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Revista Fácil - Edição 323 (FEV/2023)

Alagoas - Arte & Cultura

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do personagem principal. A pronúncia de “Fabelman”

é muito próxima, senão idêntica, à de “fable man”, ou

“homem de fábula”. Spielberg aqui é justamente isso.

O diretor se inspira e referencia o suprassumo do que o

cinema já foi e pode ser. Tudo com uma inocência que

é própria do cinema estadunidense dos anos 1930, 40

e 50. Entretanto, se por um lado o cineasta se entrega

ao que o cinema tem de fabuloso (em vários sentidos

da palavra), por outro ele se mantém com o pé no chão

para dizer que a sétima arte também é algo concreto,

um meio de comunicação e de transformação na vida

das pessoas. Esta parece ser a tese principal do filme: o

cinema muda a vida das pessoas. Nos dois momentos

que considero as principais cenas catárticas do filme,

Spielberg mostra que, mais do que um hobby, uma

diversão ou puro entretenimento, fazer e ver cinema

modifica vidas, sentimentos, concepções e trajetórias.

Claramente se inspirando em “Blow-Up – Depois Daquele

Beijo” (1966), de Michelangelo Antonioni, no primeiro

desses momentos Spielberg demonstra como certas

realidades só são realmente percebidas à luz da projeção

cinematográfica. A velha máxima de que uma imagem

fala mais do que mil palavras. As várias imagens do cinema,

então, desconhecem limites. No segundo instante

de catarse, o diretor expõe todo o poder político e simbólico

da arte cinematográfica.

As imagens são capazes de fazer voar até o maior dos

idiotas, e modificar radicalmente, para o bem ou para o

mal, a visão que as pessoas têm de um indivíduo ou de

um acontecimento. E, no filme, não deixa de ser morbidamente

irônico e crítico quem produz essas imagens e

quem é elevado.

Mas, para além das ideias que guiam o projeto, o filme

é deslumbrante enquanto espetáculo, no mais puro

sentido da palavra. Spielberg cita algumas vezes o diretor

Cecil B. DeMille (1881-1959), cujo apelo popular e as

produções de grande escala espelhariam, em muito, a

carreira que o próprio Spielberg construiu.

Concorre também para esta perfeita ambientação a

majestosa fotografia em uma paleta lindíssima de azul (e

em película 35mm!) de Janusz Kaminski e o rico design

de produção de Rick Carter, ambos colaboradores de

longa data do cineasta. Porém, do ponto de vista técnico,

chamo a atenção para a montagem do filme. Há

pelo menos dois cortes que, ancorados na fala, promovem

saltos temporais. Seja na continuidade de uma

palavra, ou na repetição sucessiva de uma mesma frase

em dois contextos ligeiramente diferentes, a montagem

de Michael Kahn e Sarah Broshar, também experientes

parceiros de Spielberg, deixa claro como o filme

consegue construir elipses eficientes sem perder a

inventividade e o estilo característico dos filmes da

Velha Hollywood.

São grandes as chances de Steven Spielberg ganhar

o Oscar com sua cinebiografia. O resultado

é impecável. Inspirador e emocionante. É muito

bem montado, flui em um ritmo agradável e tem

pinceladas de homenagens a tantas obras deste

extraordinário diretor – com direito a uma incrível

participação surpresa nos minutos finais.

O grande diferencial de “Os Fabelmans” é permitir

compreender o que se passa na mente de alguém

que, genuinamente, ama a arte dentro de si – e não

a si próprio dentro da arte, como já dizia o grande

diretor teatral Constantin Stanislavski. Este longa

era o diamante que faltava na coroa de Spielberg.

NOTA 9.5

55 FÁCIL | Lazer & Negócios

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