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014 Mortimer Cody - A Moeda do Odio

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CAPÍTULO PRIMEIRO<br />

Uma velha conta a saldar<br />

O que aquele homem encostava-se à janela de vidros<br />

sujos era quase uma careta. Era um homem grande, alto, de<br />

rosto quadra<strong>do</strong>, boca saliente e dentes amarelos. O cabelo<br />

era negro e pouco limpo.<br />

— O sinal — disse. — Esta chegan<strong>do</strong> alguém, senhora.<br />

A senhora não se moveu. Nem pestanejou. Ficou<br />

sentada, esperan<strong>do</strong>, na única sala decente da cabana, perto<br />

de Holyoke, Cheyenne, no meio de um bosque.<br />

Havia mais <strong>do</strong>is homens na cabana. Em silêncio, como a<br />

mulher, limitaram-se a tomar posições.<br />

Ouviu-se o som de cascos de cavalo, bem próximo.<br />

Estavam to<strong>do</strong>s prepara<strong>do</strong>s. Não parecia haver muita<br />

tensão. Os homens olhavam à sua volta com calma e<br />

sangue-frio. Eram peritos em surpresas, e coisas piores. O<br />

que tinha olha<strong>do</strong> pela janela, Edwin Barber, o magro<br />

vesti<strong>do</strong> de negro, Harry Tewmy, e Geo Waxer, de barba<br />

negra e canhoto, a julgar pelo lugar onde levava seu único<br />

revólver. A mulher mantinha-se imóvel, como se estivesse<br />

ausente. Era a única que dissimulava. Estava tensa e se<br />

notavam nela algumas pa1pitações. Incomodava-a que seus<br />

homens notassem isso. E à medida que o cavaleiro se<br />

aproximava, menos à vontade se mostrava.<br />

— Ai está o cara, senhora — disse Barber.<br />

— Como é ele?<br />

— Bem... bastante rude — diria eu.<br />

— Deve ser ele. Não quero me enganar.<br />

— Logo saberemos. Já desmontou e está cuidan<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

cavalo. Não demorará a entrar na cabana.


O silêncio voltou a cair sobre a sala.<br />

Um instante depois, ouviram-se passos um tanto<br />

arrasta<strong>do</strong>s.<br />

O recém-chega<strong>do</strong> gostava da proximidade da cabana em<br />

relação ao povoa<strong>do</strong>, pois assim podia deitar-se toda a noite<br />

bem alegre, sem tempo para que desaparecessem os vapores<br />

<strong>do</strong> álcool e as imagens das pernas femininas metidas em<br />

meias de malha negra.<br />

Abriu a porta e estendeu o braço para a prateleira onde<br />

costumava deixar o lampião. Cantava baixinho, enquanto o<br />

acendia. A chama <strong>do</strong> lampião, avermelhada, oscilou,<br />

tremeluzente, pequeno ponto no começo e bem maior<br />

quan<strong>do</strong> ele a aumentou. Deixou o lampião sobre a mesa e só<br />

então notou o comitê de recepção que o esperava em sua<br />

própria casa.<br />

Barry Miller pestanejou, um pouco páli<strong>do</strong>, olhan<strong>do</strong><br />

Edwin Barber, o outro vesti<strong>do</strong> de negro e o da barba. Cada<br />

um deles apontava para ele um revólver. Não havia lugar<br />

para dúvidas. A mulher fitava-o com frieza, sem se mover.<br />

Reparan<strong>do</strong> na senhora, o rosto de Barry Miller adquiriu uma<br />

tonalidade esverdeada, como se tivesse si<strong>do</strong> envenena<strong>do</strong>.<br />

Estava realmente verde e seus olhos mostravam me<strong>do</strong>.<br />

Estava inclina<strong>do</strong> para o la<strong>do</strong> direito e nem se atrevia a<br />

endireitar-se.<br />

Essa era a situação quan<strong>do</strong> chegou o quarto homem,<br />

Smith, um mestiço shoshone. Era alto, delga<strong>do</strong>, anguloso, e<br />

usava uma jaqueta de pele.<br />

Smith passou em frente da mulher e disse:<br />

— Chegou sozinho, senhora. Não vinha ninguém com<br />

ele.<br />

— Muito bem, Smith. Obrigada.


Smith sumiu num canto da sala, como se as sombras o<br />

tivessem traga<strong>do</strong>. Não costumava usar o revólver. Usava<br />

um <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito, mas preferia outras armas, como a faca e<br />

a machadinha, ambos visíveis sob a jaqueta. Gostava<br />

também da carabina, que transportava no arção de sua sela.<br />

A mulher levantou-se e avançou uns passos em direção<br />

ao aturdi<strong>do</strong> Barry Miller.<br />

Olhou-o com uma frieza impressionante e murmurou:<br />

— Grande mudança. Na realidade não esperava tanto,<br />

para três anos. Não é tanto tempo assim, Barry. Para mim<br />

foram três séculos. Para você, três anos. Apenas isso. Não<br />

mu<strong>do</strong>u muito afinal.<br />

Barry Miller sentia a garganta seca. Sua língua perdera<br />

toda a capacidade de movimentos. Aliás, que poderia ele<br />

dizer? A presença daquela mulher em sua cabana era uma<br />

surpresa brutal e inesperada.<br />

— De qualquer forma, não me sinto muito zangada. Dos<br />

três você não foi o pior... Não é verdade,<br />

— Barry? Você deve ter ri<strong>do</strong> muito, não, Barry? Pobre<br />

Prudence...<br />

— Pru... Prudence... Eu não queria...<br />

— Não mesmo? Eu enten<strong>do</strong>. Foi desumano o que você<br />

fez. Até o pior animal teria resisti<strong>do</strong> a isso. Enfim, não<br />

estou muito satisfeita por ter encontra<strong>do</strong>, após três anos de<br />

buscas, o menos culpa<strong>do</strong> — suspirou. — Bom. Mas espero<br />

ter sorte, Barry. E como menos culpa<strong>do</strong>, você terá um<br />

castigo menor <strong>do</strong> que os outros.<br />

O homem estava suan<strong>do</strong> o uísque que bebera e, diga-se<br />

em boa verdade, até o seu próprio sangue. Suava de me<strong>do</strong> e<br />

de incredulidade. Era Prudence que estava ali, sem dúvida.<br />

A estúpida Prudence, acompanhada de quatro feras.


— Você conhece o paradeiro de Joe e Phil? — inquiriu<br />

Prudence.<br />

Barry tentou engolir a saliva mas não conseguiu.<br />

— O paradeiro de...<br />

— De Joe e de Phil? Ou não se lembra mais deles?<br />

— Não. Claro que não. Nos separamos faz algum<br />

tempo...<br />

— Não me decepcione, Barry. Faça um esforço de<br />

memória. Ainda que se tenham separa<strong>do</strong>, você deve saber o<br />

paradeiro deles. Pelo menos de onde os viu pela última vez.<br />

Não se lembra? Azar seu, Barry.<br />

Sem olhar para ninguém, Prudence estendeu o braço<br />

direito, com a mão aberta voltada para cima. Os de<strong>do</strong>s<br />

fecharam-se sobre o cabo <strong>do</strong> chicote que o da barba lhe<br />

entregou.<br />

— Você me acha calma, Barry? Pareço tranqüila, mas<br />

não estou. Tenho a impressão que o coração me vai pular<br />

pela boca. Está latin<strong>do</strong> com raiva. Não dê muita atenção ao<br />

meu rosto. É um conselho.<br />

O chicote estalou. O couro compri<strong>do</strong> enroscou-se no<br />

corpo de Barry, depois de lhe cortar o teci<strong>do</strong> da camisa. A<br />

segunda chicotada atingiu-o no rosto, jogan<strong>do</strong>-o de costas<br />

contra a parede. Antes que pudesse fazer um movimento<br />

para erguer-se, uma nova chicotada quase lhe arrancou a<br />

orelha esquerda. Uma outra ainda, entre o nariz e os olhos,<br />

deixou uma marca escarlate no rosto <strong>do</strong> homem. Uma<br />

mancha vermelha que se ia alargan<strong>do</strong>. Barry queria gritar e<br />

o chicote cortou-lhe os lábios. A única coisa que podia fazer<br />

era chorar e cambalear de joelhos, diante de Prudence.


A mulher parou de golpeá-lo. Os homens que a<br />

protegiam olhavam a cena com indiferença, disfarçan<strong>do</strong> sua<br />

surpresa. Smith, o mestiço, era o único que não fingia.<br />

Prudence, de chicote na mão, olhava com absoluta frieza<br />

para Barry. E não parecia alterada.<br />

Tinha um busto jovem ainda, onde se notava o único<br />

sinal de agitação. Uma mulher, aos trinta anos, não é velha.<br />

Prudence, além de não ser velha, era bonita. Uma beleza<br />

quase demasiada perfeita.<br />

Isso se notava em suas feições, em sua boca, nos grandes<br />

olhos negros. Seus cabelos soltos que reluziam. Era esbelta<br />

e bem feita.<br />

— E então, Barry? Que sabe deles? — insistiu Prudence.<br />

Barry tentava parar o sangue com as costas da mão e a<br />

manga da camisa. Uma nova chicotada atingiu sua mão<br />

esquerda.<br />

— Responda, Barry. Não esqueça que minha ira pode<br />

desabar inteira sobre você. Apesar de ser o menos culpa<strong>do</strong>,<br />

você pode pagar por to<strong>do</strong>s.<br />

— Não, Prudence. Eu sei alguma coisa deles.<br />

— Isso é ótimo, Barry. Então me conte, suplico —<br />

murmurou ela, dissimulan<strong>do</strong> sua agitação.<br />

— Que vai fazer comigo?<br />

— O que vou fazer? Ainda nem pensei na verdade. Mas<br />

me fale deles e depois eu decidirei.<br />

— Quero saber o que você vai fazer comigo — o chicote<br />

deixou-o uma vez mais de joelhos, cambaleante.<br />

— Eu disse que seu castigo seria o menos severo. Espero<br />

que isso o anime — disse ela. — Vamos, fale logo. Estou<br />

impaciente. São três anos de buscas, entende?


— Sim... eu enten<strong>do</strong>. Imagino o que você sente,<br />

Prudence... Foi uma covardia, uma monstruosidade. Eu não<br />

queria, mas...<br />

— Acredito, Barry. Acredito. Vamos, agora me diga o<br />

que sabe deles.<br />

— Estão em Akron City, no Cobra<strong>do</strong>.<br />

— Não é muito longe, verdade? — inquiriu ela,<br />

mostran<strong>do</strong> surpresa.<br />

— Não. Não é longe.<br />

— E o que fazem eles lá?<br />

— Não sei muito bem...<br />

— Algo sujo, sem dúvida.<br />

— Acho que sim — grunhiu Barry, voltan<strong>do</strong> a limpar o<br />

sangue. — Eu já disse que não quis continuar com eles.<br />

— Então, você melhorou, Barry?<br />

— Sim, sim. Juro.<br />

— Ainda bem.<br />

— É verdade, Prudence. Veja, to<strong>do</strong> o bosque que se<br />

avista à volta desta cabana é meu. Sempre gostei <strong>do</strong>s<br />

bosques. Quan<strong>do</strong> tive um pouco de...<br />

— Dinheiro, Barry. Pode dizer, dinheiro.<br />

O homem inclinou a cabeça.<br />

— Muito bem — disse Prudence. — Deixemos isso<br />

agora. Já vi que você estava falan<strong>do</strong> de meu dinheiro mas<br />

isso é o que menos importa.<br />

— Não sei o que dizer mais sobre eles, Prudence. Estão<br />

em Akron faz algum tempo.<br />

— O que há em Akron?<br />

— Não sei. Sobre quê?<br />

— Ga<strong>do</strong>, minas, coisas assim.


— Um pouco de ga<strong>do</strong>, mas isso não é o mais importante.<br />

Akron é um bom centro de irradiação de comunicações. A<br />

estrada de ferro está chegan<strong>do</strong> lá.<br />

— E eles trabalham nisso?<br />

— De certa forma, sim.<br />

Prudence olhava atentamente para Barry Miller. Sim,<br />

Miller era o menos importante <strong>do</strong>s três. Limitara-se a rir.<br />

Achara graça na jogada. E ali estava ela, diante de um <strong>do</strong>s<br />

três homens que procurava. Diante <strong>do</strong> que menos lhe<br />

interessava. Por isso voltou as costas e foi sentar-se de<br />

novo, para pensar um pouco. Não olhava para ninguém e<br />

ninguém fazia perguntas. Os gemi<strong>do</strong>s de Barry Miller eram<br />

o único som que perturbava o silêncio na cabana. Por fim,<br />

Prudence inquiriu:<br />

— Você não está engana<strong>do</strong>, Barry? Eles estão em<br />

Akron, Cobra<strong>do</strong>?<br />

— Estão lá, Prudence. Juro.<br />

— Obrigada, Barry. Você me prestou um favor enorme.<br />

Vou agradecer-lhe. Tirem-no daqui.<br />

— Que vai fazer comigo, Prudence. Eu lhe disse o que<br />

sabia... Eu não fiz nada... Não... Me deixe, mestiço!<br />

Prudence, você não pode...<br />

A mulher impassível, de pé, olhava seus homens, que<br />

tinham agarra<strong>do</strong> Barry Miller. Tiveram que empregar<br />

argumentos um tanto duros para convencê-lo a sair dali.<br />

Mesmo assim saiu de rastos, gritan<strong>do</strong>, apavora<strong>do</strong>. No<br />

entanto, quatro homens eram demais para ele. Barry Miller,<br />

no solo, avançava, rolan<strong>do</strong> em conseqüência <strong>do</strong>s pontapés<br />

que lhe vibravam. Por fim, Prudence, que os seguia a<br />

alguma distancia, fez um gesto e eles detiveram-se diante de


um enorme pinheiro. Alguns segun<strong>do</strong>s depois, Barry Miller<br />

estava amarra<strong>do</strong> ao tronco <strong>do</strong> pinheiro. Prudence disse:<br />

— Vão buscar os cavalos. Partiremos imediatamente,<br />

rumo ao sul para o Cobra<strong>do</strong>.<br />

Os pistoleiros iam pôr-se em movimento, mas Prudence<br />

voltou a falar<br />

— Você fique, Smith.<br />

O mestiço obedeceu, sem descolar os lábios. Os outros<br />

saíram, em busca <strong>do</strong>s cavalos. Prudence olhou para Barry<br />

Miller.<br />

— O prometi<strong>do</strong> é devi<strong>do</strong>, Barry. Você vai morrer no<br />

lugar que mais gosta. Em seus bosques. Smith, acabe com<br />

ele.<br />

— Espere! É absur<strong>do</strong> que eu morra... Eu não fiz...<br />

Nããããão!<br />

Nunca se saberia se Barry morreu de me<strong>do</strong>. Barry não<br />

esperava o que aconteceu. Smith avançou para ele até se<br />

colocar a pouca distância. Com um movimento rapidíssimo,<br />

o mestiço levou a mão à cintura e voltou a mostrá-la,<br />

empunhan<strong>do</strong> a machadinha índia. Manejada com destreza, a<br />

arma abriu a cabeça de Barry Miller em duas, como uma<br />

melancia madura.<br />

O espetáculo era horrível. Prudence voltou o rosto,<br />

conten<strong>do</strong> as náuseas.<br />

Smith, silencioso e impassível, limpou a machadinha,<br />

guardan<strong>do</strong>-a em seguida. Os outros pistoleiros estavam<br />

aproximan<strong>do</strong>-se com os cavalos. Dirigiram olhares para o<br />

cadáver.<br />

— Vamos enterrá-lo? — inquiriu Geo Waxer, o<br />

barbu<strong>do</strong>.


— Para quê? Ele é apenas carniça para os abutres —<br />

sussurrou Prudence. — Vamos embora. Temos provisões e<br />

por estes la<strong>do</strong>s abunda a água. Em três ou quatro dias, no<br />

máximo, estaremos em Akron City.<br />

* * *<br />

O cavaleiro tinha deti<strong>do</strong> sua montaria a curta distancia<br />

daquela zona fumegante, cheia de gente.<br />

Da sela, Roque Savajo parecia estar observan<strong>do</strong> um<br />

formigueiro humano.<br />

Aquela planície tinha certas particularidades, que<br />

saltavam à vista. Um povoa<strong>do</strong> pequeno mas movimenta<strong>do</strong>,<br />

com edifícios de to<strong>do</strong>s os tipos. Havia currais de ga<strong>do</strong>,<br />

quase vazio. Havia também um complexo da companhia<br />

ferroviária, com cantina, escritórios, armazéns. A estrada de<br />

ferro continuava para além de Akron City. Mas não por<br />

muita extensão. Estava incompleta.<br />

Tu<strong>do</strong> isso Roque Savajo estava analisan<strong>do</strong> <strong>do</strong> alto de um<br />

eleva<strong>do</strong> de terreno, no meio <strong>do</strong> caminho.<br />

No céu intensamente azul pairavam nuvens muito<br />

brancas, como flocos de algodão. Isso não impedia que o<br />

sol abrasasse a terra, arrancan<strong>do</strong> resplen<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s trilhos de<br />

ferro.<br />

Quan<strong>do</strong> ouviu já perto os chia<strong>do</strong>s da carruagem que se<br />

vinha aproximan<strong>do</strong>, Roque Savajo voltou-se um pouco.<br />

Distinguiu o velhote de olhos cerca<strong>do</strong>s de rugas, plenos de<br />

astúcia, que fumava num velho cachimbo.<br />

— Não pensa continuar até o povoa<strong>do</strong>? — perguntou o<br />

velhote. — Faz tempo que o vejo aí para<strong>do</strong>.<br />

Seria bom se mandar...<br />

— Por quê? Que aconteceu aqui?


— Fogo. Não está ven<strong>do</strong>?<br />

— Estou ven<strong>do</strong> fumaça. Apenas fumaça — sorriu Roque<br />

Savajo.<br />

— Pois antes dessa fumaça havia aí fogo. E havia<br />

também uma carroça cheia de <strong>do</strong>rmentes de madeira que<br />

não estão mais em condições de serem utiliza<strong>do</strong>s. Foi por<br />

isso que os trabalhos foram suspensos. Faltam <strong>do</strong>rmentes.<br />

— Foi esta noite que isso aconteceu?<br />

— Foi.<br />

— Mas o material da ferrovia não é vigia<strong>do</strong>?<br />

— Supõe-se que sim. Mas a verdade é que os <strong>do</strong>rmentes<br />

de madeira arderam. Sobraram apenas pedaços de carvão e<br />

cinzas. E sabe como fizeram isso? Regan<strong>do</strong> com gasolina os<br />

<strong>do</strong>rmentes. Depois atearam fogo.<br />

— Já descobriram quem fez isso?<br />

— Está brincan<strong>do</strong>, não?<br />

— Bom, às vezes suspeita-se de alguém com motivos<br />

para...<br />

— Aqui ninguém tem motivos para nada. To<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong><br />

é amigo da estrada de ferro. E, no entanto, têm abunda<strong>do</strong> os<br />

acidentes desta natureza. Até mortes tem havi<strong>do</strong>. A ferrovia<br />

devia estar já na metade <strong>do</strong> caminho para Denver. To<strong>do</strong> o<br />

mun<strong>do</strong> deseja a estrada de ferro. E não se vê em que estes<br />

acontecimentos possam beneficiar alguém. Pelo menos,<br />

ninguém consegue explicar isso.<br />

Roque Savajo assentiu com a cabeça.<br />

— Muito interessante.<br />

O velhote olhou para ele com interesse. Tirou o<br />

cachimbo da boca, bateu com a mão na boléia da carroça e<br />

disse:<br />

— Meu nome é Sam Dunn.


Roque olhou-o de soslaio, evitan<strong>do</strong> uma careta de ironia.<br />

— Roque Savajo.<br />

— Nunca ouvi falar de você — disse Sam.<br />

Roque fitou-o nos olhos, surpreendi<strong>do</strong>.<br />

— E por que deveria ter ouvi<strong>do</strong> falar de mim, amigo?<br />

O velhote pigarreou, pouco à vontade.<br />

— Na verdade, é uma besteira... Escute, estou morren<strong>do</strong><br />

de curiosidade. Veio a Akron por algum motivo liga<strong>do</strong> com<br />

a estrada de ferro?<br />

— Vim — respondeu Roque, sorrin<strong>do</strong>.<br />

— Logo vi...<br />

— Por quê? Nota-se alguma coisa?<br />

— Não, não. Quer dizer... Não sei se poderei explicar. Já<br />

vê, tipos duros, fortes, briguentos, há por aqui as dezenas.<br />

Dos que usam um revólver na cintura, a mesma quantidade.<br />

Mas você é diferente, sabe. É distinto... mais duro <strong>do</strong> que<br />

eles, mas com a vantagem de poder aparentar o contrário.<br />

Está entenden<strong>do</strong>? Só que a mim é difícil enganar.<br />

— Não pretendia enganá-lo, Sam.<br />

— Não brinque. Bem, como também sou amigo da<br />

estrada de ferro, ainda que ela não me interesse muito,<br />

desejo-lhe to<strong>do</strong> o êxito <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em Akron City.<br />

— Obriga<strong>do</strong>, Sam. Já vai embora?<br />

— Que se pode fazer? Se não trabalho, não como. É uma<br />

estupidez monumental mas não fui eu que inventei essas<br />

coisas. Tenho que ir ao armazém recolher duas<br />

encomendas. Uma da senhora Garson e outra de Huck<br />

Norval. E depois levá-las a suas respectivas granjas.<br />

Conheço to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> em Akron City. Por isso, se quiser<br />

localizar alguém, eu o acompanharei com muito prazer,<br />

Roque.


— Obriga<strong>do</strong>, Sam. Na verdade, estou procuran<strong>do</strong> uma<br />

pessoa. O capataz Joe Eldridge.<br />

— Enten<strong>do</strong>. Mas para isso não precisa de mim. To<strong>do</strong> o<br />

mun<strong>do</strong> o conhece. Vamos?<br />

— Vamos, Sam.<br />

CAPÍTULO SEGUNDO<br />

Volta <strong>do</strong> passa<strong>do</strong><br />

Um <strong>do</strong>s de<strong>do</strong>s sujos de Sam tinha aponta<strong>do</strong> para aquele<br />

edifício de ladrilhos, diante <strong>do</strong> qual havia muita gente.<br />

— É ali, Roque — disse.<br />

Roque, que cavalgava ao la<strong>do</strong> da carroça <strong>do</strong> velhote,<br />

levou <strong>do</strong>is de<strong>do</strong>s à aba <strong>do</strong> chapéu e agradeceu.<br />

— Obriga<strong>do</strong>, Sam. Até a vista.<br />

E antes que o velho dissesse mais alguma coisa, desviou<br />

o cavalo, afastan<strong>do</strong>-se da carroça e aproximan<strong>do</strong>-se da casa,<br />

onde um numeroso grupo de homens parecia excita<strong>do</strong>,<br />

falan<strong>do</strong> em altos gritos. Roque não fez caso deles.<br />

Compreendia sua ira.<br />

Devia ser gente que vivia da estrada de ferro.<br />

Desmontou, amarrou o cavalo na barra e aproximou-se<br />

da porta. Ali estava um homem, obstruin<strong>do</strong> a entrada e<br />

dizen<strong>do</strong>:<br />

— Ninguém pode passar. O senhor Eldridge está...<br />

— Diga a ele que chegou o envia<strong>do</strong> especial de Forte<br />

Morgan.<br />

As palavras de Roque foram ouvidas por to<strong>do</strong>s e os<br />

rostos voltaram-se para ele, fitan<strong>do</strong>-o com curiosidade,<br />

enquanto as conversas excitadas baixavam de tom. O<br />

emprega<strong>do</strong>, depois de uma leve hesitação, entrou no


escritório. Roque ficou esperan<strong>do</strong>, enrolan<strong>do</strong> um cigarro.<br />

Acabam de acendê-lo quan<strong>do</strong> o homem voltou.<br />

— Entre, por favor. O senhor Eldridge falará com você.<br />

Roque desapareceu no interior <strong>do</strong> edifício, decora<strong>do</strong><br />

com mobiliário rústico, velho e um tanto desorganiza<strong>do</strong>.<br />

Havia um balcão, onde os operários deveriam agrupar-se na<br />

hora de receber o salário, e, no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> salão, uma porta<br />

que dava para um escritório.<br />

Diante dessa porta, um homem, José Eldridge,<br />

expressava uma surpresa autentica. Até sacudiu a cabeça,<br />

para melhor exprimir seu assombro.<br />

— Roque... Roque Savajo! É incrível!<br />

Sorrin<strong>do</strong> levemente, Roque Savajo avançava para ele.<br />

Eldridge, por seu la<strong>do</strong>, caminhava para Roque, de mão<br />

estendida. Quan<strong>do</strong> se encontraram, apertaram as mãos, com<br />

muito mais calor da parte de Eldridge.<br />

— Que diabo!... Quem ia esperar uma coisa destas,<br />

Roque? Este mun<strong>do</strong> está cheio de surpresas. Nada mais,<br />

nada menos <strong>do</strong> que Roque Savajo, o envia<strong>do</strong> de Forte<br />

Morgan. Entre, entre. Aqui está outro amigo. Felipe!<br />

Felipe!, idiota!<br />

Roque mostrava-se bem circunspeto. Aquele era Felipe<br />

Samish, o homem com cara de criança. Rosto re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>,<br />

olhos azuis, cabelos louros que lhe tombavam em cachos<br />

sobre a testa. Uma expressão infantil cercava seus olhos e o<br />

jeito de sua boca. Felipe Samish estreitava também a mão<br />

de Roque.<br />

— Você não envelhece nunca, José — disse Roque. —<br />

Você nos deixou assim...<br />

— Bem, uma coisa é ter bons amigos, uma vida agitada,<br />

dura. E, outra bem diferente, é a ambição de cada um. Você


entende, não? No exército não há muitas chances de<br />

conseguir fortuna. Só por isso os aban<strong>do</strong>nei. Mas, sente-se,<br />

Roque. Felipe, traga uísque.<br />

— Claro, José.<br />

Sentaram-se. Roque instalou-se numa cadeira rústica e<br />

olhou para Eldridge. Um homem de cabelo cor de areia,<br />

atraente, que vestia roupas baratas mas com certa elegância.<br />

Era alto e forte.<br />

Os olhos cinzentos de Roque passaram para Felipe.<br />

Sorriu. Felipe era o mesmo de sempre. Um falso bom<br />

menino.<br />

— Estou ven<strong>do</strong> que as coisas correram bem para vocês,<br />

José — disse o envia<strong>do</strong> <strong>do</strong> Forte Morgan. —Ainda que<br />

agora estejam com dificuldades.<br />

— Não foi muito mal, na verdade.<br />

— Felicito vocês por isso.<br />

Felipe tinha volta<strong>do</strong> com três copos de uísque e repartiuos.<br />

José ergueu o seu e brin<strong>do</strong>u:<br />

— Por este reencontro, Roque.<br />

Beberam. Depois José colocou o copo sobre a mesa e<br />

fitou Roque, dizen<strong>do</strong> com uma voz um tanto lenta, apagada:<br />

— Creio que está claro que não desertamos, Roque.<br />

Apenas nos licenciamos. Isso é tu<strong>do</strong>.<br />

Roque esboçou um sorriso fugaz.<br />

— Acha que eu vim por causa disso, José? Na verdade<br />

sou um envia<strong>do</strong> muito especial de Forte Morgan, como lhe<br />

disse. Minha surpresa foi bem menor que a de vocês porque<br />

já sabia que os ia encontrar. Além disso, ninguém acusa<br />

vocês de nada.


— Muito bem. Esclareci<strong>do</strong> isso, vamos ao assunto<br />

principal. Alegro-me que seja você o envia<strong>do</strong> especial.<br />

Alegro-me, de verdade. Qual é o seu posto atualmente?<br />

— Capitão.<br />

— Magnífico. E me parece mereci<strong>do</strong> e lógico. Quan<strong>do</strong><br />

se tem boas qualidades, Roque, sempre se sobe. Você<br />

chegará a general.<br />

Roque sorriu.<br />

— Agradeço seus bons desejos, José. Mas isso não é<br />

fácil em tempo de paz. Bom, mas vamos ao assunto<br />

principal. Como você disse, acabo de chegar a Akran City.<br />

Ainda nem procurei hotel. Tenho pressa em começar a<br />

trabalhar. Como não ignora, a companhia que você<br />

representa pediu a proteção <strong>do</strong> exército para prosseguir com<br />

seus trabalhos. Baseia esse pedi<strong>do</strong> em duas razões<br />

fundamentais.<br />

— Sim, eu sabia disso.<br />

— Uma das razões é a necessidade de esvaziar esta<br />

região da mesma zona de sempre. Desocupa<strong>do</strong>s,<br />

aventureiros, pistoleiros e assassinos. Via livre para a<br />

estrada de ferro... A segunda razão é que este trecho está se<br />

estenden<strong>do</strong> desde Boulder até Cobra<strong>do</strong> Springs, passan<strong>do</strong><br />

por Akron City. E ele é <strong>do</strong> interesse militar, por ficar à<br />

mesma distância de Forte Morgan e Forte Collins. Assim,<br />

meus superiores decidiram ocupar-se <strong>do</strong> assunto. Minha<br />

missão consiste, exatamente, em averiguar a que se devem<br />

os atrasos na construção e quem é o responsável.<br />

José Eldridge assentiu com movimentos de cabeça.<br />

— Sim, sim. Tu<strong>do</strong> isso é perfeitamente compreensível e<br />

creio que sua chegada vai ser providencial. Soube <strong>do</strong> que<br />

aconteceu esta noite?


— A fumaça vê-se de bem longe, José.<br />

Eldridge passou a mão pela testa.<br />

— Eu sei. Isso significa outro atraso. E não é a primeira<br />

vez que queimam ou roubam material da ferrovia. E quem o<br />

faz não se arrisca muito, nem atua de uma forma contínua.<br />

Quem se dedica a estas sabotagens possui um grande<br />

senti<strong>do</strong> de oportunidade.<br />

— Você suspeita de alguém?<br />

— Não. É impossível. Em Akron City vive muita gente<br />

que depende da estrada de ferro. Não faço idéia de quem<br />

possa ser. E não fiquei de braços cruza<strong>do</strong>s. Averiguamos.<br />

Mas aqui nos tem, furiosos, sem poder fazer outra coisa que<br />

não seja tentar acalmar nossa ira.<br />

— Que faz a lei, em Akron City?<br />

— Akron é um povoa<strong>do</strong> pequeno que a estrada ferro<br />

veio despertar. Contamos com um comissário mas é<br />

impotente, neste caso. E ninguém pode culpá-lo por isso. O<br />

que acontece em Akron exige medidas mais enérgicas.<br />

Agora, com sua chegada, creio que tu<strong>do</strong> começará a mudar.<br />

Sinto grandes esperanças nisso, Roque.<br />

— Mas não confia muito cm mim, não é verdade?<br />

— Meu caro Roque. Atrás de você está o exército —<br />

sorriu José.<br />

— Muito bem. Vamos a outro ponto. Quem sai<br />

beneficia<strong>do</strong> com as demoras?<br />

— Ninguém.<br />

A resposta dele foi segura. Roque arqueou as<br />

sobrancelhas. O mesmo tinha dito Sam e certamente o<br />

mesmo diria to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> em Akron city.<br />

— Assim é mais difícil trabalhar — grunhiu Roque.


— Mas, de qualquer forma, é preciso fazer alguma<br />

coisa.<br />

— Acho que não preciso dizer que estamos à sua<br />

disposição para o que for preciso, Roque. Para tu<strong>do</strong> — disse<br />

José. — Como nos velhos tempos. Não deixa de ser<br />

emocionante rever um pouco o passa<strong>do</strong>.<br />

Estava sorrin<strong>do</strong>. Felipe, com seu rosto de bebê, sorria<br />

também.<br />

— Mais uísque, Roque? — inquiriu Felipe.<br />

— Não, obriga<strong>do</strong>.<br />

— Que pensa fazer? Por onde vai começar? —<br />

perguntou ele.<br />

— Ainda não sei. Não há pista alguma, pois não?<br />

— Não. Os malditos não deixam nada.<br />

— Bem, veremos o que se pode fazer. Desde quan<strong>do</strong><br />

você está meti<strong>do</strong> nisto, José?<br />

— Já faz algum tempo. Mais de um ano. Comecei em<br />

Boulder. A companhia nomeou-me capataz, com uma parte<br />

nos lucros, a longo prazo. Investi um pouco de dinheiro que<br />

tinha. Estou perden<strong>do</strong>-o — suspirou. — De qualquer forma,<br />

espero ter êxito no final. É claro que meu investimento, bem<br />

como a participação nos lucros, é uma parcela muito<br />

pequena, ínfima, mesmo. Um ramal de estrada de ferro<br />

custa uns milhões de dólares.<br />

Roque olhou para Felipe.<br />

— E você, Felipe?<br />

— Eu? — o homem encolheu os ombros.<br />

— Nunca esqueceu que foi a ordenança <strong>do</strong> sargento<br />

Eldridge, pelo que vejo — sorriu um tanto secamente.<br />

— Gosto de ser assim — grunhiu Felipe.


— Estou ven<strong>do</strong> que você não gosta de falar de casos<br />

pessoais. Muito bem, não estamos aqui para isso.<br />

Roque levantou-se.<br />

Era seco como uma estaca. Curti<strong>do</strong>. Cabelo castanho e<br />

olhos cinzentos. As roupas civis assentavam-lhe bem.<br />

Calças cinzentas com riscas verticais e uma jaqueta negra.<br />

Usava <strong>do</strong>is revólveres presos na cintura.<br />

— Para já, vou procurar alojamento, José.<br />

— Pode ficar em minha casa, Roque. Dispõe de...<br />

— Não. Prefiro ficar num hotel. De qualquer maneira,<br />

vamos trabalhar juntos.<br />

— Como quiser, Roque. Nos vemos logo?<br />

— Claro, José. Entretanto, gostaria que você me fizesse<br />

um favor.<br />

— Pode dizer.<br />

— Quero uma lista <strong>do</strong>s acontecimentos, com lugares e<br />

datas. Preciso estudar isso.<br />

— Vou prepará-la, Roque.<br />

— Obriga<strong>do</strong>, José. Até logo.<br />

Ia voltar-se para a porta <strong>do</strong> escritório quan<strong>do</strong> esta se<br />

abriu com certa violência. Alguém entrou na sala, baten<strong>do</strong><br />

com força os saltos <strong>do</strong>s sapatos. Roque gritou,<br />

surpreendi<strong>do</strong>. Seu rosto, depois de um rápi<strong>do</strong> pestanejar,<br />

ficou inexpressivo, ainda que um pouco páli<strong>do</strong>. José<br />

Eldridge levantou-se e Felipe fez uma careta.<br />

A mulher que tinha entra<strong>do</strong> pareceu ter esbarra<strong>do</strong> contra<br />

um muro, ven<strong>do</strong> Roque. Seu rosto muito belo cobriu-se de<br />

uma palidez mortal e os lábios começaram a tremer.<br />

O quadro era surpreendente. Três homens, de pé,<br />

olhan<strong>do</strong> para uma mulher. E ela, com algo na mão, imóvel,<br />

a <strong>do</strong>is passos de Roque.


O primeiro a reagir, tentan<strong>do</strong> um sorriso, foi José. Sua<br />

voz, que queria aparentar tranqüilidade, delatou certa<br />

tensão.<br />

— Vocês já se conhecem, claro — disse. — Kátia, não<br />

devia ter entra<strong>do</strong> desse jeito. Precisamos fazer as coisas...<br />

— Vim apenas devolver-lhe isto, José — cortou ela com<br />

brusquidão e a voz tremen<strong>do</strong> levemente.<br />

Por fim, Kátia avançou até a mesa de Eldridge e deixou<br />

ali o que levava na mão.<br />

— Guarde seus anéis, suas jóias. Nem com milhões de<br />

dólares, nem se disso dependesse minha vida, você me<br />

conseguiria. Era só isso que vim fazer aqui.<br />

Kátia deu meia-volta. Seu olhar, então, encontrou-se<br />

com o de Roque Savajo.<br />

O choque foi quase violento. Inclusive, quase produziu<br />

<strong>do</strong>r física. Pelo menos foi essa a impressão que os olhos<br />

amen<strong>do</strong>a<strong>do</strong>s de Kátia deixaram em Roque.<br />

O encontro <strong>do</strong>s olhares durou exatamente <strong>do</strong>is segun<strong>do</strong>s.<br />

Depois, sem que qualquer <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is dissesse uma palavra,<br />

Kátia saiu.<br />

Deixou uma atmosfera incômoda, fria. Roque olhava,<br />

alternadamente para José e para Felipe. Fitava-os com<br />

expressão grave. Não acusava. Pedia apenas explicações.<br />

José umedeceu os lábios.<br />

— Roque, não sei se devia ter-lhe fala<strong>do</strong> dela —<br />

murmurou. — As coisas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, às vezes, não são<br />

agradáveis. Encontramos Kátia aqui por casualidade. Ela<br />

vivia em Akron City antes <strong>do</strong> ramal da estrada de ferro ter<br />

chega<strong>do</strong>. Ela é muito bonita. É natural que um homem se<br />

apaixone por ela...


— Enten<strong>do</strong> perfeitamente. Bom, José, vou procurar<br />

alojamento. Prepare-me essa lista, por favor. Mais tarde<br />

poderemos estudá-la juntos.<br />

— Sim, claro. Queria poder dizer mais alguma coisa<br />

sobre Kátia e eu... Não há nada entre nós, como viu. Ela<br />

nega-se a me aceitar.<br />

Roque lançou um olhar ao estojo de jóias. Logo, sem<br />

uma palavra, dirigiu-se para a porta, sain<strong>do</strong> <strong>do</strong> escritório.<br />

Deixou José Eldridge com os olhos semicerra<strong>do</strong>s e os<br />

punhos aperta<strong>do</strong>s. Felipe continuava fitan<strong>do</strong> a porta, como<br />

se pudesse atravessá-la como olhar e cravá-lo nas costas de<br />

Roque Savajo.<br />

— Droga! — grunhiu Felipe. — Vai complicar tu<strong>do</strong>,<br />

José.<br />

— Nós não permitiremos isso.<br />

— Cuida<strong>do</strong>, José. Abra bem os olhos. Desta vez não<br />

fomos nós. Alguém mais incendiou os <strong>do</strong>rmentes da<br />

ferrovia. Temos algum inimigo por perto e não sabemos<br />

quem é. E, agora, chega Roque Savajo, esse filho de uma<br />

cadela.<br />

— Eu sei, Felipe. Cale essa boca.<br />

— Enfurecen<strong>do</strong>-se comigo, não vai resolver o problema,<br />

José.<br />

José lançou um olhar furioso a Felipe. Logo depois<br />

tentou acalmar-se. Sentou-se e serviu-se de uma nova <strong>do</strong>se<br />

de uísque. Bebeu em silencio, pensan<strong>do</strong>, enquanto Felipe<br />

também se mantinha beben<strong>do</strong>, na expectativa, aguardan<strong>do</strong><br />

que José encontrasse a solução.<br />

— Não era isto que esperávamos que acontecesse... —<br />

murmurou José. — De qualquer forma, ainda poderemos<br />

solucionar as coisas. Sem nos precipitarmos, claro.


— Sem nos precipitarmos, José, más sem nos<br />

demorarmos, também.<br />

José olhou-o de soslaio.<br />

— Vá dar uma volta por aí, Felipe, e observe o<br />

ambiente. Quero ficar só — grunhiu.<br />

* * *<br />

Depois de deixar o cavalo no estábulo público, Roque<br />

cui<strong>do</strong>u de si mesmo. Enquanto se registrava no hotel,<br />

pensou que tu<strong>do</strong> tinha muda<strong>do</strong>, em questão de poucos<br />

minutos. Sentiu um pouco de amargura. Tinha si<strong>do</strong> um<br />

golpe inespera<strong>do</strong>.<br />

Kátia... Kátia Farber... Quantas recordações. Eram mais<br />

que apenas recordações. Algo mais profun<strong>do</strong>. E, de repente,<br />

haviam choca<strong>do</strong> um com o outro. Enquanto subia para seu<br />

quarto, tratou de esquece-la. Aliás, as coisas, cinco anos<br />

atrás, tinham si<strong>do</strong> como ela quisera. Foi Kátia quem tomou<br />

a iniciativa.<br />

Com seu saco de viagem num ombro, Roque entrou no<br />

quarto.<br />

Olhou à sua volta, distraidamente. Era um bom quarto,<br />

amplo, com janela para a rua, e o jarro de água estava cheio.<br />

Colocou o saco sobre uma cadeira, tirou a jaqueta e os<br />

<strong>do</strong>is cinturões. Olhou-se no espelho.<br />

Com trinta e um anos, achava-se talvez um pouco<br />

envelheci<strong>do</strong> demais. Tinha alguns fios de cabelos brancos,<br />

especialmente nas têmporas, e algumas rugas em tomo <strong>do</strong>s<br />

olhos. No entanto, Roque Savajo continuava sen<strong>do</strong> um<br />

homem atraente, jovem.<br />

Cinco anos se tinham passa<strong>do</strong>... Cinco anos... Acaso não<br />

tinham si<strong>do</strong> os melhores?<br />

Tentou esquecer.


Precisava lavar-se, barbear-se. Depois iria procurar José<br />

para observarem juntos aquela lista. Talvez pela cadência<br />

<strong>do</strong>s atenta<strong>do</strong>s conseguissem descobrir alguma pista. Se bem<br />

que nessa tarde tentasse achar algum rastro de quem<br />

incendiara aqueles <strong>do</strong>rmentes. Era um bom rastrea<strong>do</strong>r desde<br />

os dezessete anos, quan<strong>do</strong> se alistara na cavalaria.<br />

Estava desfazen<strong>do</strong> o laço negro da camisa, quan<strong>do</strong><br />

bateram na porta <strong>do</strong> quarto. Foi abrir distraidamente,<br />

pensan<strong>do</strong> em seus problemas. E ficou surpreso. Era ela,<br />

Kátia.<br />

Kátia estava ali, com pedaços de coração nos olhos.<br />

Kátia... Devia ter agora vinte e seis anos. Continuava na<br />

mesma. Ou talvez não. Talvez mais bela, de uma beleza<br />

mais madura. Seus olhos continuavam sen<strong>do</strong> enormes,<br />

expressivos. Seus cabelos pareciam mais <strong>do</strong>ura<strong>do</strong>s. Seu<br />

corpo muito esbelto vestia-se com simplicidade.<br />

— Posso entrar, Roque? — sussurrou ela por fim.<br />

— Sim, claro, Kátia.<br />

CAPÍTULO TERCEIRO<br />

Recepção<br />

Por um instante, Kátia permaneceu muda, sustentan<strong>do</strong> o<br />

olhar de Roque. Depois começou a soluçar. Foi repentino.<br />

Kátia rebentou em soluços profun<strong>do</strong>s, incontroláveis.<br />

Cobriu o rosto com ambas as mãos e seu corpo era agita<strong>do</strong><br />

pelo choro, diante de um surpreendi<strong>do</strong> Roque. Logo<br />

pareceu tomar uma súbita decisão e voltou-se, tentan<strong>do</strong><br />

dirigir-se para a porta <strong>do</strong> quarto, para sair dali.<br />

No entanto ele impediu-a. Com um passo grande, Roque<br />

alcançou Kátia. Segurou-a por um braço e reteve-a. Sem


que uma só palavra saísse de seus lábios. Continuou<br />

seguran<strong>do</strong>-a, enquanto Kátia prosseguia com o choro<br />

convulsivo que parecia despedaçá-la por dentro.<br />

Roque obrigou-a a sentar-se numa cadeira. Deixou que<br />

ela se acalmasse. Por fim, com os olhos ainda chorosos,<br />

Kátia conseguiu olhar para ele.<br />

— Sinto muito, Roque. Não pude evitar. Não pensei que<br />

me faltasse a coragem — sussurrou com voz entrecortada.<br />

— Também está faltan<strong>do</strong> a mim, Kátia.<br />

— Roque, meu Deus... Eu vim porque achei que lhe<br />

devia uma explicação. Não sei se vai querer ouvi-la. Desde<br />

que voltei a ver você me sinto atormentada. Diga-me uma<br />

coisa, Roque. Você foi feliz? Casou? Voltou a amar?<br />

— Não. Nenhuma das três coisas, Kátia.<br />

Ela mordia os lábios. De novo parecia ter pedaços de<br />

coração nos olhos.<br />

— Eu quero ouvir sua explicação, Kátia.<br />

— Obrigada, Roque. Você já sabe o que aconteceu em<br />

Wyoming. Não pude suportar aquilo. Por mim, por você.<br />

Nunca consegui entender por que meu pai fez aquilo. E, no<br />

entanto, fui com ele, afastan<strong>do</strong> você da desonra. Fiquei<br />

louca, pensan<strong>do</strong> que você me desprezaria pelo que meu pai<br />

fez. O que custou a ele a expulsão da Cavalaria. Estúpi<strong>do</strong> e<br />

sujo assunto, envolven<strong>do</strong> os índios xavantes, como deve<br />

estar lembra<strong>do</strong>.<br />

— Lembro-me muito bem, Kátia.<br />

— Entende, Roque? Expulsaram-no, degradaram-no.<br />

Como podia eu ter fica<strong>do</strong> com você? A filha de um sujo<br />

negociante. Pensei que você não queria mais saber de mim.<br />

Você tinha um futuro brilhante pela frente, Roque. Fiz<br />

aquilo por você. Não poderia nunca me misturar com a


oficialidade, ainda que fosse com seu apoio. Que teria si<strong>do</strong><br />

de você? Sei bem que tu<strong>do</strong> isto, com o tempo, perde sua<br />

importância. Mas pense bem e me diga a verdade, Roque.<br />

Que teríamos feito?<br />

Roque estava muito páli<strong>do</strong>.<br />

— Você continuou me aman<strong>do</strong>, Kátia?<br />

— Ainda pergunta, Roque? — sorriu ela,<br />

<strong>do</strong>lorosamente.<br />

— Mas você partiu. Assim. sem dizer nada, pensan<strong>do</strong><br />

apenas por si. Diz que partiu para me salvar. Mas me<br />

aban<strong>do</strong>nou, me deixan<strong>do</strong> sozinho, sem forças nem para<br />

respirar.<br />

— Roque...<br />

— Não chore agora, Kátia. Não sei o que eu teria feito.<br />

É verdade que era um feio assunto esse de seu pai. Mas<br />

você estava fora dele. Você, eu e nosso amor, nada<br />

tínhamos a ver com isso. E eu lhe disse mil vezes que a<br />

amaria, acontecesse o que acontecesse. Você esqueceu isso<br />

quan<strong>do</strong> pensou em partir? Kátia, você me amava e ainda me<br />

ama...<br />

— Sim. Roque. Desesperadamente.<br />

Roque Savajo fechou os olhos, apertan<strong>do</strong> as pálpebras<br />

com força.<br />

— Então nós <strong>do</strong>is temos vaga<strong>do</strong> como fantasmas, longe<br />

um <strong>do</strong> outro, perdi<strong>do</strong>s...<br />

— Você nunca me procurou, Roque.<br />

— Nunca consegui encontrá-la. Mas tentei. E você?<br />

— Não. Confesso que não, Roque. Meu pai ainda vivia,<br />

entende? E enquanto ele vivesse, continuava existente o<br />

motivo de minha fuga de você. De nossa separação. Quan<strong>do</strong><br />

ele morreu, há <strong>do</strong>is anos, pensei que era tarde demais para


mim. E fiquei com meu amor, vivo, latente. Não fui feliz;<br />

Roque. Verdade que não fui...<br />

Roque aproximou-se mais dela e segurou-a pelos<br />

ombros, fazen<strong>do</strong>-a levantar-se. Ficaram frente a frente,<br />

fitan<strong>do</strong>-se nos olhos.<br />

— Mas... Nada mu<strong>do</strong>u em você, nestes cinco anos,<br />

Roque?<br />

— Por que você deveria amar com mais intensidade <strong>do</strong><br />

que eu?<br />

— Não sei.<br />

— E, agora, estamos de novo reuni<strong>do</strong>s. Isto significa<br />

alguma coisa para você?<br />

Súbito, sem poderem evitá-lo, estavam nos braços um <strong>do</strong><br />

outro. Apertavam-se com força, quase com desespero, como<br />

se quisessem impedir que alguma força misteriosa os<br />

separasse de novo. Mantinham acesa a força de amor que os<br />

ligara no passa<strong>do</strong>.<br />

Durante alguns minutos, limitaram-se a ficar em<br />

silêncio, abraça<strong>do</strong>s. Ela chorava e ele acariciava-lhe os<br />

cabelos.<br />

Por fim, a voz de Roque quebrou o silêncio.<br />

— O que você faz aqui? Onde vive, Kátia?<br />

— Tenho um pequeno rancho, Roque. Possuo apenas<br />

trezentas cabeças de ga<strong>do</strong>, mas não sou ambiciosa. O lugar<br />

é muito bonito. Diante de minha janela tenho as colinas.<br />

Quantas noites eu sonhei, acordada, que você iria chegar<br />

por aquelas colinas... Se o que você quer dizer é se tenho<br />

dificuldades para viver, direi que não. Apenas José me<br />

atrapalha um pouco a vida. Você viu. Mas eu apenas posso<br />

amar um homem, Roque. Esteja longe, ou perto de mim.


Ame-me ou me despreze, Roque. Separaram-se um pouco.<br />

Os lábios de Kátia tremiam.<br />

— Quer ir embora, Kátia? — perguntou Roque, tentan<strong>do</strong><br />

sobrepor-se ao fascínio que a envolvia. — Quan<strong>do</strong> eu<br />

terminar o trabalho que me trouxe aqui, irei buscar você.<br />

— To<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> sabe que você tem trabalho a fazer aqui.<br />

Capitão Roque Savajo, envia<strong>do</strong> especial de Forte Morgan,<br />

para resolver os problemas levanta<strong>do</strong>s à construção <strong>do</strong><br />

ramal ferroviário, de interesse militar — Kátia sorriu. —<br />

Não serei um estorvo, Roque. Eu esperarei por você. Sou tio<br />

feliz agora. Ainda me custa a acreditar. Parece-me mentira<br />

ter esta<strong>do</strong> abraçada a você. Eu apaguei a barreira destes<br />

cinco anos. Você não, Roque...<br />

— Não diga isso.<br />

— É a verdade — disse ela, um pouco triste. — Eu<br />

notei. Só por causa dessa barreira você não me beijou. Mas<br />

não importa. Você esteve olhan<strong>do</strong> meus lábios e... De<br />

qualquer forma, eu o amo <strong>do</strong> mesmo jeito. Ou mais ainda. E<br />

enten<strong>do</strong>. Bem, Roque, vou in<strong>do</strong>...<br />

Ainda um pouco triste, Kátia ia voltar-se mas Roque<br />

impediu-a.<br />

— Não, Kátia... Não há nenhuma barreira — sussurrou,<br />

roucamente.<br />

E, se o abraço anterior tinha si<strong>do</strong> frenético, o beijo,<br />

agora, foi quase <strong>do</strong>loroso.<br />

Não podia haver barreiras entre eles.<br />

* * *<br />

Senta<strong>do</strong> diante de José Eldridge, em seu escritório,<br />

Roque olhava a lista de acontecimentos, não muito extensa.<br />

— É só isto? — inquiriu, por fim, Roque.


— É. Já lhe disse que eles não se arriscam muito. Têm<br />

um bom senti<strong>do</strong> de oportunidade. Fazem pouco mal mas<br />

sabem como e quan<strong>do</strong> devem faze-lo. Incendeiam, roubam.<br />

De cada vez nos atrasam por um mês. É incrível, Roque.<br />

Como você viu, de Boulder a Akron demoramos mais<br />

quatro meses <strong>do</strong> que o previsto.<br />

— Claro. No entanto, esta lista não apresenta da<strong>do</strong>s<br />

concretos. As datas não surgem com uma cadência que nos<br />

permita tirar conclusões. Os lugares também parecem ser<br />

escolhi<strong>do</strong>s ao acaso, sempre ao longo <strong>do</strong> ramal, claro.<br />

— Elaborei essa lista, ainda saben<strong>do</strong> que ela não iria ser<br />

de qualquer utilidade, Roque. Mas quero colaborar, como é<br />

lógico.<br />

Roque passou a mão esquerda pelo queixo.<br />

— E Felipe? — perguntou.<br />

— Anda por aí. Mandei-o misturar-se com as pessoas,<br />

tentan<strong>do</strong> escutar alguma coisa. Quem sabe, às vezes uma<br />

palavra ouvida por casualidade pode conduzir ao êxito. E<br />

esses malditos devem estar em algum lugar.<br />

— Isso é verdade.<br />

— Muito bem, Roque. Que vai fazer?<br />

— Procurar. Seria muito cômo<strong>do</strong> para mim voltar ao<br />

exército e aconselhar vigilância. Acho que devo fazer algo<br />

mais. Para já, esta tarde começarei uma busca, partin<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>rmentes queima<strong>do</strong>s.<br />

— Irá sozinho, Roque?<br />

— Sim. Pelo menos o rastreamento farei sozinho.<br />

— Se precisar de ajuda...<br />

— Quan<strong>do</strong> eu precisar, pedirei.


Roque levantou-se. José imitou-o. É evidente que<br />

alguma coisa ficara por dizer. Roque olhava fixa-mente para<br />

José. Por fim murmurou, com calma:<br />

— Kátia e eu encontramo-nos. Entende o que isso<br />

significa, José?<br />

O outro esboçou um sorriso.<br />

— É curioso... Nunca pensei que, depois de cinco anos,<br />

tu<strong>do</strong> continuasse igual entre nós.<br />

— É verdade. Tu<strong>do</strong> continua igual, entre Kátia e eu.<br />

— Quer dizer que devo esquecê-la.<br />

— Vejo que você entendeu.<br />

— Não sei... Não esteja tão certo disso. É difícil admitir<br />

a derrota, assim, de repente. Eu também a amo, Roque. Já<br />

invejava você quan<strong>do</strong> estávamos em Wyoming, no forte. Eu<br />

parti e pouco depois soube <strong>do</strong> que tinha aconteci<strong>do</strong> com o<br />

pai dela. Não esperava voltar a vê-la mas este mun<strong>do</strong> é<br />

pequeno. Tentei fazer com que me amasse, mas não<br />

consegui grande coisa, devo admitir. Mas daí a renunciar, sé<br />

porque você chegou...<br />

— Eu quero isso e ela também, José.<br />

José Eldridge balançou a cabeça.<br />

— Não vamos discutir isso agora. Roque.<br />

— Nem agora, nem mais tarde. Considero o caso<br />

encerra<strong>do</strong>. Nós iremos juntos quan<strong>do</strong> eu terminar este caso.<br />

— Muito bem.<br />

— É tu<strong>do</strong> o que tinha a dizer, sobre isso. Talvez nos<br />

vejamos esta noite, ou amanhã.<br />

José não abriu a boca enquanto Roque saía da sala.<br />

* * *<br />

Não totalmente decepciona<strong>do</strong>, ainda que entendesse que<br />

era inútil continuar, Roque Savajo decidiu regressar a


Akron. Seu rastreamento, em princípio, parecia anima<strong>do</strong>r.<br />

Um pouco além <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong> tinha encontra<strong>do</strong> rastros que o<br />

conduziam até um pequeno bosque. Ali tinham fica<strong>do</strong><br />

cavalos esperan<strong>do</strong>. Roque encontrou marcas mais claras e<br />

pôde concluir que eram quatro homens.<br />

Seguiu a pista por mais de três milhas, em direção às<br />

montanhas, pela margem direita <strong>do</strong> South Plale River. O rio<br />

era como uma fronteira que o obrigava a voltar. Teria que<br />

examinar aquilo mais detidamente, à luz <strong>do</strong> dia; visto ter<br />

sérias dúvidas sobre o fato <strong>do</strong>s quatro cavaleiros terem ou<br />

não atravessa<strong>do</strong> o rio. Só a luz <strong>do</strong> sol poderia elucidá-lo.<br />

Sem pressa. regressou ao povoa<strong>do</strong>, avançan<strong>do</strong><br />

paralelamente ao ramal da estrada de ferro que brilhava à<br />

luz da lua. Ao longe se via o acampamento, com algumas<br />

luzes e pouca animação. As pessoas preferiam ir para o<br />

povoa<strong>do</strong> divertir-se. Roque deixou isso tu<strong>do</strong> para trás e<br />

entrou na cidade por uma rua solitária. Dirigiu-se<br />

diretamente para o estábulo público. Havia um banco na<br />

porta e sobre ele <strong>do</strong>rmitava um homem. Roque não o<br />

acor<strong>do</strong>u. Ele mesmo guar<strong>do</strong>u o cavalo e dirigiu-se para o<br />

hotel. Já era tarde para outras coisas.<br />

Saltou uma cerca de madeira e avançava por uma<br />

estreita meia, quan<strong>do</strong> ouviu a voz:<br />

— Ei, senhor...<br />

Roque deteve-se e olhou as sombras. Quase não podia<br />

ver o homem, mas distinguia o brilho <strong>do</strong> revólver que ele<br />

empunhava. O homem estava bem protegi<strong>do</strong>, cola<strong>do</strong> na<br />

parede.<br />

— Mexa-se — resmungou o desconheci<strong>do</strong>.


Tenso, Roque começou a aproximar-se lentamente. Na<br />

realidade, esperava apenas encontrar um lugar para onde<br />

pudesse saltar. Um lugar que oferecesse alguma segurança.<br />

— Mais perto. Mais... — ordenava o homem. — Não<br />

tenha tanto me<strong>do</strong>.<br />

Roque entrou no beco. O movimento e uma nova<br />

sombra surpreenderam-no mas, ao mesmo tempo, puseram<br />

em andamento to<strong>do</strong>s os seus reflexos. E ele atuou com<br />

enorme rapidez. Em primeiro lugar, esquivou-se ao segun<strong>do</strong><br />

pistoleiro, que tinha apareci<strong>do</strong> por detrás de um barril.<br />

Compreendeu que a intenção daqueles homens era resolver<br />

sem ruí<strong>do</strong> aquele assunto. Foi fácil deduzir isso.<br />

O homem que estava coloca<strong>do</strong> atrás <strong>do</strong> barril atacou-o<br />

com uma faca. A arma mais silenciosa que há. Mas o<br />

pistoleiro falhou o alvo. Roque já estava de Josélhos,<br />

surpreenden<strong>do</strong>-os, uma vez que era evidente que não<br />

tencionavam disparar. No entanto, enquanto Roque tentava<br />

sacar a sua anua, o que o tinha ameaça<strong>do</strong> primeiro avançava<br />

para ele de revólver em riste, golpean<strong>do</strong> o ar, numa<br />

manobra destinada a aturdir Roque para que o outro pudesse<br />

atuar com a faca. Para Lance era incrível o que estava<br />

acontecen<strong>do</strong>. Não atingiu Roque com um só <strong>do</strong>s seus<br />

golpes. Por seu la<strong>do</strong>, o capitão usou até golpes baixos para<br />

poder livrar-se dele e controlar Witby, o da faca. Foi fácil<br />

afastar Lance. Acertou-lhe um feroz murro no estômago e o<br />

pistoleiro, com a boca bastante aberta, ofereceu um rosto<br />

estúpi<strong>do</strong> e desagradável. Tão desagradável, que Roque<br />

decidiu não tocá-la com as mãos. Preferiu aplicar uma<br />

patada violenta naquele rosto animalesco. Com um<br />

grunhi<strong>do</strong> de <strong>do</strong>r, Lance retrocedeu até chocar contra o barril<br />

atrás <strong>do</strong> qual se encontrava o companheiro. Estava tão perto


de Roque, que este, ainda que o lamentasse, teve que<br />

recorrer ao revólver. Fez isso em <strong>do</strong>is tempos. Primeiro,<br />

deixou-se cair no solo, senta<strong>do</strong>. Depois, sem tirar a arma <strong>do</strong><br />

coldre, disparou duas vezes.<br />

Witby estava quase em cima de Roque e recebeu as duas<br />

cargas de chumbo no ventre. Cambaleou e agitou-se com a<br />

faca ainda vibran<strong>do</strong> numa derradeira tentativa de atingir<br />

Roque. Por isso o capitão disparou mais uma vez. Acertou<br />

Witby na testa e o pistoleiro caiu no escuro e empoeira<strong>do</strong><br />

beco.<br />

— Maldito, você assim o quis...<br />

Lance não teve tempo de se arrepender de ter cometi<strong>do</strong> a<br />

imbecilidade de falar antes de apertar o gatilho. Disparou,<br />

mas suas balas cravaram-se na madeira de uma casa.<br />

Quanto a Roque, já numa posição mais cômoda, disparou<br />

contra as pernas dele. Lance era um idiota, sem dúvida.<br />

Inclinou-se para mudar de lugar e colocou sua cabeça bem<br />

na trajetória das balas de Roque. Morreu instantaneamente,<br />

de bruços, com o rosto mergulha<strong>do</strong> num charco.<br />

Já de pé, com o revólver fumegante na mão, Roque<br />

contemplou, os cadáveres. Witby estava de rosto para cima.<br />

Com a ponta da bota, o capitão voltou Lance. Enquanto<br />

recarregava a arma sorriu, notan<strong>do</strong> que ninguém se<br />

aproximava, nem sequer o comissário. Começou a andar<br />

sain<strong>do</strong> na rua principal. Seus pés ressoavam na calçada de<br />

tábuas, em direção à funerária. Na calçada em frente, um<br />

pouco para a esquerda, ficava o saloon. Ninguém ia<br />

aban<strong>do</strong>nar sua comodidade por causa de alguns disparos.<br />

Entrou na funerária. Num quarto pequeno <strong>do</strong>rmia o<br />

encarrega<strong>do</strong> das pompas fúnebres.<br />

— Acorde. Tem trabalho — gritou Roque, sacudin<strong>do</strong>-o.


O homem levantou-se de um salto.<br />

— Quem?... Que aconteceu?...<br />

— Tenha calma e venha comigo. Vamos recolher uns<br />

cadáveres.<br />

— A esta hora? Escute, amigo...<br />

Sem se perturbar, Roque jogou-lhe as calças e a camisa.<br />

Enfiou-lhe o velho chapéu na cabeça e obrigou-o a vestir-se<br />

mesmo por cima da camisola de <strong>do</strong>rmir. O homem<br />

compreendeu que era inútil protestar.<br />

— Onde estão eles? — grasnou.<br />

— No beco <strong>do</strong> ferreiro.<br />

— Está bem. Vou buscar o carro.<br />

— Mexa-se e traga um lampião.<br />

Pouco depois, o carro fúnebre saía com Roque e o<br />

funerário na boléia. O lampião oscilava com o trotar <strong>do</strong>s<br />

cavalos. Chegaram ao beco e Roque saltou, imita<strong>do</strong> pelo<br />

outro. Apontou os mortos com a cabeça.<br />

— Conhece-os?<br />

— Há uns quinhentos iguais a eles em Akron.<br />

— Carregue-os. Eu ajudarei. Deixe-os na funerária e<br />

procure fazer com que passe por lá o maior número de<br />

pessoas possível, amanhã, para ver se alguém presta alguma<br />

informação sobre eles. Entendi<strong>do</strong>?<br />

O agente funerário olhava para Roque, com surpresa.<br />

— Ei, que diabo! Você é o capitão Roque, que chegou<br />

esta manhã. E já está meti<strong>do</strong> em sarilhos?<br />

— Talvez. Vamos ao trabalho.<br />

Pegaram os cadáveres e os colocaram no carro. Pouco<br />

depois, avançava em direção à funerária.<br />

— Amanhã falaremos de novo — disse Roque. — De<br />

qualquer forma, mande ao hotel falar comigo qualquer


pessoa que tenha reconheci<strong>do</strong> algum desses caras.<br />

Entendeu?<br />

— Sim, sim.<br />

Roque pareceu desinteressar-se de tu<strong>do</strong>. No entanto era<br />

apenas uma impressão engana<strong>do</strong>ra. Na verdade, Roque<br />

tinha o olhar muito fixo em determina<strong>do</strong> ponto <strong>do</strong> povoa<strong>do</strong>,<br />

mais precisamente onde ficavam os escritórios de José<br />

Eldridge. Havia luz ali. Dois homens tinham apareci<strong>do</strong> na<br />

porta e logo se separaram. Num deles reconheceu José, que<br />

voltava para o interior da casa. O outro avançava pela ma<br />

principal.<br />

— Quem é aquele homem? — inquiriu, com indiferença.<br />

— Não sei — grunhiu o agente funerário. — Não é a<br />

primeira vez que o vejo mas não sei quem é.<br />

Parece comerciante.<br />

— Sabe o nome dele?<br />

— Não. Não acho que ele vá morrer por aqui. Veja, ele<br />

entrou no hotel.<br />

Sem responder, Roque afastou-se.<br />

CAPÍTULO QUARTO<br />

Uma mensagem misteriosa<br />

Como todas as noites, Kátia tinha saí<strong>do</strong> a cavalo, para<br />

dar uma volta pelos pastos onde engordava seu ga<strong>do</strong>. Mas<br />

naquela noite tu<strong>do</strong> seria diferente. E seria ainda mais, se<br />

Roque estivesse ali, com ela. O homem teria que se habituar<br />

à idéia de que não havia mais qualquer obstáculo ao amor<br />

entre eles.<br />

A meia lua que aparecia de vez em quan<strong>do</strong> entre as<br />

nuvens mostrava-se mais brilhante para Kátia, mais


majestosa. Depois de sua ronda habitual, conversan<strong>do</strong> aqui<br />

e ali com os vaqueiros, Kátia regressou ao rancho. Era<br />

pequeno e modesto, mas acolhe<strong>do</strong>r, limpo e bem cuida<strong>do</strong>.<br />

Ali ela ficara, na janela, horas inteiras, sonhan<strong>do</strong> ver<br />

aparecer, por aquelas colinas, um homem a quem amava. E,<br />

esta noite, ali estaria também, mas para agradecer.<br />

Amarrou o cavalo na barra diante da casa, entrou e<br />

pegou um lampião. Quan<strong>do</strong> deu <strong>do</strong>is passos no interior da<br />

sala, sentiu-se agarrada, quase sufocada, presa entre <strong>do</strong>is<br />

braços cujas mãos cheiravam a álcool.<br />

Ouviu-se uma voz:<br />

— Já pode acender a luz, Waxer.<br />

Enquanto Barber continuava <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> Kátia, Waxer<br />

acendeu o lampião. Smith estava também ali. Faltava<br />

apenas Tewmy, o magrinho vesti<strong>do</strong> de preto, que tinha<br />

fica<strong>do</strong> com a patroa. A luz <strong>do</strong> lâmpião, Kátia, lutan<strong>do</strong> para<br />

se libertar, olhava apavorada para Smith e Waxer. Não<br />

podia ver Barber, que a estava seguran<strong>do</strong> pelas costas.<br />

— Não grite, senhorita Farber. Verá como não acontece<br />

nada de mal — disse Barber.<br />

Retirou a mão que lhe tapava a boca.<br />

— Que querem? Quem...<br />

— Não se assuste. Nós somos tão amáveis, que, visto<br />

irmos fazer uma viagem, muito curta, permitimos que<br />

apanhe as coisas que podem lhe fazer falta. Tem <strong>do</strong>is<br />

minutos para isso.<br />

Kátia tinha se acalma<strong>do</strong>.<br />

— Que significa isto? Não penso viajar com nenhum de<br />

vocês.<br />

— É uma viagem muito curta, já lhe disse. Não<br />

complique as coisas — grunhiu Barber.


— Mas... Por que isso? Não tenho nada que vocês<br />

possam roubar.<br />

Barber adiantou o queixo; os olhos <strong>do</strong> barbu<strong>do</strong> Waxer<br />

brilharam. Smith continuava imóvel, mas algo estranho<br />

apareceu também em seus olhos.<br />

— Não temos que lhe dar explicações, boneca — disse<br />

Barber. — Mas não diga que não tem nada com valor. Tem<br />

e muito. Só que não é para nós. E se não quer apanhar as<br />

suas coisas, vamos embora. Só uma advertência. Se entrar<br />

em seu quarto será para levar objetos de uso pessoal. Não<br />

pense em pegar alguma arma. Como precaução, Smith vai<br />

com você.<br />

— Está bem — grunhiu o mestiço.<br />

Kátia mordeu o lábio inferior. Olhou com me<strong>do</strong> para<br />

Barber e murmurou:<br />

— Isto é coisa de José?<br />

Os <strong>do</strong>is homens olharam-se desconcerta<strong>do</strong>s.<br />

— Quase adivinhou, princesa.<br />

— Bem... Ele se arrependerá disto.<br />

Outra vez os homens voltaram a olhar-se. Alguma coisa<br />

parecia não combinar. Baxber ordenou:<br />

— Em marcha. Está claro que não precisa de nada.<br />

Obrigaram-na a sair. Desconfia<strong>do</strong>, Barber amordaçou<br />

Kátia. Montaram-na num cavalo e pouco depois os quatro<br />

partiam em galope modera<strong>do</strong>.<br />

* * *<br />

— Estão chegan<strong>do</strong>, senhora — disse Tewmy.<br />

— Eu ouvi-os chegar, Tewmy.<br />

Na verdade, os cascos <strong>do</strong>s cavalos ressoavam nas pedras<br />

que formavam aquela depressão perto da margem <strong>do</strong> South<br />

Platte River. De um la<strong>do</strong> havia uma fogueira, onde


Prudence costumava passar as horas noturnas, com o rosto<br />

avermelha<strong>do</strong> pelo resplen<strong>do</strong>r das chamas. Havia também<br />

um monte de sacos de viagem, selas e mantas.<br />

Os cavaleiros foram desmontan<strong>do</strong>. A última foi Kátia,<br />

que ficou de pé, diante de Prudence.<br />

— Está bem. Bom trabalho — disse Prudence.<br />

— Vai precisar de nós, senhora? — perguntou Barber.<br />

— É possível. Depende da senhorita Farber.<br />

Os homens chegaram-se para perto da fogueira,<br />

deixan<strong>do</strong> as duas mulheres sozinhas. Só a voz de Prudence<br />

chegava aos ouvi<strong>do</strong>s de Kátia.<br />

— Vamo-nos sentar nessas pedras, senhorita Farber? —<br />

perguntou Prudence. — Antes de qualquer coisa, quero<br />

dizer-lhe que não gostaria de fazer-lhe mal.<br />

— Quem é você? — murmurou Kátia.<br />

— Prudence. Mas isso não importa. Você não me<br />

conhece. Espero que José não lhe tenha fala<strong>do</strong> de mim.<br />

— Está-se referin<strong>do</strong> a José Eldridge?<br />

— Claro.<br />

— Ele nunca falou em você — disse Kátia.<br />

Prudence suspirou.<br />

— É natural. Você é noiva de José, não é verdade?<br />

Kátia esboçou um leve sorriso.<br />

— Receio que você esteja muito mal informada,<br />

Prudence — disse. — Não sou, nem serei nunca a noiva<br />

desse homem.<br />

Prudence franziu a testa.<br />

— Espere aí, senhorita Kátia. Acho que não me<br />

expliquei direito. Digamos que você não é a noiva de José.<br />

Mas ele tenta conseguir que seja. Certo?<br />

— Creio que sim. Tenta consegui-lo. Mas sem êxito.


— Muito bem, isso não interessa. Entenda, Kátia, que o<br />

que você sinta pelo José não importa, mas sim o que ele<br />

sente por você. Deu para entender?<br />

— Acho que não, Prudence.<br />

— Ora, é fácil. Não poderia obrigá-la a fazer nada em<br />

favor de José, certo?<br />

— Dificilmente.<br />

— José, por outro la<strong>do</strong>, está numa situação oposta. Faria<br />

qualquer coisa por você. Entende agora? Nós temos você,<br />

ele ama-a e, por isso, podemos fazer pressão sobre ele.<br />

— Agora compreen<strong>do</strong>.<br />

— Ótimo. É verdade mesmo que não o ama? Meus<br />

homens estiveram em Akron, toman<strong>do</strong> conhecimento da<br />

situação. José é um homem com poder no povoa<strong>do</strong>. Um<br />

homem rico, segun<strong>do</strong> parece.<br />

— Nunca poderia sentir nada por ele, Prudence.<br />

— Não o acha atraente?<br />

Kátia encolheu os ombros. Prudence parecia um pouco<br />

triste. Para surpresa de Kátia, murmurou:<br />

— Você está me dan<strong>do</strong> uma lição, Kátia.<br />

— Acredite, Prudence, não consigo entender tu<strong>do</strong> isto.<br />

Digamos que concor<strong>do</strong> que José fizesse alguma coisa por<br />

mim. Não estou muito segura mas deixemos as coisas<br />

assim.<br />

— É suficiente. Espero que você seja um bom trunfo na<br />

minha mão. Prometo evitar matá-la, inclusive fazer-lhe o<br />

menor dano. Acontece que segun<strong>do</strong> informam os meus<br />

homens, não seria fácil realizar a minha obra em Akron. E<br />

como os meios pouco importam, forjei o meu plano, de<br />

forma que você tome parte importante nele. Quer saber o<br />

que preten<strong>do</strong>?


— Claro.<br />

— Apenas que escreva um bilhete para José.<br />

— Um bilhete?<br />

— Isso mesmo. Uma mensagem um tanto misteriosa.<br />

Você não precisa pensar. Eu mesma ditarei. Você só<br />

escreve e assina. Estou convencida que fará efeito. Você é<br />

muito bonita.<br />

— Você também. É ainda mais bela <strong>do</strong> que eu. E se bem<br />

que você não me diga nada, é óbvio que exista algo pessoal<br />

entre você e José.<br />

— Sim — disse secamente Prudence, soltan<strong>do</strong> uma<br />

gargalhada. — Talvez um dia, Kátia, você conheça uma<br />

pequena história. Talvez muito breve. Está disposta a<br />

escrever esse bilhete?<br />

Kátia hesitava.<br />

— Não amo José, é verdade. Mas...<br />

— Não quero perder tempo. Mas, se você não colaborar,<br />

chamarei meus homens.<br />

Kátia olhou para o grupo que bebia café junto da<br />

fogueira e estremeceu.<br />

— Acredite, Kátia. Se você não ama José, não sente<br />

nada por ele, não se sacrifique. Ele é uma besta imunda.<br />

Não receie fazer-lhe mal. Escreva a mensagem que eu vou<br />

ditar. É preciso só que ele venha.<br />

— Não gosto de fazer mal a ninguém.<br />

— Eu sei. Conheço as pessoas, se bem que tenha<br />

aprendi<strong>do</strong> isso só há pouco tempo. Antes era uma ingênua.<br />

Você é uma garota magnífica, Kátia. Mas não pense em<br />

José. Pense em si mesma O meu caminho pode inundar-se<br />

de sangue. Nada me deterá. Não me obrigue a matá-la, nem<br />

a entrega-la a meus homens.


Kátia compreendeu que Prudence falava sério.<br />

— Suponho — disse por fim — que não posso escolher.<br />

— É verdade.<br />

— Então eu escrevo o bilhete.<br />

— Uma decisão sensata. Depois ficará entre nós. Mas<br />

nada receie. Ninguém se aproximará de você. Vamos, ainda<br />

que a nota só seja entregue amanhã, quero que a escreva<br />

agora mesmo.<br />

— Você amou José, não é verdade? Suponho que ele a<br />

aban<strong>do</strong>nou.<br />

— Não seja ingênua, Kátia. De certa forma, foi isso.<br />

Mas muito pior. Venha comigo.<br />

Kátia seguiu-a. Os pistoleiros, ven<strong>do</strong>-as moverem-se,<br />

olharam para elas. Tu<strong>do</strong> parecia ir bem e nenhum deles se<br />

mexeu. A própria Prudence acendeu uma vela e entregou<br />

papel e lápis a Kátia.<br />

* * *<br />

Com a testa franzida, José Eldridge, sozinho em seu<br />

escritório, estava len<strong>do</strong> o bilhete:<br />

Esta noite, às nove, estarei na Passagem <strong>do</strong> Enterro.<br />

Estive meditan<strong>do</strong> muito e preciso falar com você. Peço que<br />

ti<strong>do</strong> falte, José. E, por favor, seja discreto. Kátia.<br />

Pensativo, José <strong>do</strong>brou a mensagem e guar<strong>do</strong>u-a no<br />

bolso <strong>do</strong> paletó. Acendeu um charuto e aproximou-se da<br />

porta.<br />

— Felipe! — chamou.<br />

Segun<strong>do</strong>s mais tarde, Felipe Samish entrava no<br />

escritório, com o seu cabelo loiro caí<strong>do</strong> para a testa e os<br />

olhos azuis.<br />

— Aconteceu alguma coisa, José?


— De onde saiu o bilhete que você me entregou?<br />

Felipe encolheu os ombros.<br />

— Quan<strong>do</strong> entrei no escritório ele estava no chão.<br />

Alguém deve tê-lo meti<strong>do</strong> por debaixo da porta. São más<br />

notícias?<br />

Eldridge passou a mão pelo queixo.<br />

— Não sei — grunhiu. — Há coisas que não consigo<br />

entender nas mulheres. Bem, vamos esquecer isto. Temos<br />

assuntos mais importantes para discutir.<br />

— E que vamos discutir? Roque acabou com Lance e<br />

Witby. Estão na funerária...<br />

José chupou o charuto.<br />

— Precisamos acabar com ele. Eu cuidarei disso e<br />

tomarei medidas de segurança. As coisas estão toman<strong>do</strong> um<br />

aspecto que não me agrada. Nada conseguimos saber sobre<br />

os autênticos responsáveis pelo incêndio de ontem à noite.<br />

Isso me deixa preocupa<strong>do</strong>. Esteve aqui o senhor Gwillin.<br />

Também ele não sabe nada. Estava alarma<strong>do</strong> e receoso. E<br />

eu também.<br />

— Diga o que eu devo fazer.<br />

— Esse é que é o problema. Você não tem idéias. E há<br />

outra coisa. Ainda não sei o que fazer. Para já, era preciso<br />

encontrar os que incendiaram os <strong>do</strong>rmentes. Por outro la<strong>do</strong>,<br />

é urgente acabar com Roque.<br />

— E ai começa o sarilho. Bem sei que é preciso matá-lo.<br />

Mas o exército, como é lógico, não se conformará com a<br />

morte de um envia<strong>do</strong> especial.<br />

— E daí, Felipe? Os sabota<strong>do</strong>res ficariam com a culpa.<br />

— Mas os sabota<strong>do</strong>res somos nós, José.<br />

— Até agora, sim. Mas parece que você esqueceu que há<br />

outros. Creio até que esses novos sabota<strong>do</strong>res nos vão ser


muito úteis. Pelo menos para levarem a culpa da morte de<br />

Roque.<br />

— Mas, primeiro, precisamos encontrá-los.<br />

— Claro. Temos gente para isso.<br />

— Já estão procuran<strong>do</strong>.<br />

— Ótimo. Só temos que esperar. Logo que eles<br />

informem, agiremos. Antes <strong>do</strong> anoitecer, você terá<br />

instruções. Eu tenho uma entrevista esta noite — sorriu.<br />

— A mensagem? — inquiriu Felipe, com mau mo<strong>do</strong>.<br />

— É. Vá ao seu trabalho.<br />

— Não gosto que você me trate como um escravo...<br />

— Fora daqui!<br />

CAPITULO QUINTO<br />

Um erro lamentável<br />

Enquanto descia as escadas que conduziam ao vestíbulo<br />

<strong>do</strong> hotel, Roque ajeitava os revólveres. Viu aquele homem,<br />

com uma maleta na mão, que parecia um negociante e que<br />

na noite anterior saíra <strong>do</strong> escritório de José Eldridge. Nesse<br />

momento, estava aban<strong>do</strong>nan<strong>do</strong> o hotel. O capitão<br />

aproximou-se <strong>do</strong> balcão onde estava o recepcionista, um<br />

homem de longos bigodes, que se endireitou.<br />

— Alguma coisa, capitão?<br />

Roque esboçou um breve sorriso.<br />

— Apenas uma reclamação, Charly.<br />

Charly alisou o bigode e fechou um olho.<br />

— Pois não. Queira dizer...<br />

— Na verdade, não diz respeito ao hotel, tranqüilize-se.<br />

É sobre os clientes <strong>do</strong> hotel. Ou, melhor, sobre um deles.<br />

— Se alguém o incomoda...


— Aí é que está o problema. É uma coisa involuntária.<br />

Esta noite eu quase não consegui <strong>do</strong>rmir, Charly. O hóspede<br />

<strong>do</strong> quarto ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> meu ronca escandalosamente. Refirome<br />

a esse homem que acaba de sair...<br />

— Sei. Lamento muito. Se quiser, posso mudá-lo de<br />

quarto. O senhor Gwillin já esteve aqui outras vezes e não<br />

recebi nunca uma queixa nesse senti<strong>do</strong>...<br />

— Não se preocupe, Charly. Afinal, esses roncos devem<br />

vir de uma consciência tranqüila, num sono repara<strong>do</strong>r.<br />

— Sem dúvida. O senhor Gwillin é uma pessoa muito<br />

decente. Vende relógios. Aparece por aqui de vez em<br />

quan<strong>do</strong> e dá uma volta pela região. Veja — o emprega<strong>do</strong><br />

tirou um relógio <strong>do</strong> bolso <strong>do</strong> paletó. — Foi ele que me<br />

ofereceu.<br />

— É um ótimo relógio. Bem, esqueça minha<br />

reclamação, Charly.<br />

— Como quiser, capitão.<br />

Roque fez um gesto de despedida e aban<strong>do</strong>nou o hotel.<br />

Na varanda ficou observan<strong>do</strong> a rua. Um homem escondi<strong>do</strong><br />

com um rifle pode aparecer a qualquer momento. Mas nada<br />

viu. Também não era muito provável que o atacassem em<br />

plena luz <strong>do</strong> dia. Mas não podia esquecer os <strong>do</strong>is homens da<br />

noite anterior. Por isso dirigiu-se para a funerária.<br />

O movimento na cidade era pequeno, devi<strong>do</strong> à<br />

paralisação da estrada de ferro. Também na funerária não<br />

havia movimento. Estava lá apenas o agente, que veio ao<br />

encontro de Roque, quan<strong>do</strong> o viu.<br />

— Alguma novidade? — perguntou Roque.<br />

— Não, capitão. Passou por aqui muita gente mas<br />

ninguém reconheceu esses <strong>do</strong>is.


Roque ficou um instante pensativo. Depois de alguns<br />

segun<strong>do</strong>s, encolheu os ombros.<br />

— Enterre-os quan<strong>do</strong> quiser.<br />

Saiu da funerária. Precisava seguir as marcas deixadas<br />

por aqueles quatro cavaleiros que, segun<strong>do</strong> pensava, tinham<br />

provoca<strong>do</strong> o incêndio <strong>do</strong>s <strong>do</strong>rmentes da estrada de ferro.<br />

Foi até o estábulo, onde o encarrega<strong>do</strong> já estava encilhan<strong>do</strong><br />

seu cavalo.<br />

— Estará pronto dentro de <strong>do</strong>is minutos, capitão.<br />

— Obriga<strong>do</strong>. Ande logo.<br />

Começou a enrolar um cigarro, enquanto esperava.<br />

Viu o cavaleiro, um homem de quase setenta anos, rosto<br />

curti<strong>do</strong>, que se aproximava <strong>do</strong> estábulo. Tinha aspecto de<br />

vaqueiro. E se isso não bastasse, o cheiro de ga<strong>do</strong><br />

denunciava-o. O homem apresentava um ar grave, quan<strong>do</strong><br />

assomou a cabeça pela porta <strong>do</strong> estábulo.<br />

— Stanleyt — chamou.<br />

— Você, por aqui, Bifl? — inquiriu o encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

estábulo.<br />

— Estou procuran<strong>do</strong> minha patroa, <strong>do</strong>na Kátia. Se ela<br />

está no povoa<strong>do</strong>, deve ter deixa<strong>do</strong> o cavalo aqui.<br />

— Não, Bill. Não a vi.<br />

— Que diabo!... Isso é estranho...<br />

— Está acontecen<strong>do</strong> alguma coisa?<br />

— Esta manhã, como de costume, eu fui ao rancho para<br />

tomar o café que a patroa prepara e não havia nada. Nem<br />

café, nem patroa. Dei uma volta pela casa e posso jurar que<br />

ela não passou lá a noite. Nunca aconteceu uma coisa assim.<br />

Estou muito preocupa<strong>do</strong>.<br />

— Sim, realmente isso é muito estranho. Você procurou<br />

por outros lugares <strong>do</strong> rancho?


— Cada polegada dele, Stan... Não estou gostan<strong>do</strong> disto.<br />

Vou falar com o comissário.<br />

— Bem, também não precisamos ficar assusta<strong>do</strong>s...<br />

Os <strong>do</strong>is homens continuaram falan<strong>do</strong>. Roque recompôsse<br />

da palidez que tomava conta de seu rosto. Levantou-se e<br />

saiu, sem avisar o homem <strong>do</strong> estábulo.<br />

Quan<strong>do</strong> já estava atravessan<strong>do</strong> a rua coberta de poeira, a<br />

silhueta <strong>do</strong> capitão tinha algo de ameaça<strong>do</strong>r. Dirigiu-se para<br />

os escritórios da estrada de ferro.<br />

Havia gente na porta, como era hábito. Roque entrou,<br />

sem que o impedissem. Era suficientemente conheci<strong>do</strong>. Lá<br />

dentro, com os cotovelos apoia<strong>do</strong>s no balcão, fuman<strong>do</strong> um<br />

<strong>do</strong>s charutos <strong>do</strong> patrão, estava Felipe, que não pôde evitar<br />

uma careta de contrariedade, ven<strong>do</strong> Roque entrar.<br />

— Alguma novidade, Roque? — inquiriu Felipe,<br />

levantan<strong>do</strong>-se.<br />

— Mais de uma, Felipe. Preciso falar com José.<br />

— Terá que esperar um pouco, Roque. Ele está ocupa<strong>do</strong>.<br />

— É tão urgente que não posso esperar.<br />

— Cuida<strong>do</strong>, Roque. É preciso fazer bem as coisas.<br />

— Afaste-se.<br />

Felipe tinha-se movi<strong>do</strong> para a esquerda, obstruin<strong>do</strong> a<br />

entrada. Ficaram frente a frente, com uma desproporção de<br />

forças evidente que favorecia Roque. Felipe pestanejou,<br />

furioso, assusta<strong>do</strong> e indeciso.<br />

— Espere, Roque. José está com uma visita. Não custa<br />

nada aguardar uns minutos.<br />

— Suma da minha frente, Felipe.<br />

— Pense bem. Vamos, que aconteceu com você? Está<br />

com uma cara esquisita...<br />

— E isso não lhe diz nada?


— Não, Roque. É melhor que...<br />

Roque Savajo não perdeu mais tempo. Felipe não<br />

esperava por aquilo. Assim, não pôde evitar que o punho de<br />

Roque se afundasse em seu estômago. Foi um golpe duro,<br />

violento. Felipe <strong>do</strong>brou-se gemen<strong>do</strong> e o charuto saltou de<br />

sua boca. Roque golpeou-o no mesmo lugar e Felipe<br />

<strong>do</strong>brou-se mais ainda. Antes que pudesse reagir, Roque<br />

segurou-o pelos cabelos louros e sujos e voltou a golpeá-lo<br />

no estômago. Depois, com uma sonora bofetada, afastou-o<br />

para um la<strong>do</strong>. Roque avançou para a porta <strong>do</strong> escritório,<br />

enquanto Felipe caía senta<strong>do</strong>, fitan<strong>do</strong>-o com ódio.<br />

— Devia matá-lo, mas vou conceder-lhe ainda o<br />

benefício da dúvida — disse Roque, voltan<strong>do</strong>-se.<br />

Abriu a porta sem chamar. Sem violência, mas com<br />

firmeza.<br />

Os <strong>do</strong>is homens fitaram-no, surpresos. Roque avançou<br />

para José e Gwillin, com uma expressão nublada no rosto.<br />

Havia ali outra coisa interessante. Dinheiro. Montes de<br />

notas empilhadas sobre a mesa. Pelo menos uns cinqüenta<br />

mil dólares. E, sobre a mesa, estava também a maleta de<br />

Gwillin, onde ele guardava os relógios. Sem olhar<br />

diretamente para Gwillin, Roque avançou para José.<br />

— Tire esse homem daqui, José — ordenou.<br />

— Roque... Que aconteceu?<br />

— É melhor resolvermos isto só entre nós <strong>do</strong>is.<br />

— Mas...<br />

— Ou você o tira daqui, ou eu mesmo farei isso.<br />

— O senhor Gwillin é...<br />

— Eu sei. Vende relógios. E emprega um capital<br />

surpreendente, a avaliar pelo que vejo — pegou o dinheiro,


deixan<strong>do</strong> cair um bom punha<strong>do</strong> de notas no solo. — Digalhe<br />

para sair, José.<br />

José Eldridge estava páli<strong>do</strong>. Semicerrou os olhos e<br />

murmurou:<br />

— Depois continuaremos nossa conversa, senhor<br />

Gwillin. Como vê, tenho um assunto pessoal a tratar. Não<br />

deve ser nada importante.<br />

Gwillin, que não parecia nada assusta<strong>do</strong>, decidiu sair<br />

dali sem abrir a boca. Quan<strong>do</strong> ele estava sain<strong>do</strong>, Felipe,<br />

vermelho de raiva, com o revólver na mão direita, tentava<br />

entrar. Parecia uma fera rugin<strong>do</strong> e olhan<strong>do</strong> para Roque,<br />

mas, com um sorriso, José ordenou:<br />

— Rua, estúpi<strong>do</strong>! Roque está engana<strong>do</strong> e eu mostrarei<br />

isso.<br />

Por fim, Felipe e Gwillin deixaram Roque e José a sós.<br />

— Muito bem, Roque. Diga o que quer.<br />

— Que fez você com Kátia?<br />

Surpreendi<strong>do</strong>, José começou a esboçar um sorriso.<br />

— Não estou entenden<strong>do</strong>... Que há com Kátia?<br />

— Ontem à noite você man<strong>do</strong>u seus homens me<br />

matarem. Ao mesmo tempo, pelo que pude saber,<br />

seqüestrou Kátia. Muito bem, José. Quase me alegro que a<br />

situação tenha toma<strong>do</strong> este caminho. É óbvio, e você bem<br />

sabe, que não gosto de você. Nunca gostei. Nunca foi mais<br />

que um cão a quem to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> agradeceu por ter deixa<strong>do</strong><br />

o uniforme.<br />

— Um momento, Roque. É uma besteira isso de eu ter<br />

manda<strong>do</strong> homens matarem você. Por que iria fazer isso?<br />

— Você não se resigna a perder Kátia.<br />

— Escute, não me conformo, é verdade. No entanto, dai<br />

a querer matar você e seqüestrá-la, vai um abismo. Roque,


não sei o que aconteceu com ela mas, seja o que for, não<br />

tem relação comigo.<br />

— Basta! — quase gritou Roque.<br />

Adiantou as mãos e segurou José pela gola <strong>do</strong> elegante<br />

paletó. Com um violento puxão fê-lo passar por cima da<br />

mesa, arrastan<strong>do</strong> papéis e notas, que caíram ao chão. José,<br />

furioso e humilha<strong>do</strong>, tentou soltar-se, jogan<strong>do</strong> com força o<br />

joelho para frente, tentan<strong>do</strong> atingir Roque no baixo-ventre.<br />

Mas este já se tinha desloca<strong>do</strong> e o golpe acertou-o na perna,<br />

já sem força. Um direto potente lançou ice contra a parede<br />

<strong>do</strong> escritório. Com um fio de sangue corren<strong>do</strong> <strong>do</strong>s lábios,<br />

José sacudiu a cabeça.<br />

Foi auxilia<strong>do</strong> por duas secas bofetadas, que o fizeram<br />

reagir, louco de raiva. De pouco lhe serviu a ira. Com<br />

frieza, Roque castigou-o várias vezes no estômago, nos rins,<br />

na garganta e quase lhe arrancou uma sobrancelha.<br />

— Espere... espere, Roque — gaguejou. — Você vai ter<br />

que me pedir perdão. E eu não esquecerei isto facilmente.<br />

Diante dele, um sinistro Roque viu que José metia a mão<br />

no bolso pequeno da jaqueta. Sorriu, deixan<strong>do</strong> a mão voar<br />

para a coronha <strong>do</strong> revólver, mas o outro estava extrain<strong>do</strong> já<br />

um papel.<br />

— Bem... Leia isso, Roque — disse José.<br />

Roque arrebatou-lhe o papel <strong>do</strong>s de<strong>do</strong>s. Olhou um<br />

instante para o arrasa<strong>do</strong> Eldridge, com o rosto cheio de<br />

sangue, e depois leu rapidamente o bilhete. Voltou a lê-lo,<br />

terrivelmente páli<strong>do</strong>. Olhou para José.<br />

— E agora? — perguntou José.<br />

Roque tinha perdi<strong>do</strong> a fala. José levantou-se.<br />

— E agora, Roque? — repetiu, furioso.<br />

— Bem...


— Confesso que me surpreendeu este bilhete. Chegou<br />

esta manhã muito ce<strong>do</strong>. No entanto, as mulheres são mesmo<br />

assim. Pode ser que depois de refletir, ela tenha decidi<strong>do</strong><br />

decepcionar você mais uma vez. Não sei.<br />

Roque inclinou a cabeça. Sentia <strong>do</strong>r e tristeza. Mais <strong>do</strong><br />

que isso. Sentia-se burla<strong>do</strong>. No entanto, não quis mostrar<br />

fraqueza diante de José.<br />

— Lamento, José. Você devia ter começa<strong>do</strong> por aí.<br />

— Era um assunto muito pessoal. Amo Kátia mas não<br />

preciso rir-me de você por isso.<br />

Roque fez uma careta que pretendia ser um sorriso.<br />

— Muito delica<strong>do</strong> da sua parte, José — ironizou.<br />

— Repito: e agora?<br />

— Já lhe disse que lamento.<br />

José apertou as mãos. Por um momento parecia disposto<br />

a lançar-se sobre Roque, mas acabou soltan<strong>do</strong> um suspiro.<br />

— Está bem, vou esquecer isso. Que vai fazer agora,<br />

Roque?<br />

— Cheguei a Akron para resolver um assunto e não o<br />

resolvi ainda.<br />

— Vai trabalhar, então?<br />

— Vou continuar trabalhan<strong>do</strong>. Localizei um rastro que<br />

penso seguir totalmente. Adeus, José.<br />

— Espere. As mulheres, às vezes...<br />

— Pare com explicações. Sinto-me ridículo. Para mim<br />

chega. Não sei quan<strong>do</strong> vou voltar. Posso demorar umas<br />

horas ou uns dias. Quan<strong>do</strong> localizar os sabota<strong>do</strong>res, verei o<br />

que fazer.<br />

— Se precisar de ajuda...<br />

— Por agora, não.


— Boa sorte, então, Sem ironia. Afinal, você está<br />

trabalhan<strong>do</strong> a favor <strong>do</strong>s meus interesses.<br />

— Mais ironia <strong>do</strong> que isso? — grunhiu Roque.<br />

— Escute...<br />

Roque não quis ouvir mais. Voltou-lhe as costas e saiu<br />

<strong>do</strong> escritório. Felipe ainda estava ali, grunhin<strong>do</strong> de raiva,<br />

sem soltar o revólver. Roque lançou-lhe um olhar de<br />

desprezo e passou diante dele. Felipe levantou a arma e<br />

apontou-a para as costas de Roque mas, naquele instante,<br />

José apareceu na porta.<br />

— Que vai fazer, cachorro estúpi<strong>do</strong>?<br />

— Vou ma...<br />

— Suma daqui.<br />

— Não me fale desse jeito! — gritou Felipe.<br />

José compôs uma expressão de infinita paciência.<br />

— Por favor, Felipe. Quer entrar no meu escritório para<br />

que a gente fale como pessoas sensatas e inteligentes?<br />

— Não zombe.<br />

— Você quer entrar, ou não?<br />

Roque já tinha deixa<strong>do</strong> os escritórios e Felipe guar<strong>do</strong>u a<br />

arma, seguin<strong>do</strong> José. Depois de fecharem a porta,<br />

resmungou:<br />

— Não vou per<strong>do</strong>ar Roque. E veja como ele deixou a<br />

sua cara...<br />

— E acha que eu vou per<strong>do</strong>ar-lhe? Cale-se e escute.<br />

Roque encontrou rastros das pessoas que incendiaram os<br />

<strong>do</strong>rmentes. São os sabota<strong>do</strong>res inespera<strong>do</strong>s que precisamos<br />

encontrar. Roque os achará. Quan<strong>do</strong> ele fareja alguma<br />

coisa, encontra-a nem que seja no inferno. Seguin<strong>do</strong> Roque,<br />

conseguiremos localizar os sabota<strong>do</strong>res e deixar com eles o<br />

cadáver <strong>do</strong> nosso amigo capitão. Em poucas horas teremos


isto resolvi<strong>do</strong>. Depois traremos to<strong>do</strong>s os cadáveres para<br />

aqui. Será um êxito total. E eu, esta noite, vou celebrá-lo.<br />

— Dito assim, parece tão fácil...<br />

— E é Felipe. Vamos acabar com o nosso inimigo de<br />

uma vez.<br />

— Está bem. Darei novas instruções aos rapazes Até<br />

logo.<br />

CAPITULO SEXTO<br />

Dois cavalos sem cavaleiros<br />

Quan<strong>do</strong> Roque saiu <strong>do</strong>s escritórios de José, sentia-se<br />

deprimi<strong>do</strong>, derrota<strong>do</strong> numa parte de si mesmo. Mas<br />

precisava esquecer o amor, erguer uma barreira de pedra em<br />

seu coração. Por isso dirigiu-se ao estábulo, disposto a<br />

esquecer Kátia e continuar com seu trabalho. Estava<br />

chegan<strong>do</strong> ao estábulo quan<strong>do</strong> avistou Gwillin, que<br />

desamarrava um cavalo da barra diante <strong>do</strong> hotel. Tinha<br />

fixa<strong>do</strong> sua maleta na garupa <strong>do</strong> cavalo e montou, não<br />

propriamente como um grande cavaleiro. Parecia ser um<br />

pouco pesa<strong>do</strong>. Saiu da cidade pelo la<strong>do</strong> norte.<br />

Sem trocar uma palavra com Stanley, o encarrega<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

estábulo, Roque pegou seu cavalo e montou, sain<strong>do</strong> a<br />

galope da cidade, em direção contrária à que seguira<br />

Gwillin. Efetuou um amplo rodeio, sempre a galope, e<br />

acabou colocan<strong>do</strong>-se na dianteira <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r de relógios,<br />

que continuava com o animal a trote ou a passo. Avistou-o<br />

entre os arbustos de uma colina e decidiu aumentar a<br />

vantagem que levava.


Viu um pequeno lago pouco depois e desmontou aí.<br />

Deixou que o cavalo pastasse livremente e dedicou-se à<br />

tarefa de enrolar um cigarro.<br />

Semicerrou os olhos. Distinguiu, ao longe, a carreta de<br />

Sam Dunn, sacolejan<strong>do</strong> pelo caminho empoeira<strong>do</strong>. Já podia<br />

ver o velho, na boléia, morden<strong>do</strong> o cachimbo sem fumo.<br />

Em poucos segun<strong>do</strong>s, idealizou um plano. Olhou para o<br />

cavalo e preferiu deixá-lo junto <strong>do</strong> lago, pastan<strong>do</strong>, enquanto<br />

ele se lançava colina abaixo, ao encontro <strong>do</strong> velhote. Sam<br />

Dunn abriu os olhos de surpresa, ven<strong>do</strong> aparecer, na beira<br />

<strong>do</strong> caminho, o capitão, a pé e alaga<strong>do</strong> em suor.<br />

— Ei, senhor Roque. Aconteceu alguma coisa?<br />

— Pare, por favor, Sam.<br />

— Pois não. Ei, amigos, quietos... — gritou para os<br />

animais, que se detiveram de súbito.<br />

Roque saltou para a boléia, sentan<strong>do</strong>-se ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

abisma<strong>do</strong> Sam Dunn.<br />

— Tive que matar meu cavalo faz cinco minutos, Sam<br />

— disse.<br />

— Puxa, que pena! Um bom cavalo é sempre um amigo,<br />

não?<br />

— Quebrou uma pata. Você vai para a cidade?<br />

— Claro. Também tenho que comer hoje, não? Roque<br />

esboçou um sorriso.<br />

— Então, pode me dar uma carona, não?<br />

— Claro.<br />

— Obriga<strong>do</strong>, Sam.<br />

— Encanta<strong>do</strong>, capitão. Ouvi dizer que ontem à noite<br />

quiseram matá-lo e teve que acabar com <strong>do</strong>is homens...<br />

Chega uma altura em que uma pessoa, com o passar <strong>do</strong>s


anos, não liga mais para heroísmo. Hei, que está fazen<strong>do</strong>,<br />

capitão?<br />

— Não gosto <strong>do</strong> sol. Debaixo da lona estarei melhor.<br />

— Mas...<br />

— Vamos, Sam. Continue.<br />

— Como quiser, capitão...<br />

Saiu encolheu os ombros e a carroça prosseguiu sua<br />

marcha, com o velho decepciona<strong>do</strong> na boléia. Demorou um<br />

pouco até que os olhos já fracos de Sam descobrissem o<br />

cavaleiro que avançava em senti<strong>do</strong> contrário, com a<br />

montaria a passo. O velhote levou um susto, quan<strong>do</strong> ouviu a<br />

voz de Roque.<br />

— Quan<strong>do</strong> chegar diante desse cavaleiro, pare, Sam.<br />

— Por quê...<br />

— Depois eu lhe explicarei.<br />

— Será que o cara?... Escute, esse é Gwillin, o <strong>do</strong>s<br />

relógios.<br />

— Eu sei. Mas você acha que ele pode ser <strong>do</strong>no de<br />

cinqüenta mil dólares?<br />

— Nossa!<br />

— Pois ele tem esse dinheiro. Ou tinha. Talvez mais.<br />

— Não é possível que...<br />

— Agora fique cala<strong>do</strong>, Sam. E lembre-se. Pare diante<br />

dele.<br />

Um pouco nervoso, Sam continuou seu caminho, até que<br />

se deteve, a pouca distancia de Gwillin. O vende<strong>do</strong>r<br />

esboçou um sorriso.<br />

— Um relógio, Sam? A passagem <strong>do</strong> tempo interessa a<br />

to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong>.<br />

— Hum... Talvez noutra ocasião, senhor Gwillin.<br />

— Ainda um dia vou convencer você, Sam.


Ia passar de largo quan<strong>do</strong> naquele momento, por detrás<br />

de Sam, apareceu um braço, empunhan<strong>do</strong> um feio revólver,<br />

aponta<strong>do</strong> para o relojoeiro.<br />

— Talvez eu seja mais fácil de convencer <strong>do</strong> que Sam,<br />

Gwillin. Desmonte e suba para a carroça.<br />

Gwillin tinha empalideci<strong>do</strong>. Sua expressão não era mais<br />

a de um pacifico vende<strong>do</strong>r de relógios. Estava tenso e seu<br />

braço direito tinha inclusive realiza<strong>do</strong> um leve movimento<br />

em direção ao bolso da jaqueta. Mas o sorriso seco e a arma<br />

empunhada por Roque fizeram-no mudar de opinião.<br />

Desmontou.<br />

— Pegue o mostruário e suba. Passe pela boléia.<br />

— Escute, se isto é um assalto, meus relógios têm um<br />

valor bem limita<strong>do</strong>.<br />

— Depois a gente fala disso. Agora suba.<br />

Sam estava emociona<strong>do</strong>. Via em Gwillin uma atitude<br />

bem estranha. E um aspecto mais enérgico.<br />

O vende<strong>do</strong>r ia pegar a maleta e subir para a carroça, mas<br />

Roque ainda ordenou:<br />

— Espante o cavalo, Gwillin.<br />

O homem ainda hesitou, mas acabou vibran<strong>do</strong> uma<br />

sonora palmada nos flancos <strong>do</strong> animal, que relinchou e<br />

partiu a galope, sem direção.<br />

— Isso mesmo. Suba. Se alguém vir o cavalo, imaginará<br />

que você sofreu algum acidente, o que não deixa de ser<br />

verdade, até certo ponto.<br />

Pouco depois, o vende<strong>do</strong>r de relógios estava na carroça.<br />

Tentou reagir mas a arma de Roque, apertada contra sua<br />

garganta, dissuadiu-o da idéia.


— Fique quieto, Gwillin — grunhiu Roque. — Sam,<br />

será que pode prosseguir viagem? Ainda vamos demorar<br />

uma hora, até chegarmos a Akron, não?<br />

— Mais ou menos isso, capitão.<br />

O revólver de Roque continuava encosta<strong>do</strong> na garganta<br />

de Gwillin e este temia que, por causa de algum <strong>do</strong>s saltos<br />

que a carroça dava, ele disparasse, acaban<strong>do</strong> com sua vida.<br />

— Muito bem, Gwillin. Você é um modesto comerciante<br />

de relógios, não é verdade?<br />

— To<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> sabe disso, em Akron. Esta sua<br />

loucura vai lhe custar...<br />

— Depois a gente fala disso. Agora, me diga, de onde<br />

tirou esses cinqüenta mil dólares?<br />

— Não tirei nada de...<br />

— Eu vi, Gwillin. Você entregou esse dinheiro a<br />

Eldridge.<br />

— Bem...<br />

— Continue, amigo.<br />

— Bem, isso foi uma operação entre Eldridge e eu...<br />

— Que operação?<br />

— Não é da sua conta. Sou um homem livre e posso<br />

negociar o que me apetecer — grunhiu Gwillin.<br />

— Desde que seja legal...<br />

— Meus negócios.<br />

De repente, as costas da mão de Roque estalaram contra<br />

os lábios de Gwillin. O inespera<strong>do</strong> <strong>do</strong> golpe jogou o<br />

vende<strong>do</strong>r de relógios de costas contra a lona. Quis reagir<br />

mas deparou com a ponta da bota de Roque em sua boca.<br />

Foi um golpe seco, que quebrou o lábio inferior de Gwillin<br />

e lhe arrancou um dente.


— Quem é você, Gwillin? Qual é sua verdadeira<br />

personalidade?<br />

— Sou vende<strong>do</strong>r de relógios...<br />

— Deve ser algo relaciona<strong>do</strong> com a estrada de ferro. E<br />

esses cinqüenta mil dólares. Será melhor responder.<br />

Qualquer pessoa imaginaria que se trata <strong>do</strong> pagamento que<br />

você fez a Eldridge por algum serviço especial. Sabotagem,<br />

não?<br />

O homem tinha empalideci<strong>do</strong> mais ainda. Olhava para<br />

Roque com os olhos muito abertos e tentava limpar o<br />

sangue que lhe escorria da boca.<br />

— Você está louco..<br />

— É possível. Mas a lei saberá investigar a proveniência<br />

e o motivo desse dinheiro que circula entre você e Eldridge.<br />

E se você é, realmente, Gwillm, o vende<strong>do</strong>r de relógios. Eu<br />

juraria que não...<br />

O homem tentava encontrar uma saída para a delicada<br />

situação.<br />

— Então, está disposto a falar, Gwillin? — inquiriu<br />

Roque.<br />

— Nada tenho a falar.<br />

— Explique claramente a procedência desse dinheiro. E<br />

seu relacionamento com Eldridge.<br />

— Não tenho nada para explicar.<br />

— Muito bem. Sam!<br />

— Pois não, capitão.<br />

— Pode conduzir a carroça pela parte de fora da cidade,<br />

sem chamar a atenção até aos fun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> escritório <strong>do</strong><br />

comissário?<br />

— Claro.<br />

— Ótimo. Então, vamos.


— Mas, esse cara, então... Quer dizer que ele e Eldridge<br />

estiveram jogan<strong>do</strong> sujo e nos enganan<strong>do</strong>?<br />

— Gwillin diz que não, Sam. O que você acha?<br />

— Que não gostei nada <strong>do</strong> que descobri nele. Aperte-o,<br />

capitão. Aperte-o, que esse cara tem muito para falar.<br />

Roque riu brevemente.<br />

— Estou de acor<strong>do</strong> com você. Mas vamos fazer as<br />

coisas direito. Agora, vamos, como se nada tivesse<br />

aconteci<strong>do</strong>.<br />

Sam olhou para trás, franzin<strong>do</strong> a testa, encaran<strong>do</strong><br />

Gwillin, que parecia estar encurrala<strong>do</strong>.<br />

— Me deixa dar um pontapé nesse bicho, capitão.<br />

— Não. Vamos fazer as coisas como devem ser.<br />

— Bom, e uma cusparada?<br />

— Bem, talvez seja pior <strong>do</strong> que um pontapé, mas isso<br />

não mata.<br />

— Então, tome, seu porco!<br />

A cusparada certeira de Sam acertou Gwillin num olho.<br />

O vende<strong>do</strong>r de relógios tentou reagir mas Roque estava<br />

disposto a fazer tu<strong>do</strong> como tinha planeja<strong>do</strong>. Por isso aplicou<br />

uma forte coronhada na testa de Gwillin, deixan<strong>do</strong>-o<br />

desacorda<strong>do</strong>. Depois procurou na carroça, até encontrar<br />

cordas, com que amarrou o prisioneiro, amordaçan<strong>do</strong>-o com<br />

um lenço que retirou de seu próprio bolso.<br />

— Um pouco mais depressa, Sam. Quan<strong>do</strong> chegarmos<br />

ao estábulo <strong>do</strong> comissaria<strong>do</strong>, avise o comissário. Eu ficarei<br />

aqui, oculto, com Gwillin.<br />

* * *<br />

O comissário Mad<strong>do</strong>x começou a suar. Queria<br />

dissimular sua surpresa mas não conseguia.


— Depressa — disse Roque. — Ajude-me. Não esqueça<br />

que estamos em pleno dia.<br />

Era verdade, se bem que Sam tivesse coloca<strong>do</strong> a carroça<br />

de forma que era muito difícil alguém ver, da rua, o que<br />

estava acontecen<strong>do</strong>. Assim, o comissário e o capitão<br />

descarregaram o ata<strong>do</strong> e amordaça<strong>do</strong> Gwillin, enquanto<br />

Sam vigiava.<br />

— Vamos levá-lo para uma cela, comissário — ordenou<br />

Roque.<br />

— Mas isto é irregular, capitão. A autoridade...<br />

— Fica tu<strong>do</strong> sob minha responsabilidade, não receie.<br />

— Está bem. Mas quan<strong>do</strong> as pessoas souberem disto...<br />

— Depois falaremos a respeito.<br />

Quan<strong>do</strong> deixaram o preso no interior, Roque voltou a<br />

reunir-se a Sam.<br />

— Obriga<strong>do</strong> por tu<strong>do</strong>, Sam. Mas continue me fazen<strong>do</strong><br />

um favor. Não fale disto a ninguém. Tenha um pouco de<br />

paciência. Dentro de pouco tempo poderá contar toda a<br />

história para quem quiser. Mas, por enquanto, mantenha<br />

segre<strong>do</strong>. De acor<strong>do</strong>?<br />

— Escute, não sou um charlatão qualquer, quan<strong>do</strong> é<br />

preciso respeitar o senso de responsabilidade.<br />

— Ótimo, Sam. Desculpe. Não quis ofendê-lo. Até logo.<br />

Roque voltou para o interior <strong>do</strong> comissaria<strong>do</strong> e, pouco<br />

depois, ouvia o chiar da carroça de Sam, afastan<strong>do</strong>-se.<br />

Agarrou Gwillin pela gola <strong>do</strong> paletó e começou a arrastá-lo.<br />

Na metade <strong>do</strong> caminho <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r, disse:<br />

— Pegue as chaves das celas, Mad<strong>do</strong>x. Vamos guardar<br />

Gwillin numa delas, assim como está. Amarra<strong>do</strong> e<br />

amordaça<strong>do</strong>. Verá como isso nos vai poupar complicações.


O comissário entendeu que era inútil protestar. Por isso,<br />

<strong>do</strong>is minutos mais tarde, o vende<strong>do</strong>r de relógios estava<br />

meti<strong>do</strong> numa cela, tentan<strong>do</strong> em vão se libertar e gritar.<br />

Mad<strong>do</strong>x passou a manga da camisa pela testa e grunhiu:<br />

— E agora, capitão?<br />

— Silencio completo. Que ninguém saiba que Gwillin<br />

está aqui. É uma coisa que ninguém pode, sequer, imaginar.<br />

— Acho que isso está certo mas..<br />

— E tenho impressão que Gwihin não ficará muito<br />

tempo sozinho. Estou trabalhan<strong>do</strong> no caso da estrada de<br />

ferro, é claro. Por favor, Mad<strong>do</strong>x, colabore.<br />

— Claro, capitão. Não direi uma palavra. Será como se<br />

ele não estivesse aqui. Mas, com to<strong>do</strong>s os diabos, é<br />

surpreendente.<br />

— Sim, é verdade. Um outro favor. Pode dispor de um<br />

cavalo?<br />

— Claro, capitão. Pode deixar que eu mesmo vou<br />

encilhá-lo. Avisarei quan<strong>do</strong> estiver pronto. Mais alguma<br />

coisa?<br />

— Não. Por agora é só isso.<br />

— Não preciso interrogar o preso?<br />

— Não. Pode deixá-lo como está. Ele mostra-se muito<br />

pouco colabora<strong>do</strong>r, por enquanto.<br />

— Muito bem. Vou tratar <strong>do</strong> cavalo.<br />

Saíram <strong>do</strong> corre<strong>do</strong>r das celas e Roque correu para os<br />

fun<strong>do</strong>s, a fim de evitar que alguém o visse. O comissário<br />

escolheu um excelente animal e encilhou-o rapidamente. O<br />

próprio Mad<strong>do</strong>x ficou observan<strong>do</strong> o descampa<strong>do</strong> que se<br />

abria atrás <strong>do</strong> comissaria<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> um sinal a Roque, para<br />

que saísse sem o risco de ser visto.<br />

* * *


Era a terceira vez que o charuto de Eldridge se apagava.<br />

Para sua entrevista daquela noite, tivera o cuida<strong>do</strong> de ir ao<br />

alfaiate, pegara um temo novo, barbeara-se cuida<strong>do</strong>samente,<br />

gastara quase meia hora diante <strong>do</strong> espelho, pentean<strong>do</strong>-se, e<br />

colocara discretos curativos nos locais onde Roque o<br />

golpeara. Para a entrevista, retiraria os curativos, é claro.<br />

Jogou o charuto no chão, furioso, e pisou-o. Já não<br />

conseguia apreciá-lo, de tantas vezes se apagar.<br />

Nesse momento entrou Felipe, com cara de bebê<br />

irrita<strong>do</strong>.<br />

— Que quer? — inquiriu Eldridge, com certa ansiedade.<br />

— Droga! Tivemos demasia<strong>do</strong> contemplações.<br />

Devíamos ter liquida<strong>do</strong> Roque.<br />

— Mas que aconteceu?<br />

— Não sei!<br />

— Não grite, idiota. E explique-se de uma vez.<br />

— E que vou explicar? Não há nem rastro de Roque.<br />

— Mas...<br />

— Nossos rapazes seguiram-no, como decidimos, a uma<br />

distância prudente para não serem vistos. Foram atrás dele<br />

até a região de arbustos ao norte da cidade. Aí ele deixou o<br />

cavalo pastan<strong>do</strong> e os rapazes ficaram aguardan<strong>do</strong> que ele<br />

montasse de novo, para o seguirem. Até agora não apareceu<br />

para recolher o cavalo. Evaporou-se como se fosse traga<strong>do</strong><br />

pela terra.<br />

— Mas... Onde poderá ter i<strong>do</strong>, a pé?<br />

— Esse Roque é muito esperto. Qualquer pessoa o<br />

poderia ter transporta<strong>do</strong>, pois to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> sabe o que ele<br />

está fazen<strong>do</strong>.<br />

— Perdemo-lo de vista. Mas ele voltará.


— E tem mais. Foi encontra<strong>do</strong>, sem cavaleiro, o cavalo<br />

de Gwillin.<br />

— Tem certeza? — José Eldridge franziu a testa.<br />

— Claro. Não faça perguntas idiotas. E não estou<br />

gostan<strong>do</strong> disto. Acho muita casualidade Gwillin e Roque<br />

terem aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> os cavalos ao mesmo tempo. Será que<br />

você se apercebe <strong>do</strong> perigo?<br />

— Não. Gwillin estava venden<strong>do</strong> relógios e...<br />

— E você acha que Roque vai acreditai nisso,<br />

especialmente depois de ter visto aqui os cinqüenta mil<br />

dólares?<br />

José apertou os dentes.<br />

— Temos que encontrá-los. E começo a suspeitar de<br />

muitas coisas. Inclusive essa entrevista com Kátia... Não<br />

sei, não. Temos que agir com muito cuida<strong>do</strong>. Não podemos<br />

nos precipitar.<br />

CAPÍTULO SÉTIMO<br />

Os reis da surpresa<br />

De certa forma, Felipe estava satisfeito com o fato de<br />

José o ter deixa<strong>do</strong> na cidade, nos escritórios da estrada de<br />

ferro. Assim poderia aguardar a chegada de Gwillin ou<br />

qualquer notícia sobre ele. O desaparecimento <strong>do</strong> vende<strong>do</strong>r<br />

de relógios estava preocupan<strong>do</strong>-o demais. E ele precisava<br />

solucionar esse assunto.<br />

Assim, a partir das sete da noite, Felipe ficou como <strong>do</strong>no<br />

e senhor <strong>do</strong>s escritórios da companhia, <strong>do</strong> gabinete de José,<br />

de seus charutos, sua cadeira e seu uísque. Começou com<br />

um charuto e, um pouco timidamente, serviu-se de um<br />

uísque. Sentia-se um homem rico.


Continuava sem receber notícias de Gwillin. Onde teria<br />

i<strong>do</strong> vender seus estúpi<strong>do</strong>s relógios? E a pé!<br />

Serviu-se de mais um uísque. Sentiu um certo prazer em<br />

jogar fora aquele meio charuto e em acender outro. E Sentiu<br />

inveja de José. Mas a verdade era que, se não fosse José, ele<br />

não poderia fumar nem pontas de cigarro.<br />

Estava no terceiro uísque e no final <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> charuto,<br />

quan<strong>do</strong> ouviu ruí<strong>do</strong>s. Estranhou e, quan<strong>do</strong> quis levar a mão<br />

à arma, a porta abriu-se e um homenzinho mirra<strong>do</strong>, com<br />

uma expressão triste no rosto, de nome Tewmy, estava<br />

apontan<strong>do</strong> para ele um revólver.<br />

Senta<strong>do</strong> naquela cadeira, com um charuto nos lábios e<br />

um uísque de primeira no copo, precisava ser autoritário.<br />

— Rua! Bata na porta e veremos se lhe <strong>do</strong>u autorização<br />

para entrar — grasnou.<br />

Tewmy quase chorou de verdade.<br />

— Levante-se daí e venha comigo, meu filho — disse<br />

tristemente. — Pelo caminho, Felipe, minha sábia palavra<br />

colocará sua mente a par da Verdade da Vida.<br />

Felipe pestanejou.<br />

— Escute, você está bêba<strong>do</strong>? Saia, antes que...<br />

Naquele instante, entrou outro homem e Felipe começou<br />

a inquietar-se de verdade. O segun<strong>do</strong> indivíduo não<br />

empunhava revólver. Era um mestiço com aparência de<br />

estaca. Usava uma jaqueta de pele, que deixava visíveis o<br />

macha<strong>do</strong> e o punhal.<br />

Sem olhar para o mestiço Smith, Tewmy disse:<br />

— Tu<strong>do</strong> pronto aí fora, Smith?<br />

— Tu<strong>do</strong>.


— Vamos, meu filho — disse Tewmy para Felipe. —<br />

Verá como meu sermão vai deixar você bem mais<br />

reconforta<strong>do</strong>.<br />

— Mas... Que significa isto?<br />

— Smith, este cara está perden<strong>do</strong> tempo.<br />

Smith aproximou-se de Felipe e sacou o punhal.<br />

Fez um gesto veloz com a arma e o que parecia a morte<br />

para Felipe converteu-se apenas num gemi<strong>do</strong> de pavor,<br />

quan<strong>do</strong> a faca se deteve a escassos milímetros da jugular <strong>do</strong><br />

cara de bebê.<br />

— Andan<strong>do</strong> — disse Smith, secamente.<br />

Ao mesmo tempo em que o mestiço o empurrava com<br />

força, a bota de Tewmy descrevia um arco e encontrava-se<br />

violentamente com a barriga de Felipe, fazen<strong>do</strong> cuspir o<br />

excelente uísque e o ótimo charuto...<br />

— Machuquei você, meu filho? — perguntou Tewmy,<br />

com suavidade.<br />

— Cães! Cães! Eu...<br />

O mestiço reagiu com mais violência dessa vez,<br />

aceitan<strong>do</strong> um duríssimo murro no meio de suas costas.<br />

Logo o agarrou pelos cabelos, encostan<strong>do</strong> o fio <strong>do</strong> punhal<br />

em sua garganta.<br />

— Não vamos perder mais tempo — concluiu Tewmy.<br />

— Smith tem três cavalos prepara<strong>do</strong>s aí fora. Sairemos a<br />

galope. Não é longe, meu filho. Assim, meu sermão será<br />

breve. Você verá.<br />

Smith castigou Felipe mais uma vez, na nuca, deixan<strong>do</strong>o<br />

aturdi<strong>do</strong>, empurran<strong>do</strong>-o logo para a porta <strong>do</strong>s fun<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s<br />

escritórios da estrada de ferro. Obrigaram o homem de cara<br />

de bebê a montar.


— Vamos — disse Tewmy. — Vamos assistir a uma<br />

entrevista muito interessante.<br />

Felipe olhava para eles, sem entender coisa alguma.<br />

— Pensan<strong>do</strong> melhor, meu filho, acho que vou deixar o<br />

sermão para quan<strong>do</strong> sua alma precisar de luz para descer<br />

aos infernos. Eu a guiarei to<strong>do</strong> o tempo. Agora vamos.<br />

Smith, pode adiantar-se, este anjinho não vai escapar.<br />

— Não precisamos arriscar. Waxer já saiu atrás desse<br />

José e não acredito que coisa alguma corra mal. Mas nada<br />

de facilitar.<br />

— Como quiser, Smith.<br />

Os três cavaleiros iniciaram o galope.<br />

* * *<br />

A bofetada que Barber aplicou em Felipe deixou-o de<br />

joelhos diante de Prudence. Barber era o único que ficara<br />

com Prudence, enquanto os outros <strong>do</strong>is tinham i<strong>do</strong> buscar<br />

Felipe, e Waxer seguira José. Prudence tratara Kátia bem<br />

até esse momento, como prometera. Kátia, apesar disso,<br />

estava apavorada com a expressão que vira no rosto da<br />

outra, quan<strong>do</strong> Felipe chegam. Os olhos da bela mulher eram<br />

brasas de ódio. E soma, como uma louca.<br />

— Pru... Prud... — balbuciava o bebê, apavora<strong>do</strong>. — É<br />

inacreditável. Eu lhe explicarei o que me...<br />

— Cale essa boca, Felipe. Ou devo dizer frei Felipe?<br />

Não diga besteiras. Fale-me de seus erros, de suas<br />

pilantrices e me implore compaixão.<br />

Kátia sentiu-se revoltada. Prudence tratara-a bem e<br />

achara que podia dizer alguma coisa.<br />

— Prudence, por favor, não... — tentou dizer.<br />

— Cale essa boca, estúpida. Que sabe você? — disse<br />

Prudence, com inesperada violência. — Vá para seu canto e


não abra a boca. Veja, se quiser. Mas fique calada. E será<br />

bom eu não ter que lhe lembrar isso de novo.<br />

Kátia teve que obedecer. Prudence estendeu a mão e<br />

Smith depositou nela o chicote.<br />

Felipe esboçou um movimento de recuo e isso lhe custou<br />

uma feroz chicotada no rosto, que o jogou de costas. E aí<br />

continuou receben<strong>do</strong> as chicotadas de Prudence, que tinha o<br />

cuida<strong>do</strong> de as fazer parecerem mais aterra<strong>do</strong>ras <strong>do</strong> que<br />

fatais. Felipe gemia e agitava-se, com o rosto e as mãos<br />

cheias de sangue.<br />

— Por agora basta. Claro que depois o julgarei, frei<br />

Felipe. E tenho um presente para você. Uma coisa de que<br />

não me separei nestes três anos. Smith, amarre-o por ai.<br />

Mas longe de minha vista. Não quero vê-lo enquanto não<br />

chegar a hora da justiça final. Não esqueça que falta o pior<br />

culpa<strong>do</strong>.<br />

Smith aplicou um pontapé fraco no rosto de Felipe e<br />

grunhiu:<br />

— Arraste-se até aquelas pedras.<br />

Prudence riu, feliz e enlouquecida, ao Felipe arrastar-se,<br />

sangran<strong>do</strong>. Ainda apertou o cabo <strong>do</strong> chicote, soube conterse.<br />

Smith estava amarran<strong>do</strong> Felipe quan<strong>do</strong> ouviram os<br />

cascos de um cavalo. Reconheceram Waxer, pela barba.<br />

Waxer desmontou e dirigiu-se a Prudence.<br />

— Esse cão não confia nem na mulher que ama — disse.<br />

— Não veio sozinho?<br />

— Não. Três homens foram com ele.<br />

— Estou ven<strong>do</strong>...<br />

— Mas não vai haver dificuldades. José seguiu sozinho<br />

para a Passagem <strong>do</strong> Enterro. Os três homens que iam com


ele ficaram esperan<strong>do</strong> num pequeno bosque próximo,<br />

preven<strong>do</strong> a possibilidade de ser uma cilada para ice. Sei<br />

onde eles estão e, dessa forma, a desconfiança de ice não<br />

vai servir de nada.<br />

Pouco depois, Barber, Smith e Waxer partiam, rumo a<br />

Passagem <strong>do</strong> Enterro, enquanto Tewmy ficava com<br />

Prudence.<br />

Os três homens desmontaram. Barber sussurrou:<br />

— Ali estão eles, no bosque. Estão agrupa<strong>do</strong>s, como se<br />

esperassem um sinal desse tal de José.<br />

Smith, você ocupa-se <strong>do</strong> que parece um gigante.<br />

Sem contemplações. Waxer, você cuida <strong>do</strong> da direita. O<br />

outro fica para mim. Tem que ser um trabalho rápi<strong>do</strong>.<br />

Vamos.<br />

Os três homens aproximaram-se silenciosamente. Do<br />

outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> bosque, a uns cem metros, estava a entrada da<br />

Passagem <strong>do</strong> Enterro. Smith viu que o gigante apoiava o<br />

rifle num árvore, enrolava um cigarro e murmurava algo<br />

para os companheiros. Houve curtas risadas e logo ele se<br />

afastou <strong>do</strong> grupo. O homem não se afastou muito. Ficou de<br />

rosto cola<strong>do</strong> numa árvore, de costas para os companheiros.<br />

Smith não se importou com o que o gigante estava fazen<strong>do</strong>.<br />

Não tencionava ter a delicadeza de esperar que ele<br />

terminasse. Com o macha<strong>do</strong> na mão, avançou até ficar a<br />

pouca distancia <strong>do</strong> gigantão. Um silvo rápi<strong>do</strong> e o macha<strong>do</strong><br />

cravou-se profundamente entre as omoplatas <strong>do</strong> gigante,<br />

que bateu com o rosto na casca dura <strong>do</strong> pinheiro. Soltou um<br />

ronco de angústia e voltou-se, em difícil equilíbrio,<br />

demonstran<strong>do</strong> possuir uma constituição física invulgar. Mas<br />

Smith limitou-se a girar à volta dele, silencioso como um<br />

puma, manten<strong>do</strong>-se atrás dele, para que não o visse. Com


um movimento rápi<strong>do</strong>, arrancou a machadinha das costas <strong>do</strong><br />

gigante e, sem pausa, cravou-a uma vez mais, agora na<br />

nuca. Quase decapita<strong>do</strong>, o pistoleiro tombou de bruços.<br />

Inexpressivo, Smith limpou o macha<strong>do</strong>.<br />

Deslizou para onde deviam estar Waxer e Barber.<br />

Chegou a tempo de ver o trabalho <strong>do</strong> barbu<strong>do</strong>, que cortara a<br />

garganta de outro pistoleiro, com sua faca. No entanto, a<br />

ferida não foi mortal e o homem retrocedia, já com a mão<br />

direita apoiada sobre o revólver. Smith teve que atuar de<br />

novo. Com o assusta<strong>do</strong>r macha<strong>do</strong>, acertou a têmpora<br />

esquerda <strong>do</strong> pistoleiro, abrin<strong>do</strong>-lhe o cimo com a maior<br />

facilidade.<br />

Waxer não tinha ti<strong>do</strong> dificuldades. Aproximara-se de sua<br />

vítima e quase a deixara cravada num pinheiro, com uma<br />

poderosa facada que lhe atravessara o coração.<br />

Logo se reuniram, enquanto Barber recuperava sua faca.<br />

— O maldito mexeu-se — grunhiu.<br />

Ninguém disse nada. Retomaram o avanço, em direção à<br />

Passagem <strong>do</strong> Enterro, onde José Eldridge devia estar<br />

esperan<strong>do</strong>. Separaram-se. Quem localizasse José imitaria o<br />

piar de uma coruja. E foi Smith quem, pouco depois, dava o<br />

sinal. Os outros aproximaram-se e viram José Eldridge e,<br />

num plano um pouco superior, Smith.<br />

Ali estava José, perfeitamente vesti<strong>do</strong>, pentea<strong>do</strong> e<br />

barbea<strong>do</strong>. Não acreditava que fosse uma cilada. Kátia era<br />

apenas uma garota lindíssima e ingênua que...<br />

José Eldridge endireitou-se, quan<strong>do</strong> viu aparecer a<br />

primeira sombra. Viu surgir a segunda e ficou muito quieto.<br />

Barber e Waxer aproximavam-se dele, sorridentes,<br />

empunhan<strong>do</strong> seus revólveres.


— Puxa! Que vestimenta, rapazes! — exclamou Barber,<br />

tocan<strong>do</strong> o paletó novo de José. — O cara tem pinta... Ainda<br />

jovem, elegante.<br />

— Que significa isto? Onde está Kátia? — perguntou<br />

José, sem se descompor.<br />

— Está esperan<strong>do</strong> por você, boneco. Vamos?<br />

— Que é isto? Não a vejo...<br />

— Verá...<br />

— Deixem de besteira. Não estou ven<strong>do</strong> Kátia...<br />

Barber encostou-lhe o cano da arma no pescoço e José<br />

esboçou um sorriso.<br />

— Muito bem, rapazes. Não é forçoso que sejamos<br />

inimigos. Gostei da forma como vocês fizeram as coisas.<br />

Podemos chegar a um acor<strong>do</strong>. Podemos falar aqui mesmo?<br />

Barber sorriu torcidamente.<br />

— Aqui não. Vamos cavalgar um pouco. E não tenha<br />

ilusões sobre os três idiotas que estavam no bosque. A esta<br />

altura <strong>do</strong>s acontecimentos devem estar baten<strong>do</strong> um papo<br />

com o diabo, bem lá no inferno.<br />

José pestanejou. As coisas estavam feias para ele. Ante<br />

sua hesitação, Barber empurrou-o.<br />

— Vamos andan<strong>do</strong>.<br />

José decidiu reagir. Quan<strong>do</strong> recebeu o empurrão, suas<br />

roupas ficaram um pouco em desalinho. Com um gesto<br />

muito natural, sorrin<strong>do</strong> sempre, José compôs a roupa,<br />

alisan<strong>do</strong> as mangas <strong>do</strong> paletó.<br />

Sem que soubessem como, um “Deringer” tinha<br />

apareci<strong>do</strong> nas mãos de Eldridge. De pouco valeram as<br />

precauções <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is homens.


José disparou. Barber não teve tempo de entender o que<br />

estava acontecen<strong>do</strong>. As duas balas de José entraram em seu<br />

rosto, dan<strong>do</strong>-lhe morte imediata.<br />

Waxer também ficou petrifica<strong>do</strong>, pensan<strong>do</strong> que não<br />

podia disparar contra José. Este lançou as mãos para frente,<br />

agarran<strong>do</strong> o pulso de Waxer, quan<strong>do</strong> este pensava que<br />

poderia atingi-lo com a coronha na testa.<br />

José forçou o braço <strong>do</strong> outro, ainda sorrin<strong>do</strong>. Waxer<br />

apertou o gatilho. Deu azar. Seu grito de <strong>do</strong>r ressoou por<br />

toda a Passagem. A bala cravou-se numa perna, para onde<br />

ficara virada, depois da torção de José. Largou o revólver e<br />

José, empurran<strong>do</strong>-o ia pegar a arma quan<strong>do</strong> Smith entrou<br />

em cena, a tempo de evitar que Waxer sacasse seu revólver<br />

esquer<strong>do</strong>.<br />

Smith saltou sobre as costas de José, derruban<strong>do</strong>-o de<br />

rosto contra o solo. O mestiço, em cima de José, agarrou-o<br />

pelos cabelos com a mão esquerda, enquanto a direita<br />

avançava, com a machadinha.<br />

— Não, Smith. Pare! — gritou Waxer.<br />

Smith deteve-se com dificuldade. Levantou-se mas,<br />

quan<strong>do</strong> José tentou fazer o mesmo, aplicou-lhe a ponta da<br />

bota na garganta, com violência, logo lhe apertan<strong>do</strong> o pé<br />

contra a cabeça.<br />

Waxer ergueu-se, cambalean<strong>do</strong>.<br />

— Como está o ferimento? — perguntou Smith,<br />

lacônico.<br />

— Foi no músculo. Não poderei andar. Vá buscar os<br />

cavalos, Smith. E não receie. Esse pássaro não vai fugir.<br />

Smith afastou-se, voltan<strong>do</strong> em seguida com os cavalos.<br />

Amarraram as mãos de José nas costas e, pouco depois,<br />

cavalgavam os três.


— Aonde vamos? — perguntou José.<br />

— Logo verá. Uma surpresa está esperan<strong>do</strong> por você.<br />

Nós somos assim. Os reis da surpresa. Você tem sorte, cão.<br />

Barber era uma besta, mas um bom companheiro. Por culpa<br />

de você, vamos sentir a falta dele.<br />

— Cale aboca,Waxer — disse Smith.<br />

— Cale-se você, índio. Eu gostaria de cuidar deste cão.<br />

— Logo cuidará, Waxer.<br />

— Não sei, não. As mulheres são muito esquisitas. Vai<br />

ver que se apaixona de novo por ele. Por amor, as mulheres<br />

per<strong>do</strong>am tu<strong>do</strong>.<br />

— A que mulher vocês estão se referin<strong>do</strong>?<br />

— Cale essa boca.<br />

Enquanto se afastavam, uma sombra, oculta na<br />

passagem, não escondia seu assombro. Na verdade, naquela<br />

noite Roque Savajo tinha visto muita coisa que não<br />

conseguia entender.<br />

CAPÍTULO OITAVO<br />

O julgamento<br />

A voz de Prudence soou estridente, apontan<strong>do</strong> para o<br />

peito de José Eldridge, que chegara deita<strong>do</strong> sobre o pescoço<br />

<strong>do</strong> cavalo.<br />

— Espero que ele não esteja morto. Eu os enforcarei...<br />

— Tranqüilize-se, senhora. Está apenas desmaia<strong>do</strong>. É<br />

um sujeito recalcitrante e nos deu muito trabalho. Feriu-me<br />

a mim e matou Barber. Tu<strong>do</strong> isto está muito estranho,<br />

levan<strong>do</strong> em conta que ele ia apenas encontrar-se com a<br />

mulher a quem ama.


Prudence não disse mais nada. Waxer desmontou com<br />

dificuldade e, com um empurrão, jogou José Eldridge no<br />

solo. Depois, com a ponta da bota, fé-lo rolar para perto de<br />

Prudence.<br />

— Ajude-me aqui, Smith — disse.<br />

O mestiço aju<strong>do</strong>u Waxer a manter-se de pé. Prudence<br />

olhava para José, que ainda não se tinha recomposto, e para<br />

Waxer.<br />

— Então ele encarregou-se de Barber, hem?<br />

— Foi. E por pouco eu também ia. Mas ainda estou<br />

vivo. Smith, esquente água para me extraírem esta bala.<br />

Tewmy adiantou-se e tratou de colocar água sobre a<br />

fogueira, para esquentar, enquanto Smith e Prudence<br />

olhavam para José, esperan<strong>do</strong> que ele recuperasse o<br />

entendimento. Não precisavam tomar muitas precauções,<br />

pois Felipe estava amarra<strong>do</strong> e José desarma<strong>do</strong>. Tewmy<br />

aproximou-se também, depois de deixar a água numa lata,<br />

sobre o fogo.<br />

— Reanimem-no — disse Prudence, roucamente. —<br />

Não agüento mais esta impaciência.<br />

Tewmy e Smith trataram de reanimar José Eldridge. O<br />

homem abriu os olhos e fixou-os na saia de Prudence.<br />

Começou a levantar o rosto lentamente, até que deteve as<br />

pupilas, muito abertas, no rosto de Prudence. Estremeceu e,<br />

apoian<strong>do</strong> o peso <strong>do</strong> corpo no cotovelo, tentou erguer-se.<br />

Tewmy impediu-o, assestan<strong>do</strong>-lhe um pontapé no<br />

cotovelo. Finalmente, Eldridge pareceu conseguir fixar o<br />

olhar.<br />

Das pupilas de Prudence saltavam raios de ódio.<br />

— Pru... Prudence querida...<br />

— Olá, José.


— Você, aqui? É inacreditável...<br />

O peito de Prudence agitava-se de emoção.<br />

— Por que tanta surpresa? Uma esposa deve seguir<br />

sempre seu mari<strong>do</strong>, não? E eu sou sua esposa. Ou não?<br />

Em seu canto, Kátia abria muito os olhos perante aquela<br />

cena. Que significava aquilo?<br />

— Responda, amor. Sou ou não sua esposa?<br />

— S... sim... Claro que é...<br />

— De verdade?<br />

— Escute, Prudence. As coisas nem sempre são como a<br />

gente quer. Deixe-me serenar. Nós cometemos erros que<br />

depois se abatem sobre nós durante toda a vida.<br />

— A frase me parece bonita. Mas falsa. Você me<br />

esqueceu muito depressa. Até já ama outra mulher. Kátia.<br />

Olhe para ela. Claro que não lhe fiz mal algum. Ela é uma<br />

garota como Deus manda. E é muito mais inteligente <strong>do</strong> que<br />

eu. Sabe por quê? Porque despreza você. Mas vamos<br />

esclarecer umas coisas. Foi para isso que procurei você<br />

durante estes três anos. Tragam Felipe.<br />

José olhou para onde Tewmy se dirigiu. Nem tinha visto<br />

Felipe. amarra<strong>do</strong> e louco de terror. Tewmy trouxe-o para<br />

junto de José. O cara de bebê limitava-se a olhar com pavor<br />

e raiva para Eldridge. Este estava muito mais sereno.<br />

— Este é o resulta<strong>do</strong> de suas grandes idéias — gritou<br />

Felipe. — Vamos morrer.<br />

— A que idéias você está se referin<strong>do</strong> agora Felipe? —<br />

perguntou José.<br />

— Sabe muito bem o que fizemos com Prudence.<br />

— Você concor<strong>do</strong>u, não?<br />

— Calem-se — ordenou Prudence.


Enquanto José se calava e pensava freneticamente,<br />

Felipe deu a impressão de querer jogar-se de joelhos, para<br />

suplicar.<br />

— Devo informá-los que já localizei Barry Miller. Está<br />

morto, agora. Só faltam vocês. O primeiro a ser julga<strong>do</strong> será<br />

você, Felipe. Está condena<strong>do</strong> à morte por infâmia,<br />

crueldade, ofensas e burla. E ultraje e assassinato — quase<br />

gritou Prudence.<br />

— Não fui eu, Prudence...<br />

— Isso é tu<strong>do</strong> o que tem a dizer em sua defesa?<br />

— Claro, não fui eu. To<strong>do</strong> o mal que lhe aconteceu,<br />

você deve-o a José.<br />

— Eu sei disso. Mas você não tem menos culpa. Foi<br />

condena<strong>do</strong> e vai morrer agora mesmo. Mas, antes, tenho<br />

uma coisa para devolver a você. Vigiem-no.<br />

Prudence foi até onde estavam os sacos e meteu a mão<br />

dentro de um deles, retiran<strong>do</strong> de lá alguma coisa<br />

embrulhada num pano escuro. Olhou para Felipe e jogoulhe<br />

aquilo em cima.<br />

— É seu. Ponha-o.<br />

Felipe quase desmaiou. Era um hábito de franciscano<br />

— Vista-o. Não é seu?<br />

— Bem...<br />

— Foi este hábito que você usou para minha cerimônia<br />

com José Eldridge, está lembra<strong>do</strong>? Hem, Frei Felipe? Que<br />

piada... Pobre Prudence. Estava tão cega de amor por um<br />

homem... Sei que a idéia de você se disfarçar de franciscano<br />

partiu de José. Mas um homem decente não aceita certas<br />

idéias. E, em minha opinião, que é a única que conta agora,<br />

você não merece continuar viven<strong>do</strong>. Vista o hábito que<br />

deixou em minha casa quan<strong>do</strong> fugiu. Eu fiquei com esse


hábito nas mãos. Minha irmã Amélia estava morta e eu<br />

ainda não entendia a verdade..<br />

— Lamento, Prudence — gemeu Felipe. — Não devia<br />

ter feito isso, mas...<br />

José não parecia ter nada a dizer.<br />

Felipe entendeu que não lhe restava outra coisa a fazer.<br />

Vestiu as roupas de franciscano sobre as que estava usan<strong>do</strong><br />

nesse momento. Ali estava, com seu rosto inocente,<br />

enganoso. Agora não iludiria ninguém. Mas, três anos atrás,<br />

Prudence estava tão cega de amor, que nem reparou bem<br />

nas roupas de franciscano que Frei Felipe envergava,<br />

murmuran<strong>do</strong>. Apenas escutou quan<strong>do</strong> ele declarara que ela<br />

e José eram mari<strong>do</strong> e mulher...<br />

— Vocês podiam ter deixa<strong>do</strong> Amélia em paz, pelo<br />

menos. Ela era demasia<strong>do</strong> jovem, cães. O dinheiro que<br />

vocês levaram quase não interessava. Aliás, era isso que<br />

vocês estavam queren<strong>do</strong>, não?<br />

— Está bem, acabe com isso, Prudence.<br />

— Você acha que isto é uma loucura? Curioso, agora me<br />

sinto quase serena. Mas não vou enganar vocês. Vou matálos.<br />

Maldigo o dia em que o conheci, José Eldridge. Mas eu<br />

já paguei por isso. Agora vão pagar vocês.<br />

— Prudence, eu posso lhe devolver o dinheiro.<br />

— Não preciso dele, José. Sou uma mulher rica. Você<br />

foi idiota. Partiu com algumas migalhas. Se o que você<br />

queria era meu dinheiro, poderia ter espera<strong>do</strong> um pouco<br />

mais e apanha<strong>do</strong> muitíssimo. Mas você tinha pressa. Fezme<br />

apaixonar e depois chamou os amigos. O plano era<br />

simples. Um deles se fazia passar por franciscano e nos<br />

casava. Claro que a cerimônia não tinha valor algum. O


outro assinava, como testemunha, um papel com o mesmo<br />

valor.<br />

— Sinto muito, Prudence.<br />

— Eu me considerei sua esposa e, nos primeiros dias, fui<br />

feliz. Mas nem isso lhe posso agradecer, porque ali perdi<br />

minha dignidade. Fui burlada, enganada ominosamente.<br />

Depois chegou minha irmã, Amélia. Eu confiava em<br />

Amélia e ela chegou com dinheiro para mim. Você já tinha<br />

da<strong>do</strong> andamento a seu plano. Os setenta mil dólares que<br />

Amélia trazia eram o seu objetivo. Pobre objetivo. Setenta<br />

mil dólares, a dignidade de uma mulher e a vida de outra.<br />

— O que aconteceu com Amélia foi um acidente —<br />

sussurrou José, que parecia fraquejar.<br />

— Um acidente? Amélia antes de morrer ainda me disse<br />

que Miller se foi embora dali. Não queria ver o que ia<br />

acontecer. Meu dinheiro e o que tinham feito comigo não<br />

eram suficientes. Amélia precisava cair também. Depois <strong>do</strong><br />

ultraje, a fuga com o dinheiro. E, como recordação, o hábito<br />

de Felipe. Vocês nunca entenderão minha agonia.<br />

— Acabe com isso e nos mate logo — disse José.<br />

— Não tem pressa. Deixe-me gozar este momento.<br />

Construí um edifício de ódio e não vou destruí-lo de um só<br />

golpe.<br />

— Então, Prudence, tente me per<strong>do</strong>ar.<br />

— Cale-se — exaltou-se ela. — Per<strong>do</strong>ar?<br />

Os homens que os guardavam estavam atentos. Prudence<br />

continuou:<br />

— Você, Felipe, era apenas um lacaio às ordens dele.<br />

Comece a andar.<br />

Felipe, de hábito de franciscano, grotesco, deixou-se cair<br />

de joelhos.


— Prudence, tente entender, por favor. Se eu não<br />

obedecesse, José me mataria.<br />

O rosto da mulher vinga<strong>do</strong>ra transformou-se numa<br />

careta de nojo. Ali estavam os <strong>do</strong>is, bem pequenos,<br />

insignificantes para pagarem por tu<strong>do</strong> o que tinham feito.<br />

— Fuzilem-no.<br />

Assim, com a maior simplicidade, Felipe estava de<br />

joelhos. Mas Smith e Tewmy eram homens eficazes, que<br />

sabiam cumprir uma ordem.<br />

Mais de dez balas penetraram no corpo de Felipe. Dos<br />

canos das armas saía fumaça. Do corpo <strong>do</strong> falso franciscano<br />

brotava o sangue. Soltan<strong>do</strong> um suspiro, Prudence voltou-se<br />

para José.<br />

— Você não vai morrer aqui, nem agora. Vamos fazer<br />

uma longa viagem. Depois de deixarmos o Colora<strong>do</strong>,<br />

entraremos no Novo México e marcharemos rumo ao<br />

deserto. Ali nos deteremos, num lugar onde abundem as<br />

termitas, essas formigas simpáticas. Aí você será enterra<strong>do</strong>,<br />

fican<strong>do</strong> apenas a cabeça de fora, para pasto das queridas<br />

termitas.<br />

José estava lívi<strong>do</strong>. Não pensava que estivesse blefan<strong>do</strong>.<br />

— Não se entusiasma com a idéia? Sentirá as formigas<br />

passean<strong>do</strong> por sua pele. Mas eu as senti dentro de mim, em<br />

meu peito, em meu cérebro. E como devoram a gente...<br />

— Prudence... acabe comigo agora, como fez com<br />

Felipe.<br />

— Não. Isso não será suficiente para você.<br />

— Não vê que meu amor é o dinheiro e você me<br />

arruinou? Eu tinha agora uma fortuna ao alcance da mão e<br />

você estragou tu<strong>do</strong>. Estava procuran<strong>do</strong> quem incendiou os<br />

<strong>do</strong>rmentes...


— Sim, fui eu. Para começar a assustar você. E para<br />

prejudicá-lo, claro.<br />

— Não foi um prejuízo. Apenas uma preocupação. Na<br />

verdade eu tinha meu próprio jogo sujo com a estrada de<br />

ferro. As sabotagens anteriores haviam si<strong>do</strong> obra minha.<br />

Quis descobrir meus competi<strong>do</strong>res.<br />

— Nada disso me interessa já.<br />

— Ia conseguir meio milhão de dólares, Prudence. Isso<br />

lhe interessa?<br />

— Não lhe disse já que sou rica? Que você fugiu com as<br />

migalhas? Não falemos mais de dinheiro. A única moeda<br />

corrente entre nós <strong>do</strong>is é o ódio.<br />

José inclinou a cabeça, com uma careta de amargura.<br />

— Eu esqueci você, Prudence. Esse foi meu erro. Você,<br />

era tão <strong>do</strong>ce, que jamais poderia imaginá-la convertida<br />

nessa tocha de vingança e de ódio.<br />

— Pois está ven<strong>do</strong> agora. Três anos atrás, talvez você<br />

pudesse me ter mata<strong>do</strong>. Mas hoje, não, canalha.<br />

— Prudence, verdade que não resta em você nada<br />

daquele amor?<br />

— Amor? Você não está falan<strong>do</strong> sério...<br />

— Por que não? Se bem que não legalmente, você foi<br />

minha esposa.<br />

— Cale essa boca, monstro.<br />

— Estou dizen<strong>do</strong> a verdade, Prudence...<br />

— Smith, o chicote!<br />

O chicote estalou no ar mas José estava esperan<strong>do</strong> por<br />

aquilo. Conseguiu segurar a tira de couro e puxou com as<br />

duas mãos. Prudence foi surpreendida e caiu de bruços.<br />

Tewmy e Smith dispunham-se a entrar em ação, quan<strong>do</strong><br />

soou a voz:


— Quietos, to<strong>do</strong>s. Estou atrás de vocês. Soltem as<br />

armas, devagar, José, você deixe-se ficar como está,<br />

seguran<strong>do</strong> o chicote.<br />

O espanto tomou conta de to<strong>do</strong>s. Depois um homem<br />

avançou. E ouviu-se um grito de alegria.<br />

— Roque!<br />

— Cuida<strong>do</strong>, Kátia. Não se aproxime de mim. Procure<br />

um revólver. Prudence, não se levante. Vocês <strong>do</strong>is, afastem<br />

os revólveres daí, com um pontapé.<br />

CAPTÍULO NONO<br />

A justiça<br />

A ira parecia sacudir to<strong>do</strong> o corpo de Prudence.<br />

— Quem é você? Por que está se meten<strong>do</strong> nisto?<br />

Roque ia responder, quan<strong>do</strong> se ouviu o grito de aviso de<br />

Kátia:<br />

— Cuida<strong>do</strong>, Roque.<br />

O capitão saltou de la<strong>do</strong> e ro<strong>do</strong>u instintivamente para a<br />

fogueira, onde Waxer, o rosto banha<strong>do</strong> de suor, empunhava<br />

o revólver e se preparava para disparar sobre suas costas.<br />

Mas Roque adiantou-se.<br />

Apertou o gatilho e duas balas entraram no peito de<br />

Waxer, jogan<strong>do</strong>-o para trás, morto.<br />

Tewmy e Smith não se moveram, pois a arma de Roque<br />

estava de novo apontada para eles.<br />

— Não esperava outra coisa de você, José. E quer saber<br />

uma coisa? Se não fosse porque tenho uma missão oficial a<br />

cumprir, da qual já sei tu<strong>do</strong> o que queria, deixava Prudence<br />

conduzi-lo até o deserto. É mais por ela, apesar de não me<br />

agradecer agora, que não vou permitir isso.


— Você foi muito oportuno. Já me estava imaginan<strong>do</strong><br />

com os olhos cheios de termitas...<br />

— Cale essa boca.<br />

— Vamos embora, Roque? — perguntou José.<br />

— Está com pressa? Crê que vai ter melhor sorte?<br />

— Não duvide. Qualquer sorte seria melhor. Além disso,<br />

nem me matariam. Por umas sabotagens, uns negócios<br />

sujos, não enforcam ninguém.<br />

— Escute — agitou-se Prudence. — Você, seja quem<br />

for, tem que me ouvir. Posso lhe dar até meio milhão de<br />

dólares por José Eldridge. Nem precisamos pensar muito.<br />

Você terá seu meio milhão de dólares e...<br />

— Não, Prudence. Creia que lamento. Minha missão<br />

carece de importância, comparada com o que você sofreu.<br />

Ouvi tu<strong>do</strong>. E como envia<strong>do</strong> <strong>do</strong> exército para resolver uns<br />

problemas com a estrada de ferro; que será provavelmente<br />

militarizada, preciso prestar contas de meus atos. Não pense<br />

que eu não a enten<strong>do</strong>, Prudence. E procure compreender<br />

minhas razões, por favor.<br />

— O que posso entender? Que vocês, por interesses<br />

econômicos, mesquinhos, vão me privar de minha<br />

vingança?<br />

— Eu, pessoalmente, além de cumprir meu dever, quero<br />

ajudá-la. Ouvi dizer o que a última sabotagem foi obra sua,<br />

mas isso não importa. Não vou fazer nada contra você. Vá<br />

embora, para bem longe daqui. Pense que eu já matei José.<br />

Ou você o matou.<br />

— Mas não matei.<br />

— Não adianta agora. Prudence. Não vai refazer sua<br />

dignidade nem ressuscitar sua irmã. Vá embora e viva sua<br />

vida.


— Apenas palavras...<br />

— Vamos, montem e partam. Eu cuidarei de José. Ele<br />

pagará seus delitos.<br />

— E o que ele fez na Califórnia? — perguntou<br />

Prudence.<br />

— Farei com que ele pague isso também.<br />

— Terá que me matar, Roque Savajo — suspirou ela,<br />

por fim.<br />

— Vou evitar isso. Kátia, traga três cavalos e espante os<br />

outros. Vocês vão até aquelas rochas e fiquem lá.<br />

Prudence não quis obedecer.<br />

Enquanto se lançava sobre Roque, gritou:<br />

— Mate-o, Smith!<br />

Roque lutou para se libertar da enfurecida Prudence.<br />

Apenas uns segun<strong>do</strong>s, mas os bastantes para que Smith<br />

arremessasse seu perigoso macha<strong>do</strong>. Roque sentiu um<br />

calafrio, ao mesmo tempo em que se deixava cair de<br />

joelhos, evitan<strong>do</strong> assim a arma fatal, que passou silvan<strong>do</strong><br />

sobre sua cabeça.<br />

Ven<strong>do</strong> que errara, Smith extraiu a faca da cintura e<br />

lançou-se sobre Roque.<br />

O capitão disparou mas a agilidade de Smith era<br />

espantosa e ele esquivou-se à bala. Pelo impulso que levava,<br />

o mestiço tombou sobre Roque e ambos rolaram pelo chão.<br />

Smith empunhava a faca, com o pulso agarra<strong>do</strong> por uma<br />

mão de ferro. Sua outra mão segurava o pulso de Roque,<br />

que empunhava a arma.<br />

Depois de algum tempo de luta feroz, as duas mãos de<br />

ambos os homens ficaram livres. Smith ia descarregar seu<br />

golpe mortal. Mas a bala de Roque chegou primeiro a seu<br />

alvo. Atingi<strong>do</strong> na boca, o mestiço caiu, sem um gemi<strong>do</strong>,


sobre o corpo de Roque. A pouca distância, José lutava<br />

desesperadamente com Tewmy. Pela sua superioridade<br />

física, Eldridge estava levan<strong>do</strong> a melhor. José conseguiu<br />

arrancar o punhal das mãos de Tewmy e ria loucamente, ao<br />

mesmo tempo em que o cravava, uma e outra vez, no corpo<br />

mirra<strong>do</strong> <strong>do</strong> outro.<br />

— Chega, José! E solte a faca — gritou Roque,<br />

aproximan<strong>do</strong>-se de um salto.<br />

José voltou-se para ele, de faca empunhada, mas o<br />

pontapé de Roque foi certeiro. Atingi<strong>do</strong> no rosto, José<br />

perdeu o equilíbrio e caiu. Roque voltou a acertá-lo, dessa<br />

vez num ombro, e afastou a faca com o pé. Logo segurou o<br />

outro pelos cabelos e disse:<br />

— Devia matá-lo, cão.<br />

Kátia aproximou-se de Roque.<br />

— Onde está Prudence? — perguntou ele.<br />

— Não sei. Deve ter fugi<strong>do</strong>. Estava tão pendente <strong>do</strong> que<br />

podia acontecer com você, que nem vi.<br />

— Foi melhor assim. Tomara que consiga refazer sua<br />

vida. Parece impossível que exista gente como José<br />

Eldridge, mas aí o tem.<br />

— É verdade. E a pobre mulher, afinal, sofreu muito.<br />

— Bom, esqueçamos isso. Veja ai, nos sacos, e traga<br />

cordas.<br />

A garota obedeceu e, pouco depois, voltava com cordas.<br />

Roque amarrou fortemente José. Era impossível o bandi<strong>do</strong><br />

mover-se por seus próprios meios.<br />

— Sua vaidade fê-lo pensar que, realmente, era Kátia<br />

quem esperava por você, não José?<br />

— Tomei minhas precauções. Pressentia que alguma<br />

coisa não estava certa. No fun<strong>do</strong> pensava que iria encontrar-


me com as pessoas que haviam incendia<strong>do</strong> os <strong>do</strong>rmentes da<br />

estrada de ferro. Pensei que eles poderiam ter seqüestra<strong>do</strong><br />

Kátia e a obriga<strong>do</strong> a escrever a mensagem para mim. Você<br />

chegou no momento oportuno. Foi um belo trabalho. Os<br />

<strong>do</strong>is idiotas que mandei para matar você falharam. Os<br />

homens que enviei para o seguirem, hoje, também falharam.<br />

Você também teve um pouco de sorte, não?<br />

— Talvez. Se eu não tivesse li<strong>do</strong> o bilhete, não teria i<strong>do</strong><br />

à Passagem <strong>do</strong> Enterro. Comecei a pensar e não acreditei<br />

que ela me tivesse traí<strong>do</strong>. Esperei por você e depois o segui.<br />

Tu<strong>do</strong> deu certo.<br />

— Não direi uma palavra sobre o que você pretende —<br />

grunhiu José.<br />

— Aí que você se engana, José. Quase nem preciso que<br />

você fale. Sabe, tenho Gwillin em meu poder.<br />

— Hum — fez José, semicerran<strong>do</strong> os olhos.<br />

— Ele esteve perto de você to<strong>do</strong> o dia. Na prisão...<br />

— Muito astuto.<br />

— Não percamos mais tempo. Vamos embora.<br />

Enquanto preparavam os cavalos e Roque alinhava os<br />

cadáveres para os transportar a Akron, o capitão pensava<br />

em Prudence. Tinha si<strong>do</strong> melhor assim. Ela fora embora e<br />

refaria sua vida.<br />

Mas Pnidence estava mais perto <strong>do</strong> que Roque<br />

imaginava.<br />

De onde estava oculta, podia ver perfeitamente José<br />

amarra<strong>do</strong> e Roque colocan<strong>do</strong> os cadáveres sobre os cavalos.<br />

Tinha nas mãos a machadinha de Smith. Aproximou-se<br />

lentamente. Tinha as palmas da mão molhadas de suor. José<br />

estava de costas. Era pena, pois Prudence preferia acabar


com ele frente a frente. Mas não podia arriscar-se. Estava a<br />

três metros dele. Agora era fácil. Correria sobre José e...<br />

Prudence avançou.<br />

José ouviu o ruí<strong>do</strong> das roupas da mulher e voltou a<br />

cabeça.<br />

O primeiro momento foi de espanto. O segun<strong>do</strong>, de<br />

pavor. Gritou.<br />

Mas era tarde. Enlouquecida, Prudence golpeava uma e<br />

outra vez a cabeça e o corpo de José Eldridge. Na verdade,<br />

estava já despedaçan<strong>do</strong> um cadáver, José, ensangüenta<strong>do</strong>,<br />

tinha morri<strong>do</strong> na terceira machadada.<br />

Logo Prudence se sentiu agarrada e perdeu a<br />

machadinha.<br />

— Por Deus, Prudence! Chega!<br />

Depois de Kátia ter joga<strong>do</strong> a machadinha para longe,<br />

Roque soltou-a. Ela ficou ali olhan<strong>do</strong> o cadáver de José.<br />

Logo rebentou numa gargalhada de loucura, que crescia<br />

mais e mais. Até que Roque lhe assestou uma seca bofetada.<br />

Prudence calou-se e seus olhos abriram-se<br />

desmesuradamente. Logo, como fulminada, caiu ao solo.<br />

Roque arrastou Prudence para junto <strong>do</strong> fogo e Kátia<br />

preparou uma caneca com café. Mas, quan<strong>do</strong> a mulher abriu<br />

os olhos, negou-se a beber.<br />

— Sente-se melhor? — perguntou Roque, enquanto ela<br />

chorava.<br />

Era um choro profun<strong>do</strong>, como se estivesse extravasan<strong>do</strong><br />

tu<strong>do</strong> o que a amargurara lhe proporcionou durante três anos.<br />

— Não sei... Não sei... Talvez você tivesse razão.<br />

— Posso ajudá-la?<br />

— Me ajudar? Como?<br />

— Não sei. Fazer alguma coisa por você.


— Não. Só quero ir embora daqui. Para bem longe.<br />

— Pode esperar e recuperar-se. Kátia não a aban<strong>do</strong>nará.<br />

— Kátia, sinto muito o que fiz você passar. A besta que<br />

era José não merecia que ninguém sofresse por ele. Me<br />

per<strong>do</strong>a?<br />

— Claro, Prudence.<br />

— E que vou fazer agora? To<strong>do</strong>s meus homens estão<br />

mortos...<br />

— Para refazer sua vida não precisa deles Prudence.<br />

— Não. Mas não sei para onde ir, o que fazer...<br />

— Tem to<strong>do</strong> o tempo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> para pensar, Prudence.<br />

— Mas estou em dívida para com a lei, não?<br />

— Isso é verdade.<br />

— E você é a lei, Roque...<br />

— Não neste caso. Devo confessar que minha loucura<br />

não teria si<strong>do</strong> menor. Se você se considera em dívida para<br />

com a lei, entregue-se. Vá a São Marcos e conte o que<br />

aconteceu. Foi lá que os crimes de José foram cometi<strong>do</strong>s.<br />

— Tome o café, Prudence — atalhou Kátia.<br />

— Obrigada. Agora, vou tomar.<br />

— Então?<br />

— Posso pegar um cavalo?<br />

— Claro — concor<strong>do</strong>u Roque. — Se quiser vir comigo a<br />

Forte Morgan, poderei destacar alguém para a acompanhar.<br />

— Não. Irei sozinha. A menos que...<br />

Roque e Kátia trocaram um olhar.<br />

— Claro. Eu vou preparar um cavalo para você,<br />

Prudence — concluiu o capitão.


EPÍLOGO<br />

Roque estava senta<strong>do</strong>, no escuro, no comissaria<strong>do</strong>. Os<br />

passos <strong>do</strong> comissário Mad<strong>do</strong>x aproximaram-se. Roque<br />

apagou o cigarro e disse:<br />

— Comissário Mad<strong>do</strong>x. Estava esperan<strong>do</strong> você.<br />

— Capitão!— sobressaltou-se o outro.— Procurei-o por<br />

to<strong>do</strong> o la<strong>do</strong>. Trouxe esses homens e sumiu.<br />

— Não precisa acender a luz. As pessoas poderiam<br />

reagir mal, se soubessem que temos aqui um deti<strong>do</strong>,<br />

relaciona<strong>do</strong> com os acontecimentos da estrada de ferro. Dême<br />

a chave que eu preciso ir falar com Gwillin. Você fica<br />

aqui.<br />

— De acor<strong>do</strong>, capitão.<br />

Roque entrou na cela de Gwillin e disse:<br />

— Tenho más notícias para você. José Eldridge foi preso<br />

e confessou tu<strong>do</strong>.<br />

— Confessou? E onde está ele?<br />

— Já a caminho de Forte Morgan. Você seguirá amanhã.<br />

— Cheguei a pensar que ele era o homem ideal. Não<br />

parecia fácil suspeitar dele. Misturar assuntos pessoais com<br />

os negócios sempre deu mal resulta<strong>do</strong>. Mas eu sei perder.<br />

— Antes isso.<br />

— Ele falou-lhe das sabotagens?<br />

— Resistiu, mas acabou falan<strong>do</strong>.<br />

— E. Era um bom plano, apesar de ninguém o entender.<br />

As sabotagens preparadas por mim atrasaram a construção<br />

<strong>do</strong> ramal no <strong>do</strong>bro <strong>do</strong> tempo. Parecia que Eldridge ia perder<br />

as ações que investira na estrada de ferro. Mas não era<br />

assim. De tal forma que a companhia para quem ele trabalha


estava à beira da falência. Mais uma sabotagem e seria o<br />

fim deles.<br />

— Mas viria a concorrência, Gwillin.<br />

— Claro. Só que a concorrência sou eu, capitão. Claro<br />

que meu nome não é Gwillin, nem ven<strong>do</strong> relógios em<br />

Denver. Meu lugar é num escritório, atrás de uma mesa<br />

onde se traçam negócios legais. Só que, desta vez, me<br />

deixei levar pela ambição. Mas saberei perder com<br />

dignidade.<br />

— Então você representa outra companhia ferroviária?<br />

— Exatamente. A que teria prossegui<strong>do</strong> com as obras,<br />

logo que esta tivesse fali<strong>do</strong> totalmente.<br />

— Meio milhão de dólares para Eldridge.<br />

— É verdade. O trabalho que ele fazia para nós merecia<br />

esse dinheiro.<br />

— Bem, sua confissão foi bem clara. Você a ampliará<br />

em Forte Morgan. Com seu verdadeiro nome, o de sua<br />

companhia, todas essas coisas.<br />

— Claro. Meu silêncio não tem mais razão de ser.<br />

Eldridge sabe demais a meu respeito.<br />

— Isso mesmo.<br />

— Capitão, não pode me manter aqui, sem comer e sem<br />

tratamento decente.<br />

— Pense um pouco e veja se posso ou não, Gwillin.<br />

Você não é tão inteligente como pensa. Eldridge morreu<br />

esta noite, sem ter dito uma palavra sobre este assunto.<br />

Gwillin quase deu um pulo.<br />

— Está mentin<strong>do</strong>!<br />

— Não seja ingênuo.<br />

— Negarei tu<strong>do</strong>...


— Faça como quiser. Eu já sei o que devia saber e onde<br />

procurar, se for preciso.<br />

— Você é um porco... Um imun<strong>do</strong>...<br />

— Calma, Gwillin, olhe sua dignidade.<br />

Roque Savajo saiu <strong>do</strong> comissaria<strong>do</strong>. O ar da noite<br />

pareceu-lhe demasia<strong>do</strong> quente. Sentia-se cansa<strong>do</strong>, exausto.<br />

* * *<br />

Estavam os <strong>do</strong>is senta<strong>do</strong>s na sala, beijan<strong>do</strong>-se. Diante<br />

deles estava a janela, contemplan<strong>do</strong> as colinas por onde<br />

Kátia esperara ver chegar Roque. Um cheiro penetrante<br />

chegou até eles.<br />

— O pato, Roque! Queimou-se to<strong>do</strong>. Esqueci-me que o<br />

tinha deixa<strong>do</strong> no forno.<br />

Entre risadas, correram para a cozinha. Era verdade. Do<br />

pato restavam apenas pedaços carboniza<strong>do</strong>s.<br />

— Tenho uma novidade, sobre Forte Morgan.<br />

— Qual? Sobre Prudence?<br />

— Não. Ela vai ficar bem. Mandei um relatório para São<br />

Marcos e a justiça não será muito dura com ela. E sobre o<br />

exército.<br />

— Como assim?<br />

— Vão abrir uma guarnição militar aqui, em Akron, sob<br />

o meu coman<strong>do</strong>.<br />

— Isso é maravilhoso, Roque.<br />

— Vamos celebrar?<br />

— Como? Não temos mais pato...<br />

— Celebraremos de outro jeito, sua bobinha — sorriu<br />

ele, puxan<strong>do</strong>-a para si.<br />

Entardecia lentamente e os <strong>do</strong>is corpos mantinham-se<br />

estreitamente abraça<strong>do</strong>s.


Eram cinco anos de separação, que precisavam ser<br />

recupera<strong>do</strong>s em cada minuto de vida que teriam a partir<br />

desse momento.<br />

(c) 1997 – MORTIMER CODY<br />

Título <strong>do</strong> original:<br />

CON MONEDA DE ODIO<br />

Pentea<strong>do</strong> <strong>do</strong>s Reis<br />

CARGA DUPLA 267

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