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44 Cartas ao Mundo liquido Mode - Zygmunt Bauman

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que seus pais com o futuro, concentrando-se no “aqui e agora”: uma vida de prazeres <strong>ao</strong><br />

alcance de suas mãos e de consumo imediato. Por isso foi apelidada, de forma um tanto<br />

mordaz, mas pungente, de me generation ou “geração do eu”, uma geração autocentrada.<br />

Em seguida veio a “geração Y”– a que hoje tem entre 11 e 28 anos. Estudiosos e<br />

pesquisadores concordam em dizer que suas atitudes os diferenciam bastante das gerações dos<br />

pais e avós. Os jovens da “geração Y” nasceram num mundo que seus pais não conheceram na<br />

juventude, que lhes era difícil ou até impossível imaginar quando tinham a idade que os filhos<br />

têm hoje, e que, depois, receberam com um misto de perplexidade e desconfiança: um mundo<br />

de emprego abundante, oportunidades aparentemente infinitas de prazer, cada um mais atraente<br />

que o outro – e capaz de multiplicar esses prazeres cada vez mais sedutores, relegando as<br />

antigas satisfações a uma aposentadoria precoce e <strong>ao</strong> esquecimento final.<br />

Tudo o que nos é fácil, constante e fartamente acessível tende a ser óbvio demais para ser<br />

notado, quanto mais para nos fazer pensar. Sem ar para respirar, não sobrevivemos mais que<br />

um ou dois minutos. Mas se nos pedissem para fazer uma lista das coisas que consideramos<br />

“essenciais à vida”, dificilmente nos lembraríamos de mencionar o ar. Na hipótese<br />

improvável de incluí-lo, ele aparecerá no fim da lista. Simplesmente presumimos, sem pensar,<br />

que o ar está presente a qualquer hora, em qualquer lugar; tudo o que temos de fazer é inspirálo<br />

na quantidade que nossos pulmões permitem.<br />

Até cerca de um ano atrás, o trabalho (pelo menos em nossa parte do mundo) era como o<br />

ar para nós: sempre disponível toda vez que precisávamos dele; se por acaso nos faltasse por<br />

um instante (como o ar fresco numa sala apinhada de gente), bastava um pequeno esforço<br />

(como abrir uma janela) para que as coisas “voltassem <strong>ao</strong> normal”. Por incrível que pudesse<br />

parecer <strong>ao</strong>s membros da geração dos baby boomers ou mesmo <strong>ao</strong>s da “geração X”, não<br />

admira que, segundo inúmeros pesquisadores, o “trabalho” apareça nos últimos lugares da<br />

lista “de itens indispensáveis <strong>ao</strong> bem viver” dos membros da “geração Y”. Se lhes pedirmos<br />

para justificar a razão dessa negligência, eles tendem a responder: “Trabalho? Sem dúvida é<br />

indispensável (como o ar) para nos manter vivos. Mas por si só não torna a vida boa de ser<br />

vivida. Ao contrário, pode torná-la um fardo tedioso, monótono, desinteressante, vazio – em<br />

que nada acontece, nada que desperte a imaginação, que estimule os sentidos. Se um trabalho<br />

nos dá pouco prazer, não se transforma em obstáculo para as coisas que realmente importam?<br />

A maior parte do tempo livre fora do escritório, da loja ou da fábrica, os dias de folga,<br />

quando algo mais interessante aflora em outro lugar qualquer, viajar, estar nos lugares e entre<br />

os amigos que a gente escolhe – tudo isso tem um aspecto em comum: tende a ocorrer fora do<br />

local de trabalho. A vida está em outro lugar!”<br />

Fossem quais fossem os projetos de vida que os integrantes da “geração Y” cultivassem<br />

e se empenhassem em realizar, eles dificilmente envolviam um emprego – menos ainda um<br />

trabalho regular que os comprometesse para todo o sempre. A última coisa de que gostariam é<br />

de um emprego com estabilidade eterna.<br />

Pesquisas revelam que as mais conceituadas agências de recrutamento e seleção de<br />

jovens talentos para o mercado de trabalho estavam perfeitamente informadas sobre as<br />

prioridades e fobias da “geração Y”. Suas campanhas de alistamento de candidatos<br />

empenhavam-se em acentuar as promessas de liberdade do emprego oferecido: jornadas de<br />

trabalho flexíveis, trabalho em casa, períodos sabáticos de afastamento, licenças de longa<br />

duração sem perda de vínculo empregatício e oportunidades de diversão e lazer durante o

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