Revista Dr Plinio 314
Maio de 2024
Maio de 2024
- No tags were found...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Hagiografia<br />
rio ou risonho? Digo, ‘Meus senhores,<br />
meus amigos’, ou não digo nada?<br />
Começo com voz grave ou com<br />
voz doce; sonora, aliciante, estrondosa,<br />
despretensiosa e normal? Como<br />
eu posso dar uma melhor apresentação<br />
de minha própria pessoa?<br />
E depois, no fim, digo uma piada para<br />
fazer com que todo mundo pense<br />
que a conferência foi muito aplaudida<br />
com interrupções; tomo o copo<br />
d’água pensando que alguém vai<br />
aplaudir?”<br />
Todos esses artifícios são atos externos<br />
que indicam o consentimento<br />
na vaidade.<br />
A vaidade das almas<br />
deprimidas<br />
Há um outro modo de as pessoas<br />
serem vaidosas, e este é muito curioso.<br />
Vale a pena saber. É o<br />
terror de ter certo defeito.<br />
Essas pessoas não são exaltadas,<br />
mas são deprimidas.<br />
Há gente deprimida que nota<br />
em si algum defeito e fica<br />
com terror dele. “Imagina,<br />
eu sou assim! Agora, como é<br />
isso? Será que os outros notam?<br />
Será que eu sou mais<br />
assim do que o outro?” Por<br />
exemplo, ela ouve uma conversa<br />
entre dois outros: “Fulano,<br />
coitado, como ele custa<br />
para aprender!” O outro<br />
diz: “Puxa, ele é burro. Bem,<br />
nós temos que ter paciência,<br />
ele é até bonzinho”, qualquer<br />
coisa assim. “Ah! Ai,<br />
ai, ai, então eu sou burro.”<br />
Quem é mais burro, quem é<br />
menos burro, perturbações<br />
em duelos fictícios dessa natureza.<br />
“Eu vou provar para<br />
ele que eu não sou burro,<br />
etc., etc.” Eu tenho visto<br />
coisas dessas.<br />
Por exemplo, dois sujeitos<br />
conversam a respeito de<br />
um terceiro: “Ele é muito<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
capaz, mas ele não é um homem que<br />
serve para nosso século.” A pessoa<br />
ouve: “Puxa, que é isso? Será que<br />
eu tenho uma orelha colada na testa?”<br />
Os dois continuam: “Ele é um<br />
colosso, mas para línguas tem muita<br />
dificuldade; nós somos da época dos<br />
contatos internacionais; nossa Instituição<br />
é uma organização que se estende<br />
por todo o mundo e esse coitado<br />
tem de aprender língua alemã...”<br />
Daí surgem as perturbações de<br />
uma forma de vaidade. Por quê?<br />
Porque todo mundo tem defeitos.<br />
Eu tenho defeitos, e quem me ouve<br />
provavelmente tem também. Eu sou<br />
um incompetente para os negócios<br />
que é uma coisa fenomenal. Quando<br />
alguém quer me explicar alguma coisa<br />
de negócios, em noventa por cento<br />
dos casos, eu presto atenção por<br />
educação, porque na realidade não<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante uma conferência em 1971<br />
entendo nada. Mas, eu não tenho<br />
vergonha de dizer.<br />
Alguns anos atrás encontrei-me<br />
com um velho padre jesuíta, que foi<br />
meu professor de Matemática; ele<br />
me disse:<br />
— <strong>Plinio</strong>, você me deu muito trabalho<br />
quando pequeno.<br />
Eu fui um aluno bem comportado.<br />
— Mas, por quê, Padre?<br />
— Eu levei muito pito por sua<br />
causa. Porque o Reitor pegava o seu<br />
boletim e dizia: “Como é que as notas<br />
dele são boas em tudo e na sua<br />
matéria ele tem sempre notas péssimas?<br />
Você não ensina bem. Deve<br />
haver alguma coisa.”<br />
E eu respondia:<br />
— Não, é porque eu não tenho capacidade<br />
para Matemática.<br />
O professor dizia:<br />
— Raramente aparecem<br />
tais desníveis, em algumas<br />
matérias você se sai bem;<br />
não é normal existir essa nulidade<br />
em matéria de Matemática.<br />
E continua até hoje.<br />
Qualquer cálculo que não<br />
seja uma soma, eu tenho dificuldade<br />
de fazer. Somar<br />
dinheiro, ainda mais com inflação,<br />
se eu posso, dou para<br />
meus amigos fazerem.<br />
Mas nós temos uma ideia<br />
de “perfeiçosa” pela qual<br />
nunca diríamos isso em público.<br />
Por exemplo, a vergonha<br />
de dizer que não se sabe<br />
somar dinheiro é suma. Para<br />
mim é o contrário: “Não sei.<br />
Faça você por mim.” Eu sei<br />
algumas coisinhas, outros<br />
sabem as outras, a vida foi<br />
feita para nos entreajudar.<br />
Não querer contar essas<br />
coisas, não querer vê-las, isso<br />
é consentir na vaidade.v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 6/5/1971)<br />
32