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Revista Dr Plinio 191

Fevereiro 2014

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Desejo de conviver com seu filho, mesmo<br />

que fosse por um instante<br />

Exceto em ocasiões como aniversários etc., os agrados<br />

dela eram como em todas as outras famílias. De manhã<br />

eu beijava a mão, depois o rosto de mamãe; e à noite, antes<br />

de dormir, também. Só isso.<br />

Quando éramos crianças, minha prima, minha irmã e<br />

eu tínhamos a Fräulein 1 e estudávamos em um recinto,<br />

no andar superior da casa, que servia como sala de estudos<br />

e de brinquedo. Tendo eu ficado mais velho e a Fräulein<br />

sido despedida, pus uma mesa de estudos no escritório<br />

de papai; e mamãe, de vez em quando, entrava.<br />

E o entrar — até o primeiro ou segundo ano da faculdade<br />

isso não desapareceu, embora tenha se atenuado —<br />

era meio para ver se eu não estava perdendo meu tempo<br />

fazendo qualquer bobagem, que a criança faz para não<br />

estudar, ou se estava estudando mesmo.<br />

Ela não propriamente disfarçava, mas tinha tanta vontade<br />

de agradar e ficava tão contente de ter esta oportunidade<br />

natural, que entrava transbordando de carinho.<br />

Eu fechava a porta do escritório de papai — que em geral<br />

ficava trabalhando na cidade — não a chave, mas só<br />

com o trinco. Mamãe abria o trinco de um modo inteiramente<br />

diferente do meu. Ela o fazia devagarzinho, entrava<br />

e me dizia alguma coisa da miúda vida cotidiana, por<br />

exemplo: “Filhão, você já tomou seu lanche?” Ou então:<br />

<strong>Plinio</strong>, Ilka e Rosée<br />

“Filhão, como caiu a temperatura!” Era tão carinhosa e<br />

de tal maneira se percebia que ela queria me ouvir falar,<br />

conviver comigo naquele instantinho, que era uma coisa<br />

extraordinária!<br />

Mamãe era muito ciosa do meu tempo, mas com uma<br />

restrição: se eu fazia algum aceno para ela sentar-se e<br />

conversarmos um pouco, não recusava. Falávamos então<br />

sobre o tempo, exames, coisas muito respeitáveis, etc.,<br />

mas ela não se impunha nunca. Isso até o fim de sua vida.<br />

Eu não me lembro de uma só vez em que ela se sentasse<br />

junto à minha mesa de estudos só para conversar, prosear.<br />

Seria uma coisa tão natural numa mãe... Às vezes<br />

mamãe entrava e apanhava uma cadeira porque tinha alguma<br />

coisa particular para falar, contava um fato de família,<br />

tratava de algo que era necessário resolver. Mas,<br />

fora desses casos, nunca!<br />

E sua prosinha era leve, ela ficava tão entretida, contente<br />

e agradecida que transbordava. Porém, bastava notar<br />

um pouquinho que eu estava com pressa no estudo<br />

para ela imediatamente se levantar, fingindo que não<br />

percebeu. E às vezes até ela dizia: “Filhão, sua avó está<br />

esperando em tal sala, preciso atendê-la, etc.”, ou alguma<br />

coisa assim, mas para não me deixar mal à vontade.<br />

Vê-se, portanto, numa bagatela como essa, o requinte<br />

do esmero. Não é propriamente da polidez. Quem reduzisse<br />

isso à polidez, baixaria o alcance do que estou dizendo.<br />

É o requinte da vontade de agradar, produzindo<br />

uma sensação agradável a todo propósito.<br />

Música de conselhos, gestos e afagos<br />

Por exemplo, na hora do lanche que se tomava na própria<br />

sala de jantar; era raro servirem-no em bandeja no<br />

local onde a pessoa estava. E eu era muito assíduo a todas<br />

as refeições, não faltava a uma delas, e com um apetite<br />

fenomenal!<br />

Em geral a sala de jantar nessas casas antigas era o living.<br />

Além da mesa e das cadeiras, comportava ternos de<br />

couro e outras coisas. E mamãe lá estava, com minha avó<br />

e alguma outra pessoa da família. Os adultos não tomavam<br />

lanche ou se serviam muito pouco dele. Ela, às vezes,<br />

tomava, mas muito pouco. Os mais moços sempre<br />

tomavam lanche, sobretudo minha prima, que era um<br />

bom garfo, e eu. Minha irmã, pouco.<br />

Os meninos se sentavam junto a uma das pontas da<br />

mesa. Às vezes vinham outros primos, e fazíamos uma<br />

conversa, naturalmente muito mais barulhenta do que a<br />

dos mais velhos, que continuavam a falar do outro lado,<br />

sem prestar atenção na nossa conversa. Ela não. Sobretudo<br />

quando era mais moça e ouvia normalmente, percebia-se<br />

que mamãe participava da conversa dos mais velhos,<br />

mas tinha um certo ouvido posto na nossa. Se saía<br />

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