Seu Paulo, atingido pela barragem de Fundão,observa receoso a movimentação da nova vizinhança26
VidascombarragensTrês diferentes lugares, três fatos recentes da história de Minas Gerais e umacoisa em comum: diques, dos que foram construídos aos que se romperam.Estas são algumas das histórias das milhares de vidas atravessadas por elesTexto de Karem Andrade e Kelly SousaFotografias de Pedro GimenesDesign de Douglas OliveiraBento RodriguesSubdistrito de Santa Rita Durão no municípiode Mariana, Minas Gerais. Em 2015, com umapopulação de mais de 600 pessoas, foi atingidopelo rompimento da barragem de Fundão dasmineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton.SocorroDistrito de Barão de Cocais, em Minas Gerais.Localizado próximo à Mina do Gongo, da Vale,foi evacuado em fevereiro de 2019 após sirenessoarem com o aviso de que a barragem SulSuperior corria risco de rompimento. O povoadotinha por volta de 240 habitantes.ItuetaMunicípio de Minas Gerais, situado noVale do Rio Doce que, em 2004, foi demolido eparcialmente alagado para a instalação da Usinade Aimorés, empreendimento conjunto da entãoCompanhia Vale do Rio Doce e da Cemig, e quehoje pertence à Aliança Energia. Sua localizaçãoatual fica a 8 km da área original. A população em2018 era de 6.039 habitantes.Minas Gerais é cercada por montanhas eáguas que se transformam em aconchegopara quem toma uma cafezinho daroça, participa de festas tradicionais, cultiva umahorta espaçosa, prepara doces e mantém laços deamizade únicos. Mas o estado também é tomadopor um chamado de progresso – no sentido maismercantilista. Com a exploração e extração de suasterras, Minas vive entre o acolhimento caloroso e operigo iminente a histórias, tradições e vidas. Depoisde 2015, o estado sofreu com dois rompimentosde barragens de rejeito de grandes mineradoras esinalizou outras como instáveis. Todas têm algo emcomum: são da Vale S.A. A mineradora quase sepersonifica na fala de quem mora ou morou pertode suas obras. A “gigante Vale”. É ela que bate à suaporta e avisa que a qualquer momento você podeprecisar abandonar a própria casa. É também ela quete oferece dinheiro em troca de seu lar com quintalde terra boa e lembranças de uma vida pacata emcomunidade. Ela também te joga em lugares em quevocê nunca se imaginou e nunca pediu para estar.O estado é grandioso, mas algo parece comprimiras pessoas, seus lares e histórias para dar espaçoa um enriquecimento que não faz diferença paraquem já estava ali muito antes. E isso parece serregra. Uma regra impiedosa e que concede liberdadeàqueles que mudam a paisagem deste estado, quedestroem suas montanhas e mancham de lamasuas terras e suas águas. Que deslocam a vida defamílias, de comunidades ou de cidades inteiras.Para construir esta grande reportagemviajamos centenas de quilômetros de estradas eferrovias, embarcamos no trem da Vale, passamospela barragem da hidrelétrica construída pelaVale, visitamos famílias desalojadas pela Vale,ouvimos histórias de vida, de pertencimento,de saudade, de tristeza, de desesperança e desonhos atravessadas pela Vale. Entramos emvárias casas, apertamos diversas mãos, recebemosdiversos abraços, ouvimos muitos lamentos. Entreo desabafo no terraço, a entrevista na varanda eas conversas ao redor de mesas fartas, muitasforam as emoções e os aprendizados. Agoracompartilhamos nossa experiência com vocês.EDIÇÃO 28 | CURINGA27