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Cultura de Bancada, 19º Número

Cultura de Bancada, 19º número, lançado a 12 de outubro de 2023

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09

terceiro aniversário

cultura de bancada

A NOVA LEI DE COMBATE À VIOLÊNCIA

NO DESPORTO

12

HISTÓRIA DO MOVIMENTO

ORGANIZADO DE ADEPTOS

no Vitória sc

22

não à multipropriedade

28

à conversa com

nuno ultra

34

50

memórias da bancada

resumo da bancada

64

avante pelo benfica

2

66

aac x união 1919


68

um adepto inesperado

70

mérida: 35 anos de

movimento ultra

74

tour itália

79

sc braga: uma epopeia no

mês de Agosto

85

os regressos do farense

86

bordéus x concarneau

90

cultura de adepto

94

96

era uma vez

fotos da curva

a voz do leitor

3


Edito

Dois meses passaram desde o

último número. Costumamos dizer que, na

perspectiva de quem trabalha a revista, dois

meses parecem pouco mas, pelo que vemos

à nossa volta, não faltam motivos para dizer

que mais uma vez estes últimos dois meses

foram tempos recheados. Tivemos notícias

de todo o tipo, mas, dentro da longa lista,

escolhemos algumas que nos pareceram

importantes de serem destacadas.

Começamos por frisar que cada

vez mais assistimos à entrada de investidores

estrangeiros nos clubes portugueses. Neste

momento, mais de metade dos clubes da I

Liga já estão sob comando de investidores. É

um processo muito complicado de parar, até

porque a tendência parece ser a de continuar

– em Portugal, mas principalmente lá fora.

Não restam muitos casos que contrariam este

cenário, como é o caso do Paços de Ferreira

(SDUQ), mas até eles ponderam alterar o

rumo perante o contexto que se apresenta.

Propagou-se a ideia do mudar ou ficar para

trás. Assim, na pior das hipóteses, se ainda

tiverem a oportunidade, resta aos sócios

blindar da melhor forma os estatutos para

que, no futuro, não percam ainda mais voz

nos seus clubes. Estamos perante a morte

da democracia nos clubes de futebol e quem

fica a perder é o povo, os adeptos. É caso para

ter medo, num país que continua a não saber

tratar os seus adeptos. E já que falamos em

tratar bem os adeptos, trazemos à tona um

caso interessante.

O jogo entre o Arsenal e o Forest

sofreu um atraso de 30 minutos em função do

problema, provocado pelo sistema eletrónico

de bilhetes, que impediu a entrada atempada

a cerca de 33000 adeptos, e desse modo

garantiram o direito dos adeptos verem o

jogo desde o início. Queremos também

sublinhar que a Premier League vai manter o

tecto máximo de um bilhete no mesmo valor

pelo menos até 2025.

Na sequência do processo de

internacionalização da nossa Liga, em função

da centralização dos direitos televisivos,

soubemos que os jogos da Liga Portugal vão

deixar de passar no Reino Unido, França e

Brasil, e há dúvidas relativamente ao que

irá acontecer nos Países Baixos e na Suécia.

Os horários dos nossos jogos não ajudam,

mas a qualidade também não. Na verdade,

devemos perguntar como é possível almejar

vender os jogos a “adeptos” de outros países

se nem os nossos adeptos conseguimos

cativar, algo fácil de comprovar pelo estado

das nossas bancadas.

A imagem do nosso campeonato

foi desgastada ao longo do tempo, e aqueles

com responsabilidade só souberam culpar

os adeptos. Contudo, esqueceram-se dos

muitos sacos azuis, do caso dos e-mails,

da operação Lex, do e-toupeira, dos jogos

viciados, da mala ciao, do apito dourado e até

os mais recentes casos polémicos associados

à arbitragem... é suficiente?

Ainda sobre a Liga, temos visto

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rial2

uma promoção dos números de assistências

de uma forma que nos parece um pouco

estranha, avaliando-se as médias sem

contemplar os resultados que as compõem,

gerando leituras tendenciosas.

Sem surpresa, o que se está a passar

na Arábia Saudita também merece a nossa

atenção. Uma boa explicação do que se está a

passar encontra-se nas seguintes palavras de

Javier Tebas, presidente da La Liga, proferidas

há cerca de 3 anos: “O governo da Arábia

Saudita tem uma política pela qual eles

melhoram a imagem do governo por meio

do desporto, branqueando a sua imagem,

e todos nós temos uma responsabilidade

nisso.”. Por ironia do destino, a Visit Saudi,

empresa que promove o turismo no país,

é actualmente um patrocinador da La Liga.

O mundo do futebol está cada vez mais do

avesso, e até adeptos são contratados por

clubes da Arábia Saudita, como é o caso do

líder do grupo de apoio ao Raja Casablanca,

de Marrocos, que irá agora trabalhar junto

dos adeptos do Al Ahli.

Quase a fechar o editorial, uma

palavra a lamentar que os clubes nada façam

na defesa do associativismo. Não devemos

esquecer que, quando todo a estrutura

empresarial de um clube entra em decadência

e todos os seus responsáveis abandonam o

barco, são os adeptos que ficam e tentam

aguentar com o clube e as consequências

que resultarem. Talvez a culpa também seja

nossa por não sermos mais activos.

Para terminar, recordamos que

este é o nosso terceiro aniversário, e o 19º

número é a prenda que preparamos para

vocês que nos seguem!

Director

J. Lobo

Redacção

L. Cruz

G. Mata

J. Sousa

Design

S. Frias

M. Bondoso

Revisão

J. Rocha

Convidados

Martha Gens

Nuno Sá

Raúl Rodrigues

Eupremio Scarpa

Francisco Sobral

Ross Browne

Scubi 92

Patrick T.

J. Araújo

M. Soares

Pedro Blue

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TERCEIRO ANIVERSÁRIO CULTURA DE BANCADA

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Festejamos em andamento,

festejamos enquanto trabalhamos. É assim

que celebramos o terceiro ano do nosso

projecto.

Tem sido uma caminhada intensa, e

sentimos cada vez mais o desgaste provocado

pela constante pressão que é o processo de

construção dos conteúdos que carimbamos

em cada página, de cada número, que aliados

à azáfama diária das nossas vidas pessoais

provocam esta sensação. Contudo, não

abdicamos de, à noite, podermos deitar a

cabeça na almofada e sentirmos que estamos

a cumprir com a causa que abraçamos. Quase

sem tempo para contemplar aquilo que

construímos, vamos percebendo que não

trabalhamos em vão. A sensação é agridoce,

pois resta-nos desfrutar do sabor do esforço.

É fundamental destacar a colaboração de

imensas pessoas pertencentes ao mundo das

bancadas. Obrigado a todos que enriqueceram

a cultura de adepto através das nossas

páginas. Edificamos pontes e encurtamos

distâncias entre pessoas, cultivamos nelas

conhecimentos e despertamos curiosidade.

Quem sabe se não as motivamos a seguirem

em frente ou a experimentarem novos

caminhos...

Temos um projecto de portas

abertas, de todos para todos. Talvez por isso

também nos abram as portas, algumas que

pareciam impossíveis (certamente que quem

nos acompanha percebe o que queremos

dizer). Sem margem para dúvidas, tem sido

bastante produtivo o trabalho que temos

realizado e, quanto aos objectivos traçados,

apenas continuamos a penar sobre a falha na

produção da CdB em formato físico. Sentimos

um amargo de boca, embora tenhamos

conquistado tanto ao nos dedicarmos em prol

de algo muito maior do que nós.

Aparentemente pode não significar


muito, mas temos a certeza que o conceito

que escolhemos para a Cultura de Bancada

permite-nos conservar uma memória muito

abrangente da envolvência dos adeptos

portugueses nos últimos três anos. Para além

disso, conseguimos remexer num passado

mais longínquo e registar memórias muito

importantes para a posterioridade.

Apesar de estarmos orgulhosos

do nosso percurso, há também algo que

nos preocupa. Com tantos ataques, aos

adeptos e aos grupos organizados, qualquer

dia não teremos o que registar. Vivemos

um ambiente repressivo, que impulsiona a

vontade de entidades, como a Liga Portugal,

a criar ambientes de plástico. É importante

levarmos a sério o que se passa, e apelamos a

que não se deixem vencer pelo cansaço.

É triste, e também uma vergonha,

ver que as bancadas que herdamos não

poderão ser passadas às futuras gerações,

em condições melhores do que as que

recebemos.

Como palavras finais, deixamos a

mensagem final que escrevemos na entrevista

que, recentemente, demos à Detrás de la

Portería:

“Costumamos dizer entre nós

que um movimento se faz de pessoas que

se mexem. É isso que estamos a tentar ser,

adeptos que se mexem pelo movimento

das nossas bancadas. Não somos piores

nem melhores que ninguém, somos o que

fazemos, e isso é que importa. Todos nós,

que pertencemos ao mundo das bancadas,

podemos fazer algo para contribuir

positivamente no desenvolvimento da nossa

cultura e principalmente das subculturas.

Dizemos principalmente porque é nessa

especificidade que existe o principal

problema. Falando da nossa realidade,

os nossos adeptos, e em particular os do

movimento Ultra, estão a sofrer um ataque

em todas as frentes que põe em questão

a sua existência da forma que sempre

os conhecemos. Estamos perante uma

verdadeira higienização. Vale a pena recordar

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uma das frases do início da APDA que diz:

“se queres ser ouvido, fala”. Nunca, como

hoje, foi tão importante os adeptos terem

uma voz, a sua própria voz. Por isso, aqueles

que pensam desta maneira, têm a obrigação

de apoiar as vozes que se levantam e com

as quais que se identificam. Sejam fanzines,

associações de adeptos ou outro tipo de voz,

se for uma digna representação dos nossos

valores enquanto adeptos, devem contar

com o nosso apoio. É esta a nossa experiência

e o que podemos deixar aos leitores.”


A NOVA LEI DE COMBATE À VIOLÊNCIA NO

DESPORTO

“Baralha, parte e volta a dar...”

Entrou em vigor, no dia 10 de

setembro, mais uma alteração à lei de

combate à violência no desporto. Com outro

Secretário de Estado com esta pasta e, cerca

de ano e meio depois da última lei, que

declarou o fim do cartão do adepto, eis que

nos surge novo remendo na Lei – na verdade,

a quinta alteração desde a sua publicação

inicial em 2009.

Antes de podermos esclarecer as

alterações que, para já, nos parecem mais

relevantes e com maior impacto para nós,

adeptos, deve ser sublinhado que o núcleo

fundamental da lei não mudou - permanece

o seu esqueleto, a sistematização e a tónica

securitária.

A pergunta inicial que fica no ar é:

por quê outra alteração passado tão pouco

tempo? Não se compreende a necessidade e

a aparente urgência de mexer na lei passado

tão pouco tempo. Talvez... talvez seja uma

questão meramente política, diremos – uma

necessidade de, depois da derrota política do

anterior detentor desta pasta, e revogação

da “última coca cola no deserto” que era o

cartão do adepto, houvesse necessidade de

baralhar, partir e voltar a dar. E, mais uma

vez, iludir quem pouco conhece do tema a

fundo, mostrando ao eleitor quem tem a

mão mais forte. Parece que, para quem tem

a pasta política na mão, é mais importante

mostrar que os trunfos continuam do lado

de quem manda. Quem diria que, num

estado aparentemente democrático, pudesse

existir a necessidade de passar a impressão

de que os adeptos não podem ganhar. Uma

demonstração de poder, talvez.

No que toca aos adeptos, as

alterações podem traduzir-se numa tentativa

de encostar os grupos à obrigatoriedade do

registo através do confinamento dos GOA nas

ZCEAP, condicionando o uso dos materiais de

apoio ao registo na APCVD.

É sabido que os grupos organizados

de adeptos encontram a sua génese e

existência na exteriorização da liberdade

de expressão e na forma como apoiam os

seus clubes, e foi essa a chantagem que o

legislador entendeu ser a derradeira forma

de os obrigar a se submeter ao registo na

APCVD. Explicaremos como.

Primeiramente, o registo de GOA

sempre resultou de uma prorrogativa muito

própria de grupo para grupo, quer no que

diz respeito ao registo inicial ou mesmo na

relação que têm com o Promotor. É muito

difícil conseguir tirar uma fotografia clara

deste cenário – há promotores que têm boas

relações com os seus GOA’s, outros que não.

Uns não se registam por princípio, outros

têm o seu registo suspenso, e tantos outros

existem que nem fundos teriam para suportar

os custos do registo.

Entende assim o Governo passar a

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“batata quente” para os clubes – se o GOA

não se regista, regista o Promotor. Ao mesmo

tempo é simplificado o processo de registo,

já não sendo necessária a lista identificativa

de todos os membros, bastando agora a

identificação dos órgãos sociais, número de

membros e protocolo com o clube.

Esta alteração levanta questões

graves, quer no plano teórico, quer no plano

prático, que a APDA trouxe por diversas vezes

à atenção. No plano teórico, como pode

alguém (o Promotor) substituir-se à vontade

de alguém (Grupo), quando não há vontade

de se constituir uma associação e avançar

com um registo? Por outro lado, como se vai

isto passar nos casos em que clube e adeptos

estão de costas voltadas? Ou nos casos em

que é o próprio Promotor que não quer

registar os seus grupos? Ficam estes à mercê

dos Clubes (mais ainda...)?

Se o cenário acima nos deixa a

pensar, vamos adicionar mais parcelas a esta

equação.

Outra das grandes novidades é

que passa a ser crime o apoio a GOA não

registado... Além da pobre técnica jurídica

típica deste diploma (sabemos o que se diz

do que se faz depressa e bem!), fica no ar

uma questão: se o grupo não se quer registar

por sua vontade, o Clube fica claramente

habilitado a ser punido criminalmente e,

naturalmente, os clubes não vão querer

ocupar essa posição de risco. Irão coagir os

Grupos ao registo?

A verdadeira cereja no topo deste

bolo fica assim para o fim – doravante,

apenas podem usar materiais de apoio (e

apenas nas ZCEAP) os GOA que estejam

registados. Ou seja, há uma clara submissão

a um registo desnecessário e inútil, para o

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mero simples aproveitamento de um direito

constitucionalmente previsto – a liberdade de

expressão.

E assim vamos, apregoando que

a cura para todos os males seja uma lei

que limita a autonomia privada, promove

a coação e ataca a liberdade de associação.

Bravo!

Fomos ainda presenteados com

a possibilidade de os órgãos de polícia

poderem aplicar in loco uma espécie de

medida cautelar, se antes da ocorrência de

um jogo qualquer adepto praticar actos de

violência. Não sabemos a que corresponde o

termo pouco jurídico “violência”, nem a que

tipo de delitos se aplica. Sabemos, isso sim,

que fica na mão humana e policial este tipo

de decisões, sem qualquer direito de defesa

ou resposta.

Já vimos licenças de porte de arma

mais fáceis de obter. Já vimos cartas de

condução igualmente mais fáceis de obter.

Mas, aparentemente, a preocupação para

todos os males do futebol continua a ser esta

– a burocratização, a estigmatização, a criação

de sentimentos revolta e incompreensão,

acompanhada de uma constante sensação

de vontade de higienização das nossas

bancadas. E assim vamos, esperando que, um

dia que tirarmos tudo o que está na natureza

dos GOA, a violência termine.

Por último, os bilhetes nominais.

Com a queda do cartão do adepto,

foi instituída a obrigatoriedade da bilhética

nominal (o que os italianos chamam de mini

cartão do adepto!) para as ZCEAP. Ano e

meio depois, o Governo que aprovou esta lei,

passa esta batata quente para o organizador

da competição. Assim, este último, passa a

decidir sobre qual será a regra geral sobre este

tema, para os jogos das suas competições.

Aguardemos notícias sobre este assunto,

visto que a decisão da Liga Portugal ainda não

foi tomada.

Ficámos aquém de todos os países

que servem de referência. Ficámos longe das

culturas que elogiamos quando aparecem na

TV.

Somos um país de fraca coragem

política, que se vale do elo mais vulnerável

para demonstrações de força e se vangloria

de leis fracas e terceiro mundistas.

Somos os autores de leis

castradoras, que afastam os adeptos daquelas

que são também as suas casas, os estádios.

Os responsáveis das várias áreas que rodeiam

o desporto insistem em não perceber o nexo

causal entre estas medidas, o aumento do

afastamento, e a existência de competições

cada vez mais pobres, sem adeptos e sem

interesse.

Por Martha Gens, Presidente da Associação

Portuguesa de Defesa do Adepto

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Os grupos organizados de adeptos veem hoje a sua influência espalhada por todo

o mundo e a sua denominação varia consoante a área geográfica onde estão inseridos. Se no

México estes grupos são conhecidos por Porras e no Brasil por Torcidas, já na Argentina a sua

denominação é Barra Bravas. Por outro lado, em Itália são chamados de Ultras e em Portugal,

embora também seja normal a referência aos Ultras, são popularmente conhecidos como claques.

Ao longo dos tempos estes grupos, independentemente da denominação, apresentaram-se com

características próprias, fruto do meio social onde se inserem, mas também sofreram influências

externas que muito contribuíram para a sua evolução.

É nestes grupos de adeptos que irei concentrar as próximas linhas, realizando uma

viagem cronológica e espacial, ao encontro das primeiras manifestações que influenciaram o seu

aparecimento, até à realidade do espectro Vitoriano actual.

Para dar início a esse objectivo, começo com um enquadramento dos adeptos e dos

grupos, enumerando alguns dos primeiros passos dados, que me parecem determinantes para

perceber a construção desta forma de viver os clubes, um fenómeno que está hoje enraizado no

seio da nossa comunidade.

Como é sabido, o futebol, na linha que actualmente conhecemos, começou em

Inglaterra no século XIX e foi também nesse período, mais precisamente no ano de 1857,

que nasceu o Sheffield Football Club. Este é o clube mais antigo do mundo, não associado a

uma instituição como uma escola, hospital ou universidade, em que todos podiam jogar. Os

primeiros espectadores de futebol foram, provavelmente, os membros dos clubes que não eram

jogadores. Os seguintes foram, naturalmente, as famílias e amigos dos membros e mais tarde a

comunidade local. Se, no início, a assistência primava pela simples observação do jogo, a entrada

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da comunidade local foi acompanhada de muitas rivalidades, pese embora fossem originadas por

situações extrajogo. O tempo passava e a emoção aumentava, a competição a isso ajudava, e os

adeptos, que antes se comportavam como simples observadores, começaram, a partir de então,

a criar uma ligação muito maior com os clubes e as suas equipas. Este momento parece ser a

chave da transição daqueles que eram simples espectadores, para adeptos.

Com o desenrolar do tempo os adeptos apresentaram um comportamento mais

activo e começavam a sentir que, de algum modo, podiam interferir no jogo, fosse com um

grito de incentivo a algum jogador ou simplesmente mencionando o nome do clube. Deixo a

referência que, já naqueles tempos, existiam excessos, como quando alguns adeptos esticavam

a perna junto às extremidades do campo para fazer os jogadores adversários tropeçarem. Uma

interferência que hoje é quase inimaginável, mas que naquela época acontecia em consequência

de os campos serem apenas o terreno de jogo, muitos dos quais sem qualquer barreira que

afastasse os adeptos.

Outro ponto a considerar é que o futebol rapidamente se tornou um desporto popular

e começou a ser comum ver multidões a moverem-se atrás dos seus clubes, quer jogassem em

casa ou fora. Ainda nesse século, por volta do ano 1880, como reflexo da popularidade do futebol,

nascem na Irlanda os “brake-clubs”. Estes clubes eram uma espécie de grupos organizados de

adeptos compostos por membros que pagavam uma quota, a qual lhes conferia a oportunidade

de viajar com esse grupo nos jogos disputados fora de casa. Estes grupos deslocavam-se em

carroças puxadas a cavalo, envergando o seu estandarte na frente e, só umas décadas mais tarde,

acabariam por entrar em declínio devido ao aumento dos transportes ferroviários e dos veículos

motorizados.


Com excepção dos clubes de adeptos, que mencionei anteriormente, não havia uma

organização para grupos de apoio, na forma tribal que conhecemos e que, durante vários anos

predominou. Porém, o futebol estava a expandir-se pelo mundo e, mais tarde ou mais cedo, seria

natural que as comunidades acrescentassem um toque próprio à forma como viviam o jogo.

Foi ainda por estes anos que os adeptos começaram a entoar os primeiros cânticos.

Basicamente eram as músicas populares que a própria comunidade ouvia, mas o rastilho tinha

sido aceso e o tempo acabaria por se encarregar de trazer a evolução dos cânticos que saíam

da bancada. Um momento fundamental foi quando os adeptos deram uso à sua criatividade e

começaram a criar as próprias letras.

Avancemos agora para o Brasil, mais concretamente para São Paulo. Viva-se o ano de

1939 e por esta altura aparecia a primeira Torcida Uniformizada a qual, pese embora estar muito

distante da imagem de um grupo de apoio actual, me parece ser um dos pontos de partida

para o conceito que hoje conhecemos. Estas torcidas eram caracterizadas por os membros,

maioritariamente adultos, usarem roupas iguais, por se fazerem acompanhar de bandeiras e por

uma animação onde se sentia a influência do samba. No ano de 1944 é oficializada a Torcida

Organizada do Vasco que seria a primeira Torcida Organizada em todo o Brasil, visto que teria sido

criada em 1942, e conferiu aos grupos de adeptos brasileiros o nome pelo qual ainda hoje são

conhecidos. Contudo, é em 1969, com o aparecimento dos Gaviões da Fiel, que nasce uma forma

diferenciada de estar na bancada, destacada pela participação mais organizada e activa junto dos

clubes.

Regressemos agora ao velho continente para dentro do território da antiga Jugoslávia.

No ano de 1950 é fundada a Torcida Split, grupo de apoio ao Hadjuk Split na actual Croácia. O seu

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nascimento dá-se no mês de outubro, pouco tempo após o Mundial de 1950 que teve lugar no

Brasil e, o seu nome foi inspirado na apaixonada torcida brasileira. Pareceu-me relevante referir

este momento, pois reflete o início da influência cultural que as torcidas brasileiras tiveram na

Europa.

É agora tempo de dar um salto até Itália onde, também nos anos 50, apareceram alguns

grupos de apoio. Estes grupos uniram pessoas de ambos os sexos e de várias classes sociais para

dinamizar um apoio vocal acompanhando por tambores, faixas, bandeiras e estandartes. Estes

grupos viviam um forte clima de união e amizade entre os seus membros. Anos mais tarde, em

1968, num ano que ficaria marcado por protestos protagonizados pela juventude italiana e a classe

trabalhadora, nasce aquele que seria o primeiro grupo Ultra, a Fossa dei Leoni. A experiência que

alguns elementos trouxeram da luta política, acabou por influenciar a forma como os grupos se

passaram a organizar. É importante referir que neste novo movimento existiram semelhanças

com movimentos de apoio de outros países, mas como é natural, também tiveram a sua dose de

originalidade, que os diferenciou e lhes conferiu uma marca muito própria.

Os anos 70 e 80 ficaram marcados por um período de expansão dos Ultras, e do seu

movimento, por toda a Itália, atraindo principalmente jovens de uma faixa etária compreendida

entre os 15 e os 20 anos. É também nestes anos que se dá a internacionalização deste movimento

que acabou por seduzir jovens de toda a Europa, do qual Portugal não se exclui.

No nosso país, tal como noutras partes do globo, também se sentia o efeito do apoio

dos adeptos aos seus clubes. Só que esse apoio acontecia de uma forma espontânea. Pelo que

me foi possível apurar, a primeira história de um grupo organizado de apoio a um clube, em

Portugal, vem dos inícios dos anos 70. Eram conhecidos como Vapores do Rego e compostos por


estudantes brasileiros, a viver em Portugal, que apoiavam o Sporting CP ao ritmo das torcidas que

existiam no Brasil. Há quem diga que existiu um grupo que antecede os Vapores do Rego, refirome

ao VIII exército do Vitória Futebol Clube, que supostamente teria nascido em 1943. Porém,

não podemos considerar a massa adepta de um clube como um grupo. A proveniência desse

nome é atribuída a um jornalista, do jornal o Mundo Desportivo, relativamente a uma falange de

adeptos que se mobilizava de forma espontânea atrás do seu clube.

Em 1976 surge a Juventude Leonina, o grupo de adeptos mais antigo em actividade

em Portugal, pioneiros num estilo mais aproximado daquilo que hoje conhecemos. Embora algo

inspirados nos seus antecessores, e naturalmente nas torcidas brasileiras, tinham como imagem

de marca um maior apoio vocal e a utilização de bandeiras. É importante ressalvar que este

grupo também influenciou vários jovens adeptos de outros clubes a criar a sua claque. Sustento

esta afirmação nos nomes de vários grupos que surgiram nos anos 80. As sementes haviam sido

lançadas de tal forma que, durante os anos 80 e 90, deu-se o “boom” deste fenómeno e, quase

que por moda, tornou-se comum ver estes grupos de apoio a aparecer nas bancadas de muitos

clubes portugueses.

Por fim chegamos ao nosso destino: Guimarães. Mais especificamente ao Vitória

Sport Clube. As bancadas do nosso estádio não ficaram à parte e também sentiram a sedução

que este movimento provocou nos adeptos mais jovens. Até 1983 o apoio não faltava, mas era

gerado de uma forma espontânea, como de resto acontecia em quase todo o lado. Talvez a única

organização que se podia ver fossem as excursões, que se realizavam para proporcionar aos

adeptos Vitorianos o acompanhamento à sua equipa, nos jogos fora de casa. É então que, nesse

ano, se dá o aparecimento do primeiro grupo organizado do Vitória, a Juventude Vitoriana, do

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qual nos chegam alguns registos até aos dias de hoje. Este grupo de jovens, também conhecido

por La Juvi (Labuta Juventude Vitoriana), situado na bancada poente, havia sido influenciado pelo,

ainda recente, fenómeno das claques em Portugal mas, tal como viria a ser comum, também se

inspiraram no movimento Ultra italiano.

No ano seguinte, em 1984, surge noutra bancada uma tarja identificando um grupo

de adeptos com a mesma denominação do que já existia. Este grupo apresentou-se como Juvi

e permaneceram activos até à época 2001/2002. Como consequência desta situação a La Juvi

alterou o seu nome para Os Fundadores. Nos tempos que se seguiram, essencialmente em 1986,

novos grupos apareceram e, para além dos dois que já existiam, havia agora os Conquistadores,

Força Afonsinos, Força Branquinhos, Tempestade Vitoriana e o 7º Exército. Estes grupos, na

sua grande maioria, eram compostos por elementos jovens que davam colorido e animação

à bancada através das faixas, bandeiras gigantes e tambores, para além dos extintores e, por

vezes, pirotecnia que utilizavam na entrada da equipa. Alguns destes grupos chegaram a produzir

t-shirts e camisolas nas confecções da cidade.

A 26 de Junho de 1987 é noticiado o aparecimento de “Os Vimaranes”, uma nova

claque que nascia com o objectivo de tentar fundir os 6 grupos existentes (Fundadores, Juvi,

Conquistadores, Força Afonsinos, Força Branquinhos e Tempestade Vitoriana). Este será o

primeiro grupo do Vitória a produzir um cachecol próprio do grupo que também seria um dos

primeiros do país.

Em 1992, num jogo contra a Real Sociedad, apareceu uma tarja na bancada norte

onde se podia ler Black N’ White Boys. Este nome, ao contrário do que alguns pensam, não

representa um novo grupo. É apenas uma tarja que foi pintada por antigos membros dos extintos


Fundadores, os quais já apresentavam uma tarja com a mesma inscrição nos seus primeiros anos.

Em meados dessa época, de 1992/1993, aparece a Legião Vitoriana, com objectivo de tentar

recuperar a actividade dos jovens Vitorianos, e que iria durar até ao final da época 1993/1994.

Na época seguinte, a 25 de setembro de 1994, três dias após a celebração do 72º

aniversário do Vitória Sport Clube, nascem os Insane Guys. Este grupo veio mudar totalmente o

paradigma de apoio nas bancadas vitorianas. Este seria o maior grupo de apoio ao Vitória SC até

à data e, ainda hoje, são reconhecidos nacionalmente pela força do seu passado. Importa referir

que, aquando a sua fundação, apenas existia a Juvi a qual se caracterizava pelo toque dos seus

bombos e por serem compostos por elementos que já tinham passado a sua juventude há uns

bons anos. Naturalmente, os Insane tornar-se-iam a alternativa que a juventude local procurava

e, em pouco tempo, passaram dos 25 elementos fundadores para a campanha de angariação

dos 500 sócios, seguida dos 1000, e assim continuou. Estes trouxeram coreografias a todas as

bancadas, novos cânticos, inovaram nas tarjas, criaram a sua fanzine, produziram uma série de

adereços novos como t-shirts, casacos, chapéus, cachecóis e a lista podia facilmente continuar.

Os Insane continuam a existir na bancada onde nasceram, a nascente, e são o grupo mais antigo

do Vitória, tendo já atingido o seu 29º aniversário.

Mais tarde, no ano de 1999, nascem os White Angels que são actualmente o maior

grupo de apoio ao Vitória Sport Clube. Este grupo, a par do anterior, foi muito importante no

desenvolvimento do movimento Ultra na cidade berço e tentaram trazer outra consistência com

a sua actividade. Inicialmente começaram na bancada nascente, no lado oposto aos Insane Guys,

estando actualmente situados no topo sul.

Poucos anos depois, mais concretamente em 2003, nasce o Gruppo 1922 que continua

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a praticar a sua actividade de apoio ao Vitória. É ainda na primeira década deste milénio que

aparece o Gate12, os Tifosi (2007), a Brigata, os MP52 e os Vimaranes 1128. Também nesta fase,

podiam-se ver outras faixas de grupos no estádio D. Afonso Henriques como a dos Ramuf e dos

MG, fruto de algumas dissidências que ocorreram ao longo da história.

Em 2008, na dinâmica gerada pela união de alguns grupos na nascente inferior, surgem

os Suspeitos do Costume. Este grupo também ficaria marcado pelas suas coreografias e a sua

capacidade de mobilização. Mais tarde seriam preponderantes, a par dos White Angels, na

construção do chamado Sector Ultra, na bancada sul inferior, que procurou reunir os grupos de

apoio ao Vitória.

Na segunda década do milénio manteve-se a tendência de aparecimento de pequenos

grupos e, assim, continuamos a assistir ao nascimento dos Galáticos do Minho (2010), Exército

Branco (2011), King’s Crew (2011), Nova Gera (2013), Ragazzi (2013) e Fundadores (2015). Mais

recentemente, em 2018, começa a juntar-se um novo grupo de jovens na nascente inferior, os

quais não possuem uma denominação assumida, mas que continuam activos a par dos Insane

Guys, dos White Angels e do Gruppo 1922.

Recentemente os quatro grupos mais activos juntaram-se para celebrar, de uma maneira muito

própria, o centenário do clube com a realização de uma tochada espalhada por várias ruas do

centro de Guimarães e com uma coreografia que ocupou as três bancadas afectas aos adeptos

do Vitória, a par de uma boa tochada.

Como foi possível constatar, a história do movimento organizado de adeptos do Vitória

Sport Clube é bastante rica a partir dos anos 80. Os jovens locais foram seduzidos por esta forma

organizada de viver a bancada e acabaram por se inserir num grupo ou participar na fundação


de outros. Eu próprio, por brincadeira, ajudei

a fundar um grupo juntamente com os meus

amigos de escola, o qual baptizamos de Black

Monsters, mas longe vai esse ano de 1995.

No meio de tanta informação, é

possível que me tenha falhado a memória

na menção a algum grupo ou, simplesmente,

tenha optado por não o colocar por a sua

existência ser muito curta e não se justificar.

Ainda assim, este texto é um registo

importante sobre os grupos de apoio ao

Vitória Sport Clube.

Por J. Lobo

21


22

A multipropriedade é um conceito

criado nos anos 60, na Europa e nos Estados

Unidos da América, quando diversas pessoas/

empresas começaram a adquirir imóveis

em conjunto. Neste caso, a propriedade

é totalmente usada por cada proprietário

em períodos de tempo determinados pela

percentagem da fracção adquirida.

No Futebol, a introdução dos

multi-clubes dá-se na década de 90, pela

mão do ENIC Group. Este grupo económico

não pretendia controlar o quotidiano dos

clubes em que detinha participação, tendo

como objectivo principal deter as acções,

esperando que as mesmas valorizassem para

lucrarem a longo prazo, aplicando isto no

Tottenham Hotspur, AEK Atenas e Slavia de

Praga. Foi através desta ligação que se deu o

primeiro conflito de interesses deste tipo nas

competições europeias, na época 1997/98,

em que Slavia e AEK participaram na Taça

dos Vencedores das Taças. Na sequência

disso, a UEFA implementou uma nova regra,

a “Integridade das Competições de Clubes

da UEFA: Independência dos Clubes”, a qual

previa que clubes sob controlo comum não

pudessem participar na mesma competição.

A multipropriedade de clubes

praticamente confunde-se com a entrada

de investidores sem qualquer ligação

afectiva aos clubes ou cidades onde esses

têm sede, bem como na criação de SAD’s

no âmbito nacional (e não só). Sem dúvida

que é um dos baluartes do Futebol negócio,

começando a ganhar terreno, desde os

primeiros anos do atual século, ao modelo

tradicional de clubes sem fins lucrativos e

baseados no associativismo, com foco no

serviço à comunidade local e conquistas

desportivas. Actualmente, na maioria dos

clubes, os objectivos são a obtenção de lucro

financeiro, resultados desportivos, expansão

da marca e melhorias operacionais e de

infraestruturas. Infelizmente, o mercantilismo

é desmedido. Vivemos um Futebol que

está associado a uma indústria que tornou

os clubes em marcas, explorando receitas

pela venda de jogadores (activos), direitos

televisivos, prémios e subsídios da UEFA e

FIFA, patrocínios, marketing e dias de jogo,

receitas essas que triplicaram no período

compreendido entre 2000 e 2016. Quem

ganha com isso? É o Futebol? São os clubes e

as suas comunidades?

Este género de propriedade

revela-se quando uma pessoa/empresa

detém participação, seja ela maioritária ou

parcial, em mais do que um clube, podendo

ser adquirida de forma pública através da

aquisição de acções em bolsa (algo em vias

de extinção) ou de forma privada (com uma

pessoa/empresa a ter controlo maioritário

e controlo total nas decisões). Há ainda o

caso de clubes detidos em certa medida

por grupos de adeptos que pretendem

proteger a independência dos seus clubes

de investidores externos, o que acontece no

Hajduk Split, por exemplo.

Os clubes detêm características

sociais dos meios onde estão inseridos, que


a par da história que se escreve diariamente,

moldam a identidade de cada um deles.

Isto é algo que começa a ficar cada vez

mais ameaçado, uma vez que os clubes

são adquiridos para servirem um modelo

de negócio que os uniformiza em diversos

aspectos. Forma-se um padrão identitário

do multi-clube “X” e os clubes que o formam

seguem um alinhamento, na estética, no

estilo de jogo, na atuação no mercado de

transferências, na gestão, nos patrocínios. Os

empresários que procuram criar ou fomentar

o crescimento da sua multipropriedade

escolhem os alvos consoante as suas

pretensões, embora seja possível constatar

que os clubes que vivem problemas

financeiros e os clubes-escola são os mais

apetecidos.

é “natural”, visto que ambos os clubes são

activos da Eagle Football Holdings, grupo que

em tempos tentou entrar na SAD benfiquista.

Ultimamente, temos visto a abordagem da

BlueCo, consórcio que recentemente adquiriu

o Chelsea (por mais de 4 mil milhões €) e o

Estrasburgo (por 75,7 milhões €) e que neste

momento tem em aberto uma proposta para

aquisição de capital do Sporting C.P., focando

(pelo menos para já) a sua atuação na Europa.

Todd Boehly, um dos donos do Chelsea,

mostrou-se satisfeito por ter no Estrasburgo

uma equipa na qual quer potenciar jogadores

jovens que pretende que vistam a camisola

do clube londrino numa fase mais madura

da carreira, ao passo que os dirigentes do

clube francês disseram que só desta forma

é possível catapultar o clube para patamares

desportivos e financeiros superiores, apesar

do mesmo apresentar saldos positivos. Quem

não concorda com isso são os adeptos do

Estrasburgo, que têm protestado de forma

organizada. Oito associações de adeptos do

clube têm levado a cabo um movimento de

protesto, reiterando que o modelo multi-clube

não é bem-vindo e que não se querem tornar

Nas multipropriedades de clubes

que conhecemos minimamente há variados

tipos de estruturas hierárquicas: pirâmide (há

um clube no topo e os demais devem servir

de apoio), híbrido (mais focado na exploração

de diferentes mercados) e horizontal (no

qual os clubes têm a mesma importância).

Os multi-clubes mais mediáticos são alguns

dos primeiros a serem constituídos e neles

podemos encontrar diferentes abordagens.

Ao passo que o City Football Group já detém

13 clubes em diversos continentes, a Red Bull

possui cinco equipas entre Europa e Américas.

Este ano, quando Luís Castro saiu do Botafogo,

o escolhido para fazer a transição no comando

da equipa para Bruno Lage foi Caçapa, que é

auxiliar técnico do Olympique Lyon. Algo que

num satélite, pois retira a independência, a

identidade e a integridade ao seu símbolo.

Mas nem tudo é mau... Robert Platek trouxe

alguma transparência para “a indústria do

Futebol português” e falou da sua aposta

no Casa Pia: “É a abordagem do underdog.

Antes de comprar a equipa, sentei-me com

o presidente, falámos do contexto e ele

gosta da abordagem do underdog, em que

23


24

estás envolvido com uma equipa pequena

e não tens interrupções com um grupo de

adeptos doidos.”. Certamente é mais fácil

moldar um clube à imagem que se pretende

quando não há massa crítica, nem militância

ao seu redor. O empresário, que também é

dono do Spezia, contou como chegou até

aos gansos: “Ligaram-me a dizer que havia

uma oportunidade num clube da 2.ª divisão

que tinha algumas dívidas e podíamos ajudálos

pagando essas dívidas.”. Os casapianos

irão deixar de estar constituídos em SDUQ

em detrimento da criação duma SAD, tendo

Platek dito: “É importante? Sim, estás a meter

dinheiro em algo, então queres garantir que

tens controlo a longo prazo. Mas foi sempre

assim o plano, nunca pensei se era algo que

queria. Foi algo que planeámos executar.”.

Além destes tipos de estruturas multi-clubes,

há ainda aquelas que nascem no seio de

governos, como acontece através de fundos

estatais do Catar e da Arábia Saudita, que

contribui imensamente para a lavagem da

imagem que o ocidente tem em relação aos

seus países. Foi através destas entidades que

se gerou influência para ser possível realizar

um Mundial no Catar e se pensar na realização

de outro em solo saudita. Certo é que Portugal

já foi atingido pelas suas ramificações, uma

vez que o fundo que detém o PSG comprou

21,67% da SAD do Sporting de Braga, tendo os

ultras bracarenses prontificado-se a protestar

num jogo com a frase: “Esclavagistas qataris

não são bem-vindos”. No caso do país onde

joga Cristiano Ronaldo, o governo usou o

Public Investiment Fund para comprar quatro

clubes do próprio país e o mítico Newcastle

United.

Um dos principais emblemas

dinamarqueses, o Brondby, foi recentemente

adquirido pelo Global Football Holdings pelo

valor de 30 milhões de euros. Este consórcio

de 14 proprietários detém o português Estoril

Praia, Crystal Palace, Waasland-Beveren,

Augsburg, ADO Den Haag, Alcorcón e Real

Salt Lake. Aquando da aquisição do Brondby,

os seus ultras iniciaram um boicote, deixando

o seu sector vazio, só entrando no final

dos jogos para protestarem, vestidos com

camisolas cor de laranja e apoiando as equipas

inferiores. Entre as críticas e preocupações

estava sobretudo o lado social do clube e a

falta de transparência quanto à identidade

de alguns dos 14 investidores e as contas

off-shore do consórcio. Aos investidores foi

apresentada uma carta de intenções pelo

movimento de adeptos “Salvar o Brondby”,

tendo como objectivo a assinatura de um

acordo formal entre adeptos e o consórcio

para a manutenção da identidade do clube

a longo prazo. Basicamente, fizeram ouvidos

de mercador e um acordo foi assinado,

embora se considere que as exigências não

foram suficientemente integradas. Os grupos

de apoio do Brondby deixaram o boicote e

voltaram às bancadas, onde têm mantido

os protestos em cânticos e em faixas com o

nome da GFH rasurado.

No âmbito nacional, o Mafra deve

ser o mais recente caso de aquisição multiclubes.

Em Agosto, a empresa dinamarquesa

Heartland, que é accionista maioritária

do Midtjylland, adquiriu 80% das acções

da SAD do clube português. A verdade é

que o Mafra já servia como clube-satélite

dos dinamarqueses, através dos muitos

empréstimos de jogadores nas últimas

épocas. Diz-se que o futuro do Futebol

nacional está a acontecer agora e passo a

mencionar outros casos que comprovam

esta significante e prejudicial mudança de

paradigma: a empresa que possui 75% das

acções do Amora tem participação numa

sociedade desportiva estrangeira; o Leça

é mais um recente multi-clube, tal como o


Vianense; o Grupo Onodera adquiriu 52,5%

da SAD da Oliveirense e também comanda o

Yokohama FC; o Boavista é detido por Gérard

Lopez, que também detém o Bordeaux; a

A HOBRA GmbH & Co. KG tomou conta da

maioria do capital da SAD do Académico

de Viseu e o investidor Mariano Lopez, que

também detém acções do Hoffenheim,

além de ser presidente da SAD também já é

presidente do clube viseense; o Famalicão

é detido por Idan Ofer que, por sua vez,

também detém uma parte considerável

das acções do Atlético de Madrid; o caso

obscuro da SAD leixonense, que era detida

por Paulo Lopo, que saiu do Leixões e foi logo

para a Amadora, tendo assumido o cargo de

presidente da SAD que resultou da fusão do

CD Estrela com o Sintra Football, clube no

qual tinha sido vice-presidente. O que dizer

disto? É este Futebol que querem que cative

mais pessoas, um Futebol conspurcado pelos

altos dirigentes? Contudo, reflicto sobre

problemas antecedentes e questiono-me: E o

papel da Olivedesportos em diversos clubes,

com os quais celebrou e celebra contractos

ao longo de, pelo menos, vinte anos? A

empresa que tem o direito de transmissão

das competições profissionais portuguesas já

teve participações em simultâneo nas SAD’s

de Benfica, Porto, Sporting, Boavista, Os

Belenenses e Braga.

A tendência é a dos clubes

continuarem a formar multipropriedades,

sendo que o crescimento destas sociedades

tem aumentado de forma exponencial. Em

2016 havia 16 casos de multipropriedades,

tendo sido possível contabilizar mais de 70

caso até ao final de 2022. Em Março de 2023,

veiculou-se que já perfaziam um total de 82

clubes europeus dominados. Os desafios

jurídicos impostos pela FIFA e pela UEFA

eram facilmente ultrapassados, e no último

verão foi possível assistir a um relaxamento

das regras aplicados pelo principal organismo

do Futebol europeu, liderado por Aleksander

Ceferin. No passado mês de Março, os sócios

do Vitória SC votaram em AG a venda de

46% das acções da SAD, com a cedência de

essenciais poderes de decisão, por meros 5,5

milhões de euros à V Sports, formando desde

aí um multi-clube com o Aston Villa, clube

inglês que se encontrava qualificado para Liga

Conferência, tal como os vitorianos. Embora

houvesse um efectivo relaxamento das

restrições da UEFA em relação à participação

simultânea de clubes detidos pela mesma

pessoa ou empresa na mesma competição,

o clube vimaranense viu-se obrigado a

alterar a composição da SAD para poder

participar na prova continental, passando

a V Sports a deter a olho somente 29% das

acções. Uma mudança que se efectivou

no papel, mas acreditam que o investidor

ficaria sem garantias de que iria reaver

parte considerável da percentagem em que

investiu? Em Outubro os sócios do Vitória

serão convocados para uma AG, na qual se

pretende repor a situação. O que acontece

é que o problema se agrava, um problema

que também tem antecedentes, uma vez

que Red Bull Leipzig e Red Bull Salzburg

disputaram, em fases diferentes, a Liga dos

Campeões 2017/2018. É relevante referir

que a Bundesliga (orgão que organiza os

campeonatos profissionais ambos os países)

não aceita que clubes se apresentem com

o nome de empresas, portanto o “RB“ que

têm nas suas denominações corresponde a,

RasenBallsport“, que traduzido quer dizer algo

como Desporto sob Relva. Para participarem

nas mesmas competições da UEFA, bastou

mudarem o nome e a constituição da

25


sociedade desportiva dos austríacos, que

passaram a ter de forma travestida a Red

Bull somente como patrocinadora, ao passo

que o touro associado à marca de bebidas

energéticas continuou a figurar no centro

do símbolo da equipa. Acontece que, nessa

época, ambas disputaram a fase a eliminar da

Liga Europa, e em 2018/2019 houve mesmo

confrontos entre elas na fase de grupos da

Liga Europa. É a confirmação de que a UEFA

deixou de ser um dos maiores entraves à

criação de multipropriedades, passando a

receber de braços abertos os clubes por

elas afectados. Com que objectivo se legisla,

quando os próprios reguladores abrem a

porta do cavalo aos “prevaricadores”?

mas não reverte o processo antagónico de

se usar o desporto como meio financeiro.

É por isso que é possível ver a Liga Portugal

fazer a segunda edição de um congresso

denominado em inglês onde houve, entre

outros, os seguintes painéis:

- A filosofia de jogo numa estrutura multiclube:

Uma das abordagens inovadoras

dos últimos anos passa pelo “multi-club”,

congregando vários emblemas de diferentes

países numa estrutura com especificações

únicas. Desde ideologias partilhadas até ao

estilo de jogo de cada equipa, Tiago Lopes

(CEO do Casa Pia), Mads Davidsen (Head

of Football na Right to Dream) e Thiago

Scuro (Diretor Desportivo no AS Mónaco)

26

João Paulo Correia, secretário

de Estado da Juventude e Desporto, disse

no Observador que “até aos dias de hoje,

perto de 30% das sociedades anónimas

desportivas (SAD) caíram em processos de

insolvência, dissolução ou extinção. Um

número impressionante e assustador. O

sintoma de uma grave doença que vem

afetando o desporto e que urge eliminar.”.

Tal afirmação surge na sequência da

implementação do novo regime jurídico das

sociedades desportivas, um trabalho que

contou com a participação de dirigentes

de clubes. Esperemos efectivamente que

este mecanismo traga a idoneidade e

transparência necessárias, bem como o fim

das jogatanas que só prejudicam os clubes,

comandados por charlatões mergulhados

em conflitos de interesses. Contudo, este

caminho pode e deve proteger os clubes,

irão discutir como diferentes clubes dentro

de uma estrutura única mantêm as suas

identidades, procurando o sucesso coletivo;

- Clubes tradicionais versus grupos de

investimento: Os clubes tornar-se-ão

multinacionais? Os anos recentes assistiram à

entrada de investimento avultado no futebol

um pouco por todo o Mundo, causando um

choque entre estruturas tradicionais e os

mais recentes grupos de investimento. Este

é um tópico central para o presente e futuro

do Desporto-Rei, cada vez mais internacional,

com uma questão-chave como ponto de

partida: irão os clubes transformar-se em

empresas multinacionais? Para responder

a esta e outras perguntas estarão presentes

os especialistas Jordan Gardner, Consultor na

Twenty First Group, Luís Vicente, Chairman

na APEX Capital, Michael Broughtin, Sports

Investment Partner na LLP e Troels Bisgaard


Vig, Managing Director na Better Holding.

- Estruturas multi-clube - O novo império

do Futebol? Este painel pretende estimular

a discussão sobre a evolução do cenário

futebolístico, ao explorar o surgimento e o

impacto das estruturas multi-clubes. Giovanni

Solazzi (VP & MD na Blue Sports Group), Don

Dransfield (Football CEO da 777 Partners),

Zeljko Karajica (CEO da SEH Football) e

Ignacio Beristain (Presidente do Estoril-Praia)

analisarão como alianças estratégicas entre

diversos clubes podem redefinir as fronteiras

do futebol, examinando os benefícios de

compartilhar recursos, conhecimentos e

talentos num ecossistema interligado, num

painel moderado por Luís Vicente, Chairman

da APEX Capital.

Posto tudo isto, e adicionando

à equação o sentimento de revolta e

impotência em relação ao que se passa no

meu clube e no Futebol, acabo a desejar que

esta indústria impluda e que o meu clube se

livre dos sanguessugas que nele habitam (e

que não venham outros). Chego a um ponto

em que desejo todo o insucesso, na esperança

que esses sanguessugas dele se afastem.

Não deverá ser a solução, mas é certo que a

solução não é o caminho da busca insaciável

de lucro para bolsos privados. Não quero que

me dêem de comer, quero que se faça bem às

comunidades e aos clubes nelas inseridas. No

caso português, se houver quem realmente

o faça, é uma excepção. Continuemos a

trilhar este caminho e iremos questionar até

que ponto fará sentido competir. Quantos

jogos combinados já vi, a maioria sem me

aperceber, e alguns percebendo claramente o

que estava a acontecer, a podridão da falta de

dignidade pessoal e orgulho em representar

algo muito maior. E será que os empresários

já se questionaram de que forma é que esta

indústria evoluirá, caso a maioria dos clubes

participe em multipropriedades?

Não ao Futebol negócio!

Por L. Cruz

27


À CONVERSA COM

NUNO ULTRA

28

Sabemos que o Nuno é um nome conhecido

entre colecionadores de várias partes do

mundo, incluindo Portugal, mas, tirando isso,

quem é o Nuno?

Antes de mais obrigado pelo convite.

Relativamente à pergunta, sou uma pessoa

normal. Pai de família, muito protetor no que

toca aos meus; sou um bom amigo, levo as

grandes e boas amizades como se fossem

da minha família e dificilmente perdoo

uma traição. Fora disso, sou uma pessoa

normalíssima no meu dia-a-dia.

Como entrou no mundo Ultra?

Acho que o mundo Ultra nasceu comigo.

Tive a influência de ir ao estádio desde muito

novo, nos princípios dos anos 90, pela mão do

meu falecido avô. Acompanhava o Esposende

que jogava na antiga 2ª Divisão B - Zona Norte.

Eram jogos muito intensos e quentinhos.

Via o estádio cheio e as equipas visitantes

traziam pequenos grupos de adeptos com

bandeiras e tambores. Olhava para eles como

adeptos diferentes e adorava aquele fervor.

Mais tarde, assisti pela primeira vez a um

jogo da 1ª Divisão, um Vitória SC-Benfica em

Braga. Lembro-me de ir com os meus tios

para a beira dos Diabos Vermelhos. A partir

daquele dia esperava pelos resumos do

Domingo Desportivo para apanhar imagens

das bancadas, de vários jogos, tentando

encontrar as bandeiras gigantes, os fumos

e as faixas - adorava ver aquilo, foi algo que

despertou em mim e desde aí não parei.

Considero que as curvas de Milan (Fossa

dei Leoni), Atalanta (Curva Nord, Brigate

Neroazurre) e Sampdoria contribuíram para

isso.

Como vive a vida de adepto na Bélgica?

Neste momento, menos activo que nos

últimos tempos. Vou indo à bola sempre que

posso, dependendo principalmente do dia e

da hora.

E quando está em Portugal?

Assim que estou em Portugal, tento sempre

ir ver dois ou três jogos, seja onde for. Em

30 anos de bancada tenho o prazer de ter

amigos e convites um pouco por todo lado

para ir ver a bola.

Como é viver o dia a dia dum grupo e de um

clube estando num país diferente e a uma

grande distância do país de origem?

Enquanto membro activo, estive por

momentos na direcção do grupo. Mais tarde

fui responsável pela loja e responsável do

material dos jogos em casa. Vivi 25 anos com

intensidade e sempre à Ultra, é algo que nos

ocupa muito tempo e por vezes tira-nos de

um jantar de família, de sair com os amigos

ou até de marcar férias para certas datas, de

modo a não faltar ao dérbi ou ao clássico. Até

a casamentos faltei, tudo em prol do grupo.

Vivi sempre bem a distância, visto que emigrei

cedo e adaptei-me bem ao país. Comecei a

frequentar as bancadas do Standard Liège em

Março de 1995. O Futebol e o facto de ter

muita família a viver cá ajudou-me a matar as

saudades de Portugal.


Quais são as semelhanças e as diferenças

que mais nota entre os movimentos de apoio

em Portugal e na Bélgica?

Em termos futebolísticos, é um campeonato

muito parecido com o de Portugal. Em termos

de assistência e Futebol jogado, é triste

tirando os jogos entre os principais quatro/

cinco clubes.

Em termos de movimento Ultra, o primeiro

grupo aparece em 1996, os Ultras Inferno.

Por essa altura, já a Juve Leo tinha 20 anos

e os Diabos iam a caminho dos 15 anos. Foi

difícil aceitarem uma faixa Ultra, por muitas

vezes foi proibida de ser colocada, era visto

como provocação. Entre 1996 e 2001 vivemos

o movimento sozinhos e só em 2001 e 2003

chegou o movimento a Charleroi (Sturm)

e ao Anderlecht (Mauves Army). Em 2004

nasceram vários pequenos grupos Ultras.

anos que comprei o meu primeiro cachecol

numa roulotte fora do estádio do Standard

Liège. Nesse dia, entrei na sede do Grupo

Hell-Side do Standard Liège, vi a decoração da

sede e passou-me pela cabeça: “vou fazer isto

no meu quarto”. Saí da sede e, com o dinheiro

que juntei durante a semana para a escola,

comprei um cachecol do Liverpool. Passados

15 dias comprei um da Escócia e depois um

da Sampdoria. Ainda me recordo que depois

foi um do Milan. A partir daí foi sempre a

somar.

Considera que ser adepto tem importância

relevante na sua vida e na sua construção

pessoal?

Claro que sim, o Futebol e o movimento Ultra

são escolas de vida. Fui educado por um pai

e uma mãe com grandes valores, a educação

que hoje transmito ao meu filho. O saber

pedir “desculpa”, um “se faz favor” e um

“obrigado” são expressões que faziam parte

da nossa educação familiar, mas, também nos

primeiros passos na bancada nos transmitiam

os bons valores. Como costumo dizer: não fui

para a tropa, mas fui Ultra.

Quando começou a tua epopeia de

colecionador?

No dia em que dou esta entrevista, faz 28

Que recordações tem das suas primeiras

trocas?

As primeiras trocas só aparecem na época

97-98. Estive na fundação dos Ultras Inferno

em 1996, mas durante um ano não tivemos

sede. Tempos mais tarde, fruto de a malta

dos Hell-Side viajar muito a Inglaterra,

França, Alemanha e Holanda para ver a bola,

comecei a pedir para me trazerem cachecóis

e chapéus. Alguns traziam, outros não, outros

29


só trocavam fotografias e montagens pelo

correio. Começaram a dar-me contactos e,

aos poucos, comecei a trocar um pouco de

tudo. No virar do século aparece a Internet e,

mais tarde, o MSN – desde aí tornou-se tudo

mais fácil. É engraçado recordar os tempos

que não comia na escola e guardava a mesada

para comprar material à volta do estádio.

Consegue quantificar o total de peças da bola

que possuí?

Sim, sou muito organizado.

2 225 cachecóis, sendo que cerca de 800 são

de grupos Ultras;

120 t-shirts;

50 chapéus;

150 camisolas de futebol, sendo que 20 são

do Standard Liège (apanhadas na rede);

100 galhardetes;

70 pins;

100 cartões de membro;

4 000 fotografias;

200 fanzines;

120 livros Ultras;

À volta de 2 000 recortes de jornais;

100 revistas a falar do movimento Ultra;

100 artigos - porta chaves/isqueiros/crachás/

canetas/pulseiras/copos;

20 bandeiras;

200 DVD’s Ultras/hooligans;

Autocolantes em breve chego aos 12 000.

autocolantes e t-shirts de aniversário. Não sou

de procurar um isqueiro ou um porta chaves,

as pequenas coisas vão-me oferecendo.

Tudo é bem-vindo e enriquece a coleção.

Felizmente tenho a sorte de ter espaço para

guardar tudo.

Quantos autocolantes tem? Como os

organiza?

Autocolantes estou muito perto de chegar

aos 12 000. Organizo por países em capas

diferentes, coloco folhas brancas em

separadores transparentes (micas) e coloco

os autocolantes dentro. Uso um papel

autocolante para os deixar presos à folha.

Porquê a sua paixão em colecionar

autocolantes? Qual o significado que lhes

atribui?

Primeiro porque é uma troca barata e depois

é algo que não acaba.

É uma batalha saudável, colas tu e amanhã

colo eu. Quando viajo levo um carregamento

deles para colar. É algo que nunca vai faltar

imaginação para os fazer. Tenho preferência,

claro, pelos italianos, pois são sempre

diferentes e espetaculares nos desenhos e

nos símbolos, sendo produzidos em pouco

número, e isso dá um valor ao autocolante.

Perde a piada fazerem aos 1 000 e aos 2 000.

30

Que tipo de artigos coleciona? Quais os que

se preocupas mais em arranjar?

Posso dizer que coleciono de tudo e aceito

tudo. Dou prioridade aos cachecóis Ultras,

Quais as principais relíquias que possui?

Tenho algumas. O primeiro cachecol de um

grupo Ultra é sempre uma relíquia. Tenho a

colecção toda dos Ultras Inferno, o famoso


cachecol dos No Name Boys e também

o gorro de lã. Aqui deixo uma palavra de

agradecimento ao Raúl Rodrigues por essa

prenda. O primeiro cachecol do grupo MTP

do Marselha, autocolantes da Fossa dei Leoni

dos anos 90. Sou o tipo de pessoa que guarda

tudo, como é exemplo a argola de puxar a

minha primeira tocha, o megafone utilizado

pela última vez pelo nosso capo antes da sua

morte, as famosas fanzines Super Hincha e

Super Tifo dos anos 90, as famosas montagens

fotográficas e os bilhetes dos jogos. Tenho

várias peças e se ganhasse o Euromilhões

fazia um museu Ultra. É um sonho.

problema dos italianos é que ou são careiros

ou querem só material dos anos 80 e 90.

Então, depois de três dias a tentar convencer

o napolitano, tive que jogar o meu trunfo do

Maradona, visto ser o Deus sagrado deles,

e enviei uma foto de uma folha A4 com

autocolantes do Maradona. Eficácia total e

lá acordamos a troca. Espanto meu quando

recebi, não um envelope, mas uma caixa.

Trazia os autocolantes, uma faca e um cartão

dum hostel, caso fosse a Nápoles ver um

jogo. É o hostel onde ficam os amigos dos

napolitanos quando visitam Nápoles.

Outro episódio foi com um português que

queria trocar dez autocolantes por dez. Ao fim

Conte-nos algo mais sobre o seu colecionismo

(podem ser episódios de trocas, pessoas que

falham, amizades que se criam, etc).

O colecionismo é também uma amostra de

respeito pelos nossos rivais. O admitir que

o cachecol ou a t-shirt está bonita e tentar

ter algo deles é uma amostra de respeito.

Falo por mim e por muitos Ultras como eu, o

colecionismo é algo que nos traz algo muito

além do Futebol. Com o passar dos anos

crias amizades de uma vida. Conheci e fiz

amigos que, hoje, são como familiares. No

meu casamento tive convidados do Sporting,

Braga, Porto, Guimarães e Académica - se

não fosse o colecionismo certamente não

estavam lá.

O pior disto é a malta que falha ou que

são “chatos” para trocar meia dúzia de

autocolantes. Tenho vários episódios nas

trocas. Há uns dois anos vi uns autocolantes

do Nápoles e falei com o colecionador. O

de uma semana, já com os autocolantes no

envelope, pediu para juntá-los uns aos outros

e medir, e não aceitou a troca porque ficava

a ganhar cinco centímetros em autocolantes.

Sei que era da Nazaré, e disse-lhe para se

atirar às ondas de 30 metros da Nazaré.

Depois, um russo do CSKA trocou comigo

um cachecol e uma t-shirt que aparecia num

filme de hooligans. Mandei a minha parte

e, durante seis meses, ele não enviou nada.

Pensei que tinha sido enganado, até que

recebo uma caixa com DVD’s, cachecóis,

a famosa t-shirt, autocolantes, pins e um

pedido de desculpa - tinha andado à pancada

com malta do Dínamo Moscovo e foi preso

seis meses. Todo orgulhoso contou-me que

lhe partiram os dentes e o nariz na prisão.

Ao fim de tantos anos, o que significa para si

ser um colecionador?

Acho que, depois do teu clube te dar as

31


alegrias dos títulos, das melhores coisas que

tens no movimento Ultra e no Futebol, como

já disse, são as amizades de uma vida e um

bichinho que nem todos têm. É um vício bom,

dentro dos limites, claro. Nunca dou mais de

20 euros por um cachecol, nem nunca vou

dar 15 euros por um autocolante.

De que forma vê a Associação Portuguesa

de Defesa do Adepto? Na Bélgica existe algo

semelhante?

Vejo com bons olhos. Vi nascer esta

associação. Uma vénia a quem se entrega de

corpo e alma a esta causa. É pena a maioria

da malta que se diz Ultra não aderir, nem

perder um pouco de tempo para lutar, pois

afinal é uma luta de todos. Infelizmente, há

uma minoria que está à espera de aproveitar

o trabalho dos outros. Se um dia ganharmos a

luta, certamente vão aparecer os tais a gritar

“vitória” sem lutarem ao lado de quem mais

deu de si.

Aqui na Bélgica não temos associação, mas

já há uma união dos grupos que se sentam

à mesa com os ministros e federação para

avançarem em conjunto quando as coisas

estão menos boas, e os progressos têm sito

positivos nesse sentido. A discussão cá não

é sobre meter a faixa ou ter uma bandeira

grande, sendo a pirotecnia e a violência no

desporto os principais debates.

Como vê o panorama ultra português nas

últimas duas décadas, e na actualidade em

particular?

Vejo com uma certa tristeza, como qualquer

Ultra. Então nos últimos dez anos nem se fala.

O que me custa mais é ver um jogo já de si

com pouca assistência, mas pior ainda é a falta

de material nas bancadas, da faixa na rede,

do som do tambor, do capo de megafone na

mão, do colorido das bandeiras. A falta disto

ainda assombrou mais o nosso futebol. Em

Portugal temos falta de cultura desportiva,

os clubes preferem fazer a vida negra uns aos

outros, os grupos Ultras não se unem. “Está

32


tudo bem com o meu clube ou o meu grupo,

que se lixem os outros”… é um pouco nisto

que temos que olhar para os exemplos lá fora

e fazer igual. Alemanha é um exemplo nisso,

tal como os Ultras franceses, que têm vencido

algumas batalhas, tal como os italianos. Sei

que há outros países e movimentos menos

falados que têm feito grande progressos.

aprendemos tanto!

Acreditem que há muita coisa boa para ler.

Quer deixar uma mensagem final aos nossos

leitores?

Antes de mais, obrigado pelo convite, foi

uma honra. Abraço para quem trabalha neste

bom projecto, alguns deles meus conhecidos.

Um abraço Ultra aos verdadeiros Ultras que

sabem o que é ser Ultra e aos meus amigos

colecionadores também.

Ultra até morrer.

Qual a opinião que tem da Cultura de

Bancada?

Só tenho a dizer bem. Parabéns a quem

trabalha diariamente para que o projecto

siga de pé. Muita malta não tem noção,

mas ler é das melhores coisas que podemos

fazer. Como velhote nisto do colecionismo,

o conselho que dou aos mais novos é para

colecionarem fanzines e revistas antigas -

33


MEMÓRIAS Da BANCADA

ARTIGOS HISTÓRICOS

Numa altura em que o acesso à informação era restrito, o acesso a conteúdos

sobre o mundo ultra era ainda mais difícil. Haviam umas zines e algumas revistas

estrangeiras começavam a chegar a Portugal. Nessa altura “consumia-se” tudo onde se

falasse das claques, desde as famosas VHS até às páginas dos jornais e revistas. É nesse

contexto que qualquer reportagem das revistas generalistas da época era cobiçada por

todos.

Nos anos 80 encontramos, acima de tudo, reportagens sobre o aparecimento

das claques, com principal ênfase ao colorido que as mesmas traziam às bancadas

através de tarjas e bandeiras, camisolas, cachecóis e caras pintadas.

No início dos anos 90 surgem reportagens sobre as “novas” formas de apoiar (com

recurso, por exemplo, a material marítimo - os famosos potes de fumo) e os elevados

custos que daí advinham mas também começam a surgir as primeiras reportagens

onde foco principal era a violência provocada por esses grupos.

Em meados de 90 aparece aquela que, até hoje, julgamos ser a mais “completa”

reportagem sobre as claques nacionais, e não só, publicada em Portugal. Referimo-nos

à revista Edição Especial da A Bola, n⁰7481 de 10 de outubro de 1993, intitulada “Gritos

de Guerra”.Ao longo de 16 páginas, totalmente a cores e profundamente ilustradas,

“todos” os temas do “momento” são abordados.

Relativamente ao final dos anos 90 surgem também algumas reportagens

onde jornalistas acompanham as claques, principalmente dos três maiores clubes

portugueses, em deslocações, umas vezes em Portugal outras ao estrangeiro,

escrevendo sobre tudo aquilo que observam e, por vezes, vivenciam, de positivo e

negativo.

Assim iremos mostrar as capas mais famosas de revistas com reportagens

sobre as claques nos anos 90 (pena o foco essencial da maioria delas ser o lado negativo

das claques), esperando que com isto desperte a curiosidade dos nossos leitores na

procuro de tais relíquias, acreditem que vale a pena!

Por Raúl Rodrigues

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Dois meses que representam o início dos vários campeonatos nacionais e ainda vários jogos das

competições europeias para quem lá se encontra. Apesar das adversidades que se vivem para

os adeptos em Portugal, a verdade é que é notório que os mesmos regressaram aos estádios em

força, com assistências a superarem muitas expectativas e com vários clubes a terem registos

no começo como há muito não tinham. Aqui deixamos mais um Resumo da Bancada.

SC Braga x TSC Bačka Topola | 08-08-2023

Primeira mão da 3ª pré-eliminatória de

qualificação da Liga dos Campeões e o

Braga teve a felicidade de apanhar um dos

adversários mais acessíveis possível. Porém,

era preciso passar da teoria à prática, e nada

melhor para isso do que ter o apoio dos

seus adeptos, que marcaram uma óptima

presença, com mais de 22 mil presentes. O

ambiente em plena noite de Verão a meio da

semana foi bom, empolgado também pela

vitória que se consumou tranquila, com um

3-0 final.

SL Benfica x FC Porto | 09-08-2023

Mais uma Supertaça realizada no Estádio

Municipal de Aveiro, num clássico que teve

naturalmente casa cheia. Muito apoio de

parte a parte, com vários focos de pirotecnia,

e ambos os lados foram audíveis em diversos

momentos do encontro, terminando com

festa encarnada após uma vitória por 2-0.

De salientar que um dos golos deu azo

a uma excelente tochada espalhada por

praticamente toda a bancada atrás de uma

das balizas.

SC Braga x FC Famalicão | 11-08-2023

Partida inaugural do campeonato português,

com quase 20 mil espectadores presentes.

O público da casa estava naturalmente


entusiasmado neste arranque, pois ainda por

cima tinham acabado de vencer os sérvios

do Bačka Topola dias antes. Houve, por isso,

um bom e constante incentivo dos ultras do

emblema bracarense.

Ainda assim, foram os famalicenses a vencer,

surpreendendo com uma reviravolta por

1-2, tendo o último golo sido marcado nos

instantes finais, para gáudio dos adeptos

que se encontravam no sector visitante, que

também não passaram despercebidos no

apoio vocal.

CD Nacional x CS Marítimo | 12-08-2023

Ditou o sorteio que o Marítimo começasse

a sua caminhada de tentativa de regresso

ao principal escalão nacional na casa do seu

vizinho e maior rival, o Nacional. Num início

de tarde de Sábado, os verde-rubros disseram

presente e compuseram praticamente a

totalidade do sector que lhes tinha sido

destinado.

A Choupana esteve muito bem composta,

com mais de 4 mil espectadores, sendo que o

jogo também teve vários mistos de emoções.

O Nacional iniciou a partida a ganhar, com

um golo aos 4 minutos, mas os visitantes

deram a volta e provocaram o delírio entre as

hostes maritimistas, que no final tiveram um

bom momento de comunhão entre equipa e

adeptos.

Sporting CP x FC Vizela | 12-08-2023

Logo na primeira jornada estiveram mais de

37 mil pessoas em Alvalade, o que significa

um registo bastante melhor do que a

grande maioria dos encontros lá realizados

na temporada passada. Significa, portanto,

que os adeptos leoninos estão com uma

confiança renovada e decididos em apoiar

a sua equipa na luta pelos seus objectivos.

Para além do número de presentes, nota

também para um ambiente melhor do que

aquele que se foi vivendo ao longo dos

últimos meses, principalmente na bancada

sul, onde se localiza, na sua maioria, a claque

da Juventude Leonina.

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Se em campo foi frenético, a ser decidido

com um 3-2 em que o último golo foi feito

no 8º minuto depois dos 90, fora das quatro

linhas também não ficou atrás, com um

bom ambiente criado pelos vários grupos

espalhados pelos diferentes sectores, com

uma palavra final também para os vizelenses,

que se tentaram fazer ouvir em inúmeras

ocasiões, através dos cânticos comandados

pela Força Azul.

SC Vianense x Varzim SC | 13-08-2023

Segunda jornada da Liga 3, com direito a um

encontro com uma assistência muito boa

num Domingo à tarde, no Estádio Municipal

Manuela Machado, recinto temporariamente

emprestado ao Vianense. Ambiente de relevo

de parte a parte, com destaque para o bom e

numeroso apoio varzinista, que foi premiado

com uma vitória por parte da sua equipa.

CF Estrela da Amadora x Vitória SC | 13-08-

2023

Destaque para a deslocação de apoiantes

do clube vimaranense até à Reboleira, que

compuseram praticamente todo o sector

habitualmente destinado aos visitantes,

empurrando os seus jogadores para uma

vitória na sua abertura do campeonato.

Demonstraram que continuam motivados em

seguir a sua equipa, não desmoronando com

a desilusão recente frente ao Celje, nas préeliminatórias

de acesso à Liga Conferência.

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Boavista FC x SL Benfica | 14-08-2023

Oficialmente estiveram 21.320 espectadores

no Bessa, um dos melhores registos dos

últimos anos, neste jogo a fechar a jornada

inaugural do campeonato. Houve muito

incentivo de parte a parte e pirotecnia nas

falanges de apoio de ambos os conjuntos,

sendo também um encontro bastante

emocionante dentro de campo, com o

Boavista a alcançar uma reviravolta nos

momentos finais, conseguindo vencer por

3-2 contra todas as expectativas iniciais, para

explosão de alegria do público da casa, que


teve um grande momento de sintonia com a

sua equipa no término da partida.

TSC Bačka Topola x SC Braga | 15-08-2023

Com o conjunto bracarense com “um pé e

meio” no play-off da Liga dos Campeões,

faltava a segunda mão, em território sérvio.

Destaque, portanto, para a presença de

alguns adeptos do Braga em Bačka Topola,

que ainda se fizeram ouvir em alguns

momentos da partida onde, dentro de campo,

voltaram a levar confortavelmente a melhor,

desta vez com uma vitória por 1-4. É uma das

deslocações cujo relato mais pormenorizado

pode ser lido num artigo específico deste

número da fanzine.

Casa Pia AC x Sporting CP | 18-08-2023

Embate que aconteceu numa 6ª feira ao

início da noite, em Rio Maior, local em

que o Casa Pia tem feito os seus jogos esta

época. A procura aos bilhetes por parte dos

sportinguistas foi intensa, não demorando

muito a esgotar, sendo que a grande maioria

dos 7 mil presentes eram simpatizantes do

emblema leonino. Uma multidão verde e

branca juntara-se relativamente cedo nas

imediações do estádio, aproveitando para

conviver entre si antes da partida. Não foi

então de espantar que lá dentro as hostes

sportinguistas estivessem bastante animadas

no apoio, empolgados também pelo resultado

favorável.

CD Tondela x Académico de Viseu FC | 19-

08-2023

Dérbi do distrito viseense, com mais de 3.600

espectadores presentes, entre eles uma

boa falange afecta ao Académico. Encontro

animado dentro e fora do relvado, com um

empate a duas bolas e muito apoio e trocas

de cânticos de parte a parte.

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Portimonense SC x Boavista FC | 19-08-2023

Deslocações a terras algarvias em pleno

Verão acabam por ser o desejo de muitos

adeptos, sendo que os boavisteiros tiveram

essa felicidade, com o sorteio a ditar que

a sua primeira viagem da época fosse até

Portimão. Sem surpresa, uma boa falange

de apoio axadrezada esteve lá presente e foi

brindada com uma excelente vitória por 1-4.

FC Porto x SC Farense | 20-08-2023

Casa quase cheia no Dragão, com cerca de

48 mil presentes neste que foi o primeiro

encontro dos portistas para o campeonato.

Um jogo que muitos poderiam prever

tranquilo, mas que se tornou complicadíssimo

para os da casa, tendo o triunfo sido alcançado

com um golo no 10º minuto depois dos 90,

para alívio dos muitos presentes. Houve

espaço para uma mensagem de despedida a

Otávio, por parte dos Super Dragões, e ainda

uma dos Casuals dirigida a um elemento seu

que falecera na madrugada anterior.

Do lado farense, nota para a primeira

deslocação para assistir a uma partida do

campeonato ao fim de muitos anos (recordese

que o período em que o Farense esteve

recentemente no primeiro escalão foi na

temporada que se disputou à porta fechada).

Houve, por isso, uma deslocação digna de

registo por parte dos South Side Boys e

restantes simpatizantes do emblema de Faro,

que se fizeram ouvir em várias ocasiões e

tiveram um apoio em crescendo, motivados

pela esperança de um resultado positivo.

FC Famalicão x Moreirense FC | 21-08-2023

Dia de jogo naquele na data que assinalava

o 92º aniversário do Famalicão. Mais de

4.600 espectadores estiveram presentes,

com destaque para o fogo de artifício

proporcionado pelos Fama Boys na entrada

dos jogadores em campo.

Nota ainda para a presença dos Green Devils e

restantes adeptos cónegos, que preencheram

grande parte do sector visitante, apoiando e

fazendo-se ouvir durante a maioria dos 90

54


minutos, empolgados pelo sinal mais da sua

equipa em campo, pese embora o resultado

ter terminado sem qualquer golo.

SC Braga x Panathinaikos AO | 23-08-2023

Mais de 23 mil espectadores estiveram

presentes neste regresso do hino da Liga

dos Campeões à Pedreira. Com um mosaico

com as cores vermelhas e brancas em listas

horizontais, as equipas entraram em campo

para uma primeira mão do play-off de

grandes decisões, e talvez por isso se explique

o facto de o ambiente durante a partida ter

sido muitas vezes de expectativa, apesar de

os ultras braguistas se terem esforçado para

apoiar o seu conjunto.

O Braga venceu por 2-1, tendo os dois golos

da formação portuguesa sido os pontos altos

de “explosão” do estádio. O golo dos gregos

aconteceu nos instantes finais, equilibrando o

marcador e deixando tudo em aberto para a

segunda mão, sendo esse o maior momento

de alegria (e de alívio) dos quase 300 adeptos

do PAO que se deslocaram até ao nosso país.

Varzim SC x Lusitânia de Lourosa FC | 25-08-

2023

Embate à porta fechada por castigo de

uma “inscrição indevida” de um treinador

na temporada passada. Algo surreal, mas

Portugal já nos vem habituando a decisões

em que os adeptos sejam os mais afectados

(e afastados). Ainda assim, o Varzim fez

questão de montar um ecrã gigante junto do

seu estádio, onde cerca de 300 simpatizantes

do emblema poveiro se juntaram e apoiaram

do exterior o seu conjunto. No final, após a

vitória por 3-0, os jogadores deslocaram-se

de imediato até ao local e fizeram questão de

festejar com quem lá se encontrava.

Nota também para o facto de alguns

simpatizantes do Lourosa, através da claque

Armada Lusitana, terem incentivado os seus

jogadores na partida do autocarro, podendo

ver-se uma fumarada amarela e a mensagem:

“Entram onze mas... jogamos todos”

55


Gil Vicente FC x SL Benfica | 26-08-2023

Estádio Cidade de Barcelos cheio, com quase

12 mil espectadores presentes, em que

a sua grande maioria eram simpatizantes

benfiquistas. Não foi de estranhar que aquele

terreno se tenha tornado uma pequena

Luz, com muito apoio dos seus grupos, não

faltando pirotecnia para dar ainda mais cor.

Houve incerteza até ao fim, provocando

alguns momentos de expectativa nas

bancadas na parte final, mas o Benfica venceu

mesmo por 2-3.

Real SC x Vitória FC | 27-08-2023

Destaque para a deslocação vitoriana até

Massamá. Foram muitos os simpatizantes

sadinos que preencheram grande parte da

bancada onde ficam os adeptos visitantes,

apoiando durante grande parte da partida e

tendo sido brindados com uma reviravolta

épica de 2-0 para 2-3, tendo os últimos dois

golos sido apontados com menos um jogador

em campo, e com o último tento a ter sido

marcado aos 90+5’, provocando momentos

de rejubilo entre equipa e público forasteiro,

demonstrando que nem a recente queda

para o quarto escalão nacional abalou a fé

dos vitorianos.

FC Oliveira do Hospital x Académica de

Coimbra | 27-08-2023

Muitos academistas fizeram a curta

deslocação até ao Estádio Municipal da

Tábua, preenchendo grande parte daquele

sector visitante e dando um ambiente muito

acima da média para este encontro da Liga 3.

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Vitória SC x FC Vizela | 27-08-2023

Cerca de 18 mil espectadores estiveram

presentes neste dérbi minhoto. Bom

ambiente proporcionado pelos apoiantes

de ambas as equipas, tendo os da casa sido

mais felizes com uma vitória por 2-0 e uma

boa sintonia entre o público e os jogadores,

conquistando a terceira vitória em três jogos.

Os de Vizela ainda se conseguiram fazer ouvir

em alguns momentos, em mais uma boa

presença no estádio vimaranense.


Panathinaikos AO x SC Braga | 29-08-2023

Destaque para mais uma presença europeia

dos adeptos do Braga. Cerca de quatro

dezenas de simpatizantes do emblema

bracarense marcaram presença, com

destaque para o material dos dois grupos

ultras, em especial da Bracara Legion. Perante

um imponente ambiente no Estádio Olímpico

de Atenas, que contou com mais de 61 mil

apoiantes do Panathinaikos, era praticamente

tarefa impossível para os visitantes fazeremse

ali sentir. Ainda assim, nota para a explosão

de alegria no golo que ditou o 0-1 e respectiva

passagem do Braga à fase de grupos da Liga

dos Campeões.

No dia seguinte, muitos bracarenses

concentraram-se no aeroporto para receber a

sua equipa, e proporcionaram novamente um

excelente ambiente na chegada do autocarro

a Braga.

SL Benfica x Sporting CP | 01-09-2023

Casa cheia em Sines para se assistir à

Supertaça de futsal, com mais um ambiente

digno de registo de parte a parte. Presença

dos grupos ultras sportinguistas e também de

uma turma bastante numerosa de apoio aos

encarnados. Muitos cânticos de parte a parte,

num jogo emocionante em que a vitória

sorriu aos benfiquistas, com um resultado

favorável de 5-4.

FC Famalicão x SC Farense | 02-09-2023

Mais de 4 mil espectadores estiveram

presentes no Municipal de Famalicão, num

Sábado à tarde, para este encontro do

primeiro escalão do nosso futebol, sendo que

o destaque vai para o apoio dado pelos dois

grupos. Do lado da casa estiveram presentes,

como habitual, os Fama Boys, e do lado

forasteiro destaque para a muito boa presença

de farenses, com cerca de uma centena de

simpatizantes a terem atravessado Portugal

de uma ponta à outra para incentivarem a sua

equipa e a fazerem-se a ouvir durante grande

parte da partida. O resultado foi desfavorável

para os algarvios, mas isso não fez demover

em nada os incentivos dados à sua formação.

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SL Benfica x Vitória SC | 02-09-2023

Mais de 60 mil espectadores no Estádio do

Sport Lisboa e Benfica, o que representa uma

casa quase cheia. O público vibrou com uma

vitória confortável por 4-0, mas o destaque

vai para a exibição dos adeptos... vitorianos.

Com uma desvantagem de quatro golos

durante praticamente toda a segunda parte,

fizeram-se ouvir por diversas ocasiões e

foram, várias vezes, o centro das atenções de

quem se encontrava no estádio.

SC Braga x Sporting CP | 03-09-2023

Maior jogo da 4ª jornada do campeonato,

com mais de 23 mil espectadores presentes.

No seio sportinguista, mais uma ocasião de

intensa procura de ingressos, que esgotaram

rapidamente e até provocaram algumas

situações mais tensas em Alvalade, quando

os mesmos foram postos à venda.

Como era de esperar, grande ambiente

neste encontro que decorreu num Domingo

à noite, com os adeptos sportinguistas a

organizaram um cortejo na cidade bracarense

e deslocando-se já com as gargantas bem

afinadas para o interior do estádio, onde se

fizeram ouvir muito bem.

A partida terminou empatada a um golo,

provocando um sabor agridoce aos apoiantes

de ambos os conjuntos.

Académica de Coimbra x União 1919 | 09-09-

2023

39 anos depois, quis o sorteio da Taça ditar que

se voltasse a realizar o maior dérbi da cidade

de Coimbra. Houve, naturalmente, muita

adesão de parte a parte, proporcionando

uma boa assistência no Estádio Cidade de

Coimbra, que contou com falanges de apoio

dos dois lados.

Destaque para uma coreografia feita pela

Mancha Negra, acompanhada pela tarja: “Há

38 anos à vossa procura”. Houve tempo para

mais duas mensagens do grupo academista:

“Acorda Coimbra. Clubes da cidade merecem

mais respeito e visibilidade!” e “Passar de

geração em geração o clubismo e o bairrismo.

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Diz não ao estarolismo”.

Esta partida conta também com um artigo

especial neste mesmo número da fanzine.

Moreirense FC x SC Braga | 09-09-2023

Durante a paragem para os compromissos das

selecções esta foi a única partida realizada

para o nosso campeonato. Oficialmente

estiveram 2.875 espectadores presentes,

sendo que se pode dizer que, destes, mais

de mil eram certamente apoiantes do Braga,

que praticamente lotaram a bancada atrás da

baliza. Muito incentivo ao longo do encontro

para os forasteiros, que foi brindado com um

momento de êxtase para os braguistas, após

um golo que ditou o 2-3 final aos 90+6’!

SC Farense x SC Braga | 16-09-2023

Grande final de tarde que se viveu num

Sábado ao final da tarde no Estádio São

Luís, em Faro. Cerca de cinco mil pessoas

estiveram presentes, com os dois grupos de

apoio a terem contribuído para um belíssimo

ambiente. De um lado os South Side Boys, com

o seu habitual apoio, ajudados pelo restante

público farense e empolgados com uma

exibição e um resultado que se verificaram

bastante positivos, pois venceram por 3-1; do

outro os ultras braguistas, que fizeram uma

deslocação em muito bom número até à outra

ponta do país, incentivando a sua equipa,

inclusive durante e depois da confirmação da

derrota em campo.

FK Shakhtar x FC Porto | 19-09-2023

Jogo na cidade alemã de Hamburgo,

mais concretamente no estádio onde

habitualmente joga o HSV, pelo facto de a

Ucrânia se encontrar em guerra. Milhares de

portistas deslocaram-se de vários cantos da

Europa e acabaram por fazer uma deslocação

digna de relevo, pintando as ruas locais a azul

e branco.

Estavam quase 47 mil presentes, numa

mistura de vários países, em que os alemães

e os ucranianos iam apoiando, na sua grande

maioria, a formação originária de Donetsk.

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Ainda assim, as claques do Porto iam fazendo

valer a sua voz, empolgados também pelo

próprio resultado, que acabou por lhes ser

favorável em 1-3, para serem audíveis na

maior parte da partida.

SC Braga x SSC Napoli | 20-09-2023

Dez anos depois, a fase de grupos da Liga dos

Campeões voltou a Braga. Os seus adeptos

tiveram logo a oportunidade de receber

uma equipa com adeptos tão famosos

como os do Nápoles, elevando também a

própria expectativa fora das quatro linhas.

Novamente uma assistência bem acima dos

dois terços de lotação do estádio, com um

ambiente a não defraudar aquilo que esta

competição consegue proporcionar.

Muitos cânticos de parte a parte, num

encontro que também foi repartido e que

acabou por cair para o lado napolitano

já nos momentos finais. A festa foi, por

isso, visitante, mas ainda assim os ultras e

restantes adeptos bracarenses aplaudiram o

esforço dos seus jogadores.

SL Benfica x Red Bull Salzburg | 20-09-2023

Cerca de 61 mil presentes, o que significa

praticamente casa cheia, no primeiro embate

do Benfica desta época na maior prova

europeia. O ambiente inicial mais explosivo foi

caindo com um resultado inesperadamente

negativo (ficou 0-2). Ainda assim, nota para a

homenagem dos No Name Boys aos 29 anos

do acontecimento que envolveu a morte dos

seus três elementos - Gullit, Tino e Rita.

60

SK Sturm Graz x Sporting CP | 21-09-2023

Primeira jornada da Liga Europa, sob um

belíssimo ambiente na Merkur Arena, na

cidade austríaca de Graz. Não é um recinto

propriamente enorme, mas os ultras da casa

são conhecidos pelo apoio que proporcionam.

Mesmo assim, os sportinguistas presentes

também foram destaque e fizeram-se notar.

Durante a entrada das equipas, era possível

ver no sector visitante várias tochas ao

mesmo tempo que expunham a seguinte


mensagem: “12 finais até Dublin, façam-nos

acreditar”.

A partida foi vencida pelos leões, conseguindo

uma reviravolta por 1-2 para delírio dos

simpatizantes verdes e brancos presentes,

que acabaram a serem os mais ouvidos na

transmissão televisiva, empolgados pelo

marcador.

De salientar, ainda, a queda da bancada de

um adepto do Sporting, que gerou alguma

preocupação e obrigou a receber tratamento

hospitalar.

Apresentação das equipas do Olímpico do

Montijo | 22-09-2023

Centenas de pessoas estiveram presentes na

apresentação das várias equipas da formação

do Olímpico do Montijo, que decorreu no

centro da sua cidade. Com muitos cânticos

e pirotecnia, proporcionada pelo grupo

Orgulho Aldeano, viveram-se momentos de

grande festa numa 6ª feira nocturna.

SL Benfica x FC Porto | 29-09-2023

Estádio cheio para receber o primeiro grande

clássico português do campeonato. Ambiente

tradicional para este tipo de encontros, com

os azuis e brancos a fazerem mais um cortejo

bastante numeroso antes da partida.

No início da partida, nota para um espetáculo

pirotécnico dos grupos encarnados, que

aproveitaram um momento de show de luzes

para criar belas imagens com tochas abertas.

No final o Benfica venceu por 1-0, para delírio

do público da casa. Ainda assim, os portistas

presentes não pararam de apoiar, e tiveram

um bom momento de sintonia final com a sua

equipa, incentivando e mostrando que estão

com jogadores e staff para o que aí vem.

61


Seixal 1925 x FC Barreirense “B” | 30-09-

2023

Encontro que os Seixal Boys, grupo

do conjunto da casa, aproveitou para

comemorar o seu sétimo aniversário. Com

uma fumarada com as cores azuis, pretas e

vermelhas, tochas e a seguinte mensagem “7

anos sempre por ti”, deram cor a esta partida

da segunda divisão da distrital setubalense.

SC Farense x Sporting CP | 30-09-2023

Primeiro encontro do Farense no São Luís

contra um chamado “grande” do futebol

nacional neste regresso ao primeiro

escalão. Oficialmente 6020 presentes, o que

representa, naturalmente, a melhor casa da

época até ao momento, com uma autêntica

invasão sportinguista, que deu muita cor à

bancada nascente, a contribuir para isso.

A partida teve um ambiente frenético dentro

e fora das quatro linhas, com os South Side

Boys a não se deixarem afectar e a criarem

um bom espetáculo vocal no apoio ao seu

conjunto.

Houve vários golos, com o Sporting a ser mais

feliz no fim, vencendo por 2-3, para felicidade

dos visitantes. Ainda assim, o público caseiro

fez questão de também aplaudir o esforço

dos seus jogadores.

62


63


O Hino Avante p´lo Benfica: quando as

papoilas ainda não eram saltitantes.

Ser Benfiquista

É ter na alma a chama imensa

Que nos conquista

E leva à palma a luz intensa

Do sol que lá no céu

Risonho vem beijar

Com orgulho muito seu

As camisolas berrantes

Que nos campos a vibrar

São papoilas saltitantes…

64

Há muitos anos que este refrão,

estas palavras, se ouvem cantadas a uma só

voz pelos adeptos do Sport Lisboa e Benfica

em cada jogo realizado no Estádio da Luz. “Ser

Benfiquista”, interpretado por Luís Piçarra,

é considerado unanimemente o hino do

clube. E se vos contarmos que nem sempre

foi assim? Que o Benfica tinha um outro hino

que, por motivos extra-futebol, foi obrigado a

mudar? Vamos lá a ver o que aconteceu.

O hino dos clubes é realmente algo

que permite, aos adeptos e simpatizantes,

sentir emocionalmente a sua pertença; cantar

o hino do clube torna-se quase um momento

de catarse e de união coletiva.

No seu trabalho sobre os hinos,

criados ao longo da centenária história do

clube encarnado, Pedro S. Amorim conta

que o Benfica tinha uma sua música. O “Hino

Vermelho”, do qual não chegou até nós a

melodia, apenas a sua letra, era entoado e

tocado desde 1929 nos aniversários e outras

ocasiões especiais, e o texto foi escrito por

Carlos Beato, dirigente e antigo jogador.

Dois anos depois surgiu um novo

hino que iria marcar profundamente o clube:

com a letra de Félix Bermudes, figura mítica

dos primórdios (ainda como Sport Lisboa)

e músicas do grande Maestro Alves Coelho,

“Avante p´lo Benfica” é uma composição

particularmente faustosa, com um coro

intenso e impactante, que torna esta música


cativante e ao mesmo tempo solene. A letra

também quer passar a ideia de um clube

cheio de tradição e história...

…Avante, avante p’lo Benfica,

Que uma aura triunfante glorifica!

E vós, ó rapazes, com fogo sagrado,

Honrai agora os ases

Que nos honraram o passado!...

...mas infelizmente, Portugal já não era um

país livre e democrático. As forças fascistas

tomaram o controlo do Estado, do país, dos

portugueses e, como se pode imaginar, uma

música que tem no texto a palavra “Avante”

(logo conotada como Comunista, devido ao

jornal) e uma equipa que todos chamavam

“os Vermelhos” não iria ter vida fácil.

Os Vermelhos foram substituídos

com o menos comprometido “Encarnados”

e o “Avante p´lo Benfica” foi empurrado

devagarinho para fora das festas e

celebrações.

Talvez a necessidade de ter um

hino que possa ser tocado, sem problemas,

deu origem ao “Ser Benfiquista” que nós

todos conhecemos. Foi apresentado pela

primeira vez em abril de 1953, num sarau de

angariação de fundos para a construção do

Estádio da Luz, no Pavilhão dos Desportos em

Lisboa.

As papoilas começaram a saltitar,

mas não apagaram a memória do “Avante

p´lo Benfica”, hino “oficial” do Sport Lisboa

e Benfica. A memória histórica de um clube

também se preserva com estes testemunhos

escritos e sonoros.

Por Eupremio Scarpa

65


AAC X UNIÃO 1919

Quis o destino que o sorteio da

Taça de Portugal ditasse logo, numa fase

prematura da prova, o encontro entre dois

velhos rivais da mesma cidade. Académica

e União De Coimbra tinham-se encontrado,

pela última vez, a 6 de maio de 1984, em

jogo a contar para a então II Divisão Nacional.

Curiosamente, a Académica denominavase

na altura Clube Académico de Coimbra

e os “futricas” detinham ainda o seu nome

original de União de Coimbra (algo que viria

a mudar).

Os dois emblemas da cidade têm

raízes e massas adeptas distintas: a Briosa

tem as suas raízes ligadas à universidade e

movimentos estudantis, e o União, que tem

a sua implantação na baixa da cidade, era

por norma mais ligado a atividades como

comércio e indústria.

Posto isto, a expectativa para este

jogo era alta para ambas as partes. De um

lado a Académica, que não está habituada

a entrar numa fase tão precoce da prova, e

do outro o União 1919, mais conhecido por

União de Coimbra (nome do clube antes do

processo de insolvência), que está de regresso

aos campeonatos nacionais esta temporada.

Coimbra aguardava ansiosamente

por esta partida. A data e hora eram apelativas

(sábado às 17h30), a meteorologia também,

e a verdade é que as pessoas compareceram,

embora um derby de uma cidade peça mais

(na minha opinião).

Ainda a várias horas do jogo já se

faziam notar adeptos de ambos os clubes

nas esplanadas das imediações do estádio, a

almoçar ou a beber os seus finos para afinar

as gargantas.

Da nossa parte (Mancha Negra) foi

uma semana à moda antiga, com preparativos

66


de coreografia e frases para a partida.

Decidimos que a coreografia seria num tom

algo provocatório para o outro lado, e foi

elaborado e exibido um Mancha com uma

lupa, por cima de um panal com a colina da

cidade, acompanhado da frase “Há 38 anos à

vossa procura “.

O jogo foi marcado por algum

ativismo de bancada, com o público em geral

como alvo das mensagens. O objetivo era

sensibilizar as pessoas para a importância

de apoiar o clube da cidade, seja ele qual

for. Coimbra, a sua população e as suas

instâncias devem entender esta necessidade

e sobretudo perceber que apoiar um dos

clubes locais não é um capricho. Entendemos

que qualquer grupo ultra tem de remar contra

esta maré do imperialismo dos denominados

Três Grandes nacionais e é urgente captar as

pessoas, chamá-las à importância de apoiar

o clube local e do sentimento de bairrismo,

sendo que a Mancha Negra luta e lutará

sempre em prol dessa causa.

A nível do apoio em si foi um jogo

forte, com cerca de 700 Ultras a ocupar o

setor MN e a fazer da nossa casa um reduto

difícil para o adversário. Recordamos que

mesmo sem borlas e apesar de ser um jogo

“especial”, a MN e a Académica continuam a

possuir esta forte capacidade de mobilização

que queremos, e acreditamos que nos levará

rumo ao topo outra vez!

Do outro lado, boa presença

dos adeptos do União, que com cerca de

1500 adeptos no topo sul se fizeram ouvir

a espaços. Pena que tal mobilização não

se verifique durante a vida diária do clube,

mas acerca disso já me tinha que debruçar

sobre a falta de mentalidade futebolística e

desportiva que existe no nosso país.

Quanto ao jogo, vitória merecida

por 3-0, mas só após prolongamento, num

jogo marcado por muito desperdício.

Sem surpresas, Coimbra é negra e

continuará a ser.

Por Francisco Sobral

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UM ADEPTO INESPERADO

68

O Sport Lisboa e Benfica é um dos

maiores e mais apoiados clubes desportivos

do mundo. O clube tem milhões de adeptos

em Portugal Continental e nos territórios

insulares da Madeira e dos Açores, que

apoiam o clube em estádios por todo o país e

que, muitas vezes, ultrapassam os adeptos do

clube da casa em muitos desses estádios. O

Benfica tem uma presença internacional em

países para onde os portugueses emigraram,

como os EUA, Canadá, Reino Unido, França,

Suíça, e nas antigas colónias portuguesas,

como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau

e Cabo Verde. Muitas pessoas seguem o

Benfica para se sentirem ligadas a Portugal

e à sua história familiar. O clube ajuda-os

a manterem-se em contacto com as suas

raízes e sentem orgulho em fazer parte deste

grande clube.

A minha vida como adepto do

Benfica é um pouco diferente da história

habitual. Chamo-me Ross Browne e sou

um adepto do Benfica da cidade de Cork,

na Irlanda. Não sou português, não tenho

família portuguesa, nunca vivi em Portugal,

mas sou um adepto apaixonado e dedicado

do Benfica. A minha paixão por este clube

começou em 2010, quando fui de férias para

o Algarve com a minha família. Desde muito

novo que sempre fui um grande adepto de

futebol, seguindo o Liverpool na Premier

League e o meu clube local, o Cork City FC.

Quando chegámos a Portugal, o Benfica tinha

acabado de ganhar o seu 32.º título da Liga

portuguesa com uma equipa incrível que

incluía Angel Di Maria, David Luiz, Ramires,

Luisão, Óscar Cardoso, Javier Saviola, Pablo

Aimar e Nuno Gomes. Os adeptos do Benfica

na vila de Alvor festejaram com alegria o

primeiro título do clube em 5 anos e o seu

amor e entusiasmo pelo clube foi muito

claro para mim. Devido à minha paixão pelo

futebol, os meus pais ofereceram-se para

me comprar uma camisola como recordação

das férias. Deram-me a escolher entre a

camisola do Benfica, do Sporting, do Porto ou

da Seleção Portuguesa. A escolha foi simples

para mim. Escolhi a camisola vermelha do

Benfica devido ao entusiasmo dos adeptos

que conheci e ao facto de o vermelho e o

branco serem as cores da bandeira da minha

cidade natal, Cork, na Irlanda. Decidi usar a

minha camisola para jantar fora e passear

pela cidade durante as minhas férias e as

pessoas estavam sempre a elogiar-me, a falar

comigo e a contar-me tudo sobre o seu clube,

os seus jogadores preferidos e os troféus que

o clube tinha ganho. Fiquei espantado com

isto e o meu interesse e amor pelo clube

cresceu a partir daí.

Quando regressei à Irlanda, comecei

a pesquisar tudo sobre o clube e a sua história.

Aprendi sobre a fundação do clube em 1904

como Sport Lisboa, a fusão com o Grupo

Sport Benfica em 1908, as grandes equipas

dos anos 60 com o Rei Eusébio, Coluna,

Águas, Augusto, Germano e Simões, os anos

70 e 80 com Chalana, Carlos Manuel, Bento

e Humberto Coelho, o aparecimento de Rui

Costa nos anos 90 ao lado de João Pinto,

Isaías, António Veloso, Vítor Paneira e Stefan

Schwarz. Li também sobre os tempos difíceis

do final dos anos 90 e início dos anos 00,

conhecidos como Vietname, e a alegria que


os Benfiquistas sentiram quando finalmente

voltámos a ganhar a Liga em 2005, depois de

uma década inimaginável sem títulos.

A história deste clube transformoume

de adepto interessado em fanático e

comecei a ver todos os jogos e a seguir

avidamente a Liga Portuguesa. Comecei a

ler artigos de A Bola, Record e O Jogo e a

ver vídeos no youtube. Comecei também

a ouvir podcasts incríveis em inglês como o

BenficaAfter90 liderado por Mário Mota, Alex

Melo, Luís Sequeira e Joe de Mello e o The

Benfica Podcast de Alfredo Fumas e Cristiano

Oliveira. Estes podcasts ajudaram-me a

interagir com adeptos de todo o mundo e a

ouvir as suas histórias sobre o clube e a forma

como apoiam a equipa.

Como qualquer Benfiquista sabe,

é essencial viajar até Lisboa para visitar a

Luz. Visitei-a pela primeira vez com a minha

namorada Niamh, em 2015, e fiquei viciado. A

Luz é um dos melhores estádios da Europa e o

dia de jogo aqui é algo que todos os adeptos

de futebol devem experimentar. O voo da

águia, o hino do clube antes do pontapé de

saída e a atmosfera criada pelas claques,

tudo isto contribui para uma experiência

incrivelmente comovente. Quando estiver

na Luz, não pode deixar de visitar o Museu

Cosme Damião que, na minha opinião, é um

dos melhores museus de futebol do mundo.

O pormenor das exposições e a apresentação

da nossa história são inigualáveis. Aprendi

muito na minha visita, especialmente sobre

as nossas outras equipas em desportos

como futsal, hóquei, basquetebol, voleibol e

atletismo.

A minha paixão por este clube só

cresce de ano para ano e comecei a construir

uma coleção de recordações do Benfica

que julgo ser a maior da Irlanda. Comecei a

colecionar camisolas, casacos e cachecóis

do Benfica e tenho agora mais de 100

camisolas e casacos e mais de 50 cachecóis

na minha coleção. A coleção também inclui

livros, programas, galhardetes, cartões e

até tatuagens. Tenho quatro tatuagens do

Benfica! Tenho o símbolo do clube, uma águia

e os retratos de Cosme Damião e Eusébio!

Entre as peças preferidas da minha

coleção estão um programa original da final

da Taça dos Campeões Europeus de 1962

e um trading card assinado pelo ícone do

clube, Eusébio. O colecionismo tornou-se

uma das melhores formas que encontrei

para me relacionar com outros Benfiquistas.

Criei os meus próprios autocolantes “Cork

City Benfiquistas”, cachecóis e bandeiras que

troco com outros adeptos de todo o mundo.

Através destas trocas construí uma coleção

de mais de 500 autocolantes diferentes do

Benfica, e é muito fixe ver autocolantes de

todas as partes de Portugal e do mundo.

Através do colecionismo, fiz amigos como

o Afonso, do Fundão, que me ajudou a

encontrar diferentes artigos do Benfica, a

arranjar bilhetes para os jogos e, de um modo

geral, a aprender mais sobre o clube que, de

outro modo, teria sido impossível a partir da

Irlanda.

O Sport Lisboa e Benfica é um dos

maiores clubes da Terra e os seus adeptos são

os melhores do planeta. Acho que o facto de

um adepto da Irlanda poder ser sócio, pagar

as quotas, votar nas eleições e sentir-se tão

ligado ao clube mostra o quanto o Benfica

é um clube especial. Espero um dia receber

o meu pin badge de sócio de 25 anos e até

50 anos, porque serei um adepto para toda

a vida e apoiarei este clube até ao fim! Viva o

Benfica!

Por Ross Browne

69


Temos de recuar até ao final dos

anos 80 para ver as primeiras tochas no antigo

estádio municipal de Mérida, tochas essas

que foram acesas pelos primeiros grupos

ultras, a Scuadra Blanquinegra e os Tankes, o

primeiro com um carácter mais ultra e radical,

seguindo as pegadas dos grandes grupos, e

o segundo um grupo mais animado, como

se declaravam. Ambos os grupos ocupavam

bancadas diferentes no estádio, embora em

alguns jogos se juntassem para animar os

adeptos. Estamos a falar de uma equipa da

terceira divisão com 2 grupos, algo de que

ainda hoje nos orgulhamos.

Deixando os anos 80, passamos

ao início dos anos 90, com o Mérida a ser

promovido várias vezes e com o aparecimento

de novos grupos, como o Centuria Romana,

o Scóthis Sur, os Ultrasmarinos ou os Piratas

Romanos. Todos estes grupos conviviam nas

bancadas do estádio municipal, tempos de

novos grupos e de novas bancadas que, pouco

a pouco, foram crescendo para satisfazer

as necessidades de uma massa adepta em

ascensão e que, no final da temporada 91/92,

veria a equipa subir à segunda divisão.

No verão de 1992, algo começou

a acontecer em Mérida e, depois de muitas

reuniões, nasceu a Legiones Sur, fruto da

união de todos os grupos existentes. O início

foi difícil, mas também emocionante. Difícil

porque os grupos continuavam a funcionar

como grupos, e Legiones Sur era apenas

uma bandeira, mas pouco a pouco isso foi

mudando e apareceu um material que, tal

como o Legionzine, começou a ser o nexo

de união nas bancadas. Ao mesmo tempo,

continuaram a publicar-se os fanzines Scuadra

Blanquinegra e Tankes.

As viagens por Espanha também

começaram com a equipa na segunda

divisão e em quinta marcha para a primeira:

Marbella, Valladolid, Badajoz, Ourense,

Madrid, Burgos, entre outros, seriam locais

visitados pelos ultras blanquinegros. Em casa,

a mítica Curva Sur viveria os seus melhores

dias, com as bancadas a rebentar pelas

costuras e tornando-nos célebres em duas

ocasiões consecutivas, quando se partiu o

gradeamento que nos separava da pista de

70


atletismo. Com o grupo no seu melhor e com

as novas gerações de ultras a chegarem ao

estádio, o Mérida subiria à primeira divisão,

a primeira equipa da Estremadura a chegar

à categoria máxima do futebol espanhol, e a

partir daí tudo o que estava a subir começaria

a descer. Embora ainda tenha havido um

par de boas temporadas com muitos sócios,

novas secções, material e novas viagens,

também houve incidentes em épocas em

que tudo era bastante espontâneo e, claro,

amizades, sendo as mais importantes com a

Frente Atlético ou os Komandos Verdes, sem

deixar os dias de amizade com os ultras de

Marbella e Getafe.

Os anos 90 terminaram de uma

forma muito diferente de como começaram,

e o grupo, devido a problemas internos e de

lugares que prejudicaram todos os grupos,

já que o recheio optava por ver o futebol de

forma mais cómoda e os mais veteranos se

afastavam das bancadas ou iam para outras

bancadas, deixou o grupo praticamente à

beira do desaparecimento.

Chegamos ao ano 2000, e se o

grupo estava numa situação complicada para

enfrentar o facto de estar na segunda divisão

com garantias, foi ainda pior para o clube,

que “desapareceu” do futebol profissional

nesse verão por questões económicas e

se refundou na filial, começando assim

na terceira divisão, a quarta categoria do

futebol espanhol. Foi um banho de água

fria que, com o tempo, avaliámos de forma

muito positiva. O grupo fortaleceu-se e,

mais importante, amadureceu em muitos

aspetos. De 2000 a 2010 o clube sofreu 2

desaparecimentos por motivos alheios à

vontade dos adeptos, e estes foram talvez

os anos mais difíceis, com o grupo a recolher

dinheiro até para pagar a gasolina dos

jogadores, que mal recebiam. Houve também

subidas, tanto da equipa como do número

de sócios. Formámos um núcleo muito ativo

e estivemos muito empenhados em todos

os tipos de protestos a favor do movimento

ultra, especialmente após a prisão de Santos

Mirasierra. Também sofremos repressão

sob a forma de multas por uma série de

incidentes que, longe de diminuir o grupo,

nos fortaleceram para os anos seguintes.

Em termos de material também demos um

grande salto de qualidade, e transformámolo

numa das principais referências do grupo.

As amizades dos anos 90 também ficaram

para trás, principalmente por questões

71


72

geracionais, mas dariam lugar a algumas das

amizades mais fortes que temos, os ultras de

Cáceres, com quem os contactos começaram

em 1998, e que com o nosso percurso pela

terceira e segunda B se tornaram mais fortes

por coincidirmos muito mais. Depois veio o

Orgullo Isleño, do CD San Fernando, com o

qual se selou a geminação em 2001 e que,

apesar de se ter decidido oficialmente não

continuar com ela, ainda se mantém uma boa

amizade. No início de 2000, após um jogo

Benfica – V. Guimarães no Jamor, a convite

do Grupo Manks, iniciou-se uma amizade

que ainda hoje perdura e que por inércia nos

uniu também aos Diabos Vermelhos. Um dos

pontos fortes do grupo nestes anos foram

as deslocações, fazendo o pleno ou quase

pleno em muitas épocas da terceira divisão, e

recebendo com grande alegria as deslocações

para fora da Estremadura. Passámos de jogar

no Bernabéu a jogar em campos de terra

batida pela região e isso, claro, teve os seus

aspectos positivos.

Depois da primeira década

dos anos 2000, o clube conseguiu uma

estabilidade importante e a cidade começou

a recuperar o entusiasmo pela equipa, fruto

de um bom trabalho a nível institucional. O

grupo também estava a atravessar um bom

período, e foi nas épocas 2013-14 e 14-15

que voltámos a registar um “boom” ultra

na cidade, atingindo 400 e 500 pessoas nas

bancadas em muitos jogos, com alguns préjogos

escandalosos na Cibeles, um ponto de

encontro histórico que fechou recentemente

por razões alheias à nossa vontade e que foi

a nossa casa durante quase 30 anos, tanto

para o bem como para o mal. Nesses anos, o

grupo ultrapassou os 250 sócios com cartão,

algo que não era conseguido desde os anos

da primeira divisão. Também tínhamos os

melhores tifos jamais feitos em Mérida, fruto

de um grupo de tifos que, ao longo dos anos,

se foi consolidando. Era a terceira divisão e

estávamos no centro das atenções de toda a

Espanha, o que não era normal, mas com o

tempo o nível foi baixando, apesar de termos

vivido os melhores anos do grupo.

Atualmente a equipa está na 1ª

RFEF, antiga Segunda B, que foi modificada

com a pandemia. O grupo completou 30 anos

com promoções e despromoções atrás de nós,

mas sempre com a equipa, quer estivéssemos


10 ou 500 nas bancadas, a bandeira estava

sempre pendurada. Atualmente o grupo

tem cerca de 150 membros e continuamos

a tentar fazer o máximo possível, embora

haja cada vez mais obstáculos por parte da

federação e da polícia.

Temos uma média de idades

bastante elevada nas bancadas, o que significa

que não somos tão bons como éramos há 10

anos noutros aspectos, como as viagens. No

entanto, nos últimos anos, recebemos muitos

jovens, agrupados sob a designação de

“Nova Geração 1992”. Além disso, algumas

secções importantes tornaram-se grupos

independentes, mas continuam a partilhar e

a contribuir para as bancadas, como é o caso

da “Legio Nova Invicta”, “Tankes 1987” ou

“Cani Sciolti-Núcleo Histórico”.

Um dos mais recentes esforços para

promover o movimento ultra e os valores do

grupo foi o regresso da “LEGIONZINE”, agora

na sua terceira temporada consecutiva.

Tentámos resumir 35 anos da melhor forma

possível, embora não tenha sido fácil e não

deixem de surgir muitas questões por parte

dos leitores. Por outro lado, gostaríamos

de vos dizer que, em breve, lançaremos

um livro a cores, com 416 páginas, no qual

registaremos toda a nossa história.

Entretanto, deixamos-vos com isto!

Por Scubi 92

73


TOUR ITÁLIA

O verão está lentamente a chegar

ao fim na Alemanha. Se é que se pode

realmente chamar-lhe verão. Por isso, chegou

a altura de eu e a minha mulher termos umas

merecidas férias. Itália é o destino deste ano.

Vamos de carro.

A expectativa dos calendários dos

jogos de cada uma das ligas era pelo menos

tão grande como a expectativa da praia e do

mar. Por isso, foi ainda mais agradável o facto

de a Série B nos ter dado uma semana cheia

de jogos para a nossa viagem. Houve alguns

bem interessantes.

Como x Lecco, Pisa x Parma e

Sampdoria x Veneza. Quando as datas foram

fixadas, as férias foram remarcadas sem

cerimónias e foi reservada uma escala em

Génova.

não fosse a federação italiana... Para mim,

que sou alemão, a única palavra que me

vem à cabeça é inacreditável. O campeonato

começa e nem sequer se sabe ao certo quais

os clubes que nele vão participar. O Lecco

teve problemas com a sua licença devido ao

seu estádio e agora teme que tenha de jogar

na Série D porque não pediu uma pré-licença

para a Série C após a sua promoção para a

Série B (pode parecer confuso mas os clubes

italianos têm algumas regras a cumprir todas

as épocas e preencher requisitos para todas

as divisões mesmo que não seja aquela para

que vai jogar).

74

Como x Lecco na terça-feira e

Sampdoria x Veneza na quarta-feira, as férias

não podiam ter começado melhor. Isto se

Assim, o jogo de terça-feira à noite

não aconteceu. Para manter a informação

actualizada, o Lecco obteve a licença para a

Série B no dia seguinte.

Mesmo assim, parti para sul com

a minha mulher na terça-feira de manhã.

Após 12 horas de viagem e paisagens cénicas

na Suíça, chegámos a Como. O hotel estava

finalmente reservado e, secretamente, ainda

havia esperança de que o jogo se pudesse

realizar num curto espaço de tempo. No

entanto, depois da longa viagem, decidimos ir

para a cama a uma hora razoável e continuar

a nossa viagem no dia seguinte bem cedo.

A viagem de Como a Génova passou

como num sono. Talvez porque estávamos

distraídos com a paisagem pitoresca, até que,


de repente, um estrondo forte chamou a

nossa atenção para o carro. Oh merda, era o

pneu? Felizmente não e o volante continuava

a andar suavemente. Também não vi nada

no espelho retrovisor. Paragem rápida, todos

os pneus estavam intactos. Respirar fundo

e acalmar de novo o pulso. Em todo o caso,

estávamos bem acordados a partir de agora e

deslizamos pelas montanhas.

Em Génova, tivemos uma receção

calorosa no hotel. Para não vos sobrecarregar

repetidamente com esta experiência, serei

breve e mostro apenas gratidão pelo que

passei. Foi inacreditável a forma como

cuidaram de nós durante a nossa estadia.

Sentimo-nos tão confortáveis como se

fizéssemos parte deles. Depois de um breve

check-in no hotel, dirigimo-nos ao bar da Fieri

Fossato. Estavam ocupados a preparar o dia

do jogo e cumprimentaram-nos com uma

cerveja.

Pouco depois, fomos para o estádio.

Ao contrário do que acontece na Alemanha,

o tifo é levado para o estádio com horas de

antecedência. À entrada, tivemos de entregar

os nossos documentos de identificação

à polícia. Há algo de mágico em ter a

oportunidade de estar neste enorme estádio

com apenas algumas pessoas, à minha volta,

ocupadas a preparar bandeiras e a colocar

estandartes... E depois há o casal alemão.

De alguma forma totalmente deslocado,

mas de alguma forma pertencente. Foi uma

sensação muito intensa, apesar de termos o

mesmo no nosso quotidiano em dia de jogo.

Aproveitámos para ver todas as pinturas

em frente à Gradinata Sud, são obras muito

bonitas que podem ser vistas. Algo assim

valoriza cada canto.

Após colocarem o material,

os grupos da Sud deixaram o estádio e

recolheram os seus documentos. De novo,

foram gentilmente filmados pela polícia e

dividiram-se pelos bares das redondezas.

Pode dizer-se que o ambiente foi subindo

de cerveja em cerveja e que se cantaram

as primeiras canções. Passámos o tempo

a conversar e, quando demos por isso,

estávamos a regressar ao estádio. Depois de

passarmos a entrada, dirigimo-nos para os

nossos lugares.

O que é que há para escrever sobre

esta curva? Pessoalmente, sou um grande fã.

Mas se tentarmos realmente encontrar as

palavras certas, eu diria: Eles são o original

(Ultra) e nós, na Alemanha, somos a cópia

(por vezes melhor, por vezes pior). Para além

disso, como é óbvio, era um jogo à noite e

o ambiente sob os holofotes era ainda mais

especial.

A força que emanava das pessoas

era enorme. Não importava se era jovem

ou velho, fossem mulheres ou homens. É

simplesmente inacreditável. Sempre que

a equipa tinha a mais pequena hipótese de

marcar, a multidão fazia mais. O número de

bandeiras que estão constantemente a ser

utilizadas, é incrível. Mesmo sem sabermos

falar italiano, tentamos participar no apoio o

melhor que pudemos. Simplesmente porque

queríamos fazer parte, foi assim que nos

deixámos levar.

O jogo em si é contado rapidamente.

Numa primeira parte pouco espetacular com

uma ligeira vantagem para a Doria, esta

passou para a frente no início da segunda

parte. A celebração do golo foi fenomenal.

Porém, no final, o Veneza foi a equipa mais

composta e conseguiu mesmo roubar três

pontos à Samp nos minutos finais.

Infelizmente, não posso dizer muito

sobre os visitantes. Apenas as bandeiras eram

visíveis.

Depois do jogo, despedimo-nos

de todos e fomos para o hotel. Já era meianoite

e tínhamos de seguir viagem na manhã

seguinte. Como estava planeado, dirigimonos

para a nossa casa de férias na Toscana.

Ao meio-dia, já estávamos a caminho

de Florença. No caminho, apreciámos a

paisagem da Toscana e começámos a escrever

as nossas primeiras palavras aqui - enquanto

as memórias estava fresca.

Chegados à azáfama dos turistas,

75


deslocamo-nos rapidamente ao hotel

para arrumar a bagagem. Pelo caminho,

avistámos vários autocolantes de adeptos

do Rapid, mas de resto havia poucos sinais

de futebol. Do hotel, fomos a pé para o

Estádio Artemio Franchi. Aqui, a cor púrpura

estava claramente misturada com as roupas

das pessoas. Demorámos uma boa meia

hora a entrar. Os estádios em Itália têm

simplesmente o seu próprio encanto. A

grande superfície redonda. Nada é coberto

e tudo é um pouco antiquado. O sector dos

visitantes já estava bem cheio. Para além dos

Ultras de Nuremberga, havia também uma

bandeira dos nossos amigos de Veneza. No

dia anterior não havia nenhuma bandeira que

indicasse os visitantes vienenses pelas ruas.

Além disso, traziam na bagagem todo o tifo

“Anti Viola”. Enquanto o sector dos visitantes

já estava a aquecer meia hora antes do

pontapé de saída, os grupos da equipa da

casa só entraram no estádio 20 minutos antes

do início do jogo. Os outros lugares também

se encheram pouco antes do pontapé de

saída. Para o início, houve uma coreografia de

pequenas bandeiras no sector dos visitantes.

Do lado dos donos da casa, foram utilizadas

bandeiras e pirotecnia esporádica. No

primeiro tempo só jogou a equipa de

Florença. O Rapid estava ansioso por

defender a vantagem de 1:0 da primeira

mão. No entanto, acabou por ser demasiado

inofensivo nos momentos decisivos e a

Fiorentina não conseguiu recompensar a

sua vontade com um golo. Contudo, isso

não afectou muito as duas curvas. O sector

dos visitantes estava unido no seu apoio e

continuava a provocar os fiorentinos com

cânticos “Anti Viola”. Por outro lado, os

visitantes também estavam num bom dia e

o público aplaudiu a equipa. Pouco antes do

intervalo, o sector dos visitantes ergueu mais

três faixas. Estávamos à espera que fizessem

uma tochada agora que o sol se tinha posto,

mas era apenas imaginação nossa.

Para a segunda parte, houve outra

ação dos vienenses. Desta vez eram bandeiras

maiores, acompanhadas acusticamente

pelo conhecido cântico “Vês que temos as

bandeiras hasteadas”. A Fiorentina continuou

onde tinha parado no intervalo. De vez em

quando, uma luz de tocha ou fumo. Tudo foi

um pouco caótico e não tão “planeado”, mas

até isso foi agradável.

Depois de as bandeiras no sector

dos visitantes terem parado de tremular,

76


chegou a altura de se despirem. Sem camisa

e com as t-shirts a abanar, continuaram

unidos no apoio. Pouco depois, porém, a

Fiorentina marcou 1-0, o que fez explodir o

estádio, e isso não se deveu apenas aos dois

“La Bomba’s” que rebentaram... Pessoas

da “Curva Ferrovia” correram para a zona

de proteção do sector visitante e trocaram

cumprimentos com os vienenses. Agora

tínhamos um jogo “a sério”. Não só os ultras

da Fiorentina, mas também o resto do estádio

parecia finalmente acordado e juntou-se aos

cânticos. No final, uma das faixas que tinha

sido erguida ao intervalo ia ser novamente

utilizada no sector dos visitantes. Vai ser

agora, pensava eu, e não ficámos desiludidos.

Quando, mais tarde, vimos todos os rostos

encapuçados, sabíamos o que estava prestes

a acontecer. Com umas boas 15 luzes de

tochas e fogo de artifício vermelho e verde

disparado para o céu, deu-se início ao

“Quarto de Hora à Rapid”. Uma ação muito

bonita. No entanto, os adeptos não foram

recompensados pelos seus esforços, antes

pelo contrário. Esperavam o prolongamento

e um possível desempate por grandes

penalidades, até que houve um penálti. Este

foi convertido aos 90 minutos e os fiorentinos

conseguiram dar a volta à desvantagem da

primeira mão. As pessoas abraçaram-se

umas às outras. Mas o sector visitante não

se deixou impressionar pela desvantagem e

prosseguiu o seu programa até ao apito final.

E assim foi, Florença passou à fase de grupos

da Liga da Conferência e nós regressámos ao

hotel. Em todo o caso, independentemente

do que se pensa da “construção” da Liga das

Conferências, quer se precise dela ou não,

ofereceu-nos uma bela noite de futebol com

duas curvas bem animadas. No regresso a

casa, já bastantes cansados, parámos para

comer uma pizza antes de nos deitarmos.

A sexta-feira começou com

um pequeno-almoço reforçado. Afinal,

queríamos explorar um pouco mais a cidade

e precisávamos do corpo forte para isso.

No entanto, rapidamente a azáfama das

multidões se tornou demasiado grande

e agitada para nós e decidimos ter uma

visão geral a partir de cima. Fomos ao Forte

di Belverde, onde a entrada é gratuita, e

apreciámos a vista da cidade.

Depois, apanhámos o comboio de

volta ao apartamento para nos refrescarmos,

porque à noite teria lugar o último jogo desta

reportagem.

Um jogo que era claramente

diferente dos anteriores. Tínhamos de decidir

com antecedência. Carrarese contra Fermana

ou Lucchese contra Perugia. A escolha recaiu

sobre o Lucca. Para variar, fomos de carro até

Lucca, a uns bons 25 km de distância. Não

houve tempo para visitar a cidade, mas talvez

o voltemos a fazer durante o resto das nossas

férias. Estacionámos em frente às muralhas

do centro histórico da cidade e percorremos

os últimos metros até ao estádio. Em frente

ao estádio, já podíamos ver os primeiros

graffitis. Quando chegámos às bancadas, os

nossos olhos desviaram-se imediatamente

para as curvas. No lado da equipa da casa já

estava bastante cheio, enquanto no sector

dos visitantes havia apenas alguns adeptos.

Como ainda tínhamos tempo, começámos

por explorar a situação e organizámos algo

77


para beber num “bar”. Na Alemanha, todos

os clubes da Kreisliga estão provavelmente

melhor equipados. Depois voltámos à

bancada. O primeiro grupo a entrar no sector

dos visitantes foi a Brigata.

Pouco antes do pontapé de saída,

chegaram os restantes grupos de Grifoni pelo

que, no final, estavam cerca de 150 Ultras no

sector dos visitantes.

A curva da casa abriu o jogo com

uma grande faixa, “PER L’ONORE Di LUCCA”,

que foi acompanhada por strobs e algumas

bandeiras.

Mesmo durante o jogo, houve

momentos pirotécnicos de ambos os

lados. Como era de esperar, o jogo não foi

nada agradável. Afinal era a Série C. Por

isso, não foi surpreendente que as duas

equipas tenham partilhado os pontos com

um resultado de 0-0. O Lucca estava em

vantagem, mas acabou por não conseguir

marcar devido a uma bola à trave ou à sua

incapacidade para marcar. O que se passou

nas bancadas foi completamente diferente.

Ambos concordámos que foi melhor do que

no dia anterior. Provavelmente porque era

simplesmente o que se gosta de ver em Itália.

Um estádio envelhecido, mau futebol, mas

tudo de alguma forma tão “real”. Ambas as

curvas deram tudo por tudo. Houve sempre

pirotecnia e, claro, gritos. Um final muito

agradável e certamente uma boa decisão

de assistir a este jogo. Os próximos dias

serão passados de forma mais descontraída

e, esperemos, com o melhor tempo e boa

comida à beira-mar.

Por Patrick T.

78


Depois de um final de época algo

decepcionante para nós (bracarenses),

devido à derrota na Final da Taça de Portugal

disputada no Jamor e à eliminação da equipa

de futsal no dia seguinte, nas meias-finais

do campeonato nacional da modalidade,

não houve muito tempo para lamentações,

uma vez que a equipa principal de futebol

preparava-se para disputar, em Agosto, as

eliminatórias de acesso à Liga dos Campeões.

Para além destes importantes jogos, havia

também um outro acontecimento que se

avizinhava e que fazia fervilhar os Ultras

Bracara Legion 2003, a comemoração do 20º

aniversário do grupo, um número redondo

que exigia uma celebração e uma entrada

na época condizentes com a importância da

data.

Os preparativos para o arranque

da época começaram logo em Junho, apenas

interrompidos pela realização do torneio de

futsal e convívio de final de época. Depois de

tratadas as habituais questões logísticas, era

hora de preparar a tochada de aniversário,

para a qual se discutiram várias sugestões

e possibilidades, tendo-se optado por

desenhar com tochas um 2003 que ocupava

toda a bancada poente inferior do Estádio

Municipal, com o símbolo do 20º aniversário

a descer ao centro do varandim da bancada

superior, ladeado de piscas, e com esse

mesmo varandim a ser preenchido por mais

tochas que iluminavam o material que o

grupo foi ostentando ao longo destas duas

décadas, bem como mais uma “corda” de

tochas nas duas laterais da bancada inferior.

Para complementar o espetáculo lançaramse,

da pala da bancada poente, várias caixas de

fogo de artificio e projectaram-se tochas com

paraquedas. Este foi o tiro de partida, dado

na madrugada de 07 de Agosto, mas o dia de

aniversário viria a ser preenchido também

79


com uma celebração na sede do grupo, com o

habitual corte de bolo e a presença de perto

de uma centena de membros, entre os quais,

várias dezenas de fundadores.

Para o dia seguinte estava marcado o

primeiro jogo oficial da época, a primeira mão

da 3ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões,

disputada em casa diante dos sérvios do

Backa Topola. Para a tarde do encontro estava

marcada uma concentração num café que se

localiza nas imediações do estádio, e a tarde

foi-se fazendo entre conversas e cerveja. À

hora marcada para o arranque do cortejo já

estava uma boa moldura de Ultras da Bracara

Legion, que seguiram entre cânticos até ao

estádio. Do jogo propriamente dito pode-

-se falar num apoio bastante interessante e

contínuo, na linha das melhores prestações

em casa dos últimos anos. Nota para o mini-

-tifo com o símbolo do 20º aniversário aberto

ao minuto 20, acompanhado de vários potes

de fumo (RDG’s) vermelhos. Das cerca de

duas dezenas de sérvios presentes no sector

visitante não há nada digno de nota a relatar,

e o jogo acabou com uma vitória por 3-0, com

a equipa da casa a avançar para a 2ª mão com

uma vantagem confortável.

porque não havia tempo a perder. Tomar

banho, jantar, pegar nas trouxas e logo

nos voltamos a juntar, 16 companheiros,

que em duas carrinhas arrancamos rumo à

Sérvia. O grupo era bastante heterogéneo,

com a presença de dois fundadores, vários

elementos com muitos quilómetros nestas

andanças, mas também vários rapazes que

partiam na sua primeira aventura desta

dimensão. A noite de sexta e o dia e noite

de sábado, foram basicamente aproveitados

para “comer” quilómetros, parando apenas

esporadicamente e por pouco tempo, com

excepção duma paragem ligeiramente maior

em San Remo, norte de Itália, onde durante

cerca de duas horas tivemos bons momentos

de diversão na movida local.

80

Sem grande tempo de descanso,

avanço três dias até dia 11, sexta-feira na

qual voltamos a jogar, desta vez em partida

a contar para o campeonato nacional,

diante do Famalicão. Depois de um apoio

razoavelmente bom, e de um balde de água

fria com o golo da derrota a surgir já perto

dos minutos finais, apressamo-nos a ir para

casa, não por desgosto ou vergonha, mas

O ritmo a que se avançou foi de

tal forma bom que no domingo de manhã

já estávamos na Croácia, mais propriamente

em Rijeka, cidade costeira do norte do país

balcânico. Aproveitamos para visitar o antigo

estádio do clube local e para desfrutar da

praia que, apesar de não ter areal, contava

com uma temperatura da água bastante

agradável. Depois de muitos mergulhos e


copos, aproveitamos o final da tarde para nos

dirigirmos ao apartamento onde pernoitamos,

para tomar um banho e descansar. O jantar

foi bem regado, e a noite acabou por sair

furada porque a cidade não tinha nada para

oferecer em matéria de diversão nocturna a

um domingo à noite. De manhã voltaríamos

à praia para nos despedirmos da costa croata,

e a seguir ao almoço seguimos em direcção

à capital Zagreb, para uma noite bem mais

agitada do que a anterior. Chegamos a Zagreb

a meio da tarde de segunda-feira e sabíamos

que, se em circunstâncias normais a cidade já

não era para brincadeiras, face às condições

mais cuidado seria necessário. Quando

chegamos à cidade desde logo se percebeu

muita tensão no ar, sendo sucessivos os

grupos de polícia de intervenção na zona

central, e os “sentinelas” iam-se sucedendo,

o que não era caso para menos pois, no dia

seguinte, disputar-se-ia o jogo entre Dínamo

Zagreb e o AEK. Depois dos incidentes da

1ª mão, a probabilidade de aparecerem

visitantes era relativamente baixa, mas parece

que nem polícia nem Ultras locais estavam

na disposição de arriscar. Durante a noite

fomos interpelados tanto por polícia como

por locais por diversas vezes, mas os focos

de tensão foram-se aliviando e a verdade é

que acabamos por desfrutar da noite passada

na capital croata sem mais nada a registar do

que copos e diversão.

Na manhã do dia de jogo partimos

rumo a Osijek, localidade perto da fronteira

aonde iríamos pernoitar e em que deixamos

as malas para depois avançarmos rumo

à Sérvia. Pelo caminho até à fronteira

encontramos alguns quilómetros de estrada

por asfaltar e um cenário desolador, com

muito pouca população e muitas construções

degradadas, coisa que se repetiria no lado

sérvio da fronteira. O controlo em ambos

os postos fronteiriços foi apertado, com

especial ênfase para os guardas sérvios, que

não queriam deixar passar um companheiro

alegando que havia um qualquer problema

com o seu cartão de cidadão, situação que

só se resolveria com a promessa da entrega

duma camisola de jogo do SC Braga aquando

do regresso.

Feito o trajecto de cerca de uma

hora em solo sérvio, dirigimo-nos ao encontro

dos companheiros dos Red Boys, que

viajaram pela Hungria, e juntos avançamos

para o estádio. A chegada foi absolutamente

pacífica, mas as coisas viriam a piorar com a

proibição da entrada do material de apoio

(faixa e panos), que motivaria uma discussão

muito demorada e aonde se equacionou

inclusive abandonar o estádio antes do jogo

começar. A permanência só foi decidida

depois da polícia aceder a que o material

entrasse na parte interior da bancada,

onde ficou à guarda de dois elementos do

nosso grupo, que se iam revezando a cada

10 minutos. Dos Ultras locais pouco há a

81


82

relatar, cerca de 120 elementos, com uma

prestação vocal fraca, o que nos permitiu

fazermo-nos ouvir durante quase todo o

encontro, facto que despertou a atenção dos

restantes adeptos locais, que demonstravam

mais interesse na nossa prestação do que

em apoiar a sua equipa ou em acompanhar

as incidências dentro das quatro linhas. A

presença de apenas duas dezenas de adeptos

do SC Braga, bem como a proximidade de

stewards e polícia, impediu que abríssemos a

pirotecnia com a qual entramos no estádio. No

final do jogo regressamos à Croácia, mas não

sem que antes os guardas fronteiriços sérvios

nos “obrigassem” a cumprir a promessa e

a deixar uma camisola de jogo com eles.

Quando entramos em solo croata e voltamos

a ter acesso aos dados móveis, acabamos por

parar e ficar a ver os penáltis do jogo entre

Marselha e Panathinaikos, com a vitória dos

gregos a causar uma onda de euforia entre

nós, porque para além de não querermos

voltar a Marselha (aonde já estivemos por

duas vezes nos últimos anos), Atenas era

um desejo antigo para muitos, sendo mais

um sonho que poderíamos riscar da lista. A

noite seria de festa, e com mais peripécias,

nomeadamente à meia-noite local, que

marcava a data de aniversário de um dos

“caçulas” do grupo, que viria a ser alvo de

uma brincadeira por parte dos restantes. Da

viagem de regresso nada de muito relevante,

para além das habituais peripécias neste tipo

de viagem.

A chegada a casa aconteceu

na noite de quinta-feira, mas o descanso

foi praticamente nulo fruto de uns

constrangimentos pessoais e dum casamento

em que viria a marcar presença no dia de

sexta-feira. Sem tempo para lamentações,

sábado deslocamo-nos a Chaves, em mais

um bom dia de bola, recheado de convívio,

com uma boa presença da massa associativa

bracarense, com a BL a marcar também

presença com bons números e a ter uma

prestação interessante na bancada, que

ajudou a empurrar a equipa para a vitória.

Na quarta-feira seguinte (dia 23)

recebemos em casa o Panathinaikos, no

último obstáculo antes da tão ambicionada

fase de grupos da Liga dos Campeões,

competição na qual não participávamos há

uma década. A circunstância exigia um apoio

à altura, até porque recebíamos um dos

grupos mais afamados da Europa pela sua

capacidade vocal. Porém, a transferta dos

gregos não foi tão forte quanto esperávamos,

deslocando-se ao Municipal talvez uns 200

adeptos adversários, com o Gate 13 a ser

representado apenas por membros radicados

no Reino Unido e sem apresentarem faixa

principal. Praticamente não se fizeram ouvir, e

nós aproveitamos para voltar a dar um apoio

positivo, com nota para alguma pirotecnia

aberta no segundo tempo por parte dos

grupos bracarenses. A vitória, ainda que pela

margem mínima, dava-nos esperança, e foi

com muitas expectativas (a todos os níveis)

que avançamos para a segunda mão.

As viagens de avião de ida e

regresso de Atenas foram marcadas ainda na

carrinha, enquanto regressávamos da Sérvia.

A verdade é que, nove dias depois do regresso


de uma super transferta, já nos dirigíamos

para outra. Saímos na noite de sábado (dia

26) de carro rumo a Bilbau, cujo aeroporto

nos oferecia a opção mais económica para

a viagem. Foi graças à solidariedade de

quatro companheiros que se prontificaram

a levar-nos até ao País Basco e a trazer os

carros de volta até Braga que esta opção se

tornou mais confortável e económica, uma

vez que os voos de regresso far-se-iam pelo

aeroporto do Porto. Também desta forma se

mostra militância e amor pela causa, uma vez

que, mesmo não podendo estar presentes, o

voluntarismo deles foi essencial para que as

coisas corressem da melhor maneira.

O voo era directo, mas logo no

embarque surgiu o primeiro contratempo,

com um companheiro a ficar de fora devido

à inenarrável prática das companhias aéreas

apelidada de “overbooking”. Ainda assim

seguimos viagem, e o companheiro que ficou

pelo caminho viria a viajar por outra rota e

chegaria a Atenas ainda no domingo. Depois

de devidamente instalados, partimos para

jantar na noite de domingo, e entre mais uma

refeição bem regada demos por nós num

clube junto à praia. Depois de uma noite bem

passada, o dia seguinte seria aproveitado

para conhecer alguns dos muitos pontos

de interesse que a extraordinária cidade de

Atenas tem para oferecer, nomeadamente o

decrépito, mas encantador, Estádio Apóstolos

Nikolaídis, recheado de inúmeros murais

do Gate 13 e com uma grande carga de

mística. O insuportável calor que se fazia

sentir dificultava a tarefa, mas depois de

mais um bom jantar na noite de segunda,

a manhã de terça-feira e dia de jogo foi

aproveitada para conhecer a Acrópole, ponto

mais emblemático da cidade, e aquele que

podemos apelidar de berço da civilização

ocidental. O museu da Acrópole, que se

encontra na zona baixa da cidade, é também

muito bom e merece cada cêntimo gasto no

bilhete. Embora as viagens de bola não sejam

muito propícias a este género de programas

culturais, a verdade é que já me permitiram

conhecer muitos locais de interesse a que

provavelmente de outra forma não iria.

Depois da chegada de alguns

elementos do grupo que viajaram por

outras rotas, perfazíamos um total de 17

Ultras da Bracara Legion, quase metade dos

adeptos do clube presentes em Atenas. O

jogo disputar-se-ia no Estádio Olímpico de

Atenas, que tem capacidade para mais de 70

000 espectadores, ao contrário do velhinho

estádio do Pana que não consegue albergar

sequer 20 000. Chegámos ao estádio mais de

duas horas antes do início do encontro, e já

muitos milhares de pessoas iam preenchendo

as bancadas. O sector do Gate 13 rapidamente

83


encheu, e os cânticos iam-se seguindo, bem

como alguma pirotecnia ia sendo aberta

esporadicamente. O nervosismo era grande

face à importância do jogo, mas o que

realmente prendia o olhar eram as bancadas.

Quando o jogo se aprontava para começar

e todo o estádio entoa o horto magiko de

forma ensurdecedora, senti a pele arrepiada

e senti que mais um sonho estava cumprido.

Ainda assim fomos lá enquanto Ultras,

para dignificar o nosso símbolo e apoiar a

equipa, portanto não havia espaço para mais

contemplações. Ainda que sabendo ser uma

tarefa difícil, fizemos tudo para nos fazermos

ouvir e cantamos durante todo o encontro.

Depois do “tesão” inicial, a montanha

acabaria por parir um rato, e o apoio vocal

dos gregos mostrar-se-ia verdadeiramente

desapontante. Minutos e minutos sucessivos

sem se fazerem ouvir e, quando arrancavam

com um cântico, faziam-no com força, mas

apenas durante alguns segundos. Posso

dizer que foi, sem sombra de dúvida, a maior

desilusão da minha vida, e a prestação dos

locais foi demasiado fraca para se comparar,

por exemplo, com aquilo a que assisti dos

Delije no Marakana de Belgrado.

O golo que garantiu o apuramento

foi marcado já nos minutos finais, o que

provocou uma onda de euforia entre nós, e

uma épica descida da bancada, ainda que os

locais arremessassem inúmeras garrafas e

outros objectos da bancada superior, facto

que viria a originar um golpe na cabeça de

uma rapariga da Cruz Vermelha presente

na bancada. Entre festejos e “trocas de

galhardetes”, deu-se um sururu com um

elemento do Panathinaikos que, pelo porte e

pela pinta, deixava transparecer que género

de ligações teria, elemento esse que contou

com o auxílio de alguns stewards com quem

também escalou a tensão. A situação viria a

acalmar-se sem a intervenção dos polícias

presentes, que em nenhum momento se

preocuparam com o sucedido.

Finalizado o jogo, a preocupação

era só uma: trazer a faixa de volta para

casa. A saída acabaria por se dar sem

problemas de maior, e eu, junto com vários

outros companheiros regressaríamos nessa

mesma madrugada, com escala feita em

Colónia, não sem um sobressalto causado

pela polícia que queria reter um dos nossos

membros porque o seu cartão de cidadão

não estava em situação regular (o mesmo da

fronteira entre a Croácia e a Sérvia). Depois

de muita conversa a situação lá se resolveu,

e os restantes companheiros voariam no dia

seguinte, chegando ao mesmo tempo que

a equipa, que foi recebida no Aeroporto

Francisco Sá Carneiro por centenas de

bracarenses em festa, festa essa que se

prolongaria na chegada a Braga.

Tantas e tantas vezes as pessoas

que me rodeiam e que comigo se vão

cruzando perguntam-me o que me/nos leva

a fazer tantos sacrifícios, a abdicar de tanto,

a despender de tanto dinheiro e tanto tempo

em prol de um clube e de um grupo. Pensando

no assunto, e olhando em retrospectiva, com

estes dias que foram de verdadeira azáfama

e correria, com tanto sacrifício e tão pouco

descanso, dou por mim a perguntar o mesmo

a mim próprio, se não é já hora de acalmar

e dosear o “ímpeto”. Só que a resposta que

vem de dentro é invariavelmente a mesma: é

isto que me motiva a levantar da cama todos

os dias e é isto que me faz genuinamente

feliz. As peripécias, os contratempos, o

sacrifício, o companheirismo e a crença

de que lutamos por algo maior do que nós

próprios motiva-me, todos os dias, a seguir

em frente. Exausto, de carteira vazia, mas

absolutamente realizado. Assim se vive Ultrà!

Por J. Sousa

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OS REGRESSOS DO FARENSE

Após a subida de divisão

devidamente festejada por todos os

Farenses, coisa que não aconteceu em 2020

por estarmos em pleno confinamento devido

à pandemia, ditou o sorteio que na 2ª jornada

o Farense se deslocasse ao Dragão para

defrontar o FCP. Este jogo era muito especial

para todos os Ultras de Faro, essencialmente

porque os South Side nunca tinham prestado

o seu apoio no reduto dos dragões, seja nas

Antas ou no Dragão, e também porque, na

última passagem do Farense pelo mais alto

escalão de futebol profissional, nos vimos

privados do apoio nos estádios, devido à

já referida pandemia. Foi uma época difícil

para todos os que vibram ao vivo com as

suas equipas, e ainda mais para nós porque

nos retiraram o prémio de quase 20 anos de

espera.

Corria o ano de 2020 e, na altura,

ditou o calendário que na primeira jornada

nos deslocássemos a Moreira de Cónegos

para defrontar a equipa local. A sede de estar

presente neste importante marco fez com que

uma dezena de Ultras se fizessem à estrada,

não para ver o jogo (que era à porta fechada)

mas apenas para apoiar a nossa equipa

nos 10 a 15 (?!) segundos de passagem do

autocarro Farense aquando da chegada ao

estádio do Moreirense. Missão cumprida,

e, após 7 horas de viagem, aqueles breves

segundos deixaram um sabor agridoce, pois

esperavam-nos mais 7 horas de regresso,

mas ao mesmo tempo partíamos com um

sentimento de satisfação por termos estado

presentes naquela data histórica para o nosso

clube!

Voltando ao Dragão, foi muito bom

ver o interesse de toda uma Velha Guarda

adormecida com os seus afazeres familiares/

profissionais/etc em querer estar presente,

juntamente com todo o sangue novo que

agora lidera os Ultras de Faro. Formou-se uma

boa equipa com um excelente foco em apoiar

o nosso Clube do início ao fim da partida,

e assim foi! Juntamente com os restantes

adeptos Farenses, conseguiu-se gritar e

apoiar até que a voz já não o permitisse.

Após os 90min + 20 de descontos todos

saímos exaustos, e nem mesmo o golo tardio

da equipa adversária nos fez esmorecer…

Naquele dia, escreveu-se mais uma página de

glória na história dos South Side Boys, Ultras

do Farense! Estamos de volta!

Por J. Araújo

85


BORDÉUS X CONCARNEAU

86

Realizar um guia de visita a uma

cidade leva-me sempre a procurar por

pontos de interesse e eventos relacionados

com futebol. E assim foi, mais uma vez, na

visita planeada para este verão à cidade de

Bordéus. Mundialmente conhecida pelos seus

vinhos, a capital da região francesa de Nova

Aquitânia tem visto o seu clube de futebol, o

Girondins de Bordeaux, perder protagonismo

no panorama do futebol francês. O histórico

emblema, por onde passaram, entre outros,

os portugueses Chalana e Pauleta, foi

relegado para a 2ª divisão em 2021/22 e

esteve à beira de uma descida administrativa

para os campeonatos não profissionais

devido a problemas financeiros. O que se

mantém forte é a paixão dos seus adeptos

que, independentemente da situação da sua

equipa, marcam forte presença e fazem sentir

o seu apoio incondicional em cada jogo.

O clube luta para voltar rapidamente

ao topo do futebol francês, mas não tem

sido fácil. O final da temporada 2022/23 foi

bastante atribulado, e a subida acabou por

fugir nas 2 últimas jornadas do campeonato.

Para agravar toda a situação, no último jogo

contra o Rodez, após o golo do adversário,

um adepto invadiu o relvado e entra em

contacto com o jogador autor do golo. O

árbitro ordenou que as equipas recolhessem

aos balneários e estas já não voltaram. A

Federação Francesa teve mão pesada: derrota

no jogo com o Rodez, um ponto subtraído na

época seguinte e interdição da Virage Sud –

sector dos Ultramarines - por 2 jogos.

Este era o contexto para a partida

com o Union Sportive Concarneau, clube

da região da Bretanha, que disputa a Ligue

2 pela primeira vez. A relativa facilidade na

aquisição do bilhete nas semanas anteriores

fazia antever que o estádio não iria ter casa

cheia. O elevado número de autocolantes

colocados no mobiliário urbano indicava

que me estava a aproximar do moderno

estádio René Gallice, antiga lenda do clube

e da cidade, cujo nome foi votado e adotado

pela Virage Sud em alternativa ao nome

mais comercial oficialmente utilizado. Este

moderno estádio, construído para o Euro

2016, tornou-se a casa do Bordéus depois

de o clube ter abandonado o mítico Estádio

Lescure. Situado fora do centro da cidade,

também recebe com regularidade concertos

e jogos de rugby, daí que existam apenas

alguns elementos discretos com identificação

alusiva ao Girondins de Bordeaux. Ao redor

do recinto, vários grupos de adeptos de

todas as idades reuniam-se junto aos bares

ou das portas do estádio, num ambiente

relativamente calmo que só seria perturbado

pela chegada do cortejo do novo grupo

North Gate, resultado de uma cisão nos

Ultramarines no final da temporada passada,

que durante o cortejo acenderam várias

tochas perante o olhar passivo da polícia


francesa, que pouco se faz notar em redor

do estádio. À passagem do cortejo, junto

da entrada dos Ultramarines, percebeu-se

a existência de alguma tensão entre os 2

grupos, confirmada dentro do estádio com

um incidente entre membros dos 2 grupos,

situação também vista recentemente entre

grupos do Saint Étienne e Marselha.

Ultramarines logicamente mais concorrida

para o pagamento de quotas de membros

e compra de material. Junto do seu setor,

membros mais jovens do grupo distribuíam

a fanzine do grupo a todos os que por lá

passavam. Recolhi-a entusiasmado por ver

que ainda existem grupos a apostar nos meios

clássicos para transmitirem informações aos

Uma avaria nos torniquetes na

entrada que me estava destinada viria a

gerar um cenário semelhante ao de muitos

jogos da Liga Portuguesa, com uma grande

aglomeração de pessoas cada vez mais

impacientes à medida que a hora do jogo

se ia aproximando. A situação viria a ser

ultrapassada através do clássico método

de leitura dos bilhetes pelos olhos dos

assistentes de recinto. Lá dentro, um

enorme vazio na Virage Sud e as faixas dos

Ultramarines transferidas para o 2º piso de

uma das bancadas laterais. A livre circulação

à volta do estádio permitiu-me visitar as

bancas de material dos 2 grupos, sendo a dos

seus membros. Os acessos aos vários sectores

do estádio, depois do incidente da temporada

passada, passaram a ser controlados e só

acessíveis a portadores de bilhete para o

respetivo sector. O estádio foi-se compondo

e na entrada das equipas, os sectores dos

grupos coloriram-se com bandeiras e uma

enorme faixa com a inscrição “Allez Bordeaux”

por parte dos Ultramarines, enquanto do

outro lado os North Gate exibiram a frase

“Pela Nossa Cidade” acompanhada por

algumas tochas e bandeiras. O Concarneau

contaria com o apoio de cerca de 30 adeptos,

que se posicionaram de forma discreta

no sector visitante. O apoio por parte dos

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Ultramarines foi forte e acompanhado por

todo o estádio regularmente, prova de que

a dinâmica do grupo não foi muito afetada

pelo impedimento de ocuparem o seu

habitual setor. Nota para a ocupação massiva,

por parte dos adeptos, de uma varanda

posicionada entre o piso superior e inferior do

estádio e que funcionaria como uma espécie

de safe standing improvisada. No decorrer da

1ª parte foi exibida uma frase de homenagem

a um ultra dos Boys Parma - grupo que tem

amizade com os Ultramarines - recentemente

falecido.

A segunda-parte arranca e os

Ultramarines fazem uma vez mais notar-se

com um lençol de protesto contra os jogos

à 2ª feira. Á 2ª jornada, este seria o 2º jogo

disputado pelo Bordéus a uma 2ª feira, talvez

um dos motivos para que o estádio não

estivesse na máxima capacidade permitida.

Com os minutos a passarem e a impaciência

a apoderar-se das bancadas, o apoio não

cessou nem por um minuto e os adeptos

locais viriam a ser premiados com um golo

no último minuto através de uma grande

penalidade. Uma enorme explosão de alegria

dentro e fora das 4 linhas com os jogadores a

dirigirem-se prontamente para o sector mais

animado do estádio. Depois das desilusões

da época anterior e da derrota no arranque

nesta nova época, esta vitória voltou a

colocar um sorriso na face dos adeptos do

Bordéus, mas ainda longe de lhes devolver a

ilusão de regressar à Ligue 1. Veremos daqui

a uns meses…

Por M. Soares

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CULTURA

DE ADEPTO

Por M. Bondoso

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Quando saremo tutti nella nord

Internacional

Quando saremo tutti nella nord

Autor: Michele Spampinato

Equipa: Catania

Ano: 2015

Páginas: 216

Preço: 15eur

O autor leva-nos ao verão de 1993,

ao problema de exclusão do Catania na Serie

C1 e ao recomeço nos distritais. A partir daqui

é desenrolada acção com base na vida ultra

de Spampinato e na liderança da Falange

d’Assalto, seguida da fundação dos Decisi até

chegar ao grupo principal A Sostegno di una

Fede.

Pelo meio ficam as recordações das

deslocações pelos campos da 3ª e 4ª divisão

italiana, bem como as cisões entre os grupos

e os seus momentos mais conturbados.

É uma visão bem crua do que se passou sem

grandes folclores, assumindo sempre que

umas vezes se ganha e outras se perde. Não

há outra forma de ser nesta vida.

O relato das reuniões semanais do grupo

sobre a mentalidade a incutir e sobre as

decisões das coreografias e material a

realizar-se é também de boa leitura.

O final do livro é composto por uma

foto galeria desde 93 até 2006 onde o grupo

A Sostegno di una Fede chegou ao seu auge.

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Nem melhores nem piores…

apenas diferentes

Nacional

Nem melhores nem piores… apenas

diferentes Ultras Máfia Vermelha

Autor: Máfia Vermelha

Equipa: Leixões S.C.

Ano: 2023

Páginas: 150

Preço: 5eur

O mais recente livro nacional

chegou este verão com alguma expectativa

visto a MV03 estar suspensa há já algum

tempo.

O livro apresenta-se num formato

A5 com capa de papel plastificada e num

preço bastante acessível.

É um conjunto de relatos de vários

membros do grupo ao longo destes cerca de

20 anos de actividade, em conjunto com uma

narrativa sobre as várias acções do Grupo

desde coreografias e deslocações marcantes.

O livro está composto por 8 capitulos que

abordam as várias fases da Máfia e do seu

Leixões, enriquecido por uma extensa galeria

fotográfica que suporta muito bem e prende

o leitor ao longo da obra. Sempre com jogos,

preparação de coreografias e um forte teor

identitário próprio das suas gentes e sempre

com um tributo ao mar e aos pescadores,

pilar social do LSC.

Termina com o comunicado da

auto suspensão e não deixamos de sentir um

amargo de boca e sentir como se do nosso

grupo se tratasse.

Uma pequena nota para a falta

de ficha técnica por decisão dos autores e

sentido unitário da obra pelo Grupo.

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Quando saremo tutti nella nord

Nem melhores nem piores… apenas diferentes!

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ERA UMA VEZ

FOTOS DA CURVA

Quem é o Pedro “Blue”?

Um eterno apaixonado pela forma que os

adeptos, via bancadas, contribuem para

o espectáculo que é o futebol! Um ULTRA

camuflado que, bem cedo, começou a

acompanhar o seu clube do coração. Agora

eterniza os movimentos da curva através das

imagens que capta e divulga.

Qual o teu percurso nos grupos ultra do FC

Porto?

O percurso é longo. Aos 12 anos (estou perto

dos 48) ingressei nos SUPER DRAGÕES, logo

após a conquista da Taça dos Campeões

Europeus em Viena de Áustria (1987). Dos

jogos que foram realizados em Portugal, vi

todos ao vivo.

Em 1995, tive uma fugaz passagem pela

fundação do MOVIMENTO PORTUENSE e,

alguns tempos depois, pelo C95. Em ambos

os casos foram tempos curtos. Em nada me

arrependo, na altura houve um misto de falta

de vontade e desacordo com algumas coisas

em que não me revia nos SD. Rapidamente

voltei, pois era lá que eu pertencia.

Cheguei a ser o sócio número 9 dos SD,

há mais de 30 anos. Hoje sinto-me, com

propriedade (alguns podem não concordar),

parte da história dos SD.

Quando começaste a tirar fotos nasceu

logo o FotosDaCurva ou a ideia foi-se

desenvolvendo com o tempo?

Foi mesmo uma casualidade. Tinha um

amigo que me desafiou para o acompanhar,

que ainda hoje aparece de vez em quando,

e que me abriu as portas para o mundo da

fotografia desportiva. Foi crescendo a paixão

e a dedicação, nunca tirando o foco dos ideais

que eram os adeptos.

Quais os teus objectivos e motivações?

Essencialmente a motivação veio “de dentro”

e vibro muito, ainda hoje, com uma curva

a cantar e a causar espetáculo dentro do

estádio.

O objectivo não é descabido, dar voz a

quem sustenta o Futebol - os adeptos.

Essencialmente os ULTRAS, que viajam o

mundo inteiro para acompanhar e apoiar

a sua equipa e mostrar o quão importantes

são, demonstrando a falta que fariam se lá

não estivessem.

As claques não são criminosas! As pessoas é

que podem ser, em qualquer canto do estádio

ou fora dele, desportivamente falando ou

não.

Que tipo de fotografia gostas mais: tifos,

braços, cachecoladas ou bandeiras?

Adorava cachecoladas, algo menos visto nos

dias de hoje. Na realidade gosto de todas

essas vertentes, desde que bem feitas e

sincronizadas, o que cada vez se torna mais

difícil, pois requer muito tempo a formar

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a muita gente nova que existe. Às vezes

também parece que alguns só se lembram

do dia de jogo. Dia a dia é preciso colaborar

para que no fim de semana tudo corra como

esperado, especialmente em alguns jogos.

Quantos jogos tens fotografados?

Ora, 50/60 eventos por ano multiplicados por

21 anos, dá aproximadamente 1100 jogos.

Qual o teu top 3 de fotografias favoritas ou

memoráveis?

Esqueçam lá isso, gosto de tantas e algumas

não gosto nada. O tifo de Sevilha, onde se

podia ler “mais uma página de glória no livro

da nossa história” marcou-me. Uma parceria

SD/C95.

Vendes as tuas fotos?

Particularmente não, institucionalmente sim,

algumas têm dono. Ao longo dos tempos fuime

tornando agente/colaborador/prestador

de serviços/freelancer de alguns órgãos de

comunicação social.

Nunca podes falhar um jogo, mas, se falhares,

como tens as fotos?

Verdade, nunca posso falhar. Se falhar é

porque, muito raramente, algum clube decide

vedar o meu acesso, mas só um ou outro o

fazem. Nunca faltam as fotos, tantos amigos

fotógrafos (alguns até de outras cores) estão

sempre prontos a cobrir-me as costas… E elas

aparecem sempre.

Já te sentiste pressionado em jogos fora?

Tens problemas na acreditação por saberem

que és focado apenas nos adeptos do Porto?

A verdade é que não sou pressionável.

Depois, sou quase sempre bem recebido em

qualquer campo.

Conhecem-me, sabem bem que é o

FOTOSDACURVA, respeitam e eu respeito.

Não estou ali para envergonhar o clube que

me acolhe mas sim para registar o que há de

bom nas nossas deslocações.

Os membros das outras claques não se

“atiram”, ainda bem, porque aí eu teria de

tirar cá de dentro a minha essência. Respeito e

têm de me respeitar, o que até hoje acontece.

Sentes que as pessoas valorizam o projecto?

Que reconhecimento sentes ter?

Sim e, sinceramente, uma das coisas que me

mantém é saber da importância do projeto.

Não consigo ver ninguém com vontade/

capacidade/habilidade social para aguentar

tantos anos nisto. Não é mesmo nada fácil.

Acabo por ser reconhecido pelo trabalho

apresentado, se calhar não tanto como

desejava, mas tudo bem. De resto, às vezes,

até parece que jogo de chuteiras. Não posso

ir a lado nenhum que não apareça alguém

a chamar: “oh bluuueee!“. Até autógrafos já

dei, hiper forçado.

O projecto desgasta?

Muito, estou a tratar da sucessão pois quero

voltar à curva aos 50/51.

Vês-te a fazer isto por muitos mais anos?

Não, mas há quem não se acredite e pensa

que jamais deixarei isto.

Uma mensagem final para os nossos leitores

Foram muitos anos e muitas histórias. Deixo

aqui um lamento: tenho muita pena que as

autoridades deste país e instituições ligadas

ao fenómeno não me requisitem para

APRENDEREM a lidar com as mais diversas

ocorrências do mundo ultra em Portugal.

Teriam muito a aprender. Sei mais a dormir

sobre claques do que eles com mil livros

à frente. Salvo meritórias excepções, não

percebem, absolutamente nada, de como

lidar com massas desportivas.

95


Defender, Honrar e Ser Sporting Clube de

Braga

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Nesta vida que a imensa paixão

pelo clube local nos proporciona, vivenciam-

-se e sentem-se as mais variadas emoções,

ocasiões e momentos de companheirismo

que acabam por ser o que se leva deste

mundo.

Numa realidade em que cada

vez mais se verifica a modernização e

transformação do quotidiano, infelizmente,

o futebol não foge à regra. Nos últimos

anos, em Portugal, tem-se verificado uma

deturpação do desporto-rei que todos os

ultras amam. São muitas as causas que

influenciam e alteram a realidade desportiva

em Portugal, desde o panorama social no

qual os media tradicionais moldam a opinião

da sociedade conforme lhes dá jeito, até

ao panorama político, com leis mascaradas

como “boas causas”. Temos diversos

exemplos de manobras políticas desse

género, mas a mais recente foi a alteração da

Lei nº 39/2009, que levava como prioridade

“o combate ao racismo, à xenofobia e à

intolerância nos espetáculos desportivos” e

que teve como finalidade oprimir os adeptos

que se organizam, que ao fim ao cabo são a

última defesa que resta na luta pelo futebol

do povo.

No que toca ao meu clube, o

Sporting Clube de Braga, dada a sua grandeza,

são muitas as histórias que existem em todas

as modalidades, mas principalmente no

futebol. Uma parte dessas histórias foramme

relatadas por familiares e pessoas que

acabei por conhecer. Visto a minha tenra

idade, com muita pena minha, não tive a

oportunidade de acompanhar o SCB pré

Euro 2004, ou seja, não vivi a grande e mítica

atmosfera que se verificava no 1º de Maio

(o verdadeiro futebol popular bracarense).

A minha realidade, no que toca ao futebol,

sempre foi ir ao Municipal, fosse com o meu

pai ou com o meu primo, sempre perto

dos antigos setores ultras separados, o que

certamente colaborou para a minha fervorosa

paixão desde cedo. Após o tempo que

estivemos enclausurados nas nossas casas

durante a pandemia, a paixão e a vontade

de ser o 12º jogador vieram ao de cima e

decidi seguir os passos da família, embora

por outro caminho. Com a independência da

idade e com o dinheiro angariado durante

as férias, fiz-me à estrada e, para além dos

jogos em casa, aventurei-me nas deslocações

“sozinho”. Apesar de desafiador, sem dúvida


alguma que vai continuar a ajudar a moldarme

no homem que quero ser. Contudo, fiquei

a conhecer o que de facto acontece pelos

estádios portugueses, e como se é tratado

pelas autoridades, que ajudam em tudo

menos a zelar pela segurança dos cidadãos.

Passei a verificar toda a repressão ridícula

que existe, e por muito que se cumpra a lei,

a dita autoridade abusa do poder que tem e

pode simplesmente negar a entrada de todo

o tipo de material, mesmo que venham a

perder a razão em tribunal.

Tendo em conta os tempos de ouro

que vive o SCB, é normal que a felicidade dos

associados seja notória. No entanto, há que

analisar o que está por debaixo do tapete.

A grande maioria da geração mais nova vê

com bons olhos todo o sucesso desportivo e

contratações que o clube possa vir a ter e a

fazer, e não procura informar-se sobre o que

se passa no capital da SAD. Ao acompanhar a

Bracara Legion, que desempenha um papel

fundamental em informar os associados

com participações notórias nas Assembleias

Gerais, tertúlias, protestos, etc., podemos

concluir que é parte fulcral do que é o SC

Braga. Uma questão imprescindível, que

tem sido referida e mantida sempre como

discussão dentro do seio bracarense, é a

divisão da SAD e o facto do SC Braga não

ter maioria percentual dentro da mesma,

os famosos “50+1”. Nos últimos anos, as

mudanças na detenção de percentagem

que se pode aferir, são no mínimo curiosas,

mas particularmente questionáveis e

preocupantes. Aquando da criação da SAD,

a Câmara Municipal de Braga fez questão de

adquirir 17.14%, o que custou aos cofres do

município 1 milhão de euros (200 mil ações,

5 euros/ação) devido à importância do clube

como embaixador da cidade. Quase 20

anos depois, a Câmara decidiu vender essa

mesma percentagem por 200 mil euros no

total, (o que gerou um prejuízo de 4 euros

por cada ação) e que acabaria por chegar às

mãos da “Sundown Investments Limited”,

uma sociedade de investimento sediada no

Reino Unido. O SC Braga deixou escapar uma

oportunidade única de recuperar a maioria

da SAD por uns meros 200 mil euros, ainda

que um ano antes dessa venda, António

Salvador tenha dito que iria propor uma AG

extraordinária para que os sócios pudessem

aprovar a compra dessas ações, algo que

nunca se veio a realizar, talvez pelo interesse

do presidente que, ao que se veio a saber,

está “alegadamente” envolvido com essa

sociedade.

Algo que se pode afirmar é a falta

de transparência do atual presidente do SC

Braga e todas as partes envolvidas nestas

trafulhices, com contradições do “homem

do leme” que, num espaço de apenas 3

meses, passou de “Não vamos fazer parceria

nenhuma com o PSG” para se verificar de

facto a entrada da QSI (dona do PSG) na SAD

minhota e a deixar cair por terra o objetivo

de se ser “independente de tudo e todos”.

Gostaria também de referir a quantidade

de tempo que estas ações agora referentes

à QSI pertenceram à “Olivedesportos SGPS,

SA”, que em nada contribuiu para a SAD

97


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do clube, bem pelo contrário, em que só

associaram Joaquim de Oliveira, dono da

Olivedesportos, conhecido vigarista em

Portugal e um dos grandes responsáveis

pela destruição do futebol popular, à grande

instituição que é o Sporting Clube de Braga.

O que é factual é que, nos dias de

hoje, o clube minhoto sujeita-se a ser mais

um caso infeliz como os incalculáveis que

têm vindo a ocorrer nos últimos anos (Os

Belenenses, Olhanense, CD Aves, Leixões,

Beira-Mar, etc…). São infindáveis os clubes

em Portugal que foram traídos por não

terem a maioria da SAD. Posto isto, à Bracara

Legion move-nos o amor ao Sporting Clube

de Braga, e sempre nos mantivemos firmes

na luta por um futebol associativo e popular.

São inúmeros os manifestos de insatisfação

e inconformidade com o que se passa em

torno do SCB, como toda a batalha que foi

travada contra o Cartão do Adepto, ser voz

ativa contra o desrespeito pelos adeptos

e contra o que sucede dentro da SAD no

que diz respeito à temática dos “50+1”

e o quão importante isso é, por todos os

motivos que já escrevi anteriormente neste

artigo. A nossa posição é bastante clara: não

queremos que aconteça ao clube que tanto

amamos o que aconteceu a tantos outros,

e queremos manter sempre o que deve

ser o SC Braga, os valores, a tradição e a

comunidade. Por muito que a dissociação a

esses sustentos financeiros possa causar uma

queda do rendimento desportivo, queremos

manter-nos fiéis à identidade do clube e

aos seus princípios. Embora pareça valer

tudo no futebol atual, principalmente no

futebol português, o que interessa é ganhar

independentemente de como se ganha,

e assim sendo fica a questão: Deve valer

tudo desde que exista mais competitividade

desportiva?

Dito isto, avizinham-se novos

tempos com a mudança das modalidades

para o novo pavilhão localizado ao lado

do estádio, e resta-nos aguardar pelos

momentos e histórias que lá possam ser

escritas. Que o futuro seja risonho, tanto a

nível desportivo, como na tentativa de obter

a maioria da SAD, tal e qual na bancada e

fora dela. Enquanto houver uma batalha

para travar, por muito que pareça não ter

fim à vista, cá estaremos a resistir, porque a

nossa paixão não tem preço. Viva o Sporting

Clube de Braga e liberdade para apoiar hoje

e sempre! Liberdade aos ultras!

Por T. Costa


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