das causas,a expansão da fronteira agrícola (RODRIGUES, 2004). O percentual <strong>de</strong> ocorrência<strong>de</strong> cada tipo po<strong>de</strong> ser visto na Figura 2.N<strong>em</strong> todas as autuações possuíam a informação <strong>de</strong> área envolvida. Há casos<strong>em</strong> que a área não é quantificada, <strong>de</strong>vido ao tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito. Dos crimes nosquais se leva <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração o tamanho da área afetada, po<strong>de</strong>m-se citar os<strong>de</strong> <strong>de</strong>smatamento e <strong>de</strong>smatamento com uso <strong>de</strong> fogo (tipos 2 e 3, respectivamente),como os principais, cuja área média afetada foi <strong>de</strong> 2,14 hectares (sendo<strong>de</strong> 1,54 ha nos crimes do tipo 2 e <strong>em</strong> média 2,87 ha nos crimes do tipo 3).Figura 2: Percentual <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> crime ambiental por tipo25


4.2 Ocorrência <strong>em</strong> Área <strong>de</strong> Preservação Permanente (APP)I<strong>de</strong>ntificar as ocorrências <strong>de</strong> crimes ambientais <strong>em</strong> APP é interessantepara fins <strong>de</strong> gestão ambiental, pois as APP (<strong>de</strong>finidas no Artigo 2º da LeiFe<strong>de</strong>ral nº 4.771/1965) são <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância ambiental, principalmentepara a manutenção <strong>de</strong> integrida<strong>de</strong> física dos corpos hídricos e conservação<strong>de</strong> corredores <strong>de</strong> biodiversida<strong>de</strong>. A legislação ambiental trata <strong>de</strong> maneiradiferenciada alguns crimes quando ocorr<strong>em</strong> ou ating<strong>em</strong> uma APP. Umex<strong>em</strong>plo no âmbito fe<strong>de</strong>ral é o Art. 48 do Decreto 6.514/2008, que prevêmulta <strong>de</strong> R$ 500,00 por hectare ou fração no caso <strong>de</strong> “impedir ou dificultar aregeneração natural <strong>de</strong> florestas e <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> vegetação nativa”. Estamulta passa a ser <strong>de</strong> R$ 5.000,00 se a infração for cometida <strong>em</strong> APP.Das autuações verificadas no período <strong>de</strong> estudo, 64,3% ocorreram <strong>em</strong>APP (ou atingiram parte da APP). Os dados sobre a ocorrência <strong>em</strong> APP portipo <strong>de</strong> infração foram resumidos na Tabela 2. Observa-se que alguns tipos<strong>de</strong> crimes ocorreram na sua totalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> APP, como foi o caso daqueimada <strong>de</strong> campo, do <strong>de</strong>smatamento com uso <strong>de</strong> fogo e do plantio <strong>de</strong>espécies exóticas. Uma hipótese para explicação <strong>de</strong>ste fenômeno, no casodo uso do fogo, é a dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> limpeza da área <strong>de</strong> APP com maquinárioagrícola <strong>em</strong> áreas como as beiras <strong>de</strong> rio e topos <strong>de</strong> morro pedregosos. Jáo plantio <strong>de</strong> exóticas (Pinus spp.) nas APP, po<strong>de</strong> ser explicado como umatentativa dos proprietários <strong>de</strong> aumentar a área <strong>de</strong> plantio. Some-se a issoa <strong>de</strong>scrença dos proprietários na eficiência da fiscalização. Também po<strong>de</strong>haver a regeneração natural (invasão espontânea <strong>de</strong> mudas <strong>de</strong> Pinus spp.),a partir dos plantios, para as áreas <strong>de</strong> preservação permanente. O controle<strong>de</strong>sta regeneração é <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dor, no processo<strong>de</strong> licenciamento da silvicultura.Tabela 2: Ocorrência <strong>de</strong> autuações <strong>em</strong> APPTipo <strong>de</strong> Infração Ocorrência <strong>em</strong> APP (%)1 (Queimada) 100,02 (Desmatamento) 66,73 (Desmat. c/ fogo) 100,04 (Rec. Hídricos) 66,75 (Plantio <strong>em</strong> APP) 100,06 (Lixo e resíduos) 0,07 (Outros) 25,0Total 64,326


4.3 Distribuição anual, sazonal, s<strong>em</strong>anal e horária das infraçõesForam coletadas informações <strong>de</strong> autuações <strong>de</strong>ntro da APA Rota do Sol<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do ano <strong>de</strong> 2005 até o final <strong>de</strong> 2008. A quantida<strong>de</strong> anual <strong>de</strong>autuações foi sumarizada na Tabela 3. Verifica-se que no ano <strong>de</strong> 2005 o número<strong>de</strong> infrações foi menor do nos outros, o que po<strong>de</strong> ser explicado porter sido este o ano <strong>em</strong> que os órgãos autuadores passaram efetivamentea tomar as coor<strong>de</strong>nadas geográficas das infrações. O ano <strong>de</strong> 2008 é o qu<strong>em</strong>ais apresenta autuações, o que po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vido ao fato <strong>de</strong> ter sido este oprimeiro ano <strong>de</strong> implantação efetiva da UC, com a chegada <strong>de</strong> um gestore um guarda-parque.Tabela 3: Percentual <strong>de</strong> autuações por anoTipo 2005 2006 2007 20081 (Queimada) 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%2 (Desmatamento) 0,0% 44,4% 22,2% 33,3%3 (Desmat. c/ fogo) 0,0% 60,0% 20,0% 20,0%4 (Rec. Hídricos) 33,3% 33,3% 0,0% 33,3%5 (Plantio <strong>em</strong> APP) 0,0% 0,0% 0,0% 100,0%6 (Lixo e resíduos) 0,0% 33,3% 33,3% 33,3%7 (Outros) 50,0% 0,0% 25,0% 25,0%Total 10,7% 32,1% 17,9% 39,3%Os resultados da avaliação da relação entre sazonalida<strong>de</strong> e tipo <strong>de</strong>infração são resumidos na Tabela 4. Verifica-se uma maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>autuações no verão, principalmente dos crimes como <strong>de</strong>smatamento comuso <strong>de</strong> fogo e aqueles cometidos com relação a recursos hídricos.Tabela 4: Percentual <strong>de</strong> autuações por estação do anoTipo Primavera Verão Outono Inverno1 (Queimada) 100,0% 0,0% 0,0% 0,0%2 (Desmatamento) 0,0% 22,2% 33,3% 44,4%3 (Desmat. c/ fogo) 40,0% 60,0% 0,0% 0,0%4 (Rec. Hídricos) 0,0% 66,7% 0,0% 33,3%5 (Plantio <strong>em</strong> APP) 100,0% 0,0% 0,0% 0,0%6 (Lixo e resíduos) 33,3% 33,3% 33,3% 0,0%7 (Outros) 25,0% 25,0% 50,0% 0,0%Total 28,6% 32,1% 21,4% 17,9%27


Quanto ao horário <strong>em</strong> que ocorreram as autuações no período estudado,po<strong>de</strong>mos observar, na Figura 3, os percentuais nos intervalos <strong>de</strong> duas horas.As infrações foram autuadas no período das 7h00 às 19h00, sendo que a maioria<strong>de</strong>las foi feita nos intervalos das 11h00 às 13h00 e das 13h00 às 15h00.Figura 3: Percentuais <strong>de</strong> atuações <strong>em</strong> intervalos <strong>de</strong> duas horas ao diaNota-se que não houve nenhuma autuação após as 19 horas e n<strong>em</strong>antes das 7 horas, o que provavelmente reflete uma limitação administrativados órgãos fiscalizadores, mais do que uma diminuição das ativida<strong>de</strong>slesivas ao meio ambiente naquele período.Na análise <strong>de</strong> distribuição por dia da s<strong>em</strong>ana, verificamos que a maiorparte das autuações foi efetuada <strong>em</strong> terças e quartas-feiras, tendo sidoconstatada uma quantida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> ocorrências também <strong>em</strong> sextas-feiras,conforme <strong>de</strong>monstra a Figura 4. Não foram registradas autuações<strong>em</strong> domingos.Figura 4: Percentual <strong>de</strong> autuações por dia da s<strong>em</strong>ana28


4.4 Distribuição espacialEm relação ao município <strong>de</strong> ocorrência, foi apurado que mais da meta<strong>de</strong>das autuações se <strong>de</strong>u <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula (53,6%). A Figura 5<strong>de</strong>monstra o quantitativo <strong>de</strong> infrações autuadas por município.Figura 5: Percentual <strong>de</strong> autuações por municípioSão Francisco <strong>de</strong> Paula é também o município com maior área <strong>de</strong>ntroda APA Rota do Sol. Os dados comparativos entre superfície do municípioafetado pela UC e porcentag<strong>em</strong> <strong>de</strong> autuações por crime ambiental estãona Tabela 5. O município <strong>de</strong> menor ocorrência <strong>de</strong> infrações, Cambará doSul, é também o que t<strong>em</strong> menor área afetada pela APA Rota do Sol. Noentanto, nos outros dois municípios (Itati e Três Forquilhas) esta relação nãofoi verificada.Tabela 5: Comparação entre área e quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuaçõesMunicípio Superfície territorial (%) Crimes Autuados (%)São Francisco <strong>de</strong> Paula 47,9 53,6Cambará do Sul 11,8 7,1Itati 20,0 28,6Três Forquilhas 20,3 10,7Em relação à quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrências nas partes alta e baixa da APARota do Sol (enten<strong>de</strong>-se por parte alta aquela formada pelos municípios <strong>de</strong>São Francisco <strong>de</strong> Paula e Cambará do Sul, na serra, e por parte baixa, aquelasituada <strong>em</strong> Itati e Três Forquilhas, no litoral), foi verificado que 60,7% dasocorrências foram na parte alta. Isto inclui os crimes dos tipos 1, 4 e 5, alémda maior parte dos <strong>de</strong> tipo 6 e 7. As autuações por crimes dos tipos 2 e 3foram feitas predominant<strong>em</strong>ente na parte baixa. Estas infrações po<strong>de</strong>m ter29


elação com o tipo <strong>de</strong> vegetação daquela região (predomínio <strong>de</strong> FlorestaOmbrófila Densa). Os dados foram sumarizados na Tabela 6.30Tabela 6: Percentual <strong>de</strong> autuações na parte alta e baixa da APA Rota do SolTipo Parte Alta Parte Baixa1 (Queimada) 100,0% 0,0%2 (Desmatamento) 44,4% 55,6%3 (Desmat. c/ fogo) 20,0% 80,0%4 (Rec. Hídricos) 100,0% 0,0%5 (Plantio <strong>em</strong> APP) 100,0% 0,0%6 (Lixo e resíduos) 66,7% 33,3%7 (Outros) 75,0% 25,0%Total 60,7% 39,3%4.5 Relação das autuações com a presença <strong>de</strong> estradasOs dados comparativos entre extensão <strong>de</strong> estradas e quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>autuações estão sumarizados na Tabela 7. Foram levantadas as distânciastotais <strong>de</strong> estradas por município, <strong>de</strong>ntro da poligonal da APA Rota do Sol.O total <strong>de</strong> estradas encontrado foi <strong>de</strong> 334,25 Km (nos 4 municípios). Nãohá uma relação direta entre a extensão <strong>de</strong> estradas <strong>em</strong> cada município e onúmero <strong>de</strong> autuações por município, <strong>em</strong>bora São Francisco <strong>de</strong> Paula, queé o município on<strong>de</strong> foram registradas mais autuações, também seja o municípiocom maior extensão <strong>de</strong> estradas <strong>de</strong>ntro da APA (Tabela 7).Tabela 7: Comparação entre extensão <strong>de</strong> estradas e quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuaçõesMunicípio Extensão <strong>de</strong> Estradas Crimes AutuadosSão Francisco <strong>de</strong> Paula 65,3% 53,6%Cambará do Sul 14,1% 7,1%Itati 11,0% 28,6%Três Forquilhas 9,6% 10,7%Na análise <strong>de</strong> distância das autuações <strong>em</strong> relação às estradas, foi verificadoque a gran<strong>de</strong> maioria <strong>de</strong>las (93%) foi feita a menos <strong>de</strong> um quilômetro<strong>de</strong> alguma estrada, sendo 75% do total <strong>em</strong> até 500 metros. Tal dado po<strong>de</strong>indicar uma dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação <strong>em</strong> locais afastados <strong>de</strong> on<strong>de</strong> se conseguechegar com viaturas terrestres. A quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuações por faixa <strong>de</strong>distância da estrada e acumulada (somando às faixas anteriores) po<strong>de</strong> servista na Tabela 8.


Tabela 8: Percentual <strong>de</strong> ocorrências <strong>em</strong> relação à distância das estradasFaixa <strong>de</strong> Distância da EstradaAutuações na FaixaDe 0 até 50m 28,6% 28,6%De 50 até 100m 10,7% 39,3%De 100 até 500m 35,7% 75,0%De 500m até 1 Km 17,9% 92,9%Mais <strong>de</strong> 1 Km 7,1% 100%Autuações Acumuladas(com Faixas Anteriores)4.6 Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuações nas diferentes zonas da APAA APA Rota do Sol possui seis zonas <strong>de</strong> gestão. A maior parte das infraçõesocorreu nas zonas <strong>de</strong> uso agropecuário (43%) e <strong>de</strong> conservação davida silvestre (39%). Isto po<strong>de</strong> ser explicado porque a zona <strong>de</strong> uso agropecuárioé a que t<strong>em</strong> mais habitantes e uma conseqüente tendência a conflitosentre a conservação e uso do solo. Por sua vez, a zona <strong>de</strong> conservaçãoda vida silvestre foi assim <strong>de</strong>finida para coibir o plantio excessivo <strong>de</strong> Pinusspp. na zona <strong>de</strong> amortecimento do Parque Nacional dos Aparados da Serrae da ESEC <strong>de</strong> Aratinga. Os dados <strong>de</strong>sta análise po<strong>de</strong>m ser vistos com mais<strong>de</strong>talhamento na Tabela 9.Tabela 9: Quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuações por categoria <strong>de</strong> zoneamentoZoneamento Autuações (%)Uso misto e conservação hídrica 0,0Uso agropecuário 42,9Conservação da vida silvestre 39,3Proteção da vida silvestre 3,6Extrativista 14,3Ocupação urbana 0,05. Consi<strong>de</strong>rações finaisO número limitado <strong>de</strong> dados impediu uma análise mais abrangente,tal qual a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> ocorrência ao longo do t<strong>em</strong>po, e dificultoua realização <strong>de</strong> análises estatísticas paramétricas. Este baixo número <strong>de</strong>registros po<strong>de</strong> estar ligado à gran<strong>de</strong> área <strong>de</strong> atuação dos agentes <strong>de</strong> fiscalização,uma vez que os Batalhões <strong>de</strong> Polícia <strong>Ambiental</strong> e o DEFAP/SEMAatuam <strong>em</strong> mais <strong>de</strong> 20 municípios na região da área <strong>de</strong> estudo. Deve serconsi<strong>de</strong>rado também que a APA Rota do Sol conta com apenas dois fiscais31


e um gestor, que também atua como agente <strong>de</strong> fiscalização, para monitoraruma área <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 54 mil hectares.Em relação à distribuição espacial das autuações, po<strong>de</strong>-se chegarà conclusão <strong>de</strong> que há relação entre as ocorrências (tipo, quantida<strong>de</strong>) ealguns aspectos locais. Por ex<strong>em</strong>plo, Itati foi o município com maior percentual<strong>de</strong> crimes ambientais autuados na área da APA Rota do Sol, proporcionalmentea área abrangida pela UC, ao passo que Três Forquilhas foio município com menor ocorrência. Observa-se que Itati é um municípiobastante recente, criado <strong>em</strong> 1996, com cerca <strong>de</strong> 2.700 habitantes (BRASIL,2007), ainda <strong>em</strong> processo <strong>de</strong> consolidação. Cerca <strong>de</strong> 80% do seu territórioou está <strong>em</strong> APP ou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação e sua economia équase totalmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da agricultura familiar (BRASIL, 2007). Estasituação favorece o conflito sócio-ambiental. Já Três Forquilhas é o únicomunicípio que t<strong>em</strong> o licenciamento municipalizado, nos outros três ele éfeito pela SEMA, o que po<strong>de</strong> significar uma maior <strong>de</strong>mora para <strong>em</strong>issão<strong>de</strong> licenças (ou uma menor procura pelos cidadãos, <strong>de</strong>vido à distância dassuas casas até as agências florestais). Isto corroboraria a hipótese <strong>de</strong> que asinfrações ambientais ten<strong>de</strong>m a diminuir se o licenciamento for mais rápidoe eficiente.Houve dificulda<strong>de</strong> <strong>em</strong> encontrar trabalhos publicados, <strong>em</strong> todo omundo, utilizando metodologias e abordag<strong>em</strong> similares a do presente estudo.Isto <strong>de</strong>monstra que ferramentas mo<strong>de</strong>rnas, tais como o SIG, aindaestão restritas à aca<strong>de</strong>mia, ao passo que os <strong>de</strong>safios práticos do dia a diaestão ocorrendo nas instâncias do po<strong>de</strong>r executivo.Para fins <strong>de</strong> gestão, po<strong>de</strong>-se sugerir que sejam feitos estudos sobre:A conclusão <strong>de</strong>ssas autuações (verificando se houve recurso, acatamentoe pagamento, etc.);Os motivos que levaram os infratores a proce<strong>de</strong>r ilegalmente e as relaçõescom ativida<strong>de</strong>s produtivas e/ou culturais (trabalhando com os autuados);A sugestão <strong>de</strong> soluções e alternativas para os probl<strong>em</strong>as que culminam<strong>em</strong> crime ambiental;Estudar mais <strong>de</strong>talhadamente a relação entre os tipos <strong>de</strong> crime e o zoneamentoda APA;Realizar trabalho <strong>de</strong> educação ambiental junto à população local, visando,sobretudo a mitigação das infrações <strong>de</strong> maior ocorrência;Incluir as notificações na amostrag<strong>em</strong>, além dos autos <strong>de</strong> infração.É recomendável o prosseguimento <strong>de</strong>ste trabalho, para que se tenhaum acompanhamento contínuo das regiões <strong>de</strong> ocorrência das infrações.32


6. Referências bibliográficasBRASIL, 2007. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro <strong>de</strong>Geografia e Estatística (IBGE). Estimativa 2007. Disponível <strong>em</strong> . Acesso <strong>em</strong> 24 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2009.CÂMARA, G.; DAVIS, C.; MONTEIRO, A.M.V. 2002. Introdução à ciência da geoinformação.Disponível <strong>em</strong>: . Acesso <strong>em</strong> 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009.CÂMARA, G. & MEDEIROS, J.S. 1998. Princípios básicos <strong>em</strong> geoprocessamento. In: ASSAD,E.D. & SANO, E.E. Eds. Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informações Geográficas - aplicação na agricultura.EMBRAPA. Brasília.CLARK LABS. 1999. CartaLinx: the spatial data buil<strong>de</strong>r. Versão 1.2.CLARK LABS. 2006. Idrisi: The An<strong>de</strong>s Edition. Versão 15.00.FERREIRA, A. B.H. 1999. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Século XXI. Editora NovaFronteira. Rio <strong>de</strong> Janeiro.ESRI. 1998. ArcView GIS. Versão 3.1. Environmental Syst<strong>em</strong>s Research Institute.MAZZA, C. A. S.; MAZZA, M. C. M.; SANTOS, J. E. 2005. SIG aplicado à caracterização ambiental<strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação Floresta Nacional <strong>de</strong> Irati, Paraná. In: XII SimpósioBrasileiro <strong>de</strong> Sensoriamento R<strong>em</strong>oto, INPE, Goiânia, Brasil, 16-21 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2005, Anais.p. 2251-2258.MICROSOFT. 2003. Microsoft Office Excel 2003. Microsoft Corporation.RIO GRANDE DO SUL. 2009. Portaria SEMA nº 022, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009. Institui oPlano <strong>de</strong> Manejo da Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> – APA – Rota do Sol. Diário Oficial doEstado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Porto Alegre.RODRIGUES, G. S. 2004. Impactos ambientais da agricultura. In: Hammes, V. S. (Ed.). Julgar– percepção do impacto ambiental, Vol. 4. Editora Globo, São Paulo.VIO, A.P.A. & BENJAMIN, A. H. 2001. Direito ambiental das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. EditoraForense Universitária. Rio <strong>de</strong> Janeiro.33


CAPÍTULO 2:UTILIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS E DESTINAÇÃO DASEMBALAGENS NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTALESTADUAL ROTA DO SOL, RIO GRANDE DO SUL, BRASILPESTICIDES USE AND PACKAGING DESTINATION IN THEROTA DO SOL STATE ENVIRONMENTAL PROTECTEDAREA, RIO GRANDE DO SUL, BRAZILDamiane BOZIKI 1 , Leonardo BEROLDT 2 & Rodrigo Cambará PRINTES 3ResumoO uso <strong>de</strong> substâncias químicas orgânicas ou inorgânicas na agriculturar<strong>em</strong>onta a antiguida<strong>de</strong> clássica. Entretanto, a partir da “Revolução Ver<strong>de</strong>”, o<strong>em</strong>prego <strong>de</strong> tais produtos aumentou <strong>de</strong> modo alarmante, tendo se convertidonum gran<strong>de</strong> probl<strong>em</strong>a para o meio ambiente e para a saú<strong>de</strong> dapopulação. Associado à utilização <strong>de</strong>masiada <strong>de</strong> agrotóxicos, há o probl<strong>em</strong>ada <strong>de</strong>stinação das suas <strong>em</strong>balagens, as quais po<strong>de</strong>m se tornar fonte <strong>de</strong>contaminação ambiental e <strong>de</strong> danos à saú<strong>de</strong> humana. O presente estudovisou efetuar um levantamento dos agrotóxicos utilizados <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> umaunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> uso sustentável, b<strong>em</strong> como avaliar a situaçãoda <strong>de</strong>stinação final das suas <strong>em</strong>balagens. Foi aplicado um roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado<strong>de</strong> entrevistas <strong>de</strong>stinado a proprietários rurais inseridos <strong>de</strong>ntro daÁrea <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rota do Sol. A pesquisa ocorreu duranteo verão <strong>de</strong> 2009/2010. Após a aplicação das entrevistas, foi feita umavisita a Central <strong>de</strong> Recebimento <strong>de</strong> Embalagens Vazias <strong>de</strong> Agrotóxicos, <strong>em</strong>Vacaria, a fim <strong>de</strong> verificar o processamento final das <strong>em</strong>balagens. São utilizados12 tipos <strong>de</strong> agrotóxicos <strong>de</strong>ntro da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação. A batata(Solanum tuberosum) utiliza <strong>de</strong>z tipos <strong>de</strong> agrotóxico; o tomate (Lycopersiconeculentum Mill.) utiliza sete; o brócolis (Brassica oleracea var. italica Plenck)e o feijão (Phaseolus vulgaris L.) utilizam dois tipos. Em relação ao grau <strong>de</strong>toxicida<strong>de</strong> para a saú<strong>de</strong> humana, <strong>de</strong> acordo com a classificação da AgênciaNacional <strong>de</strong> Vigilância Sanitária (ANVISA), um dos agrotóxicos é consi<strong>de</strong>-1 2 3Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro,São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP 95.400.00. e-mail: dammyy@gmail.com/beroldt@gmail.com/rodrigo-printes@uergs.edu.br35


ado extr<strong>em</strong>amente tóxico, dois altamente tóxicos, cinco medianamentetóxicos, enquanto quatro são pouco tóxicos. A <strong>de</strong>stinação das <strong>em</strong>balagenspelos agricultores é probl<strong>em</strong>ática, <strong>de</strong>vido a distância dos pontos <strong>de</strong> vendae <strong>de</strong> coleta. Novos estudos são necessários para i<strong>de</strong>ntificar os agrotóxicosutilizados nas <strong>de</strong>mais estações do ano.Palavras-chave: agrotóxicos; Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong>, <strong>em</strong>balag<strong>em</strong>AbstractThe use of organic or inorganic ch<strong>em</strong>icals in agriculture dates back toclassical antiquity. However, from the "Green Revolution" on, the use o suchproducts has increased greatly and alarmingly, and it has become a greatprobl<strong>em</strong> to the environment and to the human health. The pestici<strong>de</strong>spackaging has an uncertain future, and can be a source of environmentalcontamination. The present study aimed at surveying the use of pestici<strong>de</strong>swithin an environmental protected area and the disposal of their waste packaging.We applied a questionnaire for the landowners in the study area,the Rota do Sol State Environmental Protected Area, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brazil,in the summer of 2009-2010. After the interviews were complete, we visitedthe Empty Waste Packaging Pestici<strong>de</strong> Receiving Center, in the municipaldistrict of Vacaria, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, in or<strong>de</strong>r to verify the final process ofpackaging. There are 12 different types of pestici<strong>de</strong>s used in the conservationunit. Potatoes (Solanum tuberosum) receive more pestici<strong>de</strong>s (ten kinds);tomatoes (Lycopersicon eculentum Mill.) are the second (seven kinds);broccoli (Brassica oleracea var. italica Plenck) and beans (Phaseolus vulgarisL.) are the third, with two kinds of pestici<strong>de</strong>s. As far as the possibility to bepoisonous or not to human health, according to the National Health SurveillanceAgency [Agência Nacional <strong>de</strong> Vigilância Sanitária (ANVISA)], one ofthe pestici<strong>de</strong>s is consi<strong>de</strong>red to be extr<strong>em</strong>ely poisonous, two of th<strong>em</strong> greatlypoisonous, five, medium poisonous, while four of th<strong>em</strong> are little poisonous.The <strong>de</strong>stination of the packaging given by the farm people and landownersse<strong>em</strong>s to be probl<strong>em</strong>atic due to the great distance there is between wherethe pestici<strong>de</strong>s are bought and where their packaging is collected. More surveysare necessary to i<strong>de</strong>ntify pestici<strong>de</strong>s used in other seasons.Keyword: pestici<strong>de</strong>s, environmental protection area, packaging1.IntroduçãoSubstâncias químicas orgânicas e inorgânicas são utilizadas na agricultura<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a antiguida<strong>de</strong> clássica. O arsênio e o enxofre eram utilizados36


para o controle <strong>de</strong> insetos, sendo eles mencionados nos escritos <strong>de</strong> romanose gregos nos primórdios da agricultura (GASPARIN, 2005). Do séculoXVI até fins do século XIX, as substâncias orgânicas como a nicotina (extraídado fumo) e o piretro (extraído do crisânt<strong>em</strong>o), eram constant<strong>em</strong>enteutilizadas na Europa e Estados Unidos para a mesma finalida<strong>de</strong> (GASPARINop. cit.). A partir do início do século XX, se iniciaram os estudos sist<strong>em</strong>áticosbuscando o uso <strong>de</strong> substâncias inorgânicas para a proteção <strong>de</strong> plantas.Deste modo, produtos à base <strong>de</strong> cobre, chumbo, mercúrio, cádmio etc.,foram <strong>de</strong>senvolvidos comercialmente e <strong>em</strong>pregados contra uma gran<strong>de</strong>varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pragas.As principais substâncias químicas hoje utilizadas como agrotóxicosforam <strong>de</strong>senvolvidos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), tendosido modificadas e amplamente <strong>em</strong>pregadas também durante a SegundaGuerra (1939-1945). Após as guerras, existindo gran<strong>de</strong>s estoques <strong>de</strong> venenose alta capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produção instalada nos parques industriais, osquímicos se l<strong>em</strong>braram que o que mata gente também po<strong>de</strong>ria matar insetos(LUTZENBERGER, 2004). Com isso os venenos “mo<strong>de</strong>rnos” foram modificadostecnicamente para ser<strong>em</strong> aplicados nas lavouras. Ex<strong>em</strong>plo dissoé o Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT), <strong>de</strong>senvolvido durante a SegundaGuerra, um organoclorado <strong>de</strong> extraordinário po<strong>de</strong>r inseticida, que se tornouo mais amplamente utilizado dos novos agrotóxicos, ainda antes queseus efeitos ambientais tivess<strong>em</strong> sido estudados (OLIVEIRA, 2006 ).No Brasil, segundo PASCHOAL (1979), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século passado, eramutilizados venenos caseiros à base <strong>de</strong> soda cáustica, querosene, carvão mineral,azeite <strong>de</strong> peixe, entre outros produtos. Até a década <strong>de</strong> 1940, forammuito usados produtos botânicos (piretro, retenona e nicotina), os quaiseram até exportados.Com a chamada “Revolução Ver<strong>de</strong>”, <strong>em</strong> 1960, o “progresso na agricultura”chegou aos países pobres, <strong>de</strong>ntre eles o Brasil, fundamentada no <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhodos índices <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> agrícola, com a substituição dosmol<strong>de</strong>s locais ou tradicionais <strong>de</strong> produção, por meio <strong>de</strong> técnicas homogêneas,tais como a utilização <strong>de</strong> agrotóxicos (EHLERS, 1996).Os agrotóxicos são os principais poluentes do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> agriculturaatual. Os venenos não se limitam a um <strong>de</strong>terminado local, apesar <strong>de</strong> ser<strong>em</strong>aplicados <strong>em</strong> uma área <strong>de</strong>terminada. A contaminação dos recursos naturaispelo uso in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> agrotóxicos se tornou um grave probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> pública e <strong>de</strong> poluição ambiental.Com o gran<strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> agrotóxico surgiu o probl<strong>em</strong>a da <strong>de</strong>stinaçãofinal das <strong>em</strong>balagens vazias, as quais po<strong>de</strong>m se tornar vetores dacontaminação dos recursos hídricos.37


Na região dos Campos <strong>de</strong> Cima da Serra, no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, fica aÁrea <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rota do Sol, unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação<strong>de</strong> uso sustentável, criada pelo Decreto Estadual nº 37346 <strong>de</strong> 1997, comomedida compensatória pela construção da Rodovia Rota do Sol (RIO GRAN-DE DO SUL, 2009). A APA Estadual Rota do Sol inclui parte <strong>de</strong> quatro municípios,totalizando uma área <strong>de</strong> 54.640 ha. As unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong>uso sustentável são impl<strong>em</strong>entadas s<strong>em</strong> que haja <strong>de</strong>sapropriação <strong>de</strong> terras(Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.985/00) e os proprietários são gestores das suas fazendas e<strong>de</strong>mais áreas <strong>de</strong> produção. Entretanto, segundo o plano <strong>de</strong> manejo da APAEstadual Rota do Sol, po<strong>de</strong>rá haver restrições quanto ao uso <strong>de</strong> agrotóxicos,quando este estiver <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com a legislação fe<strong>de</strong>ral e estadual.O atual plano <strong>de</strong> manejo, homologado pela portaria no 22/09, não prevêrestrições quanto ao uso <strong>de</strong> agrotóxicos prejudiciais à biodiversida<strong>de</strong> e àsaú<strong>de</strong> humana. Isto se <strong>de</strong>u <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> informações <strong>de</strong> campo sobrequais são os agrotóxicos são mais usados na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação, àépoca da elaboração daquele documento.Sendo assim, o presente estudo po<strong>de</strong>rá ser útil durante a revisão doplano <strong>de</strong> manejo da APA Estadual Rota do Sol, prevista para 2014. Os resultadosaqui apresentados também são importantes para estabelecer medidas<strong>de</strong> controle <strong>em</strong>ergencial quanto à utilização <strong>de</strong> agrotóxicos e <strong>de</strong>stinaçãofinal <strong>de</strong> <strong>em</strong>balagens, no âmbito da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação.2. Materiais e MétodosO presente projeto <strong>de</strong> pesquisa integrou as ativida<strong>de</strong>s do Laboratório<strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO), parceria entrea Secretaria do Meio Ambiente do Estado (SEMA) e a Universida<strong>de</strong> Estadualdo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UERGS), situado na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula.Foram realizadas reuniões com o gestor da APA Estadual Rota do Solpara fins <strong>de</strong> verificar quais as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong>ntro da unida<strong>de</strong><strong>de</strong> conservação. Após <strong>de</strong>finido o probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> pesquisa, foram levantadasinformações básicas acerca da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação e propostoum roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado <strong>de</strong> entrevistas, <strong>de</strong>stinado a produtores ruraisinseridos <strong>de</strong>ntro da APA (RICHARDSON et al., 1965; LÓDI, 1981). Além disso,foram realizadas visitas técnicas à Central <strong>de</strong> Recebimento <strong>de</strong> Embalagens<strong>de</strong> Agrotóxico <strong>de</strong> Vacaria.As saídas <strong>de</strong> campo ocorreram entre <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2009, janeiro e fevereiro<strong>de</strong> 2010, pois o verão é o período <strong>de</strong> maior intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> plantiosna região. Foram entrevistados os produtores rurais encontrados na área38


da APA Estadual Rota do Sol. A gran<strong>de</strong> área da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação foipercorrida ao acaso e os agricultores que estavam trabalhando nas proprieda<strong>de</strong>sforam entrevistados. Ás vezes um agricultor entrevistado sugeriaoutros. Toda a área da APA on<strong>de</strong> havia estrada foi percorrida e todos os agricultoresencontrados foram entrevistados. Optamos por este procedimentopor não termos informação precisa <strong>de</strong> quantas pessoas resi<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ntroda unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação, para po<strong>de</strong>r estabelecer um recorte amostral.Foram entrevistados ao todo 16 agricultores, sendo seis do distrito <strong>de</strong> Tainhas,quatro da localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Potreiro Velho (ambas pertencentes ao município<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula), além <strong>de</strong> seis agricultores do município<strong>de</strong> Três Forquilhas.O roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado utilizado foi composto por 20 questões, 12abertas e oito fechadas. Quanto ao contexto <strong>de</strong> aplicação, as entrevistas foramfeitas durante o dia, na lavoura. Cada entrevista foi conduzida com umaúnica pessoa por proprieda<strong>de</strong>, sendo s<strong>em</strong>pre que possível entrevistado oproprietário ou arrendatário.Nas proprieda<strong>de</strong>s entrevistadas foram obtidas coor<strong>de</strong>nadas geográficasutilizando um GPS (Global Positioning Syst<strong>em</strong>) manual. As coor<strong>de</strong>nadasobtidas foram utilizadas para elaborar uma carta do esforço amostral e informara situação das proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> abrangência da APARota do Sol.3. Resultados e discussão3.1 Tamanho das proprieda<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>lo agrícolaDentre as entrevistas realizadas na APA Rota do Sol predominaram asproprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> até cinco ha, situadas <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria no município<strong>de</strong> Três Forquilhas, nas quais observamos a prática da agricultura familiar.Já nos distritos <strong>de</strong> Tainhas e Potreiro Velho, <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula,nos quais estão as maiores proprieda<strong>de</strong>s, predominam os arrendamentos(somente uma proprieda<strong>de</strong> era do agricultor entrevistado). Foi possível observar,nas proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong>proprieda<strong>de</strong>s arrendadas por famílias do litoral. Segundo os agricultores,como o verão no litoral t<strong>em</strong> t<strong>em</strong>peraturas mais elevadas do que na serra,são necessários mais insumos para a agricultura na região litorânea. Istofaz com que seja mais rentável arrendar terras na região serrana do quepermanecer no litoral durante aquele período. A avaliação dos agricultoresé corroborada pelas normais climatológicas, as quais suger<strong>em</strong> verões mais39


andos e úmidos na região serrana da APA Estadual Rota do Sol (climaCfb), <strong>em</strong> relação à região costeira (clima Cfa, segundo a classificação <strong>de</strong> W.Köppen) (Peel et al., 2007).3.2 Principais cultivos na APA Estadual Rota do SolDentre as questões levantadas no roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado, estavam oscultivos realizados pelos agricultores. O resultado é apresentado na Figura 6Figura 6: Principais cultivos realizados na APA Rota do SolFigura 6: Principais cultivos realizados na APA Rota do Sol18%16%14%12%10%8%6%4%2%0%Na figura acima, as culturas mais expressiva foram brócolis (Brassicaoleracea var. italica Plenck) e couve-flor (Brassica oleracea var. botrytis), seguidas<strong>de</strong> alface (Lactuca sativa), repolho (Brassica oleracea var. capitata L.) ebatata (Solanum tuberosum). Po<strong>de</strong>mos observar ainda que a APA EstadualRota do Sol dispõe <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cultivos. Isso se <strong>de</strong>ve aofato da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação incluir uma gran<strong>de</strong> parcela <strong>de</strong> agricultoresfamiliares, principalmente na região litorânea, que inclui parte dos municípios<strong>de</strong> Itati e Três Forquilhas. A agricultura familiar se caracteriza, entreoutros aspectos, pelo policultivo (utilização <strong>de</strong> consórcios <strong>de</strong> diferentes cultivosnuma mesma área). No município <strong>de</strong> Três Forquilhas, por ex<strong>em</strong>plo, agran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cultivos está relacionada com os diferentes tipos <strong>de</strong>clima da região (serra e litoral). Alguns cultivos são adaptados a serra, comoa batata (Solanum tuberosum), ao passo que outros são mais a<strong>de</strong>quados aolitoral, como o aipim (Maninhot esculenta).3.3 Agrotóxicos utilizados na APA Estadual Rota do SolA Tabela 10 resume algumas informações relacionadas à marca comercialdos agrotóxicos utilizados <strong>de</strong>ntro da APA Estadual Rota do Sol. A partir40


da referência aos produtos utilizados, os <strong>de</strong>mais itens foram encontradosno Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação <strong>de</strong> Agrotóxicos da Agência Nacional <strong>de</strong> VigilânciaSanitária (ANVISA). O tipo <strong>de</strong> classificação toxicológica se refere ao grau<strong>de</strong> risco à saú<strong>de</strong> humana. O mesmo agrotóxico t<strong>em</strong> outra classificação toxicológicapara o meio ambiente. Em sua gran<strong>de</strong> maioria, os agrotóxicos sãoconsi<strong>de</strong>rados mais danosos ao meio ambiente do que à saú<strong>de</strong> humana.São utilizados 12 tipos diferentes <strong>de</strong> agrotóxicos na APA Estadual Rota do Sol, sendoseis tipos <strong>de</strong> inseticidas, três <strong>de</strong> herbicidas e três <strong>de</strong> fungicidas. Em relação ao grau <strong>de</strong>toxicida<strong>de</strong> para a saú<strong>de</strong> humana, <strong>de</strong> acordo com a classificação da ANVISA (2010), um éconsi<strong>de</strong>rado extr<strong>em</strong>amente tóxico, dois altamente tóxicos, cinco medianamente tóxicose quatro pouco tóxicos. O cultivo da batata (Solanum tuberosum) t<strong>em</strong> utilizado 10tipos <strong>de</strong> agrotóxicos, um <strong>de</strong>les extr<strong>em</strong>ante e dois altamente tóxicos. O cultivo do tomate(Licopersicon esculentum Mill.) está sendo feito com 07 tipos <strong>de</strong> agrotóxicos, sendodois altamente tóxicos. No cultivo do brócolis (Brassica oleracea var. italica Plenck) e dofeijão (Phaseolus vulgaris L.) t<strong>em</strong> sido <strong>em</strong>pregados dois tipos <strong>de</strong> agrotóxicos, sendo queo Gramoxone 200, utilizado no feijão, é o mais tóxico dos herbicidas da lista.40Tabela 10: Agrotóxicos utilizados <strong>de</strong>ntro da APA Estadual Rota do SolTabela 10: Agrotóxicos utilizados <strong>de</strong>ntro da APA Estadual Rota do SolMarcacomercialClassesIngredienteativoClassificaçãotoxicológicaModo <strong>de</strong>aplicaçãoCultivosPirateacaricida/inseticidaClorfenapir III Terrestre batata,brócolis etomatepastagens/aéreoRoundup herbicida Glifosato IV TerrestreRidomilGold MzMancozebfungicida Mancozeb +Metalaxil-Macaricida/fungicidaIII Terrestre repolho etomateMancozeb II Terrestre/AéreoManzat fungicida Mancozeb III Terrestre/AéreoLorsban inseticida OrganofosforadoCurzat fungicida Cimoxanil +mancozebbatata etomateIV Terrestre batatabatata,brócolis,cenoura,couve, feijão,couve-flor etomateIII Terrestre batata etomateSencor herbicida Metribuzim IV Terrestre/aéreoDecis 50SCbatata,tomate eaipiminseticida Deltametrina IV Terrestre batataFastac 100 inseticida AlfacipermetrinaII Terrestre batata etomateSabre inseticida clorpirifós III Terrestre batataGramoxone200Herbicidaparaquatdichlori<strong>de</strong>ITerrestre/aéreobatata efeijãoI - Extr<strong>em</strong>amente tóxico; II - altamente tóxico; III - medianamente tóxico; IV - poucotóxico.41


3.4 Locais <strong>de</strong> aquisição dos agrotóxicosOs agrotóxicos são adquiridos <strong>em</strong> sua gran<strong>de</strong> maioria nas <strong>em</strong>presas <strong>de</strong>Caxias do Sul e Maquiné. Um menor percentual é comprado <strong>de</strong> atravessadoresque passam ven<strong>de</strong>ndo agrotóxicos <strong>em</strong> veículos <strong>de</strong> passeio, s<strong>em</strong> nota fiscal.Isto gera um probl<strong>em</strong>a quanto à <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> <strong>em</strong>balagens vazias, umavez que s<strong>em</strong> a nota fiscal a <strong>de</strong>volução das <strong>em</strong>balagens se torna improvável.3.5 Procedimentos com as <strong>em</strong>balagens <strong>de</strong> agrotóxicosA gran<strong>de</strong> maioria (12 agricultores) relata que faz a tríplice-lavag<strong>em</strong>,seguida <strong>de</strong> uma pequena parte (dois entrevistados) que não soube dizercomo eram feitas as lavagens.N<strong>em</strong> todas as <strong>em</strong>balagens <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser lavadas No caso das laváveis,que representam à maior parte do material disponível no mercado, após oprocesso <strong>de</strong> tríplice lavag<strong>em</strong>, as <strong>em</strong>balagens <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>radasresíduos perigosos e passam a ser consi<strong>de</strong>radas recicláveis, pela legislação.3.6 - Locais <strong>de</strong> armazenag<strong>em</strong> das <strong>em</strong>balagensQuando questionados sobre o armazenamento das <strong>em</strong>balagens vazias,38% respon<strong>de</strong>ram que as armazenam <strong>em</strong> algum lugar na proprieda<strong>de</strong>.Outros 25% respon<strong>de</strong>ram que armazenam as <strong>em</strong>balagens <strong>em</strong> galpões<strong>de</strong>ntro da proprieda<strong>de</strong> e 19% disseram que armazenam as <strong>em</strong>balagens nas“big bags” (bolsas <strong>de</strong> 100 litros, para a coleta fornecidas pelo Instituto Nacional<strong>de</strong> Processamento <strong>de</strong> Embalagens Vazias, INPEV)Em relação aos 25% que respon<strong>de</strong>ram que armazenavam as <strong>em</strong>balagens<strong>em</strong> galpões, observamos que alguns mantinham suas <strong>em</strong>balagens<strong>de</strong> agrotóxico juntamente com rações <strong>de</strong> animais ou até algumtipo <strong>de</strong> alimento.Quanto aos 19% que armazenavam as <strong>em</strong>balagens <strong>em</strong> big bags, nãohaveria nenhum probl<strong>em</strong>a se o material estivesse <strong>em</strong> local coberto, ventilado,ao abrigo da chuva, longe das residências e jamais junto com medicamentosou rações <strong>de</strong> animais. Porém, nas proprieda<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> realizamosas entrevistas, observamos que as big bags ficavam <strong>em</strong> locais abertos, s<strong>em</strong>nenhuma proteção da chuva.3.7 Conhecimento sobre algum órgão que faça a coletaOs entrevistados foram questionados quanto ao seu conhecimento arespeito dos órgãos responsáveis pela coleta <strong>de</strong> <strong>em</strong>balagens, ao que 56%respon<strong>de</strong>ram que sab<strong>em</strong> que órgãos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> recolher o material. Segundoos agricultores, o órgão que mais recolhe as <strong>em</strong>balagens <strong>de</strong> agrotóxicos(com um percentual <strong>de</strong> 44%) é a Prefeitura <strong>de</strong> Três Forquilhas. Segundo o42


secretário do Meio Ambiente <strong>de</strong> Três Forquilhas, o processo <strong>de</strong> recolhimentoé feito anualmente, geralmente na s<strong>em</strong>ana do meio ambiente. A prefeituraagenda o dia e divulga nas rádios da região. O processo <strong>de</strong> recolhimentoé feito <strong>em</strong> parceria com outras duas prefeituras da região (dos municípios<strong>de</strong> Itati e Maquiné). Após o recolhimento, as <strong>em</strong>balagens são levadas parauma central <strong>de</strong> coleta <strong>em</strong> Araranguá, no Estado <strong>de</strong> Santa Catarina.3.8 Utilizações <strong>de</strong> Equipamento <strong>de</strong> Proteção Individual (EPI)Quanto à utilização <strong>de</strong> EPI, todos os agricultores respon<strong>de</strong>ram que osutilizam. Entretanto, não foi isso que observamos <strong>em</strong> campo. Um agricultorfoi visto manuseando agrotóxicos s<strong>em</strong> luvas, usando chinelo <strong>de</strong> <strong>de</strong>dos ecamiseta, enquanto outro transportava as <strong>em</strong>balagens com resíduos <strong>de</strong>sprovidos<strong>de</strong> qualquer equipamento <strong>de</strong> proteção.3.9 Destinação a<strong>de</strong>quada para as <strong>em</strong>balagensQuestionamos os agricultores se <strong>em</strong> algum momento tiveram dificulda<strong>de</strong>para dar a <strong>de</strong>stinação a<strong>de</strong>quada para as <strong>em</strong>balagens vazias <strong>de</strong> agrotóxico.Do total, 63% afirmaram que não tiveram nenhuma dificulda<strong>de</strong>, enquanto25 % alegaram que tiveram dificulda<strong>de</strong> para <strong>de</strong>volver e 12% nãosouberam dizer, pois não eram eles qu<strong>em</strong> manuseavam as <strong>em</strong>balagens.Dentre os que tiveram dificulda<strong>de</strong>s, todos alegaram que não conseguiramdar a <strong>de</strong>stinação a<strong>de</strong>quada porque as <strong>em</strong>presas não organizaram um dia<strong>de</strong> coleta, n<strong>em</strong> recolh<strong>em</strong> a<strong>de</strong>quadamente o material.3.10 Danos causados a saú<strong>de</strong> humanaPerguntamos aos agricultores se eles tinham algum conhecimentoquanto aos danos causados à saú<strong>de</strong> pelo uso <strong>de</strong>masiado <strong>de</strong> agrotóxico. Dototal, 88% respon<strong>de</strong>ram que tinham noção <strong>de</strong> que os agrotóxicos causamdanos à saú<strong>de</strong>. Entretanto, quando questionados quais seriam esses danos,não souberam respon<strong>de</strong>r. Po<strong>de</strong>mos então verificar a falta <strong>de</strong> conhecimentodos entrevistados quanto ao que seriam os efeitos do agrotóxico sobre asua própria saú<strong>de</strong>. Ao que parece, eles po<strong>de</strong>m até vir a <strong>de</strong>senvolver doençass<strong>em</strong> relacioná-las ao uso <strong>de</strong> agrotóxicos.3.11 Agricultura s<strong>em</strong> agrotóxicosA última questão do roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado foi uma das mais importantes.Perguntamos aos agricultores se eles acreditavam na possibilida<strong>de</strong><strong>de</strong> uma agricultura s<strong>em</strong> a utilização <strong>de</strong> agrotóxicos. Do total <strong>de</strong> 16 entrevistados,75% disseram que não. Segundo eles, os fatores limitantes sãoa ausência <strong>de</strong> políticas públicas que incentiv<strong>em</strong> a produção orgânica, a43


carência <strong>de</strong> orientação técnica aos agricultores e a falta <strong>de</strong> consciência doconsumidor. Segundo os produtores, para que eles <strong>de</strong>ixass<strong>em</strong> <strong>de</strong> utilizaragrotóxicos, os consumidores teriam que assumir outra postura, optandopor produtos menores e menos vistosos do que aqueles atualmente encontradosno mercado.4. Consi<strong>de</strong>rações finaisFoi muito importante, ao longo <strong>de</strong>ste trabalho, a proximida<strong>de</strong> do órgãofiscalizador (Secretaria do Meio Ambiente do Estado, SEMA) com a comunida<strong>de</strong>local. Pu<strong>de</strong>mos notar que os agricultores se sentiram à vonta<strong>de</strong>para expor os probl<strong>em</strong>as e dúvidas relacionados à utilização <strong>de</strong> agrotóxicos.Entretanto alguns aspectos dos seus <strong>de</strong>poimentos foram contraditórios,como o fato <strong>de</strong> todos alegar<strong>em</strong> utilizar equipamento <strong>de</strong> proteçãoindividual e observamos que, no momento das entrevistas, eles estavam<strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> tais equipamentos.Ficou evi<strong>de</strong>nte durante as entrevistas o conflito gerado pela falta <strong>de</strong>recolhimento das <strong>em</strong>balagens <strong>de</strong> agrotóxicos pelos reven<strong>de</strong>dores e a dificulda<strong>de</strong>dos agricultores para levar tais <strong>em</strong>balagens aos pontos <strong>de</strong> coleta,tendo <strong>em</strong> vista que a maior parte dos agrotóxicos é adquirida pelos agricultores<strong>em</strong> Maquiné, mas provém <strong>de</strong> <strong>em</strong>presas <strong>de</strong> Porto Alegre e Caxias doSul, e que o centro <strong>de</strong> recolhimento mais próximo fica na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Vacaria(162 km ao norte <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula).Foi sugerido então que fosse licenciado um ponto <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> <strong>em</strong>balagensjunto ao prédio da SEMA <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, mas segundoa Fundação Estadual <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> (FEPAM), a se<strong>de</strong> da SEMAnão seria local apropriado, pois não obe<strong>de</strong>ce a critérios <strong>de</strong> distanciamento<strong>de</strong> residências e <strong>de</strong> locais <strong>de</strong> alimentação e as <strong>em</strong>balagens <strong>de</strong> agrotóxicosnão po<strong>de</strong>m ficar <strong>em</strong> prédios <strong>de</strong> uso coletivo. Isto posto, a SEMA solicitoua FEPAM que seja instalado um Posto <strong>de</strong> Recebimento <strong>de</strong> Embalagensno município, conforme <strong>de</strong>termina o Decreto Fe<strong>de</strong>ral nº 4.074/02, Artigo54. Segundo este <strong>de</strong>creto, se as <strong>em</strong>presas comercializadoras não tiver<strong>em</strong>condições <strong>de</strong> receber ou armazenar as <strong>em</strong>balagens vazias no mesmo localon<strong>de</strong> são realizadas as vendas dos produtos, elas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> licenciar ou cre<strong>de</strong>nciarum posto <strong>de</strong> recebimento ou centro <strong>de</strong> recolhimento, cuja condição<strong>de</strong> acesso não venha a dificultar a <strong>de</strong>volução pelos usuários. A <strong>em</strong>presa<strong>de</strong>verá também informar na nota fiscal o local <strong>de</strong> <strong>de</strong>volução e comunicaros usuários eventuais trocas <strong>de</strong> en<strong>de</strong>reço.A utilização <strong>de</strong> uma dúzia <strong>de</strong> agrotóxicos na APA Estadual Rota do Sol<strong>em</strong> apenas uma estação do ano, o verão, é extr<strong>em</strong>ante preocupante, se44


consi<strong>de</strong>rarmos a gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nascentes presentes na região ea conseqüente possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contaminação das águas. A unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>conservação cont<strong>em</strong>pla um amplo gradiente altitudinal, que varia <strong>de</strong> 70 a900 m. As nascentes dos rios Tainhas e Contendas (bacia do Taquari-Antas)e dos arroios Bananeiras, Carvalho, Pinto e Três Forquilhas (bacia do TrêsForquilhas) estão <strong>de</strong>ntro da APA Estadual Rota do Sol e b<strong>em</strong> próximas dazona <strong>de</strong> uso agropecuário (RIO GRANDE DO SUL, 2009).A metodologia utilizada neste trabalho mostrou-se eficaz, uma vezque foram alcançados os objetivos propostos. Entretanto se faz necessáriaa continuida<strong>de</strong> da pesquisa ao longo das estações do ano, pois os cultivossão diferentes, sendo utilizados diferenciados tipos <strong>de</strong> agrotóxicos.5. Referencias Bibliográficas:EHLERS, E. 1996. Agricultura sustentável: origens e perspectivas <strong>de</strong> um novo Paradigma.Livros da Terra, São Paulo.GASPARIN, D.C. 2005. Defensivos Agrícolas e seus Impactos Sobre o Meio Ambiente. Centro<strong>de</strong> Ciências Exatas e <strong>de</strong> Tecnologia da PUC-PR, Curitiba 93p. Trabalho não publicado.Disponível <strong>em</strong>: www.pucpr.br/educacao/aca<strong>de</strong>mico/graduacao/cursos/ccet/engambiental/tcc/2005/pdf/daniele_gasparin.pdf.Acessado <strong>em</strong> 03 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2010.LÓDi, J.B. 1981. A entrevista – teoria e prática. Livraria Pioneira Editora, Quarta edição, SãoPaulo.LUTZENBERGER, J. 2004. Ecologia, do Jardim ao Po<strong>de</strong>r. Porto Alegre.PASCHOAL, A. D. 1983. Biocidas: morte a curto e a longo prazo. Revista Brasileira <strong>de</strong>Tecnologia. Brasília, v.14 (1): 17-27.PEEL, M.C.; FINLAYSON, B.L.; and MCMAHON, T.A. 2007. Updated world map of Köppen--Geiger climate classification. Hydrol. Earth Syst. Sci. Discuss., 4: 439-473.RICHARDSON, S.P.; DOHRENWEND, B.S. and KLEIN, D. 1965. Interwing its forms and functions.Basic Books, Inc. New York.RIO GRANDE DO SUL, 2009. Plano <strong>de</strong> Manejo da Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rotado Sol. Secretaria do Meio Ambiente do Estado. Porto Alegre.45


CAPÍTULO 3:SITUAÇÃO ATUAL DO CULTIVO DE BATATA(SOLANUM TUBEROSUM L.) E O USO DE AGROTÓXICOSNA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL ESTADUAL ROTADO SOL, RIO GRANDE DO SUL, BRASILCURRENT STATUS OF POTATO (SOLANUM TUBEROSUM L.)CULTIVATION AND PESTICIDE IMPACTS IN THE ROTA DOSOL STATE ENVIRONMENTAL PROTECTED AREA, RIOGRANDE DO SUL, BRAZILLucas Guilherme Hahn KEHL 1 , Leonardo BEROLDT 2 & Rodrigo Cambará PRINTES 3ResumoO presente trabalho foi <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong>ntro dos limites da Área <strong>de</strong>Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rota do Sol (APA Rota do Sol), buscando obterum diagnóstico da situação atual do cultivo da batata (Solanum tuberosumL.). Nossos objetivos foram dimensionar a área <strong>de</strong> cultivo e investigaras atuais práticas <strong>de</strong> manejo <strong>de</strong>ste cultivo, na região <strong>de</strong>finida no Plano <strong>de</strong>Manejo daquela unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação como zona <strong>de</strong> uso agropecuário.Um roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado foi aplicado junto aos produtores. Um GPS foi<strong>em</strong>pregado para aquisição das coor<strong>de</strong>nadas geográficas das proprieda<strong>de</strong>s.Posteriormente foram i<strong>de</strong>ntificados os cultivos através <strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> satélitevisando obter as dimensões das áreas por vetorização. A prática <strong>de</strong> manejoutilizada é o sist<strong>em</strong>a convencional <strong>de</strong> produção mecânico-química,no qual são <strong>em</strong>pregados 15 diferentes agrotóxicos, visando à eliminação<strong>de</strong> pragas e doenças. A área <strong>de</strong> cultivo <strong>de</strong> batata na APA Rota do Sol é<strong>de</strong> 262 ha (0,5% do total), com uma produção <strong>de</strong> 6.662,5 t, equivalente a7,08% da produção total <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula. Os arrendatários nãosabiam que estavam produzindo <strong>em</strong> uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> usosustentável. Quando questionados sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> partir<strong>em</strong> paraprodução orgânica, os agricultores alegaram que isto é inviável <strong>de</strong>vido ao123Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) – Rua Assis Brasil, 842, Centro,São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil. CEP 95.400.000. e-mail: lucaskehl@gmail.com/ beroldt@gmail.com/rodrigo-printes@uergs.edu.br47


padrão <strong>de</strong> aparência dos vegetais exigidos pelos consumidores e à gran<strong>de</strong><strong>de</strong>manda <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra necessária para o cultivo s<strong>em</strong> agrotóxicos.Palavras-chave: Solanum tuberosum L., geoprocessamento, unida<strong>de</strong><strong>de</strong> conservação.AbstractThe present paper has been <strong>de</strong>veloped within the limits of the Rotado Sol Environmental Protected Area (EPA Rota do Sol), Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,Brazil, in or<strong>de</strong>r to make a diagnosis of current status of potato (Solanumtuberosum L.) cultivation. Our objectives have been to evaluate the size ofthe area used for potato plantations and to investigate the impacts of itsmanag<strong>em</strong>ent practices. We have applied a s<strong>em</strong>i-gui<strong>de</strong>d questionnaire tothe local people. To get the crops geographical coordinates we have used aGPS. After this, the crops have been i<strong>de</strong>ntified through satellite images andit was possible for us to make an accurate <strong>de</strong>sign of these areas by a vectorizationprocess in the AutoCAD computer program. The manag<strong>em</strong>ent practicesused are the traditional production mechanical and ch<strong>em</strong>ical, in which15 different pestici<strong>de</strong>s and ch<strong>em</strong>ical fertilization drugs are used in or<strong>de</strong>rto eliminate pests and diseases. The area of potato cultivation in EPA Rotado Sol is of 262 ha (0.5% of the total productive area), with a productionof 6,662.5 t, which means 7.08% of the total production of the municipaldistrict of San Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. The rural workers, whoare leasehol<strong>de</strong>rs of the land, <strong>de</strong>clared to be unaware that they had beenproducing potatoes in a sustainable conservationist unit. When questionedabout the possibility of shifting into organic production, the rural workerscomplained that they find it impossible due to the high standards of quality<strong>de</strong>man<strong>de</strong>d by the market and the lack of manpower.Keywords: Solanum tuberosum L., geoprocessing, protected area1. IntroduçãoA batata (Solanum tuberosum L.) é um importante alimento na culináriamundial, superado <strong>em</strong> produção total apenas pelo trigo, milho e arroz.Originária dos An<strong>de</strong>s, ela surgiu <strong>de</strong> um longo processo evolutivo <strong>de</strong> seleçãoartificial, através <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> cruzamentos entre espécies do gran<strong>de</strong> ediversificado gênero Solanum (PEREIRA e DANIELS, 2003).O maior produtor mundial <strong>de</strong> batatas é a China, que produziu mais <strong>de</strong>70 milhões <strong>de</strong> toneladas <strong>em</strong> 2006 <strong>em</strong> uma área <strong>de</strong> 4,9 milhões <strong>de</strong> hectares;no mesmo ano o Brasil produziu cerca <strong>de</strong> três milhões <strong>de</strong> toneladas <strong>em</strong>48


área <strong>de</strong> 140 mil hectares (ABBA, 2007). O Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul contribuicom 385 mil toneladas na produção nacional (BRASIL, 2009).Segundo o IBGE (BRASIL, 2009), a microrregião <strong>de</strong> Vacaria, pertencenteà mesorregião do Nor<strong>de</strong>ste Rio-Gran<strong>de</strong>nse, é a maior produtora <strong>de</strong> batatado Estado, contribuindo com 58,3% da produção total.A Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual (APA) Rota do Sol, está inseridanas Microrregiões <strong>de</strong> Vacaria e Osório, tendo sido criada pelo Estadocomo medida compensatória <strong>de</strong>vido à construção da rodovia que liga SãoFrancisco <strong>de</strong> Paula a Terra <strong>de</strong> Areia (trecho <strong>de</strong> 167 km <strong>de</strong> comprimento). Amesma medida mitigatória explica a criação da Estação Ecológica Estadual<strong>de</strong> Aratinga, que correspon<strong>de</strong> ao núcleo da APA Rota do Sol e a sua Zona<strong>de</strong> Proteção da Vida Silvestre (RIO GRANDE DO SUL, 2009).Segundo a Lei nº 9.985/2000, que institui o Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Conservação da Natureza (SNUC), APA é uma categoria <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> conservação pertencente ao Grupo das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Uso Sustentável,constituída por terras públicas e privadas. A implantação <strong>de</strong> uma APA nãorequer <strong>de</strong>sapropriações. As terras po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> posse privada e po<strong>de</strong>mocorrer ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>de</strong>ntro da poligonal, como por ex<strong>em</strong>plo, aagricultura. Respeitados os limites constitucionais, e uma vez constantes <strong>de</strong>seu plano <strong>de</strong> manejo, medidas <strong>de</strong> restrição po<strong>de</strong>m ser utilizadas numa APA.A agricultura mo<strong>de</strong>rna substituiu a secular agricultura auto-sustentávele utilizadora dos recursos naturais, por adubos químicos, sintetizados pelosetor industrial. A “Revolução Ver<strong>de</strong>” surgiu após a Segunda Guerra Mundial,com o objetivo <strong>de</strong> aproveitar o parque industrial que havia sido implantadopara a indústria armamentista, através da produção <strong>de</strong> fertilizantes eagrotóxicos (LUTZEMBERGER, 2006). A característica principal da “RevoluçãoVer<strong>de</strong>” foi a globalização <strong>de</strong> uma agricultura mecânico-química, quepassou a ser chamada <strong>de</strong> “convencional”. Com isso teve inicio um processo<strong>de</strong>vastador nos solos do mundo inteiro (PRIMAVESI, 2003).O presente trabalho foi <strong>de</strong>senvolvido <strong>de</strong>ntro dos limites da APA Rotado Sol. Buscou-se obter um diagnóstico da situação atual do cultivo dabatata (Solanum tuberosum L.) na parte norte e nor<strong>de</strong>ste da APA, por estaregião ter sido apontada no Plano <strong>de</strong> Manejo (RIO GRANDE DO SUL, 2009)como <strong>de</strong> uso agropecuário intenso.2. ObjetivosOs objetivos principais <strong>de</strong>ste trabalho foram dimensionar a área <strong>de</strong>plantio <strong>de</strong> batata <strong>de</strong>ntro da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação e investigar as práticas<strong>de</strong> manejo <strong>de</strong>ste cultivar.49


3. Materiais e métodos3.1 Área <strong>de</strong> estudoA APA Rota do Sol é uma Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação (UC) Estadual <strong>de</strong>Uso Sustentável com área <strong>de</strong> 54.670,5 ha, inserida no bioma Mata Atlânticae abrangendo os municípios <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, Cambará do Sul,Itati e Três Forquilhas (Figura 1).3.2 Coleta <strong>de</strong> dadosPara o diagnóstico do cultivo <strong>de</strong> batata nos limites da APA Rota do Solforam utilizados dois tipos <strong>de</strong> análise: roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado <strong>de</strong> entrevista(LÓDI, 1981) e geoprocessamento.3.3 Roteiro <strong>de</strong> entrevistaO roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado <strong>de</strong> entrevista se fez necessário para aquisição<strong>de</strong> dados relativos ao manejo do solo e o processo <strong>de</strong> produção. Oroteiro foi aplicado in loco para a aquisição do ponto georreferenciado através<strong>de</strong> GPS <strong>de</strong> navegação. Foram entrevistados seis produtores <strong>de</strong> batata(quatro inseridos na APA Rota do Sol e dois no seu entorno).Outros roteiros específicos foram elaborados para entrevistar lavadores<strong>de</strong> batatas (2), o técnico da EMATER/RS-ASCAR e o presi<strong>de</strong>nte da Associação<strong>de</strong> Produtores <strong>de</strong> Batata (Companhia da Batata) <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula.As entrevistas ocorreram <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2009 a maio <strong>de</strong> 2010, período<strong>em</strong> que ocorre o cultivo <strong>de</strong> batata na região.3.4 GeoprocessamentoO sensoriamento r<strong>em</strong>oto, através do geoprocessamento, foi utilizadopara o mapeamento das áreas cultivadas. Foi aplicada a composição falsa--cor, que é uma imag<strong>em</strong> colorida não natural composta por três bandas <strong>de</strong>diferentes faixas espectrais com a intenção <strong>de</strong> se obter um contraste maiorsobre o objeto <strong>em</strong> estudo.Os resultados do geoprocessamento foram obtidos através da vetorizaçãodas culturas por imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> satélite, a diferença entre os resultadosadquiridos pelas entrevistas é <strong>de</strong>sprezível, pois a imag<strong>em</strong> analisada t<strong>em</strong> resoluçãoespacial <strong>de</strong> 30 metros e este erro po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>corrente do tamanhodo pixel.Foi utilizada a imag<strong>em</strong> do dia 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010 obtida pelo sítiodo INPE do LANDSAT TM cinco (2010), com resolução espacial <strong>de</strong> 30metros. As bandas utilizadas foram a três, quatro e cinco, e para facilitar a50


vetorização das áreas foi feita uma composição RGB 453. A composiçãoRGB345 correspon<strong>de</strong> à realida<strong>de</strong>, o que a visão humana enxerga, limitandoa interpretação da vegetação <strong>em</strong> geral.A imag<strong>em</strong> utilizada foi georreferenciada no programa IDRISI (CLARKLABS, 2006) por pontos <strong>de</strong> controle obtidos através do GPS <strong>de</strong> navegaçãocom precisão variando entre cinco e 9 metros. Foram utilizados 12 pontoscom erro RMS <strong>de</strong> 0,1.Base Cartográfica: foi utilizada a base cartográfica do Plano <strong>de</strong> Manejoda APA, (arquivos <strong>de</strong> extensão “.shp”, para limites e zoneamento), mapas t<strong>em</strong>áticosdo IBGE obtidos no sitio (arquivos <strong>de</strong> extensão “.pdf”, para geologia,pedologia e vegetação) (BRASIL 2010 a; BRASIL, 2010 b) e os limites das baciashidrográficas do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (arquivo <strong>de</strong> extensão “.kml”, GoogleEarth) (RIO GRANDE DO SUL, 2010).Vetorização: Através dos pontos georreferenciados foram localizadasas áreas <strong>de</strong> cultivo <strong>de</strong> batata na imag<strong>em</strong> do satélite LANDSAT TM 5, essasáreas foram vetorizados no IDRISI. Os arquivos do IBGE foram vetorizados diretamenteno programa AutoCAD (AUTODESK, 2009). O arquivo do DRH <strong>de</strong>extensão do Google Earth foi convertido para o AutoCAD (AUTODESK, 2009)através <strong>de</strong> um aplicativo (appload) chamado ExpGE (DALLE MOLLE, 2009).Tanto os arquivos da base cartográfica quanto os vetorizados no IDRISI(CLARK LABS, 2006) foram convertidos para ser<strong>em</strong> manipulados no programaAutoCAD.4. Resultados e discussão4.1 A ca<strong>de</strong>ia produtiva da batataAtravés do geoprocessamento encontrou-se uma área <strong>de</strong> 262,7 ha,aproximadamente 0,5% da área total da UC, e os cultivares no entorno comárea <strong>de</strong> 134 ha.A safra média é <strong>de</strong> 550 sacos/ha, com custo médio <strong>de</strong> R$ 13.000.As cultivares <strong>de</strong> batata estão praticamente todas na Bacia Hidrográficado Taquari-Antas, que pertenc<strong>em</strong> a Região Hidrográfica do Guaíba. Os cultivosocorr<strong>em</strong> na formação vegetal <strong>de</strong> Estepe (campos), supostamente pelafacilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manejo do solo.Na Figura 7, verificamos a sobreposição das cultivares com o ZoneamentoEcológico-Econômico da APA Rota do Sol <strong>de</strong>finido pelo plano <strong>de</strong>manejo. Este zoneamento está <strong>de</strong> acordo com o que dispõe a ResoluçãoCONAMA nº 10/88.51


Figura 7: Sobreposição das cultivares <strong>de</strong> batata com o zoneamento ecológico-econômicoda APA Rota do Sol <strong>de</strong>finido pelo plano <strong>de</strong> manejoParte dos cultivares está na zona <strong>de</strong> uso agropecuário. Há um gran<strong>de</strong>cultivo <strong>de</strong>ntro da zona da conservação hídrica e outra área <strong>de</strong> menor expressãona zona <strong>de</strong> conservação da vida silvestre. Embora o plano <strong>de</strong> manejonão proíba a prática agropecuária nestas zonas, <strong>de</strong>ve-se começar a trabalharpráticas <strong>de</strong> manejo alternativas que vis<strong>em</strong> à minimização <strong>de</strong> impactos.Segundo o IBGE (BRASIL, 2009), dos municípios que constitu<strong>em</strong> a APARota do Sol, apenas São Francisco <strong>de</strong> Paula e Cambará do Sul produzirambatata, respectivamente 94.100 t e 4.200 t, <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> 3.800 ha e 120 ha.São Francisco <strong>de</strong> Paula é o maior produtor do estado, seguido <strong>de</strong> São Josédos Ausentes com 60.000 t e Bom Jesus 34.500 t, o que torna a Microrregião<strong>de</strong> Vacaria importante para na produção <strong>de</strong> batata no estado. Na APA sãoproduzidos 133.250 sacos <strong>de</strong> 50 kg, equivalente a 6.662,5 t (7,08% da produção<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula).O cultivo inicia no final <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro e vai até início <strong>de</strong> fevereiro, a colheitainicia <strong>em</strong> janeiro e vai até início <strong>de</strong> junho. É praticado o cultivo <strong>em</strong>duas safras, a “das águas” com plantio entre agosto e <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro, e colheita<strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>em</strong> diante; e a “da seca” com plantio entre janeiro e março, ecolheita <strong>de</strong> abril <strong>em</strong> diante (LOPES e BUSO, 1999).Todos os produtores utilizam as mesmas técnicas <strong>de</strong> adubação (formuladoquímico) e calag<strong>em</strong>, e utilizam o sist<strong>em</strong>a convencional <strong>de</strong> preparodo solo. Segundo PEREIRA e DANIELS (2003) a calag<strong>em</strong> e adubação do solosão indispensáveis na Região Sul do Brasil, por conter elevada aci<strong>de</strong>z, baixosteores <strong>de</strong> fósforo, <strong>de</strong> cálcio e magnésio e teores elevados <strong>de</strong> el<strong>em</strong>entostóxicos como alumínio e manganês.52


Segundo os mesmos autores este sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> preparo é um atentado àconservação do solo. Por <strong>de</strong>mandar alto consumo <strong>de</strong> energia e revolver ohorizonte A, se torna um inconveniente do ponto <strong>de</strong> vista da sustentabilida<strong>de</strong>econômica e ambiental.O plantio é mecanizado, feito com plantadora. Parte das batatas-s<strong>em</strong>enteutilizadas é comprada e parte é produzida pelos próprios produtores.Normalmente 10% da área plantada são <strong>de</strong>stinadas para a produção<strong>de</strong> batata-s<strong>em</strong>ente, e o restante à produção <strong>de</strong> batata para o consumo (innatura ou indústria).Os produtores entrevistados não faz<strong>em</strong> irrigação, a cultura nesta regiãoé totalmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da chuva. A única vez que a planta recebepulverização é na aplicação dos agrotóxicos, o que será abordado maisadiante. Segundo LOPES e BUSO (1999) a batata é uma das hortaliças qu<strong>em</strong>ais necessita <strong>de</strong> água, para produzir 4 a 7 kg são necessários 1.000 litros<strong>de</strong> água e o ciclo da batata para consumo varia entre 90 e 110 dias conformea varieda<strong>de</strong>.Após a colheita é feito beneficiamento da batata. Dois produtores possu<strong>em</strong>lavadouras próprias e os outros ven<strong>de</strong>m para lavadoras no município<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula. As lavadoras citadas foram Dabu’s e Belebas. A seguirserá <strong>de</strong>scrito o processo <strong>de</strong> beneficiamento. No final da safra é plantadopasto (azevém, aveia e/ou trigo), <strong>de</strong>ixando a terra <strong>em</strong> pousio entre quatroe cinco meses para o uso do arrendador como área <strong>de</strong> pastoreio do gado.O processo <strong>de</strong> beneficiamento segue o mesmo padrão nas lavadoras.A batata é transportada por caminhão até a lavadora armazenada <strong>em</strong> “big--bag” (sacos <strong>de</strong> 500kg). Então a batata é <strong>de</strong>positada <strong>em</strong> um tanque on<strong>de</strong>recebe uma pré-lavag<strong>em</strong>. No fundo <strong>de</strong>ste tanque passa um duto que levaa batata até a máquina lava<strong>de</strong>ira por elevação.Na máquina ficam duas pessoas fazendo a lavag<strong>em</strong> da batata. Após alavag<strong>em</strong> manual, a batata entra na esteira para o enxágüe, pré-secag<strong>em</strong> esecag<strong>em</strong>. Após a secag<strong>em</strong> a batata é classificada e por fim ensacada e estápronta para ser distribuída.Ambas as lavadoras ven<strong>de</strong>m a atacados e CEASA. A lavadora Dabu’sdistribui batas apenas no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, enquanto a lavadora Belebasdistribui 70% no Estado e 20% vai para Santa Catarina, além <strong>de</strong> 10% paraSão Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro.As duas lavadoras possu<strong>em</strong> licença <strong>de</strong> operação (LO) da FEPAM para aativida<strong>de</strong> e respectiva outorga do DRH para o uso da água. A máquina consome10.000l/h <strong>de</strong> água. No processo <strong>de</strong> lavag<strong>em</strong> é utilizada apenas água.Esta é <strong>de</strong>cantada <strong>em</strong> tanques após volta ao local <strong>de</strong> captação.53


4.2 O uso <strong>de</strong> agrotóxicosNo cultivo convencional a utilização <strong>de</strong> agrotóxicos é algo comum epara cada cultura é seguido um roteiro <strong>de</strong> aplicação. Este roteiro serve paracombater as principais ervas in<strong>de</strong>sejadas, doenças e pragas que ocorr<strong>em</strong>na região <strong>de</strong> cultivo.Dentre os quinze agrotóxicos que foram citados durante as entrevistas,oito (53,33%) são fungicidas utilizados para o controle das duas principaisdoenças da cultura da batata causadas por fungos, a pinta-preta (Alternariasolani) e a requeima (Phytophthora infestans). Os inseticidas representam33,33%, seguido dos herbicidas (13,33%).A pinta-preta ocorre com umida<strong>de</strong> a 90% no calor, já a requeima ocorrecom umida<strong>de</strong> a 90% no frio, ambas são doenças que ating<strong>em</strong> a parteaérea da planta (LOPES e BUSO, 1999).O uso <strong>de</strong> fungicidas repercute na inibição <strong>de</strong> certos microrganismosdo solo. Essa modificação na microflora faz com que certos fungos parasitas,antes s<strong>em</strong> importância, se <strong>de</strong>senvolvam. É o caso da Alternaria spp.,conforme o relatório do grupo internacional <strong>de</strong> controle integrado <strong>em</strong> pomares(CHABOUSSOU, 2006).Quatro inseticidas, <strong>de</strong> cinco, são “Classe I” na classificação ambiental.Estes quatro pertenc<strong>em</strong> ao grupo químico piretói<strong>de</strong>. Os piretrói<strong>de</strong>s apresentambaixa toxicida<strong>de</strong> aguda aos mamíferos, não são persistentes e nãoocorre a biomagnificação, ainda que possam contaminar o solo, a água e oar (SANTOS, 2007).Durante as entrevistas alguns produtores afirmaram que a maioria dosagrotóxicos é aplicada na parte aérea das plantas, não tendo contato diretocom o tubérculo, e a maioria t<strong>em</strong> ação por contato. Ao contrário do que sesupõe, CHABOUSSOU (2006) diz que a aplicação foliar po<strong>de</strong> contaminar osolo por escorrimento e <strong>de</strong> forma mais grave que agrotóxicos específicospara o solo.A aplicação <strong>de</strong> agrotóxicos é feita por tratoristas que possu<strong>em</strong> cursopara manuseio dos mesmos. O trator utilizado é do tipo com cabine e equipadocom barras <strong>de</strong> pulverização.Todos disseram seguir as recomendações indicadas na bula dos produtos.O intervalo <strong>de</strong> aplicação dos agrotóxicos <strong>em</strong> média é <strong>de</strong> sete diasconforme i<strong>de</strong>ntificado na bula <strong>de</strong> cada produto, assim como o intervalo <strong>de</strong>segurança (t<strong>em</strong>po entre a última aplicação e a colheita). Após a <strong>em</strong>ergênciada planta, uma vez por s<strong>em</strong>ana ocorre a aplicação.Segundo a bula, após a aplicação é recomendado que pessoas s<strong>em</strong> EPIe animais domésticos não circul<strong>em</strong> na área cultivada pelo período mínimo<strong>de</strong> sete dias. Logo, <strong>de</strong>ve-se estar s<strong>em</strong>pre utilizando EPI após a <strong>em</strong>ergência54


da planta. Animais silvestres que circulam nessas áreas corr<strong>em</strong> risco <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,po<strong>de</strong>ndo ser contaminados por certas substâncias.Todo o agrotóxico t<strong>em</strong> número <strong>de</strong> aplicações específico, po<strong>de</strong>ndo variar<strong>de</strong> uma única aplicação até aplicações s<strong>em</strong>anais. De acordo com os entrevistados,os produtos são adquiridos <strong>em</strong> agropecuárias, tríplice lavadose retornados ao ponto <strong>de</strong> venda conforme <strong>de</strong>fine a Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.802/89(mas ver BOZIKI et. al., no prelo). Este procedimento é fundamental paragarantir que estes resíduos recebam o <strong>de</strong>stino final correto.5. Consi<strong>de</strong>rações finaisOs objetivos do diagnóstico foram alcançados, com a obtenção <strong>de</strong> umpanorama geral do cultivo <strong>de</strong> batata <strong>de</strong>ntro dos limites da APA Rota do Sole seu entorno.Observou-se a falta <strong>de</strong> conhecimento dos arrendatários quanto a estar<strong>em</strong>produzindo numa área <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação. É necessário quehaja um programa <strong>de</strong> educação ambiental voltado para as práticas permitidas<strong>de</strong>ntro da UC, principalmente para a importância da preservação dosmananciais hídricos. Dentro dos limites da APA Rota do Sol estão importantesbacias hidrográficas do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e a poluição hídrica<strong>de</strong>stas afeta diretamente a população.A produção orgânica <strong>de</strong>ve ser incentivada na APA Rota do Sol comouma alternativa ao sist<strong>em</strong>a convencional. Segundo DAROLT et. al. (2003)apesar <strong>de</strong> a produção orgânica ren<strong>de</strong>r menos por hectare (pela falta <strong>de</strong>varieda<strong>de</strong>s resistentes), ao final do cálculo, é economicamente viável, nosentido amplo da expressão, por ren<strong>de</strong>r cerca <strong>de</strong> R$ 2.000,00 por hectare amais que o sist<strong>em</strong>a convencional.Os produtores t<strong>em</strong> resistência à produção orgânica, principalmentepelos padrões <strong>de</strong> “qualida<strong>de</strong>” exigidos pelo mercado e a alegada falta <strong>de</strong>mão <strong>de</strong> obra. O consumidor <strong>de</strong>ve ser menos exigente quanto à aparênciado alimento e mais preocupado com sua ca<strong>de</strong>ia produtiva.6. Referências bibliográficasABBA. 2010. Associação Brasileira da Batata Produção e área <strong>de</strong> cultivo: mundial e brasileira.Itapetininga, SP: ABBA, 2007. Disponível <strong>em</strong>: http://www.abbabatatabrasileira.com.br/images/pdf/batatamundo_app.pdf e http://www.abbabatatabrasileira.com.br/images/pdf/batatabrasil_app.pdf.Acesso <strong>em</strong>: 23 jun. 2010.55


AUTODESK, 2009. AutoCAD: AutoCAD Map 3D 2010, 2009.BRASIL, 1988. Resolução CONAMA nº 10, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 1988.BRASIL, 1989. Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 7.802, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1989.BRASIL, 2000. Lei Fe<strong>de</strong>ral nº 9.985, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> julho 2000. Institui o Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong>Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação da Natureza – SNUC.BRASIL, 2009. IBGE. Produção Agrícola Municipal 2008. Rio <strong>de</strong> Janeiro.BRASIL, 2010 a. IBGE Mapas T<strong>em</strong>áticos (Geologia, Pedologia e Vegetação), 2003. FolhaGravataí SH.22-X-C. Escala 1:250.000. Acesso <strong>em</strong>: 26 maio 2010. Disponíveis <strong>em</strong>: ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas/t<strong>em</strong>aticos/sist<strong>em</strong>atizacao/BRASIL, 2010 b. IBGE. Divisão Política do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul: limites municipais.43mu2500gsr.shp. Brasília: IBGE, 2010. Disponível <strong>em</strong>: ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas/malhas_digitais/municipio_2007/Malha_Municipal_Digital_2007_2500/Diss<strong>em</strong>inacao_2007/Proj_Geografica/SIRGAS2000/ArcView_Shp/2007/E2500/UF/RS/Acesso <strong>em</strong>:30 maio 2010.CHABOUSSOU, F. 2006. Plantas doentes pelo uso <strong>de</strong> agrotóxicos: novas bases <strong>de</strong> umaprevenção contra doenças e paraitas – A Teoria da Trofobiose. Tradução <strong>de</strong> Maria JoséGuazzelli. 1ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2006.CLARK LABS, 2006. Idrisi: The An<strong>de</strong>s Edition. Versão 15.0: Clark Labs, 2006.DALLE MOLLE, N. L. 2009. ExpGE (Exportar e Importar, AutoCAD Google Earth) Versão1.22 (D<strong>em</strong>o), 2009. Disponível <strong>em</strong>: http://www.inf.ufpr.br/nldm07/progs/expge.zipAcesso <strong>em</strong>: 5jul.2009.DAROLT, M. R., 2010. Análise comparativa entre o sist<strong>em</strong>a orgânico e o convencional <strong>de</strong>batata comum. Curitiba, PR: Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), 2003. Disponível<strong>em</strong>: http://www.planetaorganico.com.br/Daroltbatata.htm. Acesso <strong>em</strong>: 19 jun. 2010.BOZIKI, D.; BEROLDT da Silva, L. & PRINTES, R. C. No prelo. Situação atual da utilização <strong>de</strong>agrotóxicos e <strong>de</strong>stinação das <strong>em</strong>balagens na Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rotado Sol, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil. In: Rodrigo Cambará Printes (Org.). Gestão ambiental enegociação <strong>de</strong> conflitos <strong>em</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação do nor<strong>de</strong>ste do Rio Gran<strong>de</strong> doSul. Porto Alegre.RIO GRANDE DO SUL, 2010. Sist<strong>em</strong>a Estadual <strong>de</strong> Recursos Hídricos. Departamento <strong>de</strong> RecursosHídricos, SEMA/Porto Alegre. Disponível <strong>em</strong>: http://www.s<strong>em</strong>a.rs.gov.br/s<strong>em</strong>a/html/limite_bacias_wgs84.zip Acesso <strong>em</strong>: 29 maio 2010.LANDSAT TM 5 Imag<strong>em</strong> <strong>de</strong> satélite. São José dos Campos: Instituto Nacional <strong>de</strong> PesquisasEspaciais (INPE), 2010. LANDSAT_5_TM_20100204_220_080, composição falsa corRGB453.LÓDI, J.B. 1981. A entrevista – teoria e prática. Livraria Pioneira Editora, Quarta edição, SãoPaulo.LOPES, C. A.; BUSO, J. A. 1999. Coleção Plantar: A cultura <strong>de</strong> batata. Embrapa Hortaliças.Brasília, DF: Embrapa Comunicação para Transferência <strong>de</strong> Tecnologia.56


LUTZENBERGER, J. A. 2006. Manual <strong>de</strong> ecologia: do jardim ao po<strong>de</strong>r. Porto Alegre: L&PM.PEREIRA, A. da S.; DANIELS, J. 2003. O cultivo <strong>de</strong> batata na região sul do Brasil. EmbrapaClima T<strong>em</strong>perado. Brasília, DF: Embrapa Informação Tecnológica.PRIMAVESI, A. M. 2003. Revisão do conceito <strong>de</strong> agricultura orgânica: conservação do soloe seu efeito sobre a água. São Paulo, SP: Sindicato Rural <strong>de</strong> Itaí (SINDAI).RIO GRANDE DO SUL, 2009. Plano <strong>de</strong> Manejo da Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Rota do Sol.Porto Alegre.SANTOS, M. A. T. dos, 2007. Piretrói<strong>de</strong>s – Uma visão geral. ALIMENTOS E NUTRIÇÃO - BrazilianJournal of Food and Nutrition. Araraquara, SP.57


CAPÍTULO 4:ALTERNATIVAS AO USO DO FOGO NO MANEJODE CAMPOS NATIVOS PARA ATIVIDADEAGROPASTORIL EM SÃO FRANCISCO DE PAULA,RIO GRANDE DO SUL, BRASILALTERNATIVES TO THE USES OF FIRE IN NATIVE PASTUREMANAGEMENT TO AGROPASTORAL ACTIVITY IN SÃOFRANCISCO DE PAULA, RIO GRANDE DO SUL, BRAZILAroldo VIEIRA, 1 Leonardo BEROLDT 2 & Rodrigo Cambará PRINTES 3ResumoO Código Florestal brasileiro estabelece que o ato <strong>de</strong> fazer fogo <strong>em</strong> florestase <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> vegetação constitui contravenção penal. O CódigoFlorestal do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul permite o uso do fogo apenas para o controlee eliminação <strong>de</strong> pragas ou para o tratamento fito-sanitário. Entretantoo uso do fogo para o manejo <strong>de</strong> campo na ativida<strong>de</strong> agropastoril é recorrentena região serrana do Estado. Este trabalho teve por objetivo i<strong>de</strong>ntificarquais os sist<strong>em</strong>as alternativos ao uso do fogo usados <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong>Paula, e se o manejo s<strong>em</strong> fogo po<strong>de</strong> tornar a pecuária serrana competitivano período <strong>de</strong> inverno. Selecionamos quatro informantes através <strong>de</strong> grupos<strong>de</strong> referência. Os pecuaristas foram entrevistados utilizando um roteiro s<strong>em</strong>i--estruturado e suas práticas foram avaliadas <strong>em</strong> campo. Os informantes sãohomens nascidos na região que têm praticado a pecuária por um períodomédio <strong>de</strong> 46 anos. Verificamos que os métodos alternativos ao uso do fogosão utilizados <strong>de</strong> modo compl<strong>em</strong>entar ao manejo tradicional, nas mesmasproprieda<strong>de</strong>s. A queima com objetivo agropastoril (chamada <strong>de</strong> “sapecada”)é usada nas áreas não mecanizáveis, aliada ao ajuste <strong>de</strong> carga e ao plantio<strong>de</strong> pastagens <strong>de</strong> inverno, principalmente <strong>de</strong> aveia (Avena spp. L.), azevém(Lolium multiflorum Lam.), trevo branco (Trifolium repens L.), trevo vermelho(Trifolium pratense L.) e cornichão (Lotus corniculatus L.). A recuperação do123Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro,São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP 95.400.00. e-mail: aroldovieira5@gmail.com/beroldt@gmail.com/rodrigo-printes@uergs.edu.br59


investimento <strong>em</strong> melhoria <strong>de</strong> pastag<strong>em</strong> <strong>em</strong> uma das proprieda<strong>de</strong>s se <strong>de</strong>uainda no primeiro ano <strong>de</strong> plantio. Entretanto não foi encontrada correlaçãoentre o rendimento bruto e o custo <strong>de</strong> implantação das pastagens <strong>de</strong> inverno.Como neste período há carência <strong>de</strong> leite e queijo, o manejo s<strong>em</strong> fogopo<strong>de</strong> tornar a pecuária serrana competitiva. Aparent<strong>em</strong>ente, as práticas alternativasao uso do fogo têm dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aceitação entre os fazen<strong>de</strong>iros<strong>de</strong>vido ao <strong>de</strong>sconhecimento das suas vantagens e a barreiras culturais.Palavras-chave: pecuária, pastagens, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carga.AbstractFire use to grazing renovation is an illegal practice in Brazil, accordinga Fe<strong>de</strong>ral Law. In the State of Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, fire can be legally used justto parasites control or phyto-sanitary treatment. However, fire is actuallyused to grazing manag<strong>em</strong>ent by farmers in the highlands of Rio Gran<strong>de</strong> doSul. In this study we look for some alternative methods to fire for grazingrenovation. The present work aims at i<strong>de</strong>ntifying, which alternative syst<strong>em</strong>sare used instead of fire in the municipal district of São Francisco <strong>de</strong> Paula,Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, and whether grazing manag<strong>em</strong>ent without the use offire will make cattle raising in this highland area more competitive in winter.We have selected four informant experts for indication of reference groups.They have been interviewed according to a structured gui<strong>de</strong>d questionnaire,while their practices have been also assessed at work. These expertsare local ranchers who have been cattle breeding for about 46 years average.We have conclu<strong>de</strong>d that the alternative methods to the use of fire areused as a compl<strong>em</strong>ent to the traditional manag<strong>em</strong>ent in the very sameproperties. Burning grazing with agropastoral objectives is used in the areaswhere there is no mechanization, associated with the manag<strong>em</strong>ent of thetotal number of animals for hectare and the plantation of winter grass, likeAvena sp., Lolium multiflorum, Trifolium repens, Trifolium pretense and Lotuscorniculatus. In one of the farms, grazing investment was recovered in thesame year of the plantation. However, we have not found any correlationbetween the profits and the impl<strong>em</strong>entation costs. As in this period, thereis shortage of milk and cheese, manag<strong>em</strong>ent without the use of fire mightmake highland cattle raising more competitive. Apparently, alternativepractices to fire have had difficulties to be accepted among farmers sincethey apparently ignore the advantages of such practices and also becauseof cultural barriers.Key words: cattle breeding, grazing, carrying capacity.60


1. Introdução1.1. Contexto sócio-cultural do conflitoO uso do fogo para o manejo <strong>de</strong> campo na ativida<strong>de</strong> agropastoril,apesar <strong>de</strong> suas restrições legais, é prática recorrente na região serrana doEstado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Prova disso é o <strong>de</strong>poimento dado pelo Cel.Jorge Luiz Agostini, da Brigada Militar, ao Jornal Correio do Povo, <strong>em</strong> 31 <strong>de</strong>agosto <strong>de</strong> 2010:“Nos últimos 15 dias, a Companhia <strong>Ambiental</strong> <strong>de</strong>Caxias do Sul realizou 40 autuações por queimadasno município, além <strong>de</strong> Vacaria, São Francisco<strong>de</strong> Paula, Bom Jesus, Cambará do Sul, São José dosAusentes, Jaquirana, Canela e Gramado. De agosto<strong>de</strong> 2009 a agosto <strong>de</strong> 2010 foram 134 autuações namesma área” (Correio do Povo, 31/08/2010).A informação acima nos conduz a vários questionamentos: Por que ainsistência, por parte <strong>de</strong> alguns pecuaristas, no uso do fogo, mesmo cientesdas proibições? Há pecuaristas que <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> usar o fogo como manejo<strong>de</strong> campo? Caso positivo, estes proprietários o fizeram somente por receioàs sanções legais? Que tipo <strong>de</strong> manejo é utilizado por esses proprietárioscomo alternativa às queimadas? Há sustentabilida<strong>de</strong> (ambiental, social eeconômica) na ativida<strong>de</strong> agropastoril, nos Campos <strong>de</strong> Cima da Serra, comoutras práticas <strong>de</strong> manejo <strong>de</strong> campo senão o fogo?Nos dois primeiros meses após a queima, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forrag<strong>em</strong> ésuperior numa área queimada <strong>em</strong> relação a uma área não-queimada. Porém,<strong>de</strong>corridos dois meses, já não há diferença na qualida<strong>de</strong> do pasto, consi<strong>de</strong>randoambas as áreas <strong>em</strong> questão (RIO GRANDE DO SUL, S/D).De acordo pesquisa realizada <strong>em</strong> Minas Gerais, comparando áreas <strong>de</strong>pastagens queimadas e não queimadas foi possível concluir que a melhoriana forrageira disponível <strong>em</strong> áreas não queimadas, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> proteínabruta e digestibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> matéria seca, não justificaram a prática da queima,pois nas áreas não queimadas o gado teve maior oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> selecionaros el<strong>em</strong>entos da sua dieta (BRÂNCIO et al.,1996).FERNANDEZ et al. (1997), entretanto, afirmam que a prática do fogoprogramado t<strong>em</strong> como principal foco a redução da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> materialcombustível <strong>em</strong> áreas sujeitas a longos períodos <strong>de</strong> estiag<strong>em</strong>, diminuindoo risco <strong>de</strong> incêndios <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções.61


Dada a importância econômica da ativida<strong>de</strong> agropastoril na região dosCampos <strong>de</strong> Cima da Serra, se fez necessário um levantamento <strong>de</strong> campobuscando informações que possam colaborar na elucidação das questõesaqui levantadas.1. 2. Aspectos legaisSegundo o Código Florestal Nacional (Lei Fe<strong>de</strong>ral no 4.771/65), no seuArtigo 26, o ato <strong>de</strong> fazer fogo <strong>em</strong> florestas e <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> vegetação,s<strong>em</strong> tomar as precauções a<strong>de</strong>quadas, constitui contravenção penal. Estacontravenção é punível com três meses a um ano <strong>de</strong> prisão ou multa novalor <strong>de</strong> uma a c<strong>em</strong> vezes o salário-mínimo mensal, po<strong>de</strong>ndo as penas sercumulativas.O Código Florestal do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (Lei Estadual nº9.519/1992), <strong>em</strong> seu Artigo nº 28, permite o uso <strong>de</strong> fogo, <strong>de</strong> forma não continuada,apenas para o controle e eliminação <strong>de</strong> pragas e doenças, ou paratratamento fito-sanitário.Entretanto, o Decreto Fe<strong>de</strong>ral nº 266, <strong>de</strong> 08/07/98 regulamenta asnormas <strong>de</strong> precaução relativas ao <strong>em</strong>prego do fogo <strong>em</strong> práticas agropastorise florestais. No seu artigo 2º, parágrafo único, a queima controlada é<strong>de</strong>finida como:“O <strong>em</strong>prego do fogo como fator <strong>de</strong> produção e manejo <strong>em</strong> ativida<strong>de</strong>sagropastoris ou florestais, e para fins <strong>de</strong> pesquisa científica e tecnológica,<strong>em</strong> áreas com limites físicos previamente <strong>de</strong>finidos”. (BRASIL, 1998).O mesmo Decreto, <strong>em</strong> seu artigo 3º, estabelece que a outorga parao <strong>em</strong>prego da queima controlada é uma atribuição do órgão do Sist<strong>em</strong>aNacional do Meio Ambiente (SISNAMA) com atuação na área on<strong>de</strong> se realizaráa operação. No Rio Gran<strong>de</strong> do Sul este órgão é a Secretaria do MeioAmbiente do Estado (SEMA), através do Departamento <strong>de</strong> Florestas e ÁreasProtegidas (DEFAP).1.3 Histórico das práticas alternativas à queima <strong>de</strong> campo no município<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> PaulaO início das tentativas <strong>de</strong> formais <strong>de</strong> introdução <strong>de</strong> alternativas à queima<strong>de</strong> campo na região serrana, especificamente no município <strong>de</strong> SãoFrancisco <strong>de</strong> Paula, <strong>de</strong>u-se no ano <strong>de</strong> 1992. Foi uma experiência feita porum grupo <strong>de</strong> produtores chamado Clube <strong>de</strong> Integração e Trocas (CITE-78),com apoio da EMATER (Empresa <strong>de</strong> Assistência Técnica e Extensão Rural),<strong>em</strong> seis proprieda<strong>de</strong>s, duas das quais foram estudadas ao longo <strong>de</strong>ste trabalho.A experiência objetivava o melhoramento do campo nativo através62


do plantio direto <strong>de</strong> leguminosas e gramíneas <strong>de</strong> inverno, visando tornarcompetitiva a pecuária do município no período <strong>de</strong> outono-inverno. Apósa correção do pH do solo com calcário e adubação, introduziram-se nocampo nativo as seguintes plantas forrageiras: aveia (Avena spp. L.), azevém(Lolium multiflorum Lam.), trevo branco (Trifolium repens L.), trevo vermelho(Trifolium pratense L.) e cornichão (Lotus corniculatus L.). Destas gramíneassomente o cornichão é nativo. Transcorridos 10 anos da experiência, <strong>em</strong>2002, a produtivida<strong>de</strong> havia passado <strong>de</strong> 150 para 400 kg <strong>de</strong> carne/ha/ano,acarretando também um aumento relevante na produção <strong>de</strong> queijo serrano.Na época, o custo <strong>de</strong> implantação do plantio direto foi <strong>de</strong> R$ 500,00a R$ 600,00/ha (MESSIAS & REIS, 2002). Este custo, atualizado para valores<strong>de</strong> 2010, fica entre R$ 1.000,00 e R$ 1.100,00/ha. Des<strong>de</strong> então, essas são asalternativas a queima <strong>de</strong> campo que v<strong>em</strong> sendo praticadas por alguns pecuaristas<strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula.A seguir resumimos as principais técnicas alternativas ao uso do fogopara o manejo do campo visando à ativida<strong>de</strong> pecuária:a) Manejo <strong>de</strong> pastag<strong>em</strong>: Trata-se da equalização entre as necessida<strong>de</strong>sdo animal e a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pasto. As medidas necessárias a est<strong>em</strong>anejo são: 1) Ajuste <strong>de</strong> carga: a<strong>de</strong>quar o peso dos animais por hectareconforme a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pasto. Com isto é possível o <strong>de</strong>scarte <strong>de</strong>animais inferiores ou <strong>de</strong> categorias improdutivas; 2) Subdivisão das áreas <strong>de</strong>pastag<strong>em</strong>, na qual é possível aumentar a carga animal (peso/ha) nas áreascom sobra <strong>de</strong> pasto e reduzi-la ou <strong>de</strong>ixá-las <strong>em</strong> <strong>de</strong>scanso nas áreas commenor oferta (prática também conhecida como Sist<strong>em</strong>a Voisin).b) Roçada: Trata-se da utilização <strong>de</strong> roça<strong>de</strong>ira com objetivo <strong>de</strong> regulara oferta <strong>de</strong> pastag<strong>em</strong> e controlar espécies in<strong>de</strong>sejáveis. Há ainda benefíciosadvindos da proteção e conservação do solo, tais como manutenção daumida<strong>de</strong> superficial e aumento da disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nutrientes, especialmentenitrogênio, fósforo, potássio, além <strong>de</strong> magnésio, cálcio e outros micronutrientes.As áreas pedregosas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser roçadas manualmente.c) Plantio direto: É a alteração (normalmente chamada melhoria) docampo nativo através plantio direto <strong>de</strong> espécies forrageiras resistentes aoinverno, muitas <strong>de</strong>las alóctones. Deve ser feita s<strong>em</strong> a <strong>de</strong>ssecação dos camposnativos com herbicida. A implantação po<strong>de</strong> ser feita com máquina, aqual permite maior eficiência no uso do adubo, <strong>de</strong>vido à aplicação <strong>em</strong> linha.Também po<strong>de</strong> ser feita com gra<strong>de</strong> niveladora, usada para facilitar ocontato do calcário e das s<strong>em</strong>entes forrageiras <strong>de</strong> estação fria com o solo. As<strong>em</strong>eadura <strong>de</strong>ve ser feita entre 15 <strong>de</strong> março e 15 <strong>de</strong> maio.63


2. ObjetivosOs objetivos <strong>de</strong>sta pesquisa foram:2.1 I<strong>de</strong>ntificar e caracterizar os sist<strong>em</strong>as alternativos ao uso do fogocomo manejo dos campos para pastag<strong>em</strong> praticados <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong>Paula;2.2 Obter o perfil dos pecuaristas <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula que <strong>de</strong>ixaram<strong>de</strong> usar fogo como principal método <strong>de</strong> manejo dos campos;2.3 Analisar aspectos econômicos, ambientais e sociais vinculados aossist<strong>em</strong>as alternativos <strong>de</strong> manejo <strong>de</strong> campos nativos na ativida<strong>de</strong> agropastoril<strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, com vistas a refletir sobre a sua sustentabilida<strong>de</strong>e capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> replicação <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> escala.3. Métodos3.1. Área <strong>de</strong> EstudoAntiga rota <strong>de</strong> tropeiros paulistas, que levavam o gado <strong>de</strong> Viamão (RioGran<strong>de</strong> do Sul) a Sorocaba (São Paulo), a história <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paulaestá intimamente ligada à pecuária. Os tropeiros <strong>de</strong>ixavam o gado nosCampos <strong>de</strong> Cima da Serra no verão, para aproveitar o clima ameno e a fartura<strong>de</strong> água das nascentes. No inverno o gado era <strong>de</strong>slocado para a regiãoda Planície Costeira ou para fora do Estado. O Decreto no 563 <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro<strong>de</strong> 1902 estabeleceu <strong>de</strong>finitivamente o município <strong>de</strong> São Francisco<strong>de</strong> Paula <strong>de</strong> Cima da Serra, cuja instalação se <strong>de</strong>u <strong>em</strong> 07 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1903(SILVA, 2000). O capitão Pedro da Silva Chaves, natural <strong>de</strong> Lisboa, casadocom a Sra. Gertru<strong>de</strong>s Godoy natural <strong>de</strong> Itu, São Paulo, recebeu da coroaportuguesa as terras para iniciar o povoamento da região. O capitão Chavesdoou então uma gleba para que fosse construída a igreja matriz, além <strong>de</strong> 50vacas para constituir seu primeiro patrimônio (SILVA, op cit.).São Francisco <strong>de</strong> Paula é hoje um dos maiores municípios do Rio Gran<strong>de</strong>Sul, com quase 3.300 Km² <strong>de</strong> área (mais <strong>de</strong> seis vezes a área <strong>de</strong> PortoAlegre). Situado na região fisiográfica dos Campos <strong>de</strong> Cima da Serra, sua altitu<strong>de</strong>svariam entre 900 e 1.000 metros. A gran<strong>de</strong> extensão territorial levouo município a ser dividido administrativamente <strong>em</strong> sete distritos e 53 localida<strong>de</strong>s.A ativida<strong>de</strong> pecuária t<strong>em</strong> gran<strong>de</strong> expressão na economia da cida<strong>de</strong>e da região, ainda hoje, <strong>em</strong>bora muitas fazendas historicamente <strong>de</strong>dicadasà pecuária tenham se convertido <strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s maciços <strong>de</strong> silvicultura <strong>de</strong>Pinus taeda, principalmente entre 2000 e 2002.64


O município compreen<strong>de</strong>, total ou parcialmente, cinco unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>conservação: Floresta Nacional <strong>de</strong> São Francisco, Parque Estadual do Tainhas,Estação Ecológica Estadual <strong>de</strong> Aratinga, Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong>Estadual Rota do Sol e Parque Municipal da Ronda. A APA Estadual Rota doSol é administrada pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado (SEMA),que possui um escritório local, e t<strong>em</strong> parceria com a Universida<strong>de</strong> Estadualdo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UERGS). Na se<strong>de</strong> da SEMA funciona o Laboratório <strong>de</strong>Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO), no qual foi elaboradae <strong>de</strong>senvolvida a presente pesquisa.3.2. Delimitação da área <strong>de</strong> estudoA escolha do município <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula para o presente estudose <strong>de</strong>ve a sua expressiva extensão territorial na região serrana, po<strong>de</strong>ndoassim b<strong>em</strong> representá-la, b<strong>em</strong> como a sua tradição <strong>em</strong> pecuária <strong>de</strong>corte e <strong>de</strong> leite.A área <strong>de</strong> estudo compreen<strong>de</strong> ainda parte <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação,a APA Estadual Rota do Sol, que ocupa o su<strong>de</strong>ste do município (Figura8). A APA Rota do Sol é uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação (UC) <strong>de</strong> uso sustentávelcom área <strong>de</strong> 54.670,5 ha. Ela é a maior UC no bioma Mata Atlântica noRio Gran<strong>de</strong> do Sul e abrange parte <strong>de</strong> quatro municípios, nas seguintes proporções(% da UC no território do município): São Francisco <strong>de</strong> Paula (50%),Cambará do Sul (10%), Itati (20%) e Três Forquilhas (20%). A APA Rota doSol foi criada pelo Decreto Estadual nº 37.346 <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1997, comomedida compensatória pela construção da Rodovia Rota do Sol (RSC-486/ERS-453) (RIO GRANDE DO SUL, 2009). Os objetivos <strong>de</strong>sta UC são:“Proteger os recursos hídricos ali existentes, conservaras áreas ocupadas pelos campos caracterizadoscomo savana gramíneo-lenhosa, permitir a recuperaçãodas áreas com floresta ombrófila mista e florestaombrófila <strong>de</strong>nsa, propiciando a preservação econservação da fauna silvestre, além <strong>de</strong> garantir aconservação do conjunto paisagístico e da culturaregional” (RIO GRANDE DO SUL, 2009).A APA Rota do Sol está inserida nas regiões fisiográficas dos Campos <strong>de</strong>Cima da Serra (São Francisco <strong>de</strong> Paula e Cambará do Sul) e do Litoral (Itatie Três Forquilhas). Ela está situada numa região que possui limites topográficosentre quatro gran<strong>de</strong>s bacias hidrográficas, sendo duas da RegiãoHidrográfica do Guaíba (Sinos e Taquari-Antas) e as outras duas da RegiãoHidrográfica do Litoral (Tramandaí e Mampituba).65


A pecuária é uma das principais ativida<strong>de</strong>s econômicas realizadas pelapopulação da APA Rota do Sol, aliada à silvicultura <strong>de</strong> Pinus taeda e à agricultura,predominando o plantio <strong>de</strong> brócolis (Brassica oleracea var. italicaPlenck), couve-flor (Brassica oleracea var. botrytis), alface (Lactuca sativa), repolho(Brassica oleracea var. capitata L.) e batata (Solanum tuberosum).Figura 8: O município <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, as fazendas pesquisadas (1 a 4) e a APA Rota do Sol3.3 Coleta <strong>de</strong> DadosPara a <strong>de</strong>finição dos pecuaristas a ser<strong>em</strong> entrevistados foi utilizado ométodo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> informantes através <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> referência, tambémconhecido como bola <strong>de</strong> neve (DAVIS & WAGNER 2003; PRINTES et al.,2011; PRINTES, 2011;). Este método t<strong>em</strong> sido <strong>em</strong>pregado para documentar66


o conhecimento ecológico local <strong>em</strong> diferentes regiões do mundo. Ele requeradaptações aos contextos locais, pois os grupos <strong>de</strong> referência a ser<strong>em</strong>utilizados <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> conhecimento ecológico local sob investigação(PRINTES, 2011).O método parte do pressuposto <strong>de</strong> que o conhecimento investigadonão se encontra homogeneamente distribuído na comunida<strong>de</strong>, mas simconcentrado <strong>em</strong> algumas pessoas. Tais informantes são primeiramente selecionadose <strong>de</strong>pois entrevistados utilizando um roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado.Foram utilizados os seguintes grupos <strong>de</strong> referência: EMATER, SEMA,Sindicato Rural, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e Inspetoria Veterináriae Zootécnica <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula. Os dirigentes, técnicos e extensionistas<strong>de</strong>stes órgãos é que indicaram os informantes a ser<strong>em</strong> entrevistas.Uma pessoa foi consi<strong>de</strong>rada informante quando, após o processo seletivo,<strong>de</strong>monstrou conhecimentos acerca das alternativas ao uso do fogo no manejo<strong>de</strong> campos nativos.Para a documentação do conhecimento ecológico local dos informantesfoi utilizado um roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado <strong>de</strong> entrevistas. O roteirodividia-se <strong>em</strong> três partes: perfil do informante, questões sobre a ativida<strong>de</strong>pecuária por ele <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhada e avaliação da sustentabilida<strong>de</strong> do sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong> manejo.4. Resultados e discussãoAo todo foram selecionados quatro informantes ao longo <strong>de</strong> um período<strong>de</strong> três meses (fevereiro a maio <strong>de</strong> 2010). O baixo número <strong>de</strong> informantesselecionados po<strong>de</strong> refletir: a) um reduzido número <strong>de</strong> produtoresque utilizam técnicas alternativas às queimadas; b) receio dos produtores<strong>em</strong> participar <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> pesquisa sobre o t<strong>em</strong>a das queimadas,<strong>de</strong>vido à pressão exercida pela fiscalização ambiental. Consi<strong>de</strong>rando o reduzidotamanho da amostra, os dados foram avaliados utilizando análisesqualitativas e estatística não paramétrica. Os nomes dos informantes foramomitidos. As coor<strong>de</strong>nadas geográficas das proprieda<strong>de</strong>s estudadas foramcoletadas para efeitos <strong>de</strong> controle da distribuição espacial da amostra, masos nomes das fazendas foram omitidos.4. 1 Perfil dos InformantesTodos os informantes selecionados foram homens com ida<strong>de</strong> média<strong>de</strong> 64 anos (DP = 5,8). Somente um não possui ensino superior. O t<strong>em</strong>po<strong>de</strong> residência nas proprieda<strong>de</strong>s foi próximo à ida<strong>de</strong> dos informantes (média50,75; DP = 13,91). Os informantes t<strong>em</strong> praticado a pecuária por um períodomédio <strong>de</strong> 46 anos (DP = 12; valor mínimo: 40 anos; máximo: 64 anos)67


(Tabela 11). Isto po<strong>de</strong> indicar que: a) ainda hoje a proprieda<strong>de</strong> e a administraçãoda pecuária se mantêm sob domínio do universo masculino, naregião do estudo; b) a alta média <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>dicado à ativida<strong>de</strong>pecuária revela a experiência dos informantes; c) as alternativas à queima<strong>de</strong> campo encontram mais a<strong>de</strong>são por parte <strong>de</strong> pessoas com maior grau<strong>de</strong> instrução.Proprieda<strong>de</strong>n o68Tabela 11: Perfil dos pecuaristas que a<strong>de</strong>riram a práticas alternativas às queimadas para omanejo <strong>de</strong> campos nativos <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, RSIda<strong>de</strong> doproprietário(anos)Escolarida<strong>de</strong>T<strong>em</strong>po <strong>de</strong>residência(anos)1 59 superior 40 402 72 Fundamental 72 643 61 superior 61 404 66 superior 30 40média 64,5 - 50,75 46dp 5,80 - 19,17 12T<strong>em</strong>po <strong>de</strong>pecuária(anos)Todos os informantes ingressaram na ativida<strong>de</strong> pecuária por sucessãofamiliar e já utilizaram o fogo como método <strong>de</strong> manejo do campo nativo. Aqueima, segundo eles, realizada entre os meses <strong>de</strong> julho e agosto, objetivavaeliminar a sobra <strong>de</strong> pasto seco, já atingido pelas geadas do inverno e quenão foi consumido pelos animais <strong>de</strong>vido a sua baixa qualida<strong>de</strong> (MESSIAS &REIS, 2002).Os informantes alegaram ter parado <strong>de</strong> queimar os campos <strong>de</strong>vido àproibição legal. Apenas um afirmou ter sido multado pelo uso do fogo, sendoeste o proprietário da fazenda localizada no interior da APA Rota do Sol.Paralelo às alternativas à queima <strong>de</strong> campo, três dos quatro pecuaristasmantiveram o manejo tradicional, ou seja, o uso do fogo. Isto ocorreu,<strong>em</strong> especial, nas áreas não mecanizáveis, o que sugere que para alguns o<strong>em</strong>prego das novas técnicas não seja entendido como uma alternativa aomanejo tradicional, mas sim como um método para aproveitar melhor aárea produtiva da proprieda<strong>de</strong> e consequent<strong>em</strong>ente a marg<strong>em</strong> <strong>de</strong> lucroda pecuária.4.2 Caracterização da ativida<strong>de</strong> pecuária s<strong>em</strong> queima <strong>de</strong> campoA Tabela 12 caracteriza a ativida<strong>de</strong> pecuária s<strong>em</strong> a queima <strong>de</strong> camponativo nas proprieda<strong>de</strong>s investigadas, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> tamanhos dos rebanhose produtivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> carne e leite.


Tabela 12: Caracterização da ativida<strong>de</strong> pecuária s<strong>em</strong> queima <strong>de</strong> campo nas proprieda<strong>de</strong>s investigadasProduçãoProprieda<strong>de</strong>Bovinos♂♀total <strong>de</strong>cabeçascorte crialeite(l/dia)queijo(peças/mês)1 13 337 400 1 320 4 02 3 68 71 1 8 200 6003 550 0 550 550 0 0 04 720 80 800 800 0 4 5média 321,5 121,25 455,25 338 82 52 151,25dp 368,61 148,08 304,70 402,29 158,71 98,68 299,17Os dados da tabela 12 revelam que há gran<strong>de</strong> disparida<strong>de</strong> na quantida<strong>de</strong><strong>de</strong> machos e fêmeas dos rebanhos nas fazendas pesquisadas. A população<strong>de</strong> machos t<strong>em</strong> <strong>em</strong> média 321,5 cabeças (DP = 368,61; valor mínimo= 3 cabeças; valor máximo = 720) enquanto a <strong>de</strong> fêmeas t<strong>em</strong> <strong>em</strong> média121 cabeças (DP = 148,08; valor mínimo = 0; valor máximo = 337). Isto po<strong>de</strong>ser porque a ativida<strong>de</strong> pecuária ser ramificada <strong>em</strong> cria, leite e corte. Essasramificações são b<strong>em</strong> divididas entre as fazendas <strong>de</strong>sta pesquisa, o que influenciadiretamente a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> animais <strong>de</strong> cada gênero.Outro fator observado foi a disparida<strong>de</strong> nos tamanhos dos rebanhos,com valor mínimo <strong>de</strong> 71 cabeças e máximo <strong>de</strong> 800 cabeças (média =455,25 cabeças; DP = 304,70). Novamente po<strong>de</strong>mos atribuir isso às diferenteslinhas <strong>de</strong> produção da pecuária <strong>em</strong> cria, leite e corte. Também é possívelobservar que alguns subprodutos tais como o leite e o queijo estão maispresentes na pecuária leiteira, o que corrobora a influência das ramificaçõesacima mencionadas.4. 3 Sustentabilida<strong>de</strong> da pecuária s<strong>em</strong> fogoFoi observada uma gran<strong>de</strong> variação <strong>em</strong> relação ao tamanho das proprieda<strong>de</strong>s(Tabela 13). Esta variação sugere que o manejo da pecuária s<strong>em</strong>fogo possa ser realizado tanto <strong>em</strong> pequenas quanto <strong>em</strong> gran<strong>de</strong>s proprieda<strong>de</strong>s.Entretanto, observamos que essa amostra foi pequena, <strong>de</strong>vendo serampliada com novas pesquisas.69


Tabela 13: Tamanho das proprieda<strong>de</strong>s, área <strong>de</strong>stinada ao manejo e t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>utilização da pecuária s<strong>em</strong> fogoproprieda<strong>de</strong> tamanho (ha) área <strong>de</strong> pecuária (ha)área <strong>de</strong> campomelhorado (ha)área nãomecanizável (%)área com plantio<strong>de</strong> pastag<strong>em</strong> (ha)t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> aplicação dasnovas técnicas (anos)1 354 330 70 60 2 182 14,6 9 9 20 0 103 703 664 60 30 4 124 1100 800 35 30 4 1média 542,9 450,75 43,5 35 2,5 10,25dp 465,75 354,57 27,30 17,32 1,91 7,04A área <strong>de</strong>stinada à pecuária reduz à medida <strong>em</strong> que diminu<strong>em</strong> ostamanhos das proprieda<strong>de</strong>s (GL = 1; coeficiente <strong>de</strong> regressão = 0,74; p


Proprieda<strong>de</strong>Tabela 14: Ovinocultura e silvicultura nas proprieda<strong>de</strong>s pesquisadasrebanho(cabeças)OvinoProduçãocorte cria Eucaliptus sp.(ha)Plantio1 2 2 0 1 02 36 9 14 1 03 0 0 0 1 104 0 0 0 1 3média 9,5 2,75 3,5 1 3DP 17,69 4,27 7 0 4,76Pinus taeda(ha)A fazenda 2 <strong>de</strong>staca-se na ovinocultura, provavelmente por ser a menorda amostra.Há uma curiosida<strong>de</strong> <strong>em</strong> relação à criação <strong>de</strong> ovino na região: segundoos outros fazen<strong>de</strong>iros pesquisados, não dá para criar ovelhas por que o leãobaio (Puma concolor) ataca os rebanhos. A silvicultura t<strong>em</strong> se mostrado bastanteinexpressiva entre os entrevistados. A razão disto po<strong>de</strong> estar no viéstécnico com que os entrevistados t<strong>em</strong> praticado a pecuária, o que sugereque a silvicultura seja uma ativida<strong>de</strong> econômica <strong>de</strong> segunda linha, paraquando a pecuária se torna inviável economicamente.Finalmente, os dados da Tabela 15 resum<strong>em</strong> os custos e benefícios doplantio <strong>de</strong> pastagens.Proprieda<strong>de</strong>Tabela 15: Renda por hectare nas proprieda<strong>de</strong>s que utilizam a pecuária s<strong>em</strong> fogocusto <strong>de</strong> implantaçãodo plantio direto R$Rendimentocusto <strong>de</strong> manutenção doplantio direto (R$/ha/mes)renda bruta(R$/ha/mes)renda líquida(R$/ha/mes)1 1.100,00 270,00 450,00 180.002 1.200,00 250,00 470,00 220.003 1.200,00 255,80 519,09 263.294 1.200,00 250,00 - * -Media 1.175,00 256,66 460,00 200,00DP 50 11,54 14,14 28,28* valores não fornecidos pelo informante71


É possível notar, através dos dados da Tabela 15, que a recuperaçãodo investimento <strong>em</strong> melhoria <strong>de</strong> pastag<strong>em</strong> na fazenda 1 levou <strong>em</strong> média7 meses, restando-lhe ainda 5 meses <strong>de</strong> lucro no primeiro ano <strong>de</strong> plantio<strong>de</strong> gramíneas <strong>de</strong> inverno. Entretanto não foi encontrada correlação entreo rendimento bruto e o custo <strong>de</strong> implantação das pastagens <strong>de</strong> inverno(GL =1; coeficiente <strong>de</strong> correlação = 0,53; p= 0,4).Consi<strong>de</strong>rando que no período <strong>de</strong> entre safra há carência <strong>de</strong> leite equeijo, <strong>de</strong>vido às pastagens secas, o lucro ten<strong>de</strong> a ser crescente para osprodutores que tiver<strong>em</strong> pastagens plantadas. Já o manejo tradicional não écapaz <strong>de</strong> evitar a perda <strong>de</strong> peso no gado no inverno, e conseqüent<strong>em</strong>enteo prejuízo ao pecuarista. Desta forma, o manejo s<strong>em</strong> fogo po<strong>de</strong> tornar apecuária serrana competitiva, mesmo no período <strong>de</strong> inverno (MESSIAS &REIS, 2002).5. Consi<strong>de</strong>rações finaisPu<strong>de</strong>mos observar que alguns pecuaristas sab<strong>em</strong> utilizar as técnicas alternativas<strong>de</strong> manejo <strong>de</strong> campo, mas não o faz<strong>em</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma perspectiva<strong>de</strong> aumento da sustentabilida<strong>de</strong> global da proprieda<strong>de</strong>. Eles as utilizamnas áreas não mecanizávies, aliadas à queima <strong>de</strong> campo, visando aumentaro rendimento da pecuária. Este comportamento precisa ser eliminado através<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s educativas, <strong>de</strong> extensão rural e <strong>de</strong> fiscalização.A regulamentação do uso do fogo nas áreas não mecanizáveis carece<strong>de</strong> amparo legal e <strong>de</strong>ve ser amplamente discutida com a socieda<strong>de</strong>. Sendoassim, sugerimos que as áreas não mecanizáveis sejam averbadas comoreserva legal, visando cont<strong>em</strong>plar os 20% da proprieda<strong>de</strong> exigidos pela LeiFe<strong>de</strong>ral 4.771/1965, Art. 2o. Em havendo áreas não mecanizáveis exce<strong>de</strong>ntes,recomendamos a impl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> sist<strong>em</strong>a agroflorestal (consórcio)<strong>de</strong> bracatinga (Mimosa scabrela) com pinheiro brasileiro (Araucaria angustifolia).Esse manejo está sendo experimentado com sucesso na localida<strong>de</strong><strong>de</strong> Cerrito, <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, e po<strong>de</strong>rá fornecer lenha, mel, pinhãoe ma<strong>de</strong>ira, aumentando a área produtiva da proprieda<strong>de</strong>.São necessárias mais pesquisas sobre a pecuária s<strong>em</strong> uso do fogo nosCampos <strong>de</strong> Cima da Serra, visando cont<strong>em</strong>plar mais proprieda<strong>de</strong>s, numaárea geográfica maior e comparar diferentes invernos ao longo dos anos.Por fim concluímos que a resistência ao <strong>em</strong>prego <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> manejo<strong>de</strong> campo s<strong>em</strong> fogo se <strong>de</strong>ve ao <strong>de</strong>sconhecimento das suas vantagens,o que <strong>de</strong>ve ser resolvido com a divulgação através dos órgãos <strong>de</strong> extensãorural. As barreiras culturais que ainda exist<strong>em</strong> à pecuária s<strong>em</strong> fogo necessitamser mais b<strong>em</strong> compreendidas.72


6. Referências bibliográficasBRASIL. 2010. Decreto nº 2.661, <strong>de</strong> 08 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1998. Disponível <strong>em</strong>: .Acesso <strong>em</strong>: 10 agosto 2010.BRÂNCIO, P. A.; NASCIMENTO JUNIOR, D.; E. A.; REGAZZI, A. J. & LEITE, G. G. 1996. Qualida<strong>de</strong>da Dieta <strong>de</strong> Bovinos <strong>em</strong> Pastag<strong>em</strong> Nativa dos Cerrados Submetidas à Queima Anual.XXXIII Reunião Anual da SBZ. Julho <strong>de</strong> 1996. Fortaleza, CE. p. 227-229.CORREIO DO POVO. 2010. BM fará operação para reprimir queimadas. Disponível<strong>em</strong>:. Acesso <strong>em</strong>: 06set<strong>em</strong>bro 2010.DAVIS, A. & WAGNER, J. R. 2003. Who knows? On the importance of i<strong>de</strong>ntifying “experts”When researching Local Ecological Knowledge. Human Ecology 31 (3): 463–489.FERNANDEZ, I.; CABANEIRO, A.; CARBALLAS, T. 1997. Organic matter changes immediatelyafter a wild-fire in Atlantic Forest soil and comparison with laboratory soil heating. SoilBiology and Bioch<strong>em</strong>istry 29: 1-11.MESSIAS, Luis G. P & REIS, Jaime E. 2002. Melhoramento <strong>de</strong> Campo Nativo <strong>em</strong> São Francisco<strong>de</strong> Paula, Agroecolia e Desenvolvimento Rural Sustentável 3 (3).PRINTES, R. C. 2011. Etnoprimatologia do guigó-da-caatinga. A Primatologia no Brasil Vol.13. João Miranda e Zelinda Hirano (eds.). Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Primatologia. Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral do Paraná. Curitiba.PRINTES, R.C,; RYLANDS, A.B. and BICCA-MARQUES, J.C. 2011. Distribution status of thecritically endangered bold titi monkey Callicebus barbarabrownae of north-east Brazil. Oryx,45 (3): 439-443RIO GRANDE DO SUL. S/D. Alternativas às Queimas <strong>de</strong> Campo. Porto Alegre: Ass<strong>em</strong>bléiaLegislativa Comissão <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> e Meio Ambiente.RIO GRANDE DO SUL. 2009. Secretaria do Meio Ambiente do Estado. Plano <strong>de</strong> Manejo daÁrea <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rota do Sol. Porto Alegre.SILVA, Iva da. 2000. São Francisco <strong>de</strong> Paula: A história, o povo, curiosida<strong>de</strong>s e belezas.Gráfica da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caxias do Sul. 117 p.73


CAPÍTULO 5:ATROPELAMENTOS DE ANIMAIS SILVESTRESNA ROTA DO SOL: COMO MINIMIZAR ESSECONFLITO E SALVAR VIDAS?WILD ANIMALS ARE BEING RUN OVER ON ROTA DO SOL:HOW TO MITIGATE THIS CONFLICT AND SAVE LIVES?Fernanda Z. TEIXEIRA 1 & Andreas KINDELResumoA construção <strong>de</strong> estradas é o principal fator direcionador <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradaçãodas paisagens e a colisão com veículos é consi<strong>de</strong>rada a principal causaantrópica <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> direta <strong>de</strong> vertebrados terrestres. Neste trabalho,apresentamos os resultados <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong> monitoramento <strong>de</strong> fauna atropeladana rodovia Rota do Sol e discutimos algumas abordagens relevantespara a minimização <strong>de</strong>sse impacto. Ao longo do monitoramento houvevariação no número <strong>de</strong> registros, com picos <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> anfíbios epredominância <strong>de</strong> atropelamentos <strong>de</strong> todos os grupos <strong>de</strong> vertebrados nosperíodos <strong>de</strong> primavera e verão. Através da avaliação da distribuição espacial,i<strong>de</strong>ntificamos que os atropelamentos são agregados espacialmente,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da escala avaliada. As agregações foram registradasna área <strong>de</strong> planície do trecho estudado, com pontos <strong>de</strong> concentração <strong>de</strong>atropelamentos sobrepostos às três passagens <strong>de</strong> fauna instaladas próximoà Reserva Biológica Mata Paludosa. Estes resultados indicam que, mesmocom a existência das passagens, os animais segu<strong>em</strong> atravessando sobre arodovia e o controle da velocida<strong>de</strong> dos veículos através <strong>de</strong> redares é necessário.Os presentes resultados suger<strong>em</strong> que mesmo <strong>em</strong> rodovias <strong>em</strong> que oprocesso <strong>de</strong> licenciamento ambiental garantiu a adoção <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong>mitigação há inúmeras questões que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> monitoramento <strong>em</strong>longo prazo, após o início da operação da rodovia, para que sejam respondidas.Os resultados <strong>de</strong>stes monitoramentos precisam ser levados <strong>em</strong> contapelos gestores ambientais.Palavras chave – Agregações <strong>de</strong> atropelamentos, distribuição espacial,medidas mitigadoras, ecologia <strong>de</strong> rodovias.1Programa <strong>de</strong> Pós Graduação <strong>em</strong> Ecologia, Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Email: fe_bio04@yahoo.com75


AbstractRoad building is consi<strong>de</strong>red to be responsible for landscape <strong>de</strong>gradation,while being hit by vehicles is consi<strong>de</strong>red to be the main anthropiccause of wildlife direct mortality. In this chapter, we present the results ofa one-year monitoring of road killings on Rota do Sol highway, and discusssome relevant approaches to mitigate such impact. Throughout th<strong>em</strong>onitoring period, the number of wild animals being run over by vehiclesvaried throughout the year, with one high peak of amphibian road killingand the major road killing of all the groups of vertebrates occurring duringspring and summer. In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntly of the chosen scale, the evaluation ofits spatial distribution has indicated that road killings of wild animals are aggregated.The main hotspots where the most number of animals are foundrun over are concentrated in the lowlands, with some of the hotspots superimposedwith the so called area of Mata Paludosa Biological Reserve,where there are three fauna un<strong>de</strong>rpasses. These results point at the factthat even though there are un<strong>de</strong>rpasses, the animals are still crossing theroads; thus leading to the necessity of impl<strong>em</strong>enting radar speed vehiclecontrollers. In any road there are many situations to which mitigation hasto be adjusted. Knowledge gaps indicated in this chapter <strong>de</strong>monstrate theneed of long-term monitoring programs that allow evaluation of measuresalready impl<strong>em</strong>ented and the planning of new mitigation strategies.Key words – Road killing hotspots, spatial distribution, mitigation measures,road ecology1. IntroduçãoNeste capítulo apresentamos os resultados <strong>de</strong> um estudo <strong>de</strong>senvolvidona Rota do Sol entre 2009 e 2010, no qual monitoramos os animais atropeladosna rodovia, visando à i<strong>de</strong>ntificação dos locais com maior número<strong>de</strong> atropelamentos. A partir dos resultados discutimos algumas abordagensrelevantes para a minimização <strong>de</strong>sse conflito com a fauna silvestre. Primeiramente,apresentar<strong>em</strong>os uma breve revisão dos impactos <strong>de</strong> rodovias sobrea fauna silvestre no mundo e das estratégias utilizadas para sua mitigação.1.1 Impactos <strong>de</strong> rodovias sobre a vida silvestreRodovias são responsáveis por conectar as populações humanas <strong>de</strong>diferentes locais, dando acesso a uma gran<strong>de</strong> varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos, e sãofundamentais no atual contexto socioeconômico da maioria da populaçãohumana (PERZ et al., 2008). Entretanto, a construção <strong>de</strong> estradas é também76


o principal fator direcionador <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação das paisagens, ocasionandoa abertura <strong>de</strong> novas fronteiras e causando impactos ambientais e sociaisatravés da ocupação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada (ALENCAR et al., 2005). Esse processocertamente ocorreu <strong>em</strong> todos os biomas, mas <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> da ocupaçãorecente v<strong>em</strong> sendo melhor documentado na Amazônia (e.g. FEARNSIDE,1987, LAURANCE et al., 2002).A construção <strong>de</strong> rodovias e o tráfego <strong>de</strong> veículos causam inúmeros impactosdiretos e indiretos nas populações <strong>de</strong> animais silvestres, tais como aperda <strong>de</strong> hábitat, a morte por atropelamento e o efeito <strong>de</strong> barreira, este últimocausado por alterações na cobertura vegetal, ruídos e iluminação, quefaz<strong>em</strong> com que a fauna evite cruzar a rodovia. O atropelamento e o efeito<strong>de</strong> barreira são responsáveis pela fragmentação e isolamento das populações<strong>de</strong> animais silvestres que, juntamente com a perda <strong>de</strong> hábitat, geramuma redução do tamanho populacional e, consequent<strong>em</strong>ente, aumentamos riscos <strong>de</strong> extinções locais <strong>de</strong> inúmeras espécies (FORMAN & ALEXANDER,1998; TROMBULAK & FRISSELL, 2000; FAHRIG & RYTWINSKI, 2009; JAEGER etal., 2006) (Figura 9).Figura 9: Impactos causados pela construção <strong>de</strong> rodovias e pelo tráfego <strong>de</strong> veículos nas populações<strong>de</strong> animais silvestres. Modificado a partir <strong>de</strong> JAEGER et al., 200677


Alguns autores sustentam que a colisão com veículos já <strong>de</strong>ve ter ultrapassadoa caça como o principal fator antrópico responsável diretamentepela mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vertebrados terrestres <strong>em</strong> escala global (FORMAN &ALEXANDER, 1998). As taxas <strong>de</strong> atropelamento, <strong>em</strong> alguns casos, po<strong>de</strong>mser muito elevadas <strong>em</strong> relação aos tamanhos populacionais, afetando a<strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> populações (FAHRIG et al., 1995; HUIJSER & BERGERS, 2000).O efeito <strong>de</strong> rodovias sobre a vida silvestre atinge animais dos mais diversosgrupos taxonômicos, como anfíbios (GLISTA et al., 2009; HELS & BUCHWALD,2001), répteis (ROW et al., 2007), aves (JACBOSON, 2005), mamíferos (HUIJ-SER & BERGERS, 2000; CLEVENGER et al., 2003) e invertebrados (KOIVULA &VERMEULEN, 2005), com a predominância <strong>de</strong> impactos negativos sobre asespécies (FAHRIG & RYTWINSKI, 2009).Além do impacto causado pela rodovia nas populações <strong>de</strong> animais silvestres,a colisão entre veículos e animais representa um importante riscopara os usuários da rodovia e gera prejuízos financeiros e danos aos veículos.Nos Estados Unidos, são registrados <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> 26.000 aci<strong>de</strong>ntescom a fauna por ano, que geram danos físicos aos motoristas e passageirose estima-se que mais <strong>de</strong> 90% das colisões com alces resultam <strong>em</strong> danosao veículo (HUIJSER et al., 2008). No Brasil, já foram registradas mortes <strong>de</strong>motoristas e passageiros <strong>de</strong>vido a colisões com tamanduás, capivaras eveados. Ainda, a presença <strong>de</strong> carcaças na rodovia po<strong>de</strong> ter um impactonegativo sobre o turismo, ao diminuir a beleza cênica do local e influenciara opinião dos turistas (HOBDAY & MINSTRELL, 2008).Apesar da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudos disponíveis sobre o impacto <strong>de</strong> rodoviasna fauna, os resultados <strong>de</strong> muitas pesquisas t<strong>em</strong> sido apenas <strong>de</strong>scritivose baseados <strong>em</strong> estudos <strong>de</strong> caso, reportando monitoramentos oucontagens <strong>de</strong> animais atropelados por veículos, com padrões sazonais ecaracterísticas etárias e sexuais dos atropelados (CLEVENGER et al., 2003).Com uma extensão total <strong>de</strong> rodovias pavimentadas e não-pavimentadas<strong>de</strong> pelo menos 1.725.000 km (BRASIL, 2000 a), somente <strong>em</strong> anos recentes,e apenas <strong>em</strong> algumas rodovias, <strong>em</strong> nosso país, v<strong>em</strong> sendo planejadas eimplantadas estruturas para mitigar o efeito dos atropelamentos.1.2. JustificativaA i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> trechos <strong>de</strong> maior mortalida<strong>de</strong> através da avaliaçãoda distribuição espacial dos atropelamentos torna-se um passo importantepara qualificar o planejamento <strong>de</strong> medidas mitigadoras e concentrá-lasnos locais on<strong>de</strong> há maior mortalida<strong>de</strong> (TAYLOR & GOLDINGAY, 2010). Alémdisso, com a i<strong>de</strong>ntificação dos pontos <strong>de</strong> agregação <strong>de</strong> atropelamentos, é78


possível avaliar variáveis que influenciam essas agregações e utilizar essainformação para planejar o traçado <strong>de</strong> novas rodovias.Em função da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impactos sobre a fauna silvestre, o planejamentoe a implantação <strong>de</strong> medidas mitigadoras mostram-se necessários.Com este objetivo, diversas medidas têm sido implantadas nos últimosanos, como túneis e pontes para travessia <strong>de</strong> fauna, redutores <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>,placas informativas, entre outras (GLISTA et al., 2009). Entretanto, <strong>em</strong>borainúmeros estudos tenham registrado a funcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>ssasmedidas (e.g. CLEVENGER & WHALTO, 2000; GOOSEM et al., 2005), suaefetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da <strong>de</strong>finição a<strong>de</strong>quada do local <strong>de</strong> sua implantação.Como uma maneira <strong>de</strong> aumentar o sucesso <strong>de</strong>ssas ações, o monitoramento<strong>de</strong> fauna atropelada po<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhar um importante papel antes daadoção <strong>de</strong> recomendações gerais para a mitigação, tais como a instalação<strong>de</strong> passagens <strong>de</strong> fauna (COELHO et al.,2008).Entretanto, uma investigação precária <strong>de</strong>ssas questões po<strong>de</strong> acarretara implantação ina<strong>de</strong>quada <strong>de</strong> instrumentos <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> impactos, tendocomo consequência o <strong>de</strong>sperdício <strong>de</strong> importantes recursos financeirose o <strong>de</strong>scrédito da estratégia perante <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dores, gestores e a população<strong>em</strong> geral.2. ObjetivoO objetivo <strong>de</strong>ste trabalho foi respon<strong>de</strong>r às seguintes questões: A mortalida<strong>de</strong><strong>de</strong> animais se distribui <strong>de</strong> forma agregada? Como fica a avaliaçãodos possíveis padrões <strong>de</strong> agregação <strong>em</strong> diferentes escalas espaciais? Consi<strong>de</strong>randotais diferentes escalas, como a mortalida<strong>de</strong> varia espaço? Como amortalida<strong>de</strong> varia no t<strong>em</strong>po?3. Material e métodos3.1. Área <strong>de</strong> estudoO presente estudo foi <strong>de</strong>senvolvido num trecho <strong>de</strong> 66,6 quilômetrosda rodovia Rota do Sol (RS-486/RST-453) no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil (500W19' 12", 290S 15' 58"/ 490W 57' 29", 290S 36' 59") (Figura 1). O trecho <strong>de</strong> estudoestá localizado na zona núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica(BRASIL, 2000 b) e transpõe ou margeia três importantes unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>conservação estaduais: a Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Rota do Sol (54.670,5hectares), a Estação Ecológica <strong>de</strong> Aratinga (5.882 ha) e a Reserva Biológica79


Mata Paludosa (113 ha). A rodovia possui uma pista <strong>em</strong> cada sentido, limite<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 80 km/h e um tráfego médio <strong>de</strong> 3.108 veículos por dia(RIO GRANDE DO SUL, 2009).3.2. Monitoramento da mortalida<strong>de</strong>O monitoramento <strong>de</strong> animais atropelados foi realizado durante quatroa cinco dias consecutivos por mês, entre julho <strong>de</strong> 2009 e julho <strong>de</strong> 2010.Utilizando veículo a uma velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 40-50 km/h, dois observadores registraramtodas as carcaças <strong>de</strong> vertebrados encontradas, incluindo anfíbios,répteis, aves e mamíferos. Cada carcaça teve as coor<strong>de</strong>nadas geográficas<strong>de</strong> localização registradas e foi i<strong>de</strong>ntificada até o menor nível taxonômicopossível.Com os dados do monitoramento <strong>em</strong> mãos, a primeira pergunta a serrespondida é se a mortalida<strong>de</strong> distribui-se <strong>de</strong> forma agregada. Caso nãoocorram agregações, as medidas mitigadoras po<strong>de</strong>m ser dispostas ao longoda rodovia com a mesma probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucesso, pois não há locaiscom maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atropelamentos.Contudo, a <strong>de</strong>tecção do padrão <strong>de</strong> distribuição espacial po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nteda escala e, portanto, é importante que esta avaliação seja realizada<strong>em</strong> múltiplas escalas. Caso o padrão espacial não seja <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>escala, <strong>de</strong>ve-se selecionar uma escala para a i<strong>de</strong>ntificação dos pontos <strong>de</strong>agregação ao longo da rodovia, escolha esta que <strong>de</strong>ve ser feita <strong>de</strong> acordocom as medidas <strong>de</strong> manejo possíveis.Visando i<strong>de</strong>ntificar os locais com agregação <strong>de</strong> atropelamentos naRota do Sol e gerar subsídios para o planejamento <strong>de</strong> medidas mitigadoras,neste trabalho apresentamos os resultados consi<strong>de</strong>rando duas escalas: raio<strong>de</strong> 100 m e raio <strong>de</strong> 1000 m.As análises da distribuição espacial dos atropelamentos foram realizadasno programa Siri<strong>em</strong>a, um software livre distribuído pelo Laboratório<strong>de</strong> Ecologia <strong>de</strong> Populações e Comunida<strong>de</strong>s da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do RioGran<strong>de</strong> do Sul (COELHO et al., 2008; COELHO et al., 2010; TEIXEIRA, 2011).4. Resultados e discussão4.1. I<strong>de</strong>ntificação da fauna atropeladaForam registrados 834 animais silvestres atropelados na rodovia (Tabela16), sendo 358 anfíbios (11 espécies), 89 répteis (22 espécies), 166aves (45 espécies) e 162 mamíferos (20 espécies), totalizando 98 espécies.80


N<strong>em</strong> todos os indivíduos pu<strong>de</strong>ram ser i<strong>de</strong>ntificados até o nível <strong>de</strong> espécie,<strong>de</strong>vido ao alto grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>composição da carcaça ou por apenas parte dacarcaça ter sido encontrada. Dentre as espécies i<strong>de</strong>ntificadas, são consi<strong>de</strong>radasameaçadas <strong>de</strong> extinção no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (FONTANA et al., 2003):Lontra longicaudis Olfers 1818 (lontra, Vulnerável), Tamandua tetradactylaLinnaeus 1788 (tamanduá-mirim, Vulnerável), Leopardus tigrinus Schreber1775 (gato-do-mato-pequeno, Vulnerável), Pseudoboa haasi Boettger 1905(falsa-muçurana, Vulnerável), Helicops carinicaudus Wied-Neuwed 1825(cobra-d'água-do-litoral, Vulnerável) e Philodryas arnaldoi Amaral 1932(parelheira-do-mato, Vulnerável). A falta <strong>de</strong> conhecimento sobre a situaçãodas populações <strong>de</strong>stas espécies nos ecossist<strong>em</strong>as que margeiam a rodoviaimpe<strong>de</strong> que seja avaliado o impacto que os atropelamentos exerc<strong>em</strong> sobreas populações. Entretanto, populações reduzidas <strong>de</strong> espécies ameaçadasou raras possu<strong>em</strong> maior probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong>vido a eventos estocásticos(PRIMACK & RODRIGUES, 2001).Tabela 16: Espécies e número <strong>de</strong> indivíduos dos atropelamentos registrados na Rodovia Rota do Sol,entre julho <strong>de</strong> 2009 e julho <strong>de</strong> 2010 (NI=espécie não i<strong>de</strong>ntificada).Taxa Nome comum Nº indivíduosANFÍBIOSChthonerpeton indistinctum Reinhardt & Lutken 1862 cobra-cega 3Hypsiboas faber Wied-Neuwied 1821 sapo-ferreiro 7Leptodactylus cf. gracilis Duméril & Bibron 1841 rã-do-banhado 6Leptodactylus latrans Steffen 1815 rã-crioula 53Leptodactylus sp. rã 3Odontrophrinus maisuma Rosset 2008 sapo-da-enchente 1Pseudopaludicola falcipes Hensee 1867 rãzinha 1Rhinella abei Baldissera, Caramaschi & Haddad 2004 sapo-cruz 2Rhinella fernan<strong>de</strong>zae Gallardo 1957 sapinho-<strong>de</strong>-jardim 7Rhinella icterica Spix 1824 sapo-cururu 244Rhinella sp. sapo 7Scinax squalirostris Lutz 1925 perereca-nariguda 1Trachycephalus mesophaeus Hensel 1867 perereca-leiteira 5Hylidae NI 1NI 17Total anfíbios 35881


Taxa Nome comum Nº indivíduosRÉPTEISAmphisbaena sp. anfisbena 1Acanthochelys spixii Duméril & Bibron 1825 cágado-preto 1Bothropoi<strong>de</strong>s jararaca Wied 1835 jararaca 1Chironius bicarinatus Wied 1820 cobra-cipó 1Helicops carinicaudus Wied 1825 cobra-d'água-do-litoral 1Helicops infrataeniatus Wied 1825 cobra d'água 3Hydromedusa tectifera Cope 1869 cágado-pescoço-<strong>de</strong>-cobra 1Liophis miliaris Cope 1868 cobra-d'água 10Liophis poecilogyrus Wied-Neuwied 1825 cobra-capim 3Oxyrhopus clathratus Duméril, Bibron &Duméril 1854cobra-coral-falsa 1cf. Philodryas sp. cobra-ver<strong>de</strong> 1Philodryas aestiva Duméril, Bibron &Duméril 1854cobra-ver<strong>de</strong> 5Philodryas arnaldoi Amaral 1932 parelheira-do-mato 1Philodryas patagoniensis Girard 1858 papa-pinto 13Phrinops hilarii Duméril & Bibron 1835 cágado-<strong>de</strong>-barbelas 1Pseudoboa haasi Boettger 1905 falsa-muçurana 1Sibynomorphus cf. neuwiedi Ihering 1911 cobra-dormi<strong>de</strong>ira 15Spilotes pullatus Linnaeus 1758 caninana 3Thamnodynastes strigatus Günther 1858 jararaca-do-brejo 3Trach<strong>em</strong>ys dorbigni Duméril & Bibron 1835 tigre-d'água 5Tupinambis merianae Duméril &Bibron 1839lagarto-teiú 12Xenodon merr<strong>em</strong>ii Wagler 1824 boipeva 1Xenodon neuwiedi Günther 1863 boipeva 1Viperidae NI 1NI 3Total répteis 8982


Taxa Nome comum N o indivíduosAVESAthene cunicularia Molina 1782 coruja-buraqueira 1Chiroxiphia caudate Shaw & Nod<strong>de</strong>r 1793 tangará 1Chlorostilbon lucidus Shaw 1812 besourinho-<strong>de</strong>-bico-vermelho 1cf. Coccyzus melacoryphus Vieillot 1817 papa-lagarto-acanelado 1Colaptes campestris Vieillot 1818 pica-pau 1Columbina picui T<strong>em</strong>minck 1813 rolinha-picuí 1Columbina talpacoti T<strong>em</strong>minck 1811 rolinha-roxa 2Coragyps atratus Bechstein 1793 urubu-<strong>de</strong>-cabeça-preta 1Crotophaga ani Linnaeus 1758 anu-preto 9Cyclarhis gujanensis Gmelin 1789 pitiguari 2Dacnis cayana Linnaeus 1766 saí-azul 1Dysithamynus mentalis T<strong>em</strong>minck 1823 choquinha-lisa 1Thunberg 1822 guaracava-<strong>de</strong>-barriga-amarela 1Elaenia sp. guaracava 1Furnarius rufus Gmelin 1788 joão-<strong>de</strong>-barro 4Geothlypis aequinoctialis Gmelin 1789 pia-cobra 5Guira guira Gmelin 1788 rabo-<strong>de</strong>-palha 8cf. Haplospiza unicolor Cabanis 1851 cigarra-bambu 2Icterus pyrrhopterus Vieillot 1819 encontro 1Jacana jacana Linnaeus 1766 jaçanã 1Machetormis rixosus Vieillot 1819 suiriri-cavaleiro 2Megascops cf. sanctaecatarinae Salvin 1897 coruja-<strong>de</strong>-orelha-pequena 1Megascops sp. coruja 3Nothura maculosa T<strong>em</strong>minck 1815 perdiz 2Parula pitiayumi Vieillot 1817 mariquita 1Piaya cayana Linnaeus 1766 alma-<strong>de</strong>-gato 3Pitangus sulphuratus Linnaeus 1766 b<strong>em</strong>-te-vi 4Poospiza cabanisi Bonaparte 1850 tico-tico-da-taquara 1Segue ►83


Progne tapera Vieillot 1817 andorinha-do-campo 3Sicalis flaveola Linnaeus 1766 canário-da-terra-verda<strong>de</strong>iro 1Sicalis sp. canário 5Sporophila caerulescens Vieillot 1823 coleirinho 4Synallaxis sp. coleirinho 1Tachyphonus coronatus Vieillot 1822 tiê-preto 2Tangara preciosa Cabanis 1850 saíra-preciosa 2Thamnophilus ruficapillus Vieillot 1816 choca-do-boné-vermelho 2Thraupis sayaca Linnaeus 1766 sanhaçu-cinzento 1Thraupis sp. sanhaçu 2Troglodites musculus Naumann 1823 corruíra 4Turdus albicollis Vieillot 1818 sabiá-poca 1Turdus amaurochalinus Cabanis 1850 sabiá-poca 2Turdus rufiventris Vieillot 1818 sabiá-laranjeira 2Tyrannus melancholicus Vieillot 1819 suiriri 2Tyrannus savanna Vieillot 1808 tesourinha 2Tyto alba Matheus 1912 coruja-da-igreja 1Vanellus chilensis Molina 1782 quero-quero 2Vireo olivaceus Linnaeus 1766 juruviara 1Volatinia jacarina Linnaeus 1766 tiziu 1Zonotrichia capensis Statius Muller 1776 tico-tico 4Formicariidae NI 1Hirundinidae NI 1Strigidae NI 1Tyrannidae NI 3NI 53Total aves 16684


Taxa Nome comum N o <strong>de</strong> indivíduosMAMÍFEROSArtibeus fimbriatus Gray 1838 morcego-das-frutas 1Artibeus lituratus Olfers 1818 morcego-das-frutas 1Cavia sp. preá 12Cerdocyon thous Linnaeus 1758 graxaim-do-mato 13Conepatus chinga Molina 1782 zorrilho 4Dasypus sp. tatu 1Di<strong>de</strong>lphis albiventris Lund 1840 gambá-<strong>de</strong>-orelha-branca 27Di<strong>de</strong>lphis aurita Wied 1826 gambá-<strong>de</strong>-orelha-preta 1Di<strong>de</strong>lphis sp. gambá 32Euphractus sexcintus Linnaeus 1758 tatu-peludo 1Euryoryzomys russatus Wagner 1848 rato-do-arroz 3Galictis cuja Molina 1782 furão 1Lasiurus ega Gervais 1856 3Leopardus tigrinus Schreber 1775 gato-do-mato-pequeno 2Lepus sp. lebre 1Lontra longicaudis Olfers 1818 lontra 1Lycalopex gymnocercus G. Fischer 1814 graxaim-do-campo 1Procyon cancrivorus Cuvier 1798 mão-pelada 1Sooretamys angouya Fischer 1814 rato 5Sphiggurus villosus Cuvier 1823 ouriço 1Tamandua tetradactyla Linnaeus 1758 tamanduá-mirim 1Cricetidae NI 55NI 23Total mamíferos 19185


Com relação à abundância <strong>de</strong> indivíduos, merece <strong>de</strong>staque o gran<strong>de</strong>número <strong>de</strong> indivíduos do anfíbio Rhinella icterica que foram registrados(244). Esta é uma espécie que ocorre <strong>em</strong> uma gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> hábitats,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> florestas até áreas abertas, ocorrendo também <strong>em</strong> hábitatssubstancialmente perturbados (SILVANO et al., 2008). A gran<strong>de</strong> proporção<strong>de</strong> indivíduos <strong>de</strong> Rhinella icterica (68%) entre os anfíbios registrados estáprovavelmente relacionada ao gran<strong>de</strong> tamanho corporal dos indivíduos<strong>de</strong>sta espécie, pois a maioria das espécies <strong>de</strong> anfíbios não t<strong>em</strong> tamanhocorporal suficiente para ser registrada a partir <strong>de</strong> um veículo <strong>em</strong> movimento(TEIXEIRA, 2011).O mamífero com maior número <strong>de</strong> registros foi o gambá (Di<strong>de</strong>lphisspp.), 83 indivíduos, com uma proporção do que representa 51% <strong>de</strong> todosos mamíferos silvestres da amostra. Esta espécie ocorre <strong>em</strong> diferentes tipos<strong>de</strong> hábitats, inclusive <strong>em</strong> áreas antropizadas, pois tolera áreas cultivadas e<strong>de</strong> florestadas (COSTA et al., 2008). O gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> Di<strong>de</strong>lphisspp. e <strong>de</strong> Rhinella icterica po<strong>de</strong> estar relacionado ao fato <strong>de</strong> que elasprovavelmente não evitam a rodovia, por ser<strong>em</strong> espécies menos sensíveisàs perturbações antrópicas. As espécies especialistas, mais exigentes quantoao hábitat, são registradas com menor frequência entre a fauna atropelada.Ainda assim, para avaliar o impacto que o atropelamento exerce sobreas espécies é necessária uma avaliação do estado das suas populações noshábitats do entorno da rodovia.Além dos animais silvestres, animais domésticos, como cães e gatos,foram registrados com gran<strong>de</strong> frequencia <strong>de</strong>ntre os animais atropelados aolongo da rodovia Rota do Sol. Ao todo registramos 21 cães (Canis familiarisLinnaeus, 1758) e 32 gatos (Felix domesticos Erxleben, 1777). Este gran<strong>de</strong>número <strong>de</strong> animais domésticos atropelados merece <strong>de</strong>staque, pois a presença<strong>de</strong>sses animais <strong>em</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação po<strong>de</strong> ser altamente impactante,<strong>de</strong>vido ao seu cruzamento com animais silvestres. Animais feraissão consi<strong>de</strong>rados como um dos principais predadores <strong>de</strong> animais silvestresno mundo (GALETTI & SAZIMA, 2006). Gatos ferais predam aves e já foramapontados como a causa principal do <strong>de</strong>clínio <strong>de</strong> espécies <strong>em</strong> diversas regiões,enquanto cães ferais foram registrados predando relevante biomassa<strong>de</strong> vertebrados (principalmente mamíferos) num fragmento <strong>de</strong> FlorestaAtlântica, <strong>em</strong> quantida<strong>de</strong> muito superior àquela predada pelas espéciesnativas (GALETTI & SAZIMA, op. Cit.).4.2 Variação da mortalida<strong>de</strong> ao longo do t<strong>em</strong>poCom relação à variação no número <strong>de</strong> atropelamentos ao longo dascampanhas (Figura 10), os anfíbios apresentaram dois gran<strong>de</strong>s picos <strong>de</strong> re-86


gistros: <strong>em</strong> agosto e <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2009, que juntos representam 80%dos anfíbios registrados. Além disso, foi registrado um pico menor <strong>em</strong> fevereiro<strong>de</strong> 2010. Os répteis foram registrados apenas no período <strong>de</strong> primaverae verão, entre nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2009 e março <strong>de</strong> 2010. Aves e mamíferos foramos grupos que apresentaram maior homogeneida<strong>de</strong> na distribuição t<strong>em</strong>poral,<strong>em</strong>bora tenha havido maior número <strong>de</strong> registros no período do verão.O maior número <strong>de</strong> atropelamentos no verão po<strong>de</strong> ter uma forte relaçãocom o fluxo <strong>de</strong> veículos na rodovia (JAARSMA et al. 2006), haja vistaque a Rota do Sol é responsável pela ligação do planalto rio-gran<strong>de</strong>nsecom o litoral norte do Estado, possuindo gran<strong>de</strong> fluxo <strong>de</strong> veículos nesteperíodo. Além da potencial influência do maior fluxo <strong>de</strong> veículos, muitosanimais possu<strong>em</strong> maior ativida<strong>de</strong> no período <strong>de</strong> primavera e verão, comoé o caso <strong>de</strong> anfíbios, répteis e aves que têm neste período suas estaçõesreprodutivas. Devido ao comportamento <strong>de</strong> muitos anfíbios, que realizammigrações <strong>em</strong> massa na estação reprodutiva <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> poças e outroscorpos d’água, são registrados gran<strong>de</strong>s picos <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> algumasespécies <strong>de</strong>sse grupo (GLISTA et al., 2008), como é o caso das espécies dogênero Rhinella (GITTINS et al., 1980).Figura 10: Variação t<strong>em</strong>poral no número <strong>de</strong> atropelamentos para cada um dos grupos <strong>de</strong>vertebrados, consi<strong>de</strong>rando o primeiro dia <strong>de</strong> cada campanha(<strong>em</strong> set<strong>em</strong>bro não houve monitoramento <strong>de</strong>vido a uma queda <strong>de</strong> barreira na rodovia).Para uma análise <strong>de</strong>talhada da variação t<strong>em</strong>poral no número <strong>de</strong> atropelamentosé preciso monitorar a rodovia por um período <strong>de</strong> vários anos,87


o que permitiria a i<strong>de</strong>ntificação dos períodos com maior número <strong>de</strong> atropelamentose maior impacto potencial sobre as populações. Além disso, avariação t<strong>em</strong>poral po<strong>de</strong> ser subestimada pela r<strong>em</strong>oção <strong>de</strong> carcaças. Casoas taxas <strong>de</strong> r<strong>em</strong>oção <strong>de</strong> carcaças vari<strong>em</strong> ao longo do t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>vido à mudançano padrão <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> das espécies carniceiras, este fator <strong>de</strong>ve serincorporado na avaliação do padrão t<strong>em</strong>poral <strong>de</strong> atropelamentos.4.3 Variação da mortalida<strong>de</strong> no espaçoAs agregações i<strong>de</strong>ntificadas concentram-se nas áreas <strong>de</strong> planície paratodos os grupos avaliados, tanto <strong>em</strong> escala <strong>de</strong> 1:100 m como <strong>de</strong> 1:1000 m.Ao consi<strong>de</strong>rar a escala <strong>de</strong> 1:100 m para avaliação das agregações, forami<strong>de</strong>ntificados alguns pontos com agregações <strong>de</strong> atropelamentos apenaspara répteis no planalto. A análise consi<strong>de</strong>rando um raio <strong>de</strong> 100 m geraum resultado mais refinado, no qual são i<strong>de</strong>ntificados diversos pontos <strong>de</strong>agregação ao longo da rodovia (Figura 4), ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que ao utilizarum raio <strong>de</strong> 1000 m são i<strong>de</strong>ntificadas zonas mais amplas <strong>de</strong> agregação(Figura 5). Por ex<strong>em</strong>plo, para mamíferos, são i<strong>de</strong>ntificados 48 trechos comagregações na escala <strong>de</strong> 1:100 m, enquanto que na escala <strong>de</strong> 1:1000 m sãoi<strong>de</strong>ntificadas cinco zonas com gran<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> atropelamentos. Aescala utilizada <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da estratégia <strong>de</strong> mitigação a ser implantada: <strong>em</strong>escalas refinadas, po<strong>de</strong>m-se planejar medidas pontuais, como passagens<strong>de</strong> fauna ou controladores <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>, enquanto que ao i<strong>de</strong>ntificar zonasmais amplas <strong>de</strong> agregação, po<strong>de</strong>-se trabalhar com medidas que atuamnuma maior extensão da rodovia, como a redução no limite <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>ao longo do trecho ou a implantação <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> passagens.A Figura 11 apresenta o perfil altimétrico, localização <strong>de</strong> pontes e passagens<strong>de</strong> fauna e a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agregações <strong>de</strong> atropelamentos ao longoda rodovia Rota do Sol, consi<strong>de</strong>rando um raio <strong>de</strong> 100 m; a Figura 12apresenta os referidos padrões consi<strong>de</strong>rando um raio <strong>de</strong> 1000 m. O trevo<strong>de</strong> Tainhas (planalto) correspon<strong>de</strong> ao quilômetro zero e o trevo da Estradado Mar (planície) correspon<strong>de</strong> ao ponto final do trecho (66,6 km).Nos gráficos <strong>de</strong> intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agregação <strong>de</strong> atropelamentos, o número<strong>de</strong> animais observados correspon<strong>de</strong> ao número médio <strong>de</strong> animais<strong>em</strong> 1000 simulações <strong>de</strong> distribuição aleatória das carcaças. A linha pretacorrespon<strong>de</strong> à intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agregação <strong>de</strong> atropelamentos, enquanto alinha pontilhada correspon<strong>de</strong> ao intervalo <strong>de</strong> confiança <strong>de</strong> 99%. Pontos <strong>em</strong>que a linha preta ultrapassa a linha pontilhada são os locais com agregação<strong>de</strong> atropelamentos.88


Figura 11: Perfil altimétrico, localização <strong>de</strong> pontes <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> fauna e intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong>agregações ao longo da Rodovia Rota do Sol, num raio <strong>de</strong> 100m.89


90Figura 12: Perfil altimétrico, localização <strong>de</strong> pontes <strong>de</strong> passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> fauna e intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agregações<strong>de</strong> atropelamentos ao longo da Rodovia Rota do Sol, num raio <strong>de</strong> 1000 m.


Ao avaliarmos a distância entre as agregações <strong>de</strong> atropelamentos, consi<strong>de</strong>randoum raio <strong>de</strong> 1000 m, e as passagens <strong>de</strong> fauna e pontes, i<strong>de</strong>ntificamosque não há agregações próximas às pontes e passagens presentes naencosta e no planalto. Entretanto, as três passagens <strong>de</strong> fauna localizadasna Reserva Biológica da Mata Paludosa se sobrepõ<strong>em</strong> com locais com agregaçõespara todos os grupos <strong>de</strong> vertebrados avaliados, exceto para répteis.Este resultado indica que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente da existência da passag<strong>em</strong><strong>de</strong> fauna naquela unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação e <strong>de</strong> seu uso evi<strong>de</strong>nciado porarmadilhas fotográficas (BIOLAW, 2010), os animais tentam cruzar a rodoviae são atropelados.A mitigação da mortalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fauna <strong>em</strong> rodovias po<strong>de</strong> ser planejada<strong>de</strong> duas formas: através da modificação do comportamento humano ou docomportamento animal. Com relação ao comportamento humano, po<strong>de</strong>--se alertar o motorista e/ou ajustar o limite <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma estrada,aumentando o t<strong>em</strong>po que o motorista t<strong>em</strong> para evitar um aci<strong>de</strong>nte com afauna (SEILER & HELLDIN, 2006) e ampliando a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> travessias<strong>de</strong> animais. HOBDAY & MINSTRELL (2008), <strong>em</strong> um trabalho <strong>de</strong>senvolvido naAustrália, mostraram que uma diminuição <strong>de</strong> 20% no limite <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>num trecho <strong>de</strong> 10% da rodovia, nos locais <strong>de</strong> agregação <strong>de</strong> atropelamentos,resulta uma diminuição <strong>de</strong> 50% nos atropelamentos.5. Consi<strong>de</strong>rações finaisA sazonalida<strong>de</strong> dos atropelamentos <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada, pois picossazonais po<strong>de</strong>m indicar que as ações <strong>de</strong> mitigação sejam aplicadas durante<strong>de</strong>terminadas estações e ainda assim diminuir o número <strong>de</strong> atropelamentos(HOBDAY & MINSTRELL, 2008). Isto diminuiria os seus custos <strong>de</strong> implantação.Na Rota do Sol, os atropelamentos se concentram no período <strong>de</strong>verão, permitindo que as medidas tais como o uso <strong>de</strong> radares móveis ecampanhas <strong>de</strong> sensibilização sejam adotadas neste período. Devido à gran<strong>de</strong>concentração do fluxo <strong>de</strong> turistas no verão na Rota do Sol, campanhas<strong>de</strong> divulgação do probl<strong>em</strong>a dos atropelamentos <strong>de</strong> fauna junto aos motoristas,como aquela que v<strong>em</strong> sendo realizada pela equipe da Secretariado Meio Ambiente do Estado (SEMA) com o slogan “Tire férias, mas nãotire vidas”, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2009, po<strong>de</strong>m ter importante influência sobre o comportamentodos motoristas. Tal campanha necessita ser monitorada e avaliadaquanto a sua efetivida<strong>de</strong>.Com relação à diminuição no limite <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>, a rodovia Rota doSol vive um conflito com os motoristas, principalmente no verão, <strong>de</strong>vidoaos radares instalados no trecho da Reserva Biológica Mata Paludosa. Muitosmotoristas argumentam que os congestionamentos que ocorr<strong>em</strong> noverão são <strong>de</strong>vido à existência dos radares. Uma alternativa para diminuir91


tal conflito po<strong>de</strong> ser a programação dos radares para controlar<strong>em</strong> a diminuiçãoda velocida<strong>de</strong> somente nos horários <strong>de</strong> maior trânsito <strong>de</strong> animaissobre a rodovia. Entretanto, para que esta medida possa seja implantadaé necessário i<strong>de</strong>ntificar os horários <strong>de</strong> travessia dos animais, o que não foifeito neste estudo.No trecho que passa pela Reserva Biológica Mata Paludosa, há três amplaspassagens <strong>de</strong> fauna sob a rodovia, mas ainda assim há agregações <strong>de</strong>mortalida<strong>de</strong>, o que justifica a diminuição no limite <strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>, pois háfluxo <strong>de</strong> animais sobre a rodovia. Uma alternativa para diminuir os atropelamentospo<strong>de</strong>ria ser a instalação <strong>de</strong> cercas nas laterais da rodovia. Entretanto,além do risco <strong>de</strong> furto <strong>de</strong>ste material (o que já ocorreu <strong>em</strong> outro trecho<strong>de</strong>ntro da APA Rota do Sol) e do gran<strong>de</strong> custo <strong>de</strong> manutenção, há alta probabilida<strong>de</strong>das cercas aumentar<strong>em</strong> o isolamento genético das populações.A instalação <strong>de</strong> cercas somente <strong>de</strong>ve ser uma alternativa quando umaampla gama <strong>de</strong> espécies utiliza as passagens <strong>de</strong> fauna e a proporção <strong>de</strong> atropelamentos(proporção do número total <strong>de</strong> tentativas <strong>de</strong> travessia da rodoviaque resulta <strong>em</strong> atropelamento) for muito alta (JAEGER & FAHRIG, 2004).Portanto, é fundamental continuar avaliando a efetivida<strong>de</strong> das passagens<strong>de</strong> fauna, visando i<strong>de</strong>ntificar quais as espécies que as utilizam, suas taxas <strong>de</strong>uso, quantificar o número <strong>de</strong> atropelamentos neste trecho e o número <strong>de</strong>travessias <strong>de</strong> sucesso. Estes resultados gerarão informações sobre o fluxo <strong>de</strong>indivíduos entre as populações, assim como a i<strong>de</strong>ntificarão das espécies quenão utilizam as passagens <strong>de</strong> fauna, mas apenas a rodovia para se <strong>de</strong>slocar.Os presentes resultados suger<strong>em</strong> que mesmo <strong>em</strong> rodovias <strong>em</strong> que oprocesso <strong>de</strong> licenciamento ambiental garantiu a adoção <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong>mitigação, há inúmeras questões que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> monitoramento <strong>em</strong>longo prazo, após o início da operação da rodovia, para que sejam respondidas.Os resultados <strong>de</strong>stes monitoramentos precisam ser levados <strong>em</strong> contapelos gestores ambientais.6. Referências BibliográficasALENCAR, A.; MICOL, L.; REID, J., AMEND, M.; OLIVEIRA, M.; ZEIDEMANN, V. & DE SOU-SA JÚNIOR, W.C. 2005. A pavimentação da BR-163 e os <strong>de</strong>safios à sustentabilida<strong>de</strong>: umaanálise econômica, social e ambiental. Conservation Strategy Fund do Brasil, Belo Horizonte.29p.BIOLAW, 2010. Relatório <strong>de</strong> monitoramento da área <strong>de</strong> influência da rodovia Rota do Sol(RS-486/RST-453): compilação das informações obtidas entre 1997 e 2010. Relatório técnico(não publicado). 85p.CLEVENGER, A.P.; CHRUSZCZ, B. & GUNSON, K.E. 2003. Spatial patterns and factors influencingsmall vertebrate fauna road-kill aggregations. Biological Conservation 109: 15-26.92


CLEVENGER, A.P. & WHALTO, N. 2000. Factors influencing the effectiveness of wildlife un<strong>de</strong>rpassesin Banff National Park, Alberta, Canada. Conservation Biology 14(1):47-56.COELHO, I.P.; COELHO, A.V.P. & KINDEL, A. 2008. Roadkills of vertebrate species on two highwaysthrough the Atlantic Forest Biosphere Reserve, southern Brazil. European Journal ofWildlife Research 54: 689-699.COELHO, I. P.; KINDEL, A. & COELHO, A. V. P. 2010. SIRIEMA. Spatial Evaluation of RoadMortality Software. User’s Gui<strong>de</strong> V.2.0. UFRGS, Porto Alegre, Brazil.COSTA, L.; ASTUA DE MORAES, D.; BRITO, D.; SORIANO, P.; LEW, D. & DELGADO, C. 2008.Di<strong>de</strong>lphis albiventris. In: IUCN 2010. IUCN Red List of Threatened Species. Version 2010.4.. Downloa<strong>de</strong>d on 31 May 2011.RIO GRANDE DO SUL, 2009. Departamento Autônomo <strong>de</strong> Estradas <strong>de</strong> Rodag<strong>em</strong>. Número<strong>de</strong> veículos passantes por local <strong>em</strong> 2009. Secretaria <strong>de</strong> Infra-estrutura e Logística,Diretoria <strong>de</strong> Operação Rodoviária, Superintendência <strong>de</strong> Monitoramento <strong>de</strong> Trânsito.Porto Alegre, RS, Brasil.BRASIL, 2000 A. EMPRESA BRASILEIRA DE PLANEJAMENTO DE TRANSPORTES. AnuárioEstatístico dos Transportes. (www.geipot.gov.br)BRASIL, 2000 B. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, DOS RECURSOS HÍDRICOS E DA AMA-ZÔNIA LEGAL. Avaliação e ações prioritárias para a conservação da biodiversida<strong>de</strong> daMata Atlântica e Campos Sulinos. Conservation International do Brasil, Fundação SOSMata Atlântica e Fundação Biodiversitas, Brasília. 46p.FAHRIG, L.; PEDLAR, J.H.; POPE, S.E.; TAYLOR, P.D. & WEGNER, J.F. 1995. Effect of road trafficon amphibian <strong>de</strong>nsity. Biological Conservation 73:177–182.FAHRIG, L. & RYTWINSKI, T. 2009. Effects of roads on animal abundance: an <strong>em</strong>pirical reviewand synthesis. Ecology and Society 14(1): 21.FEARNSIDE, P.M. 1987 Deforestation and international <strong>de</strong>velopment projects in BrazilianAmazonia. Conservation Biology 1(3):214-220.FONTANA, C. S.; BENCKE, G. A. & REIS, R. E. (Ed.). 2003. Livro vermelho da fauna ameaçada<strong>de</strong> extinção no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS. 632p.FORMAN, R.T.T. & ALEXANDER, L.E. 1998 Roads and their major ecological effects. AnnualReview on Ecology and Syst<strong>em</strong>atics 29: 207-231.GALETTI, M. & SAZIMA, I. 2006. Impacto <strong>de</strong> cães ferais <strong>em</strong> um fragmento urbano <strong>de</strong> FlorestaAtlântica no su<strong>de</strong>ste do Brasil. Natureza & Conservação 4(1):58-63.GITTINS, S.P.; PARKER, A.G. & SLATER F.M. 1980. Population characteristics of the common toad(Bufo bufo) visiting a breeding site in Mid-Wales. Journal of Animal Ecology 49(1):161-173.GLISTA, D.J.; DEVAULT, T.L. & DEWOODY, J.A. 2008. Vertebrate road mortality predominantlyimpact amphibians. Herpetological Conservation and Biology 3(1):77-87.GLISTA, D.J.; DEVAULT, T.L. & DEWOODY, J.A. 2009. A review of mitigation measures forreducing wildlife mortality on roadways. Landscape and Urban Planning 91(1):1-7.GOOSEM, M.; WESTON, N. & BHUSHNELL, S. 2005. Effectiveness of rope bridge arborealoverpasses and faunal un<strong>de</strong>rpasses in providing connectivity for rainforest fauna. ICOET2005 Proceedings.93


HELS, T. & BUCHWALD, E. 2001. The effect of road kills on amphibian populations. BiologicalConservation 99:331-340.HOBDAY, A. J. & MINSTRELL, M. L. 2008. Distribution and abundance of roadkill on Tasmaniahighways: human manag<strong>em</strong>ent options. Wildlife Research 35:712-726.HUIJSER, M.P. & BERGERS, P.J.M. 2000. The effect of roads and traffic on hedgehog (Erinaceuseuropaeus) populations. Biological Conservation 95:111-116.HUIJSER, M.P.; MCGOWEN, P.; FULLER, J.; HARDY, A.; KOCIOLEK, A.; CLEVENGER, A.P.; SMI-TH, D. & AMENT, R. 2008. Wildlife-Vehicle Collision Reduction Study: Report to Congress.Final Report. Western Transportation Institute. 254p.JAARSMA, C.F.; VAN LANGEVELDE, F. & BOTMA, H. 2006 Flattened fauna and mitigation:traffic victims related to road, traffic, vehicle, and species characteristics. TransportationResearch Part D 11:264–276JACOBSON, S.L. 2005. Mitigation measures for highway-caused impacts to birds. PSW--GTR-191. USDA Forest Service General Technical Report.JAEGER, J.A.G. & FAHRIG, L. 2004. Effects of road fencing on population persistence. ConservationBiology 18(6):1651-1657.JAEGER, J.A.G.; FAHRIG, L. & EWALD, K.C. 2006. Does the configuration of road networksinfluence the <strong>de</strong>gree to which roads affect wildlife populations? ICOET 2005 Proceedings.Koivula, M.J. & Vermeulen, H.J.W. 2005. Highways and forest fragmentation–effects on carabidbeetles (Coleoptera, Carabidae). Landscape Ecology 20:911–926.LAURANCE, W.F.; ALBERNAZ, A.K.M.; SCHROTH, G. & FEARNSIDE, P.M. 2002. Predictors of<strong>de</strong>forestation in the Brazilian Amazon. Journal of Biogeography 29:737-748.PERZ, S.; BRILHANTE, S.; BROWN, F.; CALDAS, M.; IKEDA, S.; MENDOZA, E.; OVERDEVEST, C.;REIS, V.; REYES, J. F.; ROJAS, D.; SCHMINK, M.; SOUZA, C. & WALKER, R. 2008. Road building,land use and climate change: prospects for environmental governance in the Amazon. ThePhilosophical Transactions of the Royal Society of Biological Sciences B: 1887-1895.PRIMACK, R.B. & RODRIGUES, E. 2001. Biologia da Conservação. 328p.ROW, J.R.; BLOUIN-DEMERS, G. & WEATHERHEAD, P.J. 2007 D<strong>em</strong>ographic effects of roadmortality in black ratsnakes (Elaphe obsoleta). Biological Conservation 137:117 – 124.SEILER, A. & HELLDIN, J.O. 2006. Mortality in wildlife due to transportation. In: DavenportJ. & Davenport J.L. (eds.), The ecology of transportation: managing mobility for the environment.Kluwer, p.165-190.SILVANO, D.; SCOTT, N.; AQUINO, L.; KWET, A. & BALDO, D. 2008. Rhinella icterica. In: IUCN2010. IUCN Red List of Threatened Species. Version 2010.4. .Acessado <strong>em</strong> 31 <strong>de</strong> maior <strong>de</strong> 2011.TAYLOR, B.D. & GOLDINGAY, R.L. 2010. Roads and wildlife: impacts, mitigation and implicationsfor wildlife manag<strong>em</strong>ent in Australia. Wildlife Research 37, 320–331.TEIXEIRA, F.Z. 2011. Fauna atropelada: estimativas <strong>de</strong> mortalida<strong>de</strong> e i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> zonas<strong>de</strong> agregação. Dissertação <strong>de</strong> mestrado. Programa <strong>de</strong> Pós Graduação <strong>em</strong> Ecologia,Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Porto Alegre, Brasil, 64p.TROMBULAK, S.C. & FRISSELL, C.A. 2000. Review of Ecological Effects of Roads on Terrestrialand Aquatic Communities. Conservation Biology 14:18-30.94


CAPÍTULO 6:DINÂMICA DO USO DO SOLO NA ÁREA DESTINADA AOPARQUE ESTADUAL DO TAINHAS, RIO GRANDE DO SUL,BRASIL: O CASO DA SILVICULTURA DE PINUS SP.DYNAMICS OF SOIL USE IN THE AREA ALLOCTED FORTHE TAINHAS STATE PARK, RIO GRANDE DO SUL,BRAZIL: THE CASE OF PINUS SP FORESTRYThiago Silva dos Anjos 1 & Iuri Buffon 2ResumoO Parque Estadual do Tainhas é uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteçãointegral criada <strong>em</strong> 1975 que possui menos <strong>de</strong> 5% <strong>de</strong> sua situaçãofundiária regularizada. Sendo assim, <strong>de</strong>ntro da sua poligonal ainda ocorr<strong>em</strong>ativida<strong>de</strong>s econômicas, <strong>de</strong>ntre elas a silvicultura <strong>de</strong> Pinus spp. Neste contexto,a análise das mudanças ocorridas no uso e cobertura do solo da unida<strong>de</strong><strong>de</strong> conservação através <strong>de</strong> Sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> Informação Geográfica po<strong>de</strong> ser umaimportante ferramenta para o seu planejamento e gestão. A área <strong>de</strong> estudose localiza nos municípios <strong>de</strong> Jaquirana, São Francisco <strong>de</strong> Paula e Cambarádo Sul. Utilizando imagens do satélite Landsat 5 TM (anos <strong>de</strong> 1984, 1997 e2009) e cartas do exército, foram vetorizados os usos do solo, hidrografia,curvas <strong>de</strong> nível e áreas <strong>de</strong> preservação permanente. Para análise foram estabelecidosquatro categorias <strong>de</strong> uso do solo: mata nativa, Pinus spp., campoe vegetação rasteira e água. Foi observada, na classe campo e vegetaçãorasteira, uma variação <strong>de</strong> -617,9 ha entre 1984 e 2009, o que significa umaperda média <strong>de</strong> área <strong>de</strong> 24,7 ha/ano. Na classe mata a mudança ocorridaentre 1984 e 2009 foi <strong>de</strong> -239,6 ha, representando perda média <strong>de</strong> 9,5 ha/ano. Na classe Pinus spp. foi observada uma expansão <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 60 vezesa sua área inicial, entre 1984 a 2009 (+805,9 ha), o que representa um acréscimomédio <strong>de</strong> 32,2 ha/ano. Por fim, consi<strong>de</strong>rando a legislação vigente, ocultivo <strong>de</strong> Pinus spp. no Parque Estadual do Tainhas é contraditório com aconservação da biodiversida<strong>de</strong> e manutenção da integrida<strong>de</strong> dos ecossiste-1 2Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) – Rua Assis Brasil, 842, Centro, SãoFrancisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil. CEP 95.400-000. Email: thiago.sv.anjos@gmail.com/iruribuffon@gmail.com95


mas locais, além <strong>de</strong> estar <strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com os conceitos <strong>de</strong> “conservaçãoda natureza”, “preservação”, e “proteção integral” estabelecidos pelo Sist<strong>em</strong>aNacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação, b<strong>em</strong> como com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> área<strong>de</strong> preservação permanente garantida pela Lei Fe<strong>de</strong>ral 4.771/65.Palavras-chaves: parque, uso da terra, silvicultura, geoprocessamentoAbstractTainhas State Park is a totally protected conservational unit, created in1975, in which we find less than 5% of its land tenure situation in regularconditions. Economic activities still occur within its area, among th<strong>em</strong> forestryPinus sp. In this context, the analysis of changes in land cover and useusing Geographic Information Syst<strong>em</strong> (GIS) can be an important tool forplanning and manag<strong>em</strong>ent. The research areas related to the present paperare located in the municipal districts of Jaquirana, São Francisco <strong>de</strong> Paulaand Cambará do Sul, in Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brazil. Soil use, hydrography, contourlines and permanent preservation areas have been vectorized, throughthe use of Landsat 5 TM satellite images (years 1984, 1997 and 2009)and some army maps. Four categories of soil use have been established foranalysis: native woods, Pinus sp, fields, bushes and water. In the field andbush classes, it was observed a variation of - 617.9 hectares, between 1984and 2009, which means an average of area loss of 24.7 hectares/year. In nativewood class, the variation, between 1984 and 2009, was -239.6 hectares,representing an average loss of 9.5 hectares/year. In Pinus sp class, it wasobserved an increase of more than 60 times the size of its initial area from1984 to 2009 (+805.9 hectares), representing an average increase of 32.2hectares/year. In conclusion, according to the current law, the cultivationof Pinus sp in Tainhas State Park se<strong>em</strong>s to be inconsistent with the conservationof biodiversity and the maintenance of the integrity of the localecosyst<strong>em</strong>s. It is also at odds with the concepts of "nature conservation","preservation" and "integral protection" established by the "National Syst<strong>em</strong>of Protected Areas", as well as with the <strong>de</strong>finition of permanent preservationarea, guaranteed by the Fe<strong>de</strong>ral Law 4.771/65.Key-words: park, soil use, forestry, GIS.1. IntroduçãoViv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> um mundo cada vez mais atento para as questões ambientais.Esta atenção faz com que a proteção <strong>de</strong> r<strong>em</strong>anescentes <strong>de</strong> áreas96


naturais seja t<strong>em</strong>a <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância, tanto quando se tenta isolar umaárea da “influência” dos seres humanos, tanto quando se preten<strong>de</strong> protegê-lacom a presença e a colaboração das pessoas. A legislação fe<strong>de</strong>ral cria áreascom esta finalida<strong>de</strong>, <strong>em</strong> nosso país, chamadas <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação(UC) (Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.985/00, Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação).O Parque Estadual do Tainhas, criado pelo DecretoEstadual nº 23.798 <strong>de</strong> 1975, é uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservaçãopertencente ao grupo <strong>de</strong> Proteção Integrale seu plano <strong>de</strong> manejo traz como justificativa parasua implantação:“Manter uma amostra representativa da paisag<strong>em</strong>típica dos campos <strong>de</strong> cima da serra, com sua faunaterrestre e aquática associada” (RIO GRANDE DOSUL, 2008).Além disso, o mesmo documento prevê a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> manutenção da qualida<strong>de</strong> das águas do rioTainhas. Outro objetivo proposto é o <strong>de</strong> que o parque:“Em conjunto com outros atrativos naturais <strong>de</strong>alto valor paisagístico da região, contribua para ofomento e a sustentação do turismo e da educaçãoambiental nos municípios on<strong>de</strong> se insere” (RIOGRANDE DO SUL, 2008).No entanto, apesar <strong>de</strong>ssas consi<strong>de</strong>rações, pessoas resi<strong>de</strong>m no interiordo Parque. Dentre as ativida<strong>de</strong>s econômicas mantidas na UC, para o sustentoda população resi<strong>de</strong>nte, a mais preocupante é a silvicultura, que sedá através do plantio <strong>em</strong> extensas áreas <strong>de</strong> Pinus elliotii Engelm, Pinus patulaSchelcht et Cham e Pinus taeda L., além dos seus híbridos.A silvicultura ocorre no interior da UC porque a regularização fundiáriado Parque, durante esses 36 anos <strong>de</strong> criação, ainda não foi efetivada. Suaimplantação começou a acontecer apenas <strong>em</strong> 2002, após a criação do ProjetoConservação da Mata Atlântica no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (PCMARS). Esteprojeto foi fruto <strong>de</strong> um convênio entre o Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul e oBanco Al<strong>em</strong>ão <strong>de</strong> Desenvolvimento (KFW, ou Entwicklunsbank). Na práticaforam investidos 10 milhões <strong>de</strong> euros pelo KFW a fundo perdido, visandoà proteção dos r<strong>em</strong>anescentes do bioma Mata Atlântica no Rio Gran<strong>de</strong> doSul. Somente <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2005 o Parque Estadual do Tainhas teve asua primeira gestora nomeada, e somente <strong>em</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2008, comouma das contrapartidas do Estado no PCMARS, e com recursos oriundos <strong>de</strong>97


medida compensatória, houve a primeira in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> proprietários nointerior da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação.Consi<strong>de</strong>rando a questão da análise da paisag<strong>em</strong>, há ferramentas computacionaispara o geoprocessamento, chamadas Sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> InformaçãoGeográfica (SIG), que são muito importantes na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões sobreprobl<strong>em</strong>as urbanos, rurais e ambientais, através <strong>de</strong> seu potencial <strong>de</strong> sanar acarência <strong>de</strong> informações a<strong>de</strong>quadas existente nestes t<strong>em</strong>as no Brasil, comtecnologias <strong>de</strong> custos relativamente baixos e <strong>de</strong> forma que o conhecimentoseja adquirido localmente (CÂMARA & DAVIS, 2002).Assim, a análise <strong>de</strong> como o uso e a cobertura do solo <strong>de</strong> uma área<strong>de</strong>stinada a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação mas nunca in<strong>de</strong>nizada se transformouao longo do t<strong>em</strong>po, po<strong>de</strong> ser utilizada para o planejamento da restauraçãoambiental <strong>de</strong>ssa área, b<strong>em</strong> como para prevenir novos impactos similares.2. ObjetivosEste estudo teve por objetivo analisar a dinâmica espaço-t<strong>em</strong>poral douso e cobertura do solo, com ênfase na expansão das áreas <strong>de</strong> Pinus spp.,na região <strong>de</strong>stinada ao Parque Estadual do Tainhas, entre 1984 e 2009.3. Material e métodos3.1. Área <strong>de</strong> estudoEste estudo foi produto <strong>de</strong> estágio realizado entre outubro <strong>de</strong> 2008 ejulho <strong>de</strong> 2009 no Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong>(GANECO), previsto pelo plano <strong>de</strong> manejo da Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong>Rota do Sol (RIO GRANDE DO SUL, 2009) e criado através <strong>de</strong> parceriaentre a Secretaria do Meio Ambiente do Estado (SEMA) e a Universida<strong>de</strong>Estadual do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UERGS).A área <strong>de</strong> estudo está inserida nos municípios <strong>de</strong> Jaquirana, SãoFrancisco <strong>de</strong> Paula, e Cambará do Sul, região nor<strong>de</strong>ste do estado do Riogran<strong>de</strong> do Sul, e fica entre as coor<strong>de</strong>nadas UTM 557400Em, 6773400Nme 564000Em, 6793300Nm na zona 22 J (retângulo envolvente: -28º 50’ 12”,-50º 20’ 34” e -29º 9’ 59’’, -50º 24’ 35”).O Parque Estadual do Tainhas possui uma área <strong>de</strong> aproximadamente6.654 hectares (ha). Quanto ao seu clima, este é Cfb, segundo a classificação<strong>de</strong> Köppen, com t<strong>em</strong>peratura média anual entre 14 Cº e 16 Cº. O Parquese localiza inteiramente no bioma Mata Atlântica. Os tipos vegetacionais98


e ambientes encontrados na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação são a Floresta OmbrófilaMista (ou Mata <strong>de</strong> Araucária), Estepe Gramíneo-Lenhosa e EstepeParque (campos <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>), banhados, turfeiras e afloramentos rochosos(RIO GRANDE DO SUL, 2008).3.2. Fontes <strong>de</strong> dados e programas utilizadosPara a realização <strong>de</strong>ste trabalho foram utilizadas as cartas do exércitoVárzea do Cedro MI 2955/1 e Jaquirana MI 2938/3, <strong>de</strong> escala 1:50.000, <strong>em</strong>formato Bitmap (bmp) e resolução visual <strong>de</strong> 300 dpi. O limite do Parque Estadualdo Tainhas foi obtido <strong>em</strong> arquivo vetorial (formato Shapefile, shp) noDatum Córrego Alegre, disponibilizadas pela Secretaria do Meio Ambientedo Estado (SEMA). As imagens <strong>de</strong> satélite utilizadas foram as da órbita 221ponto 80 do satélite LANDSAT 5 sensor Th<strong>em</strong>atic Mapper, formato Tiff, datadas<strong>de</strong> 11/06/1984, 01/07/1997 e 23/01/2009, do Instituto Nacional <strong>de</strong>Pesquisas Espaciais (INPE). No auxílio à classificação dos usos do solo foramutilizadas, além das saídas a campo para verificação in loco, a visualizaçãodas imagens do satélite SPOT 5 dos anos <strong>de</strong> 2002 e <strong>de</strong> 2008, disponibilizadospela SEMA.Para a criação do banco <strong>de</strong> dados e vetorização das classes <strong>de</strong> uso <strong>de</strong>solo da área <strong>de</strong> estudo foi utilizado o software CARTALINX (CLARKLABS, 1999).No georreferenciamento das cartas do exército e das imagens do satéliteLandsat 5 TM, foi utilizado o programa IDRISI ANDES (CLARKLABS, 2006). E naobtenção das áreas <strong>de</strong> preservação permanentes (APP) ripárias, para o bufferdos rios e arroios, foi utilizado o software Arcview GIS (ESRI, 1998).O georreferenciamento das imagens <strong>de</strong> satélite teve por base as cartasdo exército com a utilização <strong>de</strong> um número mínimo <strong>de</strong> 12 pontos <strong>de</strong>controle, distribuídos <strong>de</strong> forma regular na imag<strong>em</strong>. Após a plotag<strong>em</strong> dospontos <strong>de</strong> controle, foi utilizado o módulo RESAMPLE e a função linear <strong>de</strong>mapeamento e reamostrag<strong>em</strong> pelo método bilinear, do programa IDRISI.A resolução espacial das bandas espectrais <strong>de</strong> saída é <strong>de</strong> 30 metros, o erromédio quadrado (RMS) ficou inferior a 0,5 pixel e o Datum utilizado, CórregoAlegre, correspon<strong>de</strong>u ao da base cartográfica.Todas as imagens do satélite Landsat TM 5 passaram pelo processo <strong>de</strong>composição falsa cor. Elas tiveram as suas bandas analisadas <strong>em</strong> histogramas<strong>de</strong> distribuição espectral que serviram <strong>de</strong> base para o contraste atravésdo software IDRISI. Após o contraste foi realizada a fusão das bandas 3, 4 e 5.Neste módulo, foram criadas composições <strong>de</strong> todas as imagens, através <strong>de</strong>filtrag<strong>em</strong> RGB (Red, Green, Blue) utilizadas no trabalho, RGB 543 e RGB 453.Foram importadas para o software CARTALINX todas as cartas do exércitogeorreferenciadas que serviram como base (backdrops) no processo<strong>de</strong> vetorização. Através da vetorização, realizada no mesmo software, foram99


criados planos <strong>de</strong> informação correspon<strong>de</strong>ntes aos objetos geográficosencontrados nas cartas do exército, altimetria e hidrografia. As imagens dosatélite Landsat TM 5 serviram como base para a vetorização <strong>de</strong> usos dosolo do Parque.O software CARTALINX permitiu, além da vetorização, a criação <strong>de</strong> umbanco <strong>de</strong> dados alfa-numérico <strong>de</strong> qualificação dos objetos.Todos os arquivos vetoriais, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> revisados <strong>em</strong> relação aos seusatributos do banco <strong>de</strong> dados, foram exportados para o formato shapefile,padrão <strong>de</strong> todos os produtos finais do trabalho. Os arquivos raster (matriciais)<strong>de</strong>rivados dos dados vetoriais foram exportados para o formato GeoTiff.A partir do mo<strong>de</strong>lo numérico <strong>de</strong> terreno, foi gerado um mo<strong>de</strong>lo digital<strong>de</strong> elevação (MDE) no software IDRISI. As classes hipsómetricas foram geradasatravés <strong>de</strong> reclassificação dos valores do MDE, b<strong>em</strong> como as classes <strong>de</strong><strong>de</strong>clivida<strong>de</strong> que foram expressas <strong>em</strong> percentuais.3.3. Mapeamento dos usos <strong>de</strong> soloUsando como base as composições coloridas RGB 453 e 543, <strong>de</strong> todosos anos estudados, no software CARTALINX foi elaborada a vetorização dosusos <strong>de</strong> solo do Parque, on<strong>de</strong> foram estabelecidas as seguintes classes:a) Pinus spp. – Uso caracterizado pelo plantio <strong>de</strong> Pinus elliotii Engelm, Pinuspátula Schelcht et Cham e Pinus taeda L., apresentando limites geralmente<strong>em</strong> linhas retas, sendo possível observar <strong>em</strong> seu interior as estradasutilizadas para a r<strong>em</strong>oção da ma<strong>de</strong>ira.b) Mata nativa – Floresta ombrófila mista <strong>de</strong> diversos estágios sucessionais.c) Água – Leito do rio Tainhas e pequenos corpos hídricos como açu<strong>de</strong>s.d) Campo e vegetação rasteira – Classe <strong>de</strong> uso mais genérica que representaa matriz da paisag<strong>em</strong>, formada pelos campos nativos (savana ou estepegramíneo-lenhosa), áreas <strong>de</strong>smatadas, pastagens, vegetação arbustivarasteira. Devido à baixa resolução espacial das imagens, os banhados eturfeiras se inclu<strong>em</strong> nessa categoria.A classe <strong>de</strong> uso do “solo agricultura” não foi incluída no estudo <strong>de</strong>vidoà limitação <strong>de</strong> resolução espacial e por apresentar menos <strong>de</strong> 1% (0,58%) daárea do Parque, segundo seu plano <strong>de</strong> manejo (RIO GRANDE DO SUL, 2008).4. Resultados e discussãoA dinâmica do uso e cobertura <strong>de</strong> solo do Parque Estadual do Tainhas,<strong>em</strong> hectares, dos anos <strong>de</strong> 1984, 1997 e <strong>de</strong> 2009, esta representada na Tabela17. Visualmente a mesma evolução é apresentada na Figura 13, Figura 14e Figura 15.100


Tabela 17: Dinâmica do us Figura 13: Mapa <strong>de</strong> uso e cobertura do solo do Parque Estadual do Tainhas, 19841984 – 1997 1997 - 2009 1984 – 2009Alteração da área (ha)Alteração média anual (ha)Alteração da área (ha)Alteração média anual (ha)Alteração da área (ha)Alteração média anual (ha)Pinus + 236,2 + 18,16 + 569,7 + 47,4 + 805,9 + 32,2Campo e vegetaçãorasteira-59,1 - 4,5 - 558,9 - 46,5 - 617,9 - 24,7Mata nativa - 191,9 - 14,6 - 47,7 - 3,7 - 239,6 - 19,9Figura 13: Mapa <strong>de</strong> uso e cobertura do solo do Parque Estadual do Tainhas, 1984101


102Figura 14: Mapa <strong>de</strong> uso e cobertura do solo do Parque Estadual do Tainhas, 1997.


Figura 15: Mapa <strong>de</strong> uso e cobertura do solo do Parque Estadual do Tainhas, 2009103


Como po<strong>de</strong> ser observado na Tabela 17, <strong>de</strong>ntro do período analisadoa matriz da paisag<strong>em</strong> (classe d, campo e vegetação rasteira) sofreu umamudança <strong>de</strong> sua área <strong>de</strong> 5.259,1 ha <strong>em</strong> 1984 para 4.641,1 ha <strong>em</strong> 2009, umaredução <strong>de</strong> 618 ha (9,29%) que representa uma média anual <strong>de</strong> redução <strong>de</strong>campo <strong>de</strong> 24,7 ha. De 1984 a 1997, a média anual <strong>de</strong> redução <strong>de</strong>sta classefoi <strong>de</strong> 4,5 ha, através da alteração da área <strong>de</strong> campo <strong>de</strong> 5.259,1 ha para5.199,9 ha, reduzindo 59,1 ha (0,89%). Enquanto que, <strong>de</strong> 1997 para 2009,a redução foi bastante brusca, diminuindo <strong>de</strong> 5.199,9 ha para 4.641.1 ha,o que representa uma perda <strong>de</strong> 274,4 ha (8,4%) e uma diminuição médiaanual <strong>de</strong> 46,5 ha. Essas variações na área <strong>de</strong> campo ocorreram principalmente<strong>de</strong>vido ao aumento das áreas <strong>de</strong> Pinus spp.A transformação ocorrida na classe <strong>de</strong> segunda maior presença, b(mata nativa), <strong>de</strong> 1984 a 2009, foi <strong>de</strong> 1.198,9 ha para 959,3 ha, o que representauma redução <strong>de</strong> 239,67 ha (3,6%), com uma perda anual média<strong>de</strong> 19,9 ha. Entre 1984 e 1997 houve uma diminuição <strong>de</strong> 1.198,9 ha para1.007,0 ha, representando diferença <strong>de</strong> 191,9 ha (2,89%). Entre 1997 e 2009a perda <strong>de</strong> área <strong>de</strong>sta classe foi <strong>de</strong> 3,7 ha (0,71%). Uma ínfima parte <strong>de</strong>ssaalteração ocorre por conta do aumento do nível do rio Tainhas durante operíodo e pela criação <strong>de</strong> açu<strong>de</strong>s. Dentro <strong>de</strong>ssa diferença também se encontramalguns <strong>de</strong>smatamentos (perceptíveis nas Figuras 13 a 15, na partenorte do Parque), mas o crescimento do cultivo <strong>de</strong> Pinus spp. é o principalfator <strong>de</strong>ssa alteração.A mudança ocorrida na classe Pinus spp. foi uma expansão <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>60 vezes a sua área entre 1984 e 2009, <strong>de</strong> 13,5 para 819,4 hectares, o querepresenta um aumento <strong>de</strong> área <strong>de</strong> 805,9 ha. O incr<strong>em</strong>ento anual médio foi<strong>de</strong> 32,2 ha. Os 13,5 ha <strong>de</strong> 1984 passaram a ser 249,7 ha <strong>em</strong> 1997, um acréscimo<strong>de</strong> 236,2 ha (3,55% da área do Parque, com aumento anual médio 18,1ha). Entre 1997 e 2009 esta classe mais do que triplicou sua área, passando<strong>de</strong> 249,7 ha para 819,4 ha, um aumento <strong>de</strong> 569,6 ha (8,56%). Isto representaum incr<strong>em</strong>ento anual médio <strong>de</strong> 47,4 ha. A expansão ocorreu principalmentesobre a classe d (campo e vegetação rasteira), mas também <strong>em</strong>pequena parte sobre a classe b (mata nativa). Na região su<strong>de</strong>ste da unida<strong>de</strong><strong>de</strong> conservação esta evolução aconteceu <strong>de</strong> forma massiva e homogênea,<strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>presa <strong>de</strong> celulose, no município <strong>de</strong> Cambará doSul (responsável por 478 dos 819,4 hectares <strong>de</strong> Pinus observados <strong>de</strong>ntro doParque <strong>em</strong> 2009). O restante está distribuído pela unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação<strong>em</strong> manchas menores, como po<strong>de</strong> ser observado nas Figuras 13 a 15.As variações ocorridas na classe c (água) são causadas principalmentepor alterações na vazão do rio Tainhas.104


As transformações ocorridas na paisag<strong>em</strong> do Parque Estadual do Tainhas,apresentam dois probl<strong>em</strong>as principais. O primeiro é a gran<strong>de</strong> velocida<strong>de</strong>da expansão das áreas <strong>de</strong> Pinus spp. (32,2 ha/ano). Nesta proporção<strong>de</strong> transformação da cobertura do solo <strong>de</strong>ntro da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação,há o risco <strong>de</strong>, num futuro não muito distante, a paisag<strong>em</strong> do Parque se tornaruma matriz <strong>de</strong> Pinus spp. com fragmentos <strong>de</strong> paisag<strong>em</strong> natural.Esta perda das paisagens naturais do Parque Estadual do Tainhas,segundo o seu plano <strong>de</strong> manejo (RIO GRANDE DO SUL, 2008), provocaalterações negativas na vazão dos lençóis freáticos e no ecossist<strong>em</strong>a, eliminandoo hábitat <strong>de</strong> diversas espécies da fauna e flora. Além disso, fragmentaas áreas naturais e impe<strong>de</strong> o fluxo gênico das populações, principalmenteno que tange à dispersão <strong>de</strong> indivíduos e propágulos (RIOGRANDE DO SUL, op. Cit.).O segundo probl<strong>em</strong>a é o fato <strong>de</strong>sta expansão estar ocorrendo sobreáreas <strong>de</strong> Estepe Gramíneo-lenhosa (campos <strong>de</strong> altitu<strong>de</strong>). Segundo ZILLER& GALVÃO (2001, p. 45) a diss<strong>em</strong>inação <strong>de</strong> Pinus spp. <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> EstepeGramíneo-lenhosa implica:“A perda <strong>de</strong> biodiversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um ecossist<strong>em</strong>a sobre o qual não háinformação científica suficiente para levar a ações satisfatórias <strong>de</strong> restauraçãoambiental, tomando por princípio que as mesmas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> buscar arestituição <strong>de</strong> processos ecológicos naturais.”A preocupação dos referidos autores <strong>em</strong> relação aos campos é corroboradapor CARVALHO (2006). Ele aponta que, juntamente com os florestamentosda silvicultura, a expansão das áreas <strong>de</strong> cultivo <strong>de</strong> soja, o plantio <strong>de</strong>pastagens e o excesso <strong>de</strong> lotação das pastagens naturais são responsáveispela redução dos Campos Sulinos, tendo <strong>em</strong> vista que, <strong>em</strong> 1970, estes somavam14.078 milhões <strong>de</strong> hectares e, <strong>em</strong> 1996, passaram para 10.524 milhões<strong>de</strong> hectares. Atualmente a sua superfície estimada é <strong>de</strong> nove milhões<strong>de</strong> hectares, segundo Carvalho (op. Cit.).Outros passivos ambientais causados pelo cultivo <strong>de</strong> Pinus spp. são:o uso <strong>de</strong> fertilizantes e agrotóxicos (principalmente nos primeiros anos <strong>de</strong>cultivo para evitar as perdas causadas por formigas) que po<strong>de</strong>m causar acontaminação dos lençóis freáticos e do solo. Segundo POGGIANI (1996, p.33) isto po<strong>de</strong> eliminar formas <strong>de</strong> vida existentes e causar verda<strong>de</strong>iros <strong>de</strong>sastresecológicos. A compactação do solo ocasionada pela utilização <strong>de</strong> máquinaspesadas durante a colheita, diminui a sua porosida<strong>de</strong>, dificultandoa infiltração da água e a disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oxigênio para as raízes e para abiota. Além disso, após o corte raso, ocorre forte redução no processo <strong>de</strong>evapotranspiração, modificando o regime hídrico da microbacia (POGGIA-105


NI, op. Cit). Ainda segundo este autor, o nível do lençol freático aumenta,causando acréscimos no escoamento superficial, alterando o <strong>de</strong>flúvio dosrios e prejudicando a qualida<strong>de</strong> das águas.Consi<strong>de</strong>rando as curvas <strong>de</strong> nível e a hidrografia das cartas do exércitoda região estudada, as APP do Parque do Tainhas somam, entre ripáriase <strong>de</strong>clivosas, 1.003,7 ha. Destas, 991,3 ha são APP ripária e 12,4 ha por<strong>de</strong>clivida<strong>de</strong>.Dos 819 ha <strong>de</strong> Pinus spp. presentes na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>em</strong>2009, aproximadamente 61 ha encontravam-se <strong>em</strong> APP. Destes, 55,8 ha encontravam-s<strong>em</strong>argeando corpos hídricos, enquanto 5,4 ha eram plantiosou dispersão natural <strong>em</strong> locais com <strong>de</strong>clivida<strong>de</strong> superior a 45º.5. Consi<strong>de</strong>rações finaisEntre 1984 e 2009 a área <strong>de</strong> cultivo <strong>de</strong> Pinus spp. no interior do ParqueEstadual do Tainhas aumentou mais <strong>de</strong> 18 vezes. Atualmente, a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>conservação conta com 819,4 ha <strong>de</strong> Pinus spp. <strong>em</strong> seu interior. A taxa média<strong>de</strong> crescimento anual <strong>de</strong> silvicultura no interior do Parque, <strong>em</strong> vinte e cincoanos, foi <strong>de</strong> 32,2 ha/ano. Isto inclui plantios <strong>em</strong> APP.A falta <strong>de</strong> regularização fundiária da área <strong>de</strong>stinada à unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação,criada <strong>em</strong> 1975 e hoje com menos <strong>de</strong> 5% dos proprietários in<strong>de</strong>nizados,é o principal fator por trás <strong>de</strong>sta falta <strong>de</strong> controle do Estado sobreo território do Parque. O cultivo <strong>de</strong> Pinus na unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação é contraditóriocom o seu objetivo <strong>de</strong> proteção da biodiversida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> estar<strong>em</strong> <strong>de</strong>sacordo com as normas e diretrizes estabelecidas pelo Sist<strong>em</strong>a Nacional<strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (Lei Fe<strong>de</strong>ral, 9.9885/00). Entretanto, setorna bastante limitada a ação dos gestores quanto a este probl<strong>em</strong>a, umavez que a aquisição <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos estaduais que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> serprevistos <strong>em</strong> orçamento, o que não t<strong>em</strong> sido feito historicamente. A únicaproprieda<strong>de</strong> até o presente adquirida foi comprada com recursos <strong>de</strong> medidascompensatórias oriundas da construção <strong>de</strong> barragens. Isso nos leva aseguinte indagação: até que ponto vale a pena criar inúmeras unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>conservação no papel, s<strong>em</strong> que elas façam parte <strong>de</strong> uma política estadual<strong>de</strong> gestão ambiental? S<strong>em</strong> que na prática, estas áreas possam cumprir a suafunção <strong>de</strong> proteção da biodiversida<strong>de</strong>?A metodologia utilizada na realização <strong>de</strong>ste trabalho se mostrou eficaz,po<strong>de</strong>ndo, entretanto, ser melhorada, principalmente através da utilização<strong>de</strong> imagens <strong>de</strong> satélite com maior resolução espacial.106


6. Referencias bibliográficasCÂMARA, G.; DAVIS, C.; MONTEIRO, A.M.V. 2001. Introdução à ciência da geoinformação.São José dos Campos. INPE. 345 p.CARVALHO, P.C.F; BATELLO, C. 2009. Access to land, livestock production and ecosyst<strong>em</strong>conservation in the Brazilian Campos biome: the natural grasslands dil<strong>em</strong>ma. LivestocScience Vol. 120 (1): 158-162.CLARK LABS. 1999. CARTALINX: the spatial data buil<strong>de</strong>r. Versão 1.2.CLARK LABS. 2006. Idrisi: The An<strong>de</strong>s Edition. Versão 15.00.ESRI. 1998. ArcView GIS. Versão 3.1.POGGIANI, F. 1996. Monitoramento ambiental <strong>de</strong> plantações florestais e áreas naturais adjacentes.Série Técnica IPEF Vol.10 (29): 22-35.RIO GRANDE DO SUL, 2008. Portaria SEMA Nº 093 <strong>de</strong> 26 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2008. Aprova oPlano <strong>de</strong> Manejo do Parque Estadual do Tainhas.RIO GRANDE DO SUL, 2009. Portaria SEMA Nº 022 <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2009. Aprova o Plano<strong>de</strong> Manejo da Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Rota do Sol.ZILLER S. R.; GALVÃO, F. 2001. A <strong>de</strong>gradação da estepe gramíneo-lenhosa no Paraná porcontaminação biológica <strong>de</strong> Pinus elliottii e Pinus taeda. Floresta Vol. 32 (1): 41-48107


CAPÍTULO 7:SUGESTÕES PARA A DESTINAÇÃO DO LIXO E OTRATAMENTO DE EFLUENTES SANITÁRIOS DAVILA UNIDOS, CAMBARÁ DO SUL, A PARTIR DAPERCEPÇÃO DOS SEUS MORADORESSUGGESTIONS FOR TRASH DESTINATION AND SANITARYWASTE TREATMENT FROM THE VILA UNIDOS, CAMBARÁDO SUL, RIO GRANDE DO SUL, BRAZIL, ACCORDING TOITS LOCAL PEOPLE PERCEPTIONElizabete MENGER DE OLIVEIRA 1 & Daniel Vilasboas SLOMP 2ResumoO presente trabalho realizado junto a Reflorestadores Unidos S.A situadano município <strong>de</strong> Cambará do Sul, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, on<strong>de</strong> esta localizadauma vila <strong>de</strong> colaboradores da <strong>em</strong>presa. Até o presente momento nãoexiste nenhum tipo <strong>de</strong> re<strong>de</strong> coletora e tratamento para os resíduos líquidosgerados nas 142 residências, on<strong>de</strong> diariamente circulam aproximadamente750 pessoas e por se tratar <strong>de</strong> uma área situada <strong>de</strong>ntro da zona <strong>de</strong> amortecimentodo Parque Estadual do Tainhas e no entorno <strong>de</strong> dois Parques Nacionaise uma Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong>, requer um cuidado ainda maiorda parte dos moradores, <strong>em</strong>presa e prefeitura municipal, a fim <strong>de</strong> evitar poluiçãoambiental na região. Foi realizada uma pesquisa com ao menos ummorador por residência coletando dados que afetam a saú<strong>de</strong>, b<strong>em</strong> estarda população, ativida<strong>de</strong>s sociais e econômicas, biota, condições estéticase sanitárias do meio ambiente e a qualida<strong>de</strong> dos recursos ambientais. Sendoassim, são propostas tecnologias apropriadas <strong>de</strong> saneamento básicoscabíveis a região, e <strong>de</strong> acordo com a realida<strong>de</strong> da comunida<strong>de</strong> ali presente.Palavras-chave: saneamento básico, tecnologia, sustentabilida<strong>de</strong>.1Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) - Rua Assis Brasil, 842, Centro,São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP 95.400.00.e-mail: betynhaoliveira@hotmail.com2Parque Estadual do Tainhas, Secretaria do Meio Ambiente do Estado (SEMA) – Rua Henrique Lopes da Fonseca, 36,Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP 95.400.00. e-mail: daniel-slomp@s<strong>em</strong>a.rs.gov.br109


AbstractThe present article is the result of a work carried out with ReflorestadoresUnidos S.A. (Reforestation United SA), located in the municipal districtof Cambará do Sul, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brazil, where there is also locateda village of the company’s <strong>em</strong>ployees. Until now, there is not any type ofliquid waste collection network and treatment for whatever sediments generatedin the 142 houses, where there live around 750 people. Furthermore,because it is an area within the damping area limits of the Tainhas StatePark, and it is close two National Parks, and an Environmental ProtectionArea, it requires special care from municipal public authorities, from thecompany itself and from the local people in or<strong>de</strong>r to prevent pollution inthe region. A survey has been carried on with at least one area resi<strong>de</strong>nt perhousehold collecting data that affects the population health, well-being,social and economic activities, biota, concern aesthetic and sanitary conditionsof the environment, and the quality of environmental resources. As aresult, the final report proposes appropriate technology of basic sanitationthat can be used in the region, and that might be in accordance with thereality of the community who lives there.Key words: Basic sanitation, technology, sustainability.1. IntroduçãoO presente trabalho é fruto <strong>de</strong> uma parceria entre a Universida<strong>de</strong> Estadualdo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UERGS), a Secretaria do Meio Ambiente doEstado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (SEMA) e a <strong>em</strong>presa Reflorestadores UnidosS.A, através do Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong>(GANECO).A Vila Unidos pertence a <strong>em</strong>presa Reflorestadores Unidos S.A, compreen<strong>de</strong>ndouma área <strong>de</strong> 20 hectares, que compõe parte da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>nominadaFazenda Espírito Santo, a 5 km ao norte da localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tainhas,São Francisco <strong>de</strong> Paula. A <strong>em</strong>presa atua no ramo da silvicultura, principalmente<strong>de</strong> Pinus taeda, visando à industrialização <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iras <strong>em</strong> toras ebeneficiadas, <strong>de</strong>stinadas aos mercados da construção civil, mobiliário, <strong>em</strong>balagense ma<strong>de</strong>iramento interno. A <strong>em</strong>presa t<strong>em</strong> gran<strong>de</strong> relevância socialpara o município <strong>de</strong> Cambará do Sul, por ser responsável por 22% do PIBmunicipal, além <strong>de</strong> 260 <strong>em</strong>pregos diretos e cerca <strong>de</strong> 150 indiretos.A Vila Unidos, composta por 150 casas, está situada <strong>de</strong>ntro da zona <strong>de</strong>amortecimento do Parque Estadual do Tainhas (PE Tainhas) e no entorno110


dos Parques Nacionais <strong>de</strong> Aparados da Serra e da Serra Geral, b<strong>em</strong> como daÁrea <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rota do Sol. Como não há nenhumtipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinação e tratamento correto para o esgota da vila, os <strong>de</strong>jetosafetam as águas das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação próximas. Tais efluentes entram<strong>em</strong> contato direto com as águas dos arroios Fogaça e Baio Branco, porex<strong>em</strong>plo, que <strong>de</strong>ságuam no rio Tainhas, a montante do PE Tainhas.Entre os organismos relacionados ao rio Tainhas e seus tributários estãoimportantes espécies ameaçadas <strong>de</strong> extinção e com características únicas,como o feltro-d’água (Oncosclera jewelli Volkmer 1963), uma esponja <strong>de</strong>água doce endêmica da região da sub-bacia do rio Tainhas, cujo gêneroteve orig<strong>em</strong> no Mioceno (há 23 milhões <strong>de</strong> anos atrás), conferindo gran<strong>de</strong>importância paleontológica à espécie. O cágado-rajado (Phrynops williamsiWermuth & Mertens, 1961), única espécies <strong>de</strong> testudines na região dos Campos<strong>de</strong> Cima da Serra, também vive nas águas do Rio e é uma espécie protegida<strong>de</strong>ntro do PE do Tainhas. Outros ex<strong>em</strong>plos são os crustáceos do gêneroAegla, endêmicos da região Neotropical e a lontra (Lontra longicaudis Olfers1818), carnívoro aquático ameaçado no Estado (FONTANA et al., 2003; RIOGRANDE DO SUL, 2008).Como se sabe, os resíduos domésticos e industriais s<strong>em</strong> tratamentopo<strong>de</strong>m causar poluição do solo e dos corpos d’água, afetando a saú<strong>de</strong> dapopulação e causando danos a biodiversida<strong>de</strong>.2. ObjetivosO principal objetivo <strong>de</strong>ste projeto foi elaborar um diagnóstico sócio--ambiental sobre o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> efluentes sanitários na vila<strong>de</strong> moradores da Empresa Unidos, no município <strong>de</strong> Cambará do Sul, RioGran<strong>de</strong> do Sul e propor melhorias.3. Métodos3.1. Área <strong>de</strong> estudoA <strong>em</strong>presa Reflorestadores Unidos S.A. possui uma área <strong>de</strong> aproximadamente10.704,06 ha, que abrange os municípios <strong>de</strong> Cambará do Sul eSão Francisco <strong>de</strong> Paula estando próxima às rodovias RS 020 e Rota do Sol(RS 453). Foi fundada <strong>em</strong> 30 <strong>de</strong> Abril <strong>de</strong> 1968, pelo Sr. Armando Val<strong>de</strong>mar<strong>de</strong> Zorzi. Logo após a fundação foram construídas cerca <strong>de</strong> 400 residênciaspara moradia dos seus funcionários. Com o passar dos anos, o número <strong>de</strong>111


casas foi diminuindo, algumas foram reformadas e outras <strong>de</strong>smanchadas,restando atualmente 142 casas com 487 moradores. A <strong>em</strong>presa conta com260 funcionários distribuídos nos turnos diurno e noturno.A escola municipal t<strong>em</strong> 150 alunos e 10 professores e funcionários, totalizandoentre, moradores, funcionários da <strong>em</strong>presa, funcionários terceirizados,funcionário municipais, cerca <strong>de</strong> 750 pessoas que circulam pela viladurante o dia.A classificação fitoecológica da região é Estepe Gramíneo-lenhosa(campos <strong>de</strong> planalto), com trechos <strong>de</strong> Floresta Ombrófila Mista Montana(Floresta com Araucária), especialmente junto às calhas dos rios e capões<strong>de</strong> mata, o que caracteriza a paisag<strong>em</strong> comum nos Campos <strong>de</strong> Cima daSerra (BRASIL, 1986; 2004). O relevo típico é <strong>de</strong> colina <strong>em</strong> transição comrelevos residuais tabulares, no vale do rio Tainhas. As altitu<strong>de</strong>s variam <strong>de</strong>740 e 990 metros.A t<strong>em</strong>peratura média anual oscila entre 14,4ºC e 16,8 ºC, com mínimaabsoluta <strong>de</strong> -5ºC e -9ºC. É comum a repentina formação <strong>de</strong> nevoeiro <strong>em</strong><strong>de</strong>corrência da con<strong>de</strong>nsação <strong>de</strong> massas <strong>de</strong> ar úmido que sopram <strong>de</strong> oceano,po<strong>de</strong>ndo ocorrer a formação <strong>de</strong> geada e neve no inverno (GERHARDTet al., 2000; BACKES et al., 2005).3.2. Roteiro S<strong>em</strong>i-estruturadoApós o levantamento das informações primárias, tais como: área davila, área da <strong>em</strong>presa, conhecimento do funcionamento da <strong>em</strong>presa, foielaborado um roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado para orientar a realização <strong>de</strong> entrevistasjunto aos moradores.O roteiro era composto por 19 questões assim distribuídas: 14 fechadase 5 abertas.As saídas <strong>de</strong> campo para as entrevistas foram <strong>de</strong>senvolvidas ao longo<strong>de</strong> um mês, abordando os entrevistados <strong>em</strong> suas residências. As entrevistasforam realizadas <strong>em</strong> diferentes dias e horários (manhã, tar<strong>de</strong>, vespertino, diaútil, fim <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana) com o intuito <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plar os mais variados perfis.Somente um representante <strong>de</strong> cada família foi entrevistado.Os dados foram organizados e tabulados no programa Excel, transformados<strong>em</strong> gráficos e analisados.3.3. Coleta <strong>de</strong> água para análiseNo dia 08 <strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2010 foram feitas coletas <strong>de</strong> amostras <strong>de</strong>água para análise <strong>em</strong> dois pontos, um no percurso do arroio Fogaça e umno rio Tainhas, são eles:112


Ponto 1: Situado na foz do arroio Fogaça, a montante do PE Tainhas, aaproximadamente 500 metros do rio Tainhas, após o ponto <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo dosefluentes sanitários da vila e a área <strong>de</strong> plantio <strong>de</strong> Pinus spp. da <strong>em</strong>presa(que estão <strong>em</strong> área <strong>de</strong> preservação permanente).Ponto 2: Situado <strong>de</strong>ntro do Parque Estadual do Tainhas, junto ao Passodo S, o principal atrativo turístico do Parque.As amostras <strong>de</strong> água foram coletadas e analisadas pela CompanhiaRiogran<strong>de</strong>nse <strong>de</strong> Saneamento - CORSAN.4. Resultados e discussão4.1. EntrevistasForam entrevistadas 142 pessoas, das quais 59% eram mulheres, comida<strong>de</strong> entre 36 e 50 anos, morando no local há cerca <strong>de</strong> 25 anos. A maioriadas residências são alugadas aos funcionários da Empresa por um valorsimbólico <strong>de</strong> R$ 1,00. Apenas 3% <strong>de</strong>las são casas para diretoria ou para ofuncionamento <strong>de</strong> escritórios da <strong>em</strong>presa.A renda média <strong>de</strong> renda dos moradores é entre um e dois saláriosmínimos (53,3% dos entrevistados), o que corrobora os dados obtidossobre a renda da população do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul pelo IBGE(BRASIL, 2008).Quanto à coleta <strong>de</strong> lixo, todos os entrevistados <strong>de</strong>clararam contar comeste serviço. O lixo, <strong>em</strong>bora separado por 45% dos moradores, é recolhidopor um único caminhão, uma vez por s<strong>em</strong>ana, no qual é compactado, sejaele orgânico, seco ou contaminado.Os moradores reclamam da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma coleta mais assídua(mais <strong>de</strong> uma vez por s<strong>em</strong>ana), e que não adianta eles separar<strong>em</strong> o lixo <strong>em</strong>suas casas e <strong>de</strong>pois o caminhão misturar todo o material novamente.A <strong>em</strong>presa <strong>de</strong>clarou preocupação com a coleta seletiva <strong>de</strong> lixo e afirmouque manteria, durante todo o período <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, um programa<strong>de</strong> coleta seletiva <strong>de</strong> lixo.De fato foram encontradas, pelas ruas da vila, placas indicativas sobrea necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> separação do lixo. Conforme relatado pelos moradores, a<strong>em</strong>presa realizou uma campanha <strong>de</strong> conscientização, porém com o passardos meses, e com o caminhão misturando todo o lixo novamente, a populaçãolocal <strong>de</strong>sistiu da separação.Dos 64 entrevistados que <strong>de</strong>clararam fazer a separação do lixo, 15% realizama compostag<strong>em</strong> do lixo orgânico ou separam o lixo para catadores,enquanto os 85% restantes separam o lixo <strong>em</strong> sacolas plásticas, mas colocampara ser recolhido pelo caminhão da Prefeitura.113


A vila é abastecida com água proveniente <strong>de</strong> poço artesiano. A água écoletada e armazenada numa gran<strong>de</strong> caixa d’água que é limpa uma vez porano e possui um dosador mecânico para cloro. Nenhum dos entrevistadosfaz algum tipo <strong>de</strong> tratamento doméstico como filtrag<strong>em</strong> ou fervura antes<strong>de</strong> consumir a água. Ao ser<strong>em</strong> questionados sobre a qualida<strong>de</strong> da água,mais <strong>de</strong> 80% <strong>de</strong>clararam que consi<strong>de</strong>ram a água boa a excelente e apenas0,7 % a consi<strong>de</strong>ram péssima. Nos dias <strong>de</strong> muita chuva, segundo os entrevistados,a água ten<strong>de</strong> a vir com uma coloração amarelada e com gosto <strong>de</strong>terra. Nas análises feitas pela <strong>em</strong>presa, nunca foram encontradas alteraçõesna sua composição. A <strong>em</strong>presa acredita que a coloração amarelada da águavenha <strong>de</strong> canos quebrados ou enferrujados.Apenas 16 moradores entrevistados disseram já ter tido algum tipo <strong>de</strong>doença na família relacionado a má qualida<strong>de</strong> da água, tais como: viroses,vermes, manchas na pele e diarréia. Destes males, a diarréia foi i<strong>de</strong>ntificadacomo a doença que atinge os moraodres com maior frequência. Nãohouve muitos casos relatados <strong>de</strong> doenças ligadas a falta <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong>esgoto. Apenas dois entrevistados relataram ter tido doença respiratória<strong>de</strong>vido ao mau cheiro e doença <strong>de</strong> pele, como micose, vindo dos resíduosque corr<strong>em</strong> a céu aberto.Quando questionadas sobre a existência <strong>de</strong> esgoto canalizado, 66,3%respon<strong>de</strong>ram não possuir este serviço. Os que o possu<strong>em</strong>, <strong>em</strong> geral, nãosab<strong>em</strong> qual é a sua <strong>de</strong>stinação final. Os entrevistados confirmaram que <strong>em</strong>todas as residências há fossa séptica para os banheiros, mas 49% das residênciastêm o esgoto que sai das pias e tanques, correndo a céu aberto.Isto po<strong>de</strong> trazer modificações ambientais propícias à existência <strong>de</strong> vetores<strong>de</strong> doenças, tais como roedores e artrópo<strong>de</strong>s.Além dos riscos à saú<strong>de</strong> humana, há os possíveis impactos ao ambientee aos cursos d`água ali presentes, tais como o rio Tainhas e seus afluentes,b<strong>em</strong> como aos aqüíferos ali presentes, os quais estão recebendo relevantecarga <strong>de</strong> efluentes contaminados, o que inclui resíduos <strong>de</strong> banheirosdomésticos, água <strong>de</strong> lavag<strong>em</strong> <strong>de</strong> roupas com sabão, saneantes diversosutilizados na limpeza <strong>de</strong> louças, entre outros, que po<strong>de</strong>m causar a morteimediata dos animais aquáticos ou se acumular nas ca<strong>de</strong>ias tróficas.Segundo PHILIPPI et al. (2005, p 53):114“[...] De acordo com dados <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2003, cerca<strong>de</strong> 8,5% da população brasileira não é abastecida<strong>de</strong> água tratada; cerca <strong>de</strong> um quarto dos domicíliosbrasileiros não t<strong>em</strong> acesso à coleta <strong>de</strong> esgoto n<strong>em</strong>a fossas a<strong>de</strong>quadas; a maior parte <strong>de</strong>sses domicí-


lios (81%) abriga famílias <strong>de</strong> renda igual ou inferiora cinco salários mínimos. Ou seja, falta <strong>de</strong> saneamentojustamente entre os moradores <strong>de</strong> municípiospequenos – aqueles que menos interessam aosinvestidores privados – caso o governo vença outroprobl<strong>em</strong>a: a inexistência <strong>de</strong> regras claras para investimentosprivados no setor, o tal marco regulatório”.Quando questionados sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter uma re<strong>de</strong> e estação<strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> esgoto na vila, 95 % da população acreditam sernecessário este tipo <strong>de</strong> serviço, nosso que <strong>de</strong>monstra como a comunida<strong>de</strong>esta perturbada pla falta ou precarização das condições <strong>de</strong> saneamentobásico do local.Os moradores apresentaram alguma resistência e dúvidas <strong>em</strong> respon<strong>de</strong>rsobre qu<strong>em</strong> seria o responsável financeiro pela implantação e manutenção<strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> esgotos na Vila Unidos. Muitosacreditam que este é um <strong>de</strong>ver do governo, por isso citaram a PrefeituraMunicipal <strong>de</strong> Cambará do Sul como principal responsável, mas ao mesmot<strong>em</strong>po afrimam que, por se tratar <strong>de</strong> uma vila particular, o <strong>em</strong>presa também<strong>de</strong>veria ser responsabilizada. Sobre a sua disponibilida<strong>de</strong> <strong>em</strong> efetuarpagamento pelo serviço, caso necessário, 69% respon<strong>de</strong>ram que estariamdispostos a pagar.É importante ressaltar que há mecanismos legais que prevê<strong>em</strong> e estipulamos direitos dos cidadãos na questão da qualida<strong>de</strong> ambiental. Porex<strong>em</strong>plo, a Lei Estadual 11.520/00, que institui o Código Estadual do MeioAmbiente do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, dispõe, no seu Capitulo I, Da Água e doSaneamento, <strong>de</strong>dica alguns artigos a proteção da água, tais como:Art. 120: As águas, consi<strong>de</strong>radas nas diversas fasesdo ciclo hidrológico, constitu<strong>em</strong> um b<strong>em</strong> naturalindispensável à vida e às ativida<strong>de</strong>s humanas, dotado<strong>de</strong> valor econômico <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua limitadae aleatória disponibilida<strong>de</strong> t<strong>em</strong>poral e espacial, eque, enquanto b<strong>em</strong> público <strong>de</strong> domínio do Estado,<strong>de</strong>ve ser por este gerido, <strong>em</strong> nome <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>,tendo <strong>em</strong> vista seu uso racional sustentável.Art. 129: Nenhum <strong>de</strong>scarte <strong>de</strong> resíduo po<strong>de</strong>rá conferirao corpo receptor características capazes <strong>de</strong>causar efeitos letais ou alteração <strong>de</strong> comportamento,reprodução ou fisiologia da vida.115


Art. 132: É proibida a disposição direta <strong>de</strong> poluentese resíduos <strong>de</strong> qualquer natureza <strong>em</strong> condições<strong>de</strong> contato direto com corpos d'água naturais superficiaisou subterrâneas, <strong>em</strong> regiões <strong>de</strong> nascentesou <strong>em</strong> poços e perfurações ativas ou abandonadas,mesmo secas.Art. 137: Todos os esgotos <strong>de</strong>verão ser tratados previamentequando lançados no meio ambiente.Portanto, mesmo s<strong>em</strong> conhecimento exato da legislação, a populaçãoapresenta consciência <strong>de</strong> seus direitos básicos à qualida<strong>de</strong> ambiental, faltandoapenas conhecer os mecanismos <strong>de</strong> acionamento do Po<strong>de</strong>r Públicopara que estes direitos sejam cont<strong>em</strong>plados. Ainda nesse âmbito, quandoquestionados sobre o que consi<strong>de</strong>ram preservação do meio ambiente,18% disseram não saber nada sobre o assunto e a maioria (33%), acreditamque preservar a natureza é separar corretamente o lixo. Gran<strong>de</strong> parte dapopulação se mostrou curiosa sobre a questão ambiental e sobre o projeto<strong>de</strong> saneamento básico para a Vila Unidos.4.2. Análises da água:O Parque Estadual do Tainhas, conforme seu plano <strong>de</strong> manejo, t<strong>em</strong> suaságuas interiores classificadas como Classe Especial e Classe 1 (ResoluçãoCONAMA n o 357/05), ou seja, águas a<strong>de</strong>quadas à preservação do equilíbrionatural das comunida<strong>de</strong>s aquáticas e a recreação <strong>de</strong> contato primário.Os valores obtidos com as amostras <strong>de</strong> água coletadas foram comparadoscom os parâmetros previstos na Resolução CONAMA n o 357/05. Foramobservados valores fora dos padrões. Os resultados são apresentadosna Tabela 18:Tabela 18: Resultados dos parâmetros obtidos nos pontos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> água do rio Tainhas, na Vila Unidos,Cambará do Sul, <strong>em</strong> comparação com os padrões da Resolução CONAMA número 357/05Amostras Coletadas Resolução CONAMA 357/2005Unida<strong>de</strong> (mg/L) Ponto 01 Ponto 02 Classe 1 Classe 2 Classe 3Alumínio (Al) 4,1 0,88 0,1 0,1 0,2Ferro (Fe) 2,1 0,69 0,3 0,3 5,0Manganês (Mn) 0,102 ND 0,1 0,1 0,5Cobre (Cu) 0,02-0,04 ND 0,009 0,009 0,013116


Embora novas coletas <strong>de</strong> água sejam necessárias, aumentando o número<strong>de</strong> pontos amostrais, esses resultados suger<strong>em</strong> uma perturbação naqualida<strong>de</strong> das águas do rio Tainhas e seus afluentes.Os metais pesados (tais como alumínio, ferro, manganês e cobre) po<strong>de</strong>mser encontrados no meio aquático <strong>em</strong> duas formas principais, comoíons solúveis, com alta toxi<strong>de</strong>z sobre os organismos vivos, ou como precipitadosna forma <strong>de</strong> compostos insolúveis, o que diminui seu efeito nocivosobre esses organismos. A forma como esses metais está disponivel noambiete vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r das condições químicas do meio (pH, t<strong>em</strong>peratura,oxigênio dissolvido), sendo <strong>de</strong>cisivas para <strong>de</strong>terminar a toxida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cadael<strong>em</strong>ento. Os metais pesados atuam inibindo algumas enzimas catalisadorasda síntese proteíca ou inibindo a passag<strong>em</strong> <strong>de</strong> nutrientes, acarretandoum efeito negativo sobre os organismos vivos, <strong>em</strong> especial sobre microorganismosque ten<strong>de</strong>m a tolerar concentrações <strong>de</strong> apenas alguns miligramaspor litro <strong>de</strong> metal pesado (FARIA & LERSCH, 2001)Estudos <strong>de</strong>monstraram que compostos <strong>de</strong> alumínio são extr<strong>em</strong>amentetóxicos para os ovas <strong>de</strong> peixe, produtores primários (algas) e consumidores<strong>de</strong> primeira or<strong>de</strong>m (KLÖPPEL et al., 1997). O ferro <strong>em</strong> altas concentraçõrespo<strong>de</strong> vir a causar a morte <strong>de</strong> peixes pela <strong>de</strong>posição <strong>em</strong> suas guelras<strong>de</strong> precipitados e/ou hidróxidos <strong>de</strong> ferro (FARIA & LERSCH, 2001). O cobreé importante na manutenção <strong>de</strong> diversos processos biológicos, como parao metabolismo energético ou para o crescimento das plantas, contudo <strong>em</strong>elevadas concentrações po<strong>de</strong> provocar mudanças metabólicas, principalmenteno ciclo do nitrogênio, tornando-se tóxico (FLEMMING& TREVORS,1989). Por último, o manganês não é consi<strong>de</strong>rado tóxico para os seresaquáticos, salvo <strong>em</strong> teores muito elevados (FARIA & LERSCH, Op. Cit.).O ferro e o alumínio, por ser<strong>em</strong> el<strong>em</strong>entos bastante abundantes nossolos e portanto suscetíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> encontrados <strong>em</strong> corpos d’água, t<strong>em</strong>concentração variável <strong>de</strong> acordo com a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> chuvas, a lixiviaçãodo solo ou a vazão da água. O rio Tainhas, no trecho amostrado, apresentasignificativa presença <strong>de</strong> vegetação junto as margens, logo os altos valores<strong>de</strong>sses metais amostrados po<strong>de</strong>m estar relacionados a agentes externos aoambiente aquático.4.3. Tecnologias apropriadas:Atualmente, apenas 10% do total <strong>de</strong> esgoto produzido no Brasil receb<strong>em</strong>algum tipo <strong>de</strong> tratamento; os outros 90% são <strong>de</strong>spejados in naturanos solos, rios, córregos e nascentes, constituindo-se a maior fonte <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradaçãodo meio ambiente e <strong>de</strong> proliferação <strong>de</strong> doenças infecciosas e parasitasque existe (COSTA, 2010). O esgotamento sanitário requer, portanto,117


não só a implantação <strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> coleta, mas também um a<strong>de</strong>quadosist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> tratamento e disposição final.A tecnologia apropriada para o saneamento ambiental <strong>em</strong> pequenaslocalida<strong>de</strong>s como a vila Unidos <strong>de</strong>ve conciliar objetivos <strong>de</strong> simplicida<strong>de</strong>,baixo custo, eficiência técnica, facilida<strong>de</strong> operacional e compatibilida<strong>de</strong> dassoluções com as condições da área, segurança e boa qualida<strong>de</strong> dos serviços.Os projetos para sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> esgotamento sanitários necessitam <strong>de</strong>coleta, afastamento do esgoto e tratamento, promovendo assim um <strong>de</strong>senvolvimentosadio e ambiental da comunida<strong>de</strong>. Com base nestas afirmaçõese na análise dos trabalhos <strong>de</strong> COSTA (2010), PHILIPPI et al. (2005), BRA-SIL (2006) e SPERLING (2005). A seguir apresentamos algumas sugestõespara implantação <strong>de</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> tratamento na Vila Unidos.Basicamente há dois sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> esgotamento sanitário: o sist<strong>em</strong>a individuale o coletivo.O sist<strong>em</strong>a individual consiste <strong>em</strong> fossa ou tanque séptico. É uma soluçãolocal, normalmente utilizado <strong>em</strong> áreas rurais <strong>em</strong> uma ou poucas residências,po<strong>de</strong>ndo aten<strong>de</strong>r a certo número <strong>de</strong> residências próximas entre si.Normalmente envolve infiltração no solo. Esse tipo <strong>de</strong> fossa é um tanqueenterrado, que recebe o esgoto, retém a parte sólida e inicia o processobiológico <strong>de</strong> purificação do efluente líquido. Quase s<strong>em</strong>pre funciona satisfatoriamentee t<strong>em</strong> um custo mais acessível do que os outros sist<strong>em</strong>as(SPERLNG, 2005).O sist<strong>em</strong>a coletivo consiste numa re<strong>de</strong> <strong>de</strong> coleta e estação <strong>de</strong> tratamento<strong>de</strong> esgoto (ETE). É indicado para locais com maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> populacionaldo que no primeiro caso, como vilas, bairros ou centros urbanos.Consiste <strong>em</strong> canalizações que receb<strong>em</strong> o lançamento dos esgotos,transportando-os ao seu <strong>de</strong>stino final, <strong>de</strong> forma sanitariamente a<strong>de</strong>quada(SPERLNG, 2005). O sist<strong>em</strong>a coletivo po<strong>de</strong> ser dividido <strong>em</strong> sist<strong>em</strong>a unitário,sist<strong>em</strong>a separador parcial, sist<strong>em</strong>a separador absoluto e sist<strong>em</strong>a condominial(DALTRO FILHO, 2004).Destes, o que t<strong>em</strong> melhores resultados é o sist<strong>em</strong>a condominial, porser uma solução eficiente e econômica, já que se baseia na combinaçãoda participação comunitária com a tecnologia apropriada. Nesse sist<strong>em</strong>aa re<strong>de</strong> é projetada para receber o esgoto sanitário e mais uma parcela daságuas pluviais, com o objetivo exclusivo <strong>de</strong> coletar e transportar esgotos,com as canalizações muitas vezes localizadas <strong>em</strong> pontos internos das áreasdos lotes (quintal, jardim ou calçadas), a fim <strong>de</strong> viabilizar sua implantação(DALTRO FILHO, 2004). A re<strong>de</strong> é ligada a micro-sist<strong>em</strong>as, que são pequenasbacias <strong>de</strong> drenag<strong>em</strong> compostas <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> quadras condominiais,on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá ser construída uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> baixo custo e118


operação simples, po<strong>de</strong>ndo ser tanques sépticos multifamiliares, lagoas <strong>de</strong>estabilização, tanque séptico com filtro anaeróbio, entre outros (DALTROFILHO, op. Cit.).O sist<strong>em</strong>a condominial ligado a micro-sist<strong>em</strong>as permite uma economia<strong>de</strong> até 65% <strong>em</strong> relação ao sist<strong>em</strong>a convencional <strong>de</strong> esgotamento, <strong>de</strong>vidoà simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> operação e manutenção, menor extensão e profundida<strong>de</strong>da re<strong>de</strong> coletora (BRASIL, 2006). Outra vantag<strong>em</strong> citada é que eleagrega os moradores da vila através da participação comunitária e isto otorna sustentável, pois possibilita a adaptação das diversas realida<strong>de</strong>s sociaise econômicas da localida<strong>de</strong> (BRASIL, 2006). O mo<strong>de</strong>lo condominialagrega um objetivo social “a universalização do atendimento” a um objetivopolítico “estimular a discussão e <strong>de</strong>mocratização das <strong>de</strong>cisões” (NAZARETH,1997 apud MORAES 1998).A Estação <strong>de</strong> Tratamento <strong>de</strong> Esgoto (ETE) é a fase final para um bomtratamento dos efluentes. Em meios urbanos normalmente os responsáveispelas ETE são <strong>em</strong>presas públicas ou privadas, que faz<strong>em</strong> coleta e tratamentodos efluentes. Em meios rurais o mais aconselhável são estações simplese com custos mais baixos, como por ex<strong>em</strong>plo, uma ETE por zona <strong>de</strong> raízes.As ETE por zona <strong>de</strong> raízes surgiram na década <strong>de</strong> 70 na Al<strong>em</strong>anha. NoBrasil, algumas modificações foram realizadas para adaptá-las às normase objetivos locais. Em geral uma zona <strong>de</strong> raiz é elaborada <strong>em</strong> cima <strong>de</strong> umfiltro físico com um material <strong>de</strong> suporte como cascalho ou pedra britadae areia grossa. As plantas contribu<strong>em</strong> para a estabilização da superfície dofiltro, criando boas condições para o processo <strong>de</strong> filtração, prevenção contraa colmatação <strong>em</strong> filtros <strong>de</strong> fluxo vertical, aeração da rizosfera (regiãoentre solo e raízes), retirada <strong>de</strong> nutrientes e <strong>em</strong>belezamento paisagístico(KAICK, et al.,2008). É aconselhável que as plantas escolhidas sejam nativasda área <strong>de</strong> instalação da ETE, pois assim já estão adaptadas às condiçõesclimáticas do local.Segundo MORAES (1998), uma ETE <strong>de</strong> zona <strong>de</strong> raízes t<strong>em</strong> como metasbásicas:Conter a contaminação do solo por efluente doméstico não tratado aoredor da residência;Tratar o efluente com uma tecnologia <strong>de</strong> baixo custo e fácil manutenção;Criar uma consciência <strong>em</strong> relação aos cuidados com a água e seus usosna residência, por meio da observação <strong>de</strong> funcionamento;Integrar o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> esgoto com a paisag<strong>em</strong> local, fazendoda ETE um jardim particular.Elaborar um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> tratamento <strong>de</strong> esgoto que não necessite <strong>de</strong>equipamentos, diminuindo assim os gastos e <strong>de</strong>sperdícios com energia.119


5. Consi<strong>de</strong>rações finaisA partir da percepção dos moradores da Vila Unidos, os principais conflitosi<strong>de</strong>ntificados foram a falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinação correta do esgoto domésticoe do lixo por eles separado. A <strong>em</strong>presa também <strong>de</strong>monstrou preocupaçãocom separação e <strong>de</strong>stinação do lixo.Faz-se necessária uma análise sazonal da água, para que se tenha ummonitoramento a<strong>de</strong>quado da situação química, física, biológica e ambientaldo rio Tainhas naquela região, diminuindo os riscos <strong>de</strong> uma contaminaçãona área estudada.O probl<strong>em</strong>a da coleta e <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> lixo po<strong>de</strong> ser resolvido através<strong>de</strong> um projeto que inicie na escola municipal e envolva uma parceria entrePrefeitura Municipal <strong>de</strong> Cambará do Sul, a <strong>em</strong>presa Reflorestadores UnidosS.A e os moradores.O sist<strong>em</strong>a mais a<strong>de</strong>quado para a Vila Unidos é o sist<strong>em</strong>a condominialcom micro-sist<strong>em</strong>as, incluindo tratamento <strong>de</strong> efluentes numa ETE por zona<strong>de</strong> raízes, <strong>de</strong>vido à fácil manutenção, baixo custo e rapi<strong>de</strong>z <strong>de</strong> resultados.Este sist<strong>em</strong>a po<strong>de</strong> ser implantado com a mão <strong>de</strong> obra dos próprios moradores,com apoio financeiro da <strong>em</strong>presa Reflorestadores Unidos S.A. eorientação técnica da Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Cambará do Sul.6. Referências bibliográficasBACKES, A.; FELIPE L. P. & VIOLA, M. G. 2005. Produção <strong>de</strong> serapilheira <strong>em</strong> Floresta OmbrófilaMista, <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil. Acta bot. bras. 19(1):155-160.BRASIL, 2006. Fundação Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (FUNASA). Manual <strong>de</strong> Saneamento. Brasília:FUNASA, 2006. 408p.COSTA, A. J. F. 2010. Desenvolvimento Urbano. Saneamento <strong>Ambiental</strong>. Disponível <strong>em</strong>:http://www.ptpr.org.br/documentos/pt_pag. Acesso <strong>em</strong>: 24/05/2010DALTRO FILHO, J. 2004. Saneamento <strong>Ambiental</strong>: doença, saú<strong>de</strong> e o saneamento da água.Editora UFS. Aracaju.FARIA, C. M. & LERSCH, E. C. 2001. Monitoramento das águas do Delta e foz dos rios formadoresdo Guaíba. Revista Ecos Pesquisa Vol. 2(5):7-42.FLEMMING, C. A. & TREVORS, J.T. 1989. Copper toxicity and ch<strong>em</strong>istry in the environment: areview. Water Air Soil Pollut Vol. 44: 143–158FONTANA, C. S.; BENCKE, G. A. & REIS, R. E. 2003. Livro vermelho da fauna ameaçada <strong>de</strong>extinção do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. EDIPUCRS, Porto Alegre, 632 p.120


GERHARDT C. H. et al. 2000. Diagnóstico socioeconômico e ambiental do município <strong>de</strong>Maquiné - RS: perspectivas para um <strong>de</strong>senvolvimento rural sustentável. Porto Alegre/Maquiné: Programa <strong>de</strong> Pós-Graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural - PGDR/UFRGS; AssociaçãoAção Nascente Maquiné – ANAMA, Prefeitura Municipal <strong>de</strong> Maquiné.BRASIL, 1986. Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE). Folha SH.22 Porto Alegree parte das folhas SH.21 Uruguaiana e SI.22 Lagoa Mirim: geologia, Geomorfologia,pedologia, vegetação, uso potencial da terra. Levantamento <strong>de</strong> Recursos Naturais, v. 33.Rio <strong>de</strong> Janeiro, IBGE.BRASIL, 2004. Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE). Mapa <strong>de</strong> vegetaçãodo Brasil. Brasília, IBGE.BRASIL, 2008. Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE). Censo D<strong>em</strong>ográfico.Rio <strong>de</strong> Janeiro, IBGE.KAICK, T. S.; MACEDO, C. X. & PRESZNHUK, R. A. 2008. Jardim ecológico – tratamento <strong>de</strong>esgoto por zona <strong>de</strong> raízes: análise e comparação da eficiência <strong>de</strong> uma tecnologia <strong>de</strong> saneamentoapropriada e sustentável. VI S<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Engenharia <strong>Ambiental</strong>,Anais 2010.KLÖPPEL, H.; FLIEDNER, A.; KÖRDEL, W. 1997. Behaviour and ecotoxicology of aluminium insoil and water – review of the scientific literature. Ch<strong>em</strong>osphere Vol. 35: 353-363.LEMES, J. L; SCIRMER, W. N.; CALDEIRA, M. V.; KAICK, T. V.; ABEL, O. & BÁRBARA, R. R. 2008.Estação <strong>de</strong> Tratamento <strong>de</strong> Efluentes domésticos por zona <strong>de</strong> raízes (ETEZR) numa comunida<strong>de</strong>rural. VI S<strong>em</strong>ana <strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Engenharia <strong>Ambiental</strong>, Anais 2010.MORAES, L. R.; LUZ, L. D.; ELBACHÁ, A. T.; LUZ, J. A.; REIS, M. G; NEVES, V. S.; FILHO,V.N.; DIAS, M. C. & CASTRO, N. D. 1998. Projeto <strong>de</strong> saneamento ambiental com sustentabilida<strong>de</strong>para pequenas localida<strong>de</strong>s – 20º Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Engenharia Sanitária e<strong>Ambiental</strong>, 1999.PHILIPPI Jr., Arlindo; MALHEIROS, Ta<strong>de</strong>u Fabrício. Saneamento e Saú<strong>de</strong> Pública: IntegrandoHom<strong>em</strong> e Ambiente. In: PHILIPPI Jr, Arlindo Ed. Saneamento, saú<strong>de</strong> e ambiente: fundamentospara um <strong>de</strong>senvolvimento sustentável. Barueri, SP: Manole, 2005 (coleçãoambiental; 2).RIO GRANDE DO SUL. 2008. Secretaria do Meio Ambiente do Estado. Plano <strong>de</strong> ManejoParque Tainhas. Não publicado.SPERLING, V. M. 2005. Introdução a qualida<strong>de</strong> das águas e ao tratamento <strong>de</strong> esgoto. 3ºEd Belo Horizonte. Departamento <strong>de</strong> Engenharia Sanitária e <strong>Ambiental</strong>; Universida<strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Minas Gerais, 2005.121


CAPÍTULO 8:IDENTIFICAÇÃO DOS CONFLITOS PRÉ-IMPLANTAÇÃODO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DA RONDA, SÃOFRANCISCO DE PAULA, RIO GRANDE DO SUL, BRASILSOCIAL CONFLICTS BEFORE THE IMPLEMANTATION OFRONDA NATURAL MUNICIPAL PARK, SÃO FRANCISCODE PAULA, RIO GRANDE DO SUL, BRAZILEcléia Branquel FREITAS 1 , Leonardo BEROLDT 2 & Rodrigo Cambará PRINTES 3ResumoA implantação <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção integral po<strong>de</strong>gerar impactos sociais para as comunida<strong>de</strong>s locais, principalmente as maiscarentes. Este trabalho buscou i<strong>de</strong>ntificar os possíveis conflitos que serãocausados pela criação do Parque Natural Municipal da Ronda, no Município<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil. Foram realizadas138 entrevistas, distribuídas no t<strong>em</strong>po e no espaço, buscando verificar aspercepções das comunida<strong>de</strong>s afetadas <strong>em</strong> relação ao Parque. Os seguintesconflitos foram i<strong>de</strong>ntificados: falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinação correta do esgoto e do lixo,afetando a qualida<strong>de</strong> das águas; retirada <strong>de</strong> lenha e pinhão; <strong>de</strong>rrubadas <strong>de</strong>árvores; visitação <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada aos atrativos do futuro parque; criação <strong>de</strong>animais <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong>stinada à unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação; insegurançapor parte <strong>de</strong> proprietários e posseiros, quanto à in<strong>de</strong>nização e ao <strong>de</strong>stinopós-r<strong>em</strong>oção. Algumas medidas para o gerenciamento dos conflitos sãosugeridas, tais como: cadastrar os catadores <strong>de</strong> pinhão e <strong>de</strong>marcar áreas <strong>de</strong>coleta no entorno; fornecer mudas <strong>de</strong> bracatinga (Mimosa scabrela) para aprodução <strong>de</strong> lenha e distribui vale-gás; realizar levantamento da situaçãofundiária; monitorar a qualida<strong>de</strong> das águas na área do futuro parque. A realização<strong>de</strong> um plano <strong>de</strong> manejo participativo para a futura unida<strong>de</strong> <strong>de</strong>conservação po<strong>de</strong> facilitar seu processo <strong>de</strong> gestão.Palavras-chave: Parque Natural, comunida<strong>de</strong>s locais, conflitos,acordos.1 2 3Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS/SEMA) – Rua Assis Brasil 842, Centro,São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP 95.400.00. e-mail: freitas.ecleia@gmail.com/ beroldt@gmail.com/rodrigo-printes@uergs.edu.br123


AbstractThe opening of totally protected conservational units can bring forthsocial impacts to local people, especially the poorest ones. The presentpaper tries to i<strong>de</strong>ntify the possible conflicts that will be <strong>de</strong>rived from theopening of Ronda Municipal Natural Park in the town district of São Francisco<strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brazil. We have interviewed 138 locals, oversome time and space, in or<strong>de</strong>r to verify how the people directly affectedby the Park were actually reacting to it, especially over the use of naturalresources. The following conflicting probl<strong>em</strong>s have been i<strong>de</strong>ntified: lack ofcorrect waste and sewer <strong>de</strong>stination, what affects water quality; r<strong>em</strong>ovalof wood and hazel for fire making; collection of seeds from Araucaria angustifolia;<strong>de</strong>foresting; ungui<strong>de</strong>d touring for sightseeing; different animalsbreeding insi<strong>de</strong> the area; insecurity of the land owners and other resi<strong>de</strong>ntsabout the money restitution and their <strong>de</strong>stination or where they will betransferred to when time comes. Some conflict manag<strong>em</strong>ent actions canbe suggested, such as: formal registration of pinion (Araucaria angustifolia)seeds collectors and <strong>de</strong>termination of restricted area for such a collection;supply seedings of Mimosa scabrela for fuel wood production or give outfree gas ticket; set up land situation; and, monitor water quality in the areaof the future park. Making a participative manag<strong>em</strong>ent plan for the newconservational unit can easy its administrative and manag<strong>em</strong>ent process.Key words: Natural Park, local people, conflicts, agre<strong>em</strong>ents.1. IntroduçãoAo pensar <strong>em</strong> meio ambiente, l<strong>em</strong>bramos da natureza, dos ciclos biológicos,da biodiversida<strong>de</strong>. Numa visão sócio-ambiental, po<strong>de</strong>-se perceberque o meio ambiente é b<strong>em</strong> mais do que isso. Segundo CARVALHO (2004),o meio ambiente é: “[...] um campo <strong>de</strong> interações entre a cultura, a socieda<strong>de</strong>e base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os termos<strong>de</strong>ssa relação se modificam dinâmica e mutuamente”.Nesta perspectiva, precisamos consi<strong>de</strong>rar os princípios e fundamentossociais expressos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral (CF) <strong>de</strong> 1988, a qual estabelece,no seu Art. 225, que: “todos t<strong>em</strong> direito ao meio ambiente ecologicamenteequilibrado, b<strong>em</strong> <strong>de</strong> uso comum do povo e essencial à sadia qualida<strong>de</strong><strong>de</strong> vida”. A CF também <strong>de</strong>termina que compete “ao Po<strong>de</strong>r Público e à coletivida<strong>de</strong>o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> preservá-lo para as presentes e as futuras gerações”.Observa-se que tanto o Estado quanto o povo t<strong>em</strong> a obrigação <strong>de</strong> preservaro meio on<strong>de</strong> viv<strong>em</strong>. Entretanto, muitas vezes o meio ambiente, apesar124


<strong>de</strong> ser um patrimônio <strong>de</strong> todos, se torna alvo <strong>de</strong> interesses privados, o quefaz com que o Po<strong>de</strong>r Público tome algumas <strong>de</strong>cisões para assegurar os direitosda coletivida<strong>de</strong>. Isto, no entendimento <strong>de</strong> CUNHA & GUERRA (2003),manifesta-se:“[...] tornando públicas proprieda<strong>de</strong>s comuns, passoua ser proposta como solução para a contradiçãoentre os interesses individuais <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> exploraum <strong>de</strong>terminado recurso e os interesses coletivos <strong>de</strong>todo o grupo <strong>de</strong> usuários e da socieda<strong>de</strong> <strong>em</strong> geral”.Com essa intencionalida<strong>de</strong>, são criados os Parques Naturais, espaçosimportantes para proteção ambiental. O Sist<strong>em</strong>a Nacional <strong>de</strong> Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Conservação (SNUC), criado pela Lei Fe<strong>de</strong>ral no 9.985, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong>2000, regulamenta as Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação (UC), e diz, <strong>em</strong> seu Art. 11,que o objetivo <strong>de</strong> um Parque é:“[...] a preservação <strong>de</strong> ecossist<strong>em</strong>as naturais <strong>de</strong>gran<strong>de</strong> relevância ecológica e beleza cênica, possibilitandoa realização <strong>de</strong> pesquisas científicas e o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> educação e interpretaçãoambiental, <strong>de</strong> recreação <strong>em</strong> contato coma natureza e <strong>de</strong> turismo ecológico”.No seu parágrafo 4 o , o SNUC estabelece que as unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa categoria,quando criadas pelo Estado ou Município, serão <strong>de</strong>nominadas, respectivamente,Parque Estadual e Parque Natural Municipal. No mesmo artigo,no parágrafo 1 o , esclarece que as áreas particulares incluídas nos limitesdos Parques serão <strong>de</strong>sapropriadas, o que gera dúvidas e inquietações àscomunida<strong>de</strong>s envolvidas. No caso do Parque Natural Municipal da Ronda(PNMR), o processo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização ainda não iniciou, <strong>de</strong>vido à falta <strong>de</strong> levantamentofundiário e ausência <strong>de</strong> Plano <strong>de</strong> Manejo, ambos <strong>de</strong> suma importânciapara a gestão <strong>de</strong> áreas protegidas. Ainda não se sabe, ao certo,quantos proprietários e/ou moradores exist<strong>em</strong> na área e também quais asativida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>rão ser <strong>de</strong>senvolvidas no Parque.Daqui surge o seguinte cenário, que não é exclusivida<strong>de</strong> do PNMR: se<strong>de</strong> um lado está o Po<strong>de</strong>r Público criando uma UC com o objetivo <strong>de</strong> preservara biodiversida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> outro está a comunida<strong>de</strong> com sua cultura locale interesses particulares. Esta tensão entre o caráter público dos bens ambientaise sua disputa por interesses privados é o motivo central da geração<strong>de</strong> conflitos.125


Segundo CARVALHO (2004) os conflitos ambientais po<strong>de</strong>m ser:“[...] conflitos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> transformação/<strong>de</strong>gradaçãodo meio ambiente; conflitos associadosa ações <strong>de</strong> preservação ambiental, comonaqueles casos <strong>de</strong> enfrentamento <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> conservação.”Portanto faz-se necessário investigar e listar os conflitos pré-implantaçãodo PNMR, no município <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul,visando fornecer informações que possam contribuir para a elaboração doseu plano <strong>de</strong> manejo.2. Objetivo GeralInvestigar e i<strong>de</strong>ntificar os conflitos pré-implantação do Parque NaturalMunicipal da Ronda no município <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong>do Sul.2.1. Objetivos específicosa) Avaliar a percepção dos moradores, confrontantes e/ou diretamenteafetados pelo Parque, sobre as mudanças <strong>em</strong> relação ao acesso aos recursosnaturais <strong>de</strong>correntes da implantação da Unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Conservação.b) I<strong>de</strong>ntificar os possíveis conflitos <strong>de</strong>correntes da implantação da Unida<strong>de</strong><strong>de</strong> Conservação (PRINTES, 2003).c) Sugerir acordos <strong>de</strong> manejo com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> melhorar os processos<strong>de</strong> implantação e gestão do Parque, b<strong>em</strong> como fornecer subsídios paraa elaboração do seu plano <strong>de</strong> manejo.3. Métodos3.1 Área <strong>de</strong> estudoDistante <strong>de</strong> Porto Alegre aproximadamente 120 km, o município <strong>de</strong>São Francisco <strong>de</strong> Paula está localizado na encosta inferior do Estado do RioGran<strong>de</strong> do Sul, na zona fisiográfica chamada <strong>de</strong> Campos <strong>de</strong> Cima da Serra,ocupando uma área <strong>de</strong> 3.274 km². O Município encontra-se a uma altitu<strong>de</strong><strong>de</strong> 912 metros, tendo como coor<strong>de</strong>nadas geográficas 29° 27’ 03’’S e 50° 35’41’’W (TEIXEIRA, 1996).O Parque Natural Municipal da Ronda é uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservaçãomunicipal <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula (Figura 16) e está situado na se<strong>de</strong> do126


Município. Possui uma área <strong>de</strong> 1.448 ha e foi criado pelo Decreto Municipalnº 1.671, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1996, atualmente substituído pela LeiMunicipal 2.425/2007. O Parque inclui áreas <strong>de</strong> Savana Gramíneo Lenhosa,Floresta Estacional S<strong>em</strong>i-Decidual e Floresta Ombrófila Mista, ecossist<strong>em</strong>asassociados ao bioma Mata Atlântica (Lei Fe<strong>de</strong>ral 11.428/08).Figura 16: Parque Natural Municipal da Ronda <strong>em</strong> relação ao município <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> PaulaO PNMR está próximo <strong>de</strong> bairros antigos e <strong>de</strong> novas ocupações irregularesda cida<strong>de</strong>, tais como a Vila Cipó, a Vila Nova, a Vila Santa Isabel eo Loteamento Santa Isabel. A Vila Jardim está <strong>de</strong>ntro da área <strong>de</strong>stinada aoParque. Na sua zona <strong>de</strong> entorno estão inseridas várias comunida<strong>de</strong>s rurais,situadas nas Estradas da Roça Nova, da Boa Esperança e do Mato das Flores.3.2 Coleta <strong>de</strong> dadosEste trabalho <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> dados integrou as ativida<strong>de</strong>s do Laboratório<strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO), parceria entre127


a Secretaria do Meio Ambiente do Estado (SEMA) e a Universida<strong>de</strong> Estadualdo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UERGS). Após o levantamento das informações básicas,foi elaborado um roteiro para orientar a realização <strong>de</strong> entrevistas s<strong>em</strong>i--estruturadas junto às pessoas diretamente ligadas ao Parque.As saídas <strong>de</strong> campo ocorreram nos meses <strong>de</strong> nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2008 amaio <strong>de</strong> 2009. Foram realizadas entrevistas com moradores, proprietários,confrontantes e comunida<strong>de</strong>s próximas à área do PNMR. O esforço amostralé apresentado na Tabela 19:128Tabela 19: Esforço amostral e distribuição geográfica das entrevistasComunida<strong>de</strong> Número <strong>de</strong> famílias * Entrevistados (%)Santa Isabel307 22 07210 15 07Vila Nova Santa Isabel 99 10 10Vila Jardim 957 67 07CipóEstrada da Boa Esperança 24 24 100Estrada da Roça NovaEstrada do Mato das FloresTotal 1597 138 -* Dados populacionais obtidos com a Prefeitura Municipal <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula para os bairros SantaIsabel, Vila Nova Santa Isabel e Cipó. Nas <strong>de</strong>mais localida<strong>de</strong>s a contag<strong>em</strong> foi feita "in loco".As entrevistas foram realizadas nos locais <strong>de</strong> moradia, com um representante<strong>de</strong> cada família. O roteiro s<strong>em</strong>i-estruturado continha 18 questões,07 fechadas e 11 abertas. As entrevistas foram distribuídas no espaço conformeas porcentagens da Tabela 19, e, no t<strong>em</strong>po, ao longo <strong>de</strong> diferentesdias da s<strong>em</strong>ana e horários (dia útil, fim <strong>de</strong> s<strong>em</strong>ana, feriado/manhã, tar<strong>de</strong>,vespertino) com o objetivo <strong>de</strong> cont<strong>em</strong>plar os mais variados perfis <strong>de</strong> entrevistados(RICHARDSON et al., 1965).Foram levantadas questões tais como: Se os entrevistados conheciama área do Parque; o que faziam no local; se viam algum animal silvestre; oque pensavam sobre a criação do Parque; se ele traria vantagens ou não; oque entendiam por “conservação da natureza”. Para todas as perguntas foiconsi<strong>de</strong>rada somente a primeira resposta dada pelos entrevistados. Os moradorestambém nos informaram sobre a existência <strong>de</strong> proprietários que jánão resi<strong>de</strong>m no local, os quais foram procurados <strong>em</strong> seus en<strong>de</strong>reços atuais.Fotografias foram utilizadas para registrar alguns conflitos, tais como <strong>de</strong>rrubada<strong>de</strong> árvores, acúmulo <strong>de</strong> lixo, queimadas.


Após o trabalho <strong>de</strong> campo, os dados foram organizados, tabulados eanalisados, levando-se <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração, além dos resultados das entrevistas,a literatura a respeito <strong>de</strong> conflitos envolvendo áreas protegidas, o que<strong>de</strong>u subsídio para a i<strong>de</strong>ntificação e classificação dos casos existentes naárea do PNMR (BORRINI-FAYERABEND, 1997).4. Resultados e discussãoForam entrevistadas 138 pessoas, das quais 56% eram mulheres, amaioria entre 40 e 50 anos, morando no local a cerca <strong>de</strong> 20 anos. Salienta--se que duas das comunida<strong>de</strong>s, a Vila Jardim, localizada <strong>de</strong>ntro do PNMR eo Loteamento da Laje, no Bairro Cipó, confrontante ao Parque, foram formadas<strong>de</strong> maneira irregular neste período.Quando questionadas sobre a existência <strong>de</strong> esgoto canalizado, 43%respon<strong>de</strong>ram não possuir. Os que possu<strong>em</strong>, <strong>em</strong> geral, não sab<strong>em</strong> qual é asua <strong>de</strong>stinação. A falta <strong>de</strong> saneamento básico é s<strong>em</strong> dúvida prejudicial aoscursos d água ali presentes, tais como o Arroio Rolantinho da Areia e <strong>de</strong>maiscomponentes da sua microbacia, b<strong>em</strong> como ao solo, os quais estão recebendoforte carga <strong>de</strong> efluentes. O probl<strong>em</strong>a da falta <strong>de</strong> esgoto já era umfato esperado, pois o próprio Plano <strong>Ambiental</strong> Municipal, um documentooficial, faz referência a esta questão (SÃO FRANCISCO DE PAULA, 2004):PELIZZOLI (2004) <strong>de</strong>staca que:“[...] não há re<strong>de</strong> <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> esgoto e, <strong>em</strong>bora nãohaja um levantamento oficial, sabe-se que poucasresidências possu<strong>em</strong> algum tipo <strong>de</strong> tratamentoindividual <strong>de</strong> esgoto doméstico. Verificou-se que,naquelas que possu<strong>em</strong> tratamento, este é feito pormeio <strong>de</strong> tanque séptico ou lançamento <strong>em</strong> valas acéu aberto. Isto significa que, como gran<strong>de</strong> parte dapopulação não t<strong>em</strong> um a<strong>de</strong>quado sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> tratamento<strong>de</strong> esgoto, este resíduo é lançado in naturano solo ou <strong>em</strong> valos <strong>de</strong> drenag<strong>em</strong> a céu aberto,fatores estes responsáveis por inúmeros impactossobre os recursos hídricos”.“[...] a natureza já não suporta mais os níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradaçãoatuais com o esgotamento ambiental urbano,com os efeitos trágicos <strong>de</strong> agrotóxicos e com129


130a extinção <strong>de</strong> espécies. É necessário l<strong>em</strong>brar queesta <strong>de</strong>gradação ambiental é a causadora <strong>de</strong> vários<strong>de</strong>sequilíbrios ambientais, tais como efeito estufa,alterações na camada <strong>de</strong> ozônio, esgotamento eenvenenamento das terras, aparecimento <strong>de</strong> pragasresistentes, poluição da água <strong>em</strong> geral [...]”.A postura do Po<strong>de</strong>r Público é no mínimo contraditória ao criar umaunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção integral visando à proteção da biodiversida<strong>de</strong>e dos recursos hídricos e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, <strong>de</strong>ixar que as ocupaçõesirregulares coloqu<strong>em</strong> <strong>em</strong> xeque o objeto <strong>de</strong>sta proteção. É importantel<strong>em</strong>brar que o presente trabalho <strong>de</strong> campo foi feito cinco anos apósa constatação oficial do probl<strong>em</strong>a, conforme o Plano <strong>Ambiental</strong> Municipal,e a situação continuava a mesma.Quanto à coleta <strong>de</strong> lixo, apenas 10% <strong>de</strong>clararam não possuir este serviço,mas foi observado que algumas famílias possu<strong>em</strong>, <strong>em</strong> seus pátios, <strong>de</strong>pósitos<strong>de</strong> lixo que usam para a reciclag<strong>em</strong> e venda. A coleta <strong>de</strong> lixo <strong>em</strong> SãoFrancisco <strong>de</strong> Paula não é seletiva. Todo o lixo é compactado, seja ele orgânico,seco, ou contaminado. Durante as caminhadas na área do futuro PNMRfoi possível i<strong>de</strong>ntificar vestígios <strong>de</strong> um antigo lixão utilizado pela PrefeituraMunicipal durante <strong>de</strong> 20 anos.A existência do lixão é citada no Plano <strong>Ambiental</strong> Municipal (SÃOFRANCISCO DE PAULA, 2004):“[...] entre as formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação, a <strong>de</strong>posição <strong>de</strong>resíduos sólidos urbanos se constitui <strong>em</strong> um gran<strong>de</strong>impacto, <strong>em</strong> vários aspectos, pois afeta diretamentea qualida<strong>de</strong> do solo, ar e água, além do impacto visualnegativo e da <strong>de</strong>scaracterização do ambiente,sendo uma ameaça à biodiversida<strong>de</strong> e a saú<strong>de</strong> dosmoradores do entorno da região afetada. O local <strong>de</strong>implantação do Parque Municipal da Ronda abrigauma área on<strong>de</strong> este tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação ocorreu porum período <strong>de</strong> aproximadamente vinte anos”.Em relação ao nível <strong>de</strong> conhecimento do local sobre a existência doParque, 86% das pessoas diz<strong>em</strong> conhecer o PNMR. De fato, é b<strong>em</strong> maisprovável que estas pessoas estejam se referindo à “cascata da Ronda”, umdos principais atrativos do Parque, e não à área da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservaçãocomo um todo, exceção feita aos que mencionaram as regiões da RoçaNova e Cacon<strong>de</strong>.


Dos entrevistados, 5% moram na área do futuro PNMR e 41% a frequentamdurante todo o ano, realizando ativida<strong>de</strong>s como passeios, banhos,retirada <strong>de</strong> lenha e pinhão. Tais ativida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m se tornar <strong>de</strong>gradadorase/ou trazer sérios probl<strong>em</strong>as ao ser humano, pois, na maioria das vezes, aspessoas não respeitam as trilhas, não sab<strong>em</strong> os lugares a<strong>de</strong>quados parabanho, r<strong>em</strong>ov<strong>em</strong> árvores ecologicamente importantes para a manutenção<strong>de</strong> espécies da flora e da fauna e não observam o período permitido paraa coleta do pinhão, retirando-o antes <strong>de</strong> amadurecer, o que po<strong>de</strong> reduzir aquantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alimento para os animais silvestres. Para PELIZZOLI (2004):“[...] são muitas as pequenas ações, costumes, hábitosque exerc<strong>em</strong>os cotidianamente que t<strong>em</strong> reflexoe consequências sócio-ambientais que pornós passam <strong>de</strong>spercebidas. T<strong>em</strong>os <strong>de</strong>sconhecido aamplitu<strong>de</strong> e a inter<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> nossas ações <strong>de</strong>modo que ten<strong>de</strong>mos a viver como se não existissenada fora <strong>de</strong> nossa pessoa e habitat construído”.Muitas atitu<strong>de</strong>s são tomadas por hábito e/ou por influência cultural,quase que automaticamente, como a retirada <strong>de</strong> lenha, a queimada pararealizar plantações, a caça, a retirada <strong>de</strong> pinhão, s<strong>em</strong> analisar as conseqüências<strong>de</strong>ssas ações para o meio ambiente. A gran<strong>de</strong> maioria pensa suaspequenas ações são insignificantes para o todo, o que infelizmente nãoé verda<strong>de</strong>. As pequenas ações, quando somadas po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>cisivas <strong>em</strong>termos <strong>de</strong> conservação dos recursos, fenômeno conhecido como tragédiados comuns (HARDIN, 1968). O SNUC (Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.985/00), no seu Artigo28, consi<strong>de</strong>ra que a visitação publica <strong>de</strong>ve ser regulamentada pelo Plano<strong>de</strong> Manejo da unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. No caso da ausência <strong>de</strong>ste (comoé o caso do PNMR), a visitação <strong>de</strong>verá seguir o que estabelece o parágrafoúnico do mesmo Artigo 28:“Até que seja elaborado o Plano <strong>de</strong> Manejo, todas asativida<strong>de</strong>s e obras <strong>de</strong>senvolvidas nas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>conservação <strong>de</strong> proteção integral <strong>de</strong>v<strong>em</strong> se limitaràquelas <strong>de</strong>stinadas a garantir a integrida<strong>de</strong> dos recursosque a unida<strong>de</strong> objetiva proteger, assegurando-seàs populações tradicionais porventura resi<strong>de</strong>ntesna área as condições e os meios necessáriospara a satisfação <strong>de</strong> suas necessida<strong>de</strong>s materiais,sociais e culturais”.131


Em relação aos animais, 24% dos entrevistados diz<strong>em</strong> não ter visto nenhum.As pessoas das comunida<strong>de</strong>s da parte norte do PNMR, que ficapróxima a cida<strong>de</strong>, citaram apenas animais comuns (cachorros, pássaros,cavalos, quero-quero). Provavelmente, nesta área, os animais silvestres nãose façam presentes <strong>de</strong>vido à presença <strong>de</strong> pessoas e cães. Outra provávelexplicação é a caça, hábito comum na região. De acordo com MENEGAT &SATTERTHWAITE (2004):132“[...] todos os fatores da realida<strong>de</strong> estão <strong>em</strong> profundainter-relação e essa inter-relação gera um malambiente <strong>de</strong> vida ou um bom ambiente <strong>de</strong> vida”.Nas comunida<strong>de</strong>s da parte sul as pessoas diz<strong>em</strong> ver animais silvestres,tais como o bugio (Alouatta clamitans Cabrera, 1940), veado (Mazamaspp.), quati (Nasua nasua Linneaus, 1766) e a jaguatirica (Leoparduspardalis Linneaus, 1758) com boa frequência; provavelmente, <strong>de</strong>vido àconservação das matas e a baixa incidência <strong>de</strong> visitação <strong>em</strong> virtu<strong>de</strong> dadificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso. Os moradores <strong>de</strong>ssa região são os que moram hámais t<strong>em</strong>po no local e, por isso, <strong>de</strong>monstram mais cuidado com suas proprieda<strong>de</strong>se o meio ambiente. A integrida<strong>de</strong> do meio ambiente é um reflexodas ações humanas.Quanto à questão <strong>de</strong> se o Parque traz vantagens ou não para os moradores,a maioria dos entrevistados disse que sim (78%) e citou, como principaisvantagens, o lazer (9%), o turismo (24%) e a conservação do local(30%). Segundo CUNHA & GUERRA (2003):“O processo <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> políticas públicas,num <strong>de</strong>terminado contexto social e histórico égran<strong>de</strong>mente influenciado pela percepção que osindivíduos têm da realida<strong>de</strong>”.Nossos dados suger<strong>em</strong> que a gran<strong>de</strong> maioria da comunida<strong>de</strong> localt<strong>em</strong> uma visão positiva sobre a criação do PNMR o que po<strong>de</strong> facilitar oprocesso <strong>de</strong> implantação da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação.Dos entrevistados, 22% que disseram que o PNMR vai trazer <strong>de</strong>svantagens.As principais <strong>de</strong>stacadas citadas foram: restrições às ativida<strong>de</strong>s hojerealizadas e <strong>de</strong>sapropriação.Para DIEGUES (2001):“[...] quando se fala <strong>em</strong> respeito às populaçõeslocais, afirma-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado aban-


donar o sist<strong>em</strong>a hoje vigente <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriaçãopelo qual os portadores dos títulos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>da terra, reconhecidos oficialmente são compensadosregiamente e os moradores locais queusualmente não t<strong>em</strong> como regularizar sua possequase nada ganham na <strong>de</strong>sapropriação. Pior doque isso, <strong>em</strong> sua maioria, esses moradores não sãoin<strong>de</strong>nizados, mas são proibidos <strong>de</strong> exercer suasativida<strong>de</strong>s tradicionais”.A opinião das pessoas que estão <strong>de</strong>scontentes com a implantação doParque e a sua situação <strong>de</strong> moradia precisa ser levada <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração,pois se estas pessoas não for<strong>em</strong> in<strong>de</strong>nizadas e/ou r<strong>em</strong>ovidas para um localdigno, elas po<strong>de</strong>rão se <strong>de</strong>slocar para áreas irregulares da periferia da cida<strong>de</strong>ou mesmo voltar para os locais <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> (<strong>de</strong>ntro do PNMR), gerando umnovo probl<strong>em</strong>a sócio-ambiental.Quanto a qual seria o órgão responsável pelo PNMR, os moradores parec<strong>em</strong>b<strong>em</strong> informados, pois 70% apontaram o Po<strong>de</strong>r Publico Municipalcomo responsável pela administração do Parque. Quanto à orig<strong>em</strong> dos recursosfinanceiros para a implantação, estes <strong>de</strong>v<strong>em</strong> vir do Governo Fe<strong>de</strong>ral(64%) ou da Prefeitura (21%), segundo os entrevistados.De acordo com o SNUC (Lei fe<strong>de</strong>ral 9.985/00), Artigo 34, Parágrafo Único:“Os órgãos responsáveis pela administração dasunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação po<strong>de</strong>m receber recursosou doações <strong>de</strong> qualquer natureza, nacionais ouinternacionais, com ou s<strong>em</strong> encargos, provenientes<strong>de</strong> organizações privadas ou públicas ou <strong>de</strong>pessoas físicas que <strong>de</strong>sejar<strong>em</strong> colaborar com a suaconservação. A administração dos recursos obtidoscabe ao órgão gestor da unida<strong>de</strong>, e estes serão utilizadosexclusivamente na sua implantação, gestãoe manutenção”.Observando a lei percebe-se que os entrevistados estão, <strong>em</strong> parte, corretos:o Parque po<strong>de</strong> receber recursos <strong>de</strong> qualquer natureza. Entretanto, <strong>de</strong>fato predominarão os recursos do município, na gestão daquela unida<strong>de</strong><strong>de</strong> conservação, por ser ela municipal.Somente 08% dos entrevistados disseram não saber o que é “conservaçãoda natureza”, mas a maioria <strong>de</strong>clarou não saber como se expressar.133


A Tabela 20 apresenta os principais conflitos i<strong>de</strong>ntificados e algumaspropostas <strong>de</strong> acordo.Tabela 20: Principais conflitos pré-implantação do PNMR i<strong>de</strong>ntificados através das entrevistase sugestões <strong>de</strong> possíveis acordosConflitoI<strong>de</strong>ntificadoColeta <strong>de</strong> pinhão 4Trabalho <strong>de</strong>ntro daárea afetada (roças,corte <strong>de</strong> pneus).Retirada <strong>de</strong> lenha 12Presença <strong>de</strong>moradoresOutras restrições<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes doPlano <strong>de</strong> ManejoFalta <strong>de</strong> coleta<strong>de</strong> lixoFalta <strong>de</strong>saneamentoPorcentag<strong>em</strong> nasentrevistas (%) (n=138)615Sugestões <strong>de</strong> acordoCadastrar os catadores, <strong>de</strong>marcar áreas <strong>de</strong> coletano entorno e prever isto no Plano <strong>de</strong> Manejo.Qualificar a mão-<strong>de</strong>-obra e viabilizar outras opções<strong>de</strong> trabalho.Fornecer mudas <strong>de</strong> bracatinga (Mimosa scabrela) evale gás para comunida<strong>de</strong>s carentes.Realizar levantamento da situação fundiária e fazerreuniões para explicar o procedimento <strong>de</strong>in<strong>de</strong>nização.17 Elaborar um plano <strong>de</strong> manejo participativo.1036R<strong>em</strong>over as pessoas da área afetada e reassentá-las<strong>em</strong> local a<strong>de</strong>quado, com coleta <strong>de</strong> lixo.R<strong>em</strong>over as pessoas da área afetada e reassentá-las<strong>em</strong> local a<strong>de</strong>quado, com saneamento básico;Monitorar a qualida<strong>de</strong> das águas na área do PNMR<strong>em</strong> estações pré-<strong>de</strong>finidas.Quanto à existência <strong>de</strong> lendas ou mitos na região, somente 15% daspessoas entrevistadas diz<strong>em</strong> conhecê-las, sendo que as mais citadas é ado gritador (48%). Esta é uma lenda típica na região dos Campos <strong>de</strong> Cimada Serra, não sendo endêmica do PNMR, porém faz parte do patrimônioimaterial do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. A lenda da noiva que fugiu do casamentoe hoje aparece vestida <strong>de</strong> branco nas proximida<strong>de</strong>s da Cascata da Rondafoi citada por 29% dos entrevistados. Esta parece estar diretamente ligadaà área do PNMR. O fato <strong>de</strong> que 85% das pessoas não conhec<strong>em</strong> nenhumalenda regional po<strong>de</strong> significar que a comunida<strong>de</strong> já é urbanizada e/ou quea área do PNMR está bastante acessível ao uso humano, pois áreas isoladasgeralmente abrigam gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> se seres imaginários (PRINTES,2002; PRINTES, 2003).5. Consi<strong>de</strong>rações finais134Para MENEGAT & SATTERTHWAITE (2004):


“Se as revoluções prévias <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ram da agricultura,da guerra e da produção como seus respectivosagentes <strong>de</strong> mudança, a revolução sustentável seráguiada pela informação.”A partir dos dados <strong>de</strong> campo obtidos durante este trabalho <strong>de</strong> pesquisa,sugerimos o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Educação <strong>Ambiental</strong>junto às comunida<strong>de</strong>s afetadas pelo futuro PNMR, através dos quais estascomunida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>rão ser informadas a respeito da função do PNMR, b<strong>em</strong>como das formas pelas quais po<strong>de</strong>m se integrar no seu processo <strong>de</strong> gestão.Quanto às medidas <strong>de</strong> manejo mais urgentes, sugerimos que seja feitauma avaliação da quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lixo acumulado nas comunida<strong>de</strong>s próximase <strong>de</strong>ntro do PNMR, visando à discussão <strong>de</strong> alternativas para o <strong>de</strong>stino<strong>de</strong>ste material e para a sobrevivência das pessoas. Atenção especial precisaser dada ao antigo lixão situado <strong>de</strong>ntro da área da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação.Estas informações po<strong>de</strong>rão trazer gran<strong>de</strong>s benefícios para a flora e faunalocal b<strong>em</strong> como para as comunida<strong>de</strong>s envolvidas.O presente trabalho nos possibilitou conhecer uma situação real e trabalhara partir <strong>de</strong>la, observando duas realida<strong>de</strong>s distintas: a do Po<strong>de</strong>r Público,que t<strong>em</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> assegurar o meio ambiente preservado, comoum direito <strong>de</strong> todos, e a dos cidadãos locais, que precisarão se a<strong>de</strong>quarà existência <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção integral, o quelhes exigirá uma gran<strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> hábito. Acreditamos que este seja o<strong>de</strong>safio dos governos e dos cidadãos <strong>de</strong> vários lugares do planeta Terra, nãoapenas do Parque Natural Municipal da Ronda.6. Referências bibliográficasBORRINI-FAYERABEND, G. 1997. Manejo participativo <strong>de</strong> áreas protegidas: adaptando ométodo ao contexto. T<strong>em</strong>as <strong>de</strong> Política Social, União Internacional para a Conservaçãoda Natureza, Quito.CARVALHO, I.C.DE M. 2004. Educação <strong>Ambiental</strong>: a formação do sujeito ecológico. CortezEditora. São Paulo. SP.CUNHA, S. B. & GUERRA, A. J. T. (org). 2003. A Questão <strong>Ambiental</strong>: Diferentes Abordagens--Rio <strong>de</strong> Janeiro: Bertrand Brasil.DIEGUES, A. C. S. 2001. O Mito Mo<strong>de</strong>rno da Natureza Intocada. Editora Hucitec. 3ª edição,São Paulo.HARDIN, G. 1968. The tragedy of commons. Science, Vol.162: 1243-1248.135


MENEGAT, R. A. & SATTERTHWAITE, D. 2004. Desenvolvimento sustentável e gestão ambientalnas cida<strong>de</strong>: estratégias a partir <strong>de</strong> Porto Alegre.Porto Alegre; Editora da UFRGS.PELIZZOLI, M.L. 1999. A <strong>em</strong>ergência do paradigma ecológico: reflexões ético-filosóficaspara o século XXI- Petrópolis,RJ: Vozes.PRINTES,R.C. 2002. Plano <strong>de</strong> Manejo Participativo da Reserva Biológica do Lami. PrefeituraMunicipal <strong>de</strong> Porto Alegre, Secretaria Municipal <strong>de</strong> Meio Ambiente, Porto Alegre.PRINTES, R.C. 2003. Percepções, <strong>Conflitos</strong> e Consensos acerca do Parque Estadual do RioPreto, in Relatório Final do Diagnóstico Sócio-<strong>Ambiental</strong> Preliminar Visando a Elaboraçãodo Plano <strong>de</strong> Manejo do Parque Estadual do Rio Preto, Minas Gerais, Brasil. Rodrigo MattaMachado e Yasmine Antonine (orgs.) não publicado.RICHARDSON, S.P.; DOHRENWEND, B.S. AND KLEIN, D. 1965. Interwing its forms and functions.Basic Books, Inc. New York, 380 p.SÃO FRANCISCO DE PAULA, 2004. Plano <strong>Ambiental</strong> Municipal.SÃO FRANCISCO DE PAULA, 2011. Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação. http://www.saofrancisco<strong>de</strong>paula.rs.gov.br/unida<strong>de</strong>s.htm.Acessado <strong>em</strong> 03/02/2011TEIXEIRA, M. L. DA S. 1996. São Francisco <strong>de</strong> Paula - ont<strong>em</strong>, hoje e s<strong>em</strong>pre. Prefeitura Municipal<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula.136


CAPÍTULO 9:CARACTERÍSTICAS DO EXTRATIVISMO DO PINHÃOE SITUAÇÕES DE CONFLITO NO NORDESTE DO RIOGRANDE DO SUL, BRASILTHE EXTRACTION OF PINION (ARAUCARIA ANGUSTIFOLIASEEDS) AND SOME CONFLICTING SITUATIONS IN THENORTHEAST AREA OF RIO GRANDE DO SUL STATE, BRAZILCamila VIEIRA-DA-SILVA 1 ; Gustavo MARTINS 2 ; Rumi Regina KUBO 3 ; Lovois <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> MIGUEL 44ResumoHá uma revalorização do <strong>de</strong>bate sobre extrativismo, agora referenteàs novas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> integração <strong>de</strong> seus produtos aos mercados. Issose dá por meio <strong>de</strong> duas mudanças nos cenários atuais. De um lado, a <strong>de</strong>núnciados fracassos <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong> conservação queeram planejados e implantados <strong>de</strong> forma dissociada. De outro lado, consumidoresestão valorizando novos produtos e novos padrões <strong>de</strong> produção,que visam uma maior proximida<strong>de</strong> com a natureza. Assim, o extrativismo<strong>de</strong> produtos florestais não ma<strong>de</strong>ireiros (PFNM) passa a ter uma mudança <strong>de</strong>status, no qual ele se torna cada vez mais valorizado. No entanto, associadoa esta revalorização aumentam os conflitos por acesso ao recurso, e, portanto,alguns grupos sociais que tinham sua segurança alimentar asseguradapor meio do extrativismo hoje estão sendo impedidos, ou tendo seuacesso dificultado a estes recursos. Estas questões são analisadas a partir doex<strong>em</strong>plo específico do pinhão, Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze.Palavras-chaves: extrativismo, produto florestal não ma<strong>de</strong>ireiro, pinhão,Araucaria angustifolia1Doutoranda <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural, da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul (UFRGS). <strong>em</strong>ail: camivs@gmail.com2Pesquisadora voluntária do Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO/UERGS).Mestrandodo Programa <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural/UFRGS, Pesquisador do Núcleo <strong>de</strong> Estudos <strong>em</strong> DesenvolvimentoRural Sustentável e Mata Atlântica (DESMA). <strong>em</strong>ail: gustavo.martins@ufrgs.br.3Professora do Departamento <strong>de</strong> Economia, Núcleo <strong>de</strong> Estudos <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural Sustentável e Mata Atlântica(DESMA)/UFRGS.4Professor do Programa <strong>de</strong> Pós-graduação <strong>em</strong> Desenvolvimento Rural/UFRGS.137


AbstractThere is a new appreciation of the <strong>de</strong>bate on extraction, only nowreferring to new possibilities of integrating their products to the markets.This integration is achieved through two changes in the current scenarios.On the one hand, the <strong>de</strong>nunciation of the failures of <strong>de</strong>velopment plansand conservation measures that have been planned and impl<strong>em</strong>ented ina dissociated manner. On the other hand, consumers are appreciating newproducts and new production patterns, in or<strong>de</strong>r to get closer to nature.Thus, the extraction of non-timber forest products becomes increasinglyvaluable, taking on new status. However, this growing appreciation hasbrought an associated increase of conflicts over resource access, and therefore,some social groups who were able to survive by means of extractionare now being prevented of doing so, hin<strong>de</strong>red of having access to theseresources. In the present paper, these issues are addressed from the specificexample of the pinion, Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze.Key words: extractivism, non-timber forest products, Brazilian-pinenuts, Araucaria angustifolia1. IntroduçãoA década <strong>de</strong> 1970 foi profundamente marcada por uma mudança <strong>de</strong>cenário mundial no que tange à questão ambiental. Um dos principais marcos<strong>de</strong>sta mudança <strong>de</strong> perspectiva foi a Conferência da Organização das NaçõesUnidas (ONU) sobre o Meio Ambiente, realizada <strong>em</strong> Estocolmo <strong>em</strong> 1972(ACSELRAD, 2001). Os <strong>de</strong>bates suscitados por aquele evento compreendiamum discurso <strong>de</strong> contestação pautado nos fracassos do projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentovigente e na preocupação com a conservação da natureza.No entanto, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>sta mudança <strong>de</strong> paradigmas, também o extrativismopassou a ter um status diferenciado. Conforme LESCURE (1992,p. 192) um “novo paradigma rompe, assim, com as utopias conservacionistasdaqueles anos”, quando o extrativismo era visto como uma ativida<strong>de</strong>economicamente não rentável, associada à pilhag<strong>em</strong> e à <strong>de</strong>struição dosagroecossist<strong>em</strong>as. Algumas formas <strong>de</strong> extrativismo, associado à categoria<strong>de</strong> produtos florestais não ma<strong>de</strong>ireiros (PFNM), passaram, assim a ser valorizadascomo forma <strong>de</strong> conciliação entre renda e conservação.As i<strong>de</strong>ias correntes, até então partindo <strong>de</strong> uma perspectiva <strong>de</strong> extrativismocomo um processo <strong>de</strong> retirada indiscriminada <strong>de</strong> produtos do ambientenatural, como as <strong>de</strong> HOMMA (1993), pregavam o fim do extrativismodiante da concorrência dos produtos sintéticos, das re<strong>de</strong>s arcaicas <strong>de</strong>138


comercialização e/ou por extinção <strong>de</strong> algumas espécies <strong>de</strong> interesse. Nestalógica, é forçoso constatar que a ativida<strong>de</strong> extrativista se extinguiu <strong>em</strong> algumasáreas, conforme previsto; agoniza <strong>em</strong> outras; mas também persistecomo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reprodução social <strong>de</strong> populações rurais que <strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong>sist<strong>em</strong>as produtivos on<strong>de</strong> a agricultura e o extrativismo se compl<strong>em</strong>entam(ALMEIDA, 2000 apud MOTTA et al. 2007).Além disso, novas questões <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> no cenário atual, segundo MUR-DOCH & MIELE (1999), o setor cont<strong>em</strong>porâneo <strong>de</strong> alimentos está se bifurcando<strong>em</strong> dois modos principais <strong>de</strong> produção: <strong>de</strong> um lado o convencionalque está ligado a re<strong>de</strong>s globais <strong>de</strong> alimentos - industrializados e padronizados- e <strong>de</strong> outro as re<strong>de</strong>s alternativas ligadas a processos <strong>de</strong> produção especializadose localizados. Nesta linha <strong>de</strong> abordag<strong>em</strong> segundo estes autores,a globalização garantiu o surgimento <strong>de</strong> uma varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos padrõesligados ao mo<strong>de</strong>lo convencional <strong>de</strong> produção. Estes novos padrões têmsido dirigidos pelo alto grau <strong>de</strong> externalida<strong>de</strong>s e comandados por indústriastransnacionais, que reduziram a qualida<strong>de</strong> a um jogo <strong>de</strong> interesses estreitosentre a eficiência e o custo. Entretanto, <strong>em</strong> contraponto, se constataa <strong>em</strong>ergência <strong>de</strong> conjuntos alternativos <strong>de</strong> padrões, preocupados com aproximida<strong>de</strong> à natureza.Nesta última perspectiva, ressalta-se também a gran<strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> queganha, no cenário da conservação, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> populações tradicionais oulocais. Os sist<strong>em</strong>as produtivos <strong>de</strong>stas populações, por apresentar<strong>em</strong> umaforma <strong>de</strong> interação mais harmônica com o meio natural, po<strong>de</strong>riam constituirestratégias <strong>de</strong> apropriação mais sustentáveis (DIEGUES, 1996). A partirda contribuição dos seringueiros e dos povos da floresta, o extrativismo,associa-se <strong>de</strong>finitivamente à conservação ambiental (CUNHA, 1999; ALMEI-DA, 2004). Decorr<strong>em</strong> <strong>de</strong>ste contexto que as associações dos produtos comgrupos e espaços específicos representam novas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reproduçãosocial para as populações locais e tradicionais (MOTTA et al., 2007).Associado a esta nova mudança <strong>de</strong> cenário e a valorização do extrativismoestá o aumento dos conflitos por acesso ao recurso (LITTLE, 2001).O extrativismo do pinhão, s<strong>em</strong>ente da Araucaria angustifolia, o pinheirobrasileiro, insere-se plenamente neste contexto. Sendo – juntamente coma erva-mate - o principal PFNM da Floresta Ombrófila Mista (FOM), o extrativismodo pinhão acarretou um acirramento <strong>de</strong> conflitos, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong>medida pela valorização <strong>de</strong>ste como recurso nas últimas décadas.Neste capítulo, t<strong>em</strong>os por objetivo realizar uma breve reconstituiçãohistórica da importância do extrativismo do pinhão nos municípios <strong>de</strong> SãoFrancisco <strong>de</strong> Paula e Cambará do Sul (Rio Gran<strong>de</strong> do Sul), evi<strong>de</strong>nciandoalgumas das suas características e i<strong>de</strong>ntificando situações <strong>de</strong> conflito.139


2. Materiais e Métodos2.1. Área <strong>de</strong> EstudoEstudos acerca do cunho social e econômico <strong>em</strong> áreas <strong>de</strong> FOM exig<strong>em</strong>extr<strong>em</strong>a cautela na proposição <strong>de</strong> qualquer generalização, <strong>de</strong>vido à amplitu<strong>de</strong>da área <strong>de</strong> abrangência <strong>de</strong>sta formação no Estado do Rio Gran<strong>de</strong>do Sul e consequente diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> situações encontradas. No caso dopinhão, é importante ter presente que a disponibilida<strong>de</strong> do recurso, a suadistribuição, a sua importância relativa na economia <strong>de</strong> diferentes grupossociais, a dinâmica <strong>de</strong> coleta e comercialização, estão diretamente relacionadasà forma <strong>de</strong> ocupação das terras e às diferentes formas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoda agricultura.Partindo <strong>de</strong>stas pr<strong>em</strong>issas, este estudo concentra-se nos municípios<strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula e Cambará do Sul, localizados na região nor<strong>de</strong>stedo Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, na divisa com o Estado <strong>de</strong> Santa Catarina (Figura 1).Estes municípios <strong>de</strong>stacam-se na produção <strong>de</strong> pinhão segundo dados doInstituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística (IBGE) e inser<strong>em</strong>-se num territóriocom fisionomia s<strong>em</strong>elhante (Campos <strong>de</strong> Cima da Serra), possuindoum padrão <strong>de</strong> estrutura fundiária com ocorrência <strong>de</strong> 33% e 44% <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>srurais acima <strong>de</strong> 100 ha, respectivamente (BRASIL, 2006). A<strong>de</strong>mais,abrigam diferentes categorias <strong>de</strong> áreas protegidas, o que também, indica aimportância no cenário da conservação no Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul.2.2. Coleta <strong>de</strong> dadosAs consi<strong>de</strong>rações tecidas neste capítulo resultam da análise <strong>de</strong> dados<strong>de</strong> duas fontes <strong>de</strong> pesquisa: a) projeto 5 que visava ampliar a compreensãosobre o contexto socioprodutivo <strong>em</strong> torno da produção/extrativismo dopinhão no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, realizando uma pesquisa <strong>de</strong> campo com entrevistas<strong>em</strong>i-estruturada junto a 34 informantes envolvidos na coleta dopinhão nos municípios <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula e Cambará do Sul entreos anos 2008 e 2009; b) projeto <strong>de</strong> doutorado, intitulado, provisoriamente:“A (in) visibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ativida<strong>de</strong> praticada por todos: o extrativismo <strong>de</strong>pinhão e seus canais <strong>de</strong> comercialização <strong>em</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula”. Entre2009 e 2011, foram realizadas revisões bibliográficas e entrevistas s<strong>em</strong>i--estruturadas com informantes-chave, num total <strong>de</strong> 24 entrevistas abertase s<strong>em</strong>i-estruturadas, incluindo: donos <strong>de</strong> restaurantes (n=3), comerciantes5Este foi um sub-projeto do projeto “Promoção do <strong>de</strong>senvolvimento rural sustentável na região Nor<strong>de</strong>ste do Rio Gran<strong>de</strong>do Sul: extrativismo, saberes e fazeres locais e conservação ambiental” Edital MCT/CNPq/MDA/SAF/MDS/SESAN - Nº36/2007 – Seleção Pública <strong>de</strong> Propostas para Apoio a Projetos <strong>de</strong> Extensão Tecnológica Inovadora para AgriculturaFamiliar (processo no. 552144/2007-0).140


atuantes nos pontos <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> pinhão (n=5), catadores proprietários <strong>de</strong>terra (n=8), catadores não proprietários <strong>de</strong> terra (n=5), técnicos da prefeitura(n=1) 6 e técnicos da Emater (n=2), além <strong>de</strong> agricultores que <strong>de</strong>tinhamconhecimento a respeito da história <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula.3. Resultados e discussão3.1. A orig<strong>em</strong> histórica dos conflitosO pinhão era o principal el<strong>em</strong>ento da dieta dos indígenas da região,segundo dados arqueológicos, etnohistóricos e etnográficos (MABILDE,1988; METRAUX, 1946 apud IRIARTE & BEHLING, 2007). Para os Kaingangs,os limites entre os territórios das al<strong>de</strong>ias eram sinalizados através <strong>de</strong> sinaisnas cascas dos pinheiros. Embora estes territórios tivess<strong>em</strong> regras comunaisque permitiss<strong>em</strong> a circulação <strong>de</strong> todos por diferentes al<strong>de</strong>ias, a únicaexceção feita era para o pinhão, recurso que se consi<strong>de</strong>rava <strong>de</strong> usufrutoexclusivo da al<strong>de</strong>ia que habitava um <strong>de</strong>terminado território. Segundo (MA-BILDE, 1983, p. 127): 7 “A invasão <strong>de</strong> outra tribo para este fim era motivo <strong>de</strong>extermínio, para o qual eram convocados todas as <strong>de</strong>mais tribos”. Po<strong>de</strong>-seinferir que uma das razões para isto relacionava-se ao fato <strong>de</strong> que, além dopinhão ser um recurso alimentar importante, ele também atraía a fauna,acarretando maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> animais para caçar.Para os sesmeiros que se instalaram na região sul durante o séculoXVIII, o pinhão era o principal alimento para a engorda dos animais duranteo inverno e o alimento do peão que os levava para as invernadas nas roças<strong>de</strong> serra (BARBOSA, 1978). A principal ativida<strong>de</strong> econômica realizada nestassesmarias era a criação extensiva <strong>de</strong> bovinos e muares.Com a in<strong>de</strong>pendência do Brasil no inicio do século XIX, o regime <strong>de</strong>sesmarias extingue-se e t<strong>em</strong> início ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> posse, no qual qualquermorador po<strong>de</strong>ria ocupar terras <strong>de</strong> forma pacífica. No entanto, as dificulda<strong>de</strong>spara os lavradores nacionais não eram menores. Segundo ZARTH(2002, p.77):“...as terras iam sendo ocupadas a partir <strong>de</strong> um centro,ao redor das poucas vilas nas quais se encontrava6 De forma a estabelecer um <strong>de</strong>staque entre as categorias <strong>de</strong> catadores não proprietários e proprietários ao longo dotexto, optamos por adotar o termo catador ao primeiro caso e catador proprietário ao útlimo.7 O engenheiro belga Pierre François Alphonse Booth Mabil<strong>de</strong> atuou como engenheiro e agrimensor das colônias (nonoroeste do Estado) entre os anos <strong>de</strong> 1848 e 1854, período <strong>em</strong> que manteve contato com grupos Kaingang, tendo<strong>de</strong>ixado registros <strong>de</strong> sua experiência <strong>em</strong> um texto e <strong>em</strong> um conjunto <strong>de</strong> notas.141


segurança (...), mercado para os produtos agrícolase condições <strong>de</strong> transportes e comunicação. Nessasáreas é que os moradores influentes, do ponto <strong>de</strong>vista político, militar ou financeiro, adquiriam gran<strong>de</strong>sextensões <strong>de</strong> terras <strong>em</strong> <strong>de</strong>trimento dos lavradorespobres. Estes <strong>de</strong>veriam sujeitar-se à condição <strong>de</strong>agregados, peões ou, então, <strong>em</strong>igrar para áreas inóspitason<strong>de</strong> a lei <strong>de</strong> posses lhes permitia ocupar terras”.A Lei n° 601 <strong>de</strong> 1850, conhecida como “Lei <strong>de</strong> Terras” acabou com osist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> posse, através do qual o acesso à terra <strong>em</strong> termos jurídicos erafacilitado. Esta lei passou a servir como instrumento <strong>de</strong> controle da proprieda<strong>de</strong>da terra (MARTINS, 1973). Sua intenção era garantir o acesso à terrasomente àqueles que tivess<strong>em</strong> dinheiro para comprá-la. Mesmo que o preçofosse irrisório, os agricultores pobres nacionais do século XIX dificilmenteteriam recursos para pagá-la e, menos ainda, para custear as <strong>de</strong>spesas legaisinerentes ao processo <strong>de</strong> requerer e legitimar seus terrenos (ZARTH, 2002).Através da Lei <strong>de</strong> Terras pretendia-se, portanto, impedir o livre acessoao solo pelos colonos imigrantes e agricultores nacionais. 8 Ela foi apontadatambém como um marco fundamental no processo <strong>de</strong> transição da escravidãopara o trabalho livre no Brasil (ZARTH, 2002, p.47).O referido autor faz a ressalva <strong>de</strong> que essas consi<strong>de</strong>rações sobre aquestão da proprieda<strong>de</strong> da terra e da imigração, supramencionadas:“São analisadas a partir do ex<strong>em</strong>plo dos cafezaispaulistas que, estando <strong>em</strong> expansão, <strong>de</strong>pararam-secom o probl<strong>em</strong>a da falta <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra. No casorio-gran<strong>de</strong>nse, ao contrário, os imigrantes foram recrutadosna Europa exatamente para tornar<strong>em</strong>-sepequenos proprietários. Mas esse fato não nega asteses dos autores citados, pois o espírito do controleda terra, imposto pela lei <strong>de</strong> 1850, permitiu que aselites do Sul <strong>de</strong>terminass<strong>em</strong> a política <strong>de</strong> ocupaçãodas terras florestais, inclusive excluindo lavradoresnacionais pobres do acesso à proprieda<strong>de</strong>, <strong>em</strong> favorda política <strong>de</strong> colonização (...) “Portanto, foram os lavradores nacionais que, <strong>em</strong> muitos casos, servindo<strong>de</strong> peões para as fazendas, se mantiveram coletando pinhão ao longo dos8 Segundo Zarth (2002) esta é uma questão unânime na literatura brasileira sobre o t<strong>em</strong>a.142


anos. Mas o pinhão também teve gran<strong>de</strong> importância para os colonos quechegaram ao final do século XIX. Segundo relato recolhido por DE BONI &COSTA (1984, p.4): “se não foss<strong>em</strong> os pinhões, não sei como teríamos sobrevivido”.Ainda conforme este relato, toda plantação dos colonos recémchegados era ”predada” pelos animais silvestres locais.Com o passar dos anos e o efetivo estabelecimento das colônias, o pinhãocontinuou sendo um alimento. Era comido cozido na água, sapecadona chapa, moído com carne, mas acima <strong>de</strong> tudo, muito utilizado na engordado porco que era criado solto. Segundo um informante (catador 1)o fazen<strong>de</strong>iro “só largava a porcada no pinhão, como diziam antigamente. Profazen<strong>de</strong>iro o pinhão não tinha valor (...)”. Entretanto, para algumas famíliaso pinhão tinha uma importância ainda maior. Como muitos não tinhamcondições <strong>de</strong> comprar café, torravam o pinhão e usavam-no <strong>em</strong> seu lugar.D<strong>em</strong>onstrando que enquanto para alguns o pinhão era utilizado paraengorda dos porcos, para outros era um recurso <strong>de</strong> segurança alimentar(BUFFÃO, 2009).3.2 O pinhão nos dias <strong>de</strong> hojeAtualmente, além das mudanças <strong>de</strong> cenário já mencionadas, t<strong>em</strong>ocorrido na região <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula a promoção da ca<strong>de</strong>ia produtivado turismo. Para tanto, a prefeitura municipal incentiva diversas festasno município. Dentre elas está a Festa do Pinhão, a ex<strong>em</strong>plo da Festa Nacionaldo Pinhão, que ocorre <strong>em</strong> Lages (SC). Como consequência <strong>de</strong>stasfestas, que hoje tomam proporções nacionais, 9 está uma maior valorizaçãodo pinhão na região. Segundo alguns informantes, este incr<strong>em</strong>ento da valorizaçãodo pinhão se iniciou nos anos 2000, por motivos que eles <strong>de</strong>sconhec<strong>em</strong>.Decorre <strong>de</strong>ste contexto o aumento da procura pelo pinhão, que apartir da análise dos dados históricos do IBGE, ten<strong>de</strong> a aumentar (C. VIEIRA--DA-SILVA, dados não publicados).Os dados coletados até o presente corroboram com esta análise. Ostrês donos <strong>de</strong> restaurantes entrevistados são unânimes <strong>em</strong> afirmar que, naépoca da festa do pinhão, os turistas chegam perguntando pelos pratos abase <strong>de</strong>sta s<strong>em</strong>ente e que a procura t<strong>em</strong> aumentado nos últimos anos. Oscomerciantes <strong>de</strong> mercados e supermercados entrevistados (N=5) diz<strong>em</strong>:“Agora todo dia aparece gente oferecendo pinhão, pra gente comprar” (informantedo ponto <strong>de</strong> venda 4). Todos, inclusive os donos <strong>de</strong> restaurantes,diz<strong>em</strong> adquirir pinhão <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> passa oferecendo, com exceção <strong>de</strong> um9 Atualmente há festas do pinhão até <strong>em</strong> Minas Gerais, Rio <strong>de</strong> Janeiro e São Paulo.143


supermercado que exige nota do produtor. Quando questionados sobresuas vendas, são unânimes <strong>em</strong> dizer: “A venda da gôndola é para turista ougente da cida<strong>de</strong> que não conhece ninguém do interior” (informante do ponto<strong>de</strong> venda 2).Assim, o pinhão que até então era para muitos agricultores e estancieirosapenas o alimento do peão e dos animais, passa a ser também vistocomo uma fonte <strong>de</strong> renda. Segundo o catador 1: “Agora com essa procurao fazen<strong>de</strong>iro tá vendo que dá pra tirar um dinheiro do pinhão também”. A mudança<strong>de</strong> postura <strong>em</strong> relação ao pinhão ocorre associada ao fato <strong>de</strong> esta seruma das poucas alternativas econômicas para os agricultores, que ficaramimpossibilitados <strong>de</strong> fazer supressão da vegetação e/ou cortar a araucáriapara ma<strong>de</strong>ira. A fala do agricultor 3 ilustra b<strong>em</strong> isso: “ tá vendo isto aqui, issoe aquilo [Pinus spp., acácia e eucalipto, respectivamente], eu planto porquese eu <strong>de</strong>ixar o mato vir, eu perco a terra. Naquela área lá <strong>de</strong> cima, agora só dápra tirar pinhão ou <strong>de</strong>ixar [o pinhão] pro gado comer”.Portanto, o pinhão que até então era fonte <strong>de</strong> renda apenas para osgrupos sociais mais marginalizados, 10 passa atualmente a ser também umaalternativa <strong>de</strong> renda para o médio e gran<strong>de</strong> proprietário <strong>de</strong> terra. Este cenárioestá trazendo conflitos <strong>de</strong> conotação socioambiental para a região.<strong>Conflitos</strong> estes por acesso ao recurso, nos quais o proprietário diz que t<strong>em</strong>sua proprieda<strong>de</strong> invadida. Segundo a informante do restaurante 1: “outrodia fui catar pinhão e fui corrida a tiro da minha própria casa”. O coletor nãoproprietário <strong>de</strong> terra afirma que a araucária está lá antes da cerca e que foiplantada pela gralha. A fala da proprietária 5 ilustra b<strong>em</strong> o conflito: “sabeaquelas casinhas ali? Eles são os que mais ven<strong>de</strong>m pinhão aqui no Cazuza, 11mas eles não t<strong>em</strong> uma araucária. Eles falam na maior cara <strong>de</strong> pau, que a araucáriafoi plantada pela gralha, não por mim. E que, portanto, não é minha (...)mas nós [os fazen<strong>de</strong>iros] estamos nos reunindo para ver se acabamos com isso”.Quando questionados sobre qu<strong>em</strong> eram aqueles catadores <strong>de</strong> pinhão, aosquais ela se referia, quando eles vieram morar <strong>em</strong> Cazuza Ferreira, a informantedisse: “Eles s<strong>em</strong>pre foram daqui. Pelo sobrenome <strong>de</strong>les, que é o mesmoque o meu, inclusive, acho que o vô <strong>de</strong>le, ou bisavô, foi escravo do meu avô”.Tais relatos ilustram, sobr<strong>em</strong>aneira, o aumento da procura pelo pinhãoe os conflitos que estão ocorrendo atualmente na região <strong>de</strong> São Francisco<strong>de</strong> Paula.10Pequenos agricultores <strong>de</strong>scapitalizados, agricultores nacionais e ex-escravos que foram excluídos do acesso a terra,b<strong>em</strong> como moradores <strong>de</strong> periferia da cida<strong>de</strong>, que <strong>em</strong> muitos casos são fruto do êxodo rural.11Cazuza Ferreira 6° Distrito <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula.144


3.3. <strong>Conflitos</strong> <strong>de</strong> acesso ao recurso e as características da coletaDiferente <strong>de</strong> outras áreas do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul que foram ocupadaspela agricultura familiar na forma <strong>de</strong> colônias, nos Campos <strong>de</strong> Cima daSerra a estrutura fundiária foi marcada pela implantação das sesmarias aolongo do século XVIII. Ainda que passados mais <strong>de</strong> dois séculos, gran<strong>de</strong> parceladas terras permanece concentrada <strong>em</strong> fazendas. Estas fazendas, aindaque possam contribuir para a conservação da FOM, concentram os fatores<strong>de</strong> produção e o pinhão como recurso. As características que marcam estesdois municípios tornam a região relevante do ponto <strong>de</strong> vista ecológico eambiental, mas também transfer<strong>em</strong> ao contexto sócio produtivo do pinhãoum conjunto <strong>de</strong> situações das quais <strong>em</strong>erg<strong>em</strong> conflitos <strong>de</strong> acesso e uso.Na medida <strong>em</strong> que se t<strong>em</strong> por objetivo enten<strong>de</strong>r as diferentes práticasextrativistas, se torna necessário compreen<strong>de</strong>r o contexto socioeconômicono qual elas acontec<strong>em</strong>. As dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso a terra, o êxodo rural, ascondições <strong>de</strong> trabalho precárias, as limitadas oportunida<strong>de</strong>s no meio rurale a marginalida<strong>de</strong> urbana que caracterizam os municípios <strong>de</strong> São Francisco<strong>de</strong> Paula e <strong>de</strong> Cambará do Sul, <strong>de</strong>mandam novas estratégias <strong>de</strong> sobrevivênciadas famílias e grupos ali resi<strong>de</strong>ntes, os quais lançam mão dos recursosdisponíveis para garantir sua sobrevivência.Isso fica evi<strong>de</strong>nte no caso no extrativismo do pinhão naqueles municípios,on<strong>de</strong> 19 % dos informantes que são proprietários <strong>de</strong> terra (n= 27) indicama ocorrência <strong>de</strong> roubo do pinhão nas suas áreas, ou <strong>em</strong> outras áreas<strong>de</strong> coleta. Este fato parece ter íntima relação com aspectos produtivos, namedida <strong>em</strong> que a ativida<strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stina <strong>de</strong> coleta po<strong>de</strong> estar sendo realizadapor pessoas que não t<strong>em</strong> conhecimento associado a esta prática, ou,mesmo que o tenham, o grau <strong>de</strong> marginalização da ativida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> levá--las a uma subversão na forma <strong>de</strong> manejo, <strong>em</strong> relação ao que seria a coletatradicional. A associação <strong>de</strong>stas duas situações é relatada com freqüência,ou seja, casos <strong>de</strong> coleta s<strong>em</strong> consentimento e <strong>de</strong>rrubada <strong>de</strong> pinhas <strong>em</strong>momento impróprio (ver<strong>de</strong>s).Outra questão geradora <strong>de</strong> conflitos <strong>em</strong> torno do extrativismo do pinhãoé a prática <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> pinhão <strong>em</strong>pregada pelas populações locais.Tradicionalmente, as práticas <strong>de</strong> extrativismo são a subida no pinheiro ea catação no chão, sendo que a primeira está relacionada à <strong>de</strong>rrubada dapinha e a segunda a coleta do pinhão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ocorrer a <strong>de</strong>bulha natural.Dos 34 informantes entrevistados, 42% tinham como prática <strong>de</strong> coletapredominante a catação, 36 % a subida e 22% associam as duas técnicas.O conflito <strong>de</strong>rivado da coleta do pinhão parece estar relacionado à regulamentaçãoda ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extrativismo, a qual se fundamenta na busca <strong>de</strong>145


garantias da conservação do recurso. No âmbito da regulamentação legalargumenta-se que a <strong>de</strong>rrubada da pinha ocorre <strong>em</strong> momento ina<strong>de</strong>quado,ou seja, na fase <strong>em</strong> que o pinhão ainda não estaria maduro. Além disso, estaprática estaria interferindo <strong>em</strong> aspectos relacionados à sustentabilida<strong>de</strong> daespécie (Araucaria angustifolia) e suas relações ecológicas, pois na medida<strong>em</strong> que ocorre a <strong>de</strong>rrubada da pinha pr<strong>em</strong>aturamente, estariam sendo reduzidasas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> reprodução da árvore, <strong>de</strong>vido a diminuição dadispersão natural das suas s<strong>em</strong>entes. Outra questão ambiental levantadaé que a coleta impe<strong>de</strong> que as s<strong>em</strong>entes sirvam <strong>de</strong> alimento para a faunanativa associada ao pinheiro.Do ponto <strong>de</strong> vista do manejo, alguns conhecimentos etnobotânicose etnoecológicos relatados pelos informantes <strong>de</strong>veriam ser reconhecidose incorporados pelos instrumentos normativos. Por ex<strong>em</strong>plo, os dados <strong>de</strong>campo até agora <strong>de</strong>monstram que os informantes i<strong>de</strong>ntificam pelo menostrês etnovarieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pinhão e as classificam, sobretudo, pelo período <strong>de</strong>maturação. São elas: o pinhão-macaco, o caiuvá e o pinhão <strong>de</strong> março, esteúltimo <strong>de</strong> maturação precoce. Entretanto, a única normatização oficial vigente<strong>em</strong> nível nacional a respeito dos períodos <strong>de</strong> coleta do pinhão é aPortaria no 20/1976, ainda do t<strong>em</strong>po do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> DesenvolvimentoFlorestal, extinto <strong>em</strong> 1989. Ela libera a coleta e venda do pinhãosomente a partir <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> abril. Em 2011, o Estado <strong>de</strong> Santa Catarina fezuma nova lei estadual liberando a coleta a partir <strong>de</strong> 1o <strong>de</strong> abril (Lei Estadualno 15.457 <strong>de</strong> 17/01/2011).De 33 informantes entrevistados, 24% não perceb<strong>em</strong> variação da oferta<strong>de</strong> pinhão ao longo do t<strong>em</strong>po, 45% perceb<strong>em</strong> que há uma maior oferta<strong>de</strong> pinhão no mês <strong>de</strong> maio. Os <strong>de</strong>mais (31%) compreen<strong>de</strong>m interseçõesdos meses <strong>de</strong> abril-maio e maio-junho como sendo o período <strong>de</strong> maiorprodutivida<strong>de</strong>. Um fator que compl<strong>em</strong>enta isto é a capacida<strong>de</strong> dos informantes<strong>em</strong> i<strong>de</strong>ntificar o ponto <strong>de</strong> maturação da pinha. Com gran<strong>de</strong> frequênciafoi relatado que o ponto <strong>de</strong> maturação da pinha é o estágio on<strong>de</strong> estacomeça a “pintar” (ficar manchada), o que antece<strong>de</strong> a <strong>de</strong>bulha natural. Doisinformantes associaram a maturação do pinhão com o comportamento <strong>de</strong>subida do ouriço (Sphiggurus villosus Cuvier, 1822) na araucária e do aumentodo aparecimento dos papagaios nas árvores (Amazona pretrei T<strong>em</strong>minck,1830 e A. vinacea Kuhl, 1820).As práticas <strong>de</strong> coleta também estão relacionadas às dimensões culturaise aos fatores produtivos. De acordo com os relatos, a subida no pinheirov<strong>em</strong> <strong>de</strong>crescendo, <strong>de</strong>vido ao risco que ela oferece; no entanto parece haverum reconhecimento (e conseqüente valorização) da corag<strong>em</strong> daquelesque praticam a subida.146


Quanto aos fatores produtivos, buscou-se levantar o número <strong>de</strong> pessoasenvolvidas no trabalho <strong>de</strong> coleta, a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> horas diárias <strong>em</strong>pregadase o rendimento do trabalho. Embora estas três variáveis pareçam teruma relação <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência, os dados obtidos, não permitiram umaanálise estatística robusta. No entanto, a percepção daqueles informantesque trabalham com a <strong>de</strong>rrubada da pinha indica que esta prática ofereceum maior rendimento do trabalho <strong>em</strong>pregado. Esta percepção também foiapontada nos trabalhos <strong>de</strong> SANTOS et al. (2002) e VIEIRA-DA-SILVA & REIS(2009). Por esse motivo a coleta do pinhão pela <strong>de</strong>rrubada das pinhas permitecompensar a falta <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra familiar, ou mesmo otimizar o t<strong>em</strong>podisponível entre as diferentes ativida<strong>de</strong>s do trabalho cotidiano.Por outro lado a catação do pinhão, que envolve menor risco <strong>em</strong> relaçãoà subida no pinheiro, exige um trabalho repetitivo e um condicionamentoda postura <strong>de</strong> trabalho. Pelo fato <strong>de</strong> normalmente ser feito s<strong>em</strong>luvas ou qualquer outro equipamento <strong>de</strong> proteção, o ato <strong>de</strong> catar o pinhãocomumente provoca ferimento nas mãos pelo contato com a umida<strong>de</strong> e ainjúria provocada pelas grimpas 12 que ca<strong>em</strong> dos pinheiros.A sazonalida<strong>de</strong> produtiva do pinhão ocorre dos meses <strong>de</strong> abril a julho.Nos Campos <strong>de</strong> Cima da Serra este período já é marcado pela forte quedada t<strong>em</strong>peratura e por uma umida<strong>de</strong> contínua. Estas condições climáticastípicas da região constitu<strong>em</strong>-se <strong>em</strong> fatores que dificultam o trabalho <strong>de</strong> coletado pinhão. Associado a isso está o acesso às áreas <strong>de</strong> coleta, aon<strong>de</strong> n<strong>em</strong>s<strong>em</strong>pre se chega <strong>de</strong> veículo, sendo usado cavalo, mula ou mesmo o transportebraçal do produto coletado. O caráter essencialmente manual e rudimentardo processo produtivo, quando associado a sua realização num período<strong>de</strong> inverno, aumenta a penosida<strong>de</strong> do trabalho. Talvez estas condiçõescorrobor<strong>em</strong> para a opção da coleta do pinhão através da subida no pinheiro.Mesmo com essas dificulda<strong>de</strong>s, <strong>em</strong> relação a importância do pinhão,<strong>de</strong> 31 entrevistados que respon<strong>de</strong>ram sobre o produto <strong>de</strong> maior contribuiçãodas ativida<strong>de</strong>s produtivas da família, apenas dois <strong>de</strong>stacaram o pinhãocomo principal gerador <strong>de</strong> renda. De 33 que respon<strong>de</strong>ram sobre as razõesda importância do pinhão, 19% <strong>de</strong>stacam que sua maior importância épara a alimentação; 37% para a renda e 44% para alimentação e renda simultaneamente.Note-se que, <strong>em</strong>bora não seja a principal fonte <strong>de</strong> renda,a gran<strong>de</strong> parcela dos entrevistados i<strong>de</strong>ntifica sua importância, apontandoassim a compl<strong>em</strong>entarida<strong>de</strong> do pinhão e outras ativida<strong>de</strong>s para a geraçãoda renda familiar. Inúmeras falas <strong>de</strong> entrevistados corroboram este fato:12 Nome dado ao ramo seco da araucária.147


“Eu uso quase s<strong>em</strong>pre para pagar as contas atrasadas.Veja, eu, pelo menos, comprei carro, e t<strong>em</strong> quefazer revisão e t<strong>em</strong> as contas do dia a dia. Daí quandochega a época do pinhão, a gente pensa, vou pegarum pinhão para pagar estas contas, para sairdo sufoco. Antes do pinhão a gente paga um contaaqui outra ali.” (Catador 1).“O dinheiro do pinhão é meu, o dinheiro do queijo épro rancho, ano passado eu comprei um microondascom o dinheiro do pinhão (...) Eu fecho a cercaescondida do Zé pro gado não entrar e comer meuspinhõezinhos” (Catador proprietário 2).“Comprei esta torra<strong>de</strong>rinha com os meus pinhãozinhoque eu juntei. E esta máquina aqui eu pagueimeta<strong>de</strong> <strong>de</strong>la com o dinheiro do pinhão. Com o dinheirodo pinhão <strong>de</strong>ste ano acho que vou comprarum forno, porque este meu já tá velho” (Catadorproprietário 2).Neste sentido, ressalta-se na fala <strong>de</strong> um catador a relação entre a valoraçãodo pinhão e a questão legal: “A época que o pinhão dá mais dinheiroé quando não tá liberado. Os pinhões que começam a <strong>de</strong>bulhar <strong>em</strong> março,qu<strong>em</strong> tira escondido, chega a tirar ali uns R$5,00/kg.” (Catador 1). Esta fala<strong>de</strong>monstra não somente que uma das questões fundamentais associadasa esta ativida<strong>de</strong> relaciona-se aos termos da regulamentação, mas tambémaponta para outro fato que ressaltamos anteriormente, a i<strong>de</strong>ntificação, pelaperspectiva dos catadores, da existência <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>s com o pico <strong>de</strong> maturaçãoanteriores ao período permitido por lei para coleta.4. Consi<strong>de</strong>rações finaisO conjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e os sist<strong>em</strong>as sociais e ecológicos <strong>em</strong> que osPFNM estão envolvidos apresentam algumas especificida<strong>de</strong>s inter-relacionadas,quais sejam: a) uma pequena escala <strong>de</strong> produção; b) associação a sist<strong>em</strong>asprodutivos caracterizados por uma multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, nasquais o extrativismo é apenas uma faceta; c) pequena parcela <strong>de</strong>stes produtosintegrando circuitos <strong>de</strong> comercialização monetária; d) integração à lógicada economia doméstica, tanto na forma <strong>de</strong> subsistência como com outrossignificados simbólicos e, neste sentido, muitas vezes, invisíveis sob a óticados instrumentos <strong>de</strong> análise normais, centrados no retorno econômico.148


Os aspectos relacionados às técnicas <strong>de</strong> coleta, às diferentes varieda<strong>de</strong>s<strong>de</strong> pinhão e períodos <strong>de</strong> maturação das pinhas, constitu<strong>em</strong> um gran<strong>de</strong>campo para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estudos sobre práticas <strong>de</strong> manejo. Taisestudos precisam consi<strong>de</strong>rar os fatores biológicos e ecológicos da Araucariaangustifolia, aproveitando o conhecimento ecológico local daquelesque faz<strong>em</strong> o uso do pinhão como recurso.Somado a isso, a prática <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong>veria ser acompanhada pela estimativa<strong>de</strong> produção <strong>de</strong> pinhão para a safra seguinte. São questões que<strong>de</strong>monstram as tensões e in<strong>de</strong>finições inerentes ao campo das preocupaçõesrelacionadas à sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um produto com uma relevânciaecológica, cultural e econômica.5. Referências BibliográficasACSELRAD, H. 2001. Políticas ambientais e construção <strong>de</strong>mocrática, p.75 – 96. In: VIANNA,G.; SILVA, M.; DINIZ, N. (Org.). O <strong>de</strong>safio da sustentabilida<strong>de</strong>: um <strong>de</strong>bate socioambientalno Brasil. 2°ed. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo.ALMEIDA, M.W.B. 2004. Direitos à floresta e <strong>Ambiental</strong>ismo: Seringueiros e suas lutas. RevistaBrasileira <strong>de</strong> Ciências Sociais, 55 (19): 33-52,BARBOSA, F.D. 1978. Vacaria dos Pinhais. Caxias do Sul, Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Caxias do Sul.BRASIL, 2006. Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística. 2006. Produção da ExtraçãoVegetal e da Silvicultura. Rio <strong>de</strong> Janeiro: IBGE, v. 21.BUFFÃO, M.P. 2009. Muito prazer! Eu me chamo - Rincão dos Kroeff: mais do que história,uma l<strong>em</strong>brança. Porto Alegre, CORAG.CUNHA, M.C. 1999. Populações tradicionais e a Convenção da Diversida<strong>de</strong> Biológica. EstudosAvançados 36 (13): 147-163.DE BONI, L.A. & COSTA, R. 1984. Os italianos no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Porto Alegre, EST.DIEGUES, A.C.S. 1996. O Mito Mo<strong>de</strong>rno da Natureza Intocada. São Paulo, Hucitec.HOMMA, A.K.O. 1993. Extrativismo na Amazônia: limites e oportunida<strong>de</strong>s. Brasília, EM-BRAPA/SPI.LESCURE, J.P. 2000. Algumas questões a respeito do extrativismo, p.191-206. In: EMPERAIRE,L. (Ed.). A floreta <strong>em</strong> jogo: o extrativismo na Amazônia Central. São Paulo, Editora UNESP,Imprensa Oficial do Estado.IRIARTE, J. BEHLING, H. 2007. The expansion of Araucaria forest in the southern Brazilian highlandsduring the last 4000 years and its implications for the <strong>de</strong>velopment of the Taquara/Itarare´ Tradition, Environmental Archaeology, v. 12, n. 2, p. 115-127.149


LITTLE, P. 2001. <strong>Conflitos</strong> socioambientais: um campo <strong>de</strong> estudo e <strong>de</strong> ação política. In:Bartholo Jr., R. S., Bursztyn, M. A difícil sustentabilida<strong>de</strong>: política energética e conflitosambientais. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Garamond. p. 107 – 122.MABILDE, P. F. 1983. Apontamentos sobre os indígenas selvagens da Nação Coroados dosmatos da Província do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul – 1836-1866. São Paulo: Ibrasa; [Brasília]: INL /Fundação Nacional Pró-M<strong>em</strong>ória.MABILDE, A. 1988. O índio Kaingang do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul no final do seculo XIX. Documentos,Arqueologia no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil 2, 141–72.MARTINS, J. S. 1973. A imigração e a crise do Brasil agrário. São Paulo: Pioneira.MOTTA, D.M., SCHMITZ, H. & SILVA JUNIOR, J.F. 2007. O extrativismo <strong>em</strong> t<strong>em</strong>pos <strong>de</strong> globalizaçãono nor<strong>de</strong>ste brasileiro. In: XIII Congresso Brasileiro <strong>de</strong> Sociologia. Trabalho Completo.Anais.... Recife: UFPE. Disponível <strong>em</strong>: http://www.catadoras<strong>de</strong>mangaba.com.br/publicacoes/texto-9.pdf. Acesso <strong>em</strong>: 04/06/2011.MURDOCH, J. & MIELE, M. 1999. ‘Back to nature’: changing ‘world of production’ in thefood sector. Sociologia ruralis 39 (4): 465-484.SANTOS, A.J., CORSO, N.M., MARTINS, G. & BITTENCOURT, E. 2002. Aspectos produtivos ecomerciais do pinhão no Estado do Paraná. Revista Floresta 32 (2): 163-169.150


CAPÍTULO 10:ECONEGOCIAÇÃO - ECONEGOTIATIONRodrigo Cambará PRINTES 1ResumoMuitos conflitos ambientais narrados ao longo <strong>de</strong>ste livro <strong>de</strong>corr<strong>em</strong>da ausência <strong>de</strong> regularização fundiária nas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação (UC)<strong>de</strong> proteção integral. As razões para isso são: 1) falta <strong>de</strong> documentação (ouexcesso <strong>de</strong> burocracia); 2) falta <strong>de</strong> planejamento; 3) Mau investimento dosrecursos existentes; 4) falta <strong>de</strong> priorização política. As comunida<strong>de</strong>s que viv<strong>em</strong><strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong>stinadas a UC <strong>de</strong> proteção integral pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>regularização fundiária não po<strong>de</strong>m ser beneficiadas pelo Licenciamento<strong>Ambiental</strong>. Isto po<strong>de</strong> levar a crimes ambientais. O crime ambiental não éum consenso. Por trás <strong>de</strong> todo manejo há um conceito. Algumas formas<strong>de</strong> manejo tradicionais foram consi<strong>de</strong>radas nefastas por certos grupos queconseguiram proibi-las. Dentro <strong>de</strong>ste contexto, a gestão ambiental passapela negociação <strong>de</strong> conflitos. O mo<strong>de</strong>lo “tragédia dos comuns” <strong>de</strong> Hardin(1968) e os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> auto-regulação <strong>de</strong> Berkes (1985) po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados<strong>em</strong>basamento teórico para a econegociação. Os acordos <strong>de</strong> manejosobre t<strong>em</strong>as específicos, as notificações para corrigir danos ambientaise a conversão <strong>de</strong> multas <strong>em</strong> advertências, são citados como ferramentas<strong>de</strong> econegociação. Estes instrumentos precisam ser mais frequent<strong>em</strong>enteaplicados pelos gestores ambientais e aprimorados pelo Po<strong>de</strong>r Público. Ascomunida<strong>de</strong>s locais precisam ser esclarecidas sobre as categorias possíveis<strong>de</strong> licenciamento florestal. Os processos <strong>de</strong> licenciamento ambiental<strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser agilizados, através da redução da burocracia e do número <strong>de</strong>Projetos <strong>de</strong> Recuperação <strong>de</strong> Áreas Degradadas (PRAD), <strong>de</strong>mandados peloMinistério Público às Agências Florestais da SEMA.Palavras-chave: conflitos, unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação, crimes ambientais,econegociação1 Professor adjunto <strong>de</strong> ecologia/UERGS/Laboratório <strong>de</strong> Gestão <strong>Ambiental</strong> e Negociação <strong>de</strong> <strong>Conflitos</strong> (GANECO) - RuaAssis Brasil, 842, Centro, São Francisco <strong>de</strong> Paula, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, Brasil, CEP 95.400.00. e-mail: rodrigo-printes@uergs.edu.br151


AbstractMany of the environmental conflicts reported in the present book aredue to the lack of money restitution or any other kind of reparation ma<strong>de</strong>for the loss of land of the owners that live in lands chosen and later <strong>de</strong>signedto become totally protected conservational units (CU). The reasons forthis are: 1) lack of documentation (or extr<strong>em</strong>e bureaucracy); 2) lack of planning;3) poor investment of existing resources; 4) lack of political priority.The people who live in the areas that will become totally protected CUscannot be able to get any legal environmental authorization, unless theyhave the legal situation of their lands straighten. This requir<strong>em</strong>ent can leadto environmental crimes. The meaning of an environmental crime is not aconsensus. Every different environmental manag<strong>em</strong>ent se<strong>em</strong>s to producea different concept. Some types of traditional manag<strong>em</strong>ent have beenconsi<strong>de</strong>red dangerous by some groups, who, after this, were able to bantheir use. In this context, environmental manag<strong>em</strong>ent <strong>de</strong>pends on conflictresolution. The mo<strong>de</strong>l “tragedy of the commons” from Hardin (1968) andthe self-regulation syst<strong>em</strong>s from Berkes (1985) have been consi<strong>de</strong>red to bethe theoretical base for econegotiation. Manag<strong>em</strong>ent agre<strong>em</strong>ents aboutspecific probl<strong>em</strong>s, notification to mitigate an environmental damage andconverting fines into mere warnings are examples of econegotiation instruments.These tools need to be more frequently used by environmentalmanagers and enhanced by the government. Local communities need tolearn about the various and different possible kinds of forestry licenses. Environmentallicense process needs to be faster, through the reduction ofbureaucratic work.Key-words: conflicts, protected conservational units, environmentalcrime, negotiation1. Notícias do frontOs conflitos sócio-ambientais documentados ao longo <strong>de</strong>ste livro envolv<strong>em</strong>questões sobre a proprieda<strong>de</strong>, a posse, a territorialida<strong>de</strong>, o uso daterra e da água. No caso das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteção integral,a maior parte <strong>de</strong>stes probl<strong>em</strong>as está relacionada ao fato <strong>de</strong> que o Po<strong>de</strong>rPúblico as cria legalmente, mas não as in<strong>de</strong>niza, não as regulariza <strong>em</strong> termosfundiários. São os chamados "paper parks". É o caso do Parque Estadualdo Tainhas (Capítulo 6) e também do Parque Natural Municipal da Ronda(Capítulo 8).152


Algumas das razões para esta não-apropriação <strong>de</strong> fato pelo Estado, <strong>de</strong>áreas consi<strong>de</strong>radas oficialmente tão importantes, são as seguintes (não necessariamentenessa or<strong>de</strong>m): 1) Falta <strong>de</strong> documentação (ou excesso <strong>de</strong> burocracia):a legislação exige uma série <strong>de</strong> documentos, tais como escrituras,certidões negativas <strong>de</strong> débito, certidões <strong>de</strong> casamento, etc., para que sejamfeitas as in<strong>de</strong>nizações. Muitas vezes as comunida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>m naquelas áreashá três gerações e não t<strong>em</strong> estes documentos. 2) Falta <strong>de</strong> planejamento:As poucas aquisições <strong>de</strong> terras que ocorreram nos últimos quatro anos nasáreas <strong>de</strong>stinadas à UC <strong>de</strong> proteção integral pelo governo do Estado do RioGran<strong>de</strong> do Sul foram feitas com recursos <strong>de</strong> medidas compensatórias, <strong>de</strong>vidoàs exigências da Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.985/00 e do Decreto 4.340/02. Se umgestor tentar in<strong>de</strong>nizar áreas com recursos do Estado ouvirá a resposta <strong>de</strong>que não há previsão orçamentária para isso, o que também o impe<strong>de</strong> <strong>de</strong>fazer um planejamento anual <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> áreas. As medidas compensatórias,que <strong>de</strong>veriam ser recursos compl<strong>em</strong>entares para a gestão <strong>de</strong> UC,se tornaram a única fonte <strong>de</strong> arrecadação para a in<strong>de</strong>nização dos proprietários.Resulta que quanto maior for o impacto ambiental <strong>de</strong> uma obra,como, por ex<strong>em</strong>plo, uma gran<strong>de</strong> hidrelétrica, mais ela gerará recursos paraas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação. 3) Investimento ina<strong>de</strong>quado dos recursos existentes:mesmo os recursos <strong>de</strong> medida compensatória, que eventualmentevenham a surgir neste caótico cenário, muitas vezes são investidos <strong>em</strong><strong>de</strong>sacordo com o que prevê o Decreto Fe<strong>de</strong>ral 4.340/02, Art. 33, segundoo qual a priorida<strong>de</strong> seria a aquisição <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong>stinas a UC <strong>de</strong> proteção integral.É comum os recursos <strong>de</strong> medida compensatória ser<strong>em</strong> usados paracomprar veículos 4 X 4, uniformes, equipamentos, ou para fazer planos <strong>de</strong>manejo. De que adianta ter um plano <strong>de</strong> manejo se não é possível fazergestão <strong>em</strong> terras alheias? Isto explica por que as Áreas <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong>(APA) estão entre as UC que melhor funcionam no Rio Gran<strong>de</strong> doSul nos dias <strong>de</strong> hoje. Sua gestão já parte do pressuposto <strong>de</strong> que não haveráaquisição <strong>de</strong> áreas. 4) Falta <strong>de</strong> priorização política: os gestores públicos queocupam os cargos mais altos, normalmente indicados por partidos políticos,na maioria das vezes, <strong>de</strong>sejam ações <strong>de</strong> maior visibilida<strong>de</strong> do que aregularização fundiária das UC.É muito importante observar que as comunida<strong>de</strong>s resi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> áreas <strong>de</strong>stinadas a UC <strong>de</strong> proteção integral, com regularização fundiáriapen<strong>de</strong>nte, não po<strong>de</strong>m ser beneficiadas pelo licenciamento florestal ou ambiental.Isto significa que não po<strong>de</strong>m obter licença para cortar árvores porelas plantadas, para cortar a vegetação <strong>em</strong> estágio inicial da sucessão visandoestabelecer uma roça, certificar sist<strong>em</strong>as agroflorestais, regularizar plan-153


tios silviculturais, construir agroindústria, n<strong>em</strong> mesmo instalar uma novare<strong>de</strong> <strong>de</strong> energia elétrica <strong>em</strong> suas casas. Isto ten<strong>de</strong> a jogar os m<strong>em</strong>bros <strong>de</strong>stascomunida<strong>de</strong>s na informalida<strong>de</strong>, colocando-os à marg<strong>em</strong> da legislaçãoambiental, tornando-os infratores ambientais. Pior do que isto, estas pessoas,após, uma infração ambiental julgada, <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser réus primários<strong>em</strong> processos judiciais, quando <strong>de</strong> fato são apenas pequenos agricultores.Dentro <strong>de</strong>ste cenário, a tão evocada questão da sobreposição <strong>de</strong> territóriosindígenas com unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação (UC x TI) é um probl<strong>em</strong>amenor, não merece a relevância que se t<strong>em</strong> atribuído a ela. Primeiro porqueos povos indígenas historicamente são aliados <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> conservaçãoe uso sustentável dos recursos naturais, <strong>de</strong>vido ao seu próprio "modus vivendi",caracterizado pelo baixo impacto ambiental, s<strong>em</strong> esquecer que sãopessoas com necessida<strong>de</strong>s cada vez mais complexas, como todos os povosque viv<strong>em</strong> no século XXI. Segundo, por que as áreas <strong>em</strong> questão raramentesão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> do Estado, e a celeuma ocorre sobre terras <strong>de</strong> domínioprivado. Para ser TI uma área também <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sapropriada, assimcomo para ser UC, e então está sujeita às mesmas forças negativas relativasà questão fundiária, citadas anteriormente. Cada vez mais o mo<strong>de</strong>lo<strong>de</strong> gestão das TI está ficando parecido com o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> gestão das UC, oque é preocupante, se consi<strong>de</strong>rarmos todos os conflitos e probl<strong>em</strong>as queverificamos ao longo <strong>de</strong>ste livro.2. O crime ambiental não é um consensoDo ponto <strong>de</strong> vista da aplicação da legislação, a Lei <strong>de</strong> Crimes Ambientais(9.605/98) e do Decreto Fe<strong>de</strong>ral 6.514/08, que a regulamenta, t<strong>em</strong>provocado gran<strong>de</strong>s conflitos, tanto quanto o SNUC (Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.985/00).Ocorre que o crime ambiental não é um consenso como um homicídio ouum roubo. Por trás <strong>de</strong> todo manejo há um conceito e não se estabelec<strong>em</strong>novos conceitos por <strong>de</strong>creto. Com o t<strong>em</strong>po, algumas formas <strong>de</strong> manejotradicionais foram sendo consi<strong>de</strong>radas nefastas por certos grupos que, articuladoscom legisladores e políticos, conseguiram proibi-las. Esta proibiçãomuitas vezes levou à criminalização <strong>de</strong> práticas seculares <strong>de</strong> manejo, taiscomo o uso do fogo (Capítulo 4), a caça para subsistência, a coleta <strong>de</strong> pinhões(Capítulo 9), a coleta <strong>de</strong> lenha (Capítulo 8), o uso <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iras nativasna proprieda<strong>de</strong>, entre outros (ver DIEGUES, 1996; DIEGUES, 2001). Algumas<strong>de</strong>stas práticas se tornaram totalmente proibidas e outras licenciáveis, mediantegran<strong>de</strong> burocracia e contratação <strong>de</strong> responsável técnico.154


O caso do uso do fogo é <strong>em</strong>bl<strong>em</strong>ático. Primeira prática <strong>de</strong> manejosnos Campos <strong>de</strong> Cima da Serra, passou a ser proibido pela Constituição doEstado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul <strong>em</strong> 1989 e pelo Código Florestal Estadual,Lei Estadual 9.519/92. A Lei Fe<strong>de</strong>ral 9.605/98 e o Decreto Fe<strong>de</strong>ral 6.514/08ratificaram esta proibição, estabelecendo os valores das multas e <strong>de</strong>maispenalida<strong>de</strong>s. A queima do capim seco do inverno nas pradarias, usada parafacilitar a quebra <strong>de</strong> dormência <strong>de</strong> algumas espécies <strong>de</strong> gramíneas e acelerara renovação da pastag<strong>em</strong>, popularmente chamada <strong>de</strong> “sapecada”, nosCampos <strong>de</strong> Cima da Serra, passou a ser consi<strong>de</strong>rada tão nefasta quando aqueima <strong>de</strong> florestas. O resultado foi que muitos antigos pecuaristas arrendaramsua área para <strong>em</strong>presas <strong>de</strong> silvicultura <strong>de</strong> Pinus spp., ou eles mesmosse converteram <strong>em</strong> silvicultores. Isto t<strong>em</strong> ocasionado o <strong>de</strong>saparecimentodos campos, nativos ou manejados. Muitos proprietários também estãoarrendando seus campos para os plantadores <strong>de</strong> batata, os quais faz<strong>em</strong>contratos <strong>de</strong> 3 a 6 meses. Estes arrendatários não t<strong>em</strong> nenhum vínculo territorialcom a área <strong>em</strong> questão e nenhum compromisso com o futuro dosolo que está sendo manejado. Tais <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>dores rurais não raramentedrenam banhados e nascentes, além <strong>de</strong> r<strong>em</strong>over<strong>em</strong> com o trator a finacamada <strong>de</strong> solo fértil das proprieda<strong>de</strong>s (on<strong>de</strong> predominam neossolos e latossolosalumínicos), s<strong>em</strong> consi<strong>de</strong>rar se estão <strong>em</strong> Áreas <strong>de</strong> Preservação Permanente(<strong>de</strong>finidas pela Lei Fe<strong>de</strong>ral 4.771/65). Some-se a isso a utilização<strong>de</strong> 10 a 14 tipos diferentes <strong>de</strong> agrotóxicos, <strong>em</strong> região <strong>de</strong> nascentes, impactob<strong>em</strong> documentado nos Capítulos 2 e 3 <strong>de</strong>ste livro.Embora seja possível, e até mais rentável <strong>em</strong> longo prazo, a pecuárias<strong>em</strong> uso do fogo, conforme <strong>de</strong>monstrado no Capítulo 4, está longe da realida<strong>de</strong>financeira e do alcance cultural da gran<strong>de</strong> maioria dos proprietários.Entretanto, a proibição total do uso do fogo está gerando um impacto ambientalnegativo imensamente maior do que po<strong>de</strong>ria ter o seu licenciamento.Recent<strong>em</strong>ente o Sindicato Rural <strong>de</strong> São Francisco <strong>de</strong> Paula ganhou ações<strong>em</strong> primeira e segunda instâncias que levaram à liberação do uso do fogocomo ativida<strong>de</strong> licenciável. Porém, as exigências feitas pela Divisão <strong>de</strong> Licenciamento<strong>Ambiental</strong> da SEMA tornaram este manejo insustentável financeiramente,para a maioria dos proprietários, especialmente os pequenos.*Por todas estas razões, a gestão ambiental hoje passa pela negociação<strong>de</strong> conflitos. O (a) gestor (a) ambiental precisa ter um perfil <strong>de</strong> negociador(a), mais do que <strong>de</strong> chefe ou <strong>de</strong> xerife. Ele (a) <strong>de</strong>ve buscar pontos <strong>de</strong> consensoe uma agenda comum com os grupos sociais que o cercam parapo<strong>de</strong>r cumprir os seus objetivos. A seguir, analisar<strong>em</strong>os, brev<strong>em</strong>ente, como* A lei Estadual n o 13913/12 que regulamenta o uso do fogo para renovação <strong>de</strong> pastagens, foi aprovada pela Ass<strong>em</strong>bleia Legislativa<strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 2012. Entretanto, foi caçada por uma Ação Direta <strong>de</strong> Inconstitucionalida<strong>de</strong> <strong>em</strong> 09 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2012.155


os teóricos t<strong>em</strong> abordado estas questões ao longo dos anos e quais os instrumentosou ferramentas que t<strong>em</strong>os para a negociação <strong>de</strong> conflitos naárea ambiental, no âmbito das Unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Conservação.3. A tragédia dos comunsProfessor <strong>de</strong> biologia da Universida<strong>de</strong> da Califórnia, <strong>em</strong> Santa Bárbara,Estados Unidos, Hardin publicou seu artigo The tragedy of commonsna revista Science, <strong>em</strong> 1968. Po<strong>de</strong>mos dizer que este é um dos artigosmais citados até hoje na área <strong>de</strong> conflitos envolvendo o uso <strong>de</strong> recursosnaturais, seja para confirmar suas hipóteses, seja para questioná-las profundamente(BURKE, 2001). HARDIN gerou um dos poucos, senão o únicoparadigma que t<strong>em</strong>os na área <strong>de</strong> manejo dos recursos naturais e gestão<strong>de</strong> áreas protegidas.Essencialmente, para HARDIN (1968), se um recurso natural for <strong>de</strong>ixadoà disposição dos usuários, mais cedo ou mais tar<strong>de</strong> será levado aoesgotamento por falta <strong>de</strong> planejamento e controle. “Um mundo finito sópo<strong>de</strong> suportar uma população finita” é uma das suas frases célebres e muitoquestionada pelos teóricos. “O máximo <strong>de</strong> bens para o máximo <strong>de</strong> pessoasé mat<strong>em</strong>aticamente impossível”, afirmava ele, citando o teor<strong>em</strong>a do mat<strong>em</strong>áticoD’Al<strong>em</strong>bert (1717-1783), que <strong>de</strong>monstrou a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>maximizar duas variáveis ao mesmo t<strong>em</strong>po. Aqui ele colocou <strong>em</strong> cheque asocial <strong>de</strong>mocracia e também o conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento sustentável,<strong>em</strong>bora seu artigo seja muito anterior à incorporação <strong>de</strong>ste conceito aodiscurso dos políticos e <strong>em</strong>presas, que ocorreu a partir <strong>de</strong> 1987. O autor<strong>de</strong>fendia que a única maneira <strong>de</strong> evitar a tragédia dos comuns seria atravésdo controle do Estado. E mesmo assim perguntava: “Quis custodies ipsos custodies?(Qu<strong>em</strong> fiscalizará os fiscalizadores?)” Outro tópico do artigo é: “Comolegislar t<strong>em</strong>perança?” (HARDIN, 1968).Entretanto foi STILLMAN (1975), que estabeleceu as condições paraque a tragédia dos comuns ocorra. Segundo ele, essas condições seriam:Os recursos <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser <strong>de</strong> livre acesso aos interessados;Os interesses pessoais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser colocados acima dos interesses coletivos;A taxa <strong>de</strong> exploração dos recursos <strong>de</strong>ve ser mais alta do que a sua taxa<strong>de</strong> reposição (ou, dito <strong>de</strong> outra forma, o impacto sobre o ecossist<strong>em</strong>a <strong>de</strong>veser maior do que a sua capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resiliência).Uma vez preenchidos estes três pré-requisitos, estaríamos diante <strong>de</strong>um cenário <strong>de</strong> tragédia dos comuns. Po<strong>de</strong>mos citar com ex<strong>em</strong>plo o atual156


sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> plantio <strong>de</strong> batata nos Campos <strong>de</strong> Cima da Serra, conforme relatadonos Capítulos 2 e 3. Senão vejamos: 1) não há controle público sobreos contratos que levam ao arrendamento <strong>de</strong> áreas para o plantio; 2) os arrendatáriosutilizam gran<strong>de</strong>s aportes <strong>de</strong> agrotóxicos visando maximizar seulucro; 3) a r<strong>em</strong>oção do horizonte O do solo ocorre <strong>em</strong> menos <strong>de</strong> um mês,sendo que aquela camada levou milhares <strong>de</strong> anos para ser formada. Livrena superfície do solo, revirado mecanicamente para facilitar a aeração, elaserá totalmente carregada pelas chuvas do próximo inverno.4. Os sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> auto-regulação das comunida<strong>de</strong>s locaisVisando contrapor a visão <strong>de</strong> HARDIN (1968) e salvar a reputação dos“comuns”, BERKES (1985), estudando comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pescadores, afirmaque sist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> regulação dos recursos naturais organizados pelas comunida<strong>de</strong>slocais exist<strong>em</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente do Estado e po<strong>de</strong>m ser viáveis.Após citar alguns ex<strong>em</strong>plos, BERKES (op. Cit.), afirma que, entretanto, taissist<strong>em</strong>as são vulneráveis à:Perda do controle comunitário ou comunal dos recursos;Transformação do recurso natural <strong>em</strong> commodities;Rápido crescimento populacional;Rápida mudança tecnológica.Os fatores 1 e 2 normalmente estão associados. A perda do controlecomunitário dos recursos po<strong>de</strong> ocorrer tanto por influência <strong>de</strong> uma <strong>em</strong>presaque passa a explorá-los e vendê-los <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> escala, quanto porinfluência do Estado, quando cria unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação <strong>de</strong> proteçãointegral, impe<strong>de</strong> o acesso a eles e não regulariza a situação dos proprietários(ver Capítulo 9).O rápido crescimento populacional compromete, s<strong>em</strong> dúvida, qualquersist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> manejo com bases comunitárias. Durante os trabalhos <strong>de</strong>campo do meu doutorado, na caatinga baiana, por ex<strong>em</strong>plo, me <strong>de</strong>pareicom um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> auto-regulação que chamei <strong>de</strong> caçador-fiscal (PRINTES,2011). Neste sist<strong>em</strong>a, os próprios caçadores faz<strong>em</strong> à fiscalização das áreason<strong>de</strong> caçam, contando para isso com o apoio dos proprietários. Quandohá na proprieda<strong>de</strong> uma pequena serra, po<strong>de</strong> haver um acordo oral entre oproprietário e o caçador, no sentido <strong>de</strong> que o caçador utilizará aquela áreacomo seu território, mas, <strong>em</strong> contra partida, zelará por ela. Isto evita que oprincipal recurso <strong>de</strong> interesse, a carne <strong>de</strong> caça do mocó (Kerodon rupestrisWied Neuwwied,1820), seja levado ao esgotamento por outros caçadores,157


posseiros ou ma<strong>de</strong>ireiros. Registrei acordos <strong>de</strong>ssa natureza nas seguinteslocalida<strong>de</strong>s, todas na Bahia: Serra <strong>de</strong> Minuim (09º50'07,8"S, 38º04'36,9"W),Serra <strong>de</strong> Casa Nova <strong>de</strong> Ichu (11º46'24,4"S, 39º13'36,3"W), Serra <strong>de</strong> BoaVista do Tupim (11º56'10,0"S, 39º02'07,2"), Serra <strong>de</strong> Itiúba (10º41'45,2"S,39º51'12,6"W) e Serra da Cana Brava (09º44'24,6"S, 39º37'47,7"W). Um sist<strong>em</strong>a<strong>de</strong>stes só po<strong>de</strong> funcionar <strong>em</strong> baixas <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>s populacionais. É bomobservar, ainda, que a caça é proibida pela legislação brasileira (Lei Fe<strong>de</strong>ral9.605/08) e que tal sist<strong>em</strong>a opera numa região do país aon<strong>de</strong> a fiscalizaçãodificilmente chega.A questão da rápida mudança tecnológica merece ser mais b<strong>em</strong> esclarecida.Isso po<strong>de</strong> não significar a aquisição <strong>de</strong> GPS e câmera digital. Po<strong>de</strong>rser apenas a introdução <strong>de</strong> uma nova técnica ou um novo recurso queprovoque um rápido aumento da taxa <strong>de</strong> exploração dos recursos. Comoex<strong>em</strong>plo, po<strong>de</strong>mos citar o caso da introdução da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> pesca feita <strong>de</strong>"nylon" no Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Isto ocorreu no final dos anos 1960. Um pescadorveterano que vive na Ilha da Ponta Escura (atualmente pertencenteao Parque Estadual <strong>de</strong> Itapuã e área <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tensão sócio-ambiental),conta que test<strong>em</strong>unhou este processo. As re<strong>de</strong>s antigas eram feitas <strong>de</strong> algodãoe o processo <strong>de</strong> r<strong>em</strong>endá-las após uma pescaria leva <strong>de</strong> três dias auma s<strong>em</strong>ana. Com a introdução da re<strong>de</strong> <strong>de</strong> nylon, que não requer reparosfreqüentes, cada pescador passou a fazer muito mais viagens, e, portanto,pescar mais peixes e mais rapidamente do que antes, o que, aliado a outrosfatores, tais como a poluição das águas e a sobrepesca feita por gran<strong>de</strong>sbarcos, levou o recurso pesqueiro ao esgotamento nas águas do lago Guaíba.Hoje os pescadores da região se <strong>de</strong>slocam até a Lagoa dos Patos ou aomar para trabalhar.5. Instrumentos <strong>de</strong> econegociação5.1 Acordos <strong>de</strong> manejoO acordo <strong>de</strong> manejo é a essência do manejo participativo, co-manejoou manejo compartilhado, segundo BORRINI-FAYERABEND (1997). Manejoparticipativo é uma situação <strong>de</strong> equilíbrio, um caminho do meio entre ocontrole do Estado sobre os recursos naturais e a tragédia dos comuns (verBORRINI-FAYERABEND (op. cit.; CAMPBELL & VAINIO-MATILLA, 2003).Legalmente os acordos <strong>de</strong> manejo são limitados, haja vista que nãopo<strong>de</strong>m extrapolar os limites da legislação ambiental vigente no Estado eno país. Po<strong>de</strong>m, entretanto, ser incorporados ao plano <strong>de</strong> manejo da UC ou158


gerar um Termo <strong>de</strong> Ajustamento <strong>de</strong> Conduta via Ministério Público.Para que um acordo <strong>de</strong> manejo seja construído, são necessárias algumascondições e o envolvimento <strong>de</strong> vários setores da socieda<strong>de</strong>. O acordo<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma boa documentação do Conhecimento Ecológico Local(CEL) (FERGUSON & MESSIER, 1997; NEISS et al., 1999; DAVES & WAGNER,2003). O papel da comunida<strong>de</strong> neste processo é i<strong>de</strong>ntificar as situaçõesconflitantes, compartilhando seu conhecimento a respeito do manejo. Opapel do pesquisador é documentar o CEL e, se possível, traduzi-lo paraa linguag<strong>em</strong> tecno-jurídica. O papel do gestor ambiental é assegurar ummarco estrutural e legal para o acordo, além <strong>de</strong> divulgá-lo aos interessadose garantir a fiscalização do seu cumprimento. Cada acordo final <strong>de</strong>veser b<strong>em</strong> específico, sobre um <strong>de</strong>terminado conflito, indicando benefícios eresponsabilida<strong>de</strong>s.Como ex<strong>em</strong>plo, há um acordo sobre pesca que aju<strong>de</strong>i a construir comos pescadores da região do Lami, <strong>em</strong> Porto Alegre (PORTO ALEGRE, 2002;PRINTES, 2004). Naquela época (1999-2003) fui gestor da Reserva Biológicado Lami. Havia um conflito histórico (há cerca <strong>de</strong> 25 anos) envolvendo aquestão da pesca nas águas da UC. Os pescadores afirmavam não haverbase legal para o estabelecimento <strong>de</strong> uma faixa <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> pesca próximoa Reserva e que esta faixa não estava sinalizada nas águas. O governomunicipal consi<strong>de</strong>rava a faixa <strong>de</strong> marinha (200 m da costa) e aplicava a Lei<strong>de</strong> Crimes Ambientais, gerando apreensões <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s, multas, <strong>de</strong>tenções egran<strong>de</strong>s conflitos com a comunida<strong>de</strong> local. Depois <strong>de</strong> algumas reuniões, verificamosque os pescadores tinham razão: o Decreto Municipal 4.097/1975,que criou a REBIO do Lami, não mencionava as águas e a UC não tinha umplano <strong>de</strong> manejo. Então não havia <strong>em</strong>basamento legal para estabeleceruma zona <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> pesca nas águas da reserva. Após oito meses<strong>de</strong> negociações, envolvendo a Colônia <strong>de</strong> Pescadores Z4, a Brigada Militar,pesquisadores e funcionários da Reserva, foi construído um acordo que<strong>de</strong>finiu a faixa <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> pesca <strong>em</strong> 150 m da REBIO. Ao Po<strong>de</strong>r Públicocoube <strong>de</strong>marcar esta área com bóias amarelas e divulgar o acordo para osfiliados à Colônia Z4, que eram 2000 naquela época. Aos pescadores coubea fiscalização compartilhada do acordo. Entre <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2001 e março<strong>de</strong> 2003, nenhuma re<strong>de</strong> foi apreendida na região. O acordo foi incorporadoao primeiro plano <strong>de</strong> manejo da Reserva, o Plano <strong>de</strong> Manejo Participativoda Reserva Biológica do Lami (PORTO ALEGRE, 2002). Infelizmente, nosanos seguintes a administração municipal <strong>de</strong>scumpriu este acordo, além<strong>de</strong> todo aquele plano <strong>de</strong> manejo, colocando as bóias a 400 m <strong>de</strong> distânciada costa, s<strong>em</strong> negociar com os pescadores. O conflito foi re-estabelecido e159


segue até hoje. Mas ficou a lição <strong>de</strong> que um acordo <strong>de</strong> manejo po<strong>de</strong> funcionar.É importante observar que neste caso qu<strong>em</strong> <strong>de</strong>scumpriu o acordofoi o Po<strong>de</strong>r Público e não os pescadores.5.2. Uso da notificação e advertênciaÁs vezes não é possível fazer um acordo <strong>de</strong> manejo por que a questãonão envolve um grupo formalmente organizado ou porque a ativida<strong>de</strong><strong>em</strong> questão é totalmente proibida, como ocorre com o uso do fogo e acaça. Ainda assim é possível, <strong>em</strong> alguns casos, ao gestor ambiental e aos fiscais,utilizar<strong>em</strong> a notificação ao invés da autuação imediata. O proprietáriopo<strong>de</strong> ser notificado a corrigir o dano ambiental <strong>em</strong> 20 dias ou a apresentarum projeto visando a sua regularização <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ste prazo. Em não sendocumprida a notificação, então o proprietário po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado infratore autuado com agravantes (Decreto Fe<strong>de</strong>ral 6.514/08, Artigo no 80). Comoex<strong>em</strong>plo, posso citar o caso do Projeto Berço das Águas, o qual foi implantadoquando fui gestor da Área <strong>de</strong> Proteção <strong>Ambiental</strong> Estadual Rota doSol (2008 a 2011). Os plantios <strong>de</strong> Pinus spp. <strong>em</strong> Área <strong>de</strong> Preservação Permanenteforam mapeados e os proprietários foram notificados a retirá-los imediatamenteou a apresentar<strong>em</strong> cronograma <strong>de</strong> retirada com ResponsávelTécnico, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da escala. Uma vez não cumpridas as notificações, osproprietários, pessoas físicas ou jurídicas po<strong>de</strong>riam ser autuados, o que nãochegou a acontecer neste caso.Esse mesmo procedimento utilizamos no "Projeto Sky Line", que retirou115 outdoors colocados ao longo da Rodovia Rota do Sol (ERS 453 e486), os quais impediam a apreciação das belezas cênicas da Serra do Riodo Pinto. Os proprietários recebiam notificações com prazo <strong>de</strong> 20 dias paraa retirada dos engenhos publicitários, com uma explicação <strong>de</strong> motivos. Foiestabelecido um valor <strong>de</strong> R$ 5.000,00 por painel, <strong>de</strong> acordo com o Artigo 91do Decreto Fe<strong>de</strong>ral 6.514/08 para o caso <strong>de</strong> ser aplicada a multa. Entretantotodos os outdoors foram retirados s<strong>em</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autuação.Nestes dois ex<strong>em</strong>plos o dano ambiental cessou ou foi corrigido pelosproprietários imediatamente ou <strong>em</strong> curto prazo, o que não ocorreria nocaso das autuações. Neste caso, o proprietário (ou infrator), teria 20 dias paraapresentar sua <strong>de</strong>fesa à Junta <strong>de</strong> Julgamento <strong>de</strong> Recursos (primeira instância),a qual levaria alguns meses para julgar os processos. Se discordassedo veredicto, o proprietário teria direito ainda a recorrer a Junta Superior<strong>de</strong> Julgamento <strong>de</strong> Autos <strong>de</strong> Infração (segunda instância). Porém esta juntanão se reúne <strong>de</strong>s<strong>de</strong> set<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2009, quando venceu a última portaria <strong>de</strong>nomeação. Há uma sala cheia <strong>de</strong> processos aguardando julgamento numasala do primeiro andar da se<strong>de</strong> da SEMA <strong>em</strong> Porto Alegre. Muitos <strong>de</strong>stes160


processos já <strong>de</strong>v<strong>em</strong> estar prescritos (a prescrição inci<strong>de</strong> no auto <strong>de</strong> infraçãoparalisado por mais <strong>de</strong> três anos, pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> julgamento ou <strong>de</strong>spacho,segundo o Artigo n o 21 do Decreto Fe<strong>de</strong>ral 6.514/08). Enquanto corr<strong>em</strong>os processos <strong>de</strong> recursos junto às juntas <strong>de</strong> julgamento, o dano ambientalpo<strong>de</strong> permanecer (como seria o caso dos outdoors e dos plantios <strong>de</strong> Pinusspp. <strong>em</strong> APP na APA Rota do Sol), o que não ocorre se houver acordo vianotificação.O Decreto Fe<strong>de</strong>ral 6.514/08, Artigo 5 o , prevê ainda o uso da advertênciapara multas <strong>de</strong> pequena monta (cujo valor culminado não ultrapasse R$1.000,00). Nestes casos, o proprietário po<strong>de</strong> ser advertido por escrito, sendoor<strong>de</strong>nado o fim do manejo consi<strong>de</strong>rado ilegal. Na mesma advertência ogestor po<strong>de</strong> orientar a recuperação da área, s<strong>em</strong> envolver o Ministério Público.Isto po<strong>de</strong> evitar a aplicação <strong>de</strong> multas para os crimes ambientais maiscomuns do dia-a-dia, como pequenos <strong>de</strong>smatamentos para fazer roças,cortes <strong>de</strong> árvores s<strong>em</strong> licença, uso do fogo <strong>em</strong> pequenas áreas agropastoris,<strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> esgotos domésticos diretamente nos corpos d’água, etc.O gestor ambiental <strong>de</strong>ve manter um cadastro dos proprietários advertidos,porque este recurso só po<strong>de</strong> ser usado uma vez a cada três anos (DecretoFe<strong>de</strong>ral 6.514, Artigo 7 o ).6. Consi<strong>de</strong>rações finaisCada auto <strong>de</strong> infração gera uma multa cobrada pela SEMA (penalida<strong>de</strong>administrativa) e <strong>de</strong>pois é enviado ao Ministério Público Estadual, queexigirá do infrator um Projeto <strong>de</strong> Recuperação <strong>Ambiental</strong> (PRAD) com ResponsávelTécnico. Os PRAD são processos altamente burocráticos que sãoencaminhados às Agências Florestais para a verificação <strong>de</strong> documentaçãoe aprovação. Pilhas e mais pilhas <strong>de</strong>stes processos tomam conta das mesasdos poucos técnicos ambientais da SEMA que faz<strong>em</strong> licenciamento florestal,principalmente nos escritórios do interior. Como os PRAD são <strong>de</strong>mandasjurídicas e t<strong>em</strong> prazos para ser<strong>em</strong> cumpridos, eles acabam tomando ot<strong>em</strong>po dos técnicos e impedindo que os processos <strong>de</strong> licenciamento florestalsejam feitos. Uma vez que o licenciamento florestal não ocorra navelocida<strong>de</strong> esperada pelas comunida<strong>de</strong>s, os crimes ambientais ten<strong>de</strong>m aaumentar e vão ser geradas mais multas e novos PRAD. Assim fecha-se umciclo vicioso.Os instrumentos <strong>de</strong> econegociação aqui narrados são limitados e seuuso requer muita atenção, boa articulação com o Ministério Público e comas entida<strong>de</strong>s representativas dos interessados. Ainda assim os gestores po-161


<strong>de</strong>riam utilizá-los com maior freqüência no seu dia-a-dia, <strong>em</strong> relação aoque v<strong>em</strong> ocorrendo, evitando as autuações e a sobrecarga <strong>de</strong> processosnas Juntas <strong>de</strong> Julgamento, no Ministério Público Estadual e <strong>de</strong> PRAD nasAgências Florestais.Sendo assim, concluímos que a gestão ambiental ten<strong>de</strong> a ser mais efetivana medida <strong>em</strong> que: 1) Seja regularizada a situação fundiária das unida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> conservação; 2) Os instrumentos <strong>de</strong> econegociação sejam aprimoradospelo Ministério Público <strong>em</strong> parceria com os gestores ambientaise universida<strong>de</strong>s; 3) As comunida<strong>de</strong>s locais sejam esclarecidas sobre as categoriaspossíveis <strong>de</strong> licenciamento florestal e tom<strong>em</strong> parte dos conselhosdas unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação; 4) Os processos <strong>de</strong> licenciamento florestale ambiental sejam agilizados, através da redução do número <strong>de</strong> PRAD <strong>de</strong>mandadospelo Ministério Público e Vara Judicial aos técnicos; 5) As terrasindígenas sejam incorporadas aos mosaicos <strong>de</strong> áreas protegidas, com osmesmos direitos das unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conservação.BIBLIOGRAFIABERKES, F. Fishermen and ‘the tragedy of the commons’. Environmental Conservation, v.12, n. 3, p. 199-206, 1985.BORRINI-FAYERABEND, G. Manejo participativo <strong>de</strong> áreas protegidas: Adaptando o métodoao contexto, t<strong>em</strong>as <strong>de</strong> política social. Quito: União Internacional para a Conservaçãoda Natureza, 1997. 67 p.BURKE, B. E. Hardin revisited: A critical look at the perception and the logic of commons.Human Ecology, v. 29, n. 4, p. 449 - 476, 2001.CAMPBELL, L. M.; VAINIO-MATILLA, A. Participatory <strong>de</strong>velopment and community basedconservation: Opportunities missed for lessons learned? Human Ecology, v. 31, n.3, p.417-437, 2003.DAVIS, A.; WAGNER, J. R. Who knows? On the importance of i<strong>de</strong>ntifying “experts” when researchingLocal Ecological Knowledge. Human Ecology, v. 31, n. 3, p. 463 - 489, 2003.DIEGUES, A. C. S. Ecologia humana e planejamento <strong>em</strong> áreas costeiras. São Paulo: Núcleo<strong>de</strong> apoio à pesquisa <strong>de</strong> populações humanas <strong>em</strong> áreas úmidas brasileiras: USP, 1996.191 p.DIEGUES, A. C.S. O mito mo<strong>de</strong>rno da natureza intocada. Núcleo <strong>de</strong> apoio à pesquisa <strong>de</strong>populações humanas <strong>em</strong> áreas úmidas brasileiras. 3. ed. Editora Hucitec: USP, 2001. 169 p.FERGUSON, M. A.; MESSIER, F. Collection and analysis of traditional ecological Knowledgeabout a population of Artic Tundra Caribou. Artic. v. 51, n. 3, p. 201–219, 1997.162


HARDIN, G. The tragedy of commons. Science, v. 162, p. 1243-1248, 1968.NEISS, B., SCHNEIDER, D. C., FELT, L. F., et al. Fisheries assessment: what can be Learnedfrom interviewing resource users? Journal of Fisheries and Aquatic Science v.56, p.1949–1963, 1999.PORTO ALEGRE. Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Plano <strong>de</strong> manejo participativoda Reserva Biológica do Lami. R .C. Printes (Org.). Porto Alegre: Secretaria Municipal doMeio Ambiente, 2002. 102 p.PRINTES, R. C. Atire a primeira pedra qu<strong>em</strong> nunca pescou. In: Educação ambiental: diversosolhares, diversos saberes. Eunice Kin<strong>de</strong>l, Yanina M. Sammarco e Fabiano Weber(Orgs.) Editora Mediação, 2004.PRINTES, R .C. Etnoprimatologia, distribuição geográfica e conservação do guigó-da caatinga(Callicebus barbarabrownae Hershkovitz, 1990). A Primatologia no Brasil, v. 12, Cap. 2, p. 16-29.J. M. D. Miranda; Z. M. B. Hirano (Eds.). Curitiba: Socieda<strong>de</strong> Brasileira <strong>de</strong> Primatologia, 2011.163

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!