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Magazine da APUDD - Associação Portuguesa de Ultimate e Desportos de Disco Novembro 2015 Trimestral Nº4 Ano I Distribuição gratuita

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Novembro 2015
Trimestral
Nº4 Ano I
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D 29<br />

Opinião<br />

Uma família espantada<br />

O meu Pai detestava praia. Detestava<br />

jogar às raquetes. Detestava<br />

ir à água. Detestava ter de almoçar<br />

ali, na toalha, debaixo de um<br />

guarda-sol, em vez de comer a uma<br />

mesa, “como gente civilizada”. Era<br />

escusado sugerir-lhe que lesse o<br />

jornal, que jogasse às cartas, que<br />

participasse numa conversa. Fazialhe<br />

confusão como alguém podia<br />

estar deitado ao sol, sem fazer<br />

nada, depois de se ter lambuzado<br />

com “umas porcarias”.<br />

De modo que a praia — o principal<br />

programa das nossas férias familiares<br />

quando eu era miúdo — era<br />

sempre um exercício delicado de<br />

equilíbrio entre aturar a falta de<br />

paciência do meu Pai e encontrar<br />

coisas para ele fazer.<br />

Lembro-me muito bem do dia em<br />

que ele, inusitadamente, à chegada<br />

à praia, fitou os olhos em qualquer<br />

coisa numa daquelas barracas de<br />

praia que vendem milhares de<br />

adereços, brinquedos, toalhas e<br />

mais não sei o quê e, para nosso<br />

espanto, mandou toda a gente<br />

esperar ali por ele. Foi direitinho a<br />

uma prateleira, pegou num objecto<br />

amarelo-vivo, sopesou-o, abanou-o<br />

no ar e, de repente, dirigiu-se para<br />

a caixa, tirando a carteira do bolso.<br />

Para terem uma ideia de como<br />

aquilo foi extraordinário: estes<br />

meus olhinhos, nesta vida, foram<br />

mais vezes confrontados com a<br />

visão de cavalos a saltar vedações<br />

em marcha atrás do que com a<br />

daquele homem a gastar dinheiro.<br />

Não era que ele fosse sovina, ou<br />

mau pagador, que não era. Mas<br />

Dinis Ermida<br />

praticou vários<br />

desportos ao<br />

longo da vida,<br />

principalmente<br />

futebol e futsal.<br />

Juntou-se ao LUC<br />

em Maio deste<br />

ano<br />

um gasto, na visão dele, era uma<br />

coisa muito séria. Aquele homem<br />

era tão poupado que eu, quando o<br />

via a comprar qualquer coisa, tinha<br />

sinceras dificuldades em entender<br />

como é que o caso não aparecia no<br />

Telejornal.<br />

E o resto da família tinha a mesma<br />

noção, porque, quando ele finalmente<br />

regressou, o ar de espanto<br />

colectivo era tal que nem ele conseguiu<br />

evitar um sorriso. Eu estava<br />

tão espantado que só quando ele<br />

olhou para mim e me disse «Hoje<br />

vamos experimentar isto» é que eu<br />

percebi o que ele comprara.<br />

Um disco voador.<br />

Nunca o pesei, mas tenho a certeza<br />

de que teria mais de 175 g. Era<br />

amarelo, sólido, rígido e parecia<br />

feito para durar 50 anos (só assim<br />

seria possível o meu Pai comprálo).<br />

Fiz os meus primeiros milhares<br />

de lançamentos logo ali, naquele<br />

Verão. Eu e ele passámos muitas<br />

horas naquilo. Era o nosso entretém.<br />

Como qualquer miúdo,<br />

eu adorava ver o entusiasmo do<br />

meu Pai com o disco, e mal podia<br />

esperar para chegar à praia cada<br />

dia. Tive de ficar bom naquilo bem<br />

depressa — o meu Pai, que detestava<br />

tanta coisa, também detestava<br />

ter de correr para apanhar o disco<br />

ainda no ar, ou ter de se deslocar<br />

para ir buscá-lo onde ele caísse, se<br />

eu falhasse. De modo que o meu<br />

backhand (claro que não altura eu<br />

não lhe chamava assim) tinha mesmo<br />

de ser perfeito, porque falhar<br />

dois ou três seguidos dava direito<br />

a ele mandar parar a festa. Sim,<br />

estávamos na praia, mas jogar com<br />

o meu Pai era na mesma caminhar<br />

sobre gelo fino!<br />

Nunca imaginei que, um dia, faria<br />

daquilo um desporto. O que sei é<br />

que, hoje, quando acerto um lançamento…<br />

ainda consigo imaginar<br />

perfeitamente o meu Pai sorrindo.<br />

O meu backhand<br />

tinha mesmo de ser<br />

perfeito, porque<br />

falhar dois ou três<br />

seguidos dava direito<br />

a ele mandar parar a<br />

festa

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