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O Cultivo de Plantas Medicinais por Mulheres em Altamira

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10INTRODUÇÃOUm dos t<strong>em</strong>as <strong>de</strong> maior relevância para qualquer comunida<strong>de</strong> humana diz respeitoàs maneiras <strong>de</strong> conceber, encarar e combater as ameaças que surg<strong>em</strong> ao bom funcionamentodo organismo humano, que conhec<strong>em</strong>os com o nome <strong>de</strong> doenças. Por isso, as pessoas<strong>de</strong>senvolv<strong>em</strong> conceitos e técnicas que compõ<strong>em</strong> um corpo <strong>de</strong> conhecimentos próprios. Nessecontexto <strong>de</strong>stacam-se alguns estudos antropológicos como Maués (1999), Oliveira (2002),Canesqui (2003), Lira et al. (2004) e Tornquist e Frazoni (2009) que apresentam a medicinapopular ou <strong>de</strong> folk. Em socieda<strong>de</strong>s complexas essa medicina costuma coexistir com amedicina científica, isto é, a medicina praticada <strong>por</strong> médicos que dispõ<strong>em</strong> <strong>de</strong> um treinamentoacadêmico e <strong>de</strong> autorização legal para a sua prática.A organização da saú<strong>de</strong> no Brasil v<strong>em</strong> apresentando mudanças significativas<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Constituição Fe<strong>de</strong>rativa <strong>de</strong> 1988, à qual foi incor<strong>por</strong>ado o Sist<strong>em</strong>a Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>(SUS) <strong>por</strong> meio do art. 196, consi<strong>de</strong>rado uma das maiores conquistas da socieda<strong>de</strong> brasileira eque v<strong>em</strong> sendo regulamentado a partir <strong>de</strong> leis orgânicas que procuram regular e materializarseus princípios diretivos e organizativos.N<strong>em</strong> todos os probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> são vistos no âmbito formal do SUS. O que severifica é que, na busca pela recuperação da saú<strong>de</strong> e pelo restabelecimento do equilíbrio, oindivíduo recorre aos recursos naturais e as práticas existentes <strong>em</strong> seu meio social para oalívio e cura <strong>de</strong> seus males. Muitos procuram benze<strong>de</strong>iras, usam chás, faz<strong>em</strong> simpatias,a<strong>de</strong>r<strong>em</strong> fervorosamente a uma religião - como terapia alternativa e/ou segu<strong>em</strong> o tratamentoprescrito pelo médico.Um dos fatores que explicam a orig<strong>em</strong> das crenças e práticas populares é o daexperiência individual, que ao longo do t<strong>em</strong>po, e através da socieda<strong>de</strong>, exprime uma cultura,influenciando as explicações dadas aos acontecimentos e as <strong>de</strong>cisões cujos resultadosprovocam repercussões sociais im<strong>por</strong>tantes (BARBOSA et al., 2004).Desta forma, este Trabalho <strong>de</strong> Conclusão <strong>de</strong> Curso t<strong>em</strong> como meio <strong>de</strong> análise umaárea <strong>de</strong> conhecimento ainda pouco explorada pelas Ciências Agrárias no que se refere aossaberes e práticas a cerca dos conhecimentos tradicionais 1 <strong>de</strong> grupos sociais que <strong>em</strong>pregamplantas para fins medicinais ou religiosos. Refiro-me aos estudos e registros sobre a utilização1 Para fins <strong>de</strong>ste trabalho, conhecimento tradicional (saber popular) é <strong>de</strong>finido “como o conjunto <strong>de</strong> saberes esaber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural transmitido oralmente, <strong>de</strong> geração <strong>em</strong> geração”. Esseconhecimento é transmitido <strong>em</strong> todos os níveis da vida diária e não apenas no formal. A sua comunicação <strong>por</strong>meio da oralida<strong>de</strong> é uma das diferenças que o separa do científico, que é transmitido <strong>por</strong> meio da escrita. Nessesentido o conhecimento tradicional somente po<strong>de</strong> ser interpretado <strong>de</strong>ntro do contexto cultural <strong>em</strong> que foi gerado(BRASIL, 2001 apud SILVA et al., 2006).


11das plantas na medicina popular e sua relação com um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> regras e cultura que setransformam ao longo dos anos, e que v<strong>em</strong> sendo estudados pela Antropologia da Saú<strong>de</strong>.Para fins didáticos conceitua-se Antropologia da Saú<strong>de</strong> como uma especializaçãoou aplicação da antropologia ao estudo do com<strong>por</strong>tamento humano para obtenção <strong>em</strong>anutenção da saú<strong>de</strong> através <strong>de</strong> práticas culturais. A doença é entendida não apenasbiologicamente, abrangendo o indivíduo cor<strong>por</strong>al e socialmente, <strong>de</strong>ssa maneira, o papel daantropologia da saú<strong>de</strong> é tratar da doença, superar os limites biológicos do corpo e asexplicações biomédicas do hom<strong>em</strong>.No <strong>de</strong>correr do projeto, iniciando com diversas literaturas lidas sobre a t<strong>em</strong>ática e<strong>de</strong>pois com o trabalho <strong>de</strong> campo, i<strong>de</strong>ntificou-se que a dimensão <strong>de</strong>ste estava além <strong>de</strong> resgataro cultivo das plantas pelas mulheres <strong>em</strong> <strong>Altamira</strong>, mas também <strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r suas práticascomo cultivadoras <strong>de</strong> ervas medicinais e moradoras das periferias, com seus sentidosdiferenciados <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e mediadas <strong>por</strong> outras formas <strong>de</strong> viver.A escolha do trabalho com as mulheres <strong>de</strong>u-se a partir <strong>de</strong> inúmeras entrevistasrealizadas na primeira fase <strong>em</strong> 2009, i<strong>de</strong>ntificando ser<strong>em</strong> as mulheres as maiores cultivadoras<strong>de</strong> plantas medicinais na área urbana <strong>de</strong> <strong>Altamira</strong>, b<strong>em</strong> como as maiores difusoras do seu usonas comunida<strong>de</strong>s <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>. Embora tenha trabalhado também na zona rural optei <strong>por</strong>trabalhar na zona urbana, sendo este um meio <strong>de</strong> facilitar as análises.As entrevistadas utilizam as ervas medicinais e repassam seus saberes, <strong>por</strong> umprocesso construído através <strong>de</strong> contextos socioculturais, on<strong>de</strong> o conceito <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> não ésomente da medicina alopática. Neste sentido, foi incor<strong>por</strong>ado além do levantamento dasplantas medicinais que são cultivadas <strong>em</strong> seus quintais, os sentidos <strong>de</strong> “saú<strong>de</strong>” resultados dautilização <strong>de</strong> plantas, ou partes <strong>de</strong>las para a cura <strong>de</strong> diferentes doenças, ficando assim osobjetivos <strong>de</strong>ste trabalho:- Realizar um levantamento das plantas medicinais mais cultivadas <strong>em</strong> quintaisnos bairros <strong>de</strong> <strong>Altamira</strong>;- Compreen<strong>de</strong>r as práticas populares <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, sentidos e significados que asmulheres cultivadoras <strong>de</strong> plantas medicinais dão a essa ativida<strong>de</strong>.A escolha do t<strong>em</strong>a <strong>de</strong>u-se <strong>em</strong> função da carência <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> trabalho sobreplantas medicinais nas Ciências Agrárias <strong>em</strong> uma perspectiva da Antropologia da Saú<strong>de</strong>. Noentanto preten<strong>de</strong>ndo fazer uma incursão preliminar nesta área. Os dados 2 que apresentarei são2Vale ressaltar que o assunto aqui explanado não possui caráter exaustivo e <strong>de</strong>finitivo, uma vez que estapesquisa engloba o assunto <strong>em</strong> um contexto mais abrangente e seus resultados faz<strong>em</strong> parte <strong>de</strong> um projeto maior,intitulado “Mapeamento das dinâmicas socioambientais <strong>de</strong> populações tradicionais na Transamazônica”,financiado pela Fundação <strong>de</strong> Apoio a Pesquisa do Estado do Pará – FAPESPA.


12resultados <strong>de</strong> dois anos <strong>de</strong> pesquisa como bolsista na Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Engenharia Agronômica:<strong>em</strong> 2009 fui bolsista da Pró-reitoria <strong>de</strong> Extensão (Proex) e <strong>em</strong> 2010 do Programa <strong>de</strong> IniciaçãoCientífica (PIBIC), ambas da UFPA.A im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong>ste trabalho consiste <strong>em</strong> dar visibilida<strong>de</strong> e, <strong>por</strong>tanto, valorizar aspráticas e os saberes das mulheres no uso e cultivo das plantas medicinais, compreen<strong>de</strong>ndoque há outras formas <strong>de</strong> se pensar a saú<strong>de</strong>. Minha intenção é também <strong>de</strong>monstrar que há uma“saú<strong>de</strong> popular” convivendo com a medicina alopática, cultivada <strong>em</strong> quintais, especialmente <strong>por</strong>mulheres representando uma tradição que muitas vezes é <strong>de</strong>squalificada como atrasada,estereotipada e silenciada principalmente <strong>por</strong> se tratar <strong>de</strong> mulheres com pouca instrução escolar.Está dividido <strong>em</strong> quatro capítulos: no primeiro, intitulado “Aspectos Históricossobre <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong>” exponho sobre plantas medicinais nos âmbitos mundial e brasileiro;no segundo sobre “Antropologia da Saú<strong>de</strong> no Brasil”, que propõe uma nova maneira <strong>de</strong>pensar e agir <strong>em</strong> relação ao corpo, à cultura e à individualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada ser humano; oterceiro: “Aspectos da Legislação Brasileira sobre <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos” enfocoa Política Nacional, a Programa Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos e o ProgramaFarmácias Vivas; o quarto capítulo “O Saber e a Tradição das <strong>Mulheres</strong> na Medicina Popular”está organizado com a sist<strong>em</strong>atização, discussão e análise dos dados coletados nas entrevistas.ÁREA DE ESTUDO E OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


13A área <strong>de</strong> estudo fica localizada no Município <strong>de</strong> <strong>Altamira</strong>-Pará, situada namarg<strong>em</strong> esquerda do rio Xingu na região central do Estado do Pará ficando a uma latitu<strong>de</strong>03º12'12" sul e a uma longitu<strong>de</strong> 52º12'23" oeste. Com população <strong>de</strong> 98.750 habitantes (IBGE,2008).Figura 01: Localização da área <strong>de</strong> estudo.Fonte: GOOGLE, adaptação da autora.O estudo foi realizado <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2009 a nov<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2010. Utilizou-se comotécnica <strong>de</strong> pesquisa, a aplicação <strong>de</strong> questionários para 30 mulheres que cultivam e utilizamplantas medicinais <strong>em</strong> cinco bairros: Mutirão, Brasília, Liberda<strong>de</strong>, Bela Vista e In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nteII. Estes bairros foram escolhidos <strong>por</strong> apresentar<strong>em</strong> a maior incidência <strong>de</strong> plantas medicinais<strong>em</strong> quintais, durante o período <strong>em</strong> que foi realizado o levantamento, sendo pesquisado maistrês bairros (Parque Ipê, São Domingos e Sudam II), no período <strong>de</strong> março a junho <strong>de</strong> 2009 enesse levantamento também se i<strong>de</strong>ntificou que as mulheres são as principais produtoras eusuárias <strong>de</strong> plantas medicinais nesses bairros, <strong>por</strong> isso a opção <strong>em</strong> se trabalhar com elas.As entrevistas foram realizadas nos domicílios das mesmas, e utilizou-se comocritério <strong>de</strong> escolha tanto a observação <strong>de</strong> casas ornamentadas com plantas (Figura 02) como aindicação <strong>de</strong> algumas das entrevistadas nos referidos bairros. As mulheres entrevistadastinham que cultivar e fazer o uso <strong>de</strong> pelo menos 15 espécies medicinais.Para sist<strong>em</strong>atizar os dados, o questionário foi dividido <strong>em</strong> duas partes, a fim <strong>de</strong> seobter uma melhor analise dos mesmos. A primeira parte cont<strong>em</strong>pla os seguintes pontoscentrais: perfil socioeconômico (orig<strong>em</strong>, faixa etária, escolarida<strong>de</strong>, estado civil, religião, rendafamiliar); quanto ao saber das mulheres, uso e o cultivo das ervas medicinais (com qu<strong>em</strong>


14apren<strong>de</strong>ram, motivos que as levaram a fazer uso das plantas medicinais, se são consultadaspela comunida<strong>de</strong> sobre a forma <strong>de</strong> uso, se há interesse dos filhos e da comunida<strong>de</strong> no cultivodas espécies medicinais, quais as plantas mais procuradas e as principais doenças tratadas);frequência ao Sist<strong>em</strong>a Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS) e <strong>por</strong> quais motivos elas acessam o SUS.Da segunda parte, intitulada <strong>de</strong> receituário, foi elaborado um quadro comparativocom os 21 principais ex<strong>em</strong>plares mencionados pelas mulheres, a fim <strong>de</strong> facilitar a análise,cont<strong>em</strong>plaram-se os seguintes dados: nome comum, nome científico (LORENZI e MATOS(2002); DI STASI e HIRUMA-LIMA (2002) e VIEIRA (1992)), parte utilizada da planta,forma <strong>de</strong> uso, usos mencionados pelas entrevistadas e na literatura e a frequência com que sãocitadas.Após a realização da seleção da amostra, priorizando-se, a partir <strong>de</strong>sta, a pesquisaqualitativa baseado <strong>em</strong> Minayo (1994) analisando o conhecimento a respeito do uso dasespécies medicinais: valores, crenças, representações, hábitos, atitu<strong>de</strong>s, opiniões, procurandoaprofundar-se na complexida<strong>de</strong> dos fenômenos sociais. A cultura local <strong>de</strong>ve sercriteriosamente consi<strong>de</strong>rada quando um projeto <strong>de</strong> pesquisa está sendo <strong>de</strong>lineado, <strong>em</strong> respeitoaos costumes e valores da comunida<strong>de</strong> (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006).Figura 02: Vista frontal da casa <strong>de</strong> uma das entrevistadas.CAPÍTULO I - PLANTAS MEDICINAIS: ASPECTOS SOCIOCULTURAIS


15O objetivo <strong>de</strong>sse capítulo é apresentar alguns aspectos socioculturais sobre plantasmedicinais com ênfase na utilização <strong>de</strong>stas espécies no Brasil.A utilização <strong>de</strong> plantas como medicamentos pela humanida<strong>de</strong> é tão antiga quantoa história do hom<strong>em</strong>. O processo <strong>de</strong> evolução da “arte <strong>de</strong> cura” se <strong>de</strong>u <strong>de</strong> forma <strong>em</strong>pírica <strong>em</strong>processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta <strong>por</strong> tentativas, com erros e acertos (MORS, 1982; GOTTLIEB eKAPLAN, 1993). Os povos primitivos propiciaram a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> espécies e <strong>de</strong> gênerosvegetais, b<strong>em</strong> como as partes da planta que se a<strong>de</strong>quavam ao uso medicinal, oreconhecimento do seu hábitat e a época mais a<strong>de</strong>quada da colheita (LÉVI-STRAUSS, 1970).A referência mais antiga que se t<strong>em</strong> conhecimento do uso das plantas data <strong>de</strong> mais<strong>de</strong> sessenta mil anos. As primeiras <strong>de</strong>scobertas foram feitas <strong>por</strong> estudos arqueológicos <strong>em</strong>ruínas do Irã. Também na China, <strong>em</strong> 3.000 a.C., já existiam farmacopéias que compilavam aservas e as suas indicações terapêuticas. A utilização das plantas medicinais faz parte dahistória da humanida<strong>de</strong>, tendo gran<strong>de</strong> im<strong>por</strong>tância tanto no que se refere aos aspectosmedicinais, como culturais (REZENDE e COCCO, 2002).Países, como a China, a Coréia do Norte, o Japão e outros, têm feito um esforçosignificativo na investigação <strong>de</strong> fármacos <strong>de</strong> uso tradicional, o que t<strong>em</strong> conduzido a resultados<strong>de</strong> alto interesse sob o ponto <strong>de</strong> vista terapêutico e evitado a perda <strong>de</strong>ssa informação.Diversas ciências têm se <strong>de</strong>bruçado sobre o estudo das plantas medicinais. ABiologia, a Química, a Medicina, a Farmácia, entre outras, têm procurado <strong>de</strong>scobrir opotencial <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> cada planta; a melhor forma <strong>de</strong> uso, a quantida<strong>de</strong> exata, os efeitoscolaterais, as reações diversas e adversas, as interações possíveis, a eficácia e como sintetizartais r<strong>em</strong>édios para a produção <strong>em</strong> larga escala. Outras ciências como a Agronomia t<strong>em</strong>pesquisado maneiras específicas <strong>de</strong> cultivos, <strong>de</strong> forma a possibilitar melhor e maior produção<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas substâncias químicas; a Antropologia, averiguado o uso e inserção <strong>de</strong>ssasplantas <strong>em</strong> cada cultura; a História t<strong>em</strong> registrado a evolução <strong>de</strong> usos diversos e <strong>de</strong> pesquisas<strong>de</strong> plantas medicinais (MACHADO, 2009).A Organização Mundial da Saú<strong>de</strong> (OMS) já reconhece, na atualida<strong>de</strong>, aim<strong>por</strong>tância da fitoterapia, sugerindo ser uma alternativa viável e im<strong>por</strong>tante também àspopulações dos países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, já que seu custo é diminuído. Pesquisasrealizadas nas universida<strong>de</strong>s brasileiras já i<strong>de</strong>ntificaram mais <strong>de</strong> 350 mil espécies vegetais, oque permite uma ampla varieda<strong>de</strong> aos possíveis usos medicinais. Entre tantas espécies, apenas<strong>de</strong>z mil têm algum uso medicinal conhecido. No Brasil há 100 mil espécies catalogadas,sendo apenas dois mil com uso científico comprovado (REZENDE e COCCO, 2002).


16No que diz respeito ao reconhecimento governamental, atualmente o GovernoFe<strong>de</strong>ral trabalha para impl<strong>em</strong>entar a Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos(PNPMF). Aprovada <strong>em</strong> 2006, esta política t<strong>em</strong> caráter interministerial e entre seus objetivospo<strong>de</strong> ser encontrado: ampliação das opções terapêuticas e melhoria da atenção à saú<strong>de</strong> aosusuários do SUS e a valorização, valoração e preservação do conhecimento tradicional dascomunida<strong>de</strong>s tradicionais e indígenas.1.1 PLANTAS MEDICINAIS NO BRASILNo Brasil exist<strong>em</strong> diversida<strong>de</strong>s e peculiarida<strong>de</strong>s, com concepções, opiniões,valores, conhecimentos, práticas e técnicas diferentes, sendo influenciadas <strong>por</strong> hábitos,tradições e costumes. Esses conhecimentos foram incor<strong>por</strong>ados pela população e sãorespeitados no cotidiano, cristalizados nos hábitos, nas tradições e nos costumes (SANTOS etal., 1995).O registro da utilização <strong>de</strong> plantas medicinais data da época <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>scobrimento,<strong>por</strong>ém sabe-se que os índios que aqui viviam já <strong>de</strong>tinham o conhecimento terapêutico dasplantas oriundas da flora nacional. Com a chegada dos primeiros colonizadores <strong>por</strong>tugueses otratamento e a cura das doenças passaram a ser realizados através <strong>de</strong> outras práticas e rituaisministrados não só pelos pajés e xamãs indígenas, mas também <strong>por</strong> curan<strong>de</strong>iros, benze<strong>de</strong>iras,raizeiros ou ervateiros, médicos espirituais, feiticeiros, parteiras e outros (CAMPESANO,2005).Para Rezen<strong>de</strong> e Cocco (2002), o surgimento <strong>de</strong> uma medicina popular, no Brasil<strong>de</strong>ve-se aos índios, como os médicos restringiam-se às metrópoles e à zona rural e/ousuburbana a população recorria ao uso das ervas medicinais como alternativa <strong>de</strong> cura. Oprocesso <strong>de</strong> miscigenação gerou uma diversificada bagag<strong>em</strong> <strong>de</strong> usos para as plantas e seusaspectos medicinais, que sobreviveram até a atualida<strong>de</strong>.Vários motivos levam as pessoas a utilizar<strong>em</strong> plantas com fins terapêuticos, seja<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m médica, social, cultural, econômica ou, ainda, filosófica. As expressões e os saberesmedicinais sofr<strong>em</strong> interferência do processo histórico <strong>de</strong> ocupação territorial e da gran<strong>de</strong>diversida<strong>de</strong> cultural do Brasil, aliados à dimensão geográfica e à diversida<strong>de</strong> ambiental dopaís, implicando na existência <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> influência cultural mais próximas <strong>de</strong> uma ou outratradição.Em algumas regiões do país, on<strong>de</strong> a presença do Estado – suas instituições epolíticas públicas - se faz mais efetiva, um padrão <strong>de</strong> percepção e cuidado <strong>de</strong> corpo se impõe<strong>por</strong> meio <strong>de</strong> seus agentes. Em outras regiões, mais afastadas e <strong>de</strong>sassistidas, as comunida<strong>de</strong>s


17locais encontram formas peculiares <strong>de</strong> resolver<strong>em</strong> seus probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e cuidado com ocorpo, recorrendo ao acervo <strong>de</strong> saberes e conhecimentos tradicionais, transmitidos oralmentee muitas vezes organizados <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> narrativas míticas, imaginárias ou religiosas.Entre as comunida<strong>de</strong>s caboclas e ribeirinhas da região Norte, os conhecimentossobre as terapêuticas medicinais e as plantas incor<strong>por</strong>am, às tradições herdadas dos contatosintertribais e interétnicos, os saberes e as técnicas medicinais populares <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> européia,b<strong>em</strong> como conhecimentos oriundos <strong>de</strong> tradições afro-brasileiras, que chegaram à regiãoprincipalmente pelos fluxos migratórios do Nor<strong>de</strong>ste. As referências terapêuticas,re<strong>de</strong>senhadas 3 , congregam novas técnicas e ampliam o repertório <strong>de</strong> ervas, plantas e raízes,mantendo-se, entretanto, a utilização dos “r<strong>em</strong>édios da terra” como característica culturalmarcante (OLIVEIRA e JUNIOR, 2008).Para os autores, na complexida<strong>de</strong> cultural brasileira, atuam, <strong>em</strong> paralelo ou <strong>em</strong>compl<strong>em</strong>ento à re<strong>de</strong> local <strong>de</strong> curadores e cuidadores do corpo, seres encantados 4 , orixás,caboclos, pajés e outros entes espirituais, a partir <strong>de</strong> diferentes ritos ou técnicas,acompanhando as pessoas do nascimento à morte. Seja no Norte e Nor<strong>de</strong>ste brasileiros, seja<strong>em</strong> comunida<strong>de</strong>s urbanas periféricas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s centros como Rio <strong>de</strong> Janeiro ou São Paulo, opovo brasileiro, <strong>em</strong> diferentes graus, utiliza-se <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s do mundo não-corpóreo paracuidar, tratar ou proteger o seu próprio corpo. Estas entida<strong>de</strong>s não corpóreas se faz<strong>em</strong>presentes direta ou indiretamente numa espécie <strong>de</strong> re<strong>de</strong> cabocla 5 <strong>de</strong> cuidados sobre o corpo,<strong>em</strong> contato também com as religiões afro-índias ou as afro-brasileiras.No caso específico dos ameríndios, os conhecimentos e saberes sobre a saú<strong>de</strong> e ocorpo, cultivados nos costumes e tradições das comunida<strong>de</strong>s das al<strong>de</strong>ias, compõ<strong>em</strong> ossist<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> indígenas e <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> suas próprias noções <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e doença, suas causas esuas curas. O conceito indígena <strong>de</strong> doença ultrapassa o <strong>de</strong> mero processo biológico universal,característico da visão mecanicista da biomedicina: para o pensamento indígena, a doença é,sobretudo, uma ruptura da unida<strong>de</strong> pessoal alma-corpo, sendo a cura a restauração da unida<strong>de</strong>perdida.3 Em alguns grupos locais amazônicos, segundo SANTOS (2009) são as populações que inventam ou reinventamtradições para se a<strong>de</strong>quar a outras formas culturais que lhes são impostas ou com as quais travam contato.4 Para Maués (1999) os encantados são pessoas que não morreram, mas se encantaram e que viv<strong>em</strong> “no fundo”dos rios e lagos, <strong>em</strong> cida<strong>de</strong>s subterrâneas ou subaquáticas. São normalmente invisíveis aos seres humanoscomuns, mas se apresentam sob forma <strong>de</strong> animais aquáticos, cobras, botos, jacarés, peixes e, <strong>por</strong> isso, sãotambém chamados <strong>de</strong> “bichos do fundo”.5 Toma-se, aqui, o adjetivo “caboclo” - ou “cabocla” - no sentido <strong>de</strong> síntese da cultura popular brasileira. A idéia<strong>de</strong> uma re<strong>de</strong> cabocla se refere à existência <strong>de</strong> uma base comum <strong>de</strong> saberes e conhecimentos medicinais híbridos(europeus, africanos e ameríndios) que são difundidos e amplamente utilizados pelas camadas populares <strong>de</strong> todoo Brasil.


18Oliveira e Junior (2008), sob um olhar mais holístico, <strong>de</strong>fine a pajelança como arepresentação que atua <strong>de</strong> forma sincrética sobre o corpo, implicando fenômenos que po<strong>de</strong>mser <strong>de</strong>finidos como mágico-religiosos, tanto quanto como científicos e técnicos, a umaterapêutica que envolve prescrições e formulações a partir da biodiversida<strong>de</strong> local, danatureza, <strong>de</strong> maneiras variadas. As receitas prescritas tanto po<strong>de</strong>m incluir r<strong>em</strong>édios alopáticoscomo os r<strong>em</strong>édios da terra feitos a partir <strong>de</strong> raízes, ervas, folhas, óleos, animais ou outrosprodutos da farmácia popular.Há, entretanto, uma diferença entre a pajelança indígena, vinculada a grupospropriamente indígenas, e a pajelança rural ou cabocla, diss<strong>em</strong>inada entre populações nãoindígenas,resultante <strong>de</strong> múltiplas misturas e influências culturais: dos tupinambás aocatolicismo, <strong>de</strong> crenças e lendas <strong>por</strong>tuguesas aos cultos africanos, e, mais recent<strong>em</strong>ente, aoscultos mediúnicos kar<strong>de</strong>cistas e a umbanda. A pajelança amazônica “é uma forma <strong>de</strong>xamanismo <strong>em</strong> que se dá a ocorrência do fenômeno da incor<strong>por</strong>ação pelo pajé, sendo seucorpo tomado, no transe ritual, <strong>por</strong> entida<strong>de</strong>s conhecidas como encantados ou caruanas”(MAUÉS e VILLACORTA, 1998).Na pajelança cabocla, há uma tomada do corpo do xamã-curador <strong>por</strong> entida<strong>de</strong>smágicas (encantados/caruanas) que, nesta incor<strong>por</strong>ação, vêm ao mundo físico com o intuitobásico <strong>de</strong> curar os doentes: “não é o xamã qu<strong>em</strong> cura, mas sim as entida<strong>de</strong>s que ag<strong>em</strong> tendoseu corpo como instrumento”. As receitas prescritas tanto po<strong>de</strong>m incluir r<strong>em</strong>édiosindustrializados (vendidos <strong>em</strong> farmácias) ou r<strong>em</strong>édios da terra, fabricados a partir <strong>de</strong> ervas,raízes, folhas, óleos, animais ou outros produtos da farmacopéia popular.Nas tradições mais ligadas às religiões afro-brasileiras, é o caboclo qu<strong>em</strong> assum<strong>em</strong>ais fort<strong>em</strong>ente a função curativa e interpretativa dos males do corpo. Ainda que a primeiraimag<strong>em</strong> mental <strong>de</strong> referência da palavra “caboclo” seja a <strong>de</strong> um indígena, sob a categoriaampla <strong>de</strong> caboclo são cultuados diferentes tipos <strong>de</strong> encantados que reflet<strong>em</strong> a diversida<strong>de</strong>sociocultural e geográfica das regiões brasileiras (sertão, litoral, floresta, zonas ribeirinhasetc.).O caboclo po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado como o el<strong>em</strong>ento comum que une todas asmanifestações religiosas afro-índio-brasileiras, fazendo-se presente <strong>por</strong> meio do trans<strong>em</strong>ediúnico e da incor<strong>por</strong>ação <strong>em</strong> terreiros <strong>de</strong> candomblé, <strong>em</strong> centros <strong>de</strong> umbanda 6 , <strong>em</strong> sessõesespíritas kar<strong>de</strong>cistas, no xangô, no catimbó, no tambor-<strong>de</strong>-mina, no batuque ou <strong>em</strong> outroscultos menos conhecidos. Nas incor<strong>por</strong>ações <strong>de</strong>stes caboclos nos médiuns dos diversos6Para Oxalá (1994) a Umbanda surgiu <strong>em</strong> 1908, no Brasil. A grosso modo, seria a mistura do culto angolacongo(misturado com o nagô), noções <strong>de</strong> Espiritismo, esoterismo, pajelança e até mesmo budismo. Umbandaquer dizer “Arte <strong>de</strong> Curar” ou “Magia”.


19centros religiosos <strong>em</strong> que aparec<strong>em</strong>, eles conversam com <strong>de</strong>senvoltura com os fiéis-pacientes,fumam charutos, inger<strong>em</strong> bebidas alcoólicas, dando s<strong>em</strong>pre ênfase à cura dos males do corpo,seja utilizando gestos rituais simbólicos, cantos, gritos <strong>de</strong> saudação ou folhas, raízes, cipós,s<strong>em</strong>entes e outros el<strong>em</strong>entos da biodiversida<strong>de</strong> local, <strong>de</strong> que é profundo conhecedor.A busca pelo equilíbrio e proteção contra malefícios ou doenças vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r danecessida<strong>de</strong> e da especificida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada processo individual, incor<strong>por</strong>ando também saberes <strong>de</strong>outras terapêuticas, como a benzedura e a reza. Para Quintana (1999) apud Oliveira e Junior(2008), as reza<strong>de</strong>iras atuam sobre o universo do fortuito e do impon<strong>de</strong>rável, acenando aospacientes com um discurso através do qual se torna possível ter um controle um pouco maiorsobre as adversida<strong>de</strong>s do <strong>de</strong>stino.Os benzedores 7 surgiram a partir do século XVII e as interpretações dosconhecimentos, uso tradicional dos recursos vegetais e manejo realizado <strong>por</strong> benzedores,raizeiros, parteiras são fonte <strong>de</strong> pesquisa nos estudos etnobotânicos. Benzedores indicamplantas para efeito <strong>de</strong> cura ou como amuletos protetores, estando esta forma <strong>de</strong> uso da florapresente na cultura popular (MACIEL e NETO, 2006).Oliveira (1985) apud Maciel e Neto (2006) <strong>de</strong>screve a imag<strong>em</strong> da benze<strong>de</strong>iracomo sendo s<strong>em</strong>pre uma mulher casada, mãe <strong>de</strong> alguns filhos, pobre, que domina as rezas eervas e faz massagens, cataplasma e chás. Ela é consi<strong>de</strong>rada, <strong>por</strong> aqueles que buscam alíviospara suas doenças, como cientista popular, misturando o mundo místico e os conhecimentoscurativos das plantas. No aspecto religioso, a maior parte das benze<strong>de</strong>iras é católica, s<strong>em</strong>prereligiosa, e, <strong>em</strong>bora n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre freqüent<strong>em</strong> igrejas, guardam consigo as representações que areligião propicia, lançando mão dos símbolos e códigos que permeiam o ato <strong>de</strong> benzer e curar.Neste trabalho foram encontradas quatro benze<strong>de</strong>iras que se inser<strong>em</strong> na imag<strong>em</strong><strong>de</strong>scrita no parágrafo anterior. O benzimento é realizado <strong>em</strong> suas casas, utilizando-se <strong>de</strong>pequenos ramos se plantas como a arruda, a vassourinha e o pinhão roxo e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dadoença a ser tratada, como a erisipela (“vermelha”) uma das entrevistadas utiliza uma faca.Durante o benzimento, <strong>em</strong> baixo tom <strong>de</strong> voz, recitam orações: Pai Nosso, Ave-maria ououtras específicas para <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> doença material ou espiritual. As principaisdoenças tratadas são: mau-olhado, engasgo, dor-<strong>de</strong>-cabeça, arca-caída, quebranto, dor-<strong>de</strong><strong>de</strong>nte,espinhela caída e rendidura, além da erisipela.Segundo Henrique (2009) apud Maués (1999), a eficácia <strong>de</strong>sses rituais está <strong>em</strong>organizar simbolicamente baseado <strong>em</strong> um sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> crenças, dando respostas aos probl<strong>em</strong>as7Vale ressaltar que optei pelo trabalho com mulheres, no entanto, <strong>em</strong> muitas regiões, o trabalho com plantasmedicinais é realizado principalmente <strong>por</strong> homens benzedores, pajés, xamãs.


21Este capítulo vai ao encontro do meu segundo objetivo, já mencionado, que écompreen<strong>de</strong>r as práticas populares <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, sentidos e significados que as mulherescultivadoras <strong>de</strong> plantas medicinais dão a essa ativida<strong>de</strong>, já que a Antropologia da Saú<strong>de</strong>propõe uma nova maneira <strong>de</strong> pensar e agir <strong>em</strong> relação ao corpo, a cultura e a individualida<strong>de</strong><strong>de</strong> cada ser humano.Segundo Kleinman (1980), citado <strong>por</strong> Oliveira (2002) a simples introdução datecnologia biomédica s<strong>em</strong> realizar modificações sociais, econômicas e culturais acarretaefeitos apenas mínimos, se tanto, nos principais probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> enfrentados pelapopulação. Ou seja, há fatores externos à Medicina, especialmente quando se trata <strong>de</strong>populações maiores, que <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser consi<strong>de</strong>rados.Para Custodio (2008) da década <strong>de</strong> 1990 até a atualida<strong>de</strong> surgiu uma novapreocupação na Aca<strong>de</strong>mia Brasileira <strong>em</strong> estudar a saú<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rando o hom<strong>em</strong>, seusrelacionamentos sócio-culturais, sua maneira <strong>de</strong> lidar com o mundo e consigo próprio, comsua psiquê e com<strong>por</strong>tamento <strong>em</strong> seu meio: a Antropologia da Saú<strong>de</strong>. O enfoque <strong>de</strong>ste estudo éa construção do indivíduo, do corpo e dos sentimentos ligados aos distúrbios da saú<strong>de</strong>.Interfere nas interpretações <strong>em</strong>píricas, factuais, prontas e acabadas da construção <strong>de</strong> sujeito eobjeto, norteando os estudos <strong>por</strong> meio <strong>de</strong> reflexões, apresentando as incertezas inerentes aohom<strong>em</strong>, à socieda<strong>de</strong> e a espécie.Para alcançar seus objetivos <strong>de</strong>senvolveu im<strong>por</strong>tante conhecimento conceitual <strong>em</strong>etodológico para o estudo organizado das maneiras culturais <strong>de</strong> pensar e agir associados àsaú<strong>de</strong>. Ela permite examinar as relações entre os mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> prática, que su<strong>por</strong>tam aorganização dos serviços, os programas <strong>de</strong> prevenção, as intervenções terapêuticas e osmo<strong>de</strong>los culturais dos usuários. A partir daí ela fornece parâmetros para a reformulação daquestão da a<strong>de</strong>quação sociocultural dos diferentes programas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (MARRONI, 2007).A Antropologia da Saú<strong>de</strong> veio revitalizando pertencimentos excessivamentebiocêntricos e hospitalocêntricos quando o caso é tratar <strong>de</strong> alguém doente ao mesmo t<strong>em</strong>po<strong>em</strong> que ajudou a ampliar, enorm<strong>em</strong>ente, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, para além <strong>de</strong> estados <strong>de</strong> doença e <strong>de</strong>pessoas especializadas <strong>em</strong> assistir cada um <strong>de</strong>stes estados (FLEISCHER et al., 2009).A Antropologia da Saú<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ra que a saú<strong>de</strong> e o que se relaciona a ela(conhecimento do risco, i<strong>de</strong>ias sobre prevenção, noções sobre casualida<strong>de</strong>, i<strong>de</strong>ias sobretratamentos apropriados) são fenômenos culturalmente construídos e culturalmenteinterpretados. A perspectiva qualitativa é <strong>em</strong>pregada para i<strong>de</strong>ntificar e analisar a mediaçãoque exerc<strong>em</strong> os fatores sociais e culturais na construção <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> pensar e agir frente àsaú<strong>de</strong> e a doença. A antropologia da saú<strong>de</strong> v<strong>em</strong> ao lado da sociologia da saú<strong>de</strong> e da


22epi<strong>de</strong>miologia contribuir para ampliar o contexto que <strong>de</strong>ve ser levado <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração nosprocessos patológicos (MARRONI, 2007).Da observação dos vários estudos internacionais sobre as representações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>e doença, Adam e Herzlich (2000) apontam que, na interpretação dos fenômenos orgânicos,as pessoas se apóiam <strong>em</strong> conceitos, símbolos e estruturas interiorizadas, conforme os grupossociais a que pertenc<strong>em</strong>. Certas doenças se firmam no imaginário coletivo, enquanto outras,os indivíduos, <strong>em</strong> função <strong>de</strong> suas experiências e contexto, po<strong>de</strong>m elaborar ou re-elaborarinterpretações, apoiando-se <strong>em</strong> recursos coletivos.As significações sociais resultam da cultura <strong>de</strong> cada povo, fortalecidas <strong>em</strong> plenocontexto situacional, local <strong>de</strong> manifestação. De outro lado, há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong>métodos quantitativos e qualitativos <strong>em</strong> pesquisas <strong>de</strong> campo envolvendo indivíduos, grupos,enfatizando os com<strong>por</strong>tamentos, os motivos, as idéias, as crenças. A fonte oral v<strong>em</strong> sendoutilizada como método capaz <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o sentido do ser doente ou saudável, reconstruindo alógica das representações produzidas e socializadas durante a sua construção (CUSTODIO,2008).Ferreira (1995) aprofundou o significado do “estar doente”. A percepção se dáatravés <strong>de</strong> conjunto <strong>de</strong> sensações <strong>de</strong>sagradáveis e sintomas (cansaço, fraqueza, dor, mal-estar,falta <strong>de</strong> apetite, sono, febre), sendo o corpo (sígnico) veiculador <strong>de</strong> mensagens que, ao ser<strong>em</strong>apropriadas pelo médico ou pelo indivíduo, conduz<strong>em</strong> ao significado da doença.Essa forma <strong>de</strong> perceber a doença b<strong>em</strong> expressa a im<strong>por</strong>tância do uso social docorpo como meio <strong>de</strong> existência para aqueles que <strong>de</strong>le <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m para sobreviver. Assim, osignificado da doença r<strong>em</strong>ete à or<strong>de</strong>m social, <strong>por</strong>que sua presença tanto afeta a reproduçãobiológica do indivíduo, quanto a sua reprodução social, <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> reprodução dascondições <strong>de</strong> existência (Knauth, 1992). Se entendida como fenômeno social, a doençaestabelece uma relação entre as or<strong>de</strong>ns biológica e social, abrangendo o indivíduo cor<strong>por</strong>al esocialmente. Dessa maneira, o papel da antropologia da saú<strong>de</strong> é tratar a doença, superando oslimites biológicos do corpo e as explicações biomédicas do hom<strong>em</strong>.A seu ver, a doença é uma construção social, e a cultura, plena <strong>de</strong> significações,somente t<strong>em</strong> valor se compartilhada pelo grupo social. Os relatos sobre a dor sinalizam osofrimento, a enfermida<strong>de</strong> e o estar doente. Diz a autora que a percepção e os relatos arespeito da dor são influenciados <strong>por</strong> muitos el<strong>em</strong>entos: a vivência cultural do doente, o seurepertório linguístico, o seu domínio ou não dos termos médicos, suas crenças erepresentações sobre o corpo e a doença, as suas experiências individuais e geral, e suasexperiências e sua m<strong>em</strong>ória específica quanto à sensação <strong>de</strong> dor.


23E é <strong>por</strong> essa razão que, como qualquer outro sist<strong>em</strong>a cultural, precisa serentendido <strong>em</strong> termos <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> instrumental e simbólica. Como afirma Kleinman(1980) apud Oliveira (2002), estudos <strong>de</strong> nossa própria socieda<strong>de</strong> e investigações comparativas<strong>de</strong>v<strong>em</strong> iniciar cont<strong>em</strong>plando a atenção à saú<strong>de</strong> como um sist<strong>em</strong>a que é social e cultural na suaorig<strong>em</strong>, estrutura, função e significado, on<strong>de</strong> cada socieda<strong>de</strong> assimila as encenações do corpoe da doença <strong>de</strong> maneira peculiar, consi<strong>de</strong>rando os aspectos sócio-culturais da populaçãoatendida, monitorada <strong>por</strong> saberes biomédicos.Portanto, a realida<strong>de</strong> social não é única no t<strong>em</strong>po e no espaço, monolítica a ponto<strong>de</strong> não permitir variações individuais e coletivas. Ela exerce uma influência <strong>de</strong>cisiva namaneira como cada um <strong>de</strong> nós pensa e age diante <strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong> doença, optando <strong>por</strong> um<strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> atendimento e avaliando seu resultado (ATKINSON, 1993).Como po<strong>de</strong>mos perceber, os estudos sobre antropologia da saú<strong>de</strong> nos falammenos da doença <strong>em</strong> si e mais <strong>de</strong> sua articulação simbólica na construção das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>ssociais, relações <strong>de</strong> gênero e inserção nos parâmetros simbólicos estruturantes da cultura.Quando resgatam as práticas sociais são capazes <strong>de</strong> vislumbrar estratégias e maioresdissonâncias entre pensamento, normas e a ação social ou ainda, percorrendo as experiênciase o senso prático exclusivamente, colocam <strong>em</strong> evidência os adoecidos, suas ações e aconstrução dos significados diante da doença e na busca da resolução <strong>de</strong> seus probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong>saú<strong>de</strong>, ocultando as regularida<strong>de</strong>s sociais ou os padrões estruturantes, sejam os sociais epolíticos, sejam os culturais e simbólicos.Para Oliveira (2002) <strong>de</strong>ve haver uma relação <strong>de</strong> cumplicida<strong>de</strong> entre qu<strong>em</strong> presta equ<strong>em</strong> recebe o serviço, isto é, o serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser aceito socialmente, no sentido <strong>de</strong>po<strong>de</strong>r ser procurado <strong>em</strong> caso <strong>de</strong> doença. Isso não implica, contudo, uma formahomogeneizada <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> atendimento, pois apesar <strong>de</strong> o sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> atenção à saú<strong>de</strong> ser umaconstrução coletiva, o padrão <strong>de</strong> uso do mesmo difere <strong>de</strong> acordo com o grupo social, com asfamílias e mesmo com os indivíduos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, entre outros fatores, do grau <strong>de</strong> instruçãoda pessoa, <strong>de</strong> sua religião, <strong>de</strong> sua ocupação, da re<strong>de</strong> social a que pertence e, concretamente,das doenças existentes.O discurso antropológico aponta os limites e a insuficiência da tecnologiabiomédica quando se trata <strong>de</strong> mudar <strong>de</strong> forma permanente o estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> umapopulação. Ela nos revela que o estado <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma população é associado ao seu modo<strong>de</strong> vida e ao seu universo social e cultural. Inscreve-se, assim, numa relação <strong>de</strong>compl<strong>em</strong>entarida<strong>de</strong> com a epi<strong>de</strong>miologia e com a sociologia da saú<strong>de</strong> (UCHOA e VIDAL,1994).


24Fatores culturais <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penham um papel crítico na prática <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>em</strong> todos osâmbitos, inclusive no sist<strong>em</strong>a formal <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços médicos, entre nós fort<strong>em</strong>enteassentado no mo<strong>de</strong>lo biomédico, o qual é apenas um entre tantos outros mo<strong>de</strong>los. Seria muitobom ver os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e seus profissionais comunicando-se com seus usuários eperceber que <strong>por</strong> trás <strong>de</strong> cada paciente há uma cultura que dá sustentação à percepção que elet<strong>em</strong> <strong>de</strong> sua doença e do sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (OLIVEIRA, 2002).A interpretação dos significados da doença po<strong>de</strong> contribuir para a prestação <strong>de</strong>cuidados mais efetivos. Por meio <strong>de</strong>stas interpretações as conseqüências frustrantes daincapacida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser reduzidas. Enfim, po<strong>de</strong>-se dizer que a concepção <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>-doença naantropologia da saú<strong>de</strong> ultrapassa os limites da biomedicina. Ela reconhece as angústias, osmedos, os sofrimentos, as questões filosóficas e culturais que afetam o ser humano(MARRONI, 2007).A im<strong>por</strong>tância da antropologia para a compreensão do fenômeno saú<strong>de</strong>-doença éincontestável. Junto como os dados quantitativos e com o conhecimento técnico-científico dasdoenças, qualquer ação <strong>de</strong> prevenção, tratamento ou <strong>de</strong> planejamento <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> necessita levar<strong>em</strong> conta valores, atitu<strong>de</strong>s e crenças <strong>de</strong> uma população (MINAYO, 1991).Não é mais invisível a antropologia da saú<strong>de</strong>-doença no Brasil, e os esforçosnesta direção parec<strong>em</strong> b<strong>em</strong>-sucedidos, se for<strong>em</strong> permanentes, apesar das diferentes vocaçõesintelectuais, cujo convívio mais indica a vitalida<strong>de</strong> da nova especialida<strong>de</strong> do que a suainviabilida<strong>de</strong>, <strong>em</strong>bora se espere, no âmbito da saú<strong>de</strong> coletiva, que as ciências sociaisdialogu<strong>em</strong> entre si permanent<strong>em</strong>ente e com as <strong>de</strong>mais disciplinas, como a Agronomia, s<strong>em</strong>que se apart<strong>em</strong> nos limites estreitos das rígidas fronteiras especializadas, mas que atuam <strong>em</strong>parceria, como uma forma <strong>de</strong> melhor compreen<strong>de</strong>r a realida<strong>de</strong>, para po<strong>de</strong>r intervir <strong>de</strong> maneiramais eficaz.CAPÍTULO III - ASPECTOS DA LEGISLAÇÃO SOBRE PLANTAS MEDICINAIS EFITOTERÁPICOS


25O objetivo <strong>de</strong>ste capítulo é fazer uma discussão acerca dos el<strong>em</strong>entos maisim<strong>por</strong>tantes da estrutura jurídica que <strong>em</strong>basa as Políticas Públicas <strong>em</strong> Saú<strong>de</strong>, no Brasil, noque se refere às <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos 8 , com ênfase na Política Nacional e noPrograma Nacional. Levando-se <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração, principalmente, o fato <strong>de</strong> ser<strong>em</strong><strong>de</strong>sconhecidos pela maioria da população e que t<strong>em</strong> o direito <strong>de</strong> usufruir <strong>de</strong>sses benefícios.O acesso aos medicamentos é um ponto im<strong>por</strong>tante para inclusão social, <strong>de</strong> buscada igualda<strong>de</strong> e do fortalecimento do SUS, que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1988 v<strong>em</strong> sendo fortalecido e<strong>de</strong>senvolvido sobre os pilares da universalização, da integralida<strong>de</strong>, da <strong>de</strong>scentralização e daparticipação popular, <strong>em</strong> busca da máxima constitucional: “saú<strong>de</strong> é um direito universal <strong>de</strong>todos os cidadãos brasileiros” e para isso é necessário aumentar o acesso da população aosserviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e aos insumos terapêuticos, particularmente os medicamentos. Portanto,faz-se necessária a formulação <strong>de</strong> políticas públicas que assegur<strong>em</strong> esses direitosconstitucionais (DANTAS et al., 2008).A <strong>de</strong>scoberta da penicilina, <strong>em</strong> 1928, foi um divisor <strong>de</strong> águas na indústriafarmacêutica. A partir <strong>de</strong> então, os medicamentos tradicionais, muitos <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> vegetal,foram sendo substituídos pelos medicamentos sintéticos. Entretanto, o uso <strong>de</strong> medicamentosfitoterápicos não <strong>de</strong>sapareceu, manteve-se como parte da cultura. O processo <strong>de</strong>regulamentação no Brasil teve início <strong>em</strong> 1967, com a Portaria 22. Des<strong>de</strong> então, ela v<strong>em</strong> sendoatualizada, como <strong>em</strong> 1995, quando foi editada a Portaria 6 pela Secretaria Nacional <strong>de</strong>Vigilância Sanitária. Em 2000, a então Agência Nacional <strong>de</strong> Vigilância Sanitária (ANVISA)publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 17 e, <strong>em</strong> 2004, a RDC 48, atualmente <strong>em</strong>vigor (RODRIGUES, 2007).A fitoterapia está <strong>em</strong> alta nas discussões <strong>de</strong> políticas públicas na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>em</strong>eio ambiente. Em 2006, o país sediou a 8ª Convenção sobre Diversida<strong>de</strong> Biológica, umencontro criado <strong>em</strong> 1992 durante a Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, on<strong>de</strong> são <strong>de</strong>batidos t<strong>em</strong>as como conservação da biodiversida<strong>de</strong>, usosustentável e repartição justa e equitativa <strong>de</strong> recursos genéticos.Neste encontro, foi consolidada a Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> eFitoterápicos. Participaram da redação do documento representantes da Gerência <strong>de</strong>medicamentos isentos, específicos, fitoterápicos e homeopáticos (Gmefh), da ANVISA, doMinistério da Saú<strong>de</strong>; M<strong>em</strong>bros <strong>de</strong> Comunida<strong>de</strong>s Quilombolas e Indígenas, da Fe<strong>de</strong>ração8Segundo a Resolução da Diretoria Colegiada Nº 48/2004 da ANVISA, fitoterápicos são medicamentospreparados exclusivamente com plantas ou partes <strong>de</strong> plantas medicinais (raízes, cascas, folhas, flores, frutos ous<strong>em</strong>entes), que possu<strong>em</strong> proprieda<strong>de</strong>s reconhecidas <strong>de</strong> cura, prevenção, diagnóstico ou tratamento sintomático <strong>de</strong>doenças, validadas <strong>em</strong> estudos etnofarmacológicos, documentações tecnocientíficas ou ensaios clínicos <strong>de</strong> fase.


26Brasileira <strong>de</strong> Associação para o Estudo <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> (Febraplame), da Empresa <strong>de</strong>Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e da Associação dos LaboratóriosFarmacêuticos Nacionais (Alanac). A ampliação <strong>de</strong> opções terapêuticas dos usuários do SUS -que po<strong>de</strong>rão se tratar com fitoterapia, homeopatia, acunpuntura e crenoterapia (uso <strong>de</strong> águastermais) - t<strong>em</strong> objetivo <strong>de</strong> melhorar o atendimento <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> e é regulada pela PolíticaNacional <strong>de</strong> Práticas Integrativas e Compl<strong>em</strong>entares no Âmbito do SUS, publicada <strong>em</strong> maio<strong>de</strong> 2006 (RODRIGUES, 2007).Para o autor, o uso das plantas medicinais na atenção primária à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve serincor<strong>por</strong>ado ao sist<strong>em</strong>a <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública, pois além <strong>de</strong> baixo custo, resgata o conhecimentopopular e promove o seu uso racional, <strong>em</strong>basado nos conhecimentos científicos. De acordocom a política vigente para a regulamentação <strong>de</strong> medicamentos no Brasil, publicada pelaANVISA no ano <strong>de</strong> 2004, a Fitoterapia enten<strong>de</strong> que os extratos vegetais, compostos <strong>de</strong>substâncias produzidas pela natureza, são tão ou mais seguros e eficazes que os produzidossinteticamente.O papel da ANVISA neste processo é registrar produtos e fiscalizar as indústriasprodutoras <strong>de</strong> medicamentos com o objetivo <strong>de</strong> proteger a saú<strong>de</strong> da população. Osmedicamentos <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> plantas <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ter composição padronizada, oferecer garantia <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong> e ter efeitos terapêuticos comprovados antes do registro na ANVISA, que exige aavaliação <strong>de</strong> segurança e eficácia (resolução 48 e 88/2004) e estudos <strong>de</strong> toxida<strong>de</strong> pré-clínica(resolução 90/2004). A maioria dos fitoterápicos mais vendidos e <strong>de</strong> interesse comercialoriginaram-se do conhecimento tradicional e da pesquisa acadêmica <strong>em</strong> parceria com asindústrias.3.1 POLÍTICA NACIONAL E PROGRAMA NACIONAL DE PLANTAS MEDICINAIS EFITOTERÁPICOSO governo fe<strong>de</strong>ral aprovou a Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> eFitoterápicos, <strong>por</strong> meio do Decreto Presi<strong>de</strong>ncial Nº 5.813, <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2006, a qual seconstitui <strong>em</strong> parte essencial das políticas públicas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, meio ambiente, <strong>de</strong>senvolvimentoeconômico e social como um dos el<strong>em</strong>entos fundamentais <strong>de</strong> transversalida<strong>de</strong> naimpl<strong>em</strong>entação <strong>de</strong> ações capazes <strong>de</strong> promover melhorias na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida da populaçãobrasileira.Assim como as <strong>de</strong>mais políticas públicas, a Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong><strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos configura <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> caráter geral que apontam rumos e linhasestratégicas <strong>de</strong> atuação governamental, reduzindo os efeitos da <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>


27administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornar<strong>em</strong> públicas, expressas eacessíveis à população e aos formadores <strong>de</strong> opinião as intenções do Governo no planejamento<strong>de</strong> programas, projetos e ativida<strong>de</strong>s.O objetivo da Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos é garantir àpopulação brasileira o acesso seguro e o uso racional <strong>de</strong> plantas medicinais e fitoterápicos,promovendo o uso sustentável da biodiversida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>senvolvimento da ca<strong>de</strong>ia produtiva e daindústria nacional.As ações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ssa Política, manifestadas <strong>em</strong> um Programa, sãoimprescindíveis para a melhoria do acesso da população a plantas medicinais e fitoterápicos, àinclusão social e regional, ao <strong>de</strong>senvolvimento industrial e tecnológico, à promoção dasegurança alimentar e nutricional, além do uso sustentável da biodiversida<strong>de</strong> brasileira e davalorização e preservação do conhecimento tradicional associado das comunida<strong>de</strong>s e povostradicionais.Nesse sentido, o governo fe<strong>de</strong>ral instituiu o Grupo <strong>de</strong> Trabalho Interministerialpara elaboração do Programa Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos – PNPMF que,<strong>em</strong> conformida<strong>de</strong> com as diretrizes e linhas prioritárias da Política Nacional, estabelece açõespelos diversos parceiros, <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> objetivos comuns voltados à garantia do acesso seguro euso racional <strong>de</strong> plantas medicinais e fitoterápicos <strong>em</strong> nosso país, ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>tecnologias e inovações, assim como ao fortalecimento das ca<strong>de</strong>ias e dos arranjos produtivos,ao uso sustentável da biodiversida<strong>de</strong> brasileira e ao <strong>de</strong>senvolvimento do Complexo Produtivoda Saú<strong>de</strong>.A metodologia adotada para a construção do documento favoreceu a participaçãotransversal <strong>de</strong> todos os níveis e instâncias do governo e da socieda<strong>de</strong>. O documento dividido<strong>em</strong> capítulos e seções, visando facilitar a compreensão do leitor, apresenta ações referenciadaspelas diretrizes correspon<strong>de</strong>ntes, gestores e envolvidos, prazos e recursos para aimpl<strong>em</strong>entação da PNPMF, como também composição e atribuições do Comitê Nacional <strong>de</strong><strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos responsável pelo monitoramento e avaliação do ProgramaNacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos.A Portaria Interministerial nº 2960, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong> 2008, assinada peloMinistério da Saú<strong>de</strong> e outros nove ministérios 9 aprova o Programa Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong><strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos e cria o Comitê Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos.9Ministérios que participam do PNPMF: Casa Civil; Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Cultura, Ciência eTecnologia; Desenvolvimento Agrário; Desenvolvimento Social e Combate a Fome; Desenvolvimento, Indústriae Comércio Exterior; Integração Nacional e Meio Ambiente.


28O processo <strong>de</strong> formulação do Programa Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> eFitoterápicos teve seus fundamentos na Política Nacional, que <strong>de</strong>finiu como princípiosorientadores: ampliação das opções terapêuticas e melhoria da atenção à saú<strong>de</strong> aos usuáriosdo SUS; Uso sustentável da biodiversida<strong>de</strong> brasileira; Valorização, valoração e preservaçãodo conhecimento tradicional das comunida<strong>de</strong>s tradicionais e indígenas; fortalecimento daagricultura familiar; Crescimento com geração <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego e renda, redutor das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>sregionais; Desenvolvimento industrial e tecnológico; Inclusão social e redução das<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e Participação popular e controle social.Uma lista com 71 plantas <strong>de</strong> interesse do SUS está sendo divulgada peloPrograma Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos do Ministério da Saú<strong>de</strong>. A RelaçãoNacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> <strong>de</strong> Interesse ao SUS (Renisus) (Apêndice II) apresenta plantasmedicinais que apresentam potencial para gerar produtos <strong>de</strong> interesse ao SUS. A finalida<strong>de</strong> dalista é orientar estudos e pesquisas que possam subsidiar a elaboração da relação <strong>de</strong>fitoterápicos disponíveis para uso da população, com segurança e eficácia para o tratamento<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada doença. Atualmente, são oferecidos fitoterápicos <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> espinheirasanta, para gastrites e úlceras, e <strong>de</strong> guaco, para tosses e gripes.O Brasil é reconhecido <strong>por</strong> sua biodiversida<strong>de</strong>. Essa riqueza biológica torna-seainda mais im<strong>por</strong>tante <strong>por</strong>que está aliada a uma sociodiversida<strong>de</strong> que envolve vários povos ecomunida<strong>de</strong>s, com visões, saberes e práticas culturais próprias. Na questão do uso terapêuticodas plantas, esses saberes e práticas estão intrinsecamente relacionados aos territórios e seusrecursos naturais, como parte integrante da reprodução sociocultural e econômica <strong>de</strong>ssespovos e comunida<strong>de</strong>s.No contexto acima citado, uma das diretrizes do PNPMF é promover o resgate, oreconhecimento e a valorização das práticas tradicionais e populares <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> plantasmedicinais, fitoterápicos e r<strong>em</strong>édios caseiros, como el<strong>em</strong>entos para a promoção da saú<strong>de</strong>,conforme preconiza a OMS.Apesar da Política Nacional <strong>de</strong> <strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos buscar avalorização do conhecimento popular, ainda prevalec<strong>em</strong> os referenciais aca<strong>de</strong>micistas ebiomédicos, que muitas vezes, ten<strong>de</strong>m a menosprezar as formas <strong>de</strong> ação e intervenção dascomunida<strong>de</strong>s e dos movimentos populares e o fortalecimento da indústria farmacêuticanacional.Neste sentido é preciso, focalizar a lente, <strong>em</strong> profundida<strong>de</strong>, aos saberes populares,naquilo que eles apresentam como essência. Ter claro o “como” se processam, o<strong>por</strong>quê <strong>de</strong> sua existência no t<strong>em</strong>po e nas práticas <strong>de</strong> prevenção e cura é um dos


29caminhos necessários para que se forje políticas <strong>em</strong> saú<strong>de</strong>, coerentes com asnecessida<strong>de</strong>s populares e capazes <strong>de</strong> surtir<strong>em</strong> os efeitos <strong>de</strong>sejados. É no enten<strong>de</strong>r alógica da manifestação popular e nas práticas médicas populares, que se apresentauma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sucesso na impl<strong>em</strong>entação das políticas públicas (THUM,2002).Necessita-se esclarecer que a medicina bioquímica, <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> oci<strong>de</strong>ntal, foiincapaz <strong>de</strong> acabar com os produtores e usuários <strong>de</strong> plantas medicinais. Estes ainda preservamsaberes e até mesmo uma lógica própria <strong>de</strong> pensamento/ação que se preserva no t<strong>em</strong>po e noespaço. Estes conhecimentos foram adquiridos através <strong>de</strong> observações exaustivas, hipótesestestadas e aferidas ao longo dos t<strong>em</strong>pos pelos diferentes povos e culturas, <strong>por</strong>tanto, arraigados<strong>de</strong> verda<strong>de</strong>s e eficácia <strong>de</strong>ntro da lógica <strong>de</strong> organização social <strong>de</strong> sua orig<strong>em</strong>, como comprovaa história das plantas medicinais.Quando se propõe ações <strong>em</strong> saú<strong>de</strong> para a população, é preciso ter <strong>em</strong> mente osignificado <strong>de</strong>stas ações no âmbito do saber popular. Garantir o respeito aos saberes, costumese formas <strong>de</strong> organização popular amplia a marg<strong>em</strong> <strong>de</strong> compreensão dos significados daspráticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e doença que ali exist<strong>em</strong>, e principalmente o<strong>por</strong>tuniza enten<strong>de</strong>r os fatores ouos motivos que levam estas práticas a permanecer<strong>em</strong> ao longo dos t<strong>em</strong>pos.Os fomentadores das Políticas Públicas <strong>em</strong> Saú<strong>de</strong>, os promotores <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>Pública <strong>de</strong>v<strong>em</strong> compreen<strong>de</strong>r seu papel enquanto agentes políticos. Para além disso, o conceito<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública precisa <strong>de</strong> uma opção científica mais ampliada para dar conta das diferentesmatizes. Este conceito precisa englobar <strong>em</strong> si mesmo um salutar respeito aos conhecimentospopulares. Precisa também assegurar <strong>em</strong> sua dinâmica uma postura investigativa no intuito <strong>de</strong>interpretar a lógica <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> seu conteúdo. Portanto, para ter êxito <strong>em</strong> Ações <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>Pública é preciso ter o diálogo como mediador, a lealda<strong>de</strong> como su<strong>por</strong>te político e os saberespopulares como uma das fontes <strong>de</strong> conhecimento (THUM, 2002).3.2 FARMÁCIA VIVAA experiência mais antiga é da Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral do Ceará (UFCE) que, <strong>em</strong>1983 começou a implantar o programa Farmácias Vivas, sob a coor<strong>de</strong>nação do professor José<strong>de</strong> Abreu Matos. Seguindo as recomendações da OMS, o programa oferece assistênciafarmacêutica fitoterápica <strong>de</strong> base científica às comunida<strong>de</strong>s mais carentes <strong>de</strong> Fortaleza,aproveitando as plantas <strong>de</strong> ocorrência local ou regional que tenham seu uso comprovado


30cientificamente. Inclui hortas <strong>de</strong> plantas medicinais padronizadas e instaladas <strong>em</strong>comunida<strong>de</strong>s organizadas, <strong>de</strong> acordo com normas <strong>de</strong>finidas, distinguindo-se daquelasformadas pelo cultivo <strong>de</strong> plantas <strong>de</strong> uso popular escolhidas <strong>em</strong>piricamente.Consi<strong>de</strong>rando entre outros fatores a Política Nacional, o Programa Nacional <strong>de</strong><strong>Plantas</strong> <strong>Medicinais</strong> e Fitoterápicos e a Política Nacional <strong>de</strong> Práticas Integrativas eCompl<strong>em</strong>entares (PNPIC) no SUS (Portaria Nº 971/GM, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006) foi instituídoo Programa Farmácia Viva através da Portaria Nº 886, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2010 do Ministérioda Saú<strong>de</strong>.Esse é o primeiro programa <strong>de</strong> assistência social farmacêutica baseado no<strong>em</strong>prego científico <strong>de</strong> plantas medicinais e produtos <strong>de</strong>las <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong>senvolvido no Brasil,tendo <strong>por</strong> objetivo compensar a insuficiência do conhecimento sobre os princípios ativos <strong>de</strong>plantas medicinais brasileiras usadas na fabricação <strong>de</strong> fitoterápicos ou utilizadas nasnumerosas preparações medicinais caseiras.As gran<strong>de</strong>s vantagens <strong>de</strong>sse programa são pro<strong>por</strong>cionar <strong>de</strong>senvolvimento,estimular produção local e gerar <strong>em</strong>prego e tecnologia <strong>de</strong> cultivo local, uma vez que asplantas medicinais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser produzidas <strong>em</strong> quantida<strong>de</strong> suficiente <strong>em</strong> pequenos, <strong>por</strong>émnumerosos, campos <strong>de</strong> cultivo regionalizados.Os passos recomendados para implantação <strong>de</strong> projeto baseado no ProgramaFarmácias Vivas são mapeamento do conhecimento tradicional, verificação científica daplanta e <strong>de</strong>volução do fitoterápico para a população. As plantas medicinais <strong>de</strong>v<strong>em</strong> seraprovadas nos testes pré-clínicos e clínicos. O seu cultivo <strong>de</strong>ve ser <strong>em</strong> áreas a<strong>de</strong>quadas à suaprodução, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se conseguir a seleção <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>s ou <strong>de</strong> clones maisa<strong>de</strong>quados a seu uso terapêutico e à produção <strong>de</strong> material <strong>de</strong>stinado a novos estudos ou à suamultiplicação.O horto-matriz <strong>de</strong>ve ser criado e mantido pela gestão pública, qualquer que seja ainstância. Po<strong>de</strong> ser instalado junto ao serviço da Emater com o apoio das prefeituras. Para umsist<strong>em</strong>a continuado <strong>de</strong> estudos <strong>de</strong> validação <strong>de</strong> plantas, acompanhamento e controle <strong>de</strong>qualida<strong>de</strong>. Recomendam-se a participação dos cursos <strong>de</strong> Farmácia e <strong>de</strong> Agronomia. Estametodologia cont<strong>em</strong>pla o planejamento para implantação da fitoterapia nos programas <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> pública e o treinamento <strong>de</strong> recursos humanos na implantação do projeto.O funcionamento pleno do Programa Farmácias Vivas oferece aos serviços <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> e às universida<strong>de</strong>s, especialmente aos cursos <strong>de</strong> Farmácia, Medicina e Agronomia, basesólida para um processo contínuo <strong>de</strong> revitalização e <strong>de</strong>senvolvimento do ensino, da pesquisa eda extensão, vinculados ao estudo das plantas medicinais e da fitoterapia, permitindo, ainda, o


31fornecimento <strong>de</strong> material para o posterior <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> estudo químico, farmacológico,farmacognóstico e clínico das plantas medicinais regionais.Além <strong>de</strong>ssas justificativas, <strong>de</strong>stacam-se outras, pois este programa:a) segue os “princípios <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> para todos no ano 2000”, documento estratégicoda OMS. Principalmente para os países <strong>em</strong> <strong>de</strong>senvolvimento que possu<strong>em</strong> uma gran<strong>de</strong>biodiversida<strong>de</strong>, a OMS i<strong>de</strong>ntifica três princípios e três objetivos cont<strong>em</strong>plados na metodologiaFarmácias Vivas:- os princípios <strong>de</strong> “saú<strong>de</strong> para todos” são: atenção primária, participação conjuntados profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e da população e colaborações intersetoriais;- os objetivos são: promoção <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> vida mais saudável, prevenção <strong>de</strong>enfermida<strong>de</strong>s e reabilitação;b) induz à responsabilização da comunida<strong>de</strong> local <strong>por</strong> sua própria condição <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida;c) propicia, nas escolas, a formação <strong>de</strong> cidadãos voltados para sua própriarealida<strong>de</strong>, atores sociais <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>stino, pois <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser formados a partir do conhecimento doseu meio ambiente e da busca <strong>de</strong> soluções locais;d) aumenta o nível <strong>de</strong> ocupação e <strong>de</strong> <strong>em</strong>prego local propiciado pela<strong>de</strong>scentralização da produção <strong>de</strong> plantas medicinais e <strong>de</strong> fitoterápicos;e) promove o <strong>de</strong>senvolvimento local sustentável baseado no uso dos própriosrecursos;f) envolve técnicos agrícolas e comunida<strong>de</strong> agrícola no processo <strong>de</strong> produção edomesticação <strong>de</strong> plantas medicinais;g) promove a integração da comunida<strong>de</strong> científica no <strong>de</strong>senvolvimento dosprodutos fitoterápicos;h) valoriza a comunida<strong>de</strong> local, que <strong>de</strong>tém o conhecimento tradicional no usogeral das plantas.A metodologia do Programa Farmácias Vivas, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvida noNor<strong>de</strong>ste, po<strong>de</strong> ser aplicada <strong>em</strong> todo o país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se proceda à reorganização, <strong>em</strong> basescientíficas, dos inúmeros programas comunitários <strong>de</strong> fitoterapia existentes <strong>em</strong> nível local, nosquais se induziriam, <strong>por</strong> um lado, o cultivo padronizado <strong>de</strong> plantas selecionadas e, <strong>por</strong> outro, aalocação <strong>de</strong> pessoal treinado necessário para sua execução, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nível farmacotécnico, nassecretarias municipais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, até o nível artesanal, nas comunida<strong>de</strong>s carentes.


32CAPÍTULO IV: O SABER E A TRADIÇÃO DAS MULHERES NA MEDICINAPOPULARA vitória <strong>de</strong> um saber mais efetivo <strong>em</strong> seus resultados e <strong>em</strong> sua permanência e queainda são compartilhados pelas diversas gerações, ainda que <strong>de</strong> forma nuançada,(TORNQUIST e FRANZONI, 2009).


334.1 O CONHECIMENTO TRADICIONAL DAS MULHERES NO USO E CULTIVO DASESPÉCIES MEDICINAISO conhecimento sobre plantas medicinais simboliza muitas vezes o único recursoterapêutico <strong>de</strong> muitas comunida<strong>de</strong>s e grupos étnicos. O uso <strong>de</strong> plantas no tratamento e na cura<strong>de</strong> enfermida<strong>de</strong>s é tão antigo quanto a espécie humana. Ainda hoje nas regiões mais pobres dopaís e até mesmo nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s brasileiras, plantas medicinais são comercializadas <strong>em</strong>feiras livres, mercados populares e encontradas <strong>em</strong> quintais resi<strong>de</strong>nciais, (MACIEL et al.,2002).No caso das mulheres estudadas os quintais resi<strong>de</strong>nciais (Figura 03) querepresentam os locais <strong>em</strong> que as plantas são cuidadosamente cultivadas, não funcionamapenas como farmácias vivas, mais constitu<strong>em</strong>, também, um espaço <strong>de</strong> socialização <strong>de</strong>saberes e práticas, a partir do momento <strong>em</strong> que estas são procuradas pela comunida<strong>de</strong> etransmit<strong>em</strong> a qu<strong>em</strong> as procuram seus conhecimentos adquiridos ao longo <strong>de</strong> gerações, sejamestas pessoas familiares, vizinhos ou alguém interessado <strong>em</strong> uma forma alternativa <strong>de</strong> cura.Eles apresentam um mosaico <strong>de</strong> diferentes ambientes. Serv<strong>em</strong> à criação <strong>de</strong> animaisdomésticos, cultivo <strong>de</strong> plantas ornamentais, frutíferas e medicinais.Figura 03: Dona Antônia Maria e o quintal on<strong>de</strong> cultiva as espécies medicinais.Em se tratando da transmissão <strong>de</strong> conhecimentos, esta é marcada pela oralida<strong>de</strong> 10 ,já que elas não possu<strong>em</strong> registros gráficos <strong>de</strong> seus conhecimentos. Entretanto, a troca da ação10Para Thompson (1992) apud Gonçalves (2002) a história oral é construída <strong>em</strong> torno <strong>de</strong> pessoas. Elalança a vida para <strong>de</strong>ntro da própria história e isso alarga seu campo <strong>de</strong> ação. Admite heróis vindos não só <strong>de</strong>ntreos lí<strong>de</strong>res, mas <strong>de</strong>ntre a maioria <strong>de</strong>sconhecida do povo, trazendo, <strong>de</strong>sta forma, a história para <strong>de</strong>ntro dacomunida<strong>de</strong> e extraindo-a, também, <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>. Ajuda os menos privilegiados, a conquistardignida<strong>de</strong> e confiança e propicia o contato – e, pois, a compreensão – entre classes sociais e entre gerações.


34pela fala não garante a permanência <strong>de</strong> algum dado cultural, pois a questão que im<strong>por</strong>ta é <strong>de</strong>qu<strong>em</strong> se habilita a escutar “minhas histórias”. A relação calcada no diálogo, peça chave nesseprocesso contribui, e muito, para a reestruturação do dado cultural, representando um primeiropasso na sua reconstrução (GONÇALVES, 2002).A ida<strong>de</strong> das 30 entrevistadas foi dividida <strong>em</strong> quatro intervalos: menor que 18 anos(3,33%); 30 – 45 anos (20%); 46 -60 anos (40%) e 61 – 75 anos (36,67%), <strong>de</strong>monstrando queas mulheres com ida<strong>de</strong> a partir dos 46 anos são as que mais utilizam às espécies medicinais eas mais jovens possu<strong>em</strong> menor conhecimento sobre a prática e os usos, caracterizandoinicialmente (sendo necessária uma análise mais profunda sobre os reais motivos) a falta <strong>de</strong>interesse dos mais jovens pelo cultivo <strong>de</strong> plantas medicinais. Quanto aos filhos dasentrevistadas, 50% relataram a falta <strong>de</strong> interesse <strong>de</strong>stes <strong>em</strong> apren<strong>de</strong>r o uso e cultivo dasespécies medicinais b<strong>em</strong> como preferência pelos fármacos.No caso da mais jov<strong>em</strong>, Claudiane (<strong>de</strong> apenas 14 anos) passou a fazer uso maisintenso <strong>de</strong> plantas medicinais a partir do momento <strong>em</strong> que se tornou mãe, já que seu filhonasceu com probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong>vido a pouca ida<strong>de</strong> não podia ingerir fármacos(principalmente antibióticos) e teve que fazer o uso <strong>de</strong> r<strong>em</strong>édios caseiros, então ela recorreuaos conhecimentos dos parentes, amigos e vizinhos a cerca das plantas medicinais e seus usos,no entanto, esta faz parte <strong>de</strong> um universo repleto <strong>de</strong> saberes e práticas a respeito das plantasmedicinais, on<strong>de</strong>, principalmente a avó materna e o tio utilizam, com bastante freqüência, asplantas medicinais e <strong>em</strong> ultimo caso recorr<strong>em</strong> aos fármacos, <strong>por</strong>tanto, as plantas medicinaissão a alternativa <strong>de</strong> cura para estas pessoas.Outro momento da pesquisa evi<strong>de</strong>nciou a im<strong>por</strong>tância das plantas medicinaistambém como alternativa <strong>de</strong> cura para estas pessoas. O valor simbólico e as crenças atribuídasàs plantas medicinais pelas mulheres, pois estas não faz<strong>em</strong> a comercialização das espécies queutilizam para a cura das enfermida<strong>de</strong>s, e seus conhecimentos são partilhados com aqueles queas procuram <strong>em</strong> forma <strong>de</strong> doação. São assim, reconhecidas pela comunida<strong>de</strong> como asprincipais cuidadoras da saú<strong>de</strong> dos parentes e dos vizinhos. O que confere a mulher o papel <strong>de</strong>intermediadora <strong>de</strong>sses conhecimentos entre as gerações.Ao ensinar<strong>em</strong> outras pessoas o que apren<strong>de</strong>ram durante anos, aten<strong>de</strong>r<strong>em</strong> às<strong>de</strong>mandas <strong>de</strong> jovens mães e escutar<strong>em</strong> as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> as procura lhes permite,também, vivenciar o envelhecimento <strong>de</strong> maneira positiva. Sobre os sentimentos que afirmamter a partir da partilha <strong>de</strong> um conhecimento acumulado, o prazer é o mais citado. Como afamília não <strong>de</strong>manda tanto, elas po<strong>de</strong>m exercer um papel <strong>de</strong> cuidadora <strong>de</strong> um público maisamplo (RODRIGUES, 2007).


35Em relação ao estado civil, 43,33% são casadas, 30% viúvas e 26,67% solteiras.No que diz respeito à religião 70% são católicas (entre estas se <strong>de</strong>stacaram quatrobenze<strong>de</strong>iras, uma umbandista e uma parteira) e 30% evangélicas. Quanto à escolarida<strong>de</strong> 56,67são analfabetas, 36,66% possu<strong>em</strong> o ensino fundamental incompleto e apenas 6,67% cursaramo fundamental completo, um dos fatores que está diretamente ligado a esta realida<strong>de</strong>, é queantigamente o trabalho iniciava-se muito cedo para as crianças e não havia t<strong>em</strong>po n<strong>em</strong>condições para os pais dispensar<strong>em</strong> a mão <strong>de</strong> obra dos filhos para estes estudar<strong>em</strong>. Alémdisso, as mulheres casavam-se muito cedo.A renda familiar foi dividida <strong>em</strong> três intervalos (Figura 04), on<strong>de</strong> o maiorpercentual <strong>de</strong> famílias (22) encontra-se no intervalo <strong>de</strong> R$ 510,00 – 1.500,00 com númeromédio <strong>de</strong> resi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> quatro pessoas apresentando uma renda per capta variando entre R$127,50 e R$ 375,00.Figura 04: Renda das mulheres entrevistas nos bairros <strong>de</strong> <strong>Altamira</strong>, 2010.A maioria das usuárias é <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> nor<strong>de</strong>stina (60%) (Figura 05) e possu<strong>em</strong> umconhecimento b<strong>em</strong> diversificado, inclusive algumas espécies foram trazidas <strong>de</strong> seusmunicípios <strong>de</strong> orig<strong>em</strong> e se adaptaram b<strong>em</strong> a comunida<strong>de</strong> <strong>em</strong> que viv<strong>em</strong>. Sobre oconhecimento, l<strong>em</strong>bram com muita facilida<strong>de</strong> e <strong>em</strong>polgação como foi adquirido, sobre asplantas e seus benefícios, tudo foi passado no dia-a-dia, com a vivência tida com as pessoasmais experientes sejam pais, mães, tios, tias, sogras e sogros (76,67% das entrevistadas).Relatam que este conhecimento “é coisa <strong>de</strong> família, passado <strong>de</strong> geração para geração” e paraalgumas este se mescla ou é enriquecido com informações obtidas nos livros, que são lidos namaioria das vezes pelas filhas ou netas, <strong>por</strong>tanto, é um costume difundido no meio familiar ou nocírculo <strong>de</strong> amigos e conhecidos.


36Figura 05: Orig<strong>em</strong>, <strong>por</strong> região, das mulheres entrevistas nos bairros <strong>de</strong> <strong>Altamira</strong>, 2010.4.2 PRINCIPAIS ESPÉCIES CULTIVADAS E UTILIZADAS PELAS ENTREVISTADASAs práticas <strong>de</strong> cuidado se <strong>de</strong>stacam, sobretudo, como formas cristalizadas <strong>de</strong> agirsobre a saú<strong>de</strong>-doença e <strong>por</strong> traduzir<strong>em</strong>, enquanto ato, concepções e visões enraizadas queinteratuam com essas mesmas práticas <strong>de</strong> modo recursivo numa interação dialética <strong>em</strong> que ofazer e o representar se encontram e se modificam mutuamente (GUTIERREZ e MINAYO,2008).As 21 principais espécies (Quadro 01) <strong>de</strong> um total <strong>de</strong> 146 espécies i<strong>de</strong>ntificadas,referentes ao quadro do receituário já mencionado, representam 47,87% do total (704) <strong>de</strong>citações e são: malva grossa (Plectranthus amboinicus Lour); mastruz (Chenopodiumambrosioi<strong>de</strong>s L.); babosa (Aloe spp); capim santo (Cymbopogon citratus (DC.); folha santa(Bryophyllum pinnatum (Lam.). Oken); erva cidreira (Lippia alba (Mill.) N.E. Br.); gengibre(Zingiber officinale Roscoe); laranjeira (Citrus sinensis(L.) Osbeck); manjericão (Ocimumbasilicum L.); tipi (Petiveria alliacea L.); canarana (Costus spiralis (Jacq.) Roscoe); goiabeira(Psidium guajava var. pomifera L.) e hortelã (Mentha x villosa Huds); alfavaca (Ocimumselloi Benth.); limoeiro (Citrus spp.); gervão (Stachytarpheta cayennensis (Rich.) Vahl); amorcrescido (Portulaca pillosa L. SP. PC.), cumarú (Justicia pectoralis var. stenophylla Leon.);abacateiro (Persea americana Mill.), arruda (Ruta graveolens L.) e boldo chinês(Plectranthus neochilus Schlechter).A parte da planta mais utilizada são as folhas (80%), na forma <strong>de</strong> chá <strong>por</strong><strong>de</strong>cocção (80%) para o tratamento <strong>de</strong> doenças dos sist<strong>em</strong>as respiratório, urinário, digestivo enervoso, com a intenção <strong>de</strong> resolver ou amenizar situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconforto ou doença. ParaLorenzi e Matos (2002) este é o recurso mais freqüente utilizado pela maior parte dapopulação brasileira, especialmente no Nor<strong>de</strong>ste, e na Região Amazônica a forma maisapropriada para a utilização das folhas é o chá <strong>por</strong> infusão, já que a <strong>de</strong>cocção <strong>de</strong>ve serutilizada <strong>em</strong> partes duras como cascas, raízes e s<strong>em</strong>entes que oferec<strong>em</strong> resistência a extraçãodo princípio ativo.


37As mudas <strong>de</strong>stas plantas foram obtidas através <strong>de</strong> vizinhos e parentes na forma <strong>de</strong>mudas e/ou s<strong>em</strong>entes. Observou-se que não há uma padronização com referência à quantida<strong>de</strong><strong>de</strong> planta a ser <strong>em</strong>pregada nas preparações, sendo indicado um punhadinho, uma mão cheia,um maço, entre outras.O mastruz é uma das plantas mais citadas (22 <strong>de</strong> 30 possíveis citações) e estárelacionada nos levantamentos da OMS como uma das mais utilizadas entre os r<strong>em</strong>édiostradicionais no mundo inteiro. O ascaridol é o princípio ativo vermífugo da planta e <strong>em</strong>experiência <strong>em</strong> laboratório mostrou-se mais eficiente que alguns fungicidas comerciais. Noentanto, sua eficiência quanto ao seu uso como estomáquico, anti-reumático, bronquite,tuberculose, contusões e fraturas ainda não foi cientificamente comprovada. Já as mulheresgarant<strong>em</strong> que seu sumo é um eficiente anti-inflamatório.Algumas das 21 espécies estão na lista <strong>de</strong> plantas que apresentam interesse aoSUS: abacateiro, alfavaca, arruda, babosa, cumarú <strong>em</strong> planta, gengibre, goiabeira, hortelã,mastruz e amor crescido, <strong>por</strong>tanto se fosse implantado o Programa Farmácia Viva, o que iriarequerer um im<strong>por</strong>tante trabalho <strong>em</strong> parceria com a Prefeitura Municipal, com asUniversida<strong>de</strong>s e as mulheres (ou com qu<strong>em</strong> fosse <strong>de</strong> interesse, não apenas as mulheres), jáhaveria material para ser usado no preparo dos fitoterápicos.Segundo Amorozo e Gely (1988), estes resultados comprovam a im<strong>por</strong>tância <strong>de</strong>se consi<strong>de</strong>rar os dados etnobotânicos <strong>em</strong> pesquisas etnofarmacológicas. São citadas plantasutilizadas <strong>por</strong> várias entrevistadas que já tiveram comprovada ação farmacológica <strong>em</strong> estudos<strong>de</strong> laboratório, tais como a babosa, boldo chinês, capim santo, erva cidreira, folha santa e agoiabeira. As plantas utilizadas são as existentes na região, sendo a fitoterapia utilizada comfins s<strong>em</strong>elhantes aos <strong>de</strong>scritos na literatura, visando a prevenção e o tratamento <strong>de</strong> doenças.Verifica-se também, que a utilização das plantas medicinais como práticamedicinal se dá <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> diversos fatores, <strong>de</strong> acordo com as entrevistadas, po<strong>de</strong> secitar, além do fator econômico (16,67%), outras utilizam as ervas conforme a gravida<strong>de</strong> dadoença (10%) (e s<strong>em</strong>pre que possível elas combinam o tratamento médico alopata comterapias naturais ou utilizam exclusivamente as plantas) e <strong>por</strong> último o motivo mais citado(73,33%) correspon<strong>de</strong> ao fato <strong>de</strong> gostar<strong>em</strong> <strong>de</strong> cultivar as ervas e acreditar<strong>em</strong> que o “r<strong>em</strong>édiocaseiro” é a melhor alternativa para o alívio ou cura dos sintomas.Essas motivações revelam que as práticas populares <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> continuam a fazerparte do cotidiano <strong>de</strong>ssas mulheres <strong>por</strong>que estão pautadas na vivência, na experimentação e naavaliação do sucesso <strong>de</strong> sua adoção diante <strong>de</strong> probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> que tiveram e lhesimpediam <strong>de</strong> realizar suas ativida<strong>de</strong>s, sejam elas domésticas ou não.


38Cada erva medicinal tinha uma história, uma prova <strong>de</strong> que era eficaz. Cada umatinha uma imag<strong>em</strong>, um cheiro, um <strong>de</strong>talhe que na maioria das vezes <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ava muitasl<strong>em</strong>branças. As histórias contadas eram sobre filhos, netos, sobrinhos, entre outros parentes evizinhos, curados após “tentar<strong>em</strong> tudo”, após ser<strong>em</strong> “<strong>de</strong>senganados pelos médicos” apósestar<strong>em</strong> com “o <strong>de</strong>stino traçado” (TORNQUIST e FRANZONI, 2009).E a narrativa <strong>de</strong>ssas experiências, muitas vezes, vinha acompanhada <strong>de</strong> relatossobre sua vida pessoal, que foi pacient<strong>em</strong>ente ouvida e que foi fundamental para enten<strong>de</strong>r aim<strong>por</strong>tância <strong>de</strong>stas plantas na vida <strong>de</strong>ssas mulheres.Uma das melhores formas <strong>de</strong> ex<strong>em</strong>plificar ou <strong>de</strong> dar vida a essas histórias é contaro que me foi relatado <strong>por</strong> D. Maria da Consolação, uma senhora analfabeta, com 75 anos <strong>de</strong>ida<strong>de</strong>, mãe <strong>de</strong> nove filhos e que cria duas netas. De início fui logo apresentada à babosa, quebatida no liquidificador com mel e uma dose <strong>de</strong> uísque já havia curado a gastrite <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>suas filhas, a qual já havia tomado vários r<strong>em</strong>édios receitados <strong>por</strong> um médico da re<strong>de</strong> pública<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Altamira</strong>, mas que não teve seus sintomas aliviados pelo uso dos fármacos ecomo diz D. Consola (como é popularmente conhecida no bairro on<strong>de</strong> resi<strong>de</strong>) “A gente tomar<strong>em</strong>édio e fica uma roe<strong>de</strong>ira no estomago e às vezes a gente fica é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> r<strong>em</strong>édio,eles num dão jeito na nossa doença, então eu prefiro r<strong>em</strong>édio feito da natureza”.Na fala <strong>de</strong> D. Antônia Maria “não gosto <strong>de</strong> tá <strong>em</strong> unha <strong>de</strong> médico, ele mal olhana cara da gente” fica claro que o quer<strong>em</strong> ou buscam é que haja um “modo <strong>de</strong> ser cuidado”que esteja pautado <strong>em</strong> uma relação sujeito-sujeito e não na relação que prevalece nas unida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>: sujeito-objeto. Reivindicam o direito <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> tratadas ou vistas como sujeitos, comvalores e símbolos pautados no conhecimento que foi adquirido ao longo dos anos e que játeve para elas a eficácia comprovada pelo uso <strong>em</strong> seu cotidiano. Percebe-se que há umafrustração com o tratamento médico, <strong>de</strong>vido ao insucesso do mesmo, ou pela sensação <strong>de</strong>alívio que o recurso popular pro<strong>por</strong>ciona.É certo que os profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> buscam o b<strong>em</strong>-estar e a cura dos seusclientes. O que é preciso consi<strong>de</strong>rar é que menosprezar um saber tradicional não é a melhorforma <strong>de</strong> se conseguir a mudança <strong>de</strong> hábitos <strong>em</strong> saú<strong>de</strong>. Faz-se necessária uma postura maisreflexiva <strong>por</strong> parte do profissional <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ao lidar com o mundo cultural <strong>de</strong> seu cliente, ebuscar conhecimentos que lhe propici<strong>em</strong> uma relação transparente com esse outro modo <strong>de</strong>enfrentar a doença. A valorização do saber popular permite que o cliente se sinta <strong>em</strong> casa <strong>em</strong>antenha a sua iniciativa <strong>de</strong>ntro do processo saú<strong>de</strong>-doença (VASCONCELOS, 2001 apudSOUZA et al, 2006).


39A fala das mulheres: “Quando tô meio ruim faço um chá, cozinho faço um banho.Vivo <strong>de</strong> chá <strong>de</strong> planta, meu r<strong>em</strong>édio é planta. Qu<strong>em</strong> b<strong>em</strong> soubesse era a primeira água quebebia quando acordasse” (D. Cl<strong>em</strong>ência); “Sou uma velha, mas sô uma velha sadia. Tudoque a gente planta a gente colhe” e “R<strong>em</strong>édio <strong>de</strong> farmácia não é curativo é paliativo”(ambas <strong>de</strong> D. Maria da Consolação) também dá sentido a utilização dos r<strong>em</strong>édios caseiros e,consequent<strong>em</strong>ente, a existência <strong>de</strong>ste saber que foi socialmente constituído: o saber popularmedicinal.No presente estudo, percebe-se que as plantas medicinais são a alternativa queestas mulheres possu<strong>em</strong> para sanar dores e males e ultrapassam os limites do mo<strong>de</strong>lobiomédico. O ser humano busca, fora do serviço <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, outras soluções fornecidas <strong>por</strong> seumeio e que estejam a seu alcance para a resolução <strong>de</strong> seus probl<strong>em</strong>as. Trata-se <strong>de</strong> uma buscapragmática, on<strong>de</strong> tudo (ou quase tudo) é válido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja eficaz no seu modo <strong>de</strong>compreensão. A procura <strong>por</strong> medicamentos naturais é crescente e também se justifica pelofato <strong>de</strong> que nesse tipo <strong>de</strong> terapia, para algumas mulheres, evitam-se os in<strong>de</strong>sejáveis efeitoscolaterais, ou para outras esses efeitos são menos intensos que os efeitos provocados pelosfármacos buscando uma terapêutica que mantenha a integrida<strong>de</strong> do organismo humano.No entanto, é preciso l<strong>em</strong>brar que o uso dos recursos baseados no saber popularenvolve questões socioculturais. As informações são transmitidas no seio familiar, entrediferentes gerações, envolvendo não somente a transmissão <strong>de</strong> conhecimento, mas tambémcaracterísticas sociais. Portanto, as intervenções dos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> precisam ocorrer<strong>de</strong> forma cuidadosa, respeitando as questões culturais. A doença não po<strong>de</strong> ser visualizadaapenas <strong>em</strong> termos individuais, é necessário levar <strong>em</strong> conta o contexto social <strong>em</strong> que oprobl<strong>em</strong>a ocorre (BARBOSA et al., 2004).ABAFigura 06: Algumas das mulheres que participaram da pesquisa realizada nos bairros <strong>de</strong> <strong>Altamira</strong>. A: D.Lindamir; B: Maria; C: D. Conceição; D: D. Cl<strong>em</strong>ência; E: Luzanir e F: D. Sofia.CA EADA FA


A40ABA EAFAFigura 07: Algumas das principais CAespécies medicinais cultivadas pelas entrevistadas. DA A: Arruda (Rutagraveolens L.); B: Malva grossa (Plectranthus amboinicus Lour); C: Capim santo (Cymbopogon citratus (DC.));D: Folha santa (Bryophyllum pinnatum (Lam.). Oken); E: Gengibre: (Zingiber officinale Roscoe) e F: Ervacidreira (Lippia alba (Mill.) N.E. Br.).


41Quadro 01: Uso das plantas medicinais mencionados pelas entrevistadas e usos encontrados na literatura.NomecomumNome científicoUsos mencionados pelasentrevistadasAbacateiro Persea americana Mill. Dor no fígado, má digestão, hipertensão,rins, an<strong>em</strong>ia, ferimentosAlfavaca Ocimum selloi Benth. Gripe, tosse, inflamação na garganta,catarro no peito, dor na cabeçaAmorcrescidoPortulaca pillosa L. SP. PC.Vermífugo, anti-inflamatório, inflamaçãouterinaArruda Ruta graveolens L. Atraso menstrual, zumbido na cabeça,dor <strong>de</strong> ouvido, anti-inflamatório,conjutivite, mau-olhadoUsos mencionados na literaturaCarminativo, diurético, anti-reumático, antianêmico,antidiarrêico, anti-infeccioso, para rins e bexiga,estomáquico, <strong>em</strong>enagogo, balsâmico, contusõesCarminativo, gastrite, tosse, vômito, bronquite, gripe,resfriadoSudorífico, <strong>em</strong>oliente, anti-inflamatório, diurética,vermífuga, atipirética, antibacteriana, <strong>de</strong>sinterica,enterite aguda, mastite, h<strong>em</strong>orróidasMau-olhado,<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns menstruais ,inflamações napele,dor <strong>de</strong> ouvido,dor <strong>de</strong><strong>de</strong>nte,febre,câimbras,doenças dofígado,verminose,abortivoBabosa Aloe spp Gastrite, inflamação, ferimento, câncer Cicatrizante, antimicrobiana, h<strong>em</strong>orróidas inflamadas,contusões, entorses, dores reumáticas, laxanteBoldo chinês Plectranthus neochilus Schlechter Má digestão, males do fígado Males do fígado, probl<strong>em</strong>as da digestão 11Canarana Costus spiralis (Jacq.) Roscoe Infecção urinária Diurético, tônico, <strong>em</strong>enagogo, diaforético, disenteria,cólica, carminativo, laxanteCapim santo Cymbopogon citratus (DC.) Cristais na urina, calmante, insónia,antiinflamatório,febre, hipertensãoCumarú <strong>em</strong>plantaJusticia pectoralis var. stenophyllaLeon.Gripe, dor na cabeça, febre, tosse,pneumonia, anti-inflamatório, dor nacabeçaErva cidreira Lippia alba (Mill.) N.E. Br. Calmante, insónia, hipertensão, mádigestão, febreFolha santa Bryophyllum pinnatum (Lam.).OkenInchaço, gripe, inflamação uterina,gastrite, dor no ouvidoGengibre Zingiber officinale Roscoe Gripe, dor <strong>de</strong> garganta, febre, tosse,rouquidãoCitaçõesCalmante, cólicas uterinas e intestinais, nervosismo 23Reumatismo, cefaleia, febre, cólicas abdominais,inflamações pulmonares, tosse, expectorante,sudorífera, afrodisíacoCalmante, espasmolítico suave, analgésica, sedativa,ansiolítica, mucolítica, cólicas uterinas e intestinais,nervosismo, intranquilida<strong>de</strong>Furúnculo, tosse, anexite, gastrite, antialérgico,antiulcera, imunossupressiva, antitumoral,leishmanioseAntimicróbica, estimulante digestivo, carminativo,dispepsia, rouquidão, inflamação da garganta,antivômitiva, anti-inflamatória, antirreumática,antiviral18111614132216141924


42Continuação do Quadro 01.NomecomumGervãoNome científicoStachytarpheta cayennensis (Rich.)VahlUsos mencionados pelasentrevistadasAnti-inflamatório, gripe, cicatrizante,gastriteUsos mencionados na literaturaEstimulante das funções gastrintestinais, febre,diurético, <strong>em</strong>oliente, probl<strong>em</strong>as hepáticos crônicos,promove a transpiração, anti-helmínticoGoiabeira Psidium guajava var. pomifera L. Dor na barriga, diarréia, gastrite Diarreia, inflamações da boca e da garganta, lavagens<strong>em</strong> locais <strong>de</strong> úlcera, leucorreiaHortelã Mentha x villosa Huds Dor na barriga, gripe, febre, dor <strong>de</strong>cabeça, verminose, tosseEspasmolítica,antivomitiva, carminativa, estomáquica,antihelmíntica, antiséptica, antipruridoLaranjeira Citrus spp Gripe, febre, tosse, diarréia Digestiva, expectorante, diurética, hipertensora,indigestão flatulenta, diarreia, tosse, sudorífica,amtogripal, carminativa, antiespasmódicaLimoeiro Citrus spp Gripe, febre, colesterol Diurético, anti-escorbútico, antirreumático,anti<strong>de</strong>sintérico, adstringente, febrífugo, pedra nos rins,Malva grossa Plectranthus amboinicus Lour Gripe,tosse,dor na garganta, gastrite,asma, inflamação uterinador <strong>de</strong> garganta, gripeTosse, dor <strong>de</strong> garganta, leischmaniose cutânea,probl<strong>em</strong>as ovarianos e uterinos, antiepiléptica, antiinflamatório,antiséptico bucalManjericão Ocimum basilicum L. Calmante, gripe, tosse, dor <strong>de</strong> cabeça. Probl<strong>em</strong>as digestivo, antiespasmódico, gástrico,galactôgeno, béquico, antireumático, probl<strong>em</strong>as dasvias respiratóriasMastruz Chenopodium ambrosioi<strong>de</strong>s L. Verminose, anti-inflamatório,gripe,fraturaEstomáquico, anti-reumática, anti-helmíntica,bronquite, tuberculose, contusões, fraturasTipi Petiveria alliacea L. Tosse, gripe, reumatismo Afecções bucais, infecções da garganta, contusões,traumatismos, dores lombares, reumáticas e <strong>de</strong> cabeçaCitações101416171122102214

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