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_INTR_EST_LITERÁRIOS

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Introdução aos<br />

Estudos<br />

Literários<br />

Já Mary toma o hermetismo ao pé da letra: o poema é indevassável<br />

ao leitor como uma doutrina esotérica. É preciso se iniciar diante do que,<br />

por mais que nos adentremos, não perde a condição de enigma a desafi ar<br />

infi nitamente a curiosidade do homem. Como Gil, Mary está certa no princípio<br />

(o poema certamente coloca exigências para os que dele querem fruir), mas<br />

errada na maneira como generaliza tal princípio, como que mitifi cando o que<br />

existe de literário no poema (mas não só de literário vive um poema, poderia<br />

lhe dizer um Gil mais lúcido.). Assim sendo, o poema só pode ser para ela “literatura pura”:<br />

‘me lê toda como literatura pura’, diz o poema.<br />

Por isso é que Mary “não entende as referências diretas”. São estas que rompem<br />

o processo de mitifi cação do literário pelo literário, rompem o círculo vicioso, corroendo-o,<br />

instaurando a possibilidade, na leitura, de uma ‘comunhão’ [...].”<br />

(SANTIAGO, 2002, p. 69, 71)<br />

Salientamos que a leitura não deve ser considerada, no entanto, um jogo de vale-tudo.<br />

A interpretação tem um caráter subjetivo, mas devemos, enquanto professores de literatura,<br />

identifi car desvios muito acentuados do sentido do texto lido. Pois sabemos que um texto<br />

tem diversas signifi cações, afi nal, se assim não fosse, uma narrativa escrita no século XVIII<br />

não teria interlocutores em outras épocas e, através deles, não poderiam ser atualizadas.<br />

O que enfatizamos, entretanto, são as limitações que o estabelecimento de um único modo<br />

de leitura ou uma única forma de interpretação pode causar no leitor.<br />

Um outro crítico latino-americano, o argentino Ricardo Piglia falou, em entrevista<br />

com Mônica López Ocón, sobre o caráter subjetivo da leitura e o deslocamento da noção<br />

de intenção ou mesmo leitura “melhor”. Ao ser perguntado sobre as leituras feitas sobre ele<br />

e seus livros e as possíveis lacunas nessas interpretações, o escritor responde:<br />

“Como eu gostaria que meus livros fossem lidos? Tal qual eles são lidos. Nada mais<br />

que isso. Por que o escritor teria que intervir para afi rmar ou retifi car o que se diz sobre sua<br />

obra? Cada um pode ler o que quiser num texto. Há bastante repressão na sociedade. Claro<br />

que existem estereótipos, leituras cristalizadas que passam de um crítico a outro: poderíamos<br />

pensar que essa é a leitura de uma época. Um escritor não tem nada a dizer sobre isso.<br />

Depois que alguém escreveu um livro, o que mais pode dizer sobre ele? Na realidade, tudo<br />

o que pode dizer é o que escreve no próximo livro.” (PIGLIA, 1994, p. 67)<br />

Ao tratarem sobre o lugar do leitor na produção de sentidos e a necessidade de dar a<br />

voz ao outro, os escritores latino-americanos enfocados parecem sinalizar para a importância<br />

de ampliar o espaço de discussão para outras vozes. Incluem-se, entre essas, a de autores que<br />

sempre estiveram fora do retrato e críticos que, leitores de teóricos de outras nações, demandam<br />

seus espaços na cena crítica cultural contemporânea, como intérpretes locais e globais.<br />

O Cânone<br />

Durante todo este tempo, alguns nomes foram lançados neste material sem que se<br />

questionasse o porquê deles estarem aqui em detrimento de tantos outros. A resposta é<br />

simples: eles compõem o acervo de escritores ou obras nós escolhemos (às vezes até<br />

inconscientemente) devido ao fato deles fazerem parte do nosso repertório de estudo, de<br />

vida. É claro que cada um tem um repertório variado, por isso a variedade de vozes que<br />

aparecem durante a nossa escrita que cita outros textos de outros autores que, por sua vez,<br />

citam tantos outros autores. Ao longo da vida, nos deparamos com obras que são tidas como<br />

sendo obras clássicas. Mas, o que seria um clássico? De onde vem essa palavra?<br />

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