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Revista Curinga Edição 28

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Deslocamentos

Vidas Circenses

comprar passagens, porém enfrenta dificuldades ao

despachar as malas em voos nacionais, devido ao peso

da bagagem. “Isso é um problema. Hoje estou com duas

malas, o espetáculo é bem simples mas, algumas vezes,

além de todo figurino, preciso levar baú de madeira e

outros muitos objetos. Então, ou eu negocio com o

contratante ou tenho que pagar excesso de bagagem”,

diz. Seu reconhecimento vem progredindo e festivais a

têm convidado para participação, portanto, já quase não

escolhe o lugar, são os convites que aparecem.

Viver na estrada pode ser estressante, mas isso não

significa que o circense não possa encontrar beleza e

prazer nela. Para Dagmar, “sempre deixamos um pouco

de nós e levamos um pouco do lugar. É uma troca incrível.

Não conseguimos viver parados. Chico Buarque já dizia

no verso ‘Hora de ir embora, quando o corpo quer ficar

/ Toda alma de artista quer partir / Arte de deixar algum

lugar / Quando não se tem pra onde ir’”.

Sobreviver pela arte

No Brasil, atualmente há uma carência de legislações

específicas sobre o circo, com exceção de projetos de

lei que tratam da proibição de animais, de educação

assegurada para crianças circenses e de incentivos

fiscais. Ainda há muito em que se avançar considerando

o circo como espaço de ação artística de valor cultural e

fonte de renda para milhares de pessoas.

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e

Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, o

piso salarial do artista de circo em todo o Brasil é, em

média, R$ 1.625,38 para uma jornada de trabalho de 43

horas por semana. Porém, devido ao fato de os artistas

serem itinerantes e não possuírem uma renda mensal

fixa, é inviável mensurar o piso salarial exato.

Dagmar evidencia que não há como ficar limitado

a apenas uma espécie de espetáculo. “Em 2016 as

demandas ainda surgiam, nós não íamos muito atrás

de criá-las. A partir de 2017 tudo começou a ficar mais

difícil, e foi quando montamos o ‘Circo de Família’,

porque como nada aparecia, estávamos na rua toda

semana, íamos para praças, fazendo roda, passando

chapéu. Era o jeito que tínhamos para segurar a semana

e pagarmos as contas”, conta. A Cia Circunstância

trabalha desde festas infantis a festivais, de teatros

empresariais a apresentações em escolas.

Os salários dos circenses dependem de muitos fatores,

incluindo a experiência, a estrutura do espetáculo, a

quantidade de artistas, o tamanho dos equipamentos e

o contratante. É importante ter um valor mínimo para

cobrir gastos, portanto cada companhia possui uma

tabela de valores própria. A maioria dos artistas de

circo também é freelancer, fazendo pequenos shows ou

eventos únicos corporativos para preencher as lacunas e

conseguir algum faturamento.

Deuza Aparecida trabalha como artista há 56 anos.

Com renda insuficiente para se dedicar somente ao

circo, ao longo da vida aprendeu outras ocupações. Hoje

trabalha com jardinagem, de segunda a sábado. Também

é pedreira, eletricista e bombeira. Ela comenta que

treinou um pouco de tudo na vida, “aprendi a sobreviver

com o que eu realmente precisava ter”. Deuza está em

processo de aposentadoria por trabalho em fábricas.

Depois de adquirir esse benefício, pretende montar

uma tropa própria de espetáculos. “Vou sair rodando

e voltando a resgatar as cidades que nunca viram um

circo, nem um palhaço. Essa é minha meta”, expõe.

Um dos maiores desafios de manter a cultura do circo

no Brasil é fazer com que as pessoas compreendam que

o trabalho não é apenas o momento do espetáculo. Para

que esse artista continue espalhando a arte, seu trabalho

deve ser reconhecido e incentivado, o que consiste em

melhorar remunerações e investimentos. Deuza expõe:

“Temos leis que estão na gaveta do Congresso. Toda

vez que tentamos mexer nelas, dão um jeito de colocar

mais uma pedra. Eles não querem distribuir verba, não

querem investir em uma coisa que não tem retorno para

eles, não querem manter a arte. É muita burocracia.”

Em vista disso, o circo persiste com o propósito de lutar

pela preservação da cultura.

Bastidores

A montagem do espetáculo envolve desde criação,

ensaio, organização e, por fim, apresentação. Todos os

dias os trabalhadores consertam equipamentos, ensaiam

seus números e organizam seus figurinos.

Especializado no teatro de rua e técnicas circenses,

o grupo Teatro de Anônimo, fundado em 1986, também

possui uma relação diária com o trabalho. Fábio Freitas

é palhaço integrante da equipe e conta: “Todo mundo

faz tudo. Claro que o que não dominamos, temos que

contratar. Sempre estamos no picadeiro, varrendo,

limpando as coisas, costurando a lona e os figurinos,

para no final brilhar em cena”. Em relação à criação dos

espetáculos, ocasionalmente, o grupo parte de um tema

a ser trabalhado. Às vezes a inspiração vem de objetos,

bancos ou a própria arquitetura do ambiente.

Os integrantes cuidam de todas as etapas. “O

espetáculo, da maneira que trabalhamos, não é algo

que precisamos nos adaptar ao cenário. É o contrário.

Os cenários e os figurinos precisam servir às coisas que

nós pensamos. Por exemplo, nós temos nossos palhaços,

o figurino tem que corresponder à identidade daquele

personagem, para então compor a personalidade do

palhaço. Trabalhamos muito para que tudo caminhe

junto”, acrescenta Fábio.

Experiências

As cores e os sons do universo circense permanecem

no imaginário de muitas pessoas que já tiveram a

oportunidade de conhecê-lo. Mas quando o espetáculo

termina e o público vai embora, artistas de muitas

origens, culturas e costumes continuam ali, trabalhando

juntos para fazer uma performance.

O Teatro de Anônimo, por exemplo, é composto por

cinco circenses de variadas gerações. Fábio diz: ‘’Nós todos

temos histórias parecidas. Somos suburbanos, pobres,

e isso acabou formando também uma característica do

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