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BAILARINO

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rafael morais

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Rua Padre Germano, 197 - Nova Descoberta

Natal, RN | CEP: 59075-390

edprimeirolugar@gmail.com

www.edprimeirolugar.com.br

Edição e Revisão: Rafael Morais

Capa: Themis Lima

Diagramação: Rafael Morais

Ilustração: Igor Bertolino / @declassebr

Foto do autor: Humberto Sales

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

M827c Morais, Rafael.

As crônicas do Bailarino. / Rafael Morais. – Natal, RN: Editora

Primeiro Lugar, 2019.

128 p.

ISBN: 978-85-54858-09-4.

1. Esporte. 2. Literatura esportiva. 3. Crônicas esportivas. I. Título.

CDU 796:82-94

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Anyelle Palhares / CRB: 15-532

Todos os direitos reservados.

A reprodução de qualquer parte desta obra só é permitida

mediante autorização expressa do autor e da Editora Primeiro Lugar

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rafael morais

EDITORA PRIMEIRO LUGAR

Natal, 2019

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agradecimentos

O ato de agradecer ajuda o coração e faz a sua mente

expandir em paz. Nesse espaço, estão presentes as pessoas essenciais,

necessárias e importantes nessa caminhada.

Agradeço a meus pais, Hélio e Ilma Meira, pela educação

formal e diária. Na rua, na escola e em casa. Devo a eles minha

formação como homem de bem e profissional qualificado.

Devo um agradecimento especial a minha esposa Julita

Soares, pelo companheirismo, paciência em noites de trabalho

extra, carinho diário, dedicação à editora e por me fazer uma

pessoa melhor. Te amo!!!

Aos meus sogros, Lilian Santos e Francisco Valtércio,

pelo acolhimento e pelo incentivo. Devo muito a vocês. Obrigado

também a meu cunhado Soares e meu irmão-fotógrafo-

-de-eventos-da-editora-primeiro-lugar Renan.

Agradeço aos profissionais que contribuíram para transformar

esses rabiscos em livro: Igor Bertolino, ilustrador do

@DeClasseBR, a designer capista Themis Lima, a bibliotecária

Anyelle Palhares e claro, a administradora-top-das-galáxias Julita

Soares, que segura as pontas no escritório da editora.

E por fim, agradeço de coração a meu primo Afonso

Breno (@Escanteio10) e meu amigo Pedro Canisio, por me

apresentarem ao ídolo Mauro Beting. Aliás, obrigado Mauro e

Canisio pelos belos textos de orelha e prefácio!

Rafael Morais

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prefácio

Quando fui convidado para essa missão senti um frio

daqueles na barriga. Escrever o prefácio de um livro de Rafael

Morais é muita responsabilidade. Esse abecedista de carteirinha

é imune à cegueira da paixão clubística e não permite

que o torcedor fale mais alto que o jornalista quando está trabalhando,

- embora muita gente não acredite nessa tão falada

imparcialidade.

Admiro muito esse conterrâneo. Diante desse perfil tão

coerente, confesso que escrevi esse texto umas 10 vezes ou

mais. Além de um grande amigo e jornalista com expertise em

vários setores da comunicação social, ele é um craque quando

os seus dedos tocam a superfície do teclado. Essa parceria

sempre rende uma jogada genial, sintetizada em forma de textos

brilhantes, intrigantes e instigantes. Com a bola nos pés a

versatilidade não é a mesma; as canelas alheias agradecem a

escolha do nosso autor de seguir carreira no campo das redações

da vida.

Vou fazer uma imersão fictícia para dimensionar a felicidade

de escrever esses rabiscos. É como se um fã de grandes

apresentações artísticas recebesse um convite VIP para assistir

espetáculos de ópera e ballet no icônico Teatro Bolshoi, em

Moscou. Na verdade essa metáfora casa muito bem com as

crônicas que enriquecem esse livro. Rafael cria um personagem

enigmático, que tentamos adivinhar sua identidade atra-

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vés de estereótipos físicos e opiniões sagazes, irônicas e filosóficas.

Esse Bailarino é o fio condutor de observações atuais

e históricas. Tem o poder de desconstruir opiniões pautadas

pelo ufanismo e histerismo da esportividade midiática e espetacularizada.

O camisa 10 das crônicas dessa obra transita entre os

extremismos do sentimentalismo e racionalismo, com abordagens

críticas, sensíveis, debochadas, abrangentes, longe dos

holofotes e confortavelmente sentado no cimento das arquibancadas

raízes. As Arenas Multiuso e elitizadas da atualidade

não fazem o seu estilo. Esse Bailarino calça chuteiras, tem os

pés fincados no chão e não está preocupado apenas em agradar

e atrair aplausos dos camarotes sofisticados. Ele quer o apoio

da massa, da geral, do torcedor que encara a arquibancada sol

e nem pensa em sombra ou água fresca.

O dançarino tem os pés calejados por tantas experiências

que transcendem as fronteiras artísticas e futebolísticas.

Já que o futebol é arte, os bailarinos dos gramados e dos palcos

estão muito bem representados. Embarque nesse enredo

delicioso de viés analítico com simulacro esportivo, social e

etc. e tal. Confesso que não descobri quem é esse tal Bailarino

popstar. E mesmo que soubesse, não revelaria de jeito nenhum.

Não tenho vocação para spoiler e quero que você devore cada

página desse trabalho viajando nas cornetadas ácidas de quem

tem a ousadia de usar sapatilhas com travas.

Dizem que futebol também é um ballet, que pode ser

comparado à sincronia e graciosidade dos movimentos simétricos

e impressionantes que nascem na pontinha dos pés.

Quem teria a petulância de dizer que o gol de Paulinho na

vitória da seleção brasileira por 2 a 0, contra a Sérvia, na Copa

do Mundo, não deixou a turma do Bolshoi com invejinha?

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Um golaço de arrancar suspiros dos mais exigentes professores

da escola russa, a mais famoso do planeta.

Esse insight literário é merecedor de todas as reverências

e salva de palmas efusivas porque o futebol e a sua magia se

apoderaram da narrativa. Não é à toa que o nosso Bailarino

é fã da coreografia futebolística e não tem nenhum receio de

marcar um gol com o biquinho da sapatilha, ops... digo... da

chuteira. Na pontinha dos dedos das mãos do nosso escritor e

dos pés do astro principal do livro, é possível ver muito além

das obviedades.

Pedro Canisio, jornalista esportivo

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sumário

A crônica e o cronista | página 13

A honestidade | página 17

A rivalidade | página 21

O último terço do campo | página 25

O Maracanã | página 27

O Carnaval do Esporte | página 31

A pira olímpica | página 35

O campeão | página 39

O racismo | página 43

A limusine | página 47

O Time dos Desmoralizados | página 51

O Rei e o Furacão | página 55

Os carinhos, os afagos e as carícias | página 59

As cornetas | página 61

A idolatria | página 65

O Alecrim | página 69

O desfile de craques | página 73

O bananão | página 77

O monstro | página 81

A amiga invejosa | página 85

A Copa do Mundo | página 89

A Argentina | página 93

Os ídolos | página 97

Os plebiscitos | página 101

Os portugueses | página 105

Os incomparáveis | página 109

Os melhores do mundo | página 113

Os sabores de Caicó | página 117

Os mais de 190 milhões | página 121

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a crônica

e o cronista

Sentado no seu banquinho, de pernas cruzadas, à beira

da praia. Contemplando a cidade que passa, senta, fotografa,

abraça, senta, fotografa, ele observa. Carlos Drummond de Andrade

era poeta, era cronista, era popular. Era o cronista do

dia a dia carioca. Virou ditado popular sem perceber. Quem

nunca citou Drummond ao menos uma vez, mesmo que sem

saber de sua autoria: “há uma pedra no meu caminho” ou “e

agora, José?!”.

Pois bem, em 2017 Drummond completaria, se estivesse

vivo, 115 anos de vida. Hoje, três décadas após seu falecimento,

o poeta cronista ainda é lembrado por seu legado para a sociedade.

Ele viveu numa época em que ser cronista era pop. As

pessoas esperavam suas crônicas, sabiam o dia e a hora exata

que elas estariam publicadas no jornal.

Nos anos 1950, publicou crônicas sobre futebol nas páginas

dos jornais Correio da Manhã e Jornal do Brasil. Com

o seu olhar poético, Drummond retratou o esporte preferido

dos brasileiros, numa fase romântica, destacando a genialidade

de craques da bola, como Mané Garrincha e Pelé.

Drummond, “O pensador” de Copacabana, retratou a

paixão dos torcedores, a rivalidade dos times, os dribles marcantes,

as vitórias memoráveis. Certa vez escreveu sobre Pelé:

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“o difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É

fazer um gol como Pelé”. O Rei, anos depois, devolveu a gentileza:

“o difícil, o extraordinário, não é escrever mil textos,

como o Drummond. É escrever um texto como Drummond”.

Mas “a crônica tem perdido espaço”, disse o jornalista Artur

Xexéo, ao vivo em rede nacional. Tenho minhas razões para

rebater. Na verdade, a mídia impressa, sobretudo o jornal, tem

realmente perdido espaço nessa era informacional, tecnológica

e cibernética que vivemos. Nossa cidade é um exemplo real.

Dos grandes, apenas o Tribuna do Norte sobrevive aos tempos

e (ainda) permanece escrevendo, exemplar a exemplar, a história

do nosso povo.

Mas a crônica também está buscando um novo sentido

existencial. O cronista, ainda mais independente, precisou

buscar novos ares e está definitivamente migrando para a internet.

Tudo bem, concordo com você, existem perdas. A magia

do jornal, o aroma do papel, a pontualidade, a veracidade,

a credibilidade da informação e a fidelidade do leitor. Mas por

outro lado, não esqueçamos que, com a internet, não há limites

geográficos, a interação é acelerada e a produção intensa.

Aliás, imaginem o quanto Carlos Drummond de Andrade

seria feliz se, quando vivo e ativo, tivesse ao seu dispor tal

modernidade. Seus poemas virariam memes das mais variadas

formas. De autoajuda, mensagens amorosas e sátiras humorísticas.

Se vivo ele estivesse, em 2017, eu com certeza, e mais uns

milhares de internautas, acessaríamos, de nossos modernos

smartphones, o Blog d’O Pensador, para nos alimentarmos

com doses diárias dos seus versos e de suas crônicas mais lidas.

Eu adoraria ler sobre Messi, Cristiano Ronaldo e suas coleções

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de Bolas de Ouro. Sentaríamos no banquinho do poeta sem

precisar sair de casa.

E Drummond era popular. Era considerado por muitos

um dos brasileiros mais influentes do século 20. Já imaginou

quantos seguidores nosso poeta cronista teria nas mídias sociais

da vida?! Carlos Drummond de Andrade seria um legítimo

Influenciador Digital, especialista em redes sociais. Um

respiro importante no incentivo à leitura e na formação de

novos leitores.

Nosso Bailarino de pés desproporcionais

também tiraria muito proveito do

potencial de penetração da internet. Com

certeza seus ideais democráticos bombariam

nos Trend Topics do Twitter. O

barbudo era bom. Seria autor de muitos

“textões” no Facebook. Influenciaria muitas

mentes. Ele sabia mobilizar pessoas

em prol de uma causa. E sem internet.

A crônica está buscando um novo sentido existencial.

O cronista agora pode ser ainda mais independente. Ele deve

buscar novos ares e estar definitivamente online. Ele pode reunir

muitos outros atributos. Pode aliar a veracidade e a credibilidade

da informação, a penetração geográfica sem limites da

rede, a interação social e a produção intensa de conteúdo à genialidade

de um poeta modernista. Definitivamente, com ou

sem internet, a crônica e o cronista continuam importantes.

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a honestidade

“Sou jornalista esportivo há 26 anos por ser palmeirense

há 50”. Foi assim que Mauro Beting justificou com maestria

sua relação trabalho e paixão. Uma frase curta e direta que

serve para qualquer jornalista esportivo do mundo, inclusive

para esse que vos escreve. Sou jornalista esportivo há 12 anos

por ser abecedista há 33.

A polêmica tomou conta da mídia e do falatório das

torcidas nos últimos dias. Seria antiético assumir em público

para qual time o jornalista esportivo torce? Isso pode afetar a

credibilidade do profissional?

Tive um tio jornalista, assumidamente alecrinense, inclusive

foi ex-presidente do clube Esmeraldino, mas nunca fui

influenciado por sua paixão. Porque a paixão vem do berço.

Nunca neguei que sou torcedor do ABC. Meu pai, ao me levar

ao finado Machadão e às antigas dependências da Vila Olímpica

da Rota do Sol me fez despertar tamanho amor pelo clube.

O que vem de pai pra filho nunca, mas nunca mesmo, haverá

de ser apagado da memória e da história de ser-humano algum.

Como escreveu Mauro Beting, não somos pagos para

ser torcedores, mas sim para exercer o jornalismo, a arte de

Gutenberg. Afirmo com toda convicção. Não é antiético, nem

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diminui a minha credibilidade assumir que sou abecedista.

Existe o jornalista que torce e o jornalista que distorce. Aquele

que distorce a informação, influenciado por sua paixão é um

mal para a profissão.

Eu posso torcer, o que não posso é deixar de transmitir

a verdade para o meu público. O que me dá credibilidade é

exercer um jornalismo correto, verdadeiro, que compartilhe

notícias e opiniões coerentes, embasadas em fatos e dados. É

preciso, acima de tudo e qualquer preferência clubística, ser

honesto com o torcedor.

Eduardo Galeano escreveu que “para o torcedor fanático,

o prazer não está na vitória do próprio time, mas na derrota

do outro”. Para o jornalista também. A diferença é que o prazer

não deve estar explícito no seu desempenho profissional.

Como disse com razão o jornalista Carlos Henrique, torcedor

do CRB das Alagoas, “sei muito bem onde está a linha que

divide um do outro”. Primeiro o trabalho, depois o prazer.

É tarefa difícil afirmar que num país como o Brasil, em

que existem mais campos de futebol, do que igrejas, espalhados

por milhares de vilarejos, não haja um torcedor dentro de

cada um. Eu torço no meu subconsciente ou longe dos microfones.

Seja do meu ou do rival, sendo verdade, falo bem ou falo

mal. Meu clube também não é um urso polar protegido por

lei, alheio à críticas quando as merecer.

O Bailarino, sorrindo e com um

copo de cerveja na mão, diria sem pensar

que o jornalista que não ama, não

cuida. Que fazer jornalismo esportivo

sem torcer, sem amar, equivale a dan-

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çar sem música. Não tem graça, é sem

sal e monótono. Não tenho dúvidas. O

jornalista precisa sentir o ambiente, entender

e viver as emoções que o circundam

para descrever o significado aproximado

– porque a perfeição não existe

– do futebol.

Afirmo e reafirmo. Não é antiético, nem diminui a minha

credibilidade assumir meu time. Eu posso torcer, o que

não posso é distorcer e deixar de transmitir a verdade para o

meu público. O que me dá credibilidade é exercer um jornalismo

correto, verdadeiro, que compartilhe notícias e opiniões

coerentes, embasadas em fatos e dados.

Permitam-me agora parafrasear meu amigo Carlos Henrique:

não revelar seu time do coração é direito do profissional,

mas renegá-lo é ser desonesto com sua consciência moral

e com aquele torcedor que o prestigia diariamente, seja na TV,

no rádio, no jornal impresso ou na internet.

Repito, para ser um jornalista esportivo de credibilidade

basta, acima de tudo e qualquer preferência clubística, ser honesto

com o torcedor.

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a rivalidade

O que é essa tal rivalidade que mata tanta gente por aí?

Rivalidade é competir entre si? É ser inimigo ou ser rival? Os

rivais têm razões para tal? A rivalidade está acampada? Ser rival

é bom ou ruim?

Confesso que me deu vontade de perguntar ao mestre

Cascudo. Os que com ele puderam conviver, diziam que o velho

era uma Enciclopédia em vida. Quando havia uma dúvida

ou discussão sem fim, bastava perguntá-lo que a resposta sempre

estava na ponta da língua.

Mas como Câmara Cascudo não está mais entre nós, e

pior, não deixou um herdeiro intelectual para nos amparar em

momentos como esse, vou tentar por minha conta e risco.

Um conceito bacana diz que rivalidade é a “disputa ou

oposição entre pessoas, empresas, clubes esportivos ou quaisquer

outros tipos de seres ou entidades que pode ou não

envolver a busca por um mesmo objetivo”. É um embate de

ideias. Pode ser a concorrência de pessoas que pretendem a

mesma coisa. Que pensam diferente, mas que ao final do jogo

almejam quase sempre o mesmo objetivo.

Nesse contexto, a rivalidade não tem nenhuma conotação

negativa, exceto quando a paixão deriva em violência. Aí

sim, você abandona a condição de rival e passa a ser um inimigo.

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Mas a rivalidade também pode ser positiva. Ela, muitas

vezes, expõe fragilidades e aponta caminhos a serem seguidos.

Dizem que as rivalidades fazem bem à alma do futebol, mesmo

que as birras façam mal.

Denise Fraga, atriz Global, que confessadamente não entende

(quase) nada de futebol, disse que “a paixão incondicional

por um time é uma coisa insana, difícil de explicar”. “Mas é

bela”, completa se rendendo ao inevitável.

Os rivais se enfrentam quatro, cinco vezes seguidas e

mesmo assim, não haverá consenso algum depois de tantos

jogos, pois assim mesmo é a rivalidade. Sem consenso.

Tem até aquela que gera receita para os clubes, como

a rivalidade corpo a corpo, centavo a centavo, clube a clube

entre a Globo e o Esporte Interativo, que lutavam pelos direitos

de transmissão do futebol brasileiro. É a concorrência que

valoriza o produto. É a rivalidade sadia, a que promove.

E tem a rivalidade que mata. As guerras das torcidas organizadas,

que descambam para a violência. Tem também a

lúdica, estilo Fla-Flu, capaz de, em 90 minutos, transformar

vizinhos, amigos e até mesmo parentes em inimigos mortais.

Mas há também, infelizmente, a rivalidade cega, que

gera conflito. É quando ela é encarada no sentido de aversão,

qualificando o adversário meramente como um inimigo.

Nesse contexto, a competição e a rivalidade agem no sentido

contrário ao aumento da produtividade. No futebol, é preciso

utilizá-las com sabedoria, para promover e valorizar o produto

oferecido. Em outras palavras, é mais viável unir esforços no

sentido colaborativo, para promover, garantir brilho e agregar

valor ao espetáculo esportivo.

Nessa Terra do Elefante, nos últimos tempos, nasceu um

tipo de rivalidade que limita o adversário em “dez por cento”.

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Uma rivalidade capaz até de criar mecanismos de boicote a

torcida visitante. É a rivalidade de quem comanda protegido

com uma máscara de ferro de um cavaleiro medieval. A rivalidade

que empobrece e reduz nosso, já pobre, futebol.

O Bailarino, nos anos 80, era referência

dentro e fora de campo. Diria

ele, com toda a autoridade do mundo,

que aquele que tem a intenção de prejudicar

alguém, certamente estará prejudicando

a si próprio.

Mas como dizem por aqui nesse país, desde a era colonial,

não existe pecado abaixo da linha do Equador. Aqui, todo

dia é dia de tudo pode.

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o último terço

do campo

Na língua universal dos maiores treinadores do mundo,

o terço final do campo é pura poesia. É lá que o futebol se

liberta das amarras e das rígidas regras impostas pelo medo

severo de tomar gol.

É lá, no último terço, que alimentamos nossos desejos

mais sinceros. Que povoa a esperança de um povo. O gostinho

tremendo de “quero mais”. Da ânsia pelo gol. Do grito desabafo.

Afinal, o que acontece no último terço do campo que nos

deixa tão loucos e apaixonados?!

Ali, Neymar joga aberto pela ponta esquerda, com extrema

liberdade. É lá que ele é feliz. Sente-se bem. Driblando

um, dois, três. Afunilando pelo meio, brincando de jogar bola.

É lá que surge um Paulinho arisco e atrevido. Infiltrando,

avançando. Surpreendendo a todos os críticos. Fazendo fila

e finalizando como atacante.

O terço final do campo é mágico. É lá que vivem os que

mais brilham. Também é onde os goleiros mais trabalham.

Plástica, reflexo e elasticidade. As mais belas defesas da história

futebolística.

É na grande área, cenário de chacinas definido por Galeano,

no terço querido pelos goleadores, assassinos da bola,

ou habitat natural dos defensores, que vive entalado o grito

de gol.

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O Bailarino adorava habitar àquela

parte do gramado. “É a regra dos terços.

O último é o que interessa. Lá, no

último terço do campo, os homens de

frente ganham, no futebol atual repleto

de regras, a tão sonhada liberdade pra

criar, dançar, dar pirueta, se equilibrar

de ponta de pé e malabares. Quase um

picadeiro”.

No terço final do campo eu revivo. Finta, firula, chaleira,

saiota. Essa tal liberdade de criação. No último terço Jesus

opera milagre, faz gols.

Em épocas burocráticas, é no terço final que a alegria do

povo volta aos gramados. Era lá, nas pontas, no último terço

do campo, os cenários dos shows do passarinho Garrincha.

Na língua universal do futebol, o terço final do campo é

pura poesia. É lá que o futebol se liberta das amarras e das rígidas

regras impostas pelo medo de tomar gol. É lá que a grama

floresce mais verde. No terço final do campo, o futebol-arte

respira, inspira e sobrevive.

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o maracanã

Estava cheio de expectativa. Acordei na hora exata, nenhum

minuto a mais. Mal tomei café. Sabe aquele mal humor

de quem acorda ansioso?!

Não perdi tempo com distrações. Tomei o metrô na estação

mais próxima e segui rumo ao Maracanã. Botafogo, Flamengo,

Largo do Machado. O coração pulava do peito a cada

nova estação.

Com jogo seria melhor, evidente. O teatro dos maiores

artistas do futebol, como nosso Marinho Chagas o intitulou

genialmente, sem seus protagonistas não é o mesmo. Mas o

tempo reduzido não permitiu essa honra.

Catete, Glória, Cinelândia e estação Carioca. Já imaginava,

nos meus mais longes devaneios, o Rio correndo para o

Maracanã. De trem, metrô, a pé.

Uruguaiana! Ahh, essa eu já conheço. Anteontem mesmo

bati perna por suas charmosas ruas e ruelas repletas de

história e saudosismo.

Próxima estação, Presidente Vargas. Descem muitos.

Central, Praça Onze, Estácio. Hora de trocar de linha. Da laranja

para a verde. Estávamos bem próximos de chegar ao

maior estádio do mundo, palco de momentos inesquecíveis

do futebol mundial.

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Cidade Nova, São Cristóvão e, finalmente, estação Maracanã.

Foi fácil. Olha só, a famosa rampa. Cheguei atrasado, o

grupo das 11 horas iniciara a visita guiada a poucos minutos.

Não tivesse eu, como minha mania de precaução, comprado

os ingressos antecipados, não chegaria a tempo.

Passamos pela cheirosa tribuna de honra. Descemos

para o camarote, ambiente restrito. Fomos na arquibancada,

hoje sem o setor dos geraldinos. Cruzamos a área de hospitalidade

e, entramos no vestiário, repleto de modernidade e camisas

dos maiores e melhores jogadores mundiais da atualidade.

Chegamos ao campo de jogo, reservado a quem sabe tratar

a bola com amor. Sentamos no banco de reservas, fotografamos,

filmamos, admiramos o tamanho e a grandiosidade do

estádio. O guia poliglota falou a cada parada da visita, com dados

técnicos sobre a construção e sobre os ambientes do novo

Maracanã.

Dado momento, alguém pergunta em quanto tempo o

estádio foi construído. O guia, seguro de sua resposta, disparou:

– Três anos de obras, de 2010 a 2013. Dei um pulo da

cadeira, ensaiei levantar o braço, mas fui impedido por Julita,

ao meu lado, de interferir na resposta do guia globalizado.

Pensei comigo, e os esforços dos que construíram a ferro

e fogo o maior estádio do mundo na década de 40? E a luta

de Mário Rodrigues Filho, jornalista pernambucano, irmão de

Nelson Rodrigues, que se destacou no apoio à construção do

estádio, já que na época foi muito criticada pelo Deputado

Federal Carlos Lacerda, inimigo político do prefeito da cidade,

o general Ângelo Mendes de Morais? Isso tudo não conta? Isso

tudo ele não conta?

Já no ponto final da visita, atrás da trave esquerda, me

bateu uma angústia parecida com a que senti quando desco-

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bri, duas noites antes, que a boemia da Lapa não existe mais. O

Maracanã não é mais o maior estádio do mundo.

O tempo do Maracanã maior do mundo, do Maracanã

de Didi, Zagallo, Barbosa, Garrincha, Heleno de Freitas, Nilton

Santos, Gerson, Zico, Rivelino e Pelé não existe mais. O

Maracanã da Copa de 1950, do Uruguai de Schiafino e Gighia

e do Maracanazo não é mais o mesmo. Não é o Maracanã dos

100 mil, do pobre, preto, sem dinheiro e sem camisa, do milésimo

gol de Pelé, dos 333 gols do Galinho e das centenas de

Joões entortados por um passarinho atrevido chamado Mané.

Para o Bailarino, esguio e de pernas

longas, o Maracanã do presente é apenas

um espelho maldito do futebol de

atualmente. Cego por lucro, resultado,

grana. “Está fadado a uma morte lenta

e dolorosa, assim como o nosso futebol”.

A visita guiada do Maracanã simplesmente ignorou a

história daquele que um dia foi gigante. Fiquei triste. A mística

do maior do mundo não me tocou. As muitas reformas

do estádio mudaram sua aparência. Preservaram a arquitetura

externa e mexeram por dentro, na sua essência.

O Maracanã agora é apenas mais uma arena moderna,

gourmetizada e cara, muito cara, como tantas outras por aí. O

Maracanã agora menospreza seu passado mais rico, repleto de

glórias e muitas, mas muitas histórias.

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o carnaval do

esporte

Enquanto milhares de pessoas festejavam a passagem da

tocha olímpica por nossa cidade Natal, eu lamentava profundamente

que políticos da Grécia tenham passado por cima de

sua própria Constituição para fazer as Olimpíadas de 2004 em

Atenas.

Enquanto as pessoas se vestiam de verde e amarelo para

ver a tocha passar, eu lembrava dos 40 gregos trabalhadores

da construção civil que morreram em acidentes de trabalho

enquanto construíam as instalações olímpicas com parafusos

frouxos, contra tudo e contra o tempo, com a justificativa de

tornar Atenas habitável para o mundo olímpico.

Enquanto vocês se aglomeravam nas esquinas da Cidade

Alta, eu tomava conhecimento dos inúmeros moradores de

rua, viciados em drogas e doentes mentais que o governo grego

prendeu às pressas, em hospitais psiquiátricos para limpar,

literalmente, a cidade.

Quando os organizadores anunciavam que os custos do

Revezamento da Tocha foram financiados com dinheiro de

patrocinadores, eu recordo que, na Grécia, o orçamento para

realização das Olimpíadas era de 1,3 bilhão de dólares e que,

ao fim do evento, esse valor saltou para 14,2 bilhões de dólares

e mais um punhado de suor e sangue de inocentes afetados

por uma ilusão.

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Lembro e lamento com pesar dos quase dois milhões

de chineses expulsos de suas casas para dar lugar às instalações

olímpicas de Pequim 2008 e por aqueles 42 milhões de dólares

gastos nos jogos não terem servido, mesmo que minimamente,

para reduzir o sofrimento dos moradores de Sichuan, devastada

por um terremoto dias antes dos Jogos.

Enquanto a televisão jogava flores na tradicional maratona

da tocha olímpica, idealizada pela primeira vez nas

Olimpíadas da Alemanha, em 1936, pelo governo nazista, com

intuito obscuro de difundir a ideologia doentia e ariana de

Adolf Hitler, eu sintia pelos desrespeitos aos direitos humanos

na China Olímpica. Pelos abusos do governo, pelos despejos

forçados, pela perseguição aos críticos e pela violação aos direitos

de liberdade de expressão e de imprensa.

O que presenciei naquele sábado, 4 de junho de 2016,

percorrendo as ruas de Natal, da Fortaleza dos Reis Magos, das

ruas da velha, abandonada e deteriorada Ribeira, das ladeiras

da Cidade Alta e dos cruzamentos de Ponta Negra, foi a realização

de um evento esplendidamente bonito, estruturado,

organizado e controlado (quase militar), que força os meios de

comunicação a agirem quase como canais de propaganda do

espírito feliz das Olimpíadas.

Mas que bom que ainda há espaço para o outro lado

da notícia! O lado da bandinha de carnaval e sua fanfarra de

reivindicação contra o não pagamento por parte da Prefeitura.

Dos vários manifestantes com faixas e cartazes de “Fora Temer”,

no cruzamento da feirinha de Ponta Negra, e do senhor

com uma tocha gigante, correndo ao lado da original, com

dizeres fazendo referência aos últimos - e não poucos - casos

de corrupção descobertos no país.

A festa é bonita, mas tem um preço incalculável. Um

preço jorrado por sangue e suor. Por trás do espírito olímpico

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e unidade de nações, há também um interesse político e econômico,

que visa atrair negócios ao custo dos desrespeitos aos

direitos humanos e às liberdades civis mais básicas.

Como escreveu o jornalista americano Dave Zirin, “todos

os eventos esportivos internacionais tendem a agir como

Cavalos de Tróia neoliberais, devorando nosso amor por esportes

para impingir uma série de políticas que em qualquer

outra situação seriam categoricamente rejeitadas”.

O Bailarino de barba grande, diria

que os significados de fraternidade

e de união das nações propagados pelo

espírito olímpico podem até ser legítimos,

mas na prática os jogos olímpicos

da era moderna passam quilômetros e

quilômetros longe de torná-los verdadeiros

e reais.

Na realidade, as Olimpíadas não passam de um carnaval

do esporte que atropela, sem pena e sem dó, os direitos básicos

das populações menos favorecidas.

Menos mal que, por aqui, por essa Terra do Elefante, a

tocha estava apenas de passagem.

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a pira olímpica

Quando a pira olímpica se apagar, de bom, ficarão apenas

lembranças de momentos lindos e coloridos de uma festa

chamada Olimpíadas.

Medalhas, emoções, superações, suor, muito suor. Honra

ao mérito, competitividade e fraternidade. Tecnologia, inovação,

recordes. Tristeza, lamentos, alegria e felicidade.

Quando a pira olímpica se apagar ficarão, neste berço

esplêndido, a recessão, a violência e as epidemias. A pobreza,

a desigualdade social e os desrespeitos aos direitos básicos de

seres que deveriam ser humanos.

Quando a pira olímpica se apagar, teremos que lidar

com a calamidade pública decretada na administração financeira

do Rio de Janeiro. O custo oficial e divulgado para a realização

do Rio 2016, até hoje, é de R$ 38 bilhões. Por que aqui?!

Europeus e americanos desistiram de encarar os devaneios

das cifras olímpicas. Boston retirou a candidatura para

2024 afirmando que os custos pesariam nos bolsos dos contribuintes.

Toronto, no Canadá, também recuou. Em Hamburgo,

o povo foi consultado e mais da metade disse não aos Jogos.

Na Suécia, partidos políticos rechaçaram o evento, em detrimento

a outras prioridades. Noruega, Polônia e Ucrânia também

preferiram não arriscar.

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Exemplos não bastam?! Na Grécia passaram por cima

de sua própria Constituição para fazer as Olimpíadas de 2004,

em Atenas. Moradores de rua, viciados em drogas e doentes

mentais foram presos em hospitais psiquiátricos pelo governo

grego para limpar, literalmente, a cidade. Na China Olímpica,

abusos do governo, despejos forçados, perseguição aos críticos

e violação aos direitos de liberdade de expressão e de imprensa.

Certa vez, debatendo sobre os problemas enfrentados

pela recém-inaugurada Vila Olímpica, afirmei com toda convicção

que o pior ainda está por vir. A CPI das Olimpíadas segue

na Câmara Municipal, as famílias dos 11 operários mortos

durante as obras das instalações e as 77 mil pessoas que foram

obrigadas a se retirar de suas casas sofrerão na pele com as consequências

dos desrespeitos aos direitos humanos.

Quando a pira olímpica se apagar, para onde irão as famílias

que foram removidas? As vidas das pessoas irão melhorar?

As promessas do poder público serão cumpridas?

Eu disse, quando a Tocha Olímpica passou por Natal

que, na realidade, as Olimpíadas não passam de um carnaval

do esporte. A festa é bonita, mas tem um preço incalculável.

Um preço jorrado por sangue e suor. Por trás do espírito olímpico

e unidade de nações, há também um interesse político e

econômico, que visa atrair negócios ao custo dos desrespeitos

aos direitos humanos e as liberdades civis mais básicas.

O Bailarino, de barba a fazer, diria

que eles não estão nem aí pro legado

que prometeram. O interesse comercial

– e pessoal – é muito maior.

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Por mais que a escolha do Rio para ser sede tenha acontecido

em 2009, em teóricos “tempos de paz”, num período em

que o Brasil vivia um momento único de crescimento econômico,

não há dúvidas de que a realização dos jogos provocará

um grande impacto no orçamento público. O fato é que, depois

dos Jogos, as dívidas ficaram para serem pagas por muitos

e muitos anos depois.

Quando a pira olímpica se apagar, ficarão mais problemas

do que soluções. Quando a pira olímpica se apagar, de

bom, ficarão apenas lembranças.

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o campeão

O pecado de perder, segundo Eduardo Galeano, é imperdoável.

“O fracasso é o único pecado que não tem redenção”.

Como é injusta essa vida, essa enorme dramaturgia hiper-realista

sem roteiro prévio, definida assim por Carlos Fialho.

As vitórias nos dão status e as derrotas as levam numa

enorme ventania de agosto.

Em dias de Jogos Olímpicos do Rio, é fácil perceber.

Mesmo que ninguém jogue para perder, não são raras, ainda

mais nessa era tecnológica de Pókemons ultra reais e que as

mídias sociais são os muros dos pobres, as críticas destrutivas

contra nossos atletas olímpicos.

Às vezes é chato ser brasileiro. Acostumado a julgar fatos

sem apurar as circunstâncias, cometemos injustiças quase que

diariamente. E mais uma vez evoco Galeano. Ele é perfeito.

“Somos porque ganhamos. Se perdemos, deixamos de ser”.

Em duas semanas de Jogos, conquistamos apenas uma

medalha dourada, com a judoca jogo-duro Rafaela Silva. Aliás,

ela mesma serve de exemplo reverso. Vilã em Londres, 2012,

foi chamada de macaca e agora é a nossa campeã. Com muito

orgulho e com muito amor. É a heroína da vez, e eu concordo

que seja, de todos os brasileiros.

Mas a Olimpíada vai chegar ao fim e Rafaela voltará à

sua rotina diária de derramar suor a cada golpe repetido. E da-

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qui a quatro Natais, o roteiro da sua vida pode mudar. Aconteceu

com Cielo, que deixou de ser o melhor do mundo nos 50

metros, com Diego Hypólito, que caiu de bunda e de cara em

duas edições anteriores, com Anderson Silva no UFC, Neymar

nos últimos tempos; Messi, nas últimas Copas do Mundo e

nas duas Copas Américas em que não foi decisivo nas finais;

com Zico em 86; e está acontecendo com Bruno Fratus, Marcos

Mendonça, Sara Menezes, Felipe Kitadai e muitos outros.

Todos, antes campeões, agora tratados como “decepções” e

“amarelões”.

O Bailarino dos anos 80 nos diria

que é importante deixar claro que não

foi de um salto, de uma braçada ou golpe

que esses homens e mulheres chegaram

ao êxito, mas sim trabalhando e

treinando muito enquanto você, invariavelmente,

dormia.

A cultura de sucesso é cruel e não julga pelo todo. Há

necessidade de uma voz oposta. Nossos vencedores continuam

vencedores, mesmo que sem nenhuma medalha pesada pendurada

no pescoço.

Nesse momento, a mensagem de Diego Hypólito, ao

conquistar a medalha de prata na ginástica artística, cai como

uma luva contra o exército de julgadores brasileiros. “Caí de

bunda, caí de cara e agora caí de pé e conquistei essa medalha.

Nunca desista dos seus sonhos”.

Para o romancista do Admirável Mundo Novo, Aldous

Huxley, experiência não é o que aconteceu com você, mas o

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que você fez com o que lhe aconteceu. Já disse em outra prosa.

Não depende de como cai, mas de como você se levanta. Um

dia isso há de mudar e os nossos atletas serão lembrados, eternamente,

não pelas medalhas, mas sim por tudo que conseguiram

ser e por suas virtudes pessoais e humanas.

O atleta brasileiro é, no sentido maior da palavra, um

verdadeiro herói. É herói por sair de onde sai, pelas dificuldades

que enfrenta, pela falta de apoio financeiro e por todo

o sacrifício que faz para se dedicar ao esporte e ao alto rendimento.

Nesse mundo onde a derrota é pecado imperdoável e

que castiga o fracasso, quem sai perdendo somos nós mesmos,

brasileiros, que desprezamos nossos melhores exemplos de

vida. Não tenho dúvidas, o atleta brasileiro é um campeão da

vida, seja ganhando ou perdendo no jogo.

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o racismo

Mais uma vez o preconceito é destaque na televisão. Esse

caso aconteceu no metrô de Paris, após o jogo entre Paris Saint

Germain e Chelsea, pela Liga dos Campeões da Europa. Foi

na volta pra casa que um grupo de torcedores do time inglês

impediu que um negro entrasse no vagão, chegando a empurrá-lo

para fora, sob gritos de ‘Somos racistas! É dessa forma que

gostamos’.

Não foi a primeira vez que o racismo figurou no futebol.

Casos como esse do metrô de Paris são corriqueiros no dia a

dia desse mundo arraigado de males, que já escravizou negros

e índios, exterminou judeus e jogou bananas para seres humanos.

O preconceito está em tudo. É um mal da sociedade, não

do esporte. Você também, em algum momento da sua vida,

pode ter cometido algum ato falho. A sociedade cria estereótipos

a todo o momento, como o que faz parecer que todo

político é corrupto.

Soube de um caso em que um diretor de alta administração

de uma grande empresa tentou proibir funcionários de

baixo calão de utilizar o mesmo banheiro em que os chefes

faziam suas necessidades. O que ele pensa? Tem fezes de ouro?

No futebol, já vi torcedor espanhol jogar banana pra jogador

brasileiro. Já soube de um que proclamou palavras racis-

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tas para um goleiro negro de Natal e acabou preso. Quem não

se lembra do caso Aranha, goleiro do Santos? Teve um caso no

campeonato paraibano também. Um torcedor do Santa Cruz

foi detido por chamar o treinador de goleiros do Lucena, time

rival, de macaco. Foi autuado por injúria racial e corria o risco

de reclusão de um a três anos e ainda pagar uma singela multa.

O passado também nos revela poucas e boas. Nos anos

de 1940, quando o futebol brasileiro se abreviava aos principais

centros do país – Rio e São Paulo – o Fluminense, que era

modelo de clube organizado, cometeu um ato questionável.

O futebol acabara de se formalizar profissional no Brasil e a

cartolagem tricolor, composta por aristocratas e elitistas, utilizaram

o fato como desculpa para que os jogadores negros não

ingressassem pelo mesmo portão das Laranjeiras que entravam

os brancos. Com o profissionalismo, os atletas – incluindo

os negros – se tornaram funcionários e, portanto teriam

que usar a entrada de serviço. Dessa forma, a elite branca do

Fluminense não era “obrigada” a cruzar com negros, apesar de

estarem vibrando com seus gols.

O Bailarino, magrelo e barbudo,

não é negro, mas entende do assunto.

Ele acredita que chegou a hora de jogador

de futebol deixar de ser tratado

como criancinha, que não pode ter opinião.

“Chega de policiamento de quem

decide lá de cima. Tem que ter atitude

e responder a altura. Devolvam as bananas”.

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Reagindo ou não, o certo é que o racismo no futebol

sempre aconteceu. Em Barcelona, Natal, na vizinha Paraíba ou

no metrô de Paris, eles vão continuar. Mas se serve de alento,

houve um avanço significativo na reação – tanto das autoridades,

como popular. Hoje temos quem nos ampare para repelir

e, acima de tudo, leis para castigar os criminosos.

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a limusine

Entre os anos 30 e 50 do século passado, o futebol brasileiro

com visibilidade pública era restrito ao eixo Rio-São

Paulo. Não à toa, praticamente toda a base da seleção brasileira,

com raríssimas exceções, era composta por jogadores dos

clubes dos dois Estados.

Para chegar aos grandes clubes, os jogadores de outros

centros tinham que estar presentes nas seleções dos Estados.

Não existia o campeonato nacional nos moldes que é disputado

atualmente. O Brasileiro era disputado em sistema de

playoffs entre as seleções estaduais. Só assim um atleta do Sul

ou do Nordeste conseguiria atuar em outros centros do país.

Mas, mesmo distante das câmeras fotográficas dos jornais

ou dos microfones das estações de rádio, havia futebol por

todos os lugares do Brasil.

Essa história, por exemplo, li no livro Fedato: o Estampilla

Rubia (de Aroldo Fedato e Paulo Krauss) e aconteceu na

véspera da final do Paranaense de 1945. O título estava para ser

definido entre Athletico e Coritiba em três jogos consecutivos.

No primeiro jogo, os athleticanos chiaram dizendo que o juiz

favoreceu ao Coxa. No segundo, a arbitragem foi contestada

pelo Coritiba. Diante do impasse, a solução foi trazer um juiz

de fora para a terceira e última partida decisiva.

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“Foi contratado o paulista Arthur Cidrin. Ele viria no

domingo pela manhã, em um carro alugado pela Federação

Paranaense. O percurso entre São Paulo e Curitiba tinha uma

tradicional parada na metade do caminho, para um lanche ou

café. Espertos, Manoel Aranha (presidente) e o dirigente athleticano

Cândido Mader foram até lá para recepcionar o árbitro.

Pouco tempo depois que chegaram, apareceu a limusine que

deveria transportar apenas o juiz Cidrin. O carro estaciona, e

o motorista, elegantemente, abre a porta do lado direito para

o árbitro descer. Aranha e Mader encaminham-se sorridentes

para dar boas-vindas ao juiz paulista. Enquanto isso, o chofer

dá a volta por trás do automóvel e abre a porta do lado esquerdo.

Quem é que desce do banco traseiro, o mesmo que viajava

o árbitro? Ninguém menos que Couto Pereira, o presidente

do Coxa”.

O que aconteceu foi isso mesmo que você imaginou. Enquanto

os athleticanos se deslocavam para receber o árbitro no

meio do caminho, o astuto presidente Coxa Branca já estava

em São Paulo, acompanhando Cidrin durante toda a viagem.

O Bailarino, atento como sempre,

com seus olhos excessivamente abertos,

diria que, em tempos atuais, roubar é o

verbo que, insistentemente, temos mais

conjugado, seja para o bem ou para o

mal. “É triste! Nos imaginamos mais

espertos do que somos”.

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Mas nem tudo está perdido. Essa história não termina

aqui. O melhor de tudo, e mais curioso, é que no jogo final da

série que decidiu o título, ninguém reclamou da arbitragem.

O Athletico venceu e foi campeão. Moral da história: honestidade

em primeiro lugar.

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o time dos

desmoralizados

O telefone toca na sala da presidência. Depois da terceira

tentativa, ele finalmente resolve atender ao chamado insistente.

Atendeu à ligação, sentado em sua poltrona velha, campeã

nos últimos quatro anos de certame. – Alô, tô ocupado, fale

rápido. Do outro lado da linha, o diretor de um clube do Sul,

disposto a fechar negócio, objetivamente solicita os dados das

duas contas bancárias para que possa enfim efetivar os depósitos.

Essa história não acaba aqui. Cenas como essa acima

narrada não deveriam, mas infelizmente parecem ser mais

comuns e frequentes do que imaginamos. Um amigo, bem

relacionado com diretores de um clube, fez-me a revelação.

Muitos dirigentes do futebol brasileiro, ao negociar contratações,

agem dessa forma. Paralelamente ao depósito na conta

do clube, recebem outro depósito, só que em suas contas particulares.

É uma triste conduta humana. É corrupção. É receber

para si uma vantagem indevida. É triste, indignante e, sobretudo,

lamentável, mas é fato. Sem querer entrar no mérito religioso,

mas sim no sentido metafórico, é um pecado difícil de

ser erradicado da humanidade. Como disse Romário, “a corrupção

também é regra nesse país”.

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E essa constatação se estende também ao futebol mundial,

que viveu recentemente um momento histórico com as

revelações de corrupção na FIFA, que culminaram nas prisões

de José Maria Marin, ex-presidente e atual vice da CBF, e outros

sete executivos mandatários, mandachuvas, ostentadores

de poder à custa do mundo ilícito.

Homens que carregavam a imensa responsabilidade de

administrar uma atividade lúdica e outrora amadora, que deixou

pra trás a magia do tempo em que o futebol ainda era

jogado de chuteiras pretas e que, de repente, se transformou

num negócio multibilionário, de interesses muitas vezes escusos.

Homens que preferiram trocar a bola de futebol por

uma pesada, de chumbo, como de prisioneiros medievais. Que

optaram por viver atrás de grades, vestindo as cores do time

dos desmoralizados, ao invés dos uniformes de suas nações.

Espero, sinceramente (ou inocentemente), que essa cortina

aberta abra os olhos do mundo e traga de volta aquele

futebol que um dia nós chamamos de “arte” e que, reconhecidamente,

é entre todos os esportes o mais popular e adorado

da história da humanidade.

Nosso Bailarino de barba malfeita

teria peitado com coragem todos esses

poderosos que causam mal ao seu esporte

favorito. Era inteligente, costumava

enfrentar tudo e a todos para lutar

pelas suas causas, que eram sempre as

mesmas do povo. Era mesmo um representante

do povo.

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Enfim, de volta à sala da presidência. Do outro lado da

linha, o diretor disposto a fechar negócio solicita os dados

das duas contas bancárias para efetivar os depósitos. – Minha

conta, não. Aqui, só a do clube! Evidentemente, ele disse não.

Ainda há solução!

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o rei e

o furacão

Nunca tive muita intimidade com a bola. Sei jogar, sou esforçado.

Um operário em campo. Quando arrisco uma partida,

percebo que sou muito mais eficiente com as palavras do que

calçando chuteiras e meiões.

Mas nem por isso abro mão de desfilar minha habilidade

com a perna canhota nos gramados que me aceitam. Jogo sim e

não estou nem aí para os craques de pelada que esbravejam por

um lance perdido, um passe errado ou uma furada na defesa.

Mas isso me lembra de algo que li na biografia da Bruxa,

Marinho Chagas, dia desses. Era um domingo de Maracanã – o

teatro dos maiores artistas do futebol, como o próprio Marinho

intitulou genialmente. Em campo, Botafogo e Santos pelo campeonato

brasileiro de 1972. Era a estreia do Diabo Louro.

Naquele dia, Marinho largaria o anonimato para ser estrela.

Até então, sua carreira se resumia a suas várias peladas nas Sete

Bocas, no bairro do Alecrim, e uma ascensão meteórica, passando

pelo pequeno Riachuelo de Natal, e os tradicionais, mas pequenos,

ABC e Náutico.

Mas o fato é que naquele dia Marinho adentrava em campo

ansioso. Se já era um sonho de criança jogar no mais tradicional

estádio do mundo, avaliem a emoção quando o galego do

Alecrim viu do outro lado, mas lado a lado, o Rei, sua majestade,

Pelé.

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Marinho disse a Luan Xavier, autor de sua biografia, que

quase chorou ao ver o Édson mais famoso do mundo cara a cara.

Emocionado, não nervoso. A Bruxa era diferente, bastava entrar

em campo e jogar. Jogar futebol ele tirava de letra, matava no

peito e partia irresponsavelmente pro ataque – pro desespero dos

zagueiros Brito, Osmar e Djalma Dias, seus companheiros de defesa.

Era um atacante jogando na lateral-esquerda. Era ousado.

Naquele jogo, marcou definitivamente seu nome na memória do

futebol. Em dois lances, mostrou que chegara pra ser ídolo. No

primeiro, aplicou um lindo chapéu em Pelé. Depois, passou a

perna em Jairzinho, o Furacão da Copa, cobrou uma falta quando

o jogo insistia no 0 a 0 e marcou um golaço. Nos dois lances,

quando foi enquadrado pelos craques consagrados, a despeito de

tomarem satisfação pelos atos impensados daquele menino de 20

anos que acabara de entrar no time, mandou-lhes dois sonoros

“vai tomar no cú”.

A Bruxa era apenas mais uma jovem promessa, que acabara

de chegar ao Rio, desconhecida, mas que mesmo assim tivera a

coragem de mandar os dois maiores jogadores do tricampeonato

mundial de 1970 “praquele lugar”.

O Bailarino amava o futebol desprovido

de regras. “Dizem por aí que o

futebol que se joga bonito não ganha

jogo. Agora só armam os times pelo resultado,

pra ganhar a qualquer custo.

Tudo balela”.

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Voltando ao presente, essa semana, na pelada de quinta

com os amigos, estava eu jogando na lateral – longe da genialidade

de Marinho, mas compensando pelo esforço de ajudar minha

equipe – e eis que, no final da partida, nosso zagueiro comete a

audácia de abandonar o campo aos berros, reclamando de todos.

Já que é assim, se Marinho teve o arrojo, num jogo só, de mandar

o Rei e o Furacão da Copa “tomarem vergonha”, por que eu não

posso mandar esse zagueiro também?

Então tá! Vai tomar no chucrute, Jajá!

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os carinhos,

os afagos e

as carícias

Há de todos os tipos e tamanhos que você possa imaginar.

Galeano escreveu já foi de couro sintética e oval pesada

e leve.

Flutua!

Antigamente era sépia. Ganhou preto depois branco

curvas desenhos cores. Muitas cores!

Acho feio e de muito mal gosto. Tem vermelha azul

amarela com detalhes verdes. Algumas viram relíquias com

assinaturas autógrafos.

Figuras geométricas. Não curto matemática por isso talvez

escolhi humanas.

Tem até verde limão laranja Tang de tangerina. Pro frio

tem neve. Na neve ajuda.

Tem a dente-de-leite da brincadeira de rua onde fui o

melhor de todos.

Eu era o dono!

Tem apelido. Pelota esfera cafuza pimba na gorduchinha!

De todas as formas formatos. Da cor que for do arco

íris. Nos pés dos maiores artistas dos campos. Aos pontapés e

patadas. Carinhos afagos e carícias.

À ela toda minha reverência. Palmas para a bela do baile

ela só ela a bola!

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as cornetas

Poucos são os treinadores no Brasil capazes de fazer silenciar

as cornetas da torcida. Palavras do apresentador da TV

Cultura e ótimo escritor Vladir Lemos, o amigo do Bailarino

barbudo. De fato, no futebol brasileiro atual é possível contar

nos dedos os treinadores que conseguem tal proeza futebolística.

Chegar a esse ponto de confiança não é tarefa fácil, sobretudo

pelas ingratidões que a profissão treinador de futebol

reserva para quem se arrisca nela. Ser técnico no Brasil, principalmente,

é dormir casado e acordar viúvo sem a morte da

esposa anunciada ou sair pra dançar e não ter música na boate.

Basta um gol perdido para ser eleito como o culpado da noite.

Uma surpresa atrás da outra.

Principalmente depois das modernidades acusadas pelo

7 a 1 da Alemanha em 2014. A configuração atual do futebol

canarinho põe frente a frente uma geração de velhos treinadores,

renomados, premiados, e sem espaço, com novos treinadores,

jovens, organizados, estudiosos, observadores, criativos e

com novas e modernas concepções de jogo

É uma espécie de "Apartheid do banco de reservas". De

um lado um pequeno grupo de clubes que ainda valorizam

velhos nomes, sobreviventes dessa ventania de agosto, como

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Abel Braga, Renato Gaúcho, Celso Roth, Cuca, Paulo Autuori

e até mesmo Geninho, ex-ABC. Do outro, o grupo dominante

de clubes que apostam nas novas ideias, na criatividade, nos estudos

exaustivos dos adversários e no poder de observação da

nova geração, que tem figuras como Fábio Carille, Zé Ricardo,

Jair Ventura e Roger Machado.

Um dos sobreviventes é o mais novo ídolo da torcida

brasileira. Tite foi um dos que conseguiu vencer na carreira,

deixando de lado as feridas do passado. Aliou o estudo às suas

imensas qualidades interpessoais e se tornou o treinador unanimidade

do torcedor brasileiro. Senti esse poder de convencimento

e imposição de respeito quando participei da sua coletiva

de imprensa em Natal, após mais uma vitória da seleção

nas Eliminatórias da Copa da Rússia 2018. Era praticamente

impossível se opor ou contestar qualquer que fossem suas palavras.

Outros que conseguem ainda destaque nesse contexto

são os treinadores Cuca, campeão brasileiro de 2016, pelo Palmeiras,

e Geninho, em escala inferior, que comandou o ABC

nas temporadas 2016-2017. É incrível como os dois conquistaram

o respeito de suas torcidas. Eles não são imunes às criticas,

mas convivem muito bem com seus erros e acima de tudo,

conseguem imunidade no cargo, independente de vitórias,

empates ou qualquer sequência negativa, de derrotas.

Suas posições privilegiadas, com justiça e merecimento,

perante seus torcedores fazem que os dirigentes, a grande

maioria movida pela emoção e a paixão pelo futebol, e pouco

resistentes à pressões externas das torcidas e de seus muitos

conselheiros em assuntos futebolísticos, a no mínimo pensarem

duas, três vezes, antes de tomar a decisão de mudar o comando

fora das quatro linhas.

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O Bailarino de barba malfeita, na

terceira saideira da noite, diria que

nem o jabá ou o jabazinho, o "faz-me

rir", assim definido pelo publicitário e

entusiasta de nascença, Rafael Medeiros,

e famoso nas denúncias de Marconi

Barretto, fundador do Globo, tem poder

para derrubá-los de seus tronos. O Bailarino

nunca quis ser treinador. Achava

que não esquentaria banco quando

algum diretor meia-boca tentasse interferir

nas suas convicções.

Maquiavel disse que "às vezes, a aparência impressiona

mais que a realidade". Pode até ser. Mas, nesse caso não podemos

negar que aparentemente eles são merecedores do poder

que conquistaram. E isso vale muito. É admirável. Afinal, a primeira

aparência quase sempre é a que fica e, querendo ou não,

a realidade é que todos eles são capazes de fazer silenciar as

cornetas de suas torcidas.

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a idolatria

Dentro do escudo, cinco estrelas históricas e centenárias

formando quase uma constelação de glórias. Fora, exatamente

acima, onde se bordam as maiores conquistas, uma estrela brilhante

que orgulha um povo aclamado por Câmara Cascudo.

Na arquibancada, na camisa e no manto. No corpo, na

cabeça e na veia. No sangue, no peito ou no coração. Seja onde

for, é sempre motivo de veneração. Representa idolatria, amor

e adoração.

Paixão que sai do estádio e entra pela porta da frente

de casa. De segunda à sexta-feira, sem pausa. Muito mais dos

finais de semana, feriados e imprensados. A cada drible, uma

exaltação. A cada gol, um motivo pra amar. Sob sol ou sob

chuva nas arquibancadas. A cada ano, mais um pretexto. E já

são 102 razões absolutas e incontestáveis.

Dos idos tempos passados, do distintivo circular, com

três letras iniciais do alfabeto, à criação da faixa diagonal e à

inclusão das estrelas no céu negro, porém nobre. Do grito ensurdecedor

da torcida, que faz arrepiar. Dos cantos e cânticos

de adoração. “Mesmo que a bola não entre, que a torcida se

cale e que o manto desbote. Mesmo que a vitória esteja longe

e a caminhada seja dura e longa. Serei sempre você”.

Das várias paixões, glórias e conquistas. Do recorde de

títulos. Das multidões. Das excursões mundo à fora ostentan-

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do nosso escudo e nossas estrelas no peito. Do povão cantando

nosso hino em vozes altas e trêmulas de emoção e alegria. Do

eco dos gols. Da bola de prata. Do louro de cabelos esvoaçantes

e do menino magrelo agradecendo aos céus.

Desde o campo da Vila Cincinato, em frente à residência

do governador Ferreira Chaves, passando pelo Morro Branco,

Juvenal e Castelão, outrora Machadão. Do Machadinho, DED,

Palácio, para a Ponta Negra, nas belas dunas, que maravilha. É

o nosso estádio!

Quem imaginara, antes da cidade pequena, pacata e

provinciana. Eram apenas 27 mil natalenses por aqui. Hoje

da Grande Natal, do elefante geográfico, além-fronteiras. Dos

milhares e milhares de agora espalhados por todo o Brasil.

Do povo, das multidões, o mais querido do orgulho

potiguar transcrito na letra de Dozinho. Do grande Rei do

Foot-ball, como escreveu o poeta Deolindo Lima há mais de

um século. É a vida de muitos corações espalhados nessa terra

de Felipe Camarão. Com sua arte, faz até branco, amarelo, moreno,

nêgo, cafuzo ou mameluco dançar xaxado. Igual Lampião,

mas longe das brenhas de Mossoró.

O fenômeno de Lili, João Emilio, Batalha, Borges, Cabral,

Paraguay, Freire, Bigois, Moacyr, Mandú, Nóbrega e Mousinho.

De Jorginho, Danilo, Alberi e Morais. Dos Marinhos,

Marquinhos, Sérgios, Leonardos e Reinaldos. Dos velhos e

jovens, muitos jovens. Dos muitos Josés, Severinos, Antonios,

Franciscos e Joões nos quatro cantos da cidade. Da Redinha à

Ponta Negra. Cruzando à BR de norte a sul.

O Bailarino de Barba malfeita definiria

seu amor com poesia. É um sím-

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bolo de brasilidade. Não é só um time, é

um estado de espírito. Parece que Deus

deu uma paradinha lá na Ponta Negra.

Certamente, se estivesse aqui conosco,

ele diria que é impossível virar a casaca.

Porque esse amor é daqueles que se renova. De pai pra

filho, não é a toa não. Na arquibancada, na camisa e no manto.

No corpo, na cabeça e na veia. No sangue, no peito ou no

coração. É sempre motivo de veneração. Representa idolatria,

amor e adoração. Paixão que sai do estádio e entra pela porta

da frente de casa. De segunda à sexta-feira, sem pausa. Muito

mais dos finais de semana, feriados e imprensados. A cada drible,

uma exaltação. A cada gol, um motivo pra amar. A cada

ano, mais um pretexto. E já são 102 razões absolutas e incontestáveis.

Ao ABC Futebol Clube, o grande Rei do Foot-ball, o Clube

do Povo, Campeão das Multidões, o Mais Querido, nesse

dia 29 de junho de 2017, parabéns pelos seus 102 anos de história,

conquistas e glórias.

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o alecrim

“A natureza é o Verdão, o resto é poluição”! A frase de

idolatria exacerbada foi encontrada perdida no passado, numa

faixa exposta na arquibancada superior do finado estádio Machadão.

Era 1986, época em que o Alecrim ainda era lembrado

como sinônimo de vitória no Rio Grande do Norte.

Anos que ficaram esquecidos na memória do torcedor

potiguar. Foram dois anos mágicos. Lembro que naquela época,

anos 80, o baixinho Odilon, Curió e Didi Duarte davam as

cartas. Na verdade, o Alecrim tinha um grande time. Era uma

equipe mesclada de jogadores experientes com novos valores.

O Alecrim tinha um timaço formado pelos irmãos Tarcísio

e Flavio Ribeiro, que eram diretores de futebol. Os irmãos

Ribeiro eram do ABC, onde ganharam títulos e, depois

de uma discordância, resolveram investir no time verde.

Uma das formações de 85 tinha Cézar Cabeção, o Echeverria,

na lateral direita Saraiva, Lucio Sabiá, De Leon e Soares

Bulau na lateral esquerda. O meio campo era Carlos Alberto

de Alagoas, Didi Duarte, Edmo, Curisco Curió e Odilon. Na

frente Freitas (Nascimento, hoje treinador), centroavante rompedor

e Djalminha batendo uma bola federal na esquerda. O

time era tão invocado que Baíca, jovem recém-saído dos juniores,

era banco.

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Os jogos nos anos 80 tinham bons públicos. Por baixo

10 mil pessoas. E o Verdão tinha uma torcida fiel e numerosa.

Loucos e apaixonados. Não se limitava a Normando e Pastel.

O Alecrim tinha a FERA - os Fiéis Esmeraldinos Radicais. Faziam

muito barulho!

Foram os dois últimos títulos do clube. Bicampeão Potiguar

nos anos de 1985 e 1986. O time era bom. Ferdinando

Teixeira, Betinho, Pedrinho Albuquerque, Roberto Vital, João

Butica e Claudinho formavam a comissão técnica vencedora.

As jogadas mortais começavam geralmente com Didi, que passava

para Odilon e em seguida pra Curió, que por sua vez cruzava

na grande área, cenário de chacinas de Eduardo Galeano,

onde sempre havia um matador a postos para fuzilar as redes

adversárias e correr para a festa.

Ponta Negra àquela época ainda era uma viagem. Já existia

o conjunto, mas era muito distante. Só havia uma estrada

de calçamento de paralelepípedos. Todo burburinho noturno

era feito nas Praias dos Artistas e do Meio. Lembro-me que a

festa do bi ocorreu num restaurante da Praia do Meio. Contamos

muitas histórias, algumas que não posso te dizer agora.

Na semana de aniversário de 102 anos do Alecrim, não

há praticamente nada a celebrar. Há sim sofrimento e lamentação

pela situação atual, rebaixado à Segunda Divisão do futebol

potiguar. Mas como disse o escritor Mário Gonçalves

Viana, "se não houvesse sofrimento, o homem não sentiria a

maravilhosa sensação da felicidade".

A mensagem do Bailarino esguio e

de pés pequenos é clara e objetiva. A vitória

não é o mais importante, porque

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ela não nos ensina. Ela nos emburrece.

É perdendo que avaliamos quem somos,

o que somos e o que pretendemos ser.

Não depende de como o Alecrim caiu,

mas de como ele vai se levantar e se recuperar.

Para que o sentimento de amor pelo Alecrim continue

nutrindo os corações de muitos outros potiguares. Para manter

viva a história de um clube que nasceu para remar contra a

maré das injustiças. Para voltar a ser o clube vencedor dos anos

80, descritos nos relatos acima, o Alecrim necessita não apenas

de mudança, evolução e renovação, o Alecrim Futebol Clube

precisa, urgentemente, se reinventar.

*Essa crônica foi escrita baseada em relatos e memórias

de torcedores, desportistas e jornalistas sobre os últimos

títulos do Alecrim, nos anos de 1985 e 1986. Contribuíram:

Daniel Medeiros, Kolberg Luna, Ricardo Silva, Walfran Valentim,

Marcos Aurélio André e Chico Inácio.

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o desfile

de craques

Me chama atenção a ausência do Real Madrid nos noticiários

que tratam das transferências na janela do futebol europeu.

O mercado do futebol ficou frenético nos últimos meses,

com negociações que envolveram valores nunca antes vistos.

Pra exemplificar, basta citar a badalada chegada de Neymar ao

PSG por R$ 821,6 milhões, a contratação mais cara da história

do futebol.

O fato é que o Real de Zinédine Zidane não participou

desse turbilhão de euros envolvidos nas principais transferências

do futebol do Velho Continente. Para a atual temporada,

chegaram apenas dois reforços, o lateral-esquerdo Theo Hernández,

vindo do Atlético de Madrid, e o meia Dani Ceballos,

do Bétis.

Pouco o quase nada para um clube que tem Florentino

Perez como presidente e como histórico várias das grandes e

badaladas contratações da história do futebol mundial. Aliás,

o Real nunca teve medo de gastar dinheiro. Quem não se lembra

de Anelka, Kaká, Xabi Alonso, David Beckham, Luis Figo,

Sergio Ramos, Ronaldo Fenômeno, Bale, Cristiano Ronaldo

e o próprio Zidane. Todos anunciados como grandes reforços

de um clube que já foi de Galáticos e super estrelas.

Hoje, como treinador, Zidane tem grandes craques ao

seu dispor. Qualquer clube do mundo sonha em ter jogado-

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res como o brasileiro Marcelo, os espanhóis Sérgio Ramos,

Asensio e Isco, o alemão Tony Kross, o galês Gareth Bale e o

português Cristiano Ronaldo. Mas, o fato é que nenhum deles

chegou agora ao clube.

O time Merengue possui o equilíbrio necessário que

todo treinador sonha. Além de não precisar contratar, o Real

se deu ao luxo de moldar seu elenco. Nomes importantes nas

últimas temporadas acabaram deixando o clube em 2017, casos

de Pepe, James Rodríguez, Álvaro Morata e Danilo.

Sem Cristiano Ronaldo no início do Campeonato Espanhol,

suspenso por seis jogos, Zidane tem opções. Largou

o 4-3-3, com suas duas principais estrelas - Cristiano Ronaldo

e Gareth Bale – e mandou o time à campo no 4-2-3-1, com

Marcelo na ponta esquerda, Asensio em grande fase, e o pouco

badalado, mas eficiente, Lucas Vazquez, atuando pelo lado

direito. E mais, o treinador optou por deixar Bale e Casemiro

no banco de reservas. Aliás, o meio-campo do Real é quase

uma constelação. Se Casemiro e Modric saem do time titular,

Zidane não tem a mínima dor de cabeça para repô-los. Ele tem

Kross, Kovasic e Llorente. Basta escolher.

Repito, sempre que tomava seus

porres loucos, o Bailarino de barba se

tornava mais poeta. Certo dia escalou

um time inteiro de ídolos. Era o time

do circo: o ataque tinha Platão e Karl

Marx nas pontas, com livros grandes e

pesados debaixo dos braços, e na frente

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Pelé tinha malabares coloridos e Maradona

não cansava de dar mortais no

trapézio. Zizou teria ciúmes desse elenco

de craques.

Enfim, se vai repetir o desempenho da temporada passada,

quando se sagrou campeão espanhol, bicampeão europeu

e campeão mundial, não é possível afirmar. Mas tenho uma

certeza. Contratando ou não, inflacionando ou não o mercado,

quem sai ganhando somos nós, loucos e apaixonados por

futebol.

O desfile de craques começou. Neymar, Cavani e

Mbappé no PSG, Dambelé, Suarez e Messi no Barça, e o equilíbrio

sensacional do Real de Sérgio Ramos, Marcelo, Asensio,

Isco, Bale e Cristiano Ronaldo e companhia. Que venham os

espetáculos!

*Crônica escrita no início da temporada 2017-2018 do futebol

europeu.

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o bananão

O noticiário esportivo desta semana poderia muito bem

estar presente nas editorias de fofoca. Foi no clássico entre

Paris Saint-Germain – PSG x Lyon. Primeiro Neymar discutiu

com Cavani sobre a preferência da cobrança de uma falta.

Dani Alves entrou no meio do entrevero e roubou a bola das

mãos de Cavani para, em seguida, entregá-la ao amigo brasileiro.

Depois, mais uma arranca-rabo, desta feita para definir

quem cobraria um penal. O uruguaio ganhou a discussão e,

acreditem, perdeu o pênalti.

Após a partida e durante a semana, a polêmica foi ganhando

contornos de novela. A imprensa noticiou também

que a discussão continuou quente no vestiário e o jornal francês

L’Equipe revelou que um suposto bônus salarial a Cavani,

de quase R$ 4 milhões, pela artilharia do Campeonato Francês,

seria o motivo da briga. Depois, o zagueiro Thiago Silva

serviu de intérprete para Neymar, que se disse arrependido de

sua atitude nos vestiários, e pediu desculpas ao elenco.

Porém, por mais absurda e infantil que seja a polêmica,

o que mais me chama atenção é a omissão do treinador Unai

Emery quando indagado sobre o caso. “Eu disse para eles combinarem

entre eles. Acredito que os dois são capazes de cobrar

e vamos fazer com que os dois sejam cobradores de pênaltis.

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Se eles não chegarem num acordo entre eles, vou intervir”, disse

Emery após o jogo.

E se já não bastasse retirar “o seu da reta” no início da

polêmica, o espanhol manteve o discurso em cima do muro,

mesmo diante das críticas, durante a semana. Para ele, os dois

jogadores serão os batedores, não deixando claro quem será o

primeiro batedor, nem se haverá uma prioridade para um ou

os dois se alternarão a cada jogo.

Sem dúvida, a birra respingou com força no treinador.

Muricy Ramalho, treinador respeitado no Brasil, questionou

ao vivo na televisão, com propriedade, a liderança exercida

pelo treinador. Muricy chamou Emery de “bananão”.

O Bailarino, o sujeito mais louco

que conheci na minha vida, sempre foi

democrático e justo. “O cobrador oficial

seria decidido em votação. Todos, absolutamente

todos, teriam direito à voto.

Do roupeiro ao artilheiro. O mais votado

seria o cobrador oficial de pênaltis”.

De fato, definir cobrador de faltas, escanteios e pênaltis

são decisões básicas das preleções e palestras que acontecem

antes dos jogos. É um assunto interno, que deve ser solucionado

de maneiras simples, sem holofotes, seja por imposição do

treinador, baseado em análises e dados ou por voto. Deixar a

bola dividida entre Neymar e Cavani é um risco alto. É, com

certeza, combustível para mais controvérsia.

O contrato de Unai Emery com o PSG expira no final

do ano e a renovação para 2018 vai depender muito do de-

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sempenho do time francês na Liga dos Campeões e da sua

capacidade de liderar e lidar com questões como essa. Aliás,

num elenco repleto de estrelas e egos, como o do PSG, a corda

tende sempre a romper do lado mais fraco.

Neymar, Dani e Cavani também receberam muitas críticas

negativas, mas quem mais saiu perdendo nessa história,

sem dúvida, foi o treinador.

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o monstro

Essa semana acordei com os comentários do ex-jogador,

hoje comentarista esportivo, Casagrande, sobre Neymar ser

antipático, individual, mimado e mais um punhado de adjetivos

negativos. Na sua fala, Casagrande afirma que “estamos

criando um monstro, ao invés de corrigir o monstro para ele

virar gênio”, como se Neymar tivesse externado em algum momento

que almejava ser um.

Tostão, em “A Perfeição não existe”, escreveu que “o perfil

ideal de um atleta seria o que associasse talento com garra, que

fosse emotivo sem perder o controle de suas emoções, guerreiro

e tranquilo, disciplinado e ousado, ambicioso, sem esquecer

que o conjunto e a união são fundamentais no sucesso de um

time”. Logo em seguida, ironicamente, complementou “evidentemente,

esse super-homem não existe”.

Ele não existe porque ninguém é perfeito em sua plenitude.

Talvez faltem algumas qualidades pessoais em Neymar.

Mas o ser-humano é único. Ninguém é perfeito. Nem os gênios.

Eu tenho minhas limitações e qualidades. Neymar (e

Casagrande) também. Nem os gêmeos são iguais em todos

os sentidos. Cada um reage e tem impulsos a sua maneira. Se

Neymar responde às críticas na bola ou nos microfones, não

importa. Ele é assim. E não é Casagrande ou você que vai fazer

mudá-lo.

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Neymar é talentoso, guerreiro, ousado e ambicioso.

Suas características já o fazem, atualmente, um dos melhores

do mundo. Outros jogadores, não mais (ou menos) qualificados,

aliam outras qualidades. Messi é tranquilo e disciplinado.

Cristiano Ronaldo é determinado, focado e ambicioso. Em comum,

os três carregam consigo o talento natural. São três fabulosos

craques. São os melhores, mesmo com suas qualidades

e deficiências. Não precisam ser comparados entre si para tal.

O Bailarino seria taxativo sobre o

assunto. “Pergunte a dez dos melhores

treinadores do mundo se gostariam de

ter Neymar em campo e todos, sem dúvidas,

dirão que sim. Ele é ousado e ambicioso,

como os vencedores devem ser”.

Todo grande time precisa de alguém como ele. Rápido,

inteligente, habilidoso e ambicioso. Afinal de contas, apesar

do futebol coletivo jogado nos últimos anos, a qualidade individual

ainda é extremamente importante para definir as vitórias.

Alguns argumentam que existem aqueles jogadores

que dão show e aqueles que ganham Copas do Mundo. Eu

diria que, no dia que isso virar regra, voltamos a discutir. Caso

contrário, continuo apostando, admirando e acreditando nos

shows de Neymar.

Afinal, talvez Casão tenha um pouco de razão. Neymar é

mesmo um monstro: um “monstro fazedor de gols”.

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a amiga invejosa

Vamos falar de Copa do Mundo. “Todas as novelas radiofônicas

de época – quando o rádio ainda era o principal meio

de comunicação de massa – tinham sempre uma prima ou

uma amiga invejosa, que desejava a qualquer preço a beleza,

a riqueza ou o amado da heroína”. Palavras catadas do livro

“Também se fala com os pés”, de Mauricio Pandolphi, num

feriado de quinta com cara de domingo.

Mas o que isso tem a ver com a Copa?! Você deve estar

se perguntando nesse momento. Simples, direto ao ponto.

Quero falar sobre a amiga invejosa, que não tira o 7 a 1, do

Mineirão de 2014, da memória. “Já vou logo avisando, pra não

reclamarem depois. Eu nunca torci contra o Brasil, mas esse

ano eu sou Alemanha e não abro”, diz a amiga amargurada.

Nesse caso, a amiga invejosa não cobiça o amado da heroína,

mas sim a beleza do futebol canarinho. Aquele mesmo,

cheio de cores, alegria e musicalidade. Aquele, cinco vezes

campeão do mundo. Ela não confessa abertamente, mas tem

muita inveja do nosso quarteto ofensivo. Ela até discutiu com

outra amiga por conta do cabelo de Neymar. “Coutinho, Wiliam

e Jesus tudo bem, mas aquele menino mimado por papai

com cabelo postiço, eu não engulo”.

O caso é tão sério que a moça tirou a semana para criticar

nosso treinador. Chega a ser chato. Olha lá, como assim?

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Seu Adenor, nosso Tite, é um gentleman, um exemplo de homem.

Educado, inteligente, coerente e vencedor. A amiga invejosa

agora deu para cismar com a aparência de Tite. “Futebol

é cabelo suado, assanhado, estilo Valderrama. Esse treinador

de terno e gravata, que fala bonito, de sapato italiano e cabelo

arrumadinho com gel não dá vencimento”.

Dias atrás quem partiu para briga com ela fui eu. A moça

passou dos limites. Quis pisar, como pano de chão, na bandeira

do Brasil que o amigo otimista trouxe de casa para decorar

sua mesa de trabalho. Intervi prontamente diante de tamanha

falta de respeito ao nosso símbolo nacional.

E para completar, ontem, a amiga invejosa disparou essa

pérola no Facebook: “Melhor um Maradona dopado que um

Pelé vendido. Sou alemã, mas se for pra torcer contra o Brasil,

visto até a camisa da Argentina”. Se bem que prefiro vê-la de

azul celeste, torcendo para o time do Messi, do que aturar suas

postagens e compartilhamentos em apoio a Bolsonaro para

presidente.

O Bailarino, com a taça da Copa

nos seus pensamentos, sentiria muita

vergonha de um ser assim. “Chorei pela

ausência de muitos ídolos, Che, Lenon,

mas gente assim, me faz chorar pela sua

presença. Inveja mata”.

Dia 17 de junho, quatro anos após a maior derrota em

Copas – indiscutivelmente em números – a seleção brasileira

dá início a mais uma caminhada, em busca do hexa. Dizem

que as derrotas nos ensinam. E se eu tenho uma certeza, é que

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nossa seleção atual aprendeu – em campo – e chega à Copa do

Mundo com uma equipe muito forte e competitiva. E, mesmo

com a torcida negativa da amiga invejosa e com a descrença de

parte da torcida brasileira, cansada e sofrida com tanta corrupção

– inclusive no mundo da bola – a turma do seu Adenor

vai para campo sim, com grandes chances de voltar da Rússia

com o grito de campeão que está, há 16 anos, preso em nossas

gargantas.

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a copa do mundo

Vamos falar de Copa do Mundo. “Todas as novelas radiofônicas

de época – quando o rádio ainda era o principal meio

de comunicação de massa – tinham sempre uma prima ou

uma amiga invejosa, que desejava a qualquer preço a beleza,

a riqueza ou o amado da heroína”. Palavras catadas do livro

“Também se fala com os pés”, de Mauricio Pandolphi, num

feriado de quinta com cara de domingo.

Mas o que isso tem a ver com a Copa?! Você deve estar

se perguntando nesse momento. Simples, direto ao ponto.

Quero falar sobre a amiga invejosa, que não tira o 7 a 1, do

Mineirão de 2014, da memória. “Já vou logo avisando, pra não

reclamarem depois. Eu nunca torci contra o Brasil, mas esse

ano eu sou Alemanha e não abro”, diz a amiga amargurada.

Nesse caso, a amiga invejosa não cobiça o amado da heroína,

mas sim a beleza do futebol canarinho. Aquele mesmo,

cheio de cores, alegria e musicalidade. Aquele, cinco vezes

campeão do mundo. Ela não confessa abertamente, mas tem

muita inveja do nosso quarteto ofensivo. Ela até discutiu com

outra amiga por conta do cabelo de Neymar. “Coutinho, Wiliam

e Jesus tudo bem, mas aquele menino mimado por papai

com cabelo postiço, eu não engulo”.

O caso é tão sério que a moça tirou a semana para criticar

nosso treinador. Chega a ser chato. Olha lá, como assim?

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Seu Adenor, nosso Tite, é um gentleman, um exemplo de homem.

Educado, inteligente, coerente e vencedor. A amiga invejosa

agora deu para cismar com a aparência de Tite. “Futebol

é cabelo suado, assanhado, estilo Valderrama. Esse treinador

de terno e gravata, que fala bonito, de sapato italiano e cabelo

arrumadinho com gel não dá vencimento”.

Dias atrás quem partiu para briga com ela fui eu. A moça

passou dos limites. Quis pisar, como pano de chão, na bandeira

do Brasil que o amigo otimista trouxe de casa para decorar

sua mesa de trabalho. Intervi prontamente diante de tamanha

falta de respeito ao nosso símbolo nacional.

E para completar, ontem, a amiga invejosa disparou essa

pérola no Facebook: “Melhor um Maradona dopado que um

Pelé vendido. Sou alemã, mas se for pra torcer contra o Brasil,

visto até a camisa da Argentina”. Se bem que prefiro vê-la de

azul celeste, torcendo para o time do Messi, do que aturar suas

postagens e compartilhamentos em apoio a Bolsonaro para

presidente.

O Bailarino, com a taça da Copa

nos seus pensamentos, sentiria muita

vergonha de um ser assim. “Chorei pela

ausência de muitos ídolos, Che, Lenon,

mas gente assim, me faz chorar pela sua

presença. Inveja mata”.

Dia 17 de junho, quatro anos após a maior derrota em

Copas – indiscutivelmente em números – a seleção brasileira

dá início a mais uma caminhada, em busca do hexa. Dizem

que as derrotas nos ensinam. E se eu tenho uma certeza, é que

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nossa seleção atual aprendeu – em campo – e chega à Copa do

Mundo com uma equipe muito forte e competitiva. E, mesmo

com a torcida negativa da amiga invejosa e com a descrença de

parte da torcida brasileira, cansada e sofrida com tanta corrupção

– inclusive no mundo da bola – a turma do seu Adenor

vai para campo sim, com grandes chances de voltar da Rússia

com o grito de campeão que está, há 16 anos, preso em nossas

gargantas.

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a argentina

Messi abraçado com um companheiro e de braços abertos

agradecendo a Deus. Azul, anil, branco, a cor da camisa é o

que menos importa. Messi passando por um, dois, três, quatro

marcadores. Bola colada no pé. Uma arrancada impressionante,

um passe extraordinário. Percebam, ele não fez gol.

Os lances narrados no trecho anterior revelam a qualidade

(inquestionável) de Lionel Messi. São reais, estão espalhados

pela rede, como água no oceano. Aliás, fiz questão de

frisar, com parênteses, a palavra “inquestionável”. Não porque

eu deseje duvidar do talento do craque, mas sim por tudo que

os seus compatriotas têm falado sobre ele.

Um amigo, morando há alguns meses em Buenos Aires,

tem observado a reação dos hermanos com relação ao

meia-atacante argentino desde antes do início da Copa do

Mundo da Rússia 2018. O discurso é cruel. Dizem por lá que,

se Messi não trouxer a taça do mundo para casa, nunca mais

deverá sequer pisar em solo argentino.

Mas será que a culpa pela péssima campanha da seleção

de Sampaoli até aqui (um empate e uma derrota) é de Messi

mesmo? Assim como a seleção brasileira, de Felipão, campeã

mundial em 2002, a Argentina desacreditada poderia até superar

os problemas para sagrar-se vencedora, mas se no fim a

história for escrita diferente, defendo que a culpa não será de

Messi.

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Não será porque essa seleção não é uma equipe. Nem

dentro, nem fora de campo. Sampaoli passa longe do trabalho

exercido com a seleção chilena nas últimas duas Copas América.

Fora de campo, já rolou até discussão entre os jogadores.

Fala-se que existe um grupo de intocáveis formado por Agüero,

Messi, Mascherano, Di María, Romero, Higuaín e Biglia.

Medalhões que Sampaoli precisa pensar mil vezes antes de

contrariar até mesmo em detalhes.

Tostão, inclusive, opinou (e deixou no ar) sobre isso em

sua coluna de domingo. “Caindo na real, acho que a dificuldade

de Messi é a de jogar num time totalmente bagunçado e

ao lado de poucos jogadores de alto nível, ao contrário do que

dizem. O problema da Argentina não é só coletivo”.

O Bailarino de barba cerrada dessa

vez concorda comigo e reconhece a importância

do craque. “A pressão é enorme.

A sombra de Maradona na arquibancada,

o desempenho de Cristiano

Ronaldo sempre um dia antes, o fato de

ser acusado de ser mais espanhol do que

argentino, os pênaltis decisivos perdidos.

Mas ele é Messi, é craque. Na frente

dele os marcadores se sentem menores,

pequenos, incapazes e impotentes. Ele é

muito importante”.

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Não há o que comemorar em ver um dos grandes craques

da história de cabeça baixa, triste, destroçado e com vergonha.

Sou brasileiro e torço pelo título canarinho, mas torço

também pelo bom futebol. Torço por grandes jogos e espetáculos.

Pela história sendo feita. E Messi, mais até do que a sua

seleção, merece escrever mais capítulos nessa Copa, além de

uma pífia eliminação na primeira fase.

Ainda resta um jogo – contra a Nigéria – e mesmo em

crise, ainda há chance de classificação. Além de decisivo, está

claro o quanto Messi também é essencial e desempenha papel

tático importante quando joga. O torcedor argentino deveria,

em lugar de vaiar, reverenciar esse monstro da bola. Mesmo

sem ter jogado bem, nem ter feito gol, ele é o melhor. Afinal de

contas, sem Messi, a Argentina nem estaria na Copa do Mundo

2018!

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os ídolos

Esta semana, lendo o livro “Anos 40: viagem à década

sem Copa”, do jornalista Roberto Sander, descobri em quem o

Rei Pelé buscou inspiração para ser o maior jogador de futebol

de todos os tempos. Quando criança e adolescente em Três

Corações e, mais tarde em Bauru, tinha como ídolo Zizinho,

ex-atacante do Flamengo e da seleção brasileira, eleito o melhor

jogador da Copa de 1950, ano em que o Rei completava

dez anos de idade.

Pois é, ídolo também tem ídolo. Creio que uma das poucas

exceções foi Garrincha. Aquele era incrivelmente diferente.

Vestir a camisa do time da fábrica de tecidos de Pau Grande,

onde nasceu, do Botafogo ou da seleção não era mais que obrigação.

O que ele queria era jogar pelada, disse Ney Castro, autor

da biografia do jogador. O que ele queria mesmo era passar

por todos os marcadores que aparecessem na sua frente. Não

torcia para nenhum time, muito menos tinha ídolo.

Mas voltando ao Rei, há de se destacar que seu reinado

nas décadas de 60/70 serviu de inspiração para muitos jovens

jogadores. Exemplo claro da representação de Pelé para o futebol

é que o Doutor Sócrates, ídolo do Corinthians, declarou

com todas as letras que era torcedor do Santos devido ao escrete

vencedor, comandado por Pelé, que possuía o Peixe nos

anos 70.

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Passeando pela linha do tempo, falamos de Zico. O ídolo

do futuro ídolo da nação rubro-negra era um nordestino

chamado Dida, que atuou pelo Flamengo anos antes que o

Galinho. Ainda em Quintino, Zico tentava imitar um camisa

10 que saiu do CSA de Alagoas e brilhou na década de 50.

E se Zico teve em que se espelhar, o que dizer dos craques

a quem ele serviu de espelho?! E que baita espelho. Um

espelho mágico. Dois grandes atacantes que marcaram seus

nomes na história das Copas nos anos 90 e 2000 – Bebeto e

Ronaldo Fenômeno – apontaram Zico como referência maior

no futebol.

Com a virada do século, o futebol também parece ter

virado de ponta a cabeça. Os ídolos dos ídolos não são mais os

ídolos dos nossos ídolos. Ronaldinho Gaúcho é uma espécie

de arremedo de Garrincha. Certa vez, ao ficar de fora da lista

de convocados para a Copa de 2010, afirmou que não iria ver

os jogos, tinha coisa melhor pra fazer. Sobre ter ídolo, o craque

disse: “meu maior ídolo é o meu irmão – Assis. Ele é um exemplo

de pai, de irmão e de jogador”.

Sempre que tomava seus porres loucos,

o Bailarino de barba e de chuteiras

se tornava mais poeta. Certo dia escalou

um time inteiro de ídolos. Era o

time do circo: o ataque tinha Platão e

Karl Marx nas pontas, com livros grandes

e pesados debaixo dos braços, e na

frente Pelé tinha malabares coloridos e

Maradona não cansava de dar mortais

no trapézio.

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Por fim, chegamos a última geração de craques. O maior

do Brasil no momento é Neymar. Em entrevista recente, ele

afirmou se espelhar nos ex-jogadores Romário e Ronaldo.

Alguns meses depois apontou Rivaldo como inspiração. Depois

citou Ronaldinho Gaúcho, Paulista, Paranaense, Carioca,

Goiano, Mineiro, Baiano, Cearense, Capixaba, Paraense…

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os plebiscitos

Karol me contou. Alguém, ao término da partida entre

Alemanha e Itália, pelas oitavas de final da Eurocopa, sussurrou

que não entendia o motivo pelo qual os alemães ganharam

dos italianos. Na sua opinião, a Itália era melhor. De pronto,

brutal, à maneira Boechatiana, outro camarada atento respondeu.

“É por isso que tem jogo né?! Se fosse pra decidir pela sua

opinião, era feito um plebiscito”.

Tenho minhas ressalvas sobre o caso narrado acima. Assisti

ao jogo, torci pela Itália, mas não a considero superior a

Alemanha de Neuer, Schweinsteiger e Müller. É como definiu

brilhantemente o meio-campista italiano Alessandro Florenzi.

“Enfrentar a seleção alemã é como escalar o Everest, subir a

montanha mais alta do planeta, para fazer história”.

Aliás, aproveitando o ensejo, o fato é que boa parte das

disputas no futebol do velho continente, principalmente entre

seleções, prevalece o equilíbrio. Comparo o futebol europeu

ao carnaval nesses belos trópicos latinos. Está mudando,

mas historicamente o padrão de jogo latino é o nosso carnaval

das ladeiras das ruas coloridas e alegres de Olinda. É irreverente,

ousado, imprevisível. Nele, predomina o talento do frevo

vassourinhas.

Já o padrão europeu é, sem medo de errar, o desfile simétrico,

cronometrado e coreografado das escolas de samba do

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carnaval carioca. Possui maior qualidade, disciplina e nível técnico

pela presença maciça dos melhores jogadores de todas as

partes do mundo, mas com muito pudor e medo de errar, joga

muito mais explorando o erro do adversário, o que inibe, na

maioria das vezes, a ousadia. É, na realidade, uma festa bonita,

ensaiada aos mínimos detalhes, para que tudo saia conforme

planejado.

Mas voltando ao assunto do início do texto, entendo que

os melhores momentos do futebol são aqueles que não são ensaiados,

que não dependem da tática. Nem sempre o melhor

será o vencedor. São os momentos inesperados, bastante discutidos

por Tostão em suas crônicas que não canso de ler. O baixinho

que encantava no time de Pelé, tricampeão do mundo,

escreveu que “não é sorte, nem mistério, nem milagre. O futebol

é um jogo de estratégias, de técnica e de mal-entendidos”.

Nosso Bailarino, se conosco estivesse

nesse dia, estaria bêbado de razão. “As

melhores vitórias são as inesperadas. E

o futebol é assim. Talvez por isso ele seja

a modalidade preferida de 80% da população

mundial”.

Karol, agora você já pode contar aos seus amigos. Não

precisa do referendo do povo. Não tem a ver com plebiscitos,

mas sim com o imprevisível, o inesperado, o improviso, o subjetivo,

o não explicável e o mal-entendido. Enfim, com tudo

aquilo que fez desse esporte o maior fenômeno de mobilização

da história da humanidade.

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os portugueses

Hoje me perguntaram o que Portugal fez para surpreender

e tornar-se campeão da Europa, mesmo depois de tantos

empates – foram seis empates e apenas uma vitória na competição.

Muitos não entendem, outros não aceitam, que o futebol

bonito da França tenha sido inferior a uma equipe que

mal vence as partidas no tempo normal.

Escrevi sobre isso dias atrás. Comparei o futebol europeu

ao carnaval nesses belos trópicos. Está mudando, mas historicamente

o padrão de jogo latino é o nosso carnaval das

ladeiras das ruas coloridas e alegres de Olinda. É irreverente,

ousado, imprevisível. Nele, predomina o talento do frevo vassourinhas.

Já o padrão europeu é o desfile simétrico, cronometrado

e coreografado das escolas de samba do carnaval carioca.

Possui maior qualidade, disciplina e nível técnico pela

presença maciça dos melhores jogadores de todas as partes do

mundo, mas com muito pudor e medo de errar, joga muito

mais explorando o erro do adversário, o que inibe, na maioria

das vezes, a ousadia. É, na realidade, uma festa bonita, ensaiada

aos mínimos detalhes, para que tudo saia conforme planejado.

O maior problema é que no Brasil, acostumado ao estilo

de jogo em que predomina o talento do frevo vassourinhas,

existe ainda um grande número de pessoas que não compre-

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ende com clareza as mudanças do futebol. Em épocas passadas,

o futebol mais bonito do mundo era o brasileiro, traduzido

por Eduardo Galeano, como “feito de jogo de cintura, ondulações

de corpo e voos de pernas que vinham da capoeira, dança

guerreira dos escravos negros”. Hoje o talento é quase sempre

sobreposto pelo futebol de ângulos retos, pensado e estudado

nos seus mínimos detalhes.

A seleção portuguesa não me surpreendeu, pois não

apresentou nada mais além do que o futebol moderno propõe.

Jogar fechado, organizado na defesa, compacto, diminuindo

os espaços entre os setores, com transições rápidas e

precisas, explorando os erros do oponente. Simples e complexo

ao mesmo tempo, mas nunca surpreendente e impossível

de acontecer.

Tostão escreveu, inclusive, com sua imensa sabedoria,

que “a França, por ter um time superior, por jogar em casa e

pela Marselhesa, era a favorita, mas não seria uma grande surpresa

se Portugal conquistasse a Eurocopa, por ter Cristiano

Ronaldo e um sólido sistema defensivo”.

Não há segredo na conquista portuguesa. Em treze partidas,

desde 2014, a seleção portuguesa nunca perdeu sob a

batuta do treinador Fernando Santos. A grande sacada dos

nossos colonizadores foi entender que eles estão, ainda, muito

longe de serem os melhores. O próprio treinador assumiu.

“Entramos sabendo que não éramos os melhores do mundo,

mas também que para nenhum adversário é fácil ganhar de

Portugal. Estudamos bem os adversários para não sermos surpreendidos

e conseguimos contê-los”.

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O Bailarino lamenta, mas reconhece

a realidade. No seu tempo era diferente.

Atacar era prioridade. “Essa é a

essência do futebol do século XXI. Um

estilo de jogo em que se prefere o resultado

ao prazer de jogar”.

Portugal venceu, foi campeão, mas poderia sim, muito

bem, ter sido a França a triunfar. Imagino ter sido essa a frase

dita pelo garoto português ao jovem francês que chorava aos

prantos, no largo da Torre Eiffel, em Paris, ao apito final do

juiz: “Hoje fui eu, amanhã pode ser você”.

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os incomparáveis

Maradona é melhor que Pelé? Messi ou Cristiano Ronaldo?

Cristiano superou Eusébio como maior em Portugal?

Messi é o novo Maradona? Robinho e Neymar seriam os sucessores

do Rei?

Um anônimo escreveu que “Messi superou Diego em

tudo. E sem droga”. Outro ataca, “na idade em que Messi ganhou

a quinta Bola de Ouro, Maradona foi preso, drogado”.

“Mas o Messi na seleção não é nada”. “Se o critério é Copa, Pelé

ganhou três”.

Para o torcedor, não existe dúvida. O inimigo sempre

merece a negação, o desprezo. Eu disse, certa vez, que esses, na

imensa maioria das vezes, vêm apenas o que lhes é favorável,

pois não são simples simpatizantes, mas sim seguidores. Pergunte

a um argentino se Maradona foi melhor que Pelé e verás

que o Rei viverá eternamente condenado ao desprezo.

No Brasil, Pelé é Rei. Na Argentina, Maradona é Deus.

Pelé foi o responsável por transformar a camisa 10 em arte.

Maradona foi um malabarista com a bola e conquistou uma

Copa praticamente sozinho.

Numa pesquisa online Maradona ganhou com sobras,

mas entre os especialistas do futebol, Pelé foi maioria. Maradona

teve 53% dos votos, contra apenas 16% do brasileiro. Para

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resolver a saia justa, Blatter concedeu dois prêmios: um pelo

voto dos treinadores das seleções dos países filiados à Fifa e

outro pelo voto popular via internet. Pelé e Maradona empataram.

O Bailarino de pernas longas tinha,

por Pelé, em campo, uma grande admiração.

Chegou a vestir a camisa 10 do

Santos e ir ao estádio torcer, só por ele,

quando mais jovem. Depois aprendeu,

o que se via em campo não era nem metade

do que o homem de terno falava

fora dele. Decepção!

Mas se considerarmos a tese de Juca Kfouri, de que

“Deus colocou os melhores jogadores aqui”, Pelé seria insuperável.

Nosso Rei fez um jogo virar lenda de causas impossíveis

para a ciência. Certa vez, um zagueiro italiano, ao subir numa

disputa com Pelé, disse “saltamos juntos, mas quando voltei à

terra, vi que Pelé ainda estava no alto”.

O fato é que a matemática pode até apontar quem fez

mais, mas nunca irá definir quem é o melhor. Alguns pesquisadores

já tentaram traduzir a supremacia de Pelé em números.

Um americano disse que Messi superou Diego, mas não se

compara ainda ao Rei.

Na Argentina, já no Barcelona, ao primeiro grito eufórico

de gol, os jornais estamparam nas suas capas que Messi seria

o novo Maradona e o Messias há muitos anos esperado. Mas,

muitos argentinos ainda tentam diminuir Lionel pelo que,

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ainda, não fez pela seleção ou por não nunca ter atuado profissionalmente

num grande clube do país. Outros se apegam

a detalhes, como os três vices seguidos em Copas América e

do Mundo. Sou taxativo quanto a isso. Título por título, Messi

tem muitos individuais, incontestáveis. O pênalti perdido por

ele na final da Copa América Centenário, nos Estados Unidos,

foi definido por Tite como um ato desumano e por Eduardo

Galeano como um capricho do azar. Não há a mínima possibilidade

de taxar sua carreira por um penal desperdiçado.

Quem foi melhor? Pelé, Eusébio, Cristiano Ronaldo,

Messi ou Maradona? Não importa, são cinco gênios. São incomparáveis.

Há espaço para todos. Quando perguntado se

Lionel é o novo Maradona, o jornalista argentino Mariano

Bereznicki não teve dúvidas: “É o verdadeiro Messi”.

E é mesmo. Cada um deles tem a sua própria verdade. E

feliz é aquele que atravessou as décadas e apreciou a origem de

um Rei, a maestria de um Dieguito, e ainda pode contemplar,

em dias atuais, a plástica eficiente de Cristiano e a genialidade

explosiva de Lionel Messi.

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os melhores

do mundo

O português Cristiano Ronaldo, vulgo CR7, foi eleito

mais uma vez o melhor jogador do mundo na versão FIFA,

desbancando o argentino Lionel Messi, do Barcelona, e o francês

Antoine Griezmann, do Atlético de Madrid.

Na disputa desse ano - mesmo que os defensores de

Messi digam que o prêmio deveria ser dado para quem teve

o melhor desempenho individual, no caso o hermano, e que

os títulos são na verdade construções coletivas - o troféu, The

Best, o maioral, ficou mesmo em Portugal, com o detentor dos

canecos de campeão da Champions e do Mundial, com o Real

Madrid, e da Eurocopa, com Portugal.

Sobre esse tema, certa vez, na FM Universitária, no Universidade

do Esporte, nós antecipamos a eleição. No estúdio,

debatemos e fizemos uma eleição à parte. Uma brincadeira.

Afinal, qual jogador mereceria ser o melhor, na ausência desses

dois monstros, Messi e Cristiano Ronaldo, do futebol moderno

atual?!

E aqui abro um parêntese pra explicar essa denominação

de “monstros” que utilizei. Na minha humilde opinião, os dois

estão, ainda, mesmo jogando e conquistando tudo que podem

nessa época, abaixo daqueles que podemos chamar sem medo

de gênios do futebol: Pelé, Maradona, Zico, Cruyff, Di Stefano

e Garrincha.

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Mas voltando ao assunto inicial, porque essa discussão

de gênio da lâmpada e monstro do lago é longa, retomo a eleição

extraordinária dos companheiros de rádio. A ideia era de

escolher o melhor de todos, caso Messi e CR7 não existissem

ou mesmo, por acaso, tivessem ingerido uma comida estragada

ou exagerado nas doses da noite anterior, e contraído sem

dó uma dor de barriga daquelas que os fariam faltar a cerimônia

de premiação.

Pois bem, retirados os dois monstros, houve quem votasse

na regularidade do artilheiro, mordedor (literalmente)

e companheiro de Lionel, Luizito Suarez. O cara é simplesmente

o melhor no cenário de chacinas, a grande área sob a

ótica de Eduardo Galeano. Outro lembrou o belíssimo ano do

argelino Riyad Mahrez, preponderante na igualmente, fantástica,

inédita e histórica conquista do título inglês do até então

pequeno e desconhecido Leicester City.

Meu voto, enfim, deu destaque aos Garçons do Futebol,

os caras que armam e servem. Acredito que, logicamente, os

dois nunca deixariam de ser os craques completos, decisivos e

diferenciados que são, mas talvez, sem esses coadjuvantes, seus

números e resultados não fossem os mesmos.

Na discussão citei o alemão Tony Kross, o colombiano

James Rodriguez e o croata Luka Modric, ambos do Real.

Também os parceiros de Messi no Barça: Neymar e Suarez.

Mas apostei mesmo no espanhol Iniesta. Que, na verdade, não

repetiu o desempenho tão destacado, como em outras temporadas,

mas que até hoje paga o preço de ser contemporâneo

dos dois melhores do mundo.

Porque o espanhol é daquele tipo de jogador que não se

vê muito no futebol atual, tão dinâmico, de muita movimentação,

vigor físico, onde quase não se guarda mais posição. É o

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famoso garçom, jogador de classe, aquele que prepara e manda

o passe açucarado, para que os atacantes possam enfim finalizar,

e como disse Fernando Amaral, alimentar os sonhos de

milhares de torcedores.

Aliás, jogador de classe e paletó em

campo – e sem camisa nas farras, como

o Bailarino de barba, sumido nos últimos

anos, mas sempre indignado, com

ironia no sorriso e sarcasmo no olhar,

de quem aprova tudo, mas sente saudades

do tempo de luta pela igualdade.

Tivesse Iniesta, campeão do mundo e da Europa pela

Fúria (seleção espanhola), nascido em outra época, teria sem

dúvidas sido eleito o melhor do mundo em alguma das oportunidades

em que concorreu.

Mas, pensando alto, com um timaço desses, quem danado

liga pra bola de ouro, prata, bronze ou latão. Não tenho

desconfiança, o maior prêmio, e eu não falo em dinheiro,

tenho certeza, quem ganha somos nós que vivenciamos essa

época de grandes craques, todos, invariavelmente, dignos do

título de melhor jogador do mundo.

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os sabores

de caicó

A disputa pelo talento do menino Neymar está cada dia

mais inusitada. O embate há muito extrapolou os limites dos

bastidores protagonizados pelos cartolas de Paris Saint Germain

e Barcelona.

Contextualizando o leitor mais desavisado, os franceses

do PSG, abastecidos pela grana de um magnata da indústria

petrolífera, tentam há meses desfazer o trio de craques do Barça,

conhecido popularmente como MSN – Messi, Suarez e

Neymar. A notícia extraoficial aponta que o PSG pagaria cerca

de R$ 810 milhões pelo jogador brasileiro, que ganharia algo

em torno de R$ 10 milhões por mês.

Certamente a vida do brasileiro mais badalado do mundo

na Cidade-Luz não seria nenhum pouco entediante. Pela

manhã um treino leve no gramado mais promissor da Europa,

à tarde uma taça festiva do melhor champanhe francês aos pés

da Torre Eiffel e à noite uma passadinha rápida, sem reserva,

pelo Cabaret mais tradicional do mundo, o Moulin Rouge,

antes de se acabar na balada mais moderna e sofisticada da

cidade, com pista de dança, bar e lounge liberados na famosa,

mundialmente, Avenida Champs-Élysées.

Mas, enquanto Neymar e seu pai adiam o anúncio, a novela

vem tomando forma como a versão futebolística da Guerra

Franco-Espanhola do século XVII. Primeiro Neymar deu

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pistas de que iria aceitar. Depois Piquet aparece sorridente ao

seu lado na foto do “fico”, desmentida em seguida por depoimento

de Mascherano e, mais ainda, pelo silêncio de Lionel

Messi. Até o rival Casemiro, protagonizou um capítulo da trama.

O brasileiro sugeriu que o amigo Ney vá para o maior rival

do Barça, o Real Madrid.

No Brasil, a novela ganhou um episódio digno do cinema

de Gérard Depardieu. Com direito a foto vestindo a camisa

bicolor, o São Raimundo do Amazonas ofereceu ao craque da

seleção, para jogar a segundona do Campeonato Amazonense,

14 litros de açaí por semana, 10 quilos de farinha de Uarini,

além de café da manhã todos os dias com queijo coalho e tucumã,

uma fruta típica da região.

Irrecusável! Assim como seria a proposta do nosso Corintians

de Caicó pelo craque do Barcelona. Para convencer o

garoto mimado, O Galo do Sertão ofereceria, sem dúvida, pela

manhã cedinho, um prato cheiroso de cuscuz com ovos caipiras,

ao lado de um lindo pacote de bolachas Jucurutu, a mais

amanteigada possível.

No almoço, fartura não iria faltar. O menino de ouro do

futebol brasileiro não pensaria duas vezes. Arroz-de-leite, farofa

d’água, paçoca, galinha caipira, macaxeira, buchada e carne

de sol assada. A última, sem dúvida, a melhor do país.

De sobremesa, uma porção bem servida de umbuzada,

um doce de espécie e, claro, não podíamos esquecer, um suculento

picolé caseiro na Sorveteria do Zezão, a mais famosa da

região.

Pra competir com os vinhos de Bordeaux, queijo de coalho,

urêia de vó, munguzá, raiva, fubá, broas, sequilhos e biscoitinhos

de queijo saborosos. Produtos feitos com carinho

artesanal.

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O Bailarino de barba malfeita e ossos

aparentes não tem culpa, mas errou

de cidade. Tivesse ele optado pelo Coríntians

de Caicó, teria facilmente prolongado

sua expectativa de vida. “Largaria

mais da metade dos meus vícios

mais danosos em troca de uma carne de

sol assada com queijo de coalho”.

Caicó pode até perder nessa batalha de Euros e Petrodólares.

Neymar pode até optar pela culinária catalã ou pelos

caros e tradicionais champanhes e vinhos franceses em detrimento

aos sabores da grife seridoense. Mas, tenho absoluta

certeza, num quesito especial, nunca seríamos derrotados: o

caicoense é, de longe, o povo mais feliz, bem-humorado e acolhedor

de todo o planeta.

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os mais de

190 milhões

O Brasil vive uma grande e interminável crise política e

econômica e, sem dúvidas, em menor proporção, claro, a sociedade

tem parcela de culpa no cartório. Quem aqui nunca

vivenciou, seja presencialmente ou virtualmente, por trás das

segundas e terceiras telas, algum amigo ou parente próximo

apoiando algum político estranho, intransigente e quase sempre

contraditório?!

Há quem defenda a ditadura como quase perfeita e incontestável.

O único problema é que torturar, sem matar, não é

solução. Outros chegam a desejar a morte de um filho querido,

a se deparar com ele andando de mãos dadas com um bigodudo

por aí ou apaixonado por uma negra. E tem gente que,

em pleno século 21, afirme que mulher deve ganhar salário

menor, simplesmente porque engravida.

Em 1921, Epitácio Pessoa, então presidente do Brasil,

cometeu o atrevimento, se achando o porteiro do céu, de interferir

na convocação da seleção brasileira. Pessoa assinou um

decreto de brancura. Nenhum jogador moreno ou negro, por

razões de importância nacionalista, para que nossos atletas

não fossem chamados de “macaquitos” e o povo brasileiro não

fosse, assim, humilhado, poderia ser convocado para representar

o Brasil no Campeonato Sulamericano, em Buenos Aires.

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A seleção sem negros perdeu duas das três partidas e foi eliminada

na primeira fase.

Galeano, em “Futebol ao sol e à sombra”, disse que “o

futebol, metáfora da guerra, pode transformar-se, às vezes, em

guerra de verdade. E então a morte súbita deixa de ser somente

o nome de uma dramática maneira de desempatar partidas”.

E esse desempate metafórico, aparentemente, pode estar mais

próximo do que imaginamos.

Senão, vejamos. Quem imaginaria, durante a campanha

eleitoral e as pesquisas de votos, que o inconsequente Donald

Trump seria eleito presidente dos Estados Unidos?! Penso,

paro, reflito, avalio, me desespero, só de cogitar a possibilidade

de um Bolsonaro, de qualquer geração, ser eleito um dia presidente

do nosso país. Mas porque não, se parece que tudo pode

no Brasil?! Comentam pelos corredores que não existe pecado

abaixo da linha do Equador.

Aliás, fico aqui imaginando como seria, caso alguém assim,

com complexo de Deus, sem ser Deus de verdade, decidisse

de uma hora pra outra seguir a cartilha preconceituosa de

Epitácio em 1921.

Nossa Seleção Canarinha jogaria armada até os dentes,

para torturar nossos adversários até a morte, digo, até nos entregarem

o jogo de mão beijada.

Nosso artilheiro de preferência sexual (ou de gênero)

não aceito pelo poder, finalmente poderia sair do armário. Não

por bondade do senhor presidente, mas porque fora expulso

de campo para se tratar numa clínica de reabilitação cristã.

O ponta esquerda negro, vindo da favela, ídolo da criançada,

que fazia a alegria da torcida com seus dribles desconcertantes,

deixaria de ser convocado, sob o risco de humilhação

coletiva. Nem a proibição de levar bananas ao estádio impedi-

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ria seu corte da relação. Não somos, e nunca seremos, enquanto

ele ditar (cuspir) as regras, uma raça de macacos.

Nosso goleiro, assumidamente de esquerda, perante as

câmeras, perdeu espaço. Aquele mesmo que defendeu o pênalti

no último minuto de jogo, na final da Copa. O herói

do hexa. Pois é, nunca mais vestiria a camisa verde e amarela.

Quer jogar? Então que queime a camisa vermelha que usa por

baixo. João Saldanha já morreu!

O Bailarino magrelo, de barba malfeita,

estaria bastante preocupado em

tempos atuais. Certa vez, ele disse estar

triste com o nível de consciência política

da sociedade brasileira. É muito

abaixo do normal. “Nos olhamos no espelho

e não enxergamos reflexo algum”.

Sinceramente, espero que a sociedade e as autoridades

brasileiras acordem desse pesadelo sem lógica. É preciso, com

urgência, cortar esse mal pela raiz antes mesmo que ele germine

nesse solo castigado pelos mal tratos vindos de Brasília.

É hora de dar um basta. Não pelo risco, até certo ponto

de menor relevância, de interferência na seleção de futebol, até

porque isso nunca foi cogitado. Mas sim pelo risco de interferir

nas vidas, no presente e no futuro, de toda uma nação. Afinal

de contas, juntos seríamos mais de 190 milhões em ação.

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