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O que e a vida_ - Erwin Schrodinger

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apidamente aniquilada ou apanhada como presa por outra <strong>vida</strong>, a fim de<br />

alimentá-la. É precisamente esse o método-mestre da produção de formas de<br />

<strong>vida</strong> sempre novas. "Não torturarás, não infligirás dor!" A natureza ignora esse<br />

mandamento. Suas criaturas dependem de se dilacerar reciprocamente numa<br />

luta eterna.<br />

"Nada é bom ou mau; é o pensamento <strong>que</strong> o torna assim." Nenhum<br />

acontecimento natural é bom ou mau por si só, nem é belo ou feio por si só. Não<br />

existem valores e, em particular, não existem significado nem finalidade. A<br />

natureza não age por propósitos. Se em alemão falamos de uma adaptação<br />

intencional (zweckmässig) de um organismo a seu ambiente, sabemos <strong>que</strong> isso<br />

nada mais é <strong>que</strong> uma maneira cômoda de falar. Se o tomarmos literalmente,<br />

estaremos errados. Estaremos errados dentro dos limites de nossa imagem do<br />

mundo. Nela, só existe ligação causal.<br />

Mais doloroso é o silêncio absoluto de todas as nossas investigações científicas<br />

para com nossas <strong>que</strong>stões referentes ao significado e escopo de todo o<br />

espetáculo. Quanto maior a atenção com <strong>que</strong> o observamos, mais despropositado<br />

e tolo nos parecerá. O espetáculo em andamento obviamente adquire um<br />

significado apenas com relação à mente <strong>que</strong> o contempla. Mas o <strong>que</strong> a ciência<br />

nos diz sobre esse relacionamento é patentemente absurdo: como se a mente só<br />

tivesse sido produzida por esse mesmo espetáculo a <strong>que</strong> está ora assistindo e <strong>que</strong><br />

perecerá com ele quando o Sol finalmente esfriar e a Terra tiver se<br />

transformando num deserto de gelo e neve.<br />

Gostaria de mencionar rapidamente o notório ateísmo da ciência <strong>que</strong> vem, é<br />

claro, sob o mesmo cabeçalho. A ciência está sempre sendo criticada, mas tão<br />

injustamente. Nenhum deus pessoal pode fazer parte de um modelo de mundo<br />

<strong>que</strong> só se tornou acessível à custa de remover dele tudo o <strong>que</strong> é pessoal. Quando<br />

se tem a experiência da presença de Deus, sabemos <strong>que</strong> é um evento tão real<br />

quanto uma percepção imediata dos sentidos ou como a da própria<br />

personalidade. Como elas, Deus deve estar ausente na imagem do espaço-tempo.<br />

Não encontro Deus em nenhum lugar do espaço nem do tempo - é isso o <strong>que</strong> um<br />

naturalista honesto lhes dirá. Por isso, ele incorre na reprovação da<strong>que</strong>les em<br />

cujo catecismo está escrito: Deus é espírito.<br />

Notas<br />

1 Eranos Jahrbuch, 1946.<br />

2 Chatto and Windus, 1946.<br />

3 Man on his Nature, 1ª edição, 1940, p. 73.

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