Arquivo <strong>Revista</strong> O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> O bom conhecimento da alma humana Tratando com o próximo, não devemos desde logo considerar seus defeitos, mas precisamos ter um conhecimento exato de quais são seus lados positivos, e pensar como seria aquela alma se correspondesse ao que deve ser. Para se ter um bom conhecimento da alma humana não se deve ir desde logo aprofundando na consideração dos defeitos. Essa é uma concepção detetivesca que para efeito de polícia terá sua utilidade, mas para nós não é a verdadeira. Procurar ver no outro o que ele tem de melhor É preciso, tratando com o próximo, ter um conhecimento exato de quais são os lados positivos, o que seria aquela alma se correspondesse ao que deve ser. A partir daí se faz uma medida do que a alma deveria ser e o que ela é, e se vê a diferença no que está faltando. Depois pode-se ter a consideração do que a pessoa infelizmente é, do que pode vir a ser, do mal para o qual ela tende. Mas a vista primeira que elucida todo o resto é o conhecimento do melhor aspecto da pes- 14
soa. Eu acho que o espírito dos ditos argutos não vê isto, e por essa razão eles acabam vendo muito pouca coisa. Isso não é ingenuidade, porque não quer dizer que se imagine ser a pessoa como ela deveria ser, mas vê-se como ela deveria ser e não é. O que supõe na base da perspicácia uma generosidade de alma pela qual se é propenso a ver no outro o que ele tem de melhor, e não um rival, mas uma complementação de si próprio. Se a pessoa não tem esse estado de alma nunca chegará à verdadeira perspicácia. Há, portanto, um certo discernimento na base de todo conhecimento, por onde se vê, antes de tudo, o melhor aspecto da pessoa e algo que tocaria quase na pessoa utópica, em que ela fosse a plena medida de si própria, na promessa de Deus. A partir disso, então, é que vêm os vários graus de conhecimento. É muito importante esta impostação para conhecer as pessoas e saber agir em face delas, e ter assim o espírito retamente construído. Daí nasce um primeiro passo no caminho de uma ordem ideal realizável, que consiste em não se contentar com a vulgaridade, com a trivialidade, como sendo a própria face autêntica das coisas. Ao contrário, entender que a vulgaridade e a trivialidade são sempre deformações, pois nada é, ex natura propria, vulgar e trivial a não ser certas coisas materiais feitas por Deus para nos despertar a repulsa, pensar no Inferno, outras coisas assim; mas, de si, nada deve ser visto a não ser numa ordem cumeada que faz com que o justo viva de esperança e nunca perca, ao longo de sua vida, esse movimento de alma pelo qual ele trabalha continuamente para que todos e tudo se aproximem daquele ponto alto ideal. A arte, a cultura, o verdadeiro progresso Decorre daí uma visão de um plano de Deus sobre o conjunto das pessoas, das instituições, que é uma espécie de primeira elevação, primeiro salto que ainda não é voo, mas um ensaio de voo. A partir desse primeiro salto começa-se a subir para os saltos superiores. A arte, a cultura, o progresso no sentido bom da palavra são uma tendência para isso. E o encanto da Europa esteve em que ela intensamente teve isso, foi muito modelada para que no contato com cada coisa se visse o ideal dela e que cada uma, sem ser idêntica ao ideal, participasse em algo do ideal que ela tinha consigo. E a alma assim como estou dizendo já acolhe essas participações com simpatia, com bondade, ela não olha para a coisa que apenas participa do seu próprio ideal e afirma frustrada: “Porcaria! Você não participa inteiramente.” Não, ela diz: “É pena você não participar inteiramente, mas em tal ponto eu me encanto.” Há, portanto, uma espécie de posição benévola da alma que é o ponto inicial. A influência da Igreja ajuda fabulosamente as almas a serem assim. Eu conheci uma pessoa ou outra enormemente assim, que representava um convite contínuo a se colocar em função do próprio ideal. Não com repreensão, mas um convite generoso, bondoso, sem, contudo, ocultar o amargo da decepção. Assim, há um primeiro movimento de alma por onde se constrói um mundo para o qual se deve tender com uma esperança infatigável, pois vendo existir ali um plano de Deus, tem-se sempre a esperança da misericórdia d’Ele e da realização. A partir daí a pessoa pode subir, não digo cronologicamente, mas logicamente, para a utopia e depois para o sobrenatural. Há, pois, uma gradação que me parece interessante, mesmo porque não importa só à criança, uma vez que cada idade tem diante de si, a seu modo, essa encruzilhada e essa possibilidade que se abre. Autêntico idealismo Por exemplo, o modo de entender a vida de família pode comportar intimidades degradantes como também um respeito mútuo nobilitante, por mais pobre que seja, pois não entra em cena questão de dinheiro. Enfim, o convívio familiar pode elevar ou rebaixar, ter um dinamismo para cima ou para baixo, como também ter cruzadas algumas coisas muito altas e outras muito baixas onde, em geral, o muito baixo prevalece, naturalmente. Ora, o feitio de espírito bem construído não omite nada disso. Ao pensar em morar no céu azul, não deixa de considerar, em concreto, o ambiente onde está, mas deseja o modelo ideal de todas as coisas que vê, e tende para ele, batalha por ele e é, portanto, um homem imerso nesta vida concreta. É muito diferente do utopista que se lança num voo com uma espécie de horror desta vida concreta, um indivíduo que entre duas leituras de Saint-Exupéry 1 poderia perfeitamente estar numa estrebaria malcheirosa, e para quem a utopia faz as vezes de uma droga. Não é isso! É do alto de uma vida concebida nos seus modelos ideais, na sua arquetipia – os arquétipos têm um grande papel nisso – que se situa o idealismo, palavra conspurcada de todos os modos, mas cujo sentido bom encontra-se nessa faixa; esse é autêntico idealismo. O indivíduo que, fazendo uma reta análise de si mesmo, tem a noção do que ele deveria ser e procura participar do seu próprio papel na medida em que suas condições lhe permitam, não é um impostor, não visa inculcar a ideia de ser ele o que não é, mas procura ser tudo quanto deve, fazendo-o notar às outras pessoas, não para se estadear, mas por fidelidade aos seus próprios princípios. Isto é o oposto da teatralidade. O teatral procura fingir ser o que não é, não tem nenhuma vontade séria de ser o 15