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OLHARES

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dizer que o Animal vai se caracterizando como um sujeito de direito (o urso polar tem direito de continuar<br />

o ar que respiramos. É claro que, no mundo de hoje, é politicamente correto pensar a esfera jurídica<br />

a comer uma ração razoável de peixes e focas) e, além dele, a própria Terra. No seu país Michel Serres foi<br />

como o espaço-tempo da reparação das injustiças e destruições, humanas, sociais, culturais e naturais,<br />

um pioneiro que, na época, alguns achavam ridículo, ao considerar a Terra como sujeito de direito (SERRES,<br />

causadas por séculos de colonização e exploração de uma mão de obra barata e quase inesgotável após<br />

1994), cujos interesses e direitos deviam ser representados por porta-vozes humanos, através de ONGs<br />

a substituição, por africanos, dos indígenas que os colonizadores achavam ter sido exterminados. Mas<br />

transnacionais. Mais uma vez o pensamento complexo nos obriga, nós acadêmicos, a muita humildade,<br />

todo mundo sabe que essa teleonomia da reparação, desejada pelo governo federal, bate em empecilhos<br />

já que a Mãe-Terra sempre foi um sujeito vivo, respeitado, honrado e sagrado, em civilizações nativas. Na<br />

fortíssimos, interesses institucionais, de classe, e, ainda, de raça, dependência para com o sistema<br />

<strong>OLHARES</strong><br />

Bahia, ainda não consigo entender a partir de quais argumentos jurídicos referidos à proteção do Parque<br />

Ambiental Federal, o Monte Pascoal, Montanha Sagrada do povo Pataxó, não pode lhe ser restituído.<br />

- O critério da teleonomia 5 : segundo os teóricos do pensamento complexo, o objeto de pensamento<br />

financeiro internacional, compromissos políticos dos dirigentes com o setor das empresas multinacionais<br />

e coisas que existem no inconsciente institucional eurodescendente de cada um de nós. Uma certeza só:<br />

é imprevisível o futuro do processo de “reparação”.<br />

ARTIGOS<br />

deve ser interpretado a partir do seu comportamento, e não por si mesmo a partir de uma lei estrutural<br />

- O critério da agregatividade: segundo os teóricos do pensamento complexo, o objeto de pensamento<br />

interna. Ou seja: existir como objeto de pensamento é mobilizar recursos em relação a projetos que nós,<br />

é, de maneira consciente e voluntária - e não por negligência ou falha do pensador - “subjetivo”.<br />

modelizadores, pressupomos, mas, na maioria dos casos, sem que possamos comprovar esses projetos.<br />

Devemos renunciar para sempre ao projeto cartesiano de encontrar a objetividade, a qual seria obtida<br />

Esse critério opõe-se totalmente à base do assim chamado positivismo, que acredita em fatos brutos.<br />

pelo conhecimento exaustivo dos elementos considerados. Mais humildemente, devemos focalizar<br />

Na Teoria do pensamento complexo, pergunta-se: “Quais as finalidades que podemos pensar como<br />

nossa atenção sobre os passos pertinentes para a seleção dos elementos relevantes na construção<br />

orientando o devir dessa galáxia, dessa célula, dessa instituição, dessa classe social, ou desse traço cultural<br />

de um modelo satisfatório da realidade. Descartes pretendia não omitir nada e conseguir, assim, uma<br />

ou de personalidade, inconscientemente e em relação à totalidade?”. Ao pensarmos a aventura científica<br />

objetividade quase divina. Omitimos sim, selecionamos sim, desde o início do processo de pensamento,<br />

no contexto da vida, é claro que o universo inteiro é submisso à direção do tempo, que tanto os objetos<br />

ou seja, desde a criação dos nossos objetos de investigação. Somos necessariamente “implicados” (ou<br />

de investigação como nós - todos participam da intencionalidade global de envelhecer (ou seja: perder<br />

seja, etimologicamente, “dobrados”) no objeto que construímos. Pensadores como René Lourau (1988 e<br />

energia e complexidade) e, contraditoriamente, de resistir a esse envelhecimento, ao criarem estruturas<br />

1994), René Barbier (1985, 1993, 2006), Ruth C. Kohn (1985 e 1996) criaram, na área das ciências sociais<br />

mais complexas e mais energizadas – fontes da existência, primeiro da vida e, em seguida, das sociedades<br />

e humanas, uma complexa e potente teoria das implicações, diretamente ligada à Análise Institucional<br />

humanas e do psiquismo complexo que nos caracteriza. São misteriosos sim, o nosso envolvimento<br />

(LOURAU, 1993, 1995). Eles expõem o seguinte: quando consideramos um objeto de pensamento, esse<br />

inconsciente com a flecha do tempo, a nossa participação em devires temporais diferenciados, a nossa<br />

objeto já é configurado pela instituição à qual pertence (uma instituição não é somente uma organização,<br />

luta, pelo pensamento, contra a desagregação e a favor da emergência de estruturas cada vez mais<br />

e, sim, tudo o que é fruto da atividade humana, a qual inclui a dimensão imaginária. Por exemplo, a<br />

complexas e capazes de sobreviver à nossa desaparição. O físico Ilya Prigogine (2001) intitulou seu último<br />

instituição “educação” contém tanto o imaginário que temos do que é educar como o sistema educacional<br />

livro “O fim das certezas”, talvez sua herança epistemológica mais clara, como pensador do tempo não<br />

ou tal ou qual prática pessoal de ensino-aprendizagem). Nós mesmos somos configurados por instituições.<br />

reversível. Por causa, tanto da existência de “estruturas dissipativas” em organizações complexas, como<br />

Para retomar nosso exemplo, se eu fizer uma pesquisa sobre um aspecto da educação no Brasil, tenho<br />

da emergência espontânea e imprevisível de ordens altamente energizadas em rupturas de fase de um<br />

uma experiência própria da educação, do sistema educacional, tenho imaginação, expectativas e crenças<br />

sistema, podemos comprovar que, em certas condições distantes do equilíbrio, é impossível prever o<br />

sobre a educação, exigências, recusas, preconceitos etc. Minha pesquisa vai ser marcada pelas referidas<br />

estado futuro de um sistema 6 .<br />

experiências, expectativas, crenças e preconceitos. Daí a exigência científica de analisar minhas implicações<br />

Todo cientista, todo jurista, vivencia devires que conduzem à desagregação ou que resistem à<br />

no objeto de pesquisa, para elas não agirem inconscientemente. Mas mesmo com as melhores análises,<br />

mesma – e seus conceitos estão imersos nesse mundo temporal... que é tão presente e invisível como<br />

nunca atingirei a neutralidade e objetividade. Sempre meu raciocínio será marcado pela dimensão<br />

subjetiva sem a qual não há ser humano (portanto, não há ciência) e sempre agirão em mim ressonâncias<br />

5<br />

Jean-Louis Le Moigne fala de “teleologia”, mas prefiro a noção de teleonomia – oriunda da biologia -, para caracterizar a finalidade que orienta um<br />

ser como finalidade criada pelas interações entre esse ser e o meio ambiente (de maneira particular, o observador pertence a esse meio ambiente).<br />

6<br />

Existe uma discussão interessante entre a Escola de Copenhagen, fundada por Niels Bohr, e Ilya Prigogine, sobre as razões da indeterminação do<br />

comportamento de um sistema. Para essa Escola, o princípio de incerteza de Heisenberg mostra que é impossível conhecer com precisão, além da<br />

indeterminação limitada pela constante de Planck, ao mesmo tempo, massa, velocidade e posição de uma partícula elementar. Por essa razão, toda<br />

observação é alterada pelos instrumentos de observação, eles mesmos compostos de partículas, e nosso conhecimento dessa alteração não pode<br />

superar esse limite. Para Prigogine, nossa incerteza não vem dos nossos instrumentos, e, sim, está inscrita na própria natureza, já que, por definição,<br />

o comportamento de um conjunto de partículas é estatístico. Logo, podemos conseguir certa precisão sobre o comportamento do conjunto, e não<br />

sobre tal ou qual dos seus elementos. Neste sentido, a incerteza e imprevisibilidade é local. Há uma outra incerteza e imprevisibilidade, global dessa<br />

vez, que aparece quando o conjunto sofre uma mudança de fase (como, por exemplo, quando a água está fervendo ou quando osciladores entram em<br />

ressonância). Aí, é o comportamento do sistema que pode mudar de maneira imprevisível – o que acontece frequentemente nas ressonâncias (ver<br />

Prigogine, 2001 – a tradução brasileira parece em curso de reedição).<br />

intuitivas entre mim e meu objeto de estudo (principalmente quando esse objeto é um ser humano que<br />

age, sente, se emociona, intui...).<br />

O trabalho de conscientização crítica, pelo cientista, das suas implicações institucionais na pesquisa está<br />

no centro da obra da filósofa e historiadora da física Isabelle Stengers, que mostrou a íntima dependência<br />

da física, ciência que durante muito tempo foi considerada um modelo de objetividade, para com escolhas<br />

institucionais, políticas, ideológicas, conscientes ou inconscientes (STENGERS, 1993 – entre outras<br />

publicações). Daí a necessidade de diferenciar o que é científico do que não é (debate difícil, sutil e não<br />

UMA PUBLICAÇÃO DO NPPD I UNIJORGE I 16<br />

17 I UNIJORGE I UMA PUBLICAÇÃO DO NPPD

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