Revista Dr Plinio 271
Outubro 2020
Outubro 2020
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Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Samuel Holanda<br />
Ele não visou o aplauso, e sim a hora<br />
em que, no perigo supremo e desprovido<br />
de qualquer outro recurso a não ser<br />
a espada e o braço, ele soube reconhecer<br />
que era capaz daquilo e fez.<br />
Audácia: o pulchrum<br />
do espírito espanhol<br />
Entram nisso fatores psicológicos<br />
diversos. O toureiro aplica nessa hora<br />
muita força, mas feita de flexibilidade<br />
e resultante de uma musculatura muito<br />
elástica. Entra também a calma diante<br />
do perigo da morte, que lhe faz dizer:<br />
“Se eu morrer, morrerei realizando-me<br />
e a minha vida terá sentido.”<br />
Há uma ideia de que o toureiro<br />
imerge numa espécie de estética da<br />
morte, e a terá belíssima, o que absolutamente<br />
não é a morte na UTI,<br />
não tem nada de comum com isso.<br />
Ele morrerá nesse gáudio, a bem<br />
dizer, realizando-se. E, mais ainda,<br />
achando que sua realização está<br />
em estender para Deus um braço<br />
por cima da morte, dizendo: “Senhor,<br />
tomai-me, porque minha hora<br />
chegou.” O que talvez o toureiro<br />
não faça explicitamente, por falta de<br />
formação religiosa, mas constitui o<br />
pressuposto racional do ato dele.<br />
Vemos, então, um elevado senso religioso<br />
que passa por cima do instinto<br />
de conservação, aliado a uma junção<br />
de qualidades opostas – embora não<br />
contraditórias – das quais o toureiro<br />
tira uma linda síntese: ele se apresenta<br />
duro como o aço, mas flexível como<br />
um elástico. Em consequência, na<br />
hora de o touro chegar, sem o mínimo<br />
medo ele sorve o perigo e diz: “Perigo,<br />
como tu és belo! Como és delicioso!”<br />
Aparece aqui um aspecto para<br />
o qual eu quero chamar a atenção,<br />
pois constitui o ponto-chave da<br />
mentalidade espanhola. Quer quando<br />
o espanhol é muito diplomata<br />
e dá jeitos e volteretas para conseguir<br />
um determinado objetivo; quer<br />
quando ele é muito arguto em matéria<br />
de doutrina e lança com segurança<br />
uma tese difícil de justificar e<br />
que ninguém imaginava, semelhante<br />
a um salto certeiro sobre o abismo<br />
ou a um voo audacioso no céu da ortodoxia;<br />
quer quando ele é orador e<br />
se expõe a lances oratórios arrojadíssimos;<br />
em tudo, o risco é o ambiente<br />
dele e a elegância no risco, nascida<br />
da contradição aparente entre elasticidade<br />
e força, o exprime por inteiro.<br />
O reluzir contínuo da audácia<br />
equilibrada, da audácia de aço e de<br />
elástico, da audácia que sabe ter ousadias<br />
proporcionadas com o perigo,<br />
porque tem consciência de possuir<br />
recursos proporcionados com ele, da<br />
audácia quase imprudente, cuja sublimidade<br />
consiste em, sem jamais<br />
ser imprudente, vertiginosamente<br />
parecer-se com a imprudência, esse<br />
é o pulchrum do espírito espanhol.<br />
Como imaginar o pulchrum<br />
do Reino de Maria?<br />
Ora, de modo análogo há um certo<br />
pulchrum que marcará o Reino de<br />
Maria. Trata-se de uma virtude magnífica,<br />
diametralmente contrária à<br />
“heresia branca” 1 e que, vista pelo<br />
prisma religioso, poderia chegar a extremos<br />
de perfeição ainda ignorados.<br />
Sendo uma virtude, essa forma<br />
de pulchrum tem de existir em Nossa<br />
Senhora de um modo inimaginável.<br />
A Santíssima Virgem deve possuir,<br />
no meio do firmamento de suas<br />
virtudes, uma nota dominante que<br />
está para as demais excelências d’Ela<br />
como a audácia está para a Espanha.<br />
O Reino de Maria se caracterizará<br />
por essa nota altíssima, fabulosíssima<br />
de Nossa Senhora. Trata-se, portanto,<br />
de conhecer tal virtude n’Ela, para saber<br />
como será o Reino de Maria.<br />
Para chegar a esse ponto, um recurso<br />
interessante<br />
é lembrarmos que a<br />
Revolução, com todos<br />
os seus horrores,<br />
tem algo disso:<br />
há um certo horror<br />
que excede em<br />
baixeza os demais e<br />
constitui o aspecto<br />
pelo qual ela mais<br />
atrai, o “visgo” dela<br />
mais se exerce. E aí<br />
se encontra a causa<br />
da vitória dela. Se<br />
nós compreendermos<br />
esse aspecto<br />
na Revolução, teremos<br />
dado um passo<br />
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