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“Existe um silêncio sepulcral nesta manhã de Janeiro
em que visito este lugar de tantas romarias e procissões.”
‘Fátima’
E
xiste um manto de tristeza
húmida e pegajosa que se
estende sobre o santuário
de Fátima.
Um manto gélido de 6° que embacia
os campos em redor, que
distorce as fachadas dos edifícios
a pouco mais de alguns metros de
invisibilidade.
Existe um silêncio sepulcral nesta
manhã de Janeiro em que visito
este lugar de tantas romarias e
procissões. De tantas promessas e
orações. De tantas fés e esperanças
e ilusões.
Existe uma ausência quase absoluta
de gente. Porque as gentes
estão confinadas (ou não…) algures
em lugares que os meus sentidos
não alcançam. Apenas percepcionam.
Existe uma palpável ausência
do deus em que tantos acreditam.
Que continuará a ser venerado
solitariamente, agora que
os ajuntamentos não são permitidos,
neste que é um espaço de
ajuntamentos por excelência.
Existe como que um poema lânguido
e sofrido nos movimentos
lentos dos poucos com que me
cruzo e que, de pé ou persignados,
deixam entre lábios rezas à
imagem santa que aqui os faz vir.
O santuário é, todo ele e hoje,
um espaço esborratado pela neblina
que se ajoelha e impede as
vistas largas, os ângulos arquitectónicos,
as imagens espalhadas
pelo recinto e à sua volta. É indistinguível
o todo que conseguimos
abranger em dias soalheiros.
São agora 11 horas desta manhã.
Soam as costumeiras badaladas.
Inicia-se um dos serviços de missa
diários para não mais que uma
trintena de crentes na Basílica da
Santíssima Trindade.
Neste lugar que pode albergar,
que já albergou, quase 9 mil pessoas.
Neste lugar que é verdadeiramente
fascinante do ponto de vista arquitectónico
e de engenharia. O
grego Alexandros Tombazis ficará
para sempre na história da arquitectura
religiosa com esta obra.
Assim com tantos artistas de várias
artes (escultura, pintura, gravura,
vitrais) que fazem deste, um
dos mais belos espaços religiosos
que conheço em todo o mundo.
Ficar-se-á sempre na dúvida se as
preces entregues à imagem da senhora
que fizeram santa lhe chegarão
aos ouvidos e, consequente
à alma piedosa. Porque nos tempos
que correm bem precisas são
as preces para quem nelas acredita.
Bem precisas são as fés para
quem por elas espera.
Porque deus, ao que parece, andará
por demais ocupado com assuntos
menores. Talvez dos céus
e dos anjos. Porque dos terrenos
parece ter-se distanciado. ••
• Dulcina Branco • Fotos: gentilmente cedidas por António Barroso Cruz
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