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Editor<br />
Manuel d'01iveira Amaral<br />
Á imprensa e a educação<br />
ciYica<br />
O que actualmente se está dando<br />
com as falsificações das substâncias alimentares,como<br />
os escandalos, que vêem<br />
a lume no serviço de fiscalização dos<br />
impostos, sám uma manifestação a mais<br />
da profunda decadência da nossa organização<br />
política, symptomas do mal<br />
geral que provem da falta de. educação<br />
cívica.<br />
A imprensa, por um trabalho in<br />
consciente, não só não tem sabido encontrar<br />
remédio ao mal, corrigí-lo, ou<br />
curá lo, mas tem pelo contrário, por<br />
um excesso de reportagem, contribuído<br />
para o aggravar.<br />
A publicação diária dé crimes, pormenorizada<br />
até á última minúcia, a<br />
descripção minuciosa das falsificações,<br />
descendo a explicações pedidas a té-<br />
' chnicos auctorizados e respeitados, tem<br />
posto ao serviço da ignorância pública<br />
o trabalho honrado dos experimentadores.<br />
E assim se tf m feito a escola<br />
do crime.<br />
Hoje, só quem não queira, é que<br />
não fará. pão {'ajsificadQ- Sabem-se as<br />
substâncias necessárias, as dóses, o<br />
meio de conseguir as falsificações das<br />
diversas qualidades de pão.<br />
E' fácil experimentar, e verificar o<br />
que os jornaes escrevem diariamente.<br />
Por outro lado os falsificadores, a<br />
princípio perseguidos com todo o rigor<br />
das cóleras irreflectidas, sam mais tarde<br />
vistos com mais benevolência, acabando-se<br />
por lhes perdoar tudo, por se<br />
não poderem castigar todos.<br />
E esta marcha da opinião é confirmada<br />
pela imprensa, que a segue inconscientemente<br />
e lhe dá auctoridade<br />
e força.<br />
A força suggestiva da imprensa, a<br />
sua acção deletéria sobre organismos<br />
fracos e debilitados physica cu moral<br />
mente, está hoje determinada por todos<br />
os que se téem dado ao estudo dos phenómenos<br />
sociaes, e das suas causas determinantes.<br />
Assim é que por vezes se tem feito,<br />
mesmo na imprensa, uma campanha<br />
contra as notícias dos suicídios, que<br />
vêem determinar sempre o apparecimento<br />
de outros casos, claramente devidos<br />
á leitura das notícias sensacionaes.<br />
Apparecem assim, numa localidade,<br />
casos seguidos de moite por suicídio,<br />
como se se tratasse duma doença<br />
epidémica.<br />
• Na genese do crime, a influência<br />
determinante de leituras especiaes observa-se<br />
desde longa data. Um episódio,<br />
que feriu a attenção do criminoso numa<br />
circunstância especial e a ella deve<br />
o ter-se gravado duma maneira intensa<br />
no seu cérebro, explica a modalidade<br />
do crime, a sua especialidade, a sua<br />
individualidade.<br />
E' assim que, ás vezes, o mesmo<br />
facto criminoso, repetido nas mesmas<br />
«rcunstáncjas,, se explica de utn modo<br />
PUBLICA-SE AOS DOMINGOS E QUINTAS FEIRAS<br />
satisfatório, e leva ao conhecimento e<br />
castigo do crime.<br />
Mas, outras vezes também, vem a<br />
verificar se que a unidade do crime é<br />
devida á unidade da suggestão, actuando<br />
ao mesmo tempo sobre organizações<br />
viciosas.<br />
Um crime descripto minuciosamente,<br />
pormenorizado durante muitos dias,<br />
actua ao mesmo tempo sobre organizações<br />
idênticas em eminência mórbida<br />
e determina a multiplicação dos factos<br />
criminozos, reproduzindo-se serrtpre<br />
nas mesmas circunstancias, com<br />
OÍ mesmos detalhes.<br />
O facto é tanto mais para estudar<br />
e para temer, que a leitura do crime e<br />
do vício' é a seguida com mais attenção,<br />
a que mais lucros dá, e a imprensa<br />
deixa se arrastar, quando não pelo<br />
interesse, pelo desejo de satisfazer o<br />
público.<br />
Assim é que em Portugal, ora se<br />
e:-condem os suicídios, ora se publicam<br />
rt idosamente, quebi ando todos os compromissos<br />
tomados a êsse respeito.<br />
Vê se mesmo mais, todas as vezes<br />
que um jornal consegue chamar a attenção<br />
pública e prendê la com a narração<br />
dum escândalo ou dum crime.<br />
O resto da imprensa acompanha o<br />
jornal, tenta roubar-lhe ou esconder-lhe^<br />
a glória que poderia te? com a descoberta,<br />
e daí a pouco vê-se com extranheza<br />
um jornal attribuir a si toda a<br />
moralidade duma campanha iniciada e<br />
sustentada por outro.<br />
E a repetição dêstes'factos não pode<br />
deixar de influenciar desastrosamente<br />
sobre os que estám na eminência de<br />
um crime.<br />
Assim é que o excesso de detalhes<br />
sobre falsificações d :ve dar logar so appareeimento<br />
de novos falsificadores.<br />
Por outro lado, a imprensa tem mostrado<br />
como é fácil a vida vendendo a<br />
consciência; todos os dias denuncia um<br />
novo crime, que fica sem castigo e sem<br />
protesto; cita os nomes dos maiores homens<br />
públicos como exemplos de corrupção,<br />
e contribue assim inconscien-*<br />
temente para garantir a impunidade, a<br />
Bquem o mêdo do castigo provável seria<br />
bâstante para desviar do crime.<br />
A influência indirecta na nossa administração<br />
pública tem sido também<br />
das mais nefastas.<br />
A imprensa que se vende, e que<br />
consegue, apezar de toda a gente o saber,<br />
influir na direcção dos negocios<br />
públicos, tem sido, por exemplo, um<br />
agente de corrupção.<br />
E' assirn que se tem fundado jornaes<br />
unicamente para favorecer os interesses<br />
dum individuo ou duma classe,<br />
que preferem gastar assim, sem ter de<br />
pedir favores, o dinheiro què por outra<br />
forma teriam mais trabalho a gastar<br />
para pagar agentes da corrupção, com<br />
apparencia de homens honestos.<br />
A imprensa mostrando impune o<br />
procedimento das auctoridades superiores,<br />
ensinando o segredo da vida<br />
fácil, tem a responsabilidade da corrupção<br />
nacional; porque não tem tido a<br />
consciência da responsabilidade que<br />
lhe compete na educação civica,<br />
Redacção e administração, ARCO D'ALMEDINA, 6, 2.° andar<br />
A imprensa tem vulgarizado o escandalo,<br />
propalado o crime, sem uma<br />
phrase de indignação sentida, preoccupada<br />
só com a excellencia da sua informação,<br />
reclamando a prioridade da<br />
publicação de circumstancias insignificantes,<br />
sem um conselho, sem uma<br />
phrase de elevação moral.<br />
A imprensa tem-se importado uni<br />
camente em Portugal com o numero<br />
dos seus leitores, tem por isso lisongeado<br />
o maior numero, modificado as<br />
opiniões ao correr dos acontecimentos,<br />
serrpre com a mira no lucro, sempre<br />
com a ideia do nurrero dos seus leitores,<br />
que é sempre : primeira noticia,<br />
o a mais cuidada dos jornaes portuguêses.<br />
E desceram tám baixo os créditos<br />
da imp-ensa, que nioguem se atreverá<br />
a garantir que seja íssa a noticia mais<br />
verdadeira.<br />
O sr. Ch ries Lepierre está procedendo<br />
ás anslyses de vinhos e azeites,<br />
cujas amostras lhe foram enviadas pelo<br />
sr. delegado de saúue de Coimbra.<br />
Assim devia ter se já feito com as<br />
farinhas; porque era de prever que em<br />
Lisboa não poderiam facilmente analy<br />
zar com a rapidez, que as círcumstancias<br />
exigiam, as amostras de farinha e<br />
generos aliint ntares, que se suppunham<br />
impropnasjn.ra a conservação da sjúide^<br />
puOTca.<br />
As amostras téern affluido ás centenas,<br />
e em Lisboa ha difficuldades de<br />
dar resposta prompta por excesso de<br />
substancias a analyzar e por falta de<br />
analystas.<br />
O conveniente teria sido montar<br />
laboratorios de hygiene nas principaes<br />
cidades do país, ou pelo menos em<br />
Coimbra, Porto e Lisboa, com dotação<br />
e pessoal suffkiente para fazer as<br />
analyses que lhes fossem pedidas pelos<br />
commerciantes ou consumidores, estabelecendo<br />
a tabella de preços e forçando<br />
á affixação do resultado das analyses.<br />
Por agora a boa vontade do sr.<br />
Charles Lepierre vae ajudando a resolver<br />
a difficuldade de momento; mas é<br />
necessário attender que, apezar do interesse<br />
da saúde publica, não se pôde<br />
pensar em manter este estado, devendo<br />
estabelecer-se remuneração condigna<br />
que indemnise o sr. Charles Lepierre<br />
do tempo que com isso perde, roubando-o<br />
aos seus trabalhos diários.<br />
Além disso deveria estabelecer-se<br />
uma verba especial dos cofres do governo<br />
civil para a compra dos reagentes<br />
necessários para analyzar as substancias<br />
alimentares.<br />
As dotações dos laboratorios ofRciaes<br />
de Có.mbra, em que ellas se poderiam<br />
fazer, é insignificantemente ridícula,<br />
e não chega mesmo para as<br />
necessidades correntes do ensino.<br />
A direcção geral de instrucção publica<br />
já expediu á reitoria da Universidade<br />
de Coimbra a portaria auctorizando<br />
a matricula no i.° anno da Uni<br />
versidade aos estudantes a quem falta<br />
o exame de allemão, nos termos da<br />
cónsulta emittida pelo conselho superior<br />
de instrucção, a que nos referimos.<br />
Tem nos últimos dias, sobre tudo<br />
depois do de S. Bartholomeu, affluido<br />
muitos viajantes a Coimbra. E' por<br />
isso a animação na cidade maior do<br />
que a dos annos anteriores, notandose<br />
um movimento desusado nos hotéis.<br />
Do Bussaco foram em digressão artistjc£f<br />
ao mosteiro de Lorvão, os -srs.<br />
Ruy Ennes Ulrich e dr. Henrique de<br />
Vasconcellos, demore-ndo-se, na volta,<br />
o dii de ontem, em Coimbra, para vêr<br />
a Sé Velha e os museus.<br />
Salubridade publica<br />
Chamamos a attenção da camara<br />
para o vergonhoso estado de abandono<br />
em que se encontram as runas que<br />
passam entre as ruas de João Cabreira<br />
e da Moeda e entre esta e a da Louça.<br />
Descobertas n'uma grande extensão,<br />
as immundicias encontram-se accumuladas<br />
nalguns sítios, exhalando um<br />
cheiro insupportavel, principalmente<br />
quando os raios do sol incidem sobre<br />
ellas.<br />
As runas não podem continuar descobertas,<br />
sendo de inadiavel urgência<br />
não só cobril-as, mas de quando em<br />
quando lançar sobre ellas jorros de<br />
agua, que as desobstruam, livrando-se<br />
assim os pobres moradores de cheiros<br />
incommodos è tám nocivos para a<br />
saúde.<br />
Dizem-nos que por vezes a camara<br />
tem tratado de providenciar para o cobrimento<br />
das runas, mas que a politica<br />
mesquinha se intromette entre ella e as<br />
providencias, continuando as coisas no<br />
mesmo deplorável e prejudicial estado<br />
em que se encontram!<br />
Veremos se as nossas justas reclamações<br />
sám attendidas.<br />
Por se estar fazendo muito tarde<br />
para a affixação do edital respeitante<br />
ás matriculas do futuro anno lectivo,<br />
a reitoria da Universidade pediu, por<br />
telegramma, á direcção geral de instrucção<br />
publica as necessarias instrucções<br />
sobre o assumpto, que já devem<br />
ser em harmoniacom a nova reforma,<br />
mas que ainoa nao^cnegaram.<br />
Sempre felizes<br />
Um dos geiteraes do monarquismo,<br />
ha pouco fallecido, declarou no seu testamento:<br />
que apegar de muito calumniado<br />
em vida, morre pobre.<br />
Também Lopo Vaz morreu pobre,<br />
mas por acaso soube-se que os seus<br />
herdeiros tinham a receber no Banco<br />
de Inglaterra, uma porção de dezenas<br />
de contos. E apezar dis^o não deixou<br />
nenhuns 5oo$ooo féis a cada creado...<br />
Não ha, para terem sorte, como os<br />
grandes políticos: gosam á custa dos<br />
outros, em vida, e no testamento dizem-sepobres<br />
e honrados, para arranjarem<br />
um bom lugar no outro mundo.<br />
Depois de enganarem os mortaes,<br />
tentam illudir o Padre Eterno e subor<br />
nar S.Pedro...<br />
A sua última vontade, é a vontade<br />
de toda a sua vida política.<br />
Ap; zar de ainda se notarem alguns<br />
casos de varicella, variola e sarampo,<br />
tem melhorado o estado sanitario<br />
de Coimbra.<br />
Liquidações monárchicas<br />
Lê-se no Diário da Tarde:<br />
«Desde março que o sr. Jeronymo<br />
de Vasconcellos tratava de descobrir<br />
uma fraude no imposto das fabricas de<br />
cerveja. Hontem conseguiu apurar que<br />
essa fraude era commettida com a<br />
cumplicidade de vários indivíduos empregados<br />
na fiscalização do sello.<br />
«O escandalo é enorme e tem sido<br />
por toda a parte o assumpto das conversas.<br />
Os empregados implicados são<br />
os seguintes:<br />
«Romano Navarro, chefe fiscal, Carlos<br />
de Oliveira, sub-chefe, Almeida,<br />
Gonçalves, Borja, Saldanha, Pereira,<br />
fiscaes. Parece averiguado que recebiam<br />
cada mês da fábrica dê cerveja<br />
«Jansem, respectivamente, 40^000,<br />
3o$ooo. e 2o$ooo reis e da da «Trindade»<br />
gotf&ooo, 80&000, e 2o$ooo reis<br />
para que as referidas fabricas deixassem<br />
de dar ao manísfesto grande quafl*<br />
Õdade de inveja,<br />
Olflcina typogr&phioa<br />
12-RUA DA MOEDA-14<br />
8.° ANNO<br />
ii ii<br />
«Nestes dois últimos meses, calcula<br />
se que por esta fórma fossem sonegados<br />
ao fisco trinta mil litros.<br />
«O pessoal compromettido neste escandalo<br />
está preso na inspecção, devendo<br />
ser remettido para a alfandega<br />
juntámente com os gerentes dás fabricas.<br />
A fraude, que era rendosa, data<br />
de ha muito tempo.<br />
«A' ultima hora soube também aue<br />
tinha sido preso Lanes Ferreira, alferes<br />
da guarda fiscal, que também recebia<br />
4o®>ooo reis mensaes.<br />
«Diz-se que ha outros escandalos<br />
analogos, que em breve devem Vir A<br />
supuração.»<br />
O Mundo insere o seguinte commentario<br />
sobre as causas que determinariam<br />
o sr. Jerónymo de Vasconconcellos<br />
a proceder:<br />
«Noticiou ha dias este jornal que O<br />
sr. Hintze descobriu taes Coisas no ministério<br />
da fazenda que chegou a indignar-se<br />
contra o amigo Jerónymo.<br />
«Posteriormente, informações officiaes<br />
deram noticia da aposentação próxima<br />
do sr. Jerónymo.<br />
E' após isto que o amigo Jerónymo<br />
descobre um importante roubo á Fazenda,<br />
«Quiz apenas amigo Jerónymo mostrar<br />
os seus préstimos e a sua habilidade?<br />
«Quiz mais alguma coisa—vingarse<br />
do sr. Hintze na pessoa dalgum<br />
amigo ?<br />
«Ficain simplesmente as perguntas<br />
por enquanto.»<br />
___Contimumdn. nnWirQ nmMm/vfftl.<br />
lega o seguinte, que se refere também<br />
ao assumpto:<br />
«A hora já adiantada, podemos saber<br />
que o motivo da fallaaa aposentação<br />
do inspector geral dos impostos e<br />
mais escandaloso do que suppúnhamos.<br />
«Pelas informações que temos, a<br />
polícia ter-se-ia, enfim, decidido a fazer<br />
diligencias sérias sobre a venda de<br />
empregos públicos e teria esbarrado<br />
com o nosso conhecido Jerónymo de<br />
Vasconcellos.<br />
«Então, em nome de superiores razões<br />
d'Estado, ter-se-ia resolvido que<br />
as diligencias parassem, liquidandô-se<br />
o caso com a aposentação.<br />
«Reservamo-nos para averiguar até<br />
que ponto sam exactas estas informações<br />
e até onde chegou a condescendência<br />
do juizo d'instrucção criminal ou<br />
a immoralidade do sr. Hintze.»<br />
Nós, acceitando os commentários<br />
de O cMundo, levamos mais longe a<br />
desconfiança.<br />
Conhecendo os processos monárchicos,<br />
custa-nos a crer na punição<br />
dos dois crimes.<br />
O sr. Jerónymo de Vasconcellos,<br />
se fôr verdadeira a accusação, sairá da<br />
justiça mais rico e mais honrado.<br />
S. Ex. 4 faz politica monárchica.<br />
A uma ameaça respondeu com um<br />
escândalo.<br />
Se continuarem as diligencias, o escândalo<br />
avolumará e é o perigo da politica<br />
monárchica de corrupção.<br />
Nos altos cargos do Estado, rouba-se,<br />
dizem-no todos.<br />
Quanto, só elles o sabem.<br />
Para ninguém o saber tudo se calará.<br />
O distincto esculptor Teixeira Lopes<br />
anda trabalhando num busto do<br />
poeta Eugénio dc Castro.<br />
João Arroyo, o irrevogável, disfiructa,<br />
além das honras de conselheiro<br />
de estado, as seguintes prebendas:<br />
Lente da Universidade, director da<br />
companhia do gaz, administrador da<br />
companhia real, director da companhia<br />
das aguas e conselheiro do Tribunal<br />
de Contas.<br />
E... 8C arn ttunft JtoiW} i*<br />
tfegfej».