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do personagem principal. A pronúncia de “Fabelman”
é muito próxima, senão idêntica, à de “fable man”, ou
“homem de fábula”. Spielberg aqui é justamente isso.
O diretor se inspira e referencia o suprassumo do que o
cinema já foi e pode ser. Tudo com uma inocência que
é própria do cinema estadunidense dos anos 1930, 40
e 50. Entretanto, se por um lado o cineasta se entrega
ao que o cinema tem de fabuloso (em vários sentidos
da palavra), por outro ele se mantém com o pé no chão
para dizer que a sétima arte também é algo concreto,
um meio de comunicação e de transformação na vida
das pessoas. Esta parece ser a tese principal do filme: o
cinema muda a vida das pessoas. Nos dois momentos
que considero as principais cenas catárticas do filme,
Spielberg mostra que, mais do que um hobby, uma
diversão ou puro entretenimento, fazer e ver cinema
modifica vidas, sentimentos, concepções e trajetórias.
Claramente se inspirando em “Blow-Up – Depois Daquele
Beijo” (1966), de Michelangelo Antonioni, no primeiro
desses momentos Spielberg demonstra como certas
realidades só são realmente percebidas à luz da projeção
cinematográfica. A velha máxima de que uma imagem
fala mais do que mil palavras. As várias imagens do cinema,
então, desconhecem limites. No segundo instante
de catarse, o diretor expõe todo o poder político e simbólico
da arte cinematográfica.
As imagens são capazes de fazer voar até o maior dos
idiotas, e modificar radicalmente, para o bem ou para o
mal, a visão que as pessoas têm de um indivíduo ou de
um acontecimento. E, no filme, não deixa de ser morbidamente
irônico e crítico quem produz essas imagens e
quem é elevado.
Mas, para além das ideias que guiam o projeto, o filme
é deslumbrante enquanto espetáculo, no mais puro
sentido da palavra. Spielberg cita algumas vezes o diretor
Cecil B. DeMille (1881-1959), cujo apelo popular e as
produções de grande escala espelhariam, em muito, a
carreira que o próprio Spielberg construiu.
Concorre também para esta perfeita ambientação a
majestosa fotografia em uma paleta lindíssima de azul (e
em película 35mm!) de Janusz Kaminski e o rico design
de produção de Rick Carter, ambos colaboradores de
longa data do cineasta. Porém, do ponto de vista técnico,
chamo a atenção para a montagem do filme. Há
pelo menos dois cortes que, ancorados na fala, promovem
saltos temporais. Seja na continuidade de uma
palavra, ou na repetição sucessiva de uma mesma frase
em dois contextos ligeiramente diferentes, a montagem
de Michael Kahn e Sarah Broshar, também experientes
parceiros de Spielberg, deixa claro como o filme
consegue construir elipses eficientes sem perder a
inventividade e o estilo característico dos filmes da
Velha Hollywood.
São grandes as chances de Steven Spielberg ganhar
o Oscar com sua cinebiografia. O resultado
é impecável. Inspirador e emocionante. É muito
bem montado, flui em um ritmo agradável e tem
pinceladas de homenagens a tantas obras deste
extraordinário diretor – com direito a uma incrível
participação surpresa nos minutos finais.
O grande diferencial de “Os Fabelmans” é permitir
compreender o que se passa na mente de alguém
que, genuinamente, ama a arte dentro de si – e não
a si próprio dentro da arte, como já dizia o grande
diretor teatral Constantin Stanislavski. Este longa
era o diamante que faltava na coroa de Spielberg.
NOTA 9.5
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