You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Deslocamentos
Vidas Circenses
comprar passagens, porém enfrenta dificuldades ao
despachar as malas em voos nacionais, devido ao peso
da bagagem. “Isso é um problema. Hoje estou com duas
malas, o espetáculo é bem simples mas, algumas vezes,
além de todo figurino, preciso levar baú de madeira e
outros muitos objetos. Então, ou eu negocio com o
contratante ou tenho que pagar excesso de bagagem”,
diz. Seu reconhecimento vem progredindo e festivais a
têm convidado para participação, portanto, já quase não
escolhe o lugar, são os convites que aparecem.
Viver na estrada pode ser estressante, mas isso não
significa que o circense não possa encontrar beleza e
prazer nela. Para Dagmar, “sempre deixamos um pouco
de nós e levamos um pouco do lugar. É uma troca incrível.
Não conseguimos viver parados. Chico Buarque já dizia
no verso ‘Hora de ir embora, quando o corpo quer ficar
/ Toda alma de artista quer partir / Arte de deixar algum
lugar / Quando não se tem pra onde ir’”.
Sobreviver pela arte
No Brasil, atualmente há uma carência de legislações
específicas sobre o circo, com exceção de projetos de
lei que tratam da proibição de animais, de educação
assegurada para crianças circenses e de incentivos
fiscais. Ainda há muito em que se avançar considerando
o circo como espaço de ação artística de valor cultural e
fonte de renda para milhares de pessoas.
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, o
piso salarial do artista de circo em todo o Brasil é, em
média, R$ 1.625,38 para uma jornada de trabalho de 43
horas por semana. Porém, devido ao fato de os artistas
serem itinerantes e não possuírem uma renda mensal
fixa, é inviável mensurar o piso salarial exato.
Dagmar evidencia que não há como ficar limitado
a apenas uma espécie de espetáculo. “Em 2016 as
demandas ainda surgiam, nós não íamos muito atrás
de criá-las. A partir de 2017 tudo começou a ficar mais
difícil, e foi quando montamos o ‘Circo de Família’,
porque como nada aparecia, estávamos na rua toda
semana, íamos para praças, fazendo roda, passando
chapéu. Era o jeito que tínhamos para segurar a semana
e pagarmos as contas”, conta. A Cia Circunstância
trabalha desde festas infantis a festivais, de teatros
empresariais a apresentações em escolas.
Os salários dos circenses dependem de muitos fatores,
incluindo a experiência, a estrutura do espetáculo, a
quantidade de artistas, o tamanho dos equipamentos e
o contratante. É importante ter um valor mínimo para
cobrir gastos, portanto cada companhia possui uma
tabela de valores própria. A maioria dos artistas de
circo também é freelancer, fazendo pequenos shows ou
eventos únicos corporativos para preencher as lacunas e
conseguir algum faturamento.
Deuza Aparecida trabalha como artista há 56 anos.
Com renda insuficiente para se dedicar somente ao
circo, ao longo da vida aprendeu outras ocupações. Hoje
trabalha com jardinagem, de segunda a sábado. Também
é pedreira, eletricista e bombeira. Ela comenta que
treinou um pouco de tudo na vida, “aprendi a sobreviver
com o que eu realmente precisava ter”. Deuza está em
processo de aposentadoria por trabalho em fábricas.
Depois de adquirir esse benefício, pretende montar
uma tropa própria de espetáculos. “Vou sair rodando
e voltando a resgatar as cidades que nunca viram um
circo, nem um palhaço. Essa é minha meta”, expõe.
Um dos maiores desafios de manter a cultura do circo
no Brasil é fazer com que as pessoas compreendam que
o trabalho não é apenas o momento do espetáculo. Para
que esse artista continue espalhando a arte, seu trabalho
deve ser reconhecido e incentivado, o que consiste em
melhorar remunerações e investimentos. Deuza expõe:
“Temos leis que estão na gaveta do Congresso. Toda
vez que tentamos mexer nelas, dão um jeito de colocar
mais uma pedra. Eles não querem distribuir verba, não
querem investir em uma coisa que não tem retorno para
eles, não querem manter a arte. É muita burocracia.”
Em vista disso, o circo persiste com o propósito de lutar
pela preservação da cultura.
Bastidores
A montagem do espetáculo envolve desde criação,
ensaio, organização e, por fim, apresentação. Todos os
dias os trabalhadores consertam equipamentos, ensaiam
seus números e organizam seus figurinos.
Especializado no teatro de rua e técnicas circenses,
o grupo Teatro de Anônimo, fundado em 1986, também
possui uma relação diária com o trabalho. Fábio Freitas
é palhaço integrante da equipe e conta: “Todo mundo
faz tudo. Claro que o que não dominamos, temos que
contratar. Sempre estamos no picadeiro, varrendo,
limpando as coisas, costurando a lona e os figurinos,
para no final brilhar em cena”. Em relação à criação dos
espetáculos, ocasionalmente, o grupo parte de um tema
a ser trabalhado. Às vezes a inspiração vem de objetos,
bancos ou a própria arquitetura do ambiente.
Os integrantes cuidam de todas as etapas. “O
espetáculo, da maneira que trabalhamos, não é algo
que precisamos nos adaptar ao cenário. É o contrário.
Os cenários e os figurinos precisam servir às coisas que
nós pensamos. Por exemplo, nós temos nossos palhaços,
o figurino tem que corresponder à identidade daquele
personagem, para então compor a personalidade do
palhaço. Trabalhamos muito para que tudo caminhe
junto”, acrescenta Fábio.
Experiências
As cores e os sons do universo circense permanecem
no imaginário de muitas pessoas que já tiveram a
oportunidade de conhecê-lo. Mas quando o espetáculo
termina e o público vai embora, artistas de muitas
origens, culturas e costumes continuam ali, trabalhando
juntos para fazer uma performance.
O Teatro de Anônimo, por exemplo, é composto por
cinco circenses de variadas gerações. Fábio diz: ‘’Nós todos
temos histórias parecidas. Somos suburbanos, pobres,
e isso acabou formando também uma característica do
76