25.06.2019 Views

Revista Educar Transforma - 2019

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Junho <strong>2019</strong> I Ano 5 I Edição 5<br />

Um panorama revelador<br />

das diretrizes para a construção dos<br />

currículos da Educação Básica em sintonia<br />

com as transformações na sociedade<br />

pág. 8<br />

ALUNO CIDADÃO<br />

Por que abordar temas<br />

contemporâneos é fundamental<br />

para formar protagonistas da<br />

sociedade. pág. 18<br />

PROJETOS INTERDISCIPLINARES<br />

Saiba como integrar<br />

conhecimentos de diversas áreas<br />

pode enriquecer o aprendizado<br />

em sala de aula. pág. 22<br />

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL<br />

A tecnologia se torna uma aliada<br />

cada vez mais importante para<br />

descobrir novas maneiras de<br />

ensinar. pág. 44


ÍNDICE<br />

Junho <strong>2019</strong> I Ano 5 I Edição 5<br />

8<br />

BNCC: UMA JORNADA<br />

DA TEORIA À PRÁTICA<br />

Conheça os principais desafios<br />

para construir o currículo<br />

escolar em sintonia com a Base<br />

Nacional Comum Curricular e as<br />

transformações da sociedade<br />

4 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


18<br />

ALUNO CIDADÃO<br />

Veja a importância<br />

de abordar temas<br />

contemporâneos<br />

em sala de aula para<br />

formar cidadãos<br />

protagonistas na<br />

sociedade<br />

22<br />

PROJETOS<br />

INTERDISCIPLINARES<br />

Conheça os benefícios<br />

de integrar o<br />

conhecimento de<br />

diversas áreas em<br />

projetos coletivos<br />

26<br />

MÚLTIPLAS<br />

LINGUAGENS<br />

Como o uso de<br />

diferentes linguagens<br />

pode contribuir para<br />

tornar o aprendizado<br />

mais significativo<br />

30<br />

AVALIAÇÕES<br />

EXTERNAS<br />

Confira as perspectivas<br />

e novidades nos<br />

exames nacionais<br />

com a chegada da<br />

BNCC e as mudanças<br />

propostas para a<br />

Educação<br />

FOTO DE CAPA<br />

A imagem do farol foi<br />

escolhida para representar<br />

a importância da BNCC em<br />

guiar os passos da Educação<br />

rumo ao futuro.<br />

EXPEDIENTE<br />

A <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

é uma publicação da Somos Educação<br />

Presidente Kroton Educacional<br />

Rodrigo Galindo<br />

Diretor Presidente da Educação Básica<br />

Mario Ghio<br />

VP de Negócios Educação Básica<br />

Guilherme Mélega<br />

Diretor Comercial<br />

Volnei Korzenieski<br />

Gerente par<br />

Daniela Villela Segura<br />

Diretora de Marketing<br />

e Inteligência Digital<br />

Renata Mascarenhas<br />

Gerente de Marketing<br />

Fernanda Barbosa<br />

Trade Marketing<br />

Ivan Hannonen Peão e Marina Romero Fogo<br />

Gerente Inbound Sales<br />

Alexandre Motta<br />

Marketing Educação Básica<br />

Fernanda Barbosa<br />

Coordenação e Gerência<br />

Assessoria Pedagógica<br />

Rosana Aguiar e Renata Rossi<br />

Gerente Inbound Sales<br />

Alexandre Motta<br />

Equipe Inbound Marketing<br />

Amanda Sampaio, Cristiane Gontijo,<br />

Glauco Lucena, Luísa França e Mateus Conde<br />

Projeto Gráfico e Editorial<br />

Novacia Marketing e Comunicação<br />

(11) 3382-9700<br />

Jornalista Responsável<br />

Anderson Martins Mtb 42.569<br />

Fotos<br />

Acervo Somos, Colaboradores Somos,<br />

Divulgação, Pexels, Shutterstock e Unsplash<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

5


ÍNDICE Junho <strong>2019</strong> I Edição 5<br />

46<br />

O LÚDICO NA<br />

MATEMÁTICA<br />

Jogos e brincadeiras<br />

podem ser grandes<br />

aliados no ensino<br />

da disciplina para<br />

crianças<br />

E MAIS<br />

7 CANAL ABERTO<br />

Mario Ghio, diretor-presidente da Educação<br />

Básica na Somos Educação, apresenta as<br />

perspectivas e tendências para o Brasil<br />

50<br />

INDÚSTRIA 4.0<br />

Como preparar<br />

o jovem para os<br />

desafios do futuro,<br />

sem deixar de lado<br />

a formação cidadã<br />

34 DIZ AÍ, MESTRE<br />

O educador José Marcos Couto fala sobre a<br />

importância do contato cultural e artístico para<br />

a formação social dos alunos<br />

32 COM A PALAVRA<br />

A autora Telma Weisz compartilha sua vivência<br />

em sala de aula e fala sobre o protagonismo<br />

do aluno no processo de aprendizagem<br />

36 O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA<br />

A linguagem do movimento como aliada para<br />

a formação de valores e a interdisciplinaridade<br />

52<br />

INTELIGÊNCIA<br />

ARTIFICIAL<br />

Novas alternativas<br />

surgem todos os<br />

dias para tornar o<br />

ensino cada vez mais<br />

próximo do cotidiano<br />

digital das novas<br />

gerações<br />

40 O ENSINO DE UMA SEGUNDA LÍNGUA<br />

Porque aprender um idioma local pode ser<br />

fundamental para a integração cultural de<br />

quem vem de outro país<br />

44 ESCOLAS INOVADORAS<br />

Conheça práticas pedagógicas e tendências<br />

adotadas por escolas no Brasil e no mundo<br />

60 COLETIVO LEITOR<br />

A seção traz três artigos sobre o universo da<br />

Literatura e a formação de pequenos leitores<br />

58<br />

ARTES<br />

A inclusão de artes<br />

integradas pela<br />

BNCC abre novas<br />

possibilidades<br />

ao ensino<br />

das diferentes<br />

linguagens artísticas<br />

66 OUTRAS<br />

PALAVRAS<br />

A ética na escola<br />

sob o olhar do<br />

professor Clóvis<br />

de Barros Filho<br />

6 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


CANAL ABERTO<br />

MARIO GHIO<br />

Professor e Diretor Presidente<br />

da Educação Básica na Somos Educação<br />

DESAFIOS DE UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA<br />

O<br />

Brasil vive um momento educacional<br />

muito importante. Era um dos<br />

poucos países que ainda não tinha<br />

uma Base Nacional Comum Curricular.<br />

Agora, tem na BNCC um instrumento<br />

poderoso, não apenas para tornar claros os<br />

objetivos de aprendizagem de cada aluno,<br />

como também para capacitar o professor a<br />

propor situações didáticas nas quais os alunos<br />

possam desenvolver tais objetivos,<br />

com os mesmos parâmetros<br />

no sul ou no norte do país.<br />

Vale frisar que não se<br />

trata de uma Base definitiva,<br />

outras virão, resultantes de<br />

um debate necessário que<br />

nos leva a evoluir. Temos<br />

grande expectativa de que<br />

o novo governo siga de fato<br />

o caminho da implantação<br />

da BNCC e também da reforma<br />

do Ensino Médio, cujo índice<br />

de evasão de 60% é um sinal<br />

eloquente de que precisa melhorar.<br />

Por outro lado, vemos muita pressão<br />

sobre a escola, vinda não somente de uma<br />

sociedade mais politizada, mas sobretudo de<br />

uma juventude que chega muito mais informada,<br />

mais conectada e também mais dispersa.<br />

É um cenário novo, que desafia os educadores<br />

em todo o mundo. Afinal, a escola é um<br />

para-raios de todas a angústias da sociedade.<br />

Do ponto de vista da tecnologia, há muitas<br />

questões a observar. Nos países onde ela<br />

está mais disponível à população, a escola é<br />

pressionada por não conseguir cumprir o seu<br />

papel de ser a maior representante da sociedade<br />

para educar. Nos Estados Unidos, por<br />

exemplo, já se questiona se a escola informa<br />

melhor do que o Google. Já na Índia, milhões<br />

de crianças têm acesso a conteúdos, pela<br />

primeira vez, por meio da tecnologia. Ou seja,<br />

de um lado, a tecnologia é libertadora; de<br />

outro, traz dilemas tais como: qual é o papel<br />

da escola se as aulas no YouTube são muito<br />

mais interessantes?<br />

Nesse contexto, a principal função da<br />

escola, em seu esforço coletivo, é<br />

também ensinar habilidades<br />

socioemocionais. É lá que o<br />

aluno deve aprender a se<br />

relacionar com as pessoas,<br />

a ser tolerante e a conviver<br />

com as diferenças.<br />

Cabe à tecnologia fazer<br />

algo que a escola não<br />

consegue: personalizar a<br />

aprendizagem, pois alunos<br />

diferentes têm dúvidas e<br />

facilidades diferentes.<br />

Outro tema relevante<br />

diz respeito à sistematização<br />

do ensino em busca de melhorias<br />

na aprendizagem, um processo que deverá<br />

se intensificar e se estender à formação<br />

docente e à avaliação dos alunos, tendo na<br />

BNCC uma forte aliada como estruturadora<br />

do conteúdo curricular.<br />

São os desafios de uma longa jornada,<br />

que devemos percorrer em conjunto, seja na<br />

esfera pública ou privada, para a construção<br />

de uma educação cada vez melhor.<br />

Boa leitura e ótimo ano letivo!<br />

Mario Ghio<br />

Mande sua dúvida, comentário ou sugestão para: atendimento@aticascipione.com.br ou saceditorasaraiva@somoseducacao.com.br<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

7


CAPA<br />

TEORIA E PRÁTICA DA BNCC<br />

BNCC:<br />

UMA JORNADA<br />

DA TEORIA<br />

À PRÁTICA<br />

Entenda os principais desafios<br />

para colocar o currículo escolar<br />

nos trilhos da Base Nacional<br />

Comum Curricular<br />

Oano letivo de 2020 está mantido como marco da<br />

virada de página nos rumos da Educação brasileira,<br />

ao consolidar a implementação das diretrizes para a<br />

elaboração dos currículos escolares em todo o país.<br />

Até o momento, já se contabilizam quatro anos<br />

de debates, 12 milhões de contribuições e 9 mil<br />

recomendações para o documento final de 600 páginas que começa<br />

a ser implementado na Educação Infantil e no Ensino Fundamental<br />

– sendo que a homologação da parte referente ao Ensino Médio<br />

só ocorreu em dezembro de 2018, e suas normas começam a ser<br />

adotadas no ano que vem.<br />

8 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Nesta reportagem, você vai conhecer os principais desafios que<br />

a Base traz do ponto de vista prático, com desdobramentos que<br />

atingem todas as camadas de ensino – desde a alfabetização até o<br />

Ensino Médio. Com a ajuda de especialistas, apresentamos reflexões<br />

sobre os temas centrais do debate educacional, como elaboração de<br />

currículos, uso do livro didático e formação de professores.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

9


CAPA<br />

TEORIA E PRÁTICA DA BNCC<br />

A versão final da BNCC, aprovada<br />

em 2017, adotou o conceito<br />

de desenvolvimento de competências<br />

como fundamento<br />

pedagógico, indicando “o que os<br />

alunos devem ‘saber’ e, principalmente,<br />

o que devem ‘saber fazer’<br />

– considerando a mobilização<br />

dos conhecimentos, habilidades,<br />

atitudes e valores para resolver<br />

demandas complexas da vida<br />

cotidiana, do pleno exercício da<br />

cidadania e do mundo do trabalho”.<br />

Nesse sentido, aponta que o<br />

ensino deve dialogar permanentemente<br />

com a realidade atual.<br />

Conforme o documento, ao<br />

longo de toda a Educação Básica,<br />

os profissionais precisam orientar<br />

os alunos para o desenvolvimento<br />

de dez competências gerais<br />

capazes de assegurar a formação<br />

integral “que visa à construção de<br />

uma sociedade justa, democrática<br />

e inclusiva”. Aquilo que os alunos<br />

devem “saber e saber fazer” em<br />

cada período da vida evolui a<br />

partir de conhecimentos básicos,<br />

em boa medida já de domínio dos<br />

professores, porém agora sistematizados<br />

de outra forma.<br />

Considerando os direitos de<br />

aprendizagem e desenvolvimento<br />

na Educação Infantil, por exemplo,<br />

a Base determina quais são os<br />

objetivos de conhecimento dentro<br />

de cada um dos cinco campos de<br />

experiências estabelecidos. No<br />

entanto, é a escola que define a<br />

melhor estratégia para alcançá-los.<br />

A elaboração do currículo<br />

A implementação da BNCC<br />

representa uma missão complexa<br />

para as escolas, na medida em<br />

que estabelece prioridades como<br />

a formação inicial e continuada<br />

dos professores, a atualização<br />

dos livros didáticos e a adaptação<br />

dos currículos escolares às novas<br />

diretrizes.<br />

Foi com esse olhar que a Somos<br />

Educação passou a oferecer<br />

a ferramenta BNCC na Prática<br />

(www.bnccnapratica.com.br) –<br />

uma plataforma gratuita que permite<br />

aos educadores promover<br />

debates e análises a respeito da<br />

sua grade escolar com os conceitos<br />

alinhados ao documento.<br />

“A plataforma integra o projeto<br />

Matriz Somos, cuja premissa é<br />

fornecer às escolas e editoras de<br />

livros didáticos um instrumental<br />

que esteja em consonância com<br />

a BNCC,” explica a coordenadora<br />

da área Pedagógica Bianka de<br />

Andrade Silva.<br />

A plataforma BNCC na<br />

Prática é uma ferramenta<br />

para ajudar os educadores<br />

na elaboração dos currículos<br />

O livro didático no planejamento<br />

“Embora não seja o único ponto<br />

de apoio, o livro é um grande<br />

aliado para o planejamento das<br />

aulas, considerando a realidade<br />

do professor que tem pouco<br />

tempo para elaborar materiais”,<br />

afirma Bianka. Ela recomenda<br />

ainda que os professores consultem<br />

a documentação relativa à<br />

legislação (como a própria BNCC),<br />

busquem apoio junto às secretarias<br />

de educação e conheçam<br />

o projeto político pedagógico<br />

da escola.<br />

“Trata-se de um conjunto<br />

mínimo de conteúdos para a<br />

elaboração de um planejamento<br />

eficiente. Assim, a ansiedade da<br />

implementação diminui, sobretudo,<br />

porque grande parte das<br />

aprendizagens a serem ensinadas<br />

não são novidades para as instituições<br />

de ensino”, observa.<br />

O desafio da formação<br />

Tanto o planejamento escolar<br />

quanto o alcance dos objetivos<br />

estipulados dependem da formação<br />

inicial e da educação continuada<br />

dos educadores sob o<br />

conceito de desenvolvimento de<br />

competências. No primeiro caso,<br />

as grades curriculares das universidades<br />

já estão sendo reformuladas<br />

para formar professores<br />

em sintonia com as demandas<br />

didático-metodológicas da BNCC.<br />

Quanto aos profissionais já em<br />

atividade, a formação profissional<br />

continuada é fundamental e<br />

pode ser alcançada por meio de<br />

permanentes espaços de discussões<br />

em reuniões pedagógicas<br />

nas redes/escolas, de cursos de<br />

aperfeiçoamento de ensino oferecidos<br />

pelo MEC.<br />

10 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


A BNCC DO NOVO<br />

ENSINO MÉDIO<br />

Homologada em dezembro do ano<br />

passado, a BNCC do Ensino Médio deve<br />

ser implementada a partir de 2020. O<br />

documento surge no contexto de várias<br />

mudanças na legislação, a começar da<br />

reforma do segmento, aprovada no<br />

Congresso Nacional, em 2017.<br />

A alteração na Lei de Diretrizes<br />

e Bases da Educação modificou<br />

tanto a estrutura do Ensino<br />

Médio quanto as Diretrizes<br />

Curriculares Nacionais (DCNs),<br />

definindo uma nova organização<br />

curricular e a oferta dos chamados<br />

itinerários formativos.<br />

Conheça as<br />

principais normas:<br />

Competências específicas<br />

Orientam o que o currículo deve trabalhar em cada área<br />

do conhecimento, incentivando uma abordagem interdisciplinar<br />

• Matemática e suas Tecnologias<br />

• Linguagens e suas Tecnologias (Arte, Educação Física,<br />

Língua Inglesa e Língua Portuguesa)<br />

• Ciências da Natureza (Biologia, Física e Química)<br />

• Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (História, Geografia,<br />

Sociologia e Filosofia)<br />

Currículos<br />

Estabelecem como atender aos objetivos apontados pela BNCC.<br />

Sua elaboração é competência das redes de ensino e das escolas,<br />

considerando a Base e as realidades e necessidades locais.<br />

Itinerários formativos<br />

São cinco itinerários formativos de livre escolha do aluno. A escola<br />

deve oferecer pelo menos um deles, tendo autonomia para organizá-los.<br />

Os alunos poderão cursar mais um itinerário formativo,<br />

de forma concomitante ou após o término da primeira escolha.<br />

1. Linguagens e suas Tecnologias<br />

2. Matemática e suas Tecnologias<br />

3. Ciências da Natureza e suas Tecnologias<br />

4. Ciências Humanas e Sociais Aplicadas<br />

5. Formação Técnica e Profissional<br />

Carga horária<br />

As diretrizes da BNCC (ou a formação geral básica) devem corresponder<br />

a até 60% da carga horária do Ensino Médio, ou seja, até 1.800<br />

horas (essa carga horário a ser atingida de forma progressiva). A carga<br />

horária restante deverá ser destinada aos itinerários formativos.<br />

Prazo para implementação<br />

A partir do segundo ano letivo subsequente à data da homologação<br />

(14 de dezembro de 2018).<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

11


CAPA<br />

TEORIA E PRÁTICA DA BNCC<br />

Mais de 5.400 escolas e<br />

aproximadamente 4 milhões de<br />

estudantes. Essa é a dimensão<br />

do ensino público em São Paulo,<br />

se considerarmos apenas a rede<br />

estadual. Desde 2017, boa parte<br />

dessa comunidade – incluindo<br />

ainda pais de alunos e diretores<br />

de escolas – vem participando,<br />

por meio de canais de comunicação<br />

e diálogo, do desenho do<br />

modelo educacional a ser implementado<br />

a partir das diretrizes<br />

da BNCC.<br />

Foram várias ações destinadas<br />

DESAFIOS<br />

DE UMA<br />

CONSTRUÇÃO<br />

COLETIVA<br />

Conheça algumas fases da trajetória<br />

de implementação da BNCC no maior<br />

estado brasileiro e os desafios<br />

a serem superados<br />

ao diagnóstico das redes de ensino<br />

estadual e municipais e à construção<br />

do referencial curricular<br />

da Educação Infantil e do Ensino<br />

Fundamental sob a ótica da BNCC.<br />

Além de consultas on-line abertas<br />

à sociedade, foram instaladas mais<br />

de 90 unidades regionais para encontros<br />

de educadores, gestores e<br />

representantes de escolas privadas.<br />

Mais de 600 municípios foram<br />

representados, gerando cerca de 2<br />

milhões de contribuições, simultaneamente<br />

ao processo que ocorria<br />

em todo o país.<br />

“Foi a efetivação do que chamamos<br />

de regime de colaboração<br />

para entender como são vistas as<br />

construções de competências e<br />

habilidades sob o ponto de vista<br />

das escolas”, define Herbert da<br />

Silva, que participou ativamente<br />

nas discussões enquanto ocupou<br />

a diretoria do Departamento<br />

Estadual de Desenvolvimento<br />

de Currículos da Educação Básica<br />

de São Paulo. “Criou-se também<br />

uma referência para o trabalho<br />

a ser feito em relação ao Ensino<br />

Médio, que nos traz outro desa -<br />

fio: o de considerar e respeitar<br />

as parti cularidades dos indivíduos<br />

e das unidades escolares em<br />

seus territórios.”<br />

Sobre o Ensino Médio, Herbert<br />

sugere que é preciso fortalecer o<br />

papel dos grêmios estudantis nas<br />

discussões sobre a elaboração<br />

dos currículos, além de estimular<br />

os estudantes a debater, por meio<br />

de encontros presenciais, pesquisas<br />

e questionários, temas que<br />

dizem respeito à gestão escolar,<br />

como atuação do poder público,<br />

orçamento participativo, construção<br />

do projeto político pedagógico<br />

da escola e participação dos<br />

conselhos de classe.<br />

A voz do estudante<br />

Para Herbert, que é doutor em<br />

Educação pela USP, esse movi-<br />

12 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


mento está alinhado ao propósito<br />

da BNCC de dar voz ao estudante<br />

para ouvir o que ele entende<br />

sobre a escola e sobre o ensino,<br />

com foco no desenvolvimento<br />

pleno, tendo como referência as<br />

habilidades, as relações interpessoais<br />

e as questões emocionais.<br />

“As diretrizes e parâmetros<br />

curriculares do passado tinham<br />

objetivos de aprendizagem que<br />

colocavam o aluno de forma<br />

passiva diante do conhecimento,<br />

enquanto a Base faz outro caminho,<br />

no sentido de promover a<br />

sua autonomia e protagonismo”,<br />

analisa. “Não se trata de afastar o<br />

professor do processo, mas sim<br />

de colocar o estudante no centro,<br />

mediante um planejamento<br />

adequado ao seu ritmo de aprendizagem<br />

e para apoiá-lo em seu<br />

desenvolvimento ao longo da<br />

vida escolar.”<br />

Essa perspectiva do protagonismo,<br />

segundo Herbert, também<br />

ganha força pela necessidade<br />

urgente de mudanças no Ensino<br />

Médio, em razão dos elevados índices<br />

de reprovação e abandono e<br />

do baixo nível de aproveitamento<br />

de quem conclui o ciclo. “Claro<br />

que existem fatores sociais envolvidos,<br />

mas esse quadro negativo é<br />

reflexo de um processo contínuo<br />

que vem desde o Ensino Fundamental”,<br />

observa.<br />

Para ele, essa visão que contempla<br />

desenvolvimento pleno e<br />

protagonismo pressupõe olhar<br />

para um estudante que pertence<br />

a um território com identidade, e<br />

não somente a um sistema único<br />

de ensino. Nesse cenário, a BNCC<br />

deve servir como bússola para<br />

orientar as aprendizagens que devem<br />

ser asseguradas nos currículos.<br />

“No caso da reforma do Ensino<br />

Médio, o que se espera a partir<br />

da construção de conhecimento<br />

transversal é que as particularidades<br />

e customizações tragam<br />

equidade alinhada a igualdade<br />

de direitos às aprendizagens.<br />

Ou seja, é preciso garantir não<br />

apenas aprendizagens essenciais,<br />

como também paridade entre os<br />

itinerários formativos e os arranjos<br />

curriculares. Em outras palavras:<br />

um estudante que escolher<br />

determinado itinerário tem que<br />

desenvolver suas competências<br />

e habilidades ao mesmo tempo<br />

em que possa mudar sua escolha<br />

ao longo do curso, sem prejuízo<br />

de andamento dos estudos e de<br />

modo que assegure seu direito<br />

a educação, o que é típico em<br />

jovens dessa faixa etária”.<br />

Ainda no âmbito do Ensino<br />

Médio, esse é um grande desafio<br />

para as redes públicas. No<br />

estado de São Paulo, assim<br />

como em várias unidades da<br />

Federação, muitas cidades têm<br />

somente uma escola estadual<br />

com oferta de vagas no segmento.<br />

“Como planejar a oferta de<br />

diferentes itinerários formativos<br />

nesses locais, com esse caráter<br />

de mobilidade, de acordo com o<br />

novo Ensino Médio?”, questiona.<br />

A importância da<br />

formação docente<br />

Não menos relevante, outro<br />

desafio para a implementação da<br />

BNCC está na formação de professores<br />

e gestores de ensino. “Temos<br />

que construir em todas as redes,<br />

sobretudo na esfera pública, um<br />

plano de formação de educadores<br />

amplamente estruturado e direcionado<br />

às novas diretrizes, para que<br />

eles sejam capacitados a concretizar<br />

e contribuir com o que está<br />

previsto na legislação e na nova<br />

normatização,” completa Herbert.<br />

Em meio a essa fase de<br />

transição, ele ressalva que as<br />

mudanças em todos os seus aspectos<br />

têm que ser graduais, sem<br />

romper com o que se conquistou<br />

com o modelo de ensino atual.<br />

“Nesse cenário, além de bons professores,<br />

precisamos de políticas<br />

públicas integradoras e também<br />

de instituições e instâncias representativas<br />

da educação formadas<br />

nessa nova perspectiva.”<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

13


CAPA<br />

TEORIA E PRÁTICA DA BNCC<br />

Por que e para que a gente<br />

aprende a ler e escrever? As respostas<br />

a essas perguntas podem<br />

parecer óbvias, mas nunca foi tão<br />

importante refletir sobre o assunto.<br />

Especialmente depois que a<br />

BNCC determinou a antecipação<br />

do processo de alfabetização –<br />

antes deveria ocorrer até o terceiro<br />

ano do Ensino Fundamental e,<br />

agora, deve acontecer até o fim do<br />

segundo. Há ainda um alerta nas<br />

discussões sobre a “idade certa<br />

para se alfabetizar”.<br />

Um dos principais desafios está<br />

relacionado à visão de continuidade<br />

do processo de aprendizado.<br />

De acordo com a BNCC, ele é prioridade<br />

no primeiro e no segundo<br />

anos do Ensino Fundamental. Contudo,<br />

na opinião de Renata Rossi,<br />

mestre em Educação, Linguagem e<br />

Psicologia pela USP, não é possível<br />

afirmar que a alfabetização só<br />

acontece nesse período. “Podemos<br />

dizer que ela é mais intensa nesses<br />

dois anos, mas começa bem antes<br />

e continua depois”, pondera.<br />

Para Renata, que também é<br />

gerente da equipe de Assessoria<br />

Pedagógica da Somos Educação,<br />

além de compreender que se<br />

trata de um processo contínuo, o<br />

professor deve conhecer a fundo<br />

os meios pelos quais as crianças<br />

aprendem a ler e escrever. “A<br />

noção de que ‘eu ensino e você<br />

aprende’ perdeu sentido. O docente<br />

precisa propor atividades adequadas<br />

aos mecanismos que os<br />

alunos desenvolvem em relação à<br />

língua. Ao ler um texto de história,<br />

por exemplo, ele realiza uma atividade<br />

que envolve a alfabetização,<br />

14 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


A TRAJETÓRIA<br />

CONTÍNUA DA<br />

ALFABETIZAÇÃO<br />

Para especialista, o período de<br />

aprendizagem de leitura e escrita<br />

não se restringe aos primeiros<br />

anos do Ensino Fundamental<br />

pois se trata de uma prática de<br />

linguagem; ler para conhecer, para<br />

saber mais sobre um assunto”.<br />

É por isso, no entendimento de<br />

Renata, que as reflexões sobre a<br />

língua devem acontecer já na Educação<br />

Infantil. “Nem todo mundo<br />

percebe que ouvir e conversar<br />

sobre uma leitura feita pelo professor<br />

já faz parte do processo de<br />

alfabetização, e já é o ingresso nas<br />

culturas da escrita”, observa. Nesse<br />

sentido, embora a BNCC situe<br />

a alfabetização no campo de ensino<br />

da Língua Portuguesa – assim<br />

como documentos anteriores<br />

já o faziam –, ela é um “dever de<br />

todas as áreas de conhecimento,<br />

na medida em que leva em consideração<br />

os diversos meios<br />

de aprendizagem.”<br />

pedagógico a partir de “campos<br />

de experiências”, e o campo referente<br />

à alfabetização é o “escuta,<br />

fala, pensamento e imaginação”,<br />

em que, desde cedo, as crianças<br />

já interagem com a cultura<br />

escrita de forma mais sistematizada.<br />

“Alfabetizar envolve propor<br />

situações didáticas nas quais as<br />

crianças sejam protagonistas na<br />

discussão e análise sobre a língua,<br />

colocando em jogo tudo o que<br />

sabem para aprender o que ainda<br />

não sabem”, explica a gerente. Em<br />

outras palavras: o processo se dá<br />

quando a criança está em contato<br />

com as culturas da escrita, seja<br />

quando a professor lê um texto<br />

ou quando ambos conversam a<br />

respeito dele.<br />

Dentro dessa concepção,<br />

Renata destaca que a escola<br />

costuma reproduzir práticas<br />

socialmente conhecidas, citando<br />

como exemplo a lista de produtos<br />

que a família usa ao fazer compras<br />

no mercado. “Essa prática<br />

de escrita pode ser levada para a<br />

sala de aula logo do primeiro ano,<br />

não necessariamente como uma<br />

atividade escolarizada, mas como<br />

objeto de conhecimento cultural a<br />

ser discutido. O importante é lembrar<br />

que os alunos já são usuários<br />

da língua desde bebês, e é a partir<br />

desta condição que vão aprender<br />

sobre as características do sistema<br />

de escrita alfabético.”<br />

Ainda sob a luz da BNCC, o texto<br />

é tomado como ponto de partida<br />

para as práticas de linguagem<br />

que organizam a aprendizagem<br />

no Ensino Fundamental. E para<br />

que o processo de alfabetização<br />

seja fluído, o documento destaca<br />

habilidades a serem desenvolvidas<br />

entre o primeiro e o segundo<br />

ano, em uma perspectiva de<br />

trabalho conjunto professor-aluno,<br />

estimulando a autonomia da<br />

criança para realizar as reflexões<br />

e as atividades em grupo. “E isso<br />

não significa que o processo está<br />

concluído”, destaca Renata. “No<br />

decorrer dos anos, outros desafios<br />

vão surgir de forma mais<br />

complexa.” É o longo caminho de<br />

uma jornada que se constrói a<br />

cada dia.<br />

Lista de compras<br />

No que se refere à Educação<br />

Infantil, a Base propõe o trabalho<br />

Saiba mais sobre a BNCC<br />

Acesse o link e baixe um kit com materiais sobre a BNCC preparados pela par<br />

http://bit.ly/kit-bncc-paragrafo2<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

15


ALUNO CI<br />

FORMAÇÃO CIDADÃ<br />

TEMAS CONTEMPORÂNEOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA<br />

O desafio de trazer para a sala de<br />

Orelógio avisa: é o fim de mais<br />

um dia de aula. Você recolhe o<br />

material didático e segue para<br />

sua casa. Ao chegar, liga a TV e<br />

escolhe o melhor lugar do sofá<br />

para assistir ao jornal. Uma das<br />

reportagens aborda o aquecimento global e os impactos<br />

no clima, a seguinte fala sobre os efeitos das<br />

fortes chuvas e o drama de comunidades carentes<br />

localizadas em áreas de risco. Depois, é a vez de um<br />

especialista em educação opinar sobre a política de<br />

cotas raciais nas universidades. O jornal termina e<br />

você logo começa a pensar na aula do dia seguinte.<br />

Assim como você, seu aluno também é impactado<br />

por tais notícias todos os dias. O desafio é: como<br />

ajudá-lo a compreendê-las?<br />

Se a escola é o lugar da formação cidadã, logo,<br />

é indispensável que os temas cotidianos estejam<br />

em sintonia com a sala de aula. “A escola está<br />

inserida na sociedade. Portanto, deve estar<br />

sempre pronta para aprofundar os<br />

assuntos e promover o debate<br />

de ideias”, defende Ro-<br />

18 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


DADÃO<br />

aula temas da vida em sociedade<br />

berta Hernandes, autora de livros didáticos e professora<br />

de Literatura. “Quando isso acontece, o aluno<br />

aprende a ouvir o outro e a expressar a sua opinião.<br />

Percebe que temas como Direitos Humanos e a<br />

questão do respeito ao próximo são fundamentais<br />

para o bem-estar social. A partir daí, compreende a<br />

importância das leis, qual deve ser o seu papel como<br />

cidadão e o dever dos governantes. Na prática, é um<br />

exercício assistido de cidadania, pois conta com a<br />

participação e mediação qualificada do professor”,<br />

afirma a educadora.<br />

A escola está inserida na sociedade.<br />

Portanto, deve estar sempre pronta<br />

para aprofundar os assuntos e<br />

promover o debate de ideias.”<br />

Roberta Hernandes<br />

AUTORA E PROFESSORA DE LITERATURA<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

19


FORMAÇÃO CIDADÃ<br />

TEMAS CONTEMPORÂNEOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA<br />

Tudo tem História.<br />

Logo, é possível<br />

relacionar um fato atual<br />

e concreto com nosso<br />

longo passado.”<br />

José Bruno Vicentino<br />

PROFESSOR E AUTOR DE HISTÓRIA<br />

Caminhos a percorrer<br />

Para o exercício pleno da cidadania,<br />

o aluno precisa compreender<br />

o mundo à sua volta. Além<br />

disso, também deve ter consciência<br />

de que as suas atitudes individuais<br />

trazem consequências para<br />

o outro. Nesse contexto, alguns<br />

componentes curriculares, como<br />

História, oferecem importantes<br />

contribuições. “Tudo depende,<br />

porém, da maneira como os assuntos<br />

são abordados”, destaca o<br />

professor e autor de livros didáticos<br />

de História Claudio Vicentino.<br />

“Não faz sentido conhecer apenas<br />

o que já foi, o que<br />

já morreu. O professor<br />

deve partir<br />

de questões que<br />

nos envolvam<br />

hoje e, assim,<br />

contextualizá-las.<br />

Isso é decisivo<br />

para a formação<br />

do aluno. Ao adotar<br />

essa prática,<br />

escola e professor<br />

contribuem<br />

para que o jovem<br />

aprenda de maneira<br />

ampla”, observa.<br />

“Por isso, consideramos<br />

fundamental<br />

trabalhar nas<br />

obras didáticas<br />

não apenas sob<br />

a perspectiva dos<br />

vencedores, mas também a dos<br />

vencidos. Afinal, todos fazem parte<br />

da História, e o aluno precisa<br />

ter acesso a diferentes pontos<br />

de vista”, ressalta.<br />

Dessa maneira, como aproximar<br />

presente e passado? Um bom<br />

exemplo é a questão do preconceito<br />

racial. O Atlas da Violência,<br />

divulgado pelo Instituto de Pesquisas<br />

Econômicas Aplicadas (IPEA),<br />

apontou que, em 2018, o Brasil registrou<br />

cerca de 60 mil homicídios.<br />

Desse total, 75% das vítimas eram<br />

pessoas negras. “Tudo tem História.<br />

Logo, é possível relacionar um<br />

20 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Não faz sentido conhecer apenas o que já foi.<br />

O professor deve partir de questões que nos<br />

envolvam hoje e, assim, contextualizá-las.”<br />

Claudio Vicentino<br />

PROFESSOR E AUTOR DE HISTÓRIA<br />

fato atual e concreto com nosso<br />

longo passado escravista, que<br />

deixou imensas consequências,<br />

incluindo o preconceito, o racismo,<br />

além de profundas desigualdades<br />

sociais. Foram milhões de povos<br />

africanos e indígenas barbaramente<br />

dizimados e escravizados desde<br />

nossas raízes coloniais”, analisa<br />

o também professor e autor de<br />

livros didáticos de História José<br />

Bruno Vicentino.<br />

“Mesmo após a abolição da<br />

escravidão, as diversas leis criadas<br />

não foram suficientes para<br />

provocar mudanças substanciais<br />

nas condições de vida da grande<br />

maioria dos descendentes afroindígenas,<br />

situação que persiste<br />

até hoje. A partir desse panorama,<br />

levantamos hipóteses para<br />

entender um pouco mais sobre a<br />

violência contra os jovens negros<br />

na atualidade. Quando buscamos<br />

essas conexões, fugimos da naturalização<br />

dos fenômenos históricos.<br />

Assim, o aluno desenvolve<br />

a capacidade analítica e crítica”,<br />

completa Claudio.<br />

A autora de livros didáticos de<br />

Biologia Sonia Lopes traz outro<br />

exemplo de como relacionar o<br />

conteúdo dos livros a situações<br />

cotidianas. “Tão importante quanto<br />

o efeito estufa ou o aquecimento<br />

global são as questões do<br />

lixo, do consumo responsável, da<br />

poluição dos rios, do ar, do desperdício<br />

de água. O aluno convive<br />

com esses temas diariamente e<br />

tudo isso faz parte da educação<br />

ambiental. Quando aproximamos<br />

o meio ambiente de nosso<br />

comportamento no dia a dia, ensinamos<br />

o aluno a refletir sobre<br />

a importância dele em casa, com<br />

a família. Afinal, consciência ambiental<br />

também é um exercício<br />

de cidadania”, afirma a autora.<br />

Pensar diferente<br />

A criatividade, de acordo com<br />

Sonia Lopes, é essencial para<br />

despertar o interesse dos alunos.<br />

“Um bom caminho é trazer<br />

para a sala de aula notícias de<br />

jornal, fazer experimentos científicos,<br />

explicar a importância<br />

de fontes confiáveis e, principalmente,<br />

questionar. Quais medidas<br />

podem ser adotadas para<br />

conter o aquecimento global?<br />

Como cidadãos, o que podemos<br />

fazer para reduzir os impactos?”,<br />

reforça a autora. “Então,<br />

se a escola é referência para<br />

o debate de ideias, cabe ao<br />

professor estar atento para os<br />

temas mais relevantes, conhecer<br />

a sala de aula e construir alternativas<br />

encantadoras para transmitir<br />

o conhecimento e contribuir<br />

para a formação cidadã de seus<br />

alunos”, conclui.<br />

SAIBA MAIS!<br />

Na internet, há diversos conteúdos<br />

que podem ajudar você a ir além<br />

da grade curricular. Um deles é o<br />

canal YouTube Edu, que traz vídeos<br />

gratuitos sobre temas da atualidade<br />

para turbinar a formação dos seus<br />

alunos. Acesse:<br />

www.youtube.com/educacao<br />

Quando aproximamos meio ambiente ao nosso<br />

comportamento no dia a dia, ensinamos o aluno<br />

a refletir sobre sua importância junto com a família.”<br />

Sonia Lopes<br />

AUTORA E PROFESSORA DE BIOLOGIA<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

21


O CONHECIMENTO POR INTEIRO<br />

PROJETOS INTERDISCIPLINARES<br />

até 4 metros de altura e<br />

12 metros de comprimento<br />

APRENDIZAGEM COM<br />

PROTAGONISMO<br />

Conheça os benefícios<br />

do ensino integrado<br />

por meio de projetos<br />

interdisciplinares<br />

Carnívoros<br />

Herbívoros<br />

Onívoros<br />

até<br />

em uma<br />

corrida livre<br />

3.6 x 3.6<br />

22 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Atire a primeira<br />

pedra quem<br />

nun ca utilizou a<br />

expressão “projeto”<br />

para designar<br />

alguma proposta<br />

pedagógica interdisciplinar. Já faz<br />

tempo que a palavra virou sinônimo<br />

de prática de ensino para<br />

aprofundar determinado tema de<br />

conhecimento por meio do diálogo<br />

entre várias disciplinas.<br />

Segundo Elaine Vidal, coordenadora<br />

Pedagógica e autora<br />

do livro Projetos Didáticos em<br />

Salas de Alfabetização (Appris), o<br />

termo projeto surgiu no contexto<br />

da Escola Nova, movimento que<br />

ganhou impulso no Brasil no<br />

começo do século 20. “Até então,<br />

o professor era o transmissor do<br />

saber. Mas essa prática passou<br />

a ser questionada e deu espaço<br />

a uma educação mais ativa e<br />

focada no aluno que ‘aprende<br />

fazendo’. Nessa concepção, posteriormente<br />

complementada pela<br />

teoria construtivista, o estudante<br />

se torna sujeito ativo da aprendizagem<br />

e o professor, um mediador”,<br />

observa ela.<br />

Para Elaine, os benefícios<br />

desse modelo de ensino são<br />

incontestáveis, na medida em<br />

que o percurso por diversas<br />

etapas do conhecimento permite<br />

ao aluno ampliar a visão de<br />

mundo. “Se o tema de estudo<br />

são os dinossauros, por exemplo,<br />

o professor pode trabalhar<br />

a escrita para a leitura de textos<br />

científicos, a História para a visão<br />

do período em que os animais<br />

viveram na Terra e a Matemática<br />

para a compreensão das diferenças<br />

de tamanho, peso e até<br />

velocidade. Assim, dentro de um<br />

único assunto, essas disciplinas<br />

são vistas de maneira integrada,<br />

e não independente”, afirma.<br />

Construção de competências<br />

Os Parâmetros Curriculares<br />

Nacionais, que orientaram o<br />

ensino brasileiro nos últimos 20<br />

anos – até a aprovação da BNCC<br />

– já faziam menção aos projetos<br />

interdisciplinares. Embora a Base<br />

não traga isso de forma explícita,<br />

ao normatizar o desenvolvimento<br />

de competências e habilidades<br />

nas diferentes áreas do conhecimento,<br />

reforça o conceito de<br />

interdisciplinaridade, tendo nos<br />

projetos uma excelente ferramenta<br />

de aplicação. “Sabemos<br />

que a construção de uma competência<br />

se dá quando o aluno mobiliza<br />

habilidades que ele possui<br />

para tomar decisões e avançar no<br />

conhecimento. De algum modo,<br />

a competência reúne habilidades,<br />

o que nos leva a pensar que são<br />

recursos didáticos muito favoráveis<br />

à construção dessa competência”,<br />

analisa.<br />

No entendimento de Elaine, a<br />

tendência é que, à luz da BNCC,<br />

Os estudantes aprendem<br />

não apenas ouvindo,<br />

mas como coautores da<br />

aprendizagem, assumindo<br />

um papel protagonista<br />

que servirá para a vida<br />

inteira.”<br />

Elaine Vidal<br />

COORDENADORA PEDAGÓGICA<br />

a escola intensifique a aplicação<br />

desse modelo de trabalho. Por<br />

isso, alerta para a importância<br />

de o professor ter clareza sobre<br />

a concepção de projeto que<br />

pretende aplicar. “Ele tem que<br />

investir em sua formação, a fim<br />

de conhecer as diferentes concepções<br />

e escolher as que ele<br />

vai utilizar, de acordo com seus<br />

objetivos. É assim que o saber<br />

didático vai se formando.”<br />

Na prática<br />

Não há prazo definido para<br />

a execução de um projeto – a<br />

duração depende de critérios<br />

como contexto, objetivos e faixa<br />

etária dos alunos. O que importa,<br />

segundo Elaine, é estabelecer<br />

um tema central que integre o<br />

conhecimento de diversas áreas<br />

e desperte o envolvimento da<br />

turma, seja por um mês ou um<br />

semestre. “Os estudantes aprendem<br />

não apenas ouvindo, mas<br />

como coautores da aprendizagem,<br />

assumindo um papel protagonista<br />

que servirá para a vida<br />

inteira”, enfatiza.<br />

Como mediador, cabe ao<br />

docente orientar o aluno a lidar<br />

de forma crítica com as inúmeras<br />

fontes de informação – especialmente<br />

a internet – e a questionar<br />

o próprio processo de aprendizagem,<br />

o que significa avaliar tanto<br />

os aspectos positivos quanto os<br />

negativos. “Enquanto o professor<br />

estabelece metas pedagógicas,<br />

os trajetos para alcançar objetivos<br />

são definidos em conjunto.<br />

Afinal, a sociedade caminha cada<br />

vez mais para a prática coletiva, e<br />

o projeto interdisciplinar direciona<br />

as escolas no mesmo rumo.”<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

23


MÚLTIPLAS LINGUAGENS<br />

MULTIMODALIDADE NA FORMAÇÃO<br />

APRENDENDO<br />

A LER O MUNDO<br />

Entenda por que o trabalho com as múltiplas linguagens e a<br />

multimodalidade são fundamentais para a formação do aluno<br />

Imagine um mosaico de<br />

formas e cores diversas.<br />

Ele representa a união<br />

de vários elementos que,<br />

juntos, ganham novo<br />

significado. Quanto maior<br />

for o repertório de cores, estilos<br />

e formas, mais belo tende a ser o<br />

resultado. De modo geral, é bem<br />

semelhante ao que ocorre durante<br />

a formação de um aluno. Ao<br />

longo do ciclo escolar, ele adquire<br />

diferentes tipos de conhecimentos.<br />

Assim como as pequenas<br />

peças que compõem um mosaico,<br />

no conjunto, esses aprendizados<br />

se encaixam e se complementam<br />

para, lá na frente, compor as<br />

bases fundamentais da formação<br />

cidadã. Quanto mais ricas e diversas<br />

forem as informações adquiridas,<br />

melhor preparado ele estará<br />

para entender os desafios à sua<br />

volta e atuar como um cidadão<br />

protagonista na sociedade.<br />

Mas como ampliar o aprendizado<br />

em sala de aula de modo<br />

a tornar o ensino de fato mais<br />

significativo? Um dos caminhos é<br />

o uso das múltiplas linguagens.<br />

Como o próprio nome sugere,<br />

esse uso ocorre por meio de<br />

diferentes linguagens (corporal,<br />

musical, plástica, oral e escrita).<br />

O trabalho com a multiplicidade<br />

de linguagens não deve ser<br />

feito de modo aleatório, ele deve<br />

cumprir objetivos pedagógicos.<br />

“As linguagens artísticas, visuais<br />

e corporais, como a dança, por<br />

exemplo, são fontes valiosas de<br />

conhecimento, uma vez que, por<br />

meio delas, construímos significados,<br />

expressamos sentimentos<br />

e ideias e enriquecemos nosso<br />

repertório cultural”, explica Helga<br />

Cezar, doutora em Língua Portuguesa<br />

e colaboradora do núcleo<br />

de Produção e Conteúdo e Formação<br />

da Somos Educação.<br />

Multimodalidade na Base<br />

Homologada em 2017, a Base<br />

Nacional Comum Curricular<br />

(BNCC) para a Educação Infantil<br />

e o Ensino Fundamental, e em<br />

dezembro de 2018 para o Ensino<br />

Médio, traz à tona a importância<br />

da linguagem multimodal para<br />

a formação integral e cognitiva<br />

do aluno. Helga reforça: “diante<br />

desse novo cenário da Educação<br />

Básica, as múltiplas semioses presentes<br />

no texto são importantes<br />

para a sua compreensão”.<br />

Vale ressaltar que múltiplas<br />

linguagens e multimodalidade<br />

são coisas distintas, porém não<br />

excludentes. A primeira, como<br />

citado anteriormente, diz respeito<br />

à multiplicidade de linguagens,<br />

enquanto a segunda está relacionada<br />

às formas comunicacionais<br />

empregadas pelos usuários da<br />

língua: gestos, imagens, sons, cores,<br />

escrita, tipografia e outras. A<br />

partir da multimodalidade, Helga<br />

sugere que o professor realize<br />

um trabalho focado no desenvolvimento<br />

da competência leitora.<br />

“Em uma charge, por exemplo, há<br />

muito mais que o escrito. É preciso<br />

observar as cores, as imagens;<br />

no caso das charges eletrônicas,<br />

sons e movimentos. Todas essas<br />

formas comunicacionais são<br />

importantes para compreender<br />

as sutilezas, ironias e críticas que<br />

configuram esse gênero textual.<br />

Tudo isso é linguagem e traz<br />

significado.”<br />

Podemos usar a dança para<br />

expressar a cultura de um lugar,<br />

26 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> 27


MÚLTIPLAS LINGUAGENS<br />

MULTIMODALIDADE NA FORMAÇÃO<br />

Todas as formas<br />

de linguagens<br />

são importantes.<br />

É preciso estimular<br />

outras percepções<br />

de arte<br />

Agentes da transformação<br />

Como aliar as múltiplas<br />

linguagens e a multimodalidapara<br />

protestar ou compor cenas<br />

de uma peça teatral. Os desfiles<br />

das escolas de samba são um<br />

bom exemplo de como a multiplicidade<br />

de linguagens está<br />

atrelada à multimodalidade. A<br />

coreografia, os carros alegóricos,<br />

as alas que compõem as escolas,<br />

o enredo do samba, etc., fornecem<br />

aos telespectadores vários<br />

recursos semióticos necessários<br />

para a compreensão da narrativa<br />

de cada escola: o escrito, as<br />

representações imagéticas das<br />

fantasias e dos carros, as cores<br />

utilizadas nas alas, a música e a<br />

sua sonoridade. Todo esse conjunto<br />

de elementos é fundamental<br />

para que haja harmonia<br />

na composição do desfile.<br />

de no dia a dia escolar? Para Helga,<br />

a resposta passa pela sensibilidade<br />

do professor. “Conhecer de perto<br />

os alunos contribui para encontrar<br />

os melhores caminhos, envolver<br />

toda a turma e potencializar novos<br />

métodos de ensino. Imagine, por<br />

exemplo, se o professor descobre<br />

que os alunos gostam de pintar.<br />

Essa linguagem artística estimula o<br />

desenvolvimento cognitivo e corporal<br />

e pode ser usada como instrumento<br />

pedagógico”, explica.<br />

O livro didático pode ser um<br />

instrumento melhor aproveitado,<br />

mas cabe ao professor ter um olhar<br />

atento e apurado para sua utilização.<br />

“Há muitos livros que abrem<br />

unidades e capítulos com uma imagem<br />

relacionada ao conteúdo. Mas,<br />

infelizmente, muitas vezes o trabalho<br />

com a leitura de imagens passa<br />

despercebido, como se imagem não<br />

fosse texto, não fosse fonte<br />

de leitura.<br />

A escola também tem o seu<br />

papel. “É preciso repensar o pla-<br />

28 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


nejamento e valorizar momentos<br />

que possibilitem a interação entre<br />

alunos e as discussões em classe.<br />

Além da dança, por que não<br />

estimular outras percepções de<br />

arte, como a música e o teatro?”,<br />

desafia a educadora.<br />

Pedras no caminho<br />

Toda essa discussão passou<br />

a ser pauta importante no meio<br />

educacional, tendo em vista as<br />

mudanças constantes no modo<br />

como as pessoas agem e pensam<br />

sobre o mundo, provocadas<br />

sobretudo pelo avanço da tecnologia.<br />

Nesse cenário, a formação<br />

dos professores merece destaque.<br />

“Percebemos que eles não<br />

foram ou não são orientados a<br />

utilizar a tecnologia como uma<br />

ferramenta importante para<br />

o ensino e aprendizagem. Há<br />

também aqueles que passaram<br />

pela transição do mundo analógico<br />

para o digital e ainda estão se<br />

adaptando aos novos recursos.<br />

Muitos até lidam bem com algumas<br />

ferramentas do cotidiano,<br />

como o WhatsApp, mas não domi-<br />

É preciso sair um pouco dos<br />

componentes curriculares<br />

tradicionais e valorizar momentos<br />

que possibilitem a interação dos<br />

alunos e as discussões em classe.”<br />

Helga Cezar<br />

DOUTORA EM LÍNGUA PORTUGUESA<br />

E COLABORADORA DO NÚCLEO DE PRODUÇÃO<br />

E CONTEÚDO DA SOMOS EDUCAÇÃO<br />

nam outras plataformas”. Por outro<br />

lado, os alunos lidam muito bem com<br />

o digital, no entanto necessitam da<br />

orientação do professor para utilizar<br />

essa tecnologia de modo responsável,<br />

sabendo gerir as informações. “Precisamos<br />

dialogar de maneira urgente<br />

com os estudantes sobre a importância<br />

de usar os meios digitais”, completa<br />

Helga.<br />

Afinal, como diz o texto da BNCC,<br />

“as práticas de linguagem contemporâneas<br />

não só envolvem novos<br />

gêneros e textos cada vez mais multissemióticos<br />

e multimidiáticos, como<br />

também novas formas de produzir,<br />

de configurar, de disponibilizar, de<br />

replicar e de interagir. Potencialmente,<br />

a internet seria o lugar para a<br />

divergência e o diferente circularem,<br />

mas, na prática, a maioria das interações<br />

se dá em diferentes bolhas, em<br />

que o outro é parecido e pensa de<br />

forma semelhante. Assim, compete à<br />

escola garantir o trato, cada vez mais<br />

necessário, com a diversidade, com a<br />

diferença. Cabe à escola contemplar<br />

de forma crítica essas novas práticas<br />

de linguagem e produções.”<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

29


AVALIAÇÕES EXTERNAS<br />

PERSPECTIVAS PARA OS PRÓXIMOS ANOS<br />

AVALIAR PARA<br />

EVOLUIR<br />

Entenda a importância das verifcações externas<br />

para melhoria do sistema educacional e<br />

formulação de políticas públicas<br />

PROF A . HYDNÉA<br />

PONCIANO DOMINGUETI<br />

é gerente de Currículo e Avaliação<br />

na Somos Educação<br />

Avaliações externas,<br />

ou em<br />

larga escala,<br />

são verificações<br />

padronizadas<br />

que seguem<br />

rigorosos critérios pedagógicos e<br />

estatísticos e possibilitam a comparação<br />

entre diversas escolas<br />

ou grupos de escolas. Elas podem<br />

ter objetivos diferenciados,<br />

como o Exame Nacional para<br />

Certificação de Competências de<br />

Jovens e Adultos (Encceja), por<br />

exemplo, que é certificativo ou<br />

de diagnóstico, da mesma forma<br />

que o Sistema Nacional de Avaliação<br />

da Educação Básica (Saeb).<br />

Essas análises oferecem um conjunto<br />

considerável de dados para<br />

melhoria do sistema educacional,<br />

formulação de políticas públicas<br />

e reformas educacionais, oferecendo<br />

maior transparência e visibilidade<br />

da gestão de recursos.<br />

O principal objetivo de uma<br />

avaliação em larga escala é<br />

fornecer dados à gestão para<br />

melhoria de seus resultados. No<br />

âmbito nacional, esses dados<br />

geram o monitoramento dos<br />

sistemas e criação de políticas<br />

e programas educacionais. Para<br />

as redes privadas de ensino, são<br />

muito importantes para que a<br />

escola conheça a sua realidade e<br />

identifique pontos de melhoria.<br />

Qualidade acadêmica<br />

e de aprendizagem<br />

Normalmente, essas análises<br />

trabalham com dois conjuntos<br />

de informações que se complementam.<br />

Primeiramente, da<br />

qualidade acadêmica: por meio<br />

da aplicação de provas que avaliam<br />

quais “saberes escolares”<br />

estão sendo bem desenvolvidos<br />

pela escola e quais precisam ser<br />

melhorados, possibilitando a<br />

criação de programas pedagógicos<br />

mais robustos, revisão de<br />

material, reestruturação curricular,<br />

organização de formação<br />

docente, monitoramento pedagógico,<br />

entre outras ações.<br />

Segundo, de fatores associados<br />

à aprendizagem do aluno: por<br />

meio da aplicação de questionários<br />

que geram dados para<br />

compreender melhor o contexto<br />

em que a escola está inserida, e<br />

30 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


quais fato -res estão de fato agregando<br />

valor à aprendizagem dos<br />

estudantes, priorizando ações<br />

que trazem maior benefício aos<br />

estudantes e alocando recursos<br />

de maneira eficaz.<br />

Subsídios para políticas públicas<br />

O Brasil desenvolveu, ao longo<br />

dos últimos 20 anos, um conjunto<br />

sólido de avaliações que monitoram<br />

a educação no país, permitindo<br />

o acompanhamento dos<br />

sistemas de ensino a fim de criar<br />

importantes políticas públicas.<br />

Essas verificações são de responsabilidade<br />

do Instituto Nacional<br />

de Estudos e Pesquisas Educacionais<br />

Anísio Teixeira (Inep), uma<br />

autarquia vinculada ao MEC.<br />

Na Educação Básica,<br />

atualmente, as principais<br />

são o Saeb, que avalia<br />

estudantes do 2º, 5º<br />

e 9º anos do Ensino<br />

Fundamental e<br />

3º ano do Ensino<br />

Médio; o Encceja,<br />

que é destinado<br />

à certificação de<br />

jovens e adultos; o<br />

ENEM, que atualmente<br />

é destinado<br />

à inserção dos<br />

jovens em programas<br />

de acesso à Universidade<br />

(Sisu) e outros programas como<br />

Fies, Prouni e Ciências sem Fronteiras.<br />

O Brasil também participa<br />

da avaliação do Pisa, que é organizado<br />

pela Organização para a<br />

Cooperação e Desenvolvimento<br />

Econômico (OCDE), que compara<br />

os resultados de alunos de diversos<br />

países.<br />

Vários estados também<br />

têm programas de verificações<br />

externas que são de responsabilidade<br />

das secretarias estaduais.<br />

São Paulo, por exemplo, tem o<br />

Saresp; Minas Gerais, o Simave;<br />

Ceará, o Spaece. Em relação à<br />

escola privada, os melhores sistemas<br />

de ensino também oferecem<br />

esses pareceres, comparando-os<br />

com as avaliações nacionais.<br />

Os impactos da BNCC<br />

O Inep acompanhou sistematicamente<br />

a construção da BNCC.<br />

Esse trabalho foi realizado na<br />

gestão de Maria Inês Fini, que<br />

deixou, também, importantes<br />

contribuições para o avanço das<br />

avaliações nacionais. Em 26 de<br />

dezembro de 2018, foi editada a<br />

Portaria nº 1.100, que estabelece<br />

as diretrizes para a realização do<br />

Saeb em <strong>2019</strong>. O documento prevê<br />

que a próxima edição já tome<br />

como referência a Base de 2017<br />

e estabelece, ainda, a inclusão<br />

de provas de Ciências da Natureza<br />

e de Ciências Humanas para<br />

estudantes de 9º ano do Ensino<br />

Fundamental.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

31


COM A PALAVRA<br />

TELMA WEISZ<br />

APRENDER<br />

PARA ENSINAR<br />

O livro O Diálogo entre o ensino e a aprendizagem, que completa<br />

duas décadas em <strong>2019</strong>, é leitura fundamental para quem deseja ser professor<br />

Colocar-se no lugar dos alunos é essencial para que os<br />

professores compreendam o processo de aprendizagem<br />

e, assim, consigam refletir sobre o processo de ensino.<br />

Mas isso só é possível por meio do conhecimento<br />

científico e compreendendo por quais caminhos o aluno<br />

aprende. Na obra, Telma Weisz utilizou sua vivência<br />

em sala de aula para discutir o protagonismo do aluno no processo<br />

de aprendizagem. E, para celebrar o sucesso do livro e ressaltar a<br />

importância do tema, a editora Ática lançou uma edição comemorativa.<br />

Nesta entrevista exclusiva, a autora fala sobre o que mudou no<br />

cenário educacional desde então, os principais avanços na alfabetização<br />

e as perspectivas para a evolução do ensino no Brasil.<br />

A primeira edição de O Diálogo<br />

entre o ensino e a aprendizagem<br />

chegou às livrarias em 1999. O<br />

que a motivou a escrevê-lo?<br />

O ensino e a aprendizagem são<br />

dois processos diferentes, que<br />

precisam conversar entre si,<br />

assim fica mais simples para<br />

a criança aprender e colocar o<br />

novo conhecimento que adquiriu<br />

em prática. Esse é o foco do livro<br />

e acredito que seja também sua<br />

maior contribuição, pois traz um<br />

novo olhar sobre como ensinar<br />

para que as crianças possam<br />

realmente aprender.<br />

Como essa compreensão auxilia<br />

no processo de alfabetização?<br />

Quando ensinamos alguém a<br />

“É muito importante<br />

que os alunos manipulem<br />

o objeto de conhecimento<br />

e sejam incentivados<br />

a refletir, tornando o<br />

processo de aprendizagem<br />

realmente interessante<br />

e desafiador.”<br />

ler e a escrever, não estamos<br />

apenas transmitindo um código,<br />

mas sim a linguagem em si. O<br />

processo de aprendizagem não<br />

acontece a partir da repetição,<br />

ele tem uma lógica própria.<br />

Todas as crianças passam por<br />

um processo de aprendizagem<br />

parecido, sendo um caminho<br />

percorrido para se apropriar<br />

de uma nova informação. É<br />

isso o que nos ensina o livro<br />

Psicogênese da Língua Escrita,<br />

com os estudos de Emilia<br />

Ferreiro e Ana Teberosky.<br />

Compreender a aprendizagem<br />

para pensar em como ensinar<br />

é algo que se aplica não só à<br />

alfabetização, mas a todos os<br />

conteúdos ensinados.<br />

De que modo isso pode<br />

aperfeiçoar a rotina da sala<br />

de aula?<br />

Normalmente, as teorias são<br />

apresentadas e o professor as<br />

aplica em aula. Precisamos de<br />

um modelo de formação profissional<br />

docente continuada<br />

que realize o processo contrário,<br />

tematizando as práticas de<br />

ensino, tornando-as objeto de<br />

estudo dos professores e relacionando-as<br />

às aprendizagens<br />

dos alunos e ao seu universo,<br />

suas vivências e aprendizados<br />

anteriores. É inegável a necessidade<br />

de estimular os alunos<br />

32 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


a experimentar e criar curiosidade<br />

com relação ao conteúdo.<br />

Assim, as crianças se sentem<br />

mais estimuladas a aprender.<br />

Como foi propor essa<br />

necessidade de mudança<br />

aos professores?<br />

As pessoas tinham certeza de<br />

que era preciso mudar, mas<br />

não tinham um ponto de partida,<br />

uma base. Assim, surgiu<br />

o Programa de Formação de<br />

Professores Alfabetizadores<br />

(Profa) do MEC, em 2000, com<br />

o objetivo de oferecer conteúdo<br />

de formação continuada nessa<br />

nova metodologia de ensino,<br />

a de resolução de problemas.<br />

Nós criamos um curso em três<br />

módulos, com teoria e práticas<br />

de sala de aula, para o debate<br />

sobre as transformações no<br />

ensino da leitura e da escrita,<br />

auxiliando os professores<br />

na tematização do processo<br />

de alfabetização.<br />

O livro defende a metodologia<br />

de resolução de problemas. Você<br />

poderia explicar como funciona<br />

esse processo?<br />

Quando falamos em resolução<br />

de problemas, a maior parte das<br />

pessoas pensa que nos referimos<br />

ao ensino da Matemática. Mas<br />

não é disso que se trata, o professor<br />

deve levantar questões para<br />

que os alunos pensem, investiguem<br />

e construam – ou melhor,<br />

reconstruam – refle xivamente seu<br />

conhecimento. No modelo tradicional,<br />

o assunto era exposto e depois<br />

reproduzido em uma prova.<br />

Um dos primeiros a criticar esse<br />

modelo foi Paulo Freire, que propôs<br />

repensar as práticas de ensino<br />

para que passassem a dialogar<br />

com as ideias das crianças. É<br />

muito importante que os alunos<br />

manipulem o obje to de conhecimento<br />

e sejam incentivados a<br />

refletir, tornando o processo de<br />

aprendizagem realmente interessante<br />

e desafiador.<br />

TELMA WEISZ<br />

é coordenadora e professora<br />

no curso de pós-graduação<br />

em Alfabetização do Instituto<br />

Vera Cruz e professorainvestigadora<br />

na especialização<br />

e mestrado em “Escritura<br />

y Alfabetizacíon” da pósgraduação<br />

da Faculdade de<br />

Humanidades e Ciências da<br />

Educação da Universidade<br />

Nacional de La Plata,<br />

Argentina. Doutora em<br />

Psicologia da Aprendizagem e<br />

do Desenvolvimento pela USP,<br />

é autora do livro O Diálogo<br />

entre o ensino e a aprendizagem.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

33


DIZ AÍ, MESTRE<br />

JOSÉ MARCOS COUTO é professor de História<br />

da rede municipal do Rio de Janeiro, mestre em Educação e coautor<br />

do projeto As caravanas: limites da visibilidade, vencedor do prêmio<br />

Educador Nota 10 de 2018.<br />

EDUCAÇÃO QUE<br />

ROMPE BARREIRAS<br />

A importância do contato cultural e artístico para<br />

que os alunos sejam socialmente integrados<br />

<strong>Educar</strong> uma criança<br />

vai além de ensinar<br />

o que está nos livros<br />

didáticos. É preciso<br />

inseri-la nos espaços<br />

culturais, oferecendo<br />

as ferramentas necessárias para<br />

que enxergue o mundo além dos<br />

próprios limites. Nesse contexto,<br />

compreender e dialogar com os<br />

processos sociais também faz parte<br />

da formação.<br />

Cada um de nós cresce com<br />

uma bagagem cultural diferente.<br />

O contato que temos com o mundo<br />

artístico ainda no início da infância,<br />

seja por meio de músicas, filmes,<br />

teatro ou museus, contribui para<br />

a criação da nossa identidade social.<br />

Mas nem todos têm acesso fácil<br />

a esses produtos.<br />

Aqueles que têm melhores condições<br />

sociais são incentivados, pela<br />

família ou pelo meio, a conhecer os<br />

espaços culturais. O sociólogo francês<br />

Pierre Bourdieu (1930 – 2002)<br />

chama essa bagagem de capital<br />

cultural e, aos jovens, sobretudo<br />

os que vêm de famílias mais humildes,<br />

cabem buscar esse mesmo<br />

capital para que se desenvolvam<br />

como indivíduos.<br />

A escola é um caminho para<br />

incentivar esses alunos, principalmente<br />

entre 11 e 15 anos e que<br />

iniciaram os anos finais do Ensino<br />

Fundamental. É nessa faixa etária<br />

que os adolescentes iniciam a<br />

busca para descobrir quem são<br />

perante o mundo.<br />

“Nunca antes haviam<br />

sonhado esses jovens<br />

com uma série de coisas,<br />

mas, hoje, eles veem que<br />

podem acreditar e buscar<br />

seus sonhos, sentindo-se<br />

visíveis por meio da arte<br />

e da cultura.”<br />

O projeto As caravanas: limites<br />

da visibilidade, vencedor do prêmio<br />

Educador Nota 10 de 2018, surgiu<br />

com a intenção de incentivar a<br />

interação com espaços culturais e<br />

contou com a coautoria da professora<br />

Ana Beatriz Ramos de Souza.<br />

O projeto foi desenvolvido com as<br />

turmas de 6º a 9º ano da Escola<br />

Municipal Áttila Nunes, em Realengo,<br />

no Rio de Janeiro. Nunca antes<br />

haviam sonhado esses jovens com<br />

uma série de coisas, mas, hoje, eles<br />

veem que podem acreditar e buscar<br />

seus sonhos, sentindo-se visíveis<br />

por meio da arte e da cultura.<br />

Tudo começou com a música<br />

As caravanas, de Chico Buarque.<br />

A letra gerou reflexões sobre as<br />

dificuldades que os próprios alunos,<br />

por serem do subúrbio, enfrentam<br />

para chegar à parte mais rica da<br />

cidade. Outras canções foram adicionadas<br />

às aulas de História e, posteriormente,<br />

foram incorporadas<br />

à programação visitas a museus,<br />

bibliotecas, centros culturais, peças<br />

de teatro e filmes. Os alunos passaram<br />

a dialogar sobre o conteúdo<br />

durante as aulas, além de produzir<br />

textos, poemas e outros materiais<br />

artísticos que expressassem um<br />

pouco de suas experiências.<br />

Essa ideia de conscientização e<br />

visibilidade social desperta interesse<br />

nos alunos, incentiva-os a ocupar<br />

espaços culturais, conhecer a história<br />

do próprio país e lhes oferece<br />

ferramentas para se tornarem cidadãos<br />

conscientes. Juntas, a educação<br />

e a cultura oferecem aos jovens<br />

o desejo de ser e de crescer.<br />

34 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


EDUCAÇÃO FÍSICA<br />

SEU PAPEL NA FORMAÇÃO DO ALUNO<br />

APRENDIZADO EM<br />

MOVIMENTO<br />

A importância da Educação Física: das primeiras<br />

noções de movimento na Educação Infantil às<br />

descobertas do Ensino Médio<br />

Toca o sinal. Os<br />

alunos, ansiosos,<br />

se preparam para<br />

acompanhar o<br />

professor na aula<br />

de Educação Física.<br />

Seja pela mudança de cenário,<br />

pelo esporte ou mesmo um momento<br />

para extravasar, as aulas<br />

no ambiente externo são motivo<br />

de alegria e descontração. Normalmente<br />

colocada em segundo<br />

plano, pode-se pensar que a<br />

disciplina tem menos importância<br />

do que os demais componentes<br />

curriculares. No entanto, é uma<br />

ferramenta valiosa para integrar<br />

o aprendizado de diversas áreas<br />

do conhecimento ao universo<br />

sociocultural dos alunos, desde o<br />

início de suas jornadas escolares<br />

até o ingresso na vida adulta.<br />

Mais do que a prática de atividades,<br />

a Educação Física compõe<br />

a área de conhecimento de linguagens<br />

que, por meio do movimento,<br />

promove a conscientização<br />

do corpo e do senso coletivo,<br />

utilizando-se de manifestações<br />

esportivas, ginásticas, danças,<br />

jogos e lutas. Em cada segmento<br />

da Educação Básica, esses conceitos<br />

são trabalhados de modo a<br />

acompanhar o ritmo de desenvolvimento<br />

dos pequenos.<br />

Na Educação Infantil, com<br />

propostas de jogos e brincadeiras,<br />

as crianças desenvolvem a<br />

coordenação motora, aprendem a<br />

lidar com aceitações e frustações,<br />

competitividade, cooperação e<br />

coletividade. Nesta fase, os professores<br />

têm a oportunidade de<br />

propor atividades que integrem<br />

conteúdos de outras áreas do conhecimento<br />

e ofereçam desafios<br />

nas três dimensões do saber: cognitivo,<br />

motor e afetivo. “Por meio<br />

de atividades bem estruturadas, é<br />

possível fazer com que as crianças<br />

tenham contato com as diversas<br />

manifestações corporais em<br />

formas adaptadas que privilegiam<br />

o brincar”, explica o professor de<br />

Educação Física Igor Armbrust.<br />

Para ele, “a contribuição da disciplina<br />

para a formação das crianças<br />

é riquíssima e servirá de base<br />

para desenvolver competências e<br />

habilidades fundamentais para a<br />

formação integral dos alunos”.<br />

Ao iniciar o Ensino Fundamental,<br />

a criança começa a ter<br />

interesses mais robustos, deseja<br />

compartilhar suas experiências e<br />

busca compreender o mundo ao<br />

seu redor. Com isso, a Educação<br />

Física passa a explorar conteúdos<br />

de acordo com o que desperta<br />

a atenção e permeia as descobertas<br />

dos alunos. Segundo Igor,<br />

neste momento, é recomendado<br />

aprofundar alguns temas para<br />

que as crianças avancem nas<br />

suas interpretações iniciais da<br />

movimentação corporal. “A volta<br />

das férias é uma oportunidade<br />

para descobrir que tipo de jogos<br />

e brincadeiras os alunos conheceram<br />

e propor atividades relacionadas<br />

ou variações pedagógicas”,<br />

indica o professor. “Assim,<br />

é possível questioná-los sobre o<br />

que aprenderam com as variações<br />

e novos formatos. Falamos<br />

aqui de um desafio cognitivo e de<br />

uma tomada de consciência. Esse<br />

36 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


A contribuição da disciplina para a<br />

formação das crianças é riquíssima<br />

e servirá de base para desenvolver<br />

competências e habilidades<br />

fundamentais para a formação<br />

integral dos alunos.”<br />

Igor Armbrust<br />

PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA<br />

é um dos papéis fundamentais<br />

para a educação e creio que a<br />

disciplina pode contribuir muito<br />

neste aspecto.”<br />

Já no Ensino Médio, explica<br />

Igor, as aulas de Educação Física<br />

não precisam ser homogêneas.<br />

“Nessa idade, os alunos tendem<br />

a ficar em grupos, uns querem<br />

jogar bola, outros preferem<br />

jogos de tabuleiro e, nesse momento,<br />

os professores podem<br />

aproveitar para debater assuntos<br />

como preconceito, tolerância<br />

e comportamento”.<br />

Para que tudo isso aconteça,<br />

é preciso planejamento. E mais<br />

do que isso: a parceria com<br />

outras disciplinas pode promover<br />

ganhos imensos para todos.<br />

“Aprendemos o tempo inteiro,<br />

parados, correndo, brincando.<br />

As conexões com os temas podem<br />

ser mais abertas, e quando<br />

o ensino é integrado, vemos<br />

de que maneira cada professor<br />

pode contribuir para que os alunos<br />

alcancem seu potencial<br />

e aprendam melhor”, conclui.<br />

EDUCAÇÃO FÍSICA EM<br />

CONJUNTO COM OUTRAS<br />

ÁREAS DO CONHECIMENTO<br />

FORMAS GEOMÉTRICAS<br />

A brincadeira Amarelinha,<br />

normalmente feita com números,<br />

pode ser jogada com formas<br />

geométricas.<br />

ROSA DOS VENTOS<br />

Muitas vezes, a orientação<br />

geográfica se torna difícil por<br />

ser apenas teórica. Os alunos<br />

podem aprender a identificar<br />

as coordenadas brincando de<br />

pega-pega.<br />

ÂNGULOS<br />

As linhas de uma quadra<br />

poliesportiva formam diversos<br />

ângulos, que podem ser<br />

identificados na prática, por<br />

meio de brincadeiras e jogos.<br />

ESCRITA<br />

Pesquisar sobre determinada<br />

atividade que os alunos conheçam<br />

pouco e apresentá-la para<br />

a classe em forma de cartaz<br />

pode ser uma ótima maneira de<br />

favorecer as linguagens escritas.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

37


INCLUSÃO<br />

DE PORTAS ABERTAS PARA AS DIFERENÇAS<br />

ESCOLA<br />

PARA TODOS<br />

Investir em práticas pedagógicas inclusivas é fundamental<br />

para o desenvolvimento dos alunos como cidadãos<br />

38 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Oambiente escolar é recheado<br />

de descobertas. Logo nos primeiros<br />

anos da Educação Básica, as<br />

crianças aprendem a conviver<br />

umas com as outras, entendendo<br />

suas diferenças e adquirindo<br />

conhecimentos que irão levar para a vida toda.<br />

Ao introduzirmos práticas inclusivas na sala de<br />

aula, abrimos espaço para que jovens com deficiências<br />

intelectuais fortaleçam seu desenvolvimento<br />

por meio da interação com outros alunos, desenvolvendo<br />

suas capacidades. Neste grupo, incluímos<br />

também aqueles com deficiências<br />

físicas e múltiplas.<br />

Hoje, as escolas vivem um<br />

momento de transição. Se<br />

antes o princípio era integrar,<br />

agora o objetivo é incluir.<br />

Ou seja, a ideia de que esses<br />

estudantes deveriam se adaptar,<br />

tendo de lidar com suas<br />

dificuldades sozinhos para<br />

acompanhar os colegas, já não<br />

existe mais. Cabe a escola e ao<br />

professor garantir as condições<br />

para que esses alunos<br />

tenham acesso ao currículo e<br />

ao universo escolar como um<br />

todo, interagindo socialmente<br />

e aprendendo. “A acessibilidade<br />

passa pela eliminação de<br />

barreiras que muitas vezes são<br />

subjetivas. Elas são criadas pelas<br />

próprias pessoas em suas relações com o outro<br />

e são mais difíceis de serem alteradas do que os<br />

aspectos físicos”, descreve Danilo Namo, psicólogo<br />

e especialista em Educação Inclusiva.<br />

Nos últimos 25 anos, as instituições de ensino<br />

têm melhorado suas estruturas físicas e educacionais<br />

para atender a um público mais diversificado.<br />

Tudo começa com a conscientização da direção<br />

e do corpo docente. “Os educadores precisam compreender<br />

a diversidade que têm à sua frente<br />

e garantir que todos os alunos tenham os mesmos<br />

Conviver com colegas<br />

que são diferentes<br />

de nós, tendo ou não<br />

alguma deficiência é<br />

algo muito rico. São<br />

essas singularidades<br />

que tornam cada jovem<br />

o que é. Somos todos<br />

fundamentais para<br />

o mundo.”<br />

Danilo Namo<br />

PSICÓLOGO E ESPECIALISTA<br />

EM EDUCAÇÃO INCLUSIVA<br />

direitos. Este olhar mais sensível é fundamental<br />

para que as dificuldades e necessidades de cada<br />

criança tenham atenção. Assim, o processo de<br />

aprendizagem é mais proveitoso”, reforça Danilo.<br />

As escolas públicas têm sido um ótimo exemplo.<br />

“Mesmo que nem sempre seja fácil mudar toda uma<br />

cultura pedagógica, o ambiente público tem trazido<br />

grandes evoluções para as salas de aula.” O programa<br />

de implementação de salas de Recursos Multifuncionais<br />

é uma excelente maneira de ilustrar essas<br />

mudanças. Ali, alunos com deficiências trabalham,<br />

junto de um professor especializado, o conteúdo visto<br />

nas aulas com técnicas e recursos específicos para<br />

desenvolver, de maneira individual,<br />

sua capacidade de aprendizagem.<br />

Durante o período regular, a criança<br />

ou o adolescente frequenta a classe<br />

comum com seus colegas, seguindo<br />

para a sala de recursos no contraturno.<br />

Por isso, a interação entre esses<br />

dois educadores é fundamental. São<br />

eles que têm contato direto com o jovem<br />

e, ao alinhar as práticas pedagógicas,<br />

podem oferecer um olhar mais<br />

sensível, de acordo com a necessidade<br />

de cada um.<br />

Para completar, a temática de<br />

respeito às diferenças deve ser inserida<br />

no cotidiano de todos os alunos,<br />

mesmo que de maneira sutil, permeando<br />

o conteúdo levado às aulas.<br />

Nas turmas dos anos iniciais do Ensino<br />

Fundamental, por exemplo, o ciclo<br />

da água pode ser trabalhado de uma maneira mais<br />

metafórica. Independentemente de ser líquida, gasosa<br />

ou sólida, a água é necessária para o equilíbrio<br />

da natureza. Assim como a terra que, mesmo sendo<br />

um elemento diferente, trabalha em conjunto para<br />

manter os seres vivos. Por que não sugerir que as<br />

crianças façam o mesmo? “Conviver com colegas<br />

que são diferentes de nós, tendo ou não alguma<br />

deficiência, é algo muito rico. São essas singularidades<br />

que tornam cada jovem o que é. Somos todos<br />

fundamentais para o mundo, finaliza Danilo.”<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

39


OUTROS IDIOMAS<br />

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE UMA SEGUNDA LÍNGUA<br />

A LÍNGUA<br />

COMO UM<br />

CAMINHO PARA<br />

A INCLUSÃO<br />

Saiba por que aprender o idioma local pode<br />

ser fundamental para a integração cultural<br />

de quem chega de outro país<br />

Imagine o seguinte cenário:<br />

você se muda para outro<br />

país e não conhece tão bem<br />

a cultura, o idioma e, muitas<br />

vezes, até mesmo pessoas<br />

que possam oferecer apoio<br />

e acomodação. Como fazer para<br />

conseguir moradia e emprego?<br />

Parece difícil, mas essa é a<br />

realidade de muitas pessoas que<br />

decidem ir atrás de seus sonhos,<br />

percorrendo milhares de quilômetros<br />

para alcançá-los.<br />

Atualmente, cerca de um<br />

milhão de imigrantes vivem<br />

no Brasil. Ainda no século XX,<br />

grupos de estrangeiros, como<br />

italianos e portugueses, desembarcaram<br />

em nossas terras e,<br />

de lá para cá, esse movimento<br />

continua. Haitianos, bolivianos,<br />

angola nos, seja qual for a nacionalidade,<br />

para se estabelecer,<br />

o primeiro passo é aprender<br />

o idioma local.<br />

“Conhecer a língua é parte do<br />

processo de inserção social. É ela<br />

que possibilita ao sujeito interagir<br />

com a comuni dade e a cultura<br />

local”, explica Antonieta Megale,<br />

coordenadora do curso de pós-<br />

-graduação Educação Bilíngue:<br />

Desafios e Possibilidades, do Instituto<br />

Singularidades. Mas como<br />

ensinar conteúdos em português<br />

para crianças e jovens que foram<br />

alfabetizados em outra língua?<br />

Os professores que aceitam esse<br />

desafio precisam saber trabalhar<br />

com a integração entre língua e<br />

conteúdo e estar preparados para<br />

lidar com uma grande heterogeneidade<br />

de conhecimentos entre<br />

seus alunos.<br />

Quando escolas regulares de<br />

Educação Básica têm grupos de<br />

imigrantes matriculados, o maior<br />

desafio é fazer com que essas<br />

crianças e jovens consigam acompanhar<br />

as que já falam português.<br />

40 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


O idioma faz parte do<br />

processo de inserção<br />

social. É ele que vai<br />

trazer a possibilidade<br />

para esse sujeito<br />

interagir com a<br />

comunidade e a<br />

cultura local.”<br />

Antonieta Megale<br />

INSTITUTO SINGULARIDADES<br />

É preciso ensinar o conteúdo de<br />

matérias como Geografia e Ciências<br />

ao mesmo tempo em que o<br />

aluno aprende a nova língua.<br />

Além disso, aulas que não utilizam<br />

outros recursos para além do<br />

linguístico não costumam funcionar<br />

bem nesses casos. É preciso<br />

explorar outras possibilidades<br />

multimodais, como recursos<br />

visuais, para tornar a aprendizagem<br />

possível. “São campos teóricos<br />

aos quais os professores não<br />

têm acesso na licenciatura. Precisamos<br />

prepará-los para atuar<br />

em contextos superdiversos. Usar<br />

gestos, imagens e situações práticas<br />

que exemplifiquem conceitos<br />

está entre os caminhos possíveis”,<br />

explica Antonieta.<br />

É preciso ter uma sensibilidade<br />

especial para acompanhar<br />

cada um desses alunos, entender<br />

as suas dificuldades e ajudá-los<br />

também de forma individual. Já<br />

no caso dos adultos, a questão<br />

do idioma é mais simples de ser<br />

resolvida, uma vez que as aulas<br />

tendem a se concentrar na língua<br />

falada e escrita, sem envolver<br />

outros conteúdos.<br />

No curso de pós-graduação<br />

do instituto, existe uma disciplina<br />

voltada para Imigração e Direitos<br />

Humanos, além de aulas direcionadas<br />

para o ensino de indígenas<br />

e surdos. Para Antonieta, é fundamental<br />

que os próprios cursos de<br />

licenciatura preparem os futuros<br />

professores para recepcionar<br />

alunos não falantes da língua,<br />

tornando-os capazes de compreender<br />

a realidade de cada um.<br />

“Aprender a língua é importante,<br />

mas também é necessário pensar<br />

na inserção desses imigrantes<br />

na sociedade e no mercado de<br />

trabalho. As escolas podem contribuir<br />

muito com esse processo de<br />

integração.”<br />

Muitas organizações sociais e<br />

instituições de ensino oferecem<br />

cursos gratuitos para aqueles que<br />

acabaram de chegar ao Brasil.<br />

Neles, a maior parte dos professores<br />

é voluntária e o desejo de<br />

ensinar e ajudar é algo extremamente<br />

positivo. “Nunca tivemos<br />

uma demanda tão grande de<br />

interessados em ter uma visão<br />

mais ampla de educação bilíngue<br />

como temos hoje. É uma área<br />

que tem crescido bastante”,<br />

conta Antonieta.<br />

Saiba quais são as<br />

nacionalidades de<br />

imigrantes mais presentes<br />

no Brasil, de acordo<br />

com o censo IBGE de 2016:<br />

PORTUGAL<br />

22,4%<br />

BOLÍVIA<br />

7,4%<br />

JAPÃO<br />

7,1%<br />

ITÁLIA<br />

6,3%<br />

REPÚBLICA DO HAITI<br />

5,4%<br />

ESPANHA<br />

5,1%<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

41


ESCOLAS INOVADORAS<br />

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS QUE SE TORNARAM<br />

EDUCAÇÃO<br />

INOVADORA<br />

PARA FORMAÇÃO<br />

INTEGRAL<br />

DO ALUNO<br />

Por Luísa França, gestora de Conteúdos da par Plataforma Educacional<br />

Conheça instituições<br />

no Brasil e no mundo<br />

que têm inovado suas<br />

práticas pedagógicas<br />

para capacitar alunos<br />

a enfrentar os desafios<br />

da atualidade<br />

44 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


REFERÊNCIA<br />

Asociedade tem<br />

exigido cada vez<br />

mais a formação<br />

de indivíduos capazes<br />

de resolver<br />

problemas, com<br />

autonomia e confiança para criar<br />

soluções criativas aos desafios<br />

da vida. Entretanto, como desenvolver<br />

essas competências na<br />

escola? Instituições ao redor do<br />

mundo têm inovado o processo<br />

de ensino-aprendizagem a fim de<br />

formar alunos de maneira integral<br />

– indo muito além do domínio<br />

de conteúdos.<br />

Para tanto, essas instituições<br />

valorizam o protagonismo<br />

do estudante, que é colocado<br />

no centro do seu processo de<br />

aprendizagem. É o que acontece<br />

na Steve JobsSchool, na Holanda.<br />

Lá, os alunos usam o aplicativo da<br />

escola para planejar sua rotina,<br />

combinando aulas obrigatórias<br />

com atividades que podem estudar<br />

por conta própria ou com o<br />

auxílio de um tutor.<br />

Já no Colégio Embraer Juarez<br />

Wanderley, em São José dos Campos<br />

(SP), os alunos que começam<br />

o Ensino Médio podem escolher<br />

uma área do conhecimento para<br />

desenvolver projetos em laboratórios<br />

de ciências biológicas,<br />

exatas ou humanas. “Nós valorizamos<br />

muito essa capacidade<br />

de o sujeito tomar determinadas<br />

atitudes ou entender uma janela<br />

de oportunidades. O aluno é<br />

sempre desafiado a criar essas<br />

oportunidades”, diz Pedro Ramos,<br />

diretor do colégio.<br />

O protagonismo dos estudantes<br />

também é incentivado na<br />

Green School, na Indonésia, aliado<br />

a uma consciência ambientalmente<br />

responsável. Os alunos<br />

se organizaram para viabilizar<br />

o transporte coletivo e desenvolveram<br />

um projeto de fabricação<br />

de biodiesel a partir de óleo de<br />

cozinha para abastecimento<br />

do ônibus.<br />

Essas escolas também se<br />

destacam ao propor projetos<br />

interdisciplinares, para um entendimento<br />

integral dos assuntos.<br />

“No laboratório não existe<br />

o componente curricular, mas<br />

projetos que são trabalhados em<br />

sua plenitude, abarcando diversos<br />

campos do conhecimento e<br />

deixando de lado as disciplinas,<br />

OUTRAS INICIATIVAS<br />

INOVADORAS NO MUNDO<br />

ESCOLA DEMOCRÁTICA DE HADERA,<br />

ISRAEL<br />

O aluno pode criar uma atividade<br />

e convidar toda a comunidade<br />

para participar<br />

em universidades federais ou<br />

estrangeiras no final do Ensino<br />

Médio”, avalia o diretor. “O aluno<br />

é impactado de tal forma que<br />

consegue superar todas as dificuldades<br />

e limites e alçar voo nas<br />

grandes universidades do Brasil e<br />

do mundo”.<br />

Essas escolas inovam ao<br />

inverter os papéis em sala de<br />

aula: enquanto o aluno se torna<br />

cada vez mais protagonista do<br />

seu desenvolvimento, o professor<br />

assume o papel de mediador do<br />

conhecimento. Com uma formação<br />

voltada para a resolução de<br />

problemas em projetos interdisciplinares,<br />

os jovens são preparados<br />

de forma integral, para que<br />

sejam capazes de superar desafios<br />

e alcançar o sucesso.<br />

ROSS SCHOOL,<br />

ESTADOS UNIDOS<br />

Oferece laboratórios de inovação<br />

para alunos interessados por ciências,<br />

matemática e tecnologia<br />

THE BATH STUDIO SCHOOL,<br />

INGLATERRA<br />

Mistura o ambiente escolar com o profissional<br />

para o desenvolvimento de projetos práticos<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

45


JOGOS MATEMÁTICOS<br />

| BRINCADEIRA O UNIVERSO COMO DOS JOGOS FORMA INFANTIS DE APRENDIZADO<br />

O LÚDICO COMO<br />

GRANDE ALIADO<br />

DO ENSINO DA<br />

MATEMÁTICA<br />

46 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Introduzir<br />

brincadeiras e<br />

jogos para explicar<br />

conceitos da<br />

disciplina pode<br />

ser um caminho<br />

divertido de<br />

aprendizagem<br />

Existe algo mais convidativo<br />

para uma<br />

criança do que passar<br />

horas brincando? A<br />

escritora Marilena<br />

Chaui escreveu uma<br />

vez que “quando uma criança<br />

brinca, joga e finge, está criando<br />

outro mundo. Mais rico e<br />

mais belo, e muito mais repleto<br />

de possibilidades e invenções<br />

do que o mundo onde, de fato,<br />

vive”. Brincar estimula a criatividade<br />

e o raciocínio. Além disso,<br />

pode trazer muitos aprendizados,<br />

contribuindo, por exemplo,<br />

para o ensino de matérias escolares,<br />

como a Matemática.<br />

Não é segredo para ninguém<br />

que a maioria dos alunos costuma<br />

enfrentar dificuldades com a disciplina.<br />

Cativar o interesse da turma<br />

e passar o conteúdo de uma<br />

maneira clara, dialogando com o<br />

mundo real, é um desafio e tanto.<br />

Por isso, jogos e atividades lúdicas<br />

podem ser grandes aliados.<br />

Durante muito tempo, as aulas<br />

de Matemática seguiram uma<br />

mesma receita: o professor expõe<br />

determinado conteúdo no quadro<br />

negro e explica as fórmulas para<br />

os alunos, que devem decorá-las<br />

e, depois, reproduzi-las em provas.<br />

Acontece que este caminho<br />

é estritamente teórico e não permite<br />

aos jovens colocar as mãos<br />

na massa, descobrindo a função<br />

prática das equações ou da regra<br />

de três.<br />

A teoria aplicada<br />

Quando empregamos esse<br />

conhecimento teórico em algo<br />

palpável, os conceitos ganham<br />

um sentido. Um universo novo<br />

é apresentado às crianças, de<br />

modo que elas possam fazer<br />

suas próprias descobertas,<br />

interagindo de forma independente.<br />

“Sejam gráficos, estatísticas,<br />

imagens ou problemas, a<br />

situação proposta tem que ser<br />

real, mesmo que a criança ainda<br />

não esteja familiarizada com<br />

o cenário”, acrescenta Katia<br />

Queiroz, matemática, produtora<br />

de conteúdo e formação na<br />

Somos Educação.<br />

Diferente das outras ciências<br />

que lidam com fenômenos naturais,<br />

a Matemática tem como<br />

função explicá-los a partir de<br />

suas regularidades, padrões e<br />

funções. Aplicar essas ideias na<br />

resolução de problemas é um<br />

bom início para que o aluno seja<br />

capaz de compreender o que há<br />

por trás dos números.<br />

Os cálculos passam a ser feitos<br />

para responder a perguntas<br />

hipotéticas, mas, ainda assim,<br />

próximas da nossa realidade.<br />

Esse contexto cria uma espécie<br />

de desafio, levando os alunos a<br />

usar seus conhecimentos para<br />

encontrar as respostas. “Desse<br />

modo, eles se tornam os protagonistas<br />

da situação, cabendo ao<br />

professor orientá-los na direção<br />

correta”, afirma Katia.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

47


JOGOS MATEMÁTICOS<br />

BRINCADEIRA COMO FORMA DE APRENDIZADO<br />

Os alunos se tornam<br />

os protagonistas da<br />

situação, cabendo ao<br />

professor orientá-los<br />

na direção correta.”<br />

Katia Queiroz<br />

MATEMÁTICA, PRODUTORA<br />

DE CONTEÚDO E FORMAÇÃO<br />

NA SOMOS EDUCAÇÃO<br />

Introduzir brincadeiras e jogos<br />

na sala de aula é uma forma<br />

divertida de aplicar a metodologia<br />

da resolução de problemas.<br />

“Elaborar estratégias, analisar a<br />

dinâmica dos outros competidores<br />

e planejar ações são algumas<br />

das habilidades que envolvem<br />

os jogos e que ajudam a desenvolver<br />

o raciocínio e a criatividade”,<br />

ressalta. “Além disso, esse<br />

tipo de atividade permite que as<br />

crianças aprendam a lidar com<br />

os próprios erros, construindo a<br />

ideia de que as falhas fazem parte<br />

do processo, sendo possível<br />

corrigi-las e seguir em frente.”<br />

Uma brincadeira comum,<br />

como empinar pipa, pode ser<br />

inserida no contexto escolar com<br />

facilidade. É possível pedir que<br />

as crianças criem o seu próprio<br />

brinquedo, entendendo conceitos<br />

de Geometria, fazendo cálculos<br />

e desenhando, por exemplo.<br />

A Base Nacional Comum Curricular<br />

(BNCC) indica a necessidade<br />

de utilização de metodologias<br />

ativas para o ensino, e a Matemática<br />

não fica de fora disso.<br />

Antes de jogar<br />

Para que o jogo cumpra o seu<br />

papel educativo, é preciso que<br />

Por meio de jogos<br />

e brincadeiras é<br />

possível fortalecer<br />

o desenvolvimento<br />

do raciocínio lógico<br />

para a resolução<br />

de problemas<br />

48 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


o professor tenha um propósito<br />

bem claro ao introduzi-lo na sala<br />

de aula, conhecendo bem as<br />

regras e a aplicação que deseja<br />

apresentar. “Pode ser para introduzir<br />

uma ideia, reforçar algum<br />

conceito que esteja sendo aplicado<br />

ou rever algum conteúdo de<br />

uma maneira mais interessante<br />

e prática”, completa Katia.<br />

Dependendo do propósito e<br />

da faixa etária dos alunos, algumas<br />

regras devem ser ajustadas.<br />

O ambiente em que a atividade<br />

será aplicada, o tempo adequado<br />

e o critério de organização<br />

dos alunos também precisam<br />

ser analisados previamente,<br />

bem como o acompanhamento<br />

próximo do professor, que irá<br />

conduzir e estimular a evolução<br />

dessa aprendizagem. Segundo<br />

Katia, “muitas vezes, esses jogos<br />

podem ser construídos pelos<br />

próprios alunos e levados para<br />

se divertir em casa, com seus<br />

familiares, de uma maneira<br />

bem legal”.<br />

O professor também pode<br />

criar um jogo ou propor aos<br />

alunos que o façam, aproveitando<br />

para desenvolver a interação<br />

social, o trabalho de pesquisa e<br />

outros conceitos importantes.<br />

É um momento rico para que os<br />

educadores observem a maneira<br />

como as crianças trabalham em<br />

equipe e como lidam com dificuldades,<br />

até mesmo diante do inesperado.<br />

O que vale, no final, é<br />

que o processo de aprendizagem<br />

seja proveitoso e divertido.<br />

MÃO NA MASSA!<br />

CONHEÇA ALGUNS JOGOS MATEMÁTICOS QUE PODEM SER UTILIZADOS<br />

EM SALA DE AULA E ATÉ MESMO CONFECCIONADOS PELA PRÓPRIA TURMA:<br />

Mancala<br />

De origem africana, o principal objetivo deste jogo é simular o ato de semear: a<br />

germinação das sementes na terra, o seu desenvolvimento e sua colheita. Com dois<br />

jogadores e um tabuleiro com duas filas de seis covas (caixa de ovos, por exemplo),<br />

o jogo de raciocínio lógico apresenta um forte potencial de aprendizagem.<br />

Banco Imobiliário<br />

O clássico jogo de tabuleiro é ótimo para ensinar educação financeira às crianças.<br />

O objetivo é adquirir o maior número de propriedades imobiliárias, como casas e<br />

hotéis, e lucrar com o aluguel. Vence aquele que terminar o jogo sem falir e tiver<br />

mais bens acumulados.<br />

Dominó matemático<br />

Pedir para os alunos criarem o próprio dominó em papel pode ser uma forma<br />

divertida de estimular a interação e o raciocínio. Cada participante começa com sete<br />

pedras, jogando primeiro aquele que estiver com o número maior. O próximo deverá<br />

colocar na mesa uma peça com o mesmo valor numérico que a anterior, precisando<br />

somar ou subtrair os números.<br />

Serpentes e escadas<br />

Exige apenas dois dados, um tabuleiro com casas e alguns peões. Os alunos<br />

começam no mesmo ponto e, após jogar os dados, devem percorrer o número<br />

de casas indicadas até chegar ao fim. Se o peão cair sobre as figuras da serpente,<br />

espalhadas pelo caminho, o competidor deverá voltar o mesmo número de casas<br />

que tirou nos dados.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

49


INDÚSTRIA 4.0<br />

TRANSFORMAÇÃO DIGITAL NO ENSINO PROFISSIONALIZANTE<br />

EDUCAÇÃO<br />

CONECTADA COM<br />

O FUTURO<br />

50 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


ABase Nacional Comum Curricular (BNCC) e as<br />

recentes mudanças propostas para o Ensino Médio<br />

favorecem o caminho para a formação técnica e<br />

o ensino profissionalizante dos estudantes que se<br />

preparam para ingressar a vida adulta. De olho nas<br />

transformações tecnológicas e nos impactos sobre<br />

os processos industriais, como preparar o jovem em seus desafios do<br />

futuro, sem deixar de lado a formação cidadã? Para responder a essa<br />

e outras questões, convidamos o professor Reinaldo Ricchi Jr., autor<br />

do Projeto Pedagógico do curso de pós-graduação em Engenharia<br />

Industrial 4.0.<br />

PROF. REINALDO RICCHI<br />

Bacharel em Química pela Unicamp,<br />

onde também desenvolveu os<br />

projetos de mestrado em História<br />

da Química e de doutorado em<br />

Engenharia Química, com ênfase<br />

em Materiais. É autor do Projeto<br />

Pedagógico do curso de pósgraduação<br />

em Engenharia Industrial<br />

4.0 do grupo Kroton Educacional.<br />

Muito têm-se falado a respeito<br />

da indústria 4.0. Qual a sua<br />

definição para esse termo?<br />

Trata-se de um amplo movimento<br />

cultural, fundamentado na<br />

transformação digital. O termo<br />

surgiu em 2011 e foi desenvolvido<br />

pelo professor Klaus Schwab,<br />

fundador do Fórum Econômico<br />

Mundial. Nesse contexto,<br />

a linguagem computacional, a<br />

internet das coisas, a inteligência<br />

artificial, a robótica, a neurotecnologia,<br />

a nanotecnologia e<br />

outras tecnologias misturam-se<br />

para transformar os processos<br />

industriais, provocando também<br />

mudanças profundas na sociedade<br />

global. A partir desse cenário,<br />

surge também a necessidade<br />

de uma educação 4.0, ou seja,<br />

um modelo de ensino capaz de<br />

responder às demandas dessa<br />

quarta revolução industrial.<br />

É possível preparar os jovens<br />

para esses desafios sem deixar<br />

de lado a formação cidadã?<br />

Penso que ambos os propósitos<br />

caminham juntos. No documento<br />

Nova visão para a educação<br />

– Desbloqueando o potencial da<br />

tecnologia, do Fórum Econômico<br />

Mundial, há 16 habilidades fundamentais<br />

para a transformação<br />

digital. Elas foram divididas em<br />

três categorias: Alfabetizações<br />

Fundamentais, Competências e<br />

Qualidades da Personalidade. A<br />

partir de uma releitura<br />

dessas categorias,<br />

eu apresento a<br />

ideia dos três<br />

Cs: Conscientização,<br />

Capacitação<br />

e<br />

Cidadania. Ou<br />

seja, precisamos<br />

entender<br />

os impactos da<br />

transformação<br />

digital, qualificar<br />

nossos jovens e, por fim,<br />

prepará-los para serem atuantes<br />

na sociedade moderna. Esse é<br />

o caminho que acredito para o<br />

futuro da nossa educação.<br />

Qual é o cenário da Educação<br />

4.0 no Brasil?<br />

Estamos muito atrasados em<br />

relação a outros países. Esse<br />

conceito existe há quase uma<br />

década e só agora passamos<br />

a discuti-lo do ponto de vista<br />

educacional. Há um espaço<br />

muito grande para desenvolver<br />

esse tema no Brasil, mas precisamos<br />

avançar rapidamente para<br />

capacitar nossos jovens e acompanhar<br />

as transformações<br />

da era digital. O<br />

Brasil só vai entrar<br />

na indústria 4.0<br />

se investir em<br />

educação 4.0.<br />

Qual é o papel<br />

do professor<br />

diante desse<br />

novo contexto?<br />

O grau de<br />

complexidade<br />

das tecnologias exigidas pela<br />

indústria 4.0 é muito elevado.<br />

Logo, o professor não pode ser<br />

mais aquele que apenas transmite<br />

o conhecimento. Deve assumir<br />

o papel de mentor e mediador,<br />

orientar sobre os melhores<br />

caminhos e conduzir o aluno<br />

para o desenvolvimento das<br />

suas habilidades.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

51


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL<br />

DE ARTIFICIAL NÃO TEM NADA<br />

TECNOLOGIA<br />

AO ALCANCE<br />

DA MÃO<br />

Explore a inteligência artificial presente<br />

em nosso cotidiano e descubra novas<br />

maneiras de ensinar<br />

Imagine a seguinte situação:<br />

antes de sair de casa<br />

para a escola, um estudante<br />

recebe no celular uma<br />

notificação com um plano<br />

de estudos para aquele dia.<br />

O material contém uma gravação<br />

em áudio, feita pelo professor,<br />

com orientações específicas sobre<br />

o conteúdo da aula e também um<br />

vídeo do YouTube com informações<br />

complementares sobre o<br />

tema. Tudo isso de forma personalizada,<br />

de acordo com os<br />

hábitos e preferências de aprendizagem<br />

do aluno.<br />

Pode parecer improvável, mas<br />

cenas como essa estão bem próximas<br />

de se tornar realidade. No<br />

mundo dos negócios, a tecnologia<br />

já virou suporte essencial das<br />

empresas na tarefa de entender<br />

os desejos dos clientes e entregar<br />

a eles produtos e serviços customizados.<br />

É o caso das gigantes<br />

Amazon e Google, que empregam<br />

recursos de inteligência artificial<br />

para interpretar dados e aprender<br />

sobre os usuários a cada interação<br />

com eles.<br />

Mas como imaginar que essa<br />

realidade virtual possa chegar à<br />

vasta rede de escolas públicas<br />

brasileiras – sendo que inúmeras<br />

delas sequer têm acesso à internet?<br />

Segundo o último Censo<br />

Escola, divulgado pelo MEC no<br />

começo de 2018, o total de escolas<br />

com acesso à rede mundial<br />

de computadores não chega a<br />

70% (confira os dados no final da<br />

reportagem). Entre as unidades<br />

de Ensino Fundamental, menos<br />

da metade dispõe de laboratório<br />

de informática. Sem falar nos problemas<br />

não contabilizados, como<br />

falta de funcionários capacitados<br />

para manusear equipamentos de<br />

última geração. Como lidar com<br />

esse contexto de atraso?<br />

52 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


É uma mudança de atitude,<br />

na medida em que o professor<br />

deixa o papel de único detentor<br />

do conhecimento e passa<br />

atuar como mentor.”<br />

Thayo Vianna da Silva<br />

COORDENADOR DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL<br />

DA SARAIVA EDUCAÇÃO<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

53


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL<br />

DE ARTIFICIAL NÃO TEM NADA<br />

O engajamento<br />

digital dos<br />

professores é<br />

fundamental para<br />

transformar a<br />

experiência de<br />

aprendizagem<br />

dos alunos<br />

O mundo digital<br />

permite ao professor<br />

inovar no formato<br />

das aulas, buscando<br />

estímulos alternativos<br />

e personalizados<br />

para atender mais<br />

adequadamente às<br />

expectativas dos alunos.”<br />

Thayo Vianna da Silva<br />

COORDENADOR DE TECNOLOGIA<br />

EDUCACIONAL DA SARAIVA EDUCAÇÃO<br />

A saída pode estar nas mãos<br />

dos próprios alunos, enxerga<br />

Thayo Vianna da Silva, coordenador<br />

de Tecnologia Educacional<br />

da Saraiva Educação. Ou seja, os<br />

celulares que muitos estudantes<br />

possuem podem ajudar os<br />

educadores a encontrar métodos<br />

de ensino capazes de despertar o<br />

envolvimento das turmas. “O professor<br />

é a uma grande fonte de<br />

disseminação de informações e<br />

precisa entender que a tecnologia<br />

veio como aliada. Ao utilizar ferramentas<br />

presentes no cotidiano dos<br />

alunos – como o smartphone – ele<br />

pode conseguir engajá-los em atividades<br />

didáticas, facilitando seu<br />

próprio trabalho. É uma mudança<br />

de atitude, na medida em que<br />

deixa o papel de único detentor<br />

do conhecimento e passa a atuar<br />

como mentor”, observa.<br />

Criatividade para ensinar<br />

Muitos educadores já estão<br />

pondo em prática essas alternativas,<br />

como o uso do WhatsApp<br />

para tirar dúvidas ou compartilhar<br />

conteúdos com os alunos. Não é o<br />

ideal, diz ele, mas se trata de “um<br />

primeiro passo para adicionar a<br />

cultura digital na sala de aula”.<br />

Para seguir em frente, o professor<br />

deve ter dois requisitos básicos:<br />

ser criativo e, sobretudo, jamais<br />

abandonar a trilha formativa.<br />

“Não basta exibir um vídeo do<br />

YouTube. O aluno está na escola<br />

para aumentar o seu conhecimento,<br />

e isso deve ser alcançado<br />

por meio de um plano de estudos<br />

que seja compatível com o projeto<br />

pedagógico da instituição e que,<br />

ao mesmo tempo, proporcione<br />

liberdade para que ele aprenda<br />

como gosta de aprender.”<br />

Nesse sentido, Thayo defende<br />

que o docente atue em sintonia<br />

com as mudanças no comportamento<br />

dos jovens, motivadas<br />

em grande parte pelo avanço da<br />

tecnologia. “Eles já estão habituados<br />

a conseguir as informações<br />

na internet de forma rápida.<br />

Em contrapartida, o professor<br />

54 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


deve ensinar de maneira ágil, de<br />

acordo com o ritmo dos estudantes.<br />

Mas, antes de tudo, precisa<br />

humanizar o ensino e transformar<br />

a experiência de aprendizagem<br />

em algo prazeroso.”<br />

Aplicativos gratuitos<br />

É nesse ponto que a inteligência<br />

artificial passa a ser usada a<br />

serviço do processo educativo.<br />

Assim como vimos no começo<br />

desta reportagem, novos recursos<br />

tecnológicos vêm sendo empregados<br />

para coletar informações<br />

sobre estudantes usuários de<br />

plataformas eletrônicas, tornando-as<br />

disponíveis para análise e<br />

interpretação dos educadores.<br />

O próprio Google oferece ferramentas<br />

sem custo para criação<br />

de relatórios e análise de dados<br />

de forma individualizada. Aplicativos<br />

para smartphones e tablets<br />

também podem ser baixados<br />

gratuitamente. O Aurasma, por<br />

exemplo, captura imagens impressas<br />

e as transforma em objetos<br />

virtuais e animados; o Plickers<br />

escaneia anotações para geração<br />

de dados em formato de gráfico,<br />

o que permite acompanhar o desempenho<br />

individual dos alunos<br />

em provas e testes produzidos à<br />

mão (saiba mais ao lado).<br />

“O mundo digital fornece cada<br />

vez mais conteúdo personalizado.<br />

Da mesma maneira, na educação,<br />

essas ferramentas liberam relatórios<br />

para elaboração de perfis,<br />

mentorias e planos de estudos<br />

individualizados. Tudo isso permite<br />

ao professor inovar no formato<br />

das aulas, buscando estímulos<br />

Antes de tudo, o professor precisa humanizar<br />

o ensino e transformar a experiência de<br />

aprendizagem em algo prazeroso.”<br />

APLICATIVOS E FERRAMENTAS<br />

DE APOIO AO ENSINO<br />

CONHEÇA ALTERNATIVAS DE RECURSOS DIGITAIS COM ACESSO GRATUITO<br />

G Suite do Google<br />

Pacote de ferramentas com armazenamento em nuvem que permitem<br />

criar oportuni dades de aprendizagem, simplificar tarefas administrativas e<br />

incentivar a colaboração, a criatividade e o pensamento crítico. Os recursos<br />

incluem treinamentos e tutoriais. Por meio de relatórios para análise de dados,<br />

os professores podem dar feedback instantâneo e acompanhar o progresso de<br />

cada aluno para melhorar o seu desempenho.<br />

Aurasma<br />

Aplicativo que pode ser utilizado em smartphones e tablets. É capaz de<br />

reconhecer objetos e melhorá-los, transformando-os em objetos virtuais<br />

e animados que podem interagir com a realidade. Um livro impresso, por<br />

exemplo, pode usar a tecnologia para melhorar suas ilustrações didáticas.<br />

Basta apontar o celular para o papel e, assim, obtém-se uma experiência<br />

mais rica do que simplesmente olhar para o desenho ou a foto.<br />

Plickers<br />

Disponível na versão web e em aplicativo para dispositivos móveis, é uma<br />

ferramenta de administração de testes rápidos que permite ao professor<br />

escanear as respostas e conhecer em tempo real o nível da turma em<br />

relação ao entendimento de conceitos e pontos-chave de uma aula. O app<br />

gera e salva automaticamente o desempenho individual dos alunos, criando<br />

gráficos e dados úteis para identificar dificuldades, tendências e estratégias<br />

de personalização do ensino.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

55


INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL<br />

Conteúdo<br />

personalizado<br />

e ferramentas<br />

diversas estimulam<br />

os alunos a buscar<br />

novas maneiras<br />

de aprender<br />

alternativos e personalizados para<br />

atender mais adequadamente às<br />

expectativas dos alunos”, detalha<br />

o coordenador. “Por que não<br />

identificar se um estudante prefere<br />

aprender por meio de vídeos<br />

e outro por meio de livros? Isso já<br />

está ao nosso alcance”, pontua.<br />

INFRAESTRUTURA<br />

PRECÁRIA<br />

O CENSO ESCOLAR 2017*<br />

REVELOU DEFICIÊNCIAS NAS<br />

ESCOLAS PÚBLICAS BRASILEIRAS<br />

PARA USO DE TECNOLOGIA<br />

Acesso à internet<br />

65,6%<br />

Internet por banda larga<br />

53,5%<br />

Laboratório de informática<br />

(em escolas de Ensino Fundamental)<br />

46,8%<br />

*Fonte: Agência Brasil<br />

Ambiente pessoal<br />

de aprendizagem<br />

Para Thayo, soluções como<br />

essas trazem mais previsibilidade<br />

para o trabalho pedagógico e propiciam<br />

a criação de um ambiente<br />

pessoal de aprendizagem. “Com<br />

a inteligência artificial, podemos<br />

entender melhor a turma por<br />

inteiro e o aluno individualmente<br />

e, assim, ganhar escala no aprendizado.<br />

Ao conhecer de perto as<br />

dificuldades de cada indivíduo,<br />

conseguimos propor atividades<br />

mais engajadoras. Podemos<br />

identificar até mesmo os dias e os<br />

horários da semana mais propícios<br />

para propor tarefas conforme<br />

o ritmo de aprendizagem dos<br />

alunos,” projeta.<br />

O coordenador ressalta que a<br />

análise de dados não é feita por<br />

máquinas, e sim por um conjunto<br />

de profissionais que estudam o<br />

histórico escolar e de comportamento<br />

dos jovens com o objetivo<br />

de personalizar o ensino de<br />

acordo com o ritmo e as necessidades<br />

de cada um. Ele menciona<br />

um projeto sobre livro digital,<br />

desenvolvido pela Saraiva Educação,<br />

que busca identificar, por<br />

exemplo, qual foi a última página<br />

lida pelo aluno e quanto tempo<br />

ele permaneceu nela. “Com isso,<br />

consigo investigar se o leitor não<br />

entendeu ou se não gostou daquele<br />

conteúdo”, esclarece.<br />

Ensino a distância<br />

Nesse contexto de inovação,<br />

o Ensino a Distância (EaD) – que<br />

vem ganhando espaço como método<br />

alternativo e democrático de<br />

aprendizagem – também precisa<br />

ser visto com outro olhar. “É uma<br />

modalidade que pode aumentar<br />

o alcance e a permanência<br />

dos alunos na escola”, pondera.<br />

“Mas ela não deve simplesmente<br />

reproduzir a aula presencial, na<br />

qual o professor se dirige a uma<br />

turma passiva. A sociedade mudou,<br />

e a nossa maneira de ensinar<br />

também precisa evoluir”.<br />

É o futuro batendo à porta da<br />

escola para uma nova experiên -<br />

cia em educação.<br />

56 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> 57


ARTES<br />

NOVAS POSSIBILIDADES DE ENSINO<br />

ARTES INTEGRADAS:<br />

UMA NOVA LINGUAGEM<br />

Com a inclusão da unidade temática de artes integradas<br />

no currículo escolar, a BNCC atualiza o conteúdo e a didática<br />

do componente curricular<br />

Arte é um componente<br />

curricular<br />

obrigatório da<br />

Educação Básica<br />

brasileira desde<br />

1996, com a Lei<br />

de Diretrizes e Bases da Educação<br />

Nacional (LDBEN). E durante<br />

muitos anos, o estudo da arte<br />

– especialmente em suas expressões<br />

regionais – manteve-se da<br />

mesma forma.<br />

Em 2016, a inclusão das artes<br />

visuais, da dança e do teatro<br />

passou a ser obrigatória nos<br />

currículos dos diversos níveis da<br />

Educação Básica, apoiando a formação<br />

do professor de Arte, que<br />

é realizada em quatro diferentes<br />

licenciaturas: Artes Visuais, Música,<br />

Dança e Teatro. A lei alterou<br />

a LDBEN, estabelecendo que as<br />

redes de ensino públicas e privadas<br />

terão até 2020 para promover<br />

essa alteração curricular.<br />

De acordo com a legislação<br />

brasileira, a BNCC do Ensino<br />

Fundamental também manteve<br />

a Arte como componente curricular<br />

obrigatório. Entretanto, além<br />

ELIANA POUGY é doutora<br />

em Ciências Sociais, mestre em<br />

Educação, especialista em Linguagens<br />

da Arte e autora de livros didáticos e<br />

paradidáticos sobre Arte.<br />

das artes visuais, música, dança e<br />

teatro, a Base traz uma novidade<br />

interessante: a inclusão das artes<br />

integradas. Elas englobam as<br />

diferentes linguagens artísticas,<br />

como acontece na arte erudita<br />

contemporânea e na arte tradicional<br />

brasileira.<br />

Uma das principais características<br />

da arte erudita contemporânea,<br />

ou da arte erudita<br />

produzida desde o final do século<br />

20, é a mistura ou hibridismo<br />

de linguagens e técnicas, como<br />

acontece, por exemplo, nas artes<br />

audiovisuais, que misturam as<br />

artes plásticas, a música e, muitas<br />

vezes, as artes cênicas, além de<br />

utilizar tecnologias variadas; nas<br />

performances e intervenções,<br />

que podem mesclar a linguagem<br />

corporal com a música, a dramaturgia<br />

e a improvisação; e nas<br />

instalações, que podem até mesmo<br />

provocar outros sentidos,<br />

como o tato, o olfato e o paladar.<br />

Estudar arte erudita contemporânea,<br />

nesse sentido, permite<br />

que os estudantes conheçam valores<br />

estéticos e culturais, modos<br />

de fazer, artistas e obras de arte<br />

que dialogam com o seu tempo e<br />

com os acontecimentos e debates<br />

do mundo de hoje, tornando as<br />

aulas de Arte mais significativas<br />

e interessantes.<br />

Já a arte tradicional brasileira,<br />

produzida pelos povos indígenas,<br />

quilombolas, ribeirinhos, caiçaras,<br />

jangadeiros e outros, engloba<br />

os rituais, festejos e folias, manifestações<br />

culturais que também<br />

integram artes visuais, música,<br />

dança e teatro.<br />

O estudo da arte tradicional<br />

brasileira é essencial para a formação<br />

cidadã, pois valoriza a<br />

cultura do nosso país, nossas<br />

58 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


tradições e nosso patrimônio material<br />

e imaterial. Nesse sentido,<br />

a BNCC reafirma a importância<br />

de ensinar e aprender Arte na<br />

escola de maneira expressiva –<br />

já que engloba as artes eruditas<br />

feitas hoje em dia; e, de forma,<br />

contextualizada – uma vez que<br />

valoriza as artes tradicionais<br />

brasileiras em toda a sua riqueza<br />

e diversidade.<br />

Outro aspecto importante que<br />

o documento traz é a orientação<br />

baseada em Projetos de Trabalho.<br />

Essa modalidade organizativa do<br />

tempo didático permite que os<br />

professores, em suas formações<br />

específicas, organizem projetos<br />

integrados, em que as diferentes<br />

linguagens artísticas sejam estudadas<br />

e que os produtos finais sejam<br />

uma mistura de manifestações.<br />

Esse modo de compreender<br />

o ensino de Arte permite que os<br />

professores desta disciplina unam<br />

seus saberes específicos e criem<br />

projetos ricos e abrangentes.<br />

E quem ganha é o estudante.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

59


LITERATURA<br />

COLETIVO LEITOR<br />

BEM-VINDO<br />

AO COLETIVO<br />

LEITOR<br />

Mais do que despertar o<br />

encantamento, a literatura é<br />

um universo ilimitado, capaz de<br />

abrir portas para a imaginação<br />

e de desenvolver o pensamento<br />

crítico dos alunos, formando<br />

protagonistas das próprias<br />

histórias.<br />

Um portal completo, pensado<br />

para promover e refletir sobre<br />

o trabalho com a leitura,<br />

somar conhecimento para<br />

auxiliar o desenvolvimento<br />

cognitivo da criança e do<br />

jovem e proporcionar o diálogo<br />

permanente sobre a importância<br />

da literatura.<br />

Acesse:<br />

www.coletivoleitor.com.br<br />

Vamos<br />

ler?<br />

60 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Você sabia que literatura<br />

não é apenas a arte de<br />

escrever, mas também<br />

a arte de ler?<br />

ALEXANDRE AZEVEDO<br />

Professor de Literatura e escritor, Alexandre Azevedo<br />

é autor de mais de 120 obras. Já publicou, entre outros,<br />

Que azar, Godofredo! (Atual), O vendedor de queijos e<br />

outra crônicas (Atual), Três casamentos (Atual), Poeminhas<br />

fenomenais (Atual), O menino que contava estrelas (Atual),<br />

A lua e a bola (Formato) e A última flor de abril (Saraiva).<br />

Ler é um exercício. Esta<br />

é uma frase já muito<br />

dita quando o assunto<br />

é o incentivo à leitura.<br />

E ela está corretíssima!<br />

Quando alguém<br />

está predisposto a fazer exercícios<br />

físicos, como, por exemplo, uma<br />

simples caminhada diária, este alguém<br />

pensa: “primeiro andarei 15<br />

minutos; no outro dia, andarei 20;<br />

e no outro, 30; e assim por diante”.<br />

Este é um projeto que, posto em<br />

prática, tem tudo para funcionar.<br />

Com a leitura não é muito diferente:<br />

se esse mesmo alguém se<br />

propuser a ser um leitor, mas um<br />

leitor de verdade, e pensar: “hoje<br />

lerei 15 minutos; amanhã, 30;<br />

depois de amanhã, 60 minutos…<br />

Pronto, agora, todos os dias vou<br />

ler por 1 hora!”. Entretanto, outro<br />

alguém poderá dizer: “eu só não<br />

leio com frequência porque não<br />

tenho tempo!”. Esse pode ser um<br />

grande equívoco se pensarmos<br />

que o tempo somos nós que o<br />

fazemos. E poderemos nos surpreender<br />

com o nosso potencial<br />

para inventar o tão “famigerado”<br />

tempo.<br />

Você sabia que literatura não<br />

é apenas a arte de escrever, mas<br />

também a arte de ler? Sem o leitor<br />

não há a necessidade do escritor;<br />

e se não houver o escritor, não<br />

haverá o leitor, isso é uma coisa<br />

óbvia! Um depende do outro,<br />

portanto, um casamento que deve<br />

durar para sempre: escritor-leitor;<br />

leitor-escritor.<br />

Professor, pai, mãe e cuidador,<br />

seja um leitor assíduo! É muito<br />

importante que o exemplo de<br />

vocês seja real para o aluno e filho<br />

que os observa. O entusiasmo<br />

da criança pela leitura depende<br />

também de vocês! Atentem-se<br />

para a importância de se trabalhar<br />

livros constantemente em sala de<br />

aula e em casa: eles têm que ser<br />

cuidadosamente analisados por<br />

vocês, explorando todo o potencial<br />

educativo e literário das obras e<br />

assim levar um aprendizado de<br />

irremediável valor a cada um de<br />

seus alunos e filhos.<br />

E por falar em professor, a<br />

escolha da carreira de professor<br />

implica muitos desafios, desprendimentos<br />

e superações. Entretanto,<br />

nada é mais gratificante para<br />

o educador do que assistir aos<br />

alunos em suas conquistas no<br />

ambiente escolar e para além dele.<br />

E, sem dúvida, ensiná-los o amor à<br />

literatura, despertar-lhes no quão<br />

importante é a promoção do livro<br />

a melhor amigo, são tarefas das<br />

mais difíceis, mas também, das<br />

mais prazerosas. A personificação<br />

do livro é o primeiro passo para se<br />

treinar para o encontro com amigos<br />

reais, com a noção de coletividade,<br />

de fraternidade, ainda que<br />

nesta sociedade tão marcada pelo<br />

individualismo e, por isso mesmo,<br />

tão sedenta por amizades verdadeiras<br />

e para toda vida.<br />

Muito se tem falado da necessidade<br />

crescente dos professores<br />

em aliarem ao incentivo à leitura<br />

uma proposta prazerosa, algo que<br />

atraia o aluno para uma dimensão<br />

que o faça ficar encantado e cada<br />

vez mais absorvido pelo conteúdo<br />

do qual o livro trata. A participação<br />

do professor como orientador nesse<br />

processo de descoberta da literatura<br />

é fundamental. E o aluno,<br />

por sua vez, cada dia mais exigente,<br />

faz o papel de questionador,<br />

quer abordar múltiplas questões,<br />

quer perguntar, quer se esclarecer<br />

e isso pode ser alcançado na intensidade<br />

das vivências em sala de<br />

aula, onde o educando se depara<br />

com seus iguais, com semelhantes<br />

dúvidas e inquietações.<br />

Ler é viajar sem sair do lugar!<br />

Quantas vezes já ouvimos essa<br />

frase quando o assunto é leitura?!<br />

Mas, cá entre nós, é a mais pura<br />

verdade, não é mesmo?!<br />

Eu costumo dizer aos meus<br />

leitores, em escolas, feiras e<br />

eventos literários, que mais<br />

importante que escrever é ler!<br />

Antes de me tornar um escritor,<br />

já era um leitor voraz, tudo o<br />

que caía em minhas mãos, lia.<br />

E com esse exercício, consegui<br />

conhecer os grandes nomes da<br />

literatura universal e, em especial,<br />

os da minha grande paixão, que<br />

são os da literatura brasileira,<br />

que muito me ajudam no meu<br />

ofício de escrever. Dentre eles,<br />

posso citar Fernando Sabino,<br />

Monteiro Lobato, Graciliano<br />

Ramos, Manuel Bandeira, Luís<br />

Fernando Veríssimo, Manoel de<br />

Barros, Lourenço Diaféria, Affonso<br />

Romano de Sant’Anna, Ziraldo,<br />

Drummond, Aluísio Azevedo,<br />

Lima Barreto, Guimarães Rosa<br />

e, principalmente, a grande<br />

estrela de nossa literatura,<br />

Machado de Assis!<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

61


LITERATURA<br />

COLETIVO LEITOR<br />

Os primeiros voos<br />

e as primeiras luzes<br />

da vaga-lume<br />

Conheça a história da coleção que há<br />

gerações faz parte da formação de jovens<br />

Um dos<br />

títulos mais<br />

emblemáticos<br />

lançados pela<br />

coleção<br />

Na Editora Ática<br />

dos primeiros dez<br />

anos, era muito<br />

comum que os<br />

editores fossem<br />

também professores<br />

atuantes em suas escolas. Eu<br />

mesmo fui sempre editor e professor,<br />

até hoje. Como professor, no<br />

início dos anos 1970, notava um<br />

estímulo das novas diretrizes educacionais<br />

para que se valorizassem<br />

autores nacionais contemporâneos<br />

entre os alunos da antiga 5ª série<br />

em diante, hoje 6º ano.<br />

Em 1969, a Ática havia criado a<br />

série Bom Livro, com os clássicos<br />

das literaturas brasileira e portuguesa<br />

e com uma novidade: uma<br />

ficha de leitura que acompanhava<br />

cada exemplar. No Ensino Médio<br />

da época e nas faculdades, os<br />

professores costumavam solicitar<br />

aos alunos o fichamento de livros<br />

lidos. Por isso, a novidade da ficha<br />

de leitura ajudou a fazer o sucesso<br />

da série.<br />

No início dos anos 1970, éramos<br />

três os editores: Avelino Correa,<br />

responsável pelos livros didáticos;<br />

Granville Ponce, responsável<br />

pela inovação e profissionalização<br />

dos procedimentos; e eu, responsável<br />

pelos didáticos de português<br />

e pelas linhas paradidáticas.<br />

Estimulados pelo professor<br />

Anderson Fernandes Dias, o<br />

diretor-presidente da editora,<br />

selecionamos alguns títulos juvenis<br />

de autores contemporâneos para<br />

servirem de “balões de ensaio” de<br />

uma série contemporânea voltada<br />

para leitura extraclasse das últimas<br />

séries do Ensino Fundamental (na<br />

época, Primeiro Grau). A estratégia<br />

consistiu em lançarmos dois<br />

títulos — Éramos seis, de Maria José<br />

Dupré, e Coração de Onça, do casal<br />

Ofélia e Narbal Fontes — dentro<br />

da série Bom Livro, sem grande<br />

alarde. Queríamos verificar se a<br />

aceitação seria a mesma dos outros<br />

títulos da série. Isso foi no final<br />

de 1972. A aceitação foi tão boa<br />

que muitos professores passaram<br />

a sugerir outros títulos contemporâneos.<br />

Essa boa aceitação nos autorizou<br />

a criar a série contemporânea<br />

para jovens. Formulamos um<br />

conjunto de estratégias para o<br />

lançamento ter o sucesso que planejávamos:<br />

engajamento interno,<br />

participação do público externo,<br />

busca de empatia com os dois<br />

públicos principais: professores e<br />

estudantes e um novo conceito de<br />

livro extraclasse.<br />

Para o engajamento interno, foi<br />

promovido um concurso nacional<br />

entre os colaboradores da editora<br />

para a escolha do nome da coleção.<br />

Um divulgador do Rio foi o<br />

vencedor com a sugestão de Vaga-<br />

-Lume. Além disso, todos representantes<br />

regionais foram estimulados<br />

a nos repassar as indicações de<br />

títulos feitas por professores de<br />

suas regiões. A diversidade regional<br />

era uma das metas da série<br />

desde o lançamento com os quatro<br />

primeiros títulos.<br />

Para contar com a participação<br />

do público externo, foram convidados<br />

pequenos grupos de professores<br />

com quem passamos a trocar<br />

ideias sobre o formato, os temas,<br />

os estilos, as ilustrações, as atividades,<br />

a apresentação, para chegarmos<br />

ao conceito do livro modal<br />

da série.<br />

62 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


E o grande diferencial, para a<br />

época, foram os testes que fazíamos<br />

com os alunos que liam os<br />

nossos originais e opinavam sobre<br />

eles. Um aspecto que solicitávamos<br />

aos professores que fosse<br />

observado era o tempo de leitura<br />

dos estudantes. Achávamos que,<br />

quando o leitor lesse em pouco<br />

tempo, poderia ser um forte sintoma<br />

de que ele tinha gostado muito,<br />

a ponto de privilegiar a leitura em<br />

relação a outras atividades lúdicas.<br />

Mais tarde, para alcançar um<br />

teste mais abrangente, passamos<br />

a solicitar aos autores que fizessem<br />

uma sinopse, de duas a três<br />

páginas. Com a sinopse pudemos<br />

fazer teste com milhares de alunos<br />

de várias regiões. Esse tipo de<br />

teste foi iniciado com O mistério<br />

do cinco estrelas, de Marcos Rey.<br />

Alguns personagens chegaram a<br />

ser inseridos pelo autor em função<br />

de interessantes sugestões dos<br />

leitores.<br />

A empatia com os professores<br />

e os alunos era buscada com as<br />

preferências que eles revelavam<br />

em nossos contatos. Percebemos<br />

a força dos quadrinhos no mundo<br />

juvenil. Desta percepção nasceu a<br />

ideia de contratarmos um ilustrador<br />

de quadrinhos, Eduardo Carlos<br />

Pereira, para criar uma personagem<br />

— o Luminoso —, que fazia<br />

a apresentação de cada livro em<br />

forma de quadrinhos coloridos.<br />

Para romper com o clássico padrão<br />

verbal das orelhas, a apresentação<br />

em quadrinhos passou a ocupar a<br />

primeira orelha do livro. As antigas<br />

fichas de leitura, muito sisudas,<br />

foram substituídas por Suplementos<br />

de Trabalho, com atividades<br />

lúdicas, como palavras cruzadas,<br />

charadas, caça-palavras etc.<br />

Para um novo conceito de livro<br />

extraclasse, foi criado um novo<br />

layout de capa, paginação e uso<br />

de ilustrações mais funcionais,<br />

baseando-nos no conceito das<br />

funções de Barthes, estudioso que<br />

chegava como novidade acadêmica<br />

na época. A responsabilidade<br />

visual da série ficou a encargo do<br />

designer Ary de Almeida Normanha,<br />

que vinha de experiências<br />

criativas de várias revistas arrojadas<br />

da época. Ele trouxe para<br />

a série ilustradores provindos da<br />

imprensa e da publicidade, como<br />

Milton Rodrigues Alves, Mário Cafiero,<br />

Jaime Leão e vários outros.<br />

Esse conjunto de estratégias<br />

permitiu que ousássemos fazer o<br />

lançamento dos quatro primeiros<br />

títulos — A ilha perdida, de Maria<br />

José Dupré; Coração de onça, de<br />

Ofélia e Narbal Fontes; Éramos seis,<br />

de Maria José Dupré; e Cabra das<br />

rocas, de Homero Homem — com<br />

tiragem de 80 mil exemplares<br />

para cada título. A precificação<br />

foi um item importante apontado<br />

por professores, que indicavam<br />

que nenhum título poderia custar<br />

mais do que uma revista semanal<br />

das bancas. Passamos a usar<br />

esse padrão de preço para que os<br />

professores e os pais se sentissem<br />

confortáveis diante desse desembolso<br />

semestral, já que a meta inicial<br />

era que, no mínimo, um título<br />

JIRO TAKAHASHI<br />

É editor e professor há 50 anos.<br />

Atuou na direção editorial da Ática,<br />

Nova Fronteira, Editora do Brasil,<br />

Ediouro, Grupo Rocco e Nova<br />

Aguilar, onde atualmente é diretor<br />

executivo. Mestre em Linguística/<br />

Semiótica Literária pela Faculdade<br />

de Filosofia, Letras e Ciências<br />

Humanas da USP, é professor<br />

universitário, lecionando atualmente<br />

nos cursos de Letras e Pedagogia<br />

da Universidade Kroton. É diretor<br />

acadêmico da área editorial da Casa<br />

Educação/Instituto Singularidades.<br />

fosse indicado por semestre. Por<br />

isso, por quase dez anos, preparávamos<br />

lançamentos semestrais<br />

dos títulos da série. De certa forma,<br />

essa sazonalidade era muito interessante<br />

para se harmonizar com<br />

a sazonalidade dos livros didáticos.<br />

Um hábito, de certa forma, muito<br />

utilizado no mundo rural no país.<br />

Enfim, aqui estão algumas<br />

memórias de quando a Vaga-Lume<br />

alçou seus primeiros passeios pelo<br />

mundo da leitura. Depois desses<br />

primeiros anos, outros excelentes<br />

editores seguiram mantendo na<br />

Ática os princípios básicos da série,<br />

como Fernando Paixão, Carmen<br />

Lúcia Campos, Marina Appenzeller,<br />

além de dezenas de colaboradores<br />

e professores e milhares de estudantes<br />

que colaboraram por muitos<br />

anos para que a série Vaga-Lume<br />

ilumine um pouco o ambiente<br />

da leitura no país. Neste momento,<br />

quando sabemos da aprovação da<br />

Lei Castilho, reina uma expectativa<br />

de que a leitura e a escrita façam<br />

um país em que a palavra interfira<br />

de modo efetivo em seu destino.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

63


LITERATURA<br />

COLETIVO LEITOR<br />

Não deixe o<br />

livro morrer<br />

MICHELE IACOCCA<br />

Nasceu na Itália e veio<br />

para o Brasil com 20 anos.<br />

Escritor, ilustrador, roteirista<br />

e tradutor, Michele conta<br />

com mais de uma centena de<br />

livros publicados. Vencedor<br />

de prêmios nacionais e<br />

internacionais, é um artista<br />

criativo e cheio de humor<br />

que consegue despertar nas<br />

crianças o amor pelo livro.<br />

É também autor de vários<br />

livros para crianças, como<br />

As aventuras de Bambolina;<br />

Chinelinho – uma história sem<br />

par; Nerina – a ovelha negra;<br />

Vocês pensam que é fácil?<br />

Olivro é supérfluo,<br />

desnecessário,<br />

inútil? Vai ser<br />

substituído pelas<br />

mídias digitais?<br />

Perdemos o fôlego<br />

para ler mais<br />

que um tuíte? O livro vai definhar e<br />

adoecer? O livro vai morrer?<br />

Andei pensando sobre isso.<br />

Não sobre a perda da importância<br />

do livro, tão necessário que existia<br />

mesmo antes de ser inventado,<br />

mas sobre a absoluta e total necessidade<br />

dele na formação e na<br />

vida de uma pessoa.<br />

O livro é história, é consciência,<br />

é aprendizado, é luz que leva à<br />

sabedoria e à compreensão de si<br />

mesmo e do outro. É o veículo máximo<br />

de toda a experiência humana,<br />

de toda sua evolução cultural,<br />

intelectual, anímica. O grande baú<br />

onde o ser humano consegue<br />

guardar sua história, suas descobertas<br />

e também seus sonhos,<br />

suas fantasias, seus subterrâneos<br />

e suas estrelas. Desde a Bíblia,<br />

os poemas heroicos, as grandes<br />

aventuras, os romances históricos<br />

e amorosos, os dramas e as tragédias,<br />

livros que ajudam a se conhecer<br />

melhor, a conhecer melhor<br />

o outro e a conviver melhor com<br />

todo mundo, com a natureza, com<br />

o planeta e com tudo aquilo que<br />

a gente tem dentro e que chama<br />

de sentimentos, às vezes caóticos,<br />

com toda sua força, seus mistérios<br />

e toda sua beleza.<br />

Tenho certeza absoluta de que<br />

se todos tivessem consciência do<br />

que os livros dizem e nos trazem,<br />

o mundo estaria muito, mas muito<br />

melhor. Com mais paz, mais<br />

justiça, mais igualdade e menos<br />

intolerância, preconceito, violência<br />

e guerras. Com o ser humano<br />

mais consciente de si e de todos<br />

os valores e toda a luz que ele<br />

tem, como ser divino inclusive,<br />

capaz de criar e de gerar. E essas<br />

coisas estão todas nos livros.<br />

É só procurar.<br />

Por outro lado, mesmo sendo<br />

uma coisa pessoal, gostaria<br />

de dizer como me sinto sortudo<br />

quando acho um poema que fica<br />

cantando na minha alma e volta a<br />

mim com força e doçura quando<br />

mais preciso, nos momentos difíceis.<br />

Quando percebo a força de<br />

Machado de Assis, que reconstrói<br />

um Rio inteiro, com gente e tudo,<br />

para o leitor. A sabedoria poética<br />

de Drummond, que encanta meu<br />

intelecto e meu coração. A profundidade<br />

e a doçura de Cecília<br />

Meireles que parece estar me<br />

dando sempre seu coração cheio<br />

de flores. O deslumbramento de<br />

eterno adolescente que sinto em<br />

64 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


Mario Quintana. Ou ler Guimarães<br />

Rosa e ter a sensação de que é<br />

o próprio vento dos sertões que<br />

está contando a história. Com<br />

isso, querendo dizer que um autor<br />

nunca está simplesmente contando<br />

uma história. Ele estimula e<br />

cutuca os lados mais escondidos e<br />

misteriosos do leitor. Levanta um<br />

por um os véus de sua alma, revelando<br />

tudo o que ela tem. Seu lado<br />

humano e seu lado transcendente<br />

e divino.<br />

Se comer uma boa comida<br />

pode proporcionar um grandíssimo<br />

prazer, ler um belo livro,<br />

além do prazer da leitura vai lhe<br />

dar coisas que você, com certeza,<br />

guardará pelo resto da vida. Coisas<br />

que irão ajudá-lo – e muito – tanto<br />

na prática quanto na valorização<br />

de si mesmo, do seu próprio ser,<br />

e na relação com o outro e com o<br />

mundo, ajudando a compreender<br />

tudo cada vez melhor.<br />

Sempre fui um leitor curioso e<br />

agradecido e se tivesse de contar<br />

tudo o que os livros me deram, a<br />

própria vida não bastaria. Desde<br />

momentos maravilhosos de encantamento,<br />

dados pela leitura, aos<br />

lugares onde eu lia, como bosques,<br />

estradas solitárias, beira-mar, ao<br />

lado de uma cachoeira, na frente<br />

de entardeceres de tirar o fôlego<br />

e até dentro de um antigo anfiteatro,<br />

quando o Aquiles e o Ulisses<br />

estavam juntos, lendo comigo a<br />

Ilíada e a Odisseia. Ou ainda com<br />

pessoas queridas e amadas lendo<br />

histórias e poemas, fazendo de<br />

cada momento uma eternidade de<br />

luz. Tudo isso é o livro! E eu posso<br />

afirmar que quase tudo o que eu<br />

sou hoje devo ao livro.<br />

Vim para o Brasil com 20 anos,<br />

já carregando comigo a Ilíada, a<br />

Odisseia, as histórias da mitologia<br />

grega e algumas das tragédias que<br />

mexiam comigo. E mais a Eneida, o<br />

Asno de Ouro do Apuleio, os Evangelhos,<br />

a Divina Comédia, o Decamerão,<br />

o Dom Quixote, e também<br />

o Pinóquio, os Contos de Grimm,<br />

de Andersen e autores contemporâneos,<br />

como Thomas Mann,<br />

Pirandello, Pablo Neruda e Kafka,<br />

entre outros. Todos esses livros<br />

falavam da escuridão e da luz que<br />

cada um tem dentro de si. Do céu<br />

e do poço de cada um. Falavam<br />

de grandes valores heroicos e de<br />

mesquinhezas e covardias. Da<br />

grandeza e da pequenez humana.<br />

Do vulcão e do jardim perfumado<br />

que cada um carrega dentro de si.<br />

De como estamos sujeitos a erros<br />

e de como às vezes precisamos da<br />

guia e da ajuda.<br />

E o livro foi o que mais me ajudou<br />

no país novo e estranho. Foi<br />

lendo que aprendi a língua, o jeito,<br />

a história, o ser e a alma do Brasil.<br />

Foram os autores – olha que li<br />

quase todos – que, como chefs de<br />

cozinha, me mostraram as cores,<br />

os cheiros, os sabores e as nuanças<br />

do meu novo lugar que virou<br />

minha nova casa. Onde passei a<br />

viver, a me relacionar, a amar e até<br />

a brigar, quando necessário.<br />

Foram os escritores e os poetas<br />

– e nisso incluo músicos e cantores<br />

poetas, como Villa-Lobos e Luiz<br />

Gonzaga – que me mostraram<br />

desde o chão onde estava pisando<br />

até os lugares mais distantes e<br />

desconhecidos, os espaços mais<br />

infinitos com suas luas imensas<br />

e claras, os mais áridos sertões e<br />

os ventos e as músicas ou os dois<br />

juntos percorrendo imensidões.<br />

As cores das lendas indígenas, no<br />

meio das matas misteriosas e ricas<br />

como seus pássaros. As canções<br />

do grande mar noturno ninando<br />

suas jangadas.<br />

E quem sabe, a voz dos vaqueiros<br />

de Guimarães Rosa não era a<br />

mesma dos pastores montanheses<br />

da minha infância, contando suas<br />

histórias medievais com toda a<br />

sonoridade do nosso antigo dialeto.<br />

Ou o cantar de Luiz Gonzaga, o<br />

mesmo do charreteiro vendedor de<br />

pratos que aparecia sem ninguém<br />

saber de onde, fazia seus negócios<br />

e ia embora de noite cantando versos<br />

do épico Orlando Furioso e sua<br />

voz forte e bonita se espalhava pelos<br />

vales e se ouvia mesmo quando<br />

só se viam as luzinhas das lanternas<br />

da charrete brilhando feito vaga-lumes,<br />

lá no fundo da estrada. Ou a<br />

mesma voz de Homero contando<br />

a história de Helena, de Páris, de<br />

Aquiles, de Heitor…<br />

Sempre sabendo que podia falar<br />

sobre tudo, pensar sobre tudo,<br />

procurar o que quisesse: fantasias,<br />

sonhos, poesia, beleza, virtudes, heroísmo,<br />

sabedoria, garimpo interior,<br />

autoconhecimento, coragem para<br />

novos caminhos, amor, remédio<br />

para dor de cotovelo, receitas de<br />

todo tipo, para a alma inclusive.<br />

Achados incríveis e surpreendentes,<br />

conselhos para tudo, etc., etc., etc.<br />

Se precisasse de ajuda o livro<br />

sempre estaria lá.<br />

Enfim, renunciar ao livro é<br />

como renunciar a uma boa parte<br />

de si mesmo. Matar o livro é quase<br />

uma tentativa de suicídio. Nada,<br />

nada mesmo pode substituir o<br />

livro e o que ele diz e, se você permitir,<br />

ele será seu grande companheiro<br />

pelo resto da vida.<br />

Junho <strong>2019</strong><br />

<strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong><br />

65


OUTRASpalavras<br />

Por Clóvis de Barros Filho<br />

MAIS DO QUE UM SABER<br />

Para ensinar ética de modo efetivo é fundamental aliar teoria à prática<br />

Aética é uma manifestação coletiva da<br />

inteligência que tem, como premissa,<br />

melhorar a convivência entre as<br />

pessoas. Em uma perspectiva de<br />

educação para a ética, é fundamental<br />

ajudar nossos alunos a conquistarem<br />

o pleno discernimento do que é bom para<br />

eles em termos de carreira e sucesso pessoal. Mas<br />

vai além. É igualmente importante que eles sejam<br />

capazes de identificar aquilo que é necessário para a<br />

boa convivência. Essa percepção exige a introdução<br />

de um elemento que costuma não<br />

estar tão presente na vida dos alunos,<br />

que é a reflexão sobre o outro. Isso<br />

exige que a escola esteja preparada<br />

para que eles possam, pouco<br />

a pouco, discernir além dos<br />

próprios interesses.<br />

Para isso, dois aspectos são<br />

fundamentais: o embasamento<br />

teórico e a prática. Se é fato que<br />

ética é capacidade de pensar e,<br />

portanto, objetivada em conceitos,<br />

teorias e saberes, é também verdade<br />

que ela é decisão. Deliberação existencial.<br />

Assim, pensar sobre a vida não basta,<br />

é preciso conseguir, a partir desse estofo, viver de<br />

acordo com um pensamento.<br />

Lembro-me de que no passado, durante o Ensino<br />

Médio, tive aulas teóricas de química, mas também<br />

aulas práticas em laboratório. Essa metodologia<br />

parte exatamente da premissa a que acabo de me<br />

referir. Mas se com a química há um estímulo para<br />

esse processo de aprendizagem, por que não com a<br />

ética? E mais: por qual motivo ela não aborda temas<br />

mais próximos da vida cotidiana?<br />

Ainda trazendo o passado à tona, também não me<br />

lembro de ter ouvido, em todo o meu período<br />

de formação fundamental, sobre o conceito de alegria<br />

como passagem para um estado mais potente<br />

do próprio ser. Embora seja de importância óbvia, o<br />

ensino das emoções e dos afetos, como objeto curricular,<br />

é pouco usual ainda hoje. No entanto, é evidente<br />

que o conhecimento sobre as emoções faculta um<br />

conhecimento melhor sobre nós mesmos e sobre as<br />

relações interpessoais. Algo que, para a ética, é<br />

absolutamente imprescindível. Especialmente<br />

no momento em que vivemos.<br />

O mundo nunca mudou tão<br />

rápido, portanto, é normal que<br />

vivamos de modo cada vez mais<br />

rápido o inédito. E se as situações<br />

nunca foram vistas antes,<br />

os problemas éticos enfrentados<br />

também não. Para piorar, não<br />

encontraremos em Platão a resposta<br />

adequada para o uso infantil<br />

do Facebook.<br />

Assim, somos convidados a<br />

discernir e encontrar soluções<br />

de justiça que garantam a melhor convivência<br />

possível. E isso não para nunca. De tal maneira que a<br />

preocupação com a ética, no calor do ineditismo da<br />

vida, é preocupação que não termina.<br />

O fato é que, a cada decisão, somos referência<br />

para quem nos observa. E no instante em que tomamos<br />

decisões, estamos deixando claro para quem<br />

educamos o que realmente importa para nós. Afinal,<br />

nossos valores são a matéria-prima mais nobre da<br />

definição que oferecemos sobre nós para o mundo.<br />

CLÓVIS DE BARROS FILHO Graduado em Direito e Jornalismo, é escritor e professor universitário.<br />

Entre suas publicações estão A Vida Que Vale a Pena Ser Vivida” e “Ética na Comunicação<br />

66 <strong>Revista</strong> <strong>Educar</strong> <strong>Transforma</strong> Junho <strong>2019</strong>


2152558

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!