Previz2 - 11.07 VRamalho

41 - Cucha Carvalheiro
A nossa amizade faz setenta anos! Brindemos!
Querido Victor,
Da nossa infância na Cáala, recordo as brincadeiras na rua, as goiabeiras a que trepávamos
nos quintais, sem medo das cobras e lagartos com que os europeus imaginam África. Liberdade
e prazer dos desafios. Grandes horizontes, naquele planalto a dois mil metros, tão perto
das estrelas que nos convidavam a sonhar o céu como limite.
Mas recordo também as matinées de domingo no cinema, a que nós, meninos brancos, assistíamos,
confortavelmente instalados, aos filmes do Roy Rogers, enquanto os meninos pretos
eram empurrados para as traseiras do écran. Ou a estação do caminho de ferro, construída pelos
ingleses, com o grande mural de azulejos a deturpar o nome da terra: Vila Robert Williams.
Cáala era o nome dos “indígenas”, a quem eram impostas instalações sanitárias à parte: “Homens”,
“Senhoras”, “Indígenas”, como se o “sim senhor” dos negros fosse diferente do nosso.
Primeiras mas indeléveis impressões de injustiça, o sentido da justiça a crescer dentro de nós.
Na adolescência e juventude, a “Metrópole” não é a pequena vila que nos aproxima, o sentimento
de “família” reacende-se em cada encontro, mas, a pouco e pouco, a vida foi-nos
separando e fomos seguindo à distância os precursos um do outro.
Reencontrámo-nos improvavelmente, já na maturidade, quando confiaste em mim para dirigir
o Teatro da Trindade, tutelado pela Fundação Inatel, a que presidias.
Se tivesse que resumir as qualidades da tua liderança, que são, afinal, os grandes pilares da
tua vida, iria buscar os valores que aprendemos na Caála da nossa infância: a liberdade para
ver mais longe, o prazer do desafio, o sonho por grandes horizontes, o sentido da justiça, a
solidariedade.
Como cantava o Brel da nossa juventude:
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes !!!
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Um grande beijo de parabéns.
Cucha Carvalheiro
Julho de 2018