21.05.2018 Views

O que e a vida_ - Erwin Schrodinger

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

4+4+4+4=4x4<br />

Voltemos agora a Kant. Tornou-se um lugar-comum dizer <strong>que</strong> ele ensinou a<br />

idealidade do espaço e do tempo e <strong>que</strong> isso era uma parte fundamental, se não a<br />

mais fundamental, de seus ensinamentos. Como a maioria de suas ideias, essa<br />

idealidade não se pode verificar nem falsear, mas nem por isso perde o interesse<br />

(pelo contrário, ganha; se pudesse ser comprovada ou refutada, seria trivial).<br />

Significa <strong>que</strong> ter extensão no espaço e acontecer numa ordem temporal bemdefinida<br />

de “antes e depois” não é uma qualidade do mundo <strong>que</strong> percebemos,<br />

mas é próprio da mente perceptiva <strong>que</strong>, de alguma forma em sua presente<br />

situação, não consegue deixar de registrar o tudo <strong>que</strong> se lhe é oferecido, de<br />

acordo com estas duas chaves de classificação: o espaço e o tempo. Não<br />

significa <strong>que</strong> a mente compreenda esses es<strong>que</strong>mas de ordem independentemente<br />

e antes de qual<strong>que</strong>r experiência, mas <strong>que</strong> não consegue deixar de desenvolvê-los<br />

e aplicá-los à experiência quando esta acontece e, particularmente, <strong>que</strong> esse fato<br />

não comprova nem sugere <strong>que</strong> espaço e tempo sejam um es<strong>que</strong>ma de ordem<br />

inerente à<strong>que</strong>la “coisa-em-si” <strong>que</strong>, como acreditam alguns, causa nossa<br />

experiência.<br />

Não é difícil construir um argumento <strong>que</strong> mostre <strong>que</strong> tal coisa é um embuste.<br />

Nenhum indivíduo pode fazer uma distinção entre o reino de suas percepções e o<br />

reino das coisas <strong>que</strong> as causam, uma vez <strong>que</strong>, por mais detalhado <strong>que</strong> seja o<br />

conhecimento <strong>que</strong> porventura possa ter adquirido sobre todo o episódio, este está<br />

ocorrendo somente uma vez, não duas. A duplicação é uma alegoria, sugerida<br />

principalmente pela comunicação com outros seres humanos e, mesmo, com<br />

animais; alegoria <strong>que</strong> mostra <strong>que</strong> as percepções dos outros, na mesma situação,<br />

parecem bem semelhantes às suas próprias, exceto diferenças insignificantes de<br />

pontos de vista - no sentido literal de "ponto de projeção”. Mas, mesmo supondo<br />

<strong>que</strong> isso nos force a considerar um mundo objetivamente existente como a causa<br />

de nossas percepções, como o faz a maioria das pessoas, como é <strong>que</strong> deveríamos<br />

decidir se uma característica comum de toda a nossa experiência se deve à<br />

constituição de nossa mente e não a uma qualidade compartilhada por todas essas<br />

coisas objetivamente existentes? Nossas percepções sensoriais declaradamente<br />

constituem nosso único conhecimento sobre as coisas. O mundo objetivo continua<br />

sendo uma hipótese, apesar de natural. Se de fato a adotarmos, não seria, sem<br />

dú<strong>vida</strong>, a coisa mais natural atribuir à<strong>que</strong>le mundo externo, e não a nós mesmos,<br />

todas as características <strong>que</strong> nossas percepções sensoriais encontram nele?<br />

Contudo, a suprema importância da afirmação de Kant não consiste<br />

simplesmente em distribuir entre eles, com equidade, papéis da mente e de seu<br />

objeto - o mundo - no processo pelo qual "a mente forma uma ideia do mundo”,<br />

pois, como acabei de ressaltar, dificilmente será possível discriminar um do

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!