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O dever dos historiadores católicos<br />
Tudo isto convida, a um nobre esforço de História apologética,<br />
“homens probos e versados neste gênero de estudos,<br />
que se consagrem a escrever a História de maneira<br />
que esta seja o espelho da sinceridade e da verdade”.³<br />
A História apologética não é, pois, uma História feita<br />
com retoques fraudulentos, para servir às conveniências<br />
de uma causa. É proba, honesta, veraz, científica, inflexivelmente<br />
subordinada ao tríplice ditame de toda História<br />
digna desse nome: “não mentir, não temer dizer a verdade,<br />
não ceder ao desejo de lisonjear, ou de hostilizar”. 4<br />
Se se pode falar de uma História apologética segundo<br />
a mente de Leão XIII, é simplesmente no sentido de uma<br />
História tão autêntica e científica como outra qualquer,<br />
mas que escolhe por temas os assuntos em que a História<br />
falsa procura guerrear a Igreja.<br />
Quando falamos de História científica aludimos tão-somente<br />
a uma História feita segundo os bons métodos, e<br />
com o auxílio dos recursos científicos hodiernos. Os historiadores<br />
católicos devem ter em conta que “nada do<br />
que o engenho dos modernos inventou é alheio ao objeto<br />
de seus trabalhos” — escreveu Leão XIII noutro de seus<br />
documentos. 5<br />
Além de ser obra rigorosamente imparcial, uma obra<br />
dessa categoria presta alto serviço à causa da religião e<br />
da sociedade, bem se vê. Tarefa digna de particulares<br />
“eruditos e adestrados na arte de escrever a História” –<br />
“historia scribendi arte” 6 . Tão nobre que constitui para a<br />
própria Igreja um direito e um dever: “já que o inimigo<br />
busca na História suas armas principais, cumpre que a<br />
Igreja combata em paridade de condições, e redobre<br />
seus esforços para repelir o assalto com valentia maior<br />
onde ele é mais violento” 7 . E foi essencialmente com este<br />
intuito que Leão XIII franqueou “os depósitos literários”<br />
do Vaticano aos estudiosos. Tanto é legítima e gloriosa a<br />
tarefa de uma História apologética bem entendida.<br />
E, com efeito, não teria sentido o papel dos estudos bíblicos<br />
indispensáveis à Igreja para que ela exerça seu ministério<br />
num ambiente cultural cada vez mais trabalhado<br />
pela crítica científica, se não se reconhecesse francamente<br />
a liceidade de uma História apologética.<br />
Na mente de Leão XIII, não só tais estudos bíblicoapologéticos<br />
eram cientificamente lícitos, mas da maior<br />
importância. Consagrou-lhes uma Encíclica que ficou famosa<br />
(Providentissimus Deus, de 18 de novembro de 1893),<br />
mas instituiu ainda a Comissão dos Estudos Bíblicos, para<br />
“assegurar a manutenção integral da verdade cristã e<br />
promover os estudos da Sagrada Escritura” 8 e lhe pôs à<br />
disposição “uma parte de nossa Biblioteca Vaticana”, na<br />
qual prometia instalar, para uso da Comissão, abundante<br />
coleção de manuscritos e de volumes de todas as épocas,<br />
tratando de questões bíblicas. 9<br />
O apelo de Leão XIII deu origem a toda uma série de<br />
trabalhos históricos de orientação católica, que figuram<br />
com honra na bibliografia de nossos dias.<br />
1 Saepenumero Considerantes II,2,a,b,c,d. Os chamados“centuriadores<br />
de Magdeburgo”, teólogos protestantes, escreveram<br />
no século XVI uma história da Igreja, de caráter<br />
fortemente anticatólico, com argumentos inconsistentes,<br />
distorções da verdade e muitos documentos falsos. Sua tese<br />
era de que a Igreja Católica havia sido infiel à primitiva<br />
Igreja cristã, tinha destruído a brilhante antiguidade grecoromana<br />
e jogado o mundo no obscurantismo, fanatismo e<br />
miséria da Idade Média. Felizmente, o Renascimento havia<br />
recuperado os valores do mundo antigo.<br />
2 Saepenumero Considerantes IV,a,b.<br />
3 Saepenumero Considerantes IV,b.<br />
4 Saepenumero Considerantes IV,d.<br />
5 Carta Apostólica Vigilantiae Studéique Memores, 30/10/1902.<br />
6 Saepenumero Considerantes V.<br />
7 Saepenumero Considerantes IV,i.<br />
8 Vigilantia Studéique Memores, op. cit.<br />
9 Ibid. Leão XIII apela nesta Carta Apostólica aos “católicos<br />
mais favorecidos com bens de fortuna” para enriquecer<br />
ainda mais este depósito. Na biblioteca do Vaticano, que o<br />
próprio Pontífice expandiu pela aquisição da biblioteca<br />
Borghese, bem como no arquivo do Vaticano, hauriram os<br />
documentos para seus trabalhos, historiadores do valor do<br />
Cardeal Hergenröther, do dominicano Deniffle, do<br />
Cardeal Ehrle, do Barão Luís de Pastor e do Padre<br />
Duchesne.<br />
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