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COMUNICAÇÕES 250 - ARLINDO OLIVEIRA, PRESIDENTE DO 33º DIGITAL BUSINESS CONGRESS DA CONSCIÊNCIA HUMANA À ARTIFICIAL: UM POTENCIAL GIGANTE

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N.º <strong>250</strong> • JUNHO 2024 | ANO 37 • PORTUGAL • 3,25€<br />

<strong>ARLIN<strong>DO</strong></strong> <strong>OLIVEIRA</strong>, <strong>PRESIDENTE</strong><br />

<strong>DO</strong> 33° <strong>DIGITAL</strong> <strong>BUSINESS</strong> <strong>CONGRESS</strong><br />

<strong>DA</strong> <strong>CONSCIÊNCIA</strong> <strong>H<strong>UM</strong>ANA</strong> <strong>À</strong> <strong>ARTIFICIAL</strong>:<br />

<strong>UM</strong> <strong>POTENCIAL</strong> <strong>GIGANTE</strong>


a conversa<br />

14<br />

“Para mim a questão da inteligência é interessante. Foi a inteligência humana que mudou o mundo”


INTELIGÊNCIA<br />

<strong>ARTIFICIAL</strong>:<br />

ELE ACREDITA<br />

NO SONHO<br />

<strong>DA</strong> MÁQUINA<br />

CRIATIVA<br />

Arlindo Oliveira sempre teve paixão por computadores e cedo se<br />

dedicou ao mundo desconhecido da Inteligência Artificial. Conheça<br />

o percurso e as motivações do Presidente do 33° Digital Business<br />

Congress, sempre com os olhos postos no futuro.<br />

TEXTO DE ANA RITA RAMOS E ISABEL TRAVESSA FOTOS DE VÍTOR GOR<strong>DO</strong>/ SYNCVIEW<br />

15


a conversa<br />

16<br />

“Estava em Silicon Valley no meio da grande explosão. O Google ainda não tinha aparecido. Depois surgiu a World Wide Web”


No ano em que a APDC comemora 40 anos, Arlindo Oliveira<br />

é o presidente do 33° Digital Business Congress, sob o tema<br />

“Futurizing”. Ninguém melhor do que ele para olhar o futuro.<br />

A saga do presidente do INESC no campo do sonho, aplicado<br />

sobretudo às tecnologias, não tem igual. Arlindo Oliveira é<br />

um dos protagonistas portugueses da espetacular aposta das<br />

empresas em Inteligência Artificial. Talvez por isso tenha conquistado<br />

a reputação e o respeito inquestionáveis de gestores,<br />

académicos e governantes.<br />

Acompanhe o seu percurso, se tiver fôlego. Nasceu em Angola<br />

e viveu em Moçambique, Portugal, Suíça, Estados Unidos<br />

(Califórnia e Massachusetts) e Japão. Tem uma licenciatura<br />

pelo Instituto Superior Técnico (IST) e um doutoramento pela<br />

Universidade da Califórnia, em Berkeley. É Professor Catedrático<br />

Distinto do IST, presidente do Instituto de Sistemas e<br />

Computadores (INESC), administrador não executivo da Caixa<br />

Geral de Depósitos, investigador do INESC-ID, membro do Conselho<br />

Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Conselho<br />

Consultivo do Painel de Ciência e Tecnologia do Parlamento<br />

Europeu (STOA). Publicou três livros, traduzidos em diversas<br />

línguas, e centenas de artigos científicos e de divulgação. Foi<br />

administrador de diversas empresas e instituições e presidente<br />

do IST, da Associação Portuguesa para a Inteligência Artificial e<br />

do INESC-ID. Foi professor visitante no MIT e da Universidade de<br />

Tóquio, e abraçou vários outros desafios que não cabem nestas<br />

páginas.<br />

Apesar da sua aparência serena, Arlindo Oliveira tem uma<br />

força interior que lhe foi muito útil nas lutas que teve de travar<br />

ao longo da vida. Em tudo o que fez, nomeadamente na divulgação<br />

do potencial da Inteligência Artificial – quando ainda<br />

ninguém falava nela – procurou sempre escapar à banalidade<br />

de uma vida sem impacto. E conseguiu.<br />

17


a conversa<br />

“Se conseguirmos duplicar<br />

muitas componentes da<br />

inteligência humana,<br />

provavelmente no futuro,<br />

a humanidade será<br />

diferente”<br />

“O mundo real é onde<br />

vivemos, mas a tecnologia<br />

está a mudar o mundo real,<br />

por isso as duas coisas não<br />

estão assim tão separadas”<br />

18


Comecemos pelo princípio: a sua paixão por algoritmos,<br />

computadores e tabuleiros de xadrez vem de<br />

onde? Desde quando?<br />

A paixão pelo xadrez é mais antiga. Aprendi a jogar xadrez<br />

em Moçambique, quando tinha uns dez ou onze<br />

anos. Depois, mais tarde, já a viver no Montijo, cheguei<br />

a ser um jogador razoável…<br />

Chegou a participar numas competições…<br />

Sim, tenho lá em casa uma série de taças. Joguei muito<br />

xadrez até ir para a universidade. Depois, deixou de ser<br />

compatível.<br />

Mas ponderou ser jogador profissional em vez de ir<br />

para a faculdade?<br />

Ser jogador profissional de xadrez é muito difícil. Em<br />

Portugal nem sei se há alguém que viva só do xadrez e,<br />

na altura, ainda menos. Ainda assim, eu tinha a ideia<br />

de jogar xadrez mais a sério, mas financeiramente era<br />

muito mais arriscado.<br />

Continua a jogar?<br />

Muito pouco. Mas tenho um tabuleiro sempre montado<br />

em casa e às vezes jogo no computador. A verdade<br />

é que também não tenho muitas pessoas com quem<br />

jogar. Nunca consegui convencer as minhas filhas a jogar<br />

a um nível que dessem luta. Mas o xadrez permite<br />

várias coisas: em vez de ser jogado contra uma pessoa,<br />

pode-se só analisar posições e tirar conclusões. Por vezes<br />

faço isso. É interessante perceber de que forma é<br />

que os computadores jogam xadrez, que é um bocadinho<br />

diferente da humana.<br />

E o interesse pelos computadores, vem de quando?<br />

Vem mais ou menos da mesma altura, quando era miúdo.<br />

Aos 17 ou 18 anos, na década de 80, apareceu o ZX<br />

Spectrum, um computador pequenino que foi um sucesso.<br />

Comprei dois, um deles ainda tenho. Na altura,<br />

gostei muito daquilo, gostei muito de programar, de<br />

perceber tudo o que conseguia fazer com os computadores.<br />

Depois, quando fui para o Técnico, o curso de<br />

Engenharia Eletrotécnica tinha uma forte componente<br />

de computadores. Aprendemos a programar e, por<br />

acaso – veja como são as coisas – o meu primeiro projeto<br />

foi um programa para jogar xadrez.<br />

A sua inquietude interior nasceu como? Consegue<br />

identificar? Que criança e adolescente foi?<br />

Sempre fui uma criança e um adolescente pacíficos.<br />

Mas era muito bom aluno, muito interessado pela magia<br />

de aprender. Nunca dei grandes preocupações aos<br />

meus pais. Sempre brinquei na rua e fui um adolescente,<br />

digamos, normal. Quando fiz 18 anos, mudei-me<br />

para Lisboa.<br />

Quando é que percebeu que a ciência e a engenharia,<br />

poderiam ser um ofício? Foi através delas que despertou<br />

para a “espantosa realidade das coisas” (para citar<br />

um verso de Alberto Caeiro)?<br />

A minha paixão eram os computadores e a eletrónica.<br />

Gostava muito de eletrónica, fazia montagens de equipamentos,<br />

de maneira muito amadora, mas aquilo<br />

fascinava-me. Na altura, a Escola Técnica do Montijo<br />

tinha bons professores de Engenharia Informática. Tinham<br />

uns motores elétricos e fazíamos instalações. Eu<br />

gostava muito daquilo. Foi mais ou menos no 10º ano<br />

que isso começou.<br />

Depois seguiu o seu percurso académico sem nenhum<br />

tipo de hesitação.?Sim, depois tirei a licenciatura no<br />

Técnico. Acabei o curso em 86 e o mestrado em 89. Foi o<br />

ano em que fui para os Estados Unidos. Vivi cinco anos<br />

na Califórnia, onde fiz o doutoramento.<br />

Foi uma altura muito importante da vida, não foi?<br />

Muito importante para mim e muito importante para<br />

os computadores, para a internet. Estava em Silicon Valley,<br />

no meio da grande explosão. O Google ainda não<br />

tinha aparecido... Depois surgiu a world wide web. Estive<br />

até 1994, depois ainda passei lá vários verões, porque<br />

mantive ligações muito fortes com aquelas pessoas.<br />

Quase até ao fim da década de 90 ia lá passar os verões.<br />

Levava as minhas filhas, que faziam summer camps.<br />

Porque regressou a Portugal?<br />

Foi uma decisão difícil. Na altura, foi com sentido de<br />

dever. As pessoas tinham-me apoiado muito quando<br />

fui para os Estados Unidos, e não só financeiramente.<br />

Havia aquela ideia de que quem ia para fora estudar,<br />

depois regressava a Portugal para ajudar a desenvolver<br />

o país. Senti uma espécie de dever de regressar.<br />

E veio com uma tarefa específica?<br />

Não. Regressei em 1995 e em 1999 integrei o INESC-ID.<br />

Fui membro da direção e depois presidente durante<br />

dez anos. Só saí para ir para presidente do Técnico.<br />

Como é que foi regressar à sua casa de formação como<br />

presidente? O que é que sentiu?<br />

Não posso dizer que regressei apenas como presidente.<br />

Regressei como professor associado. Foi um grande<br />

orgulho. Não sei se as pessoas sabem, mas o Técnico é<br />

das poucas escolas – como faculdade é provavelmente<br />

a única, com exceção da Nova SBE – em que as pessoas<br />

19


a conversa<br />

“O machine learning, a ideia de que os computadores podem aprender com a experiência das pessoas foi o que me trouxe para os<br />

computadores e para a engenharia”<br />

20<br />

gostam de cá estar, as pessoas vivem pelo Técnico, defendem<br />

o Técnico. Foi uma honra ser presidente desta<br />

instituição. Foi algo que não estava planeado. Lembrome<br />

claramente dessa altura.<br />

Manteve a sua relação com os Estados Unidos, e com a<br />

Califórnia em particular, de um ponto de vista pessoal<br />

e profissional...<br />

Ao princípio de maneira muito forte, sobretudo nos<br />

primeiros dez anos. Tínhamos um contrato com uma<br />

empresa que fazia software para circuitos integrados,<br />

criámos aqui um centro de desenvolvimento. Ia muito<br />

à Califórnia – duas, três vezes por ano. Depois, quando<br />

acabou esse contrato, as coisas mudaram.<br />

A Bay Area é onde ainda se sente em casa, fora de Portugal?<br />

Sim, sim! Um sítio onde me sinto em casa. Depois disso,<br />

já estive noutros sítios, em períodos sabáticos: Boston,<br />

Tóquio e recentemente em Macau. É diferente de<br />

visitar o país por 15 dias. Quando se vive lá, quando se<br />

tem uma casa, quando se vai ao supermercado, quando<br />

se conhece os vizinhos, é tudo mais intenso. Em<br />

Boston fui trabalhar com alguns professores do MIT,<br />

num projeto que ainda agora está a dar resultados. Em<br />

Tóquio, fui trabalhar com professores da Universidade<br />

de Tóquio.<br />

Sempre em Inteligência Artificial (IA) ou noutras<br />

áreas?<br />

Sempre em IA. A IA tem costas largas, cabe lá muita<br />

coisa dentro.<br />

Da primeira vez que regressou dos Estados Unidos,<br />

como é que viu o país? Veio de uma realidade completamente<br />

distinta, onde estava tudo a explodir em termos<br />

digitais...<br />

Sim, é verdade. Mas as universidades portuguesas e<br />

o Técnico também avançaram rapidamente. Quando<br />

voltei, a única coisa que notei foi que era mais difícil<br />

fazer projetos cá, porque havia menos infraestruturas,<br />

menos condições. Na altura, havia o projeto do INESC,<br />

que já tinha começado em 1980. Embora Portugal tivesse<br />

muitas limitações – e ainda tem – aqui no INESC<br />

havia um ambiente interessante para se trabalhar.<br />

Mantivemos durante dez anos essa relação com a Califórnia,<br />

com projetos comuns, portanto, de alguma<br />

forma, também estávamos a trazer a tecnologia que


existia lá. Não era a mesma coisa que estar em Berkeley<br />

ou no MIT, mas tinha as suas vantagens.<br />

Portanto, esse é o objetivo dos cérebros e é também o<br />

que temos implementado em máquinas.<br />

Sendo um especialista em IA, o que o preocupa mais<br />

na vida? Os problemas do mundo real ou os problemas<br />

do mundo virtual?<br />

Antes de mais, se me perguntasse há 15 anos se eu trabalhava<br />

em inteligência artificial, provavelmente eu<br />

diria que não. Diria que trabalhava na área de machine<br />

learning, que foi a ideia que, na realidade, me trouxe<br />

para os computadores e para a engenharia: a ideia de<br />

que os computadores podem aprender com a experiência<br />

das pessoas.<br />

E isso sempre o fascinou, não é?<br />

Sim, desde os 16 ou 17 anos. Agora, a inteligência artificial<br />

absorveu muitas áreas, incluindo essa. Neste<br />

momento, é tudo inteligência artificial.<br />

Porque é que é tão fascinado com a ideia de fazer as<br />

máquinas aprenderem?<br />

Para mim, a questão da inteligência é interessante. Foi<br />

a inteligência humana que<br />

mudou o mundo. Se conseguirmos<br />

duplicar num<br />

computador muitas componentes<br />

da inteligência<br />

humana, provavelmente<br />

também vamos mudar o<br />

mundo e, no futuro, a humanidade<br />

será diferente.<br />

O mundo real é onde vivemos,<br />

mas a tecnologia está<br />

a mudar o mundo real, por<br />

isso as duas coisas não estão<br />

assim tão separadas.<br />

Disse, no podcast “Deixar o mundo melhor”, que encara<br />

as máquinas “como uma espécie de papagaios<br />

que papagueiam muito bem, e que aprendem as estatísticas,<br />

as relações entre as palavras, os conceitos e as<br />

ideias”. O que lhe perguntamos é: o cérebro humano<br />

também é uma máquina estatística inteligente?<br />

Sim. Digo isso em alguns dos meus livros. O que acontece<br />

é que, hoje em dia, as máquinas ainda são muito<br />

mais superficiais do que o cérebro humano, não têm<br />

aquela compreensão profunda que nós temos. Mas o<br />

cérebro também é uma máquina estatística, só que<br />

mais sofisticada e com representações muito mais<br />

complexas, em particular nos modelos de linguagem.<br />

Mas esse comentário não é muito negativo para as máquinas,<br />

porque os cérebros dos homens e dos animais<br />

também são máquinas estatísticas. Foram projetadas<br />

pela evolução para garantir a sobrevivência do individuo,<br />

pelo menos o tempo suficiente para ele ter filhos.<br />

Os cérebros dos homens e<br />

dos animais também são<br />

máquinas estatísticas.<br />

Foram projetadas pela<br />

evolução, para garantir a<br />

sobrevivência do indivíduo<br />

Tem fascínio pela ideia de fazer as máquinas aprenderem.<br />

Em relação às pessoas, qual é o impacto do seu<br />

processo de aprendizagem com essa ligação às máquinas<br />

e com os computadores?<br />

Isso é interessante, porque a maneira como as pessoas<br />

aprendem também tem mudado muito. Antes da evolução<br />

da escrita, e mesmo depois, as pessoas aprendiam<br />

essencialmente por experiência e por observação<br />

de outras pessoas. Depois, com a invenção da escrita,<br />

o processo de aprendizagem mudou um pouco, mas a<br />

maior parte das pessoas são sabia ler. Quando apareceram<br />

os livros e a imprensa pensou-se: “As escolas e<br />

universidades deixam de ter razão de existir, porque as<br />

pessoas agora podem ter um livro e aprender a partir<br />

dele”. Mas isso não aconteceu. As escolas e universidades<br />

tornaram-se cada vez mais importantes. Os<br />

livros, só por si, não resolveram o problema. Quando<br />

apareceu a internet, foi a mesma coisa: “Agora já não<br />

são precisos os livros, aprendemos na internet, desaparecerão<br />

as universidades”.<br />

Com a inteligência<br />

artificial há quem diga que<br />

os professores passarão a<br />

ser dispensáveis. Mas, na<br />

verdade, nenhuma dessas<br />

inovações mudou a importância<br />

da relação entre<br />

professor e aluno no<br />

processo aprendizagem, a<br />

importância de estar num<br />

ambiente estimulante.<br />

A importância da ligação?<br />

Da ligação e da excitação.<br />

No Técnico, por exemplo, os alunos são muito bons e<br />

são muito estimulados para aprender.<br />

O Técnico fez um regulamento de utilização da IA para<br />

professores e para alunos. Porquê?<br />

Elaborámos um relatório, sim. Pediram-me para ser o<br />

coordenador dessa comissão. Criámos regras e medidas<br />

para o que se deve fazer com a IA generativa.<br />

Ou seja, dizer que é para usar, mas responsavelmente.<br />

Sim. Determinar o que é razoável usar.<br />

Isso preocupa-o? A irrazoabilidade que as situações<br />

podem tomar?<br />

Não muito. Preocupa-me mais que se crie ou se reforce<br />

a superficialidade. Os alunos, neste momento, leem<br />

muito poucos livros, porque têm outras ferramentas,<br />

têm vídeos, têm sites, têm o chat GPT. Ler um livro é<br />

21


a conversa<br />

22<br />

uma atividade profunda. Preocupa-me que a sociedade<br />

em geral, não são só os alunos, esteja cada vez mais<br />

imediatista, com cada vez menos capacidade de atenção<br />

concentrada. Eu ainda insisto em escrever livros,<br />

sabendo que é uma coisa que pertence ao passado. Há<br />

pessoas que ainda leem, mas a juventude lê muito menos.<br />

Note-se que não é por isso que aprendem menos,<br />

eles sabem muita coisa, mas aprendem de maneira<br />

muito diferente. Portanto, esse processo vai mudando.<br />

Já no tempo de Platão se dizia que os jovens já não memorizavam<br />

as coisas, já não aprendiam como dantes.<br />

Quando começou a escrita, as pessoas deixaram de decorar<br />

o que aprendiam.<br />

Sim, a reclamação existe desde há 3 mil anos. Portanto,<br />

provavelmente, nada de grave vai acontecer.<br />

Já disse mais do que uma vez que antecipa um verdadeiro<br />

boom nos próximos anos em termos de aplicações<br />

de IA. Não o preocupa o tipo de utilização que se<br />

fará disto? Vamos conseguir controlar as máquinas<br />

ou, como nos filmes que<br />

vemos sobre o futuro, corremos<br />

o risco de sermos<br />

controlados por elas?<br />

Há várias preocupações,<br />

claro. A primeira e mais<br />

imediata é a desinformação,<br />

a capacidade de as<br />

máquinas serem usadas,<br />

neste caso por agentes humanos,<br />

para desinformar<br />

e fazerem conteúdos fraudulentos.<br />

Isso é assustador.<br />

Já acontece. Mas a culpa não é bem da IA, que é uma<br />

ferramenta que é usada de maneira distorcida por<br />

agentes humanos. Há consequências mais complexas,<br />

que originam problemas sociais: perceber se, em muitas<br />

tarefas, vamos perder competitividade como seres<br />

humanos.<br />

As máquinas controlarão determinadas áreas de atividade,<br />

farão aumentar o desemprego, esvaziarão a<br />

necessidade de pessoas?<br />

Esta é uma preocupação real. Aliás, o simples facto da<br />

IA aumentar a eficiência, quer dizer que serão precisas<br />

menos pessoas para fazer o mesmo trabalho. Por outro<br />

lado, é importante lembrar que, historicamente,<br />

nunca existiu desemprego criado pela tecnologia. Esperemos<br />

que essa tendência se mantenha. Mais: a sociedade<br />

ocidental está muito envelhecida, portanto,<br />

neste momento, há muitos projetos que não se fazem<br />

Historicamente nunca<br />

existiu desemprego por<br />

causa da tecnologia.<br />

Esperemos que essa<br />

tendência se mantenha<br />

por falta de pessoas, não há pessoas com as capacidades<br />

necessárias. Vamos precisar, cada vez mais, de pessoas<br />

para tomar conta de uma população idosa, por<br />

exemplo. Numa sociedade onde o número de pessoas<br />

em idade ativa se reduz a cada ano, é bom que aumentemos<br />

a eficiência e que sejam precisas menos pessoas<br />

para trabalhar, porque daqui a pouco vamos ter uma<br />

economia muito limitada pela inexistência de pessoas<br />

suficientes. A imigração é uma solução, mas não<br />

chega. Veja-se o caso do Japão, uma sociedade muito<br />

fechada à imigração, um país muito envelhecido. O<br />

resultado é visível: a economia japonesa está estagnada<br />

há dezenas de anos, justamente por causa disso. E<br />

nós vamos pelo mesmo caminho, como outros países<br />

da Europa – os Estados Unidos um bocadinho menos.<br />

Portanto, até é bom que essa questão exista. As pessoas<br />

têm de se atualizar, têm de se renovar, têm de<br />

dominar novas tecnologias para serem competitivas<br />

em novos mercados.<br />

Mas há medos existenciais, mais apocalípticos…<br />

Sim, o medo de virmos a<br />

ter máquinas de tal forma<br />

sofisticadas, dotadas<br />

de vontade própria e de<br />

consciência, que compitam<br />

connosco por recursos,<br />

eventualmente pelo<br />

próprio planeta ou pelo<br />

Sistema Solar. Mas essa é a<br />

visão mais da ficção científica.<br />

Nestas questões<br />

existenciais a comunidade<br />

científica está muito<br />

dividida. Há pessoas conceituadas<br />

com ideias opostas: umas dizem que isto é<br />

um risco iminente e tudo pode acontecer dentro de um<br />

curto período de tempo; outras dizem que é um risco<br />

completamente imaginário.<br />

A questão é que muitas destas pessoas que dizem que<br />

pode ser um risco iminente vêm das big-tech e isso é<br />

que é assustador. Qual é que é a sua visão?<br />

Está a pensar em particular no Geoffrey Hinton, um<br />

professor muito conceituado, que foi um dos três Turing<br />

Awards, conhecido popularmente como o “Nobel<br />

da Computação”, que veio publicamente expressar as<br />

suas preocupações. Mas, por exemplo, o Yann LeCun,<br />

que também recebeu o Turing Awards, head ligado ao<br />

Facebook, diz exatamente o oposto, defende que essas<br />

preocupações não fazem qualquer sentido. O Yoshua<br />

Bengio, o último dos Turing Awards, está algures no<br />

meio, diz que não é impossível, mas não tem uma posição<br />

catastrofista. Portanto, pegando nestes três in-


“O que eu defendo é que não é impossível convivermos num mundo onde existem não só seres humanos conscientes, mas também<br />

inteligências artificiais conscientes”<br />

vestigadores, que são talvez os três mais famosos do<br />

universo da IA, as opiniões são profundamente divergentes.<br />

E a sua opinião qual é? Em que campo é que está?<br />

Estou mais alinhado com Yoshua Bengio. Acredito que<br />

as preocupações de riscos mais ou menos imediatos<br />

são erradas porque a tecnologia ainda é muito insipiente<br />

e estamos muito longe de perceber tudo. Mas,<br />

por outro lado, podemos perguntar: e daqui a 30 anos,<br />

como será?<br />

Trinta anos? Não seria melhor pensar em dez ou cinco<br />

anos?<br />

Talvez, tudo está a acontecer muito depressa. Mas neste<br />

momento é ainda muito incipiente. Há propostas<br />

para tentar perceber a consciência humana e replicá-la<br />

em máquinas, para replicar a capacidades de decisão<br />

do ser humano.<br />

Acredita que uma máquina pode ter consciência?<br />

Sim, acredito. Estive no outro dia num debate com o<br />

António Damásio sobre isso. Quando o Yann LeCun e<br />

o Pedro Domingues dizem “deixem-se de coisas e desenvolvam<br />

a tecnologia, porque é um medo completamente<br />

disparatado”, eu não concordo. Julgo que é algo<br />

que temos de perceber. O que eu defendo, e isso é mais<br />

discutível, é que não é impossível convivermos num<br />

mundo onde existem não só seres humanos conscientes,<br />

mas também inteligências artificiais conscientes.<br />

Idealmente, teríamos sistemas que fossem capazes de<br />

usar esta capacidade de raciocínio. Se queremos ter<br />

sistemas autónomos e que uma máquina tenha níveis<br />

semelhantes de competência e de consciência de um<br />

médico humano, por exemplo, teremos de ter sistemas<br />

com uma capacidade de raciocínio que hoje não<br />

têm. Provavelmente, essas capacidades implicam livre<br />

arbítrio, consciência. Portanto é possível que venhamos<br />

a criar máquinas com algum tipo de consciência.<br />

A questão é: será suficiente para se tornarem perigosas?<br />

Não sei. Há pessoas que dizem que as máquinas agora<br />

já têm consciência…<br />

23


a conversa<br />

24<br />

Não o preocupa que o poder de desenvolvimento da IA<br />

esteja em meia dúzia de empresas esmagadoramente<br />

localizadas nos Estados Unidos, que querem fazer disto<br />

negócio?<br />

Nos Estados Unidos e na China. Essa concentração é<br />

preocupante, sim. A própria natureza da tecnologia<br />

concentra poder. A característica da inteligência artificial<br />

é que ela substitui a inteligência humana, portanto,<br />

se antes precisávamos de 10 mil pessoas para produzir<br />

carros, agora precisamos de apenas 10 pessoas e<br />

o resto são robots. A própria natureza da tecnologia cria<br />

estas grandes empresas, associadas à globalização. É<br />

uma preocupação. Mas qual é a alternativa? A alternativa<br />

é não desenvolvermos a tecnologia? Ou dizer: “Vamos<br />

desenvolver a tecnologia, mas só com empresas A<br />

ou B...”?<br />

Não dá para regulamentar?<br />

Sim, e a Europa está a tentar fazê-lo. Mas a regulamentação,<br />

para funcionar, teria de ser global. E isso não impede<br />

a concentração.<br />

Não, mas eles estão preocupados<br />

com esse poder,<br />

como sabe. Há muitos<br />

processos nos Estados<br />

Unidos.<br />

A regulamentação pode<br />

ajudar a evitar uma concentração<br />

excessiva e acho<br />

que isso é positivo.<br />

Por outro lado, o potencial<br />

destas tecnologias, se<br />

usadas para o bem, é enorme…<br />

O potencial para criar materiais, baterias, novas fontes<br />

de energia, novas formas de combater o aquecimento<br />

global, é gigante. Portanto, se dissermos que não vamos<br />

desenvolver mais IA também estamos a pôr em<br />

risco e a deixar cair estas possibilidades. A verdade é<br />

que houve uma moratória muito conhecida, em que<br />

vários investigadores pediram para parar o desenvolvimento<br />

da IA e o resultado disso foi exatamente zero.<br />

Do ponto de vista da reação das empresas não houve<br />

qualquer resposta a esse pedido. Esse movimento foi<br />

completamente ineficaz.<br />

Como é que olha para a regulação da Europa?<br />

A Europa tem regulação relevante. Começa logo com<br />

o Regulamento Geral de Proteção de Dados, que, por<br />

si, já tenta garantir a defesa da privacidade dos indivíduos<br />

e uma série de coisas muito bem intencionadas,<br />

mas cuja eficácia me parece duvidosa. Há muito mais<br />

O potencial (da IA) para<br />

criar materiais, baterias,<br />

novas fontes de energia,<br />

novas formas de combater<br />

o aquecimento global, é<br />

gigante<br />

regulação, há o Data Act, Digital Markets Act, o Digital<br />

Services Act…<br />

Olhando para o IA, Bruxelas está a interpor processos<br />

contra todas as big-tech norte-americanas, porque<br />

não cumprem as regras.<br />

É verdade. Os Estados Unidos também estão.<br />

Sim, contra a Apple, contra a Google... Mas na Europa<br />

não teremos regras demasiado estritas e que afastam<br />

as tecnológicas do mercado?<br />

Em primeiro lugar, é mais difícil desenvolver uma<br />

empresa na Europa do que nos Estados Unidos, por<br />

várias razões. Já era intrinsecamente mais difícil porque<br />

são várias línguas, várias culturas, vários Estados,<br />

mas com esta legislação fica ainda mais duro. Das 20<br />

maiores empresas da área da tecnologia, só temos uma<br />

europeia, que é a Spotify. As outras são chinesas e americanas.<br />

Se insistirmos em ter demasiada regulação,<br />

como estamos a insistir, não vamos tornar isto mais<br />

fácil. Podemos dizer que os americanos também têm<br />

de cumprir as regras para<br />

atuarem na Europa e, portanto,<br />

de alguma maneira,<br />

ficam sujeitos à regulação.<br />

Mas isso é apenas parcialmente<br />

verdade, porque<br />

para se desenvolverem<br />

não precisam de regulação,<br />

seja nos Estados Unidos<br />

ou na China e, depois,<br />

já são suficientemente<br />

grandes para conseguirem<br />

dar a volta à situação. Depois,<br />

o mercado chinês está-se<br />

marimbando para a<br />

Europa. Somos apenas 300 milhões de pessoas e eles<br />

são 1.500 milhões. Para eles, nem sequer faz diferença.<br />

Portanto, corremos algum risco de estar a dificultar as<br />

pequenas empresas europeias com tanta legislação.<br />

Acha que a Europa já perdeu a corrida da IA?<br />

Está a perder. Não é só a corrida em inteligência artificial<br />

que está a perder. Já perdeu várias corridas. Ainda<br />

somos muito competitivos em algumas áreas, nomeadamente<br />

no setor automóvel e no setor aeronáutico,<br />

e esperemos que se mantenha, mas não é garantido.<br />

Neste momento, a China tem um setor automóvel<br />

muito pujante, dominam toda a área dos veículos elétricos<br />

e da eletrificação e, portanto, arriscamo-nos a<br />

ver a Europa passar para um papel secundário em termos<br />

de tecnologia, e não só tecnologia digital, mas tecnologia<br />

em geral. Isso é uma preocupação.


Seria melhor não termos regulamentação?<br />

Não diria isso. O que seria desejável é que os grandes<br />

blocos falassem uns com os outros e se entendessem<br />

em termos globais.<br />

Mas o G20 defende isso, que seria aconselhável.<br />

Sim, e também defende outra coisa: que a tecnologia<br />

chinesa não pode vir para a Europa, a Huawei não pode<br />

concorrer ao 5G… Isso é contraproducente. A China é<br />

suficientemente grande só por si, e ainda por cima há<br />

muitos países que lidam com a China, como o Brasil, a<br />

Índia, toda aquela zona da Ásia. Quando queremos isolar<br />

a China, estamos a dar um tiro no pé. A China continuará<br />

a avançar. Tem dimensão suficiente para isso.<br />

Os Estados Unidos também têm um mercado muito<br />

pujante, a economia americana continua a acelerar a<br />

uma velocidade brutal. E nós aqui na Europa...<br />

… estamos a fechar-nos cada vez mais.<br />

Por outro lado, continua a ser um sítio bom para viver,<br />

a Europa. Já tendo vivido em vários países, talvez seja<br />

o sítio onde prefiro viver.<br />

Mas, em termos comparativos,<br />

estamos a atrasarnos.<br />

Vamos agora a Portugal.<br />

Foi o coordenador geral<br />

da Estratégia Nacional de<br />

Dados, Web 3.0 e revisão<br />

da Estratégia Nacional de<br />

Inteligência Artificial...<br />

Apresentámos os documentos<br />

ao governo anterior.<br />

E está no dossier de<br />

transição para este governo.<br />

Olhando para o momento atual e baseando-se nas<br />

recomendações dos documentos que entregou, que<br />

conselhos daria ao novo governo em termos de aposta<br />

no digital em geral e de IA em particular?<br />

Todo o mundo quer ser competitivo nestas áreas e<br />

praticamente todos os países têm uma estratégia de<br />

IA. Não há nada de muito disruptivo no que apresentámos.<br />

O que temos de garantir é que não perdemos<br />

competitividade em relação aos outros países. Algumas<br />

recomendações: temos de ter uma estratégia clara<br />

para a integração nacional de dados. Os nossos dados<br />

estão muito fragmentados. Temos de ter uma estratégia<br />

de dados aberta, que permita criar ecossistemas<br />

onde as pessoas e as instituições possam desenvolver<br />

aplicações que exploram os dados. Nova Iorque tem<br />

feito isso muito bem e outros países, como a Estónia,<br />

Quando queremos isolar<br />

a China, estamos a dar<br />

um tiro no pé. A China<br />

continuará a avançar. Tem<br />

dimensão suficiente para<br />

isso<br />

também. Relativamente aos dados, esta ideia de ter os<br />

dados abertos, exploráveis, é uma questão importante.<br />

E na IA, qual a recomendação?<br />

Criar as melhores condições para atrair capital humano.<br />

De facto, acaba por ser a coisa mais importante na<br />

inteligência artificial. Poderá ser feito através de vistos<br />

para especialistas, benefícios fiscais para jovens na tecnologia,<br />

para as empresas tecnológicas, etc. O próprio<br />

Artificial Intelligence Act prevê a existência de regimes<br />

especiais para experimentação, que devem ser adotados<br />

em Portugal. Há dois grandes projetos na área da<br />

inteligência artificial no PRR e a nossa recomendação<br />

é que essas iniciativas com massa crítica não desapareçam.<br />

Acha que, nos últimos anos, devíamos ter feito mais,<br />

aproveitando os fundos do PRR?<br />

O dinheiro do PRR teve de ser gasto de forma rápida.<br />

Não tivemos capacidade para investir o dinheiro da<br />

maneira mais produtiva possível. Tivemos de inventar.<br />

Uma das grandes apostas<br />

do PRR era a modernização<br />

da Administração Pública.<br />

O dossier também<br />

passou para o novo governo.<br />

Há ilhas de excelência,<br />

como a Justiça, mas no geral<br />

não se avançou na Administração<br />

Pública...<br />

Uma grande parte do PRR<br />

foi investido na Administração<br />

Pública! Mas como<br />

tivemos de fazer um plano<br />

à pressa, de executar<br />

à pressa, os resultados poderão não ser os melhores…<br />

Comprar equipamentos e rede é relativamente fácil,<br />

mas formar pessoas já é mais difícil. E fazer alterações<br />

estruturais nos processos, tornar as coisas mais eficientes,<br />

aculturar as organizações, isso aí é muito mais<br />

complexo.<br />

Há dois problemas que defende que a IA pode resolver<br />

em Portugal: a falta de talento qualificado e a produtividade<br />

do país.<br />

Exatamente. O aumento da eficiência leva ao aumento<br />

da produtividade e, por sua vez, reduz a necessidade<br />

de recursos humanos. Mas para isso ser feito temos de<br />

pensar onde é que somos particularmente ineficientes.<br />

É na Saúde? É na Justiça? É na Educação? Deveríamos<br />

analisar os parâmetros internacionais e ver onde estão<br />

os nossos pontos de ineficiência, ver quais podem ser<br />

melhorados por alteração de processos. São essas coi-<br />

25


a conversa<br />

26<br />

sas que são transformadoras, mas exigiam uma visão<br />

top-down e estratégica que não tivemos tempo de criar.<br />

O boom foi a partir do ChatGPT.<br />

Exatamente. Portanto, a própria tecnologia também<br />

não ajuda porque a velocidade de implementação<br />

destes programas económicos não é compatível com<br />

a evolução tecnológica. Onde é que somos menos eficientes?<br />

Na energia, por exemplo, os nossos edifícios<br />

são muito ineficientes. Muitos deles são mal construídos,<br />

têm mau isolamento. Houve um investimento<br />

do PRR nessa área, portanto se calhar até foi uma boa<br />

aposta. Mas é isso que devia ser feito de forma sistemática<br />

e quantitativa.<br />

Já “futurizámos” muito<br />

nesta conversa e esse é<br />

o tema do congresso da<br />

APDC: “Futurizing”. O<br />

que espera do congresso?<br />

Qual a sua expetativa?<br />

O tema deste ano é muito<br />

interessante. As pessoas<br />

estão preocupadas com o<br />

futuro. A inteligência artificial<br />

tem a ver com isso. É<br />

interessante as pessoas saírem do congresso com uma<br />

ideia mais clara de onde é que podemos estar daqui a<br />

cinco ou dez anos. <strong>À</strong>s vezes, perdemo-nos no dia a dia.<br />

Eu tento escrever sobre o futuro mais distante, é importante<br />

pensarmos mais além.<br />

Quais são as principais mensagens que vai transmitir<br />

enquanto perito nesta área?<br />

Relativamente aos medos, as pessoas estão muito preocupadas<br />

com a desinformação e a fraude. Estão muito<br />

assustadas. Neste momento – e isto não é um “achismo”,<br />

há estudos que mostram isto – é difícil convencer<br />

as pessoas a mudar de opinião, mesmo com argumentos<br />

bons, razoáveis e factuais. As pessoas estão muito<br />

entrincheiradas nas suas posições. Na verdade, o que<br />

me assusta não é que a desinformação leve as pessoas a<br />

fazer as coisas erradas; é que as pessoas façam as coisas<br />

erradas mesmo quando têm informação correta. Acho<br />

que este é um problema é sério. Tem várias razões: as redes<br />

sociais, a falta de profundidade nas análises, os media<br />

e a sua superficialidade e o próprio foco dos meios<br />

de comunicação social nas questões bombásticas.<br />

(Em relação à inteligência<br />

artificial) os medos estão a<br />

ser muito empolados pelo<br />

foco do mediatismo<br />

Portugal tem um problema essencial: a falta de recursos<br />

humanos, sobretudo os altamente qualificados…<br />

Sim. E aqui a inteligência artificial pode ajudar – e<br />

muito! Primeiro, porque substitui pessoas. Segundo,<br />

porque aumenta a eficiência, que só por isso aumenta<br />

a produtividade. A IA também nos ajuda a estruturar<br />

processos, que é uma coisa muito importante em Portugal.<br />

Nós temos processos mal estruturados, comparando<br />

com o panorama internacional.<br />

É um otimista em relação à IA?<br />

A minha mensagem principal é que, se forem pensadas<br />

estrategicamente, as novas tecnologias – o digital<br />

em geral e a inteligência<br />

artificial em particular –,<br />

podem endereçar questões-chave<br />

que limitam a<br />

economia portuguesa. Outra<br />

mensagem: os medos<br />

estão a ser muito empolados<br />

pelo foco do mediatismo.<br />

Para terminar: qual o melhor<br />

conselho que lhe deram<br />

na vida e que daria<br />

também às novas gerações?<br />

Lembro-me de um em particular. A minha memória<br />

é fraca, mas em 1989 eu tinha acabado o mestrado,<br />

comprado um apartamento, tinha acabado de casar e,<br />

na altura, colocou-se a possibilidade de ir estudar para<br />

Berkeley… Fui falar com o meu professor orientador,<br />

Luís Vidigal (que já morreu), e disse-lhe: “Mas eu estou<br />

aqui tão bem, porque é que hei-de ir para a Califórnia<br />

agora, onde não tenho casa e vou encontrar uma série<br />

de dificuldades?”. Estava numa grande incerteza.<br />

E o Vidigal disse-me: “A experiência de viveres cinco<br />

ou seis anos num país diferente vai-te trazer muitas<br />

vantagens ao longo da tua vida”. De facto, assim foi.<br />

Por isso recomendo o mesmo aos jovens: atrevam-se a<br />

sair da zona de conforto. Vão agradecer para o resto da<br />

vida.•

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