D_Mag_04
Magazine da APUDD - Associação Portuguesa de Ultimate e Desportos de Disco Novembro 2015 Trimestral Nº4 Ano I Distribuição gratuita
Magazine da APUDD - Associação Portuguesa de Ultimate e Desportos de Disco
Novembro 2015
Trimestral
Nº4 Ano I
Distribuição gratuita
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
D 29<br />
Opinião<br />
Uma família espantada<br />
O meu Pai detestava praia. Detestava<br />
jogar às raquetes. Detestava<br />
ir à água. Detestava ter de almoçar<br />
ali, na toalha, debaixo de um<br />
guarda-sol, em vez de comer a uma<br />
mesa, “como gente civilizada”. Era<br />
escusado sugerir-lhe que lesse o<br />
jornal, que jogasse às cartas, que<br />
participasse numa conversa. Fazialhe<br />
confusão como alguém podia<br />
estar deitado ao sol, sem fazer<br />
nada, depois de se ter lambuzado<br />
com “umas porcarias”.<br />
De modo que a praia — o principal<br />
programa das nossas férias familiares<br />
quando eu era miúdo — era<br />
sempre um exercício delicado de<br />
equilíbrio entre aturar a falta de<br />
paciência do meu Pai e encontrar<br />
coisas para ele fazer.<br />
Lembro-me muito bem do dia em<br />
que ele, inusitadamente, à chegada<br />
à praia, fitou os olhos em qualquer<br />
coisa numa daquelas barracas de<br />
praia que vendem milhares de<br />
adereços, brinquedos, toalhas e<br />
mais não sei o quê e, para nosso<br />
espanto, mandou toda a gente<br />
esperar ali por ele. Foi direitinho a<br />
uma prateleira, pegou num objecto<br />
amarelo-vivo, sopesou-o, abanou-o<br />
no ar e, de repente, dirigiu-se para<br />
a caixa, tirando a carteira do bolso.<br />
Para terem uma ideia de como<br />
aquilo foi extraordinário: estes<br />
meus olhinhos, nesta vida, foram<br />
mais vezes confrontados com a<br />
visão de cavalos a saltar vedações<br />
em marcha atrás do que com a<br />
daquele homem a gastar dinheiro.<br />
Não era que ele fosse sovina, ou<br />
mau pagador, que não era. Mas<br />
Dinis Ermida<br />
praticou vários<br />
desportos ao<br />
longo da vida,<br />
principalmente<br />
futebol e futsal.<br />
Juntou-se ao LUC<br />
em Maio deste<br />
ano<br />
um gasto, na visão dele, era uma<br />
coisa muito séria. Aquele homem<br />
era tão poupado que eu, quando o<br />
via a comprar qualquer coisa, tinha<br />
sinceras dificuldades em entender<br />
como é que o caso não aparecia no<br />
Telejornal.<br />
E o resto da família tinha a mesma<br />
noção, porque, quando ele finalmente<br />
regressou, o ar de espanto<br />
colectivo era tal que nem ele conseguiu<br />
evitar um sorriso. Eu estava<br />
tão espantado que só quando ele<br />
olhou para mim e me disse «Hoje<br />
vamos experimentar isto» é que eu<br />
percebi o que ele comprara.<br />
Um disco voador.<br />
Nunca o pesei, mas tenho a certeza<br />
de que teria mais de 175 g. Era<br />
amarelo, sólido, rígido e parecia<br />
feito para durar 50 anos (só assim<br />
seria possível o meu Pai comprálo).<br />
Fiz os meus primeiros milhares<br />
de lançamentos logo ali, naquele<br />
Verão. Eu e ele passámos muitas<br />
horas naquilo. Era o nosso entretém.<br />
Como qualquer miúdo,<br />
eu adorava ver o entusiasmo do<br />
meu Pai com o disco, e mal podia<br />
esperar para chegar à praia cada<br />
dia. Tive de ficar bom naquilo bem<br />
depressa — o meu Pai, que detestava<br />
tanta coisa, também detestava<br />
ter de correr para apanhar o disco<br />
ainda no ar, ou ter de se deslocar<br />
para ir buscá-lo onde ele caísse, se<br />
eu falhasse. De modo que o meu<br />
backhand (claro que não altura eu<br />
não lhe chamava assim) tinha mesmo<br />
de ser perfeito, porque falhar<br />
dois ou três seguidos dava direito<br />
a ele mandar parar a festa. Sim,<br />
estávamos na praia, mas jogar com<br />
o meu Pai era na mesma caminhar<br />
sobre gelo fino!<br />
Nunca imaginei que, um dia, faria<br />
daquilo um desporto. O que sei é<br />
que, hoje, quando acerto um lançamento…<br />
ainda consigo imaginar<br />
perfeitamente o meu Pai sorrindo.<br />
O meu backhand<br />
tinha mesmo de ser<br />
perfeito, porque<br />
falhar dois ou três<br />
seguidos dava direito<br />
a ele mandar parar a<br />
festa