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Edição 9 - Revista Aquaculture Brasil

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aquaculturebrasil.com<br />

EDIÇÃO<br />

9<br />

NOVEMBRO/<br />

DEZEMBRO<br />

2017<br />

ISSN 2525-3379<br />

1<br />

AquaScience:<br />

A revolução<br />

continua<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

3


Editorial<br />

“Sessenta por cento dos jovens estão aprendendo profissões que vão deixar de<br />

existir”. “65% das crianças que hoje estudam vão trabalhar em funções e profissões que<br />

não existem hoje”. “Mais de 800 milhões de trabalhadores vão perder seus empregos<br />

graças à automação”.<br />

Provavelmente você já leu estes cenários futuros e projeções em algum portal online.<br />

Sempre que uma notícia destas aparece em meu feed eu corro para abrir a notícia e<br />

saber o que dizem os especialistas sobre as profissões relacionadas com a aquicultura.<br />

Quem nunca?<br />

A verdade, como bem retrata o título da coluna Empreendedorismo Aquícola, do<br />

nosso grande André Camargo, é que “O que é nosso está guardado”. Conecto esta<br />

percepção à marca da empresa Camanor para 2018, capa e artigo especial de nossa<br />

9ª edição impressa: “A revolução continua”.<br />

A aquicultura brasileira está se estruturando (ou se reestruturando!) para dar um salto gigantesco de produção<br />

nos próximos anos. Ainda que não tenhamos plena convicção de que espécies ou sistemas serão os carros-chefes de<br />

nossa “Aqua” daqui há 20 anos.<br />

Serão os bioflocos? Será o tambaqui, ou quem sabe o panga? E os RAS, não vingarão? E os cultivos orgânicos,<br />

porque não se fala mais nisso? (o mercado de orgânicos movimentou R$ 3 bilhões no <strong>Brasil</strong> em 2016... não queremos<br />

uma fatia?). E os peixes marinhos? Ninguém vai dar a devida atenção e ajudar de verdade os esforços e o pioneirismo<br />

da Redemar Alevinos? Não vamos criar em grande escala nenhuma espécie de clima frio? A despeito de Jorge Ben Jor<br />

que dizia morar num País Tropical, temos um bom pedaço do <strong>Brasil</strong> que não é bem assim...<br />

Mas ter tantas dúvidas sobre questões tão básicas e estratégicas, como qual espécie cultivar, significa que o<br />

<strong>Brasil</strong> está sem rumo? Em minha opinião, não necessariamente.<br />

Os negócios do futuro são pautados hoje num cenário de dúvidas e incertezas. Logicamente, falando em<br />

espécies, também não dá para sermos um “zoológico de peixes” (palavras do nosso entrevistado Geraldo Bernardino...<br />

adorei!).<br />

Se a aquicultura está entre os principais agronegócios do futuro? Podemos apostar nela? Sim, ela será o<br />

principal agronegócio do futuro... No <strong>Brasil</strong> e no mundo, disso temos certeza!<br />

Ótimo 2018 a todos...<br />

Giovanni Lemos de Mello<br />

Editor<br />

4<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Fala Gringo!<br />

O MAIOR PORTAL DA<br />

AQUICULTURA BRASILEIRA!<br />

Comitê Editorial<br />

“Caminhante não há caminho, se faz caminho ao andar”<br />

Parágrafo do poema de Antonio Machado e cantado por Juan Manuel Serrat<br />

E o Fala Gringo é assim mesmo<br />

Caminhando pela orla de Ponta Negra em Natal<br />

Pensando...<br />

Escrevi no celular:<br />

“A Aquicultura, apesar dos ataques dos conservacionistas extremos, das doenças,<br />

das dificuldades do dia a dia, apesar de tudo isso, vem crescendo e fazendo seu<br />

caminho, fazendo seu caminho ao andar”.<br />

Como a <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong>.<br />

EDITOR-CHEFE:<br />

Giovanni Lemos de Mello<br />

redacao@aquaculturebrasil.com<br />

EDITORA-EXECUTIVA:<br />

Jéssica Brol<br />

jessica@aquaculturebrasil.com<br />

EDITORES ASSISTENTES:<br />

Alex Augusto Gonçalves<br />

Artur Nishioka Rombenso<br />

Maurício Gustavo Coelho Emerenciano<br />

Roberto Bianchini Derner<br />

Rodolfo Luís Petersen<br />

COLUNISTAS:<br />

Alex Augusto Gonçalves<br />

Andre Muniz Afonso<br />

André Camargo<br />

Artur Nishioka Rombenso<br />

Eduardo Gomes Sanches<br />

Fábio Rosa Sussel<br />

Luís Alejandro Vinatea Arana<br />

Marcelo Roberto Shei<br />

Maurício Gustavo Coelho Emerenciano<br />

Ricardo Vieira Rodrigues<br />

Roberto Bianchini Derner<br />

Rodolfo Luís Petersen<br />

Santiago Benites de Pádua<br />

As colunas assinadas e imagens são de<br />

responsabilidade dos autores.<br />

Instrução aos autores: www.aquaculturebrasil.com/submissao-artigos<br />

Rodolfo Luís Petersen<br />

Coeditor<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

5


Bem-vindo<br />

E<br />

screvo essa nota enquanto meus alunos fazem o exame final. Não<br />

parece, mas o ano está terminando e essa é a última BEM-VINDO de<br />

2017. Um ano atrás, quando escrevia pela primeira vez no Editorial,<br />

estávamos em um momento complexo e repleto de incertezas, mas com muita<br />

motivação, trabalho e postura otimista passamos por tudo e agora vivemos num<br />

cenário bem diferente. Então, o que esperar para 2018? Com base no meu<br />

otimismo e no contexto atual, acredito que a aquicultura continuará a crescer,<br />

principalmente em relação a formação de recursos humanos e disseminação<br />

e aplicação de conhecimento e tecnologias, e que começaremos a ver os<br />

resultados no aumento do volume e da qualidade da produção.<br />

Não sou muito fã de retrospectivas, mas gosto de reflexões. É bom refletir<br />

sobre o ano que está quase no final e assim colocar tudo em perspectiva: os<br />

ápices, os pontos baixos, os êxitos ou não de 2017, em resumo, tudo o que<br />

ocorreu. É interessante fazermos uma autoavaliação (não só como indivíduos mas também como parte de<br />

um todo, ou seja, como nos situamos, por exemplo, na empresa, no instituto, no departamento, no Estado,<br />

no País e no mundo) para que possamos traçar e atingir nossos objetivos de maneira mais fácil e eficiente.<br />

Gosto de pensar que apesar de faltar pouco tempo para completar esse ano ainda temos tempo suficiente<br />

para dar continuidade e finalizar o que colocamos como metas e objetivos. Recomendo que vejam essa reta<br />

final com ânimo, otimismo e motivação para fechar tudo da melhor forma possível e em seguida descansar<br />

para iniciar 2018 com energia renovada e sensação de dever cumprido.<br />

Também gostaria de parabenizar a <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong> por um ano excelente. Está cada vez mais<br />

atingindo um número maior de pessoas de formas diversas e inovadoras, disseminando conhecimento e<br />

informação de qualidade e contribuindo para o desenvolvimento e aprimoramento da aquicultura.<br />

Por fim, gostaria de agradecer o apoio de todos que utilizam e usufruem de qualquer serviço da<br />

plataforma <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong>. Não estaríamos aqui sem vocês! Desejo também boas festas e um 2018<br />

repleto de realizações!<br />

Artur Nishioka Rombenso<br />

Coeditor<br />

6<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


R<br />

Opinião<br />

Alma renovada!<br />

ealmente a capital potiguar<br />

merecia o retorno do maior evento<br />

da aquicultura nacional: Fenacam!<br />

E não decepcionou! Presenciei<br />

piscicultores e carcinicultores animados nos<br />

corredores da feira, lotando não somente<br />

os stands mas as inúmeras palestras<br />

técnico-científicas. Ótimo sinal! Ampliar<br />

o conhecimento nunca é demais e novas<br />

experiências e informações são sempre bemvindas.<br />

Neste sentido destaco as brilhantes<br />

palestras dos colegas Oscar Henning, Oliver<br />

Decamp, Sergio Zimmermann, Fabrizzio<br />

Vanoni, entre muitas outras, que nos enchem<br />

de entusiasmo e levam-nos a acreditar que<br />

certamente estamos no caminho certo.<br />

A indústria também estava aquecida,<br />

novas empresas debutaram nos stands<br />

da FENACAM. Se tivesse que escolher apenas uma palavra para resumir o<br />

sentimento da feira seria “amadurecimento”. Ainda, vale ressaltar a excelente<br />

programação da sessão especial do Recarcina, a rede nacional de pesquisas<br />

de carcinicultura financiada pela FINEP. Nela foram apresentados os resultados<br />

dos últimos 4 anos de pesquisas em diversas temáticas como manejo, genética,<br />

nutrição, sanidade, etc. Foi nítido como avançamos e amadurecemos. Parabéns<br />

aos envolvidos e em especial aos organizadores da sessão!<br />

Outro ponto que me chamou atenção foram as diversas barreiras<br />

geográficas que foram quebradas. Quem imaginaria atuais e “futuros”<br />

carcinicultores de Goiás, Paraná e Mato Grosso? E ainda, as cativantes<br />

experiências vividas pela cooperativa Copacol do Paraná. Uma aposta de<br />

mais de 2 anos de trabalho duro que resultou em uma das mais admiradas<br />

experiências do setor aquícola nacional: o sistema de integração nos moldes da<br />

avicultura. Parabéns! E ainda a Camanor nos presenteando com mais resultados<br />

do sistema Aquascience. É louvável o empreendedorismo da empresa, sobretudo<br />

apostando e mostrando que a P&D dentro de uma fazenda pode dar resultados<br />

sim! Com ajuda das tecnologias atrelada aos novos manejos, escolha correta<br />

de insumos e coerência na hora das decisões, vamos trilhando um caminho<br />

ainda mais sustentável da atividade.<br />

Como mensagem final, deixo meus agradecimentos a toda a equipe da<br />

<strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong> por mais um ano de muito aprendizado e companheirismo!<br />

Parabenizo também aos piscicultores, malacocultores e carcinicultores desse<br />

<strong>Brasil</strong>zão que acreditam, lutam e investem na atividade ao qual somos todos<br />

apaixonados: a Aquicultura! O ano de 2017 se foi. Quantas emoções!!! Que<br />

venha 2018!<br />

Sucesso a todos e ótima leitura!<br />

Maurício Gustavo Coelho Emerenciano<br />

Coeditor<br />

O MAIOR PORTAL DA<br />

AQUICULTURA BRASILEIRA!<br />

DIREÇÃO DE ARTE:<br />

Taiane Lacerda<br />

taiane@aquaculturebrasil.com<br />

DIREÇÃO COMERCIAL:<br />

Diego Molinari<br />

diego@aquaculturebrasil.com<br />

COLABORADORES DESTA<br />

EDIÇÃO:<br />

Antonio Glaydson Lima Moreira,<br />

Artur Nishioka Rombenso, Bruno<br />

Cavalheiro Araújo, Delano Dias<br />

Schleder, Diego Molinari, Elenise<br />

Gonçalves de Oliveira, Fabrício<br />

Menezes Ramos, Francisco das<br />

Chagas Medeiros, Gabriel Teixeira<br />

Pinto, Ivã Guidini Lopes, Jéssica Brol,<br />

José Reges da Silva Lobão, Leopoldo<br />

Melo Barreto, Mara Cristina Pessôa<br />

da Cruz, Renato Teixeira Moreira,<br />

Rose Meire Vidotti e Sergio Alberto<br />

Apolinario Almeida.<br />

QUER ANUNCIAR?<br />

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NOSSA REVISTA É IMPRESSA NA:<br />

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Av. Tancredo Neves, 300, Tubarão/<br />

SC, 88.704-700<br />

A revista AQUACULTURE BRASIL<br />

é uma publicação bimestral da<br />

EDITORA AQUACULTURE BRASIL<br />

LTDA ME.<br />

(ISSN 2525-3379)<br />

www.aquaculturebrasil.com<br />

Av. Senador Galotti, 329/503, Mar<br />

Grosso, Laguna/SC, 88.790-000<br />

A AQUACULTURE BRASIL não se<br />

responsabiliza pelo conteúdo dos<br />

anúncios de terceiros.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

7


SUMÁRIO<br />

AQUACULTURE BRASIL<br />

10 FOTO DO LEITOR<br />

12 MÉTRICAS DA FANPAGE<br />

14 Algas pardas como aditivo alimentar na dieta<br />

do camarão-branco-do-Pacífico<br />

20 Tanques-rede de grande volume: nova<br />

fronteira da piscicultura brasileira<br />

»»<br />

p.14<br />

24 Aquicultura ornamental de<br />

água doce –Parte II<br />

»»<br />

p.20<br />

»»<br />

p.24<br />

30 Importância dos ácidos graxos ômega<br />

3 e seus níveis no pescado brasileiro<br />

38 AquaScience: a revolução continua<br />

46 O açude Castanhão e a cadeia<br />

produtiva da tilápia<br />

52 O dia a dia da compostagem orgânica:<br />

Manejo, relação C/N e aplicação<br />

58 A importância da Segurança do Trabalho na<br />

Atividade Aquícola<br />

64 ARTIGOS PARA CURTIR E COMPARTILHAR<br />

65 CHARGES<br />

66 BIOTECNOLOGIA DE ALGAS<br />

68 GREEN TECHNOLOGIES<br />

»»<br />

p.30<br />

»»<br />

p.46<br />

69 empreendedorismo aquícola<br />

8<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


»»<br />

p.86<br />

»»<br />

p.92<br />

70 nutrição<br />

72 atualidades e tendências na aquicultura<br />

»»<br />

p.38<br />

73 Ranicultura<br />

74 aquicultura de precisão<br />

76 aquicultura latino-americana<br />

77 piscicultura marinha<br />

78 rECIRCULATING AQUACULTURE SYSTEMS<br />

»»<br />

p.52<br />

80 tecnologia do pescado<br />

82 DEFENDEU<br />

86 entrevista - gERALDO BERNARDINO<br />

91 NOVOS LIVROS<br />

92 ELES FAZEM A DIFERENÇA<br />

96 ESPÉCIES AQUÍCOLAS<br />

»»<br />

p.58<br />

98 despescou<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

9


FOTO DO LEITOR<br />

Despesca com presença de<br />

tambaqui amarelo<br />

(Ariquemes, RO)<br />

Autor: Jenner Bezerra de<br />

'Menezes - Biofish<br />

Fazenda Barra de<br />

Mamanguape (Aquafer)<br />

(Rio Tinto, PB)<br />

Autor: Fernando Gonçalves de<br />

Souza Filho<br />

Alevino de pirarucu<br />

(Rio Verde, GO)<br />

Autor: Hugo - Alevinos Rio Verde<br />

10<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Sunset na fazenda<br />

(Paraipaba, CE)<br />

Autor: Augusto César<br />

Camarão nativo do Rio Madeira<br />

(Porto Velho, RO)<br />

Autor: João Roberto F. Garcia<br />

Futuras larvas de trairão<br />

(Não-Me-Toque, RS)<br />

Autor: Cleiton André Kissmann<br />

Envie suas fotos mostrando a aquicultura no seu dia-a-dia e participe desta seção.<br />

redacao@aquaculturebrasil.com<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

11


.<br />

.<br />

Métricas<br />

Começou o<br />

AquaOnline!<br />

Aquaponia como<br />

solução para produção<br />

sustentável de<br />

alimentos<br />

11 de setembro<br />

13.804 Pessoas alcançadas<br />

24 Comentários<br />

32 Compartilhamentos<br />

1.182 Curtidas<br />

19 de setembro<br />

10.618 Pessoas alcançadas<br />

18 Comentários<br />

90 Compartilhamentos<br />

299 Curtidas<br />

curta-nos no<br />

facebook:<br />

www.facebook.com/<br />

aquaculturebrasil<br />

15 de setembro<br />

8.838 Pessoas alcançadas<br />

22 Comentários<br />

47 Compartilhamentos<br />

184 Curtidas<br />

Liberado o cultivo de<br />

tilápias em tanques-rede<br />

no Mato Grosso<br />

20 de setemnbro<br />

10.887 Pessoas<br />

alcançadas<br />

19 Comentários<br />

116 Compartilhamentos<br />

472 Curtidas<br />

Dica de leitura<br />

12<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


.<br />

da Fanpage<br />

Vítimas da tragédia<br />

em MG contarão<br />

com banco de pele<br />

de Tilápia da UFC<br />

Curso online e ao<br />

vivo: Como criar<br />

camarões marinhos<br />

em água doce<br />

13 de outubro<br />

44.014 Pessoas alcançadas<br />

39 Comentários<br />

266 Compartilhamentos<br />

1.252 Curtidas<br />

51.806 Pessoas<br />

alcançadas<br />

56 Comentários<br />

81 Compartilhamentos<br />

2.437 Curtidas<br />

22 de outubro<br />

21 de setembro<br />

12.362 Pessoas<br />

alcançadas<br />

16 Comentários<br />

647 Curtidas<br />

18 de outubro<br />

18.868 Pessoas<br />

alcançadas<br />

49 Comentários<br />

86 Compartilhamentos<br />

556 Curtidas<br />

<strong>Edição</strong> nova!<br />

. .<br />

Inscrições abertas para mestrado<br />

e doutorado<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

13


Algas pardas como aditivo<br />

alimentar na dieta do<br />

camarão-branco-do-Pacífico<br />

Prof. Dr. Delano Dias Schleder<br />

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense - IFC, Campus Araquari<br />

delano.schleder@ifc.edu.br<br />

14<br />

© Ian Wallace<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Artigo<br />

As algas pardas possuem alto valor nutricional e<br />

uma ampla diversidade de compostos bioativos. Por estas<br />

razões, a aplicação desse grupo de algas como ingrediente<br />

nutricional e funcional para alimentação humana<br />

e animal tem crescido nos últimos anos (Fleurence et<br />

al., 2012; Miyashita et al., 2013; Thanigaivel et al., 2016).<br />

Além disso, algas pardas, particularmente as oriundas<br />

de ambientes frios, demonstraram a capacidade de promover<br />

a resistência contra o estresse térmico em animais<br />

e plantas (Kandasamy et al., 2011; Kandasamy et al.,<br />

2014; Nair et al., 2012).<br />

O estresse por frio impõe múltiplas disfunções<br />

fisiológicas nos organismos ectotérmicos, tais como o camarão,<br />

incluindo perda da integridade de proteínas e das<br />

membranas celulares, mau funcionamento da respiração<br />

celular na mitocôndria, estresse oxidativo e desordens na<br />

homeostase de íons e coordenação neuromuscular (Hayward<br />

et al., 2014). Na carcinicultura, estresses ambientais<br />

desta natureza podem levar a perdas de produtividade,<br />

devido a problemas de crescimento, supressão da resposta<br />

imune e ao aumento da suscetibilidade a doenças<br />

(Kautsky et al., 2000). Neste sentido, o setor de produção<br />

de camarões do <strong>Brasil</strong> tem experimentado perdas<br />

econômicas expressivas com surtos de enfermidades,<br />

especialmente no Sul do <strong>Brasil</strong>. O clima desta região do<br />

<strong>Brasil</strong> é bastante instável, mostrando alta flutuação de<br />

temperatura durante os ciclos de produção, podendo<br />

servir como importante gatilho natural para tais surtos.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

O objetivo<br />

deste trabalho foi Algas pardas,<br />

avaliar o uso da biomassa<br />

seca das algas<br />

particularmente<br />

pardas Sargassum<br />

as oriundas<br />

filipendula e Undaria de ambientes frios,<br />

pinnatifida como aditivo<br />

alimentar para<br />

demonstraram a capacidade<br />

de promover<br />

o camarão-branco-do-Pacífico<br />

e seu a resistência contra<br />

efeito sobre o desempenho<br />

zootécnico, em animais e<br />

o estresse térmico<br />

morfo-fisiologia digestiva,<br />

microbiologia<br />

plantas.<br />

do trato digestivo, status<br />

imunológico e resistência ao choque térmico e infecção<br />

com vírus da Mancha Branca (WSSV).<br />

Este trabalho representa uma síntese da tese<br />

“Algas pardas como ingrediente bioativo na dieta do<br />

camarão branco do pacífico”, defendida em 2017 pelo<br />

autor do presente artigo, orientado pelo Prof. Dr. Edemar<br />

Roberto Andreatta e coorientado pela Profa. Dra.<br />

Leila Hayashi, no âmbito do Programa de Pós-Graduação<br />

em Aquicultura da Universidade Federal de Santa<br />

Catarina – UFSC. Um dos capítulos foi premiado como<br />

melhor trabalho da América Latina, no programa “Alltech<br />

Young Animal Scientist”.<br />

15


Materiais e métodos<br />

Ao longo da tese foram realizados<br />

quatro experimentos. No primeiro,<br />

foram avaliados os parâmetros hemato-imunológicos,<br />

microbiologia do intestino<br />

e a resistência dos camarões ao choque<br />

térmico, após 15 dias de alimentação com<br />

dietas contendo 0,5, 2 e 4% da alga parda<br />

Sargassum filipendula (S) e 0,5, 2 e 4% da<br />

alga parda Undaria pinnatifida (U), e uma<br />

dieta controle (sem adição), totalizando<br />

sete dietas experimentais.<br />

No segundo experimento foi<br />

analisado o perfil de lipídeos e proteínas<br />

dos hemócitos de camarões alimentados<br />

durante 15 dias com 0,5% de S. filipendula<br />

e dieta controle, antes e após 15 min do<br />

choque térmico, utilizando a técnica de espectrometria<br />

de massa denominada MAL-<br />

DI-TOF MS (do inglês Matrix-Assisted Laser<br />

Desorption/Ionization – Time of Flight,<br />

mass spectrometry), com o intuito de identificar<br />

os possíveis mecanismos responsáveis<br />

pela resistência dos animais alimentados<br />

com 0,5% de S. filipendula frente ao choque<br />

térmico. No terceiro experimento, avaliouse<br />

o desempenho zootécnico, histologia do<br />

intestino, atividade de enzimas digestivas<br />

e a resistência dos camarões alimentados<br />

com os três diferentes níveis das algas pardas<br />

e dieta controle frente ao desafio com<br />

WSSV, após cultivo experimental de 38<br />

dias.<br />

Com base nos resultados positivos<br />

dos tratamentos 0,5S e 4U nos experimentos<br />

anteriores, foi realizado um quarto experimento<br />

avaliando o efeito combinado<br />

de ambas espécies de algas pardas na dieta<br />

(0,5%:1%, 0,5%:2% e 0,5%:4% de S. filipendula<br />

e U. pinnatifida, respectivamente)<br />

sobre a resistência ao choque térmico e ao<br />

desafio com WSSV. Adicionalmente, foram<br />

realizada análises de MALDI-TOF MS para<br />

avaliar perfil de lipídeos e proteínas dos<br />

hemócitos antes e 15 min após o choque<br />

térmico, e antes e 24 h após ao desafio com<br />

WSSV, com objetivo de identificar possíveis<br />

mecanismos responsáveis pela resistência<br />

dos animais ao estresse térmico e à infecção<br />

viral.<br />

Análise e equipamento MALDI-TOF<br />

16<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Resultados<br />

De forma geral, os camarões do tratamento<br />

4U apresentaram melhora nos parâmetros imunes e<br />

redução da contagem de Vibrio spp. no intestino. Os<br />

animais dos tratamentos 0,5S e 2S apresentaram maior<br />

sobrevivência após o choque térmico, já os níveis crescentes<br />

de U. pinnatifida (0,5U, 2U e 4U) reduziram a<br />

sobrevivência.<br />

As análises de MALDI-TOF MS revelaram<br />

que camarões do tratamento 0,5S, após o choque<br />

térmico, apresentaram maior diferença nos perfis de<br />

lipídeos (Figura 1) e proteínas dos hemócitos em comparação<br />

aos demais tratamentos. Após a identificação<br />

dos lipídeos e proteínas, constatou-se que a resistência<br />

ao choque térmico observada nestes camarões estava,<br />

pelo menos em parte, relacionada ao aumento da fluidez<br />

da membrana e da defesa antimicrobiana, associado<br />

à redução do estresse oxidativo e da morte celular<br />

causada por estresse, e à modulação diferencial do metabolismo<br />

energético.<br />

Ao final do cultivo experimental, foi constatado<br />

o aumento da área de superfície de absorção do intestino<br />

dos camarões alimentados com os menores<br />

níveis de adição das algas (tratamentos 0,5S e 0,5U),<br />

bem como o incremento da atividade da enzima digestiva<br />

amilase (tratamentos 0,5S, 2S, 4S e 4U) e lipase<br />

(tratamento 4U). No entanto, não foi observada<br />

diferença significativa no desempenho zootécnico.<br />

Além disso, foi observada uma redução de<br />

26% da mortalidade dos animais do tratamento 4U em<br />

relação ao controle, após o desafio com WSSV.<br />

Por fim, a combinação das algas pardas incrementou<br />

a resistência dos animais contra ambas<br />

condições avaliadas, especialmente ao desafio. A<br />

adição de 0,5% de S. filipendula evitou o efeito negativo<br />

dos crescentes níveis de U. pinnatifida na resistência<br />

dos animais ao choque térmico, no entanto, não foi suficiente<br />

para reduzir significativamente a mortalidade<br />

dos tratamentos em relação ao controle. As análises<br />

de MALDI-TOF revelaram que a mortalidade dos camarões,<br />

observada em todos os grupos após o choque<br />

térmico, pode estar relacionada à redução na defesa<br />

antimicrobiana e antioxidante, à indução da apoptose<br />

e problemas no ajuste da fluidez da membrana.<br />

Interessantemente, os tratamentos 0,5S/2U e<br />

0,5S/4U apresentaram mortalidade significativamente<br />

menor (28% e 30%, respectivamente) em relação ao<br />

grupo controle (76%) após a infecção com WSSV,<br />

demonstrando um efeito sinérgico entre ambas algas<br />

sobre a resistência dos camarões ao WSSV (Figura<br />

1). As análises de MALDI-TOF relacionaram essa resistência<br />

ao incremento de peptídeos antimicrobianos<br />

específicos, indução precoce da apoptose nos hemócitos<br />

e diminuição do suprimento de lipídeos requeridos<br />

para montagem dos virions de WSSV.<br />

Figura 1. (a) Espectro médio de massas<br />

por MALDI-TOF MS, referente ao perfil<br />

de lipídeos do sobrenadante do lisado de<br />

hemócitos do camarão-branco-do-Pacífico<br />

alimentado com dieta controle, sem suplementação,<br />

antes e 15 min depois do choque<br />

térmico (C e C-TS, respectivamente), e com<br />

dietas contendo 0,5% de Sargassum filipendula,<br />

antes e 15 min depois do choque<br />

térmico (0,5S e 0,5S-TS, respectivamente);<br />

(b) Diagrama da análise dos componentes<br />

principais dos perfis de lipídeos do sobrenadante<br />

do lisado de hemócitos dos quatro<br />

tratamentos (vermelho – C; verde – C-TS;<br />

azul – 0,5S; amarelo – 0,5S-TS).<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

ARTIGO<br />

17


Figura 2. Mortalidade cumulativa<br />

de Litopenaeus vannamei<br />

alimentados com dietas contendo<br />

0,5%:1%, 0,5%:2% e 0,5%:4%<br />

de Sargassum filipendula (S) e<br />

Undaria pinnatifida (U) respectivamente,<br />

e a dieta controle<br />

sem suplementação, em 96 horas<br />

pós-infecção (h.p.i.) com WSSV.<br />

Houve diferença significativa<br />

na mortalidade dos tratamentos<br />

0,5S:2U (p=0,0001) e 0,5S:4U<br />

(p=0,0006) em relação ao grupo<br />

controle. Não houve diferença<br />

(p>0,09) entre o tratamento<br />

0,5S:1U e o grupo controle.<br />

Conclusão<br />

As algas pardas S. filipendula e U. pinnatifida causaram diversos efeitos fisiológicos benéficos aos camarões<br />

sem afetar o desempenho zootécnico dos animais. Em especial, a adição combinada dessas algas pardas<br />

na dieta apresenta enorme potencial no combate à doença da Mancha Branca, pois pode melhorar não só a<br />

resposta dos camarões à enfermidade, mas também a resistência frente aos seus mecanismos desencadeadores,<br />

tais como a variação de temperatura.<br />

© Delano Dias Schleder © Lestaxinomes.org<br />

Figura 3. (a) Sargassum filipendula; (b) Undaria pinnatifida.<br />

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos<br />

18<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


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Artigo<br />

© Francisco Medeiros<br />

20<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Tanques-rede<br />

de grande<br />

volume:<br />

nova fronteira da<br />

piscicultura brasileira<br />

Francisco das Chagas Medeiros<br />

Diretor Presidente da Associação<br />

<strong>Brasil</strong>eira de Piscicultura (Peixe BR)<br />

Sócio-Proprietário da<br />

Empresa Manso Aquicultura<br />

peixando@gmail.com<br />

Tanques-rede ou gaiolas,<br />

como também são chamados,<br />

são estruturas flutuantes utilizadas<br />

para criação de peixes em altas<br />

densidades. Podem ser tanques<br />

pequenos ou de grandes volumes e<br />

tem sido um dos sistemas de produção<br />

que mais cresce no mundo.<br />

Possui algumas vantagens quando<br />

comparado ao sistema tradicional,<br />

como a alta produtividade, melhor<br />

gerenciamento e controle, baixo<br />

custo de implantação, facilidade na<br />

despesca com pouca mão de obra e<br />

o fato de serem técnica e economicamente<br />

viáveis em praticamente<br />

qualquer escala.<br />

Os primeiros trabalhos<br />

com criação de peixes em tanques-rede<br />

no <strong>Brasil</strong> chegaram<br />

através de uma publicação da Associação<br />

dos Produtores de Soja dos<br />

Estados Unidos (ASA), por volta de<br />

1997. Na época, esses relatos preconizavam<br />

a criação de peixes em<br />

tanques-rede de pequeno volume<br />

existe<br />

“vida”<br />

além dos<br />

pequenos<br />

tanques-rede.<br />

(1m x 1m) e alta densidade (PVAD).<br />

Muitos produtores e alguns pesquisadores<br />

nacionais acreditaram por<br />

alguns anos que essa era, de fato,<br />

a melhor maneira para criar peixe<br />

em tanques-rede, resultando no<br />

que temos hoje, praticamente 99%<br />

dos peixes de água doce produzidos<br />

no <strong>Brasil</strong> são cultivados nestas<br />

pequenas gaiolas, geralmente com<br />

volumes de 8m³ (2m x 2m x 2m) ou<br />

pouco mais que isso.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

21


Mudança de paradigmas<br />

Com a participação da internet na vida das pessoas,<br />

não só nos computadores, mas recentemente também<br />

de fácil acesso através dos celulares smartphones, foi possível<br />

perceber que existe “vida” além dos pequenos tanques-rede.<br />

Em um primeiro momento desta descoberta foi<br />

perceptível que os produtores procuravam motivos, e por<br />

incrível que pareça encontravam, para justificar a utilização<br />

dos pequenos tanques-rede.<br />

Entretanto, nos últimos seis anos houve grande<br />

participação de produtores brasileiros na feira AquaSur,<br />

uma das maiores feiras de aquicultura do Hemisfério Sul,<br />

que ocorre a cada dois anos no Chile. Neste grande evento<br />

internacional os piscicultores do <strong>Brasil</strong> tiveram os primeiros<br />

contatos com os tanques-rede de grande volume,<br />

amplamente utilizados na salmonicultura e no cultivo de<br />

outros peixes de importância comercial. Porém não foi o<br />

suficiente para uma mudança que os levasse a experimentar<br />

um novo modelo de produção.<br />

Neste meio tempo houve a ocorrência do mexilhão<br />

dourado (Limnoperna fortunei), principalmente nos estados<br />

de São Paulo e Paraná, onde se concentra grande parte<br />

da produção nacional de peixes em tanques-rede. Com a<br />

necessidade de retirar as gaiolas para limpeza das telas, uma<br />

vez que tal incrustação dificulta a circulação de água dentro<br />

destas estruturas, resultando na queda dos parâmetros<br />

de qualidade de água e assim aumento do nível de estresse<br />

dos animais cultivados, ficava definitivamente mais difícil a<br />

quebra de paradigma e implantação das gaiolas de grande<br />

volume.<br />

Contudo, na mesma época, houve um grande<br />

avanço principalmente com a adoção dos tanques-rede de<br />

dimensões 6m x 6m, que não são de grandes volumes, mas<br />

o fato indicava uma mudança no ponto de vista produtivo.<br />

© Manso Aquicultura<br />

Figura 1. Em um tanque-rede de 18 m x 18 m é possível produzir 50 toneladas de peixes.<br />

Surgem os primeiros projetos no <strong>Brasil</strong><br />

O conceito de tanque-rede de grandes volumes<br />

persistiu e os primeiros projetos começaram a aparecer.<br />

Tanques-rede circulares de PEAD (polietileno de alta densidade),<br />

com 20 metros de diâmetro e os tanques metálicos<br />

com dimensões de 20 m x 20 m, e volumes que variam<br />

de 1.400 a 2.000 m³, já foram implementados em algumas<br />

regiões do <strong>Brasil</strong>. Atualmente esses tanques são utilizados<br />

para produção tanto de tilápia, quanto de peixes nativos<br />

como pintado, tambaqui e matrinxã ou híbridos como a<br />

tambatinga (cruzamento da fêmea de tambaqui com macho<br />

de pirapitinga).<br />

O passo inicial foi dado e este é um processo<br />

irreversível. O <strong>Brasil</strong> deverá caminhar como as principais<br />

pisciculturas mundiais, aumentando gradativamente as escalas<br />

de produção e melhorando a competitividade, o que<br />

significa principalmente, redução de custos. Aliás é isso<br />

que atualmente torna o <strong>Brasil</strong> competitivo no agronegócio<br />

mundial.<br />

Desse modo, a piscicultura brasileira terá até o final<br />

de 2020 uma mudança substancial no modelo de produção,<br />

pois não adianta somente ter um tanque-rede de grande<br />

volume, é necessário máquinas de despescas, de seleção,<br />

alimentação mecanizada e principalmente frigoríficos com<br />

maiores volumes diários de abate, e isso também já vem<br />

ocorrendo.<br />

22<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Conclusões<br />

Houve uma mudança muito rápida do negócio de<br />

criação de peixes em tanques-rede e pela experiência já observada<br />

nas demais cadeias de proteína animal, o modelo<br />

brasileiro estará mais próximo da tecnologia do Chile do<br />

que do modelo asiático.<br />

Existe atualmente uma demanda reprimida de<br />

cessão de Águas da União para uma produção da ordem<br />

de 3 milhões de toneladas, segundo levantamento da<br />

Associação <strong>Brasil</strong>eira de Piscicultura, o que torna praticamente<br />

impossível implantar uma produção desta monta<br />

com tanques-rede de pequenos volumes. A competitividade<br />

poderia ser perdida em função da grande demanda de<br />

mão de obra exigida nesta situação e esta é talvez, uma das<br />

grandes vantagens dos tanques-rede de grandes volumes.<br />

O crescimento da produção traz consigo a mesma<br />

ordem de grandeza para os equipamentos. Os tanques rede<br />

de grande volume são um futuro que já está entre nós.<br />

© Francisco Medeiros<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

23


Parte II<br />

Prof. Dr. Leopoldo Melo Barreto<br />

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)<br />

leopoldo.barreto@ufrb.edu.br<br />

Aquicultura ornamental<br />

de água doce<br />

Prof. Dr. Fabrício Menezes Ramos<br />

Instituto Federal do Pará (IFPA)<br />

fabricio.ramos@ifpa.edu.br<br />

24<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Artigo<br />

No artigo anterior provocamos<br />

a curiosidade sobre a aquicultura<br />

ornamental, e agora iremos falar um<br />

pouco sobre as estruturas de cultivo<br />

utilizadas, as estratégias reprodutivas<br />

e pincelar sobre qualidade de água,<br />

pois sabemos que os peixes são diretamente<br />

influenciados por parâmetros<br />

bióticos e abióticos, os quais devem<br />

estar ajustados para a espécie, assim<br />

levando-os ao ápice biológico, a reprodução.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

25


Estruturas de cultivo<br />

© Fabrício Menezes Ramos<br />

Figura 1. Aquário residencial confeccionado com piso cerâmico.<br />

A produção de peixes ornamentais pode ser realizada<br />

em diversos tipos de estruturas (viveiros, tanques<br />

e aquários) e diferentes condições de manejo. O valor intrínseco<br />

da espécie alvo é que irá determinar o nível de<br />

intensificação. Assim, o bom senso e experiência do produtor<br />

(contratar consultoria se necessário) devem orientar<br />

na projeção e construção da estrutura, reduzindo os<br />

custos de implantação, fornecendo condições de bem-estar<br />

aos peixes e facilitando as rotinas operacionais.<br />

Os viveiros se destacam na produção comercial<br />

de peixes ornamentais por serem a estrutura mais utilizada<br />

(Vidal Junior, 2006). São depressões naturais no terreno,<br />

reservatórios escavados ou elevados na terra, possuindo<br />

abastecimento e drenagem de água individualizado<br />

(Oliveira, 2013). Têm como principal vantagem o baixo<br />

custo de construção. Por outro lado, apresentam dificuldade<br />

no manejo da água e dos peixes, assim empregados<br />

mais na produção de peixes de baixo valor comercial,<br />

baixo padrão genético e baixa exigência nos cuidados,<br />

como os Poecilídeos (Espada e platy - Xiphophorus spp.,<br />

guppy e molinesia - Poecilia spp.), Cyprinídeos (Barbos<br />

- Barbus ssp. / Barbonymus ssp. / Puntius ssp., carpas<br />

- Cyprinus carpio, kinguios - Carassius auratus e paulistinha<br />

- Danio rerio) e alguns Ciclídeos, como o acará<br />

bandeira (Pterophyllum scalare).<br />

Outras estruturas comumente utilizadas são<br />

tanques, que diferem de viveiros por serem revestidos<br />

e não haver contato com o solo. Exemplo clássico são<br />

26 ARTIGO<br />

caixas plásticas ou<br />

de fibra e piscinas<br />

de lonas ou manta.<br />

Essas estruturas suportam<br />

cultivos mais<br />

intensivos, pois há<br />

maior controle da<br />

qualidade de água e<br />

facilidade na despesca.<br />

Até o maior custo<br />

inicial, fator que<br />

poderia ser levado<br />

em consideração, é<br />

afiançado pela alta<br />

produtividade por<br />

área. De forma análoga, havendo melhor controle na<br />

produção, podemos seguramente produzir peixes de<br />

alto valor agregado, como kinguios e guppy’s de alto padrão,<br />

Anabantídeos (peixe de briga - Betta splendens) e<br />

Ciclídeos de forma geral.<br />

Os aquários, construídos com placas de vidro<br />

ou acrílicos, são também utilizados como unidades reprodutivas.<br />

Trabalhos recentes, como o de Fujimoto e<br />

colaboradores (2014), mostram redução nos custos de<br />

produção de aquários, em torno de 62%, utilizando o<br />

piso cerâmico nas laterais e fundo do aquário (Figura 1).<br />

Os aquários facilitam a observação do comportamento<br />

reprodutivo dos espécimes e promovem o controle das<br />

condições ambientais. O acará disco (Symphysodon sp.)<br />

é um forte candidato para reprodução em aquários, inclusive<br />

mantendo-se nessa estrutura na fase de crescimento<br />

até o momento da venda.<br />

Quaisquer das estruturas devem fornecer<br />

aos peixes boas condições para sua manutenção, pois<br />

nenhum animal poderá expressar seu desenvolvimento<br />

e reprodução em condições estressantes (Galhardo;<br />

Oliveira, 2006). Desta forma, conhecer e compreender<br />

os processos que determinam a reprodução dos animais<br />

é parte primordial no sucesso de qualquer cultivo.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

Trabalhos recentes,<br />

como o<br />

de Fujimoto e<br />

colaboradores (2014),<br />

mostram redução nos<br />

custos de produção de<br />

aquários, em torno de<br />

62%, utilizando o piso<br />

cerâmico nas laterais<br />

e fundo do<br />

aquário.<br />

Estratégias reprodutivas:<br />

Os peixes desenvolveram diversas formas de<br />

reprodução que são divididas basicamente em<br />

quatro (França, 2007):<br />

(1) ovulíparos;<br />

(2) ovíparos;<br />

(3) ovovivíparos;<br />

(4) vivíparos.


Nos ovulíparos a fecundação é externa, machos e fêmeas soltam seus gametas<br />

(óvulos e espermatozoides) na água. Após a fecundação os ovos são<br />

levados pela correnteza na maioria das espécies de piracema, como tambaqui<br />

- Colossoma macropomum e piau - Leporinus spp., ou podem ficar aderidos<br />

à superfície sem o cuidado dos pais (cuidado parental), como nas carpas e<br />

kinguios, ou ainda ficarem aderidos à superfícies, como na maioria dos Ciclídeos<br />

(Acará bandeira e disco), os quais praticam o cuidado parental.<br />

Quando as fêmeas liberam ao meio os ovos após fecundação interna,<br />

são denominados de ovíparos. Pode ser observado em algumas espécies<br />

de tubarões e raias (Condrictes). Neste os embriões desenvolvem-se<br />

dentro dos ovos, mas fora do corpo da mãe, e se nutrem<br />

das reservas presentes no ovo.<br />

Nos ovovivíparos o desenvolvimento embrionário é realizado dentro do<br />

corpo materno, se alimentando apenas da reserva nutritiva existente no<br />

ovo, sem nenhuma ligação com a progenitora. Após o desenvolvimento<br />

eclodem no oviduto da fêmea e são expelidos ao meio já como alevinos.<br />

Estratégia encontrada comumente nos Poecilídeos (Guppys, Lebistes,<br />

Platis etc).<br />

Já nos peixes vivíparos os embriões se desenvolvem dentro do corpo<br />

da mãe, dentro de uma placenta com os nutrientes essenciais para<br />

seu desenvolvimento. O representante mais conhecido deste grupo é o<br />

tralhoto (Anableps sp.), porém sem muito interesse para aquicultura<br />

ornamental, a não ser pelo fato de possuir a córnea dividida em duas,<br />

parecendo assim ter quatro olhos.<br />

4<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

ARTIGO<br />

27


Dimorfismo sexual<br />

Para reprodução é necessário, muitas vezes,<br />

reconhecer o macho e a fêmea (dimorfismo sexual), logo<br />

formar casais ou grupos reprodutivos, principalmente<br />

quando se pretende realizar um trabalho de melhoramento<br />

genético. A observação das características morfológicas<br />

em exemplares maduros sexualmente geralmente<br />

fornece evidências para este procedimento. Os<br />

machos dos ovovivíparos apresentam um órgão copulador<br />

denominado gonopódio. Nos Condrictes este órgão<br />

é denominado de clasper. Os tetras machos (Ex. mato<br />

grosso - Hyphessobrycon spp., e neon - Paracheirodon<br />

spp.) apresentam espículas na nadadeira anal. Já nas carpas<br />

e kinguios, além da nadadeira anal, os machos apresentam<br />

espículas na nadadeira peitoral e nos opérculos,<br />

bem destacados na fase reprodutiva. Os Ciclídeos, de<br />

forma geral, apresentam um aumento na porção frontal<br />

da cabeça nos machos por deposição de gordura. Nos<br />

cascudos ou acaris (Loricarídeos) o dimorfismo sexual é<br />

realizado pela observação de espículas (odontódeos) na<br />

nadadeira peitoral e/ou no opérculo e prolongamentos<br />

de escamas em machos de Baryancistrus spp., Hypancistrus<br />

spp. e Peckoltia spp., por exemplo. Nos Ancistrus<br />

spp. o macho apresenta tentáculos próximos aos olhos e<br />

boca, em maior quantidade, e mais alongados do que nas<br />

fêmeas.<br />

Geralmente os machos em peixes ornamentais<br />

são mais coloridos e com padrões corporais mais chamativos,<br />

como destacado na família Rivulidae (Killifishes).<br />

Quando o dimorfismo sexual não é evidente, como em<br />

acarás bandeiras, discos e peixe folha, a melhor estratégia<br />

é a disposição de vários exemplares maduros em<br />

aquários ou tanques para a formação de casais e posterior<br />

separação destes.<br />

Outra questão importante no processo reprodutivo<br />

é o conhecimento da biologia da espécie, inclusive<br />

sobre os fatores abióticos (temperatura, pH, salinidade,<br />

condutividade, dureza carbonatada, etc.) que regulam a<br />

maturação sexual, logo a reprodução. Sem a representação<br />

fiel desses parâmetros, não importa a estrutura de<br />

cultivo ou o tipo de alimento, dificilmente haverá reprodução.<br />

© Fabrício Menezes Ramos<br />

Figura 2. Dimorfismo sexual – Machos: aumento na porção frontal da cabeça em Citrinelos - Amphilophus citrinellus (seta amarela) e espículas<br />

no opérculo de kinguios - Carassius auratus, variedade telescópio (seta vermelha).<br />

Aquicultura ornamental, por onde começar?<br />

Se o leitor nos perguntar: Qual a família de peixe é mais fácil para iniciar um cultivo? Com certeza,<br />

respondendo de forma simplificada, proporíamos os Poecilídeos (Lebiste, barrigudinho, etc) por possuírem fácil<br />

dimorfismo sexual, cores vibrantes, desejadas pelos aquaristas, protocolo reprodutivo simples e bem definido e sem<br />

fase larval. Assim, seria a primeira família a indicarmos para o empreendedor iniciante que deseja empregar pouco<br />

capital e, mesmo tendo pequeno retorno, conseguir pagar os custos de produção, escolhendo as variedades corretas<br />

e estudando o mercado consumidor da região.<br />

Para desfechar, no próximo (e último artigo desta série) abordaremos estratégias de alimentação para larvas<br />

e matrizes, citaremos estratégias para o bom crescimento de algumas espécies, levando-as até o momento da comercialização,<br />

tema que também será comentado, incluindo as dicas de transporte, do produtor ao consumidor. Até<br />

breve!<br />

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos<br />

28<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


ARTIGO


Artigo<br />

30<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Importância dos ácidos<br />

graxos ômega 3 e<br />

seus níveis<br />

no pescado brasileiro<br />

Bruno Cavalheiro Araújo<br />

Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e<br />

Aquicultura<br />

Núcleo Integrado de Biotecnologia<br />

Universidade de Mogi das Cruzes (UMC);<br />

Laboratório de Metabolismo e Reprodução<br />

de Organismos Aquáticos<br />

Instituto de Biociências<br />

Universidade de São Paulo (USP)<br />

brunocavar@usp.br<br />

Artur Nishioka Rombenso<br />

Laboratório de Nutrição e Fisiologia<br />

Digestiva de Organismos Aquáticos<br />

Instituto de Investigaciones Oceanológicas<br />

Universidade Autônoma de Baja Califórnia (UABC)<br />

artur.nishioka@uabc.edu.mx<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

31


O pescado em geral é uma<br />

excelente fonte nutricional, sendo<br />

recomendado um consumo mínimo<br />

semanal para assegurar um bom<br />

desenvolvimento e estado de saúde<br />

adequado. Nele existe uma série de<br />

nutrientes importantes, porém alguns<br />

são vistos com maior relevância<br />

devido a sua limitada disponibilidade,<br />

como por exemplo os ácidos<br />

graxos poliinsaturados de cadeia<br />

longa da família n-3, os famosos ácidos<br />

graxos ômega 3.<br />

De acordo com dados da<br />

FAO (Food and Agriculture Organization<br />

of the United Nations,<br />

2014), aproximadamente 16,7% de<br />

toda proteína animal consumida no<br />

mundo é composta por espécies de<br />

peixes, e dentro desta perspectiva<br />

a aquicultura já é responsável por<br />

mais de 50% do pescado consumido<br />

mundialmente. 32<br />

Este crescimento do<br />

setor é significativo e talvez não seja<br />

maior em virtude da nutrição, sendo<br />

este processo o mais custoso para a<br />

produção de espécies de peixes de<br />

interesse comercial, representando<br />

até 70% dos custos totais. Este fato<br />

se dá principalmente pela inclusão<br />

de ingredientes de custo elevado,<br />

como o óleo de peixe, que além do<br />

alto valor agregado, quando provindos<br />

dos estoques naturais podem<br />

ser considerados altamente impactantes,<br />

com composição nutricional<br />

variável e de produção instável.<br />

Devido a estes fatores, a indústria<br />

busca incessantemente ingredientes<br />

alternativos (normalmente<br />

provindos de espécies vegetais e de<br />

animais terrestres), que não afetem<br />

a performance de crescimento dos<br />

animais e que reduzam os custos<br />

produtivos. Com esta redução na utilização<br />

de óleo de peixe e o aumento<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

da inclusão de óleos alternativos nas<br />

dietas, o perfil de ácidos graxos do<br />

produto final quando negligenciado,<br />

pode ser drasticamente alterado,<br />

dado principalmente por uma redução<br />

significativa nos níveis de nutrientes<br />

importantes como os ácidos<br />

graxos ômega 3.<br />

Atualmente são poucos os<br />

trabalhos publicados no <strong>Brasil</strong> que<br />

abordam diretamente este tema e<br />

que também reportem os níveis<br />

desses nutrientes nos principais<br />

produtos aquícolas nacionais. Na<br />

realidade, apenas poucos estudantes<br />

de pós-graduação por todo país trabalham<br />

com nutrição lipídica com<br />

foco principal nos ácidos graxos e<br />

qualidade nutricional do produto<br />

aquícola final. Assim, nesse artigo<br />

ressaltamos a importância desse<br />

tema para conhecimento geral.


O que são os ácidos graxos ômega 3?<br />

Os ácidos graxos são as<br />

unidades básicas mais comuns dos<br />

lipídios, formadas por uma cadeia<br />

de carbonos que possuem de um<br />

lado da molécula o grupo metil<br />

(-CH 3<br />

) e do outro o grupo carbóxilo<br />

(-COOH). Os ácidos graxos podem<br />

ser classificados de acordo com<br />

sua estrutura química e funções<br />

fisiológicas, e entre outras formas.<br />

Os ômega 3 formam um<br />

grupo de ácidos graxos que possuem<br />

ao menos três ligações duplas sendo<br />

que a primeira está localizada no terceiro<br />

carbono do lado metil, por isso<br />

tal denominação. A nomenclatura<br />

mais utilizada para caracterizar a<br />

composição bioquímica da molécula<br />

de ácido graxo é a numérica, por<br />

exemplo, o ácido docosaexaenóico<br />

(DHA; 22:6n-3; Figura 1). Neste<br />

caso o primeiro número (22) consiste<br />

no número total de carbonos da<br />

molécula, o segundo número (6) se<br />

refere ao número de ligações duplas<br />

da molécula, e o terceiro número (3)<br />

indica o carbono da primeira ligação<br />

dupla a partir do lado metil.<br />

Todos os ácidos graxos ômega 3 são importantes?<br />

Existem vários exemplos<br />

de ácidos graxos ômega 3 como:<br />

18:3n-3, 18:4n-3, 20:4n-3, 20:5n-3,<br />

22:5n-3, 24:5n-3, 24:6n-3 e 22:6n-3.<br />

Porém alguns são fisiologicamentes<br />

mais importantes que outros, como<br />

é o caso do DHA (22:6n-3) e EPA<br />

(20:5n-3). Diversos estudos atestam<br />

a importância do DHA e EPA para<br />

nutrição humana, principalmente na<br />

prevenção e tratamento de doenças<br />

cardiovasculares (o consumo adequado<br />

pode reduzir em até 65% as<br />

chances de infarto do miocárdio),<br />

neurológicas como Alzheimer, depressão<br />

e transtorno de déficit de<br />

atenção e hiperatividade (TDHA),<br />

dentre outras. Além disso são fundamentalmente<br />

importantes para<br />

um adequado desenvolvimento neurológico<br />

e visual, sendo ainda considerados<br />

importantes precursores<br />

de compostos bioativos bastante<br />

relevantes para o sistema imunológico.<br />

Dessa forma torna-se impressindível<br />

diferenciar qual tipo<br />

e qual quantidade de ácido graxo<br />

ômega 3 estamos consumindo em<br />

nosso pescado.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

33


© Intechopen<br />

Figura 1. Estrutura química do ácido graxo poliinsaturado de cadeia longa ômega 3 DHA (ácido docosaexaenoico; 22:6n-3).<br />

Ácidos graxos ômega 3 vs. ômega 6<br />

Alguns benefícios dos ácidos<br />

graxos ômega 3 são ressaltados<br />

quando comparados com os ômega<br />

6. De forma geral, os ômega 6 possuem<br />

propriedade pró-inflamatória,<br />

porém o excesso dos mesmos pode<br />

resultar em uma exaltação do processo<br />

inflamatório, como ocorre<br />

por exemplo nas dietas Ocidentais<br />

que utilizam frequentemente óleos<br />

vegetais (ricos em ômega 6, principalmente<br />

18:2n-6), aumentando assim<br />

o consumo de ômega 6 e desequilibrando<br />

a importante relação<br />

ácidos graxos ômega 3/ômega 6. Já os<br />

ômega 3 possuem propriedades anti-inflamatórias,<br />

seu valor nutricional<br />

se torna mais importante nesse<br />

contexto. Atualmente é recomendado<br />

o consumo 300-500 mg de DHA<br />

+ EPA por dia, sendo que alguns trabalhos<br />

recomendam um consumo<br />

de até 2g de DHA + EPA por dia.<br />

Vale ressaltar que a recomendação é<br />

para DHA + EPA e não para outros<br />

ômega 3.<br />

Enquanto o setor aquícola<br />

luta para reduzir a utilização de ingredientes<br />

contendo níveis adequados<br />

de DHA e EPA nas dietas dos<br />

animais em cultivo (visando principalmente<br />

a redução de custos produtivos),<br />

outros segmentos como a<br />

indústria de laticínios e de ovos, investem<br />

massivamente na produção<br />

de alimentos “enriquecidos” com altos<br />

níveis destes importantes nutrientes.<br />

Podemos afirmar então que a<br />

aquicultura (em especial a produção<br />

de animais dulciaquícolas) caminha<br />

no sentido oposto destes outros segmentos,<br />

ignorando seu principal fator<br />

de marketing, o de alimento rico<br />

em ômega 3 (DHA e EPA).<br />

A aquicultura (em<br />

especial a produção<br />

de animais<br />

dulciaquícolas) caminha<br />

no sentido oposto<br />

destes outros segmentos,<br />

ignorando seu principal<br />

fator de marketing,<br />

o de alimento rico em<br />

ômega 3 (DHA<br />

e EPA).<br />

Nível de ômega 3 nos produtos aquícolas brasileiros<br />

Como dito anteriormente,<br />

informações relacionadas com o<br />

perfil de ácidos graxos das principais<br />

espécies cultivadas nacionalmente<br />

são escassas. Apesar de resultados<br />

prévios apontarem para uma baixa<br />

concentração (muitas vezes ínfima)<br />

de DHA e EPA nas nossas principais<br />

espécies produzidas, de fato definir o<br />

perfil destes nutrientes no nosso pescado<br />

é realmente uma missão árdua,<br />

uma vez que a composição do produto<br />

final é diretamente influenciada<br />

pelas condições de cultivo (como<br />

temperatura e frequência alimentar),<br />

composição da dieta, forma de<br />

armazenamento do pescado, dentre<br />

outras variáveis. Sendo assim torna-se<br />

necessário um grande esforço<br />

amostral em mercados, portos de<br />

descarregamento de pescado, pisciculturas,<br />

feiras-livres, dentre outros<br />

pontos.<br />

34<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

35


Quais as espécies produzidas no <strong>Brasil</strong> com maior potencial<br />

de se tornarem um produto rico em ômega 3?<br />

Esta é uma questão realmente<br />

complexa e que necessita de<br />

muita investigação para ser respondida.<br />

No geral espécies com maior<br />

potencial de deposição de gordura<br />

intramuscular, como alguns peixes<br />

redondos (exemplo o tambaqui,<br />

pacu, tambacu), são mais propícios<br />

ao aumento de DHA e EPA, dado<br />

principalmente pela manipulação<br />

da composição da dieta. No entanto<br />

alguns estudos apontam para<br />

uma melhora significativa na concentração<br />

destes ácidos graxos em<br />

espécies consideradas “magras”,<br />

como a tilápia e algumas espécies<br />

de camarão. Com isso, além da importância<br />

da incorporação de maior<br />

percentual de DHA e EPA na dieta,<br />

o investimento em programas de<br />

melhoramento genético que visam<br />

um aumento no percentual de gordura<br />

intramuscular destes animais<br />

torna-se essencial para a produção<br />

de um pescado rico nestes ácidos<br />

graxos.<br />

Projetos de pesquisa<br />

Atualmente<br />

existem<br />

poucos<br />

centros de pesquisa e universidades<br />

focadas nos estudos de ácidos graxos<br />

na aquicultura, a grande maioria<br />

investiga sobre a importância das<br />

proteínas na nutrição animal. No<br />

<strong>Brasil</strong>, o Laboratório de Metabolismo<br />

e Reprodução de Organismos<br />

Aquáticos – LAMEROA (Instituto<br />

de Biociências da USP)<br />

em conjunto com o<br />

Laboratório de<br />

Genética<br />

d e<br />

Organismos Aquáticos e Aquicultura<br />

– LAGOAA (Núcleo Integrado<br />

de Biotecnologia da UMC) e o<br />

Laboratório de Nutrição e Fisiologia<br />

Digestiva de Organismos Aquáticos<br />

(Instituto de Investigaciones<br />

Oceanológicas – UABC / México),<br />

iniciaram um projeto que visa<br />

caracterizar o perfil de ácidos graxos<br />

das principais espécies consumidas<br />

nacionalmente. Os resultados permitirão<br />

traçar estratégias adequadas<br />

para a produção de um pescado mais<br />

saudável, devido principalmente,<br />

pela maior concentração de DHA<br />

e EPA na musculatura destes<br />

animais.<br />

36<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

37


AquaScience:<br />

A revolução<br />

continua<br />

Jéssica Brol<br />

Diego Molinari<br />

AQUACULTURE BRASIL<br />

*jessica@aquaculturebrasil.com<br />

38<br />

© <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong><br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Artigo<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

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Introdução<br />

A fazenda Cana Brava, localizada<br />

no município de Canguaretama, litoral<br />

Sul do Rio Grande do Norte, foi fundada<br />

em 1983, sendo a primeira unidade de<br />

produção da empresa Camanor Produtos<br />

Marinhos. A propriedade operou no<br />

modelo semi-intensivo com excelentes<br />

resultados até meados de 2011, quando<br />

o vírus da síndrome da mancha branca<br />

(WSSV) atingiu o Estado e, como é<br />

característico desta enfermidade, ocasionou<br />

mortalidades massivas. Na época, a<br />

sobrevivência despencou para 5 a 10% e<br />

a fazenda obteve os menores resultados<br />

produtivos de sua história, representando<br />

apenas 50 toneladas de camarões despescados<br />

ao longo de todo o ano.<br />

Tabela 1. Dados produtivos da Fazenda Cana Brava antes de ser acometida pelo vírus da Síndrome da Mancha Branca, em 2011.<br />

*Média dos três últimos anos antes da mancha branca.<br />

* Média dos três últimos anos antes da mancha branca.<br />

Primeiros ensaios intensivos<br />

De toda forma, antes mesmo do<br />

vírus atingir os cultivos, dentro da empresa<br />

já se pensava em um modelo diferenciado<br />

de produção. Os primeiros experimentos<br />

seguiram o chamado “modelo asiático”,<br />

caracterizado por viveiros cujo solo<br />

é recoberto com geomembrana, além do<br />

aumento da aeração e da densidade de povoamento<br />

(100 camarões/m²). A ideia deu<br />

certo, sendo realizados quatro ciclos produtivos<br />

de sucesso. Com isso, projetava-se<br />

fazer a transição deste sistema em escala<br />

experimental para o restante da fazenda.<br />

Contudo, isto não foi possível, uma vez<br />

que a mancha branca também atingiu a<br />

unidade experimental.<br />

Para continuar a produzir foi<br />

preciso pensar além, experimentar novamente,<br />

mas desta vez com foco total no<br />

sistema intensivo e acrescentando elementos<br />

que o modelo asiático não preconizava,<br />

como por exemplo a tilápia (Oreochromis<br />

niloticus), o recobrimento dos viveiros<br />

(inicialmente com sombrites) e o sistema<br />

de recirculação. Após 10 ciclos consecutivos<br />

de tentativa e erro, foi possível encaixar<br />

um modelo de produção que apresentava<br />

sucesso do início ao fim, sem mortalidades<br />

ocasionadas pelo WSSV. Os 10 mil quilos<br />

que constam no gráfico de produção (Figura<br />

1) foram resultado deste primeiro sucesso,<br />

a partir de 100 camarões/m² e peso final<br />

de 10 gramas.<br />

40<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Após 10 ciclos<br />

consecutivos de<br />

tentativa e erro,<br />

foi possível encaixar um<br />

modelo de produção que<br />

apresentava sucesso do<br />

início ao fim, sem<br />

mortalidades<br />

ocasionadas<br />

pelo WSSV.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

© <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong><br />

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Figura 1. Evolução da produtividade da Fazenda Cana Brava, pertencente à empresa Camanor Produtos Marinhos, ao longo de 4 anos. Fonte: Camanor<br />

“Foi aí que encontramos o caminho”, comenta Luiz Henrique Peregrino, Engenheiro de Pesca<br />

e um dos mentores do sistema AquaScience.<br />

O nascimento do “AquaScience”<br />

Naquele momento faltavam ainda alguns aspectos<br />

para que o sistema se encaixasse no modelo AquaScience,<br />

mas a ideia principal estava concebida: tentar equilibrar<br />

o ambiente de cultivo, proporcionando bem-estar aos<br />

animais. Dessa forma, mesmo que a doença estivesse presente,<br />

os camarões não iriam manifestá-la, porque estavam<br />

saudáveis.<br />

A ideia partiu da percepção dos animais em ambiente<br />

natural, convivendo com a presença de doenças. A<br />

chave estaria em como é possível se manter essa relação.<br />

Depois, a observação voltou-se para unidades de tratamento<br />

de água e efluentes. Era preciso que a água se mantivesse<br />

por vários ciclos recirculando no sistema, sem a necessidade<br />

de troca. Juntando os fatos e muita engenharia, surgiu<br />

o AquaScience.<br />

A lógica do sistema AquaScience<br />

O princípio básico do sistema AquaScience é manter<br />

a água com os parâmetros de qualidade estáveis, em<br />

constante movimento e recirculação, reaproveitando todos<br />

os nutrientes e matéria orgânica dentro do próprio sistema.<br />

Para isso, extinguiu-se a ideia de viveiros de cultivo, para a<br />

concepção de módulos de cultivo.<br />

A estrutura do AquaScience é composta de módulos<br />

que contemplam:<br />

Dois viveiros de camarão (3500 a 5000m²) com dreno central;<br />

Uma estação de recirculação;<br />

Dois viveiros de tilápia também com dreno central.<br />

42<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


A recirculação dentro do módulo é dupla, tanto<br />

saindo dos viveiros para a estação e retornando aos viveiros,<br />

quanto do viveiro para a estação, indo para o berçário de<br />

tilápia e, após, voltando para o viveiro de camarão. Esse processo<br />

é dinâmico, funcionando 24 horas por dia e impede<br />

o acúmulo de material orgânico, uma vez que todo resíduo<br />

sólido é bombeado aos tanques de tilápia, justamente para<br />

que estes animais filtrem e consumam todo esse material,<br />

que acaba sendo uma fonte de alimento. Nas fases finais do<br />

cultivo de camarão onde o arraçoamento é maior, as tilápias<br />

são alimentadas com apenas 20% de ração. Todo o restante<br />

da energia necessária à sua manutenção e crescimento é obtido<br />

através da filtração dos sólidos. O AquaScience produz<br />

tilápias com o mínimo de ração fornecida aos peixes!<br />

Na água há a predominância de bactérias que contribuem<br />

para a manutenção da qualidade de água, como<br />

as nitrificantes, através da assimilação dos compostos nitrogenados,<br />

e as bactérias heterotróficas que realizam a degradação<br />

da matéria orgânica convertendo-a em biomassa<br />

bacteriana, que também serve de alimento aos animais. Há<br />

também a presença de microalgas que atuam na remoção<br />

do fósforo e adicionalmente no tratamento do material<br />

orgânico.<br />

Figura 2. Modelo explicando o funcionamento do Sistema Aquascience. Fonte: Camanor<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

ARTIGO<br />

43


Modelo em constante evolução<br />

Quanto maior a capacidade de<br />

ciclagem dos nutrientes maior é a capacidade<br />

de estocar animais/m² e consequentemente<br />

maior a produtividade.<br />

Baseado nisso, a Camanor vem evoluindo<br />

constantemente o sistema Aqua-<br />

Science e desde que foi concebido, em<br />

2013, passou por três melhorias, denominadas<br />

de G1, G2 e G3. Este último,<br />

G3, é o modelo atual que está em ampliação,<br />

mas já há estudos para um G4,<br />

a ser implantado dentro dos 25 ha que<br />

a Camanor projeta expandir. O recorde<br />

de produção alcançado em novembro de<br />

2017 com 73,6 t/ha produzidas, já é fruto<br />

das novas experiências de ampliação<br />

utilizando densidades mais altas.<br />

Em todas as gerações a sobrevivência<br />

é próxima aos 90% e é possível<br />

realizar 3 ciclos de produção por ano,<br />

despescando camarões com peso entre<br />

17 e 18 gramas.<br />

Com a tilápia é possível realizar 2 ciclos por ano,<br />

com peso final entre 1000 e 1500 gramas. Em cada tanque<br />

de tilápia é produzido de 2 a 2,5 t. Antes atuando somente<br />

como componente do sistema, agora as tilápias passaram<br />

também a ser comercializadas.<br />

Objetivos futuros<br />

*Média dos três últimos anos antes da mancha branca.<br />

Tabela 2. Dados zootécnicos das diferentes gerações do sistema AquaScience.<br />

Gerações do sistema AquaScience<br />

Geração 1 Geração 2 Geração 3 Geração 4*<br />

Animais/m² 170 a 180 270 a 280 380 a 410 500 a 700<br />

Produtividade<br />

(t/ha)<br />

Número de<br />

viveiros<br />

Área de<br />

produção (ha)<br />

25 a 30 35 a 45 45 a 55 80 a 90<br />

7 20 14**<br />

5,99 7,85 5,22 -<br />

* Projeções.<br />

**Encontra-se em fase de construção mais 8 viveiros da Geração 3 com 3,84ha de área de produção.<br />

Dentre as metas futuras comentadas pela equipe da Camanor para a <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong> estão:<br />

Construção de um laboratório para produção<br />

própria de pós-larvas de camarão, adaptadas ao<br />

sistema AquaScience;<br />

Implantação de um sistema bifásico de produção<br />

para os camarões dentro do novo projeto de ampliação.<br />

Atualmente os crustáceos entram no sistema<br />

como PL 10<br />

permanecendo até o final do cultivo;<br />

Como os alevinos de tilápia são produzidos pela<br />

própria Camanor em uma unidade denominada<br />

Núcleo de Peixes, há estudos visando o melhoramento<br />

genético da linhagem para uma maior tolerância a<br />

salinidade;<br />

Criar um centro de treinamento para capacitação<br />

dos funcionários;<br />

Criar um centro de pesquisas especificamente<br />

voltando à produção. Atualmente os ensaios são<br />

desenvolvidos diretamente nos módulos de produção.<br />

Questionados sobre metas de produtividade, o<br />

sócio e superintendente da Camanor, Luiz Henrique afirma<br />

não terem metas, pois, uma vez que se estabelece uma<br />

meta, se estabelece um fim, e se estivessem estabelecido um<br />

fim, a produtividade teria parado nos valores do G1. Aqua-<br />

Science, continuando a revolução...<br />

44<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


O recorde de<br />

produção<br />

alcançado em<br />

novembro de 2017 com<br />

73,6 t/ha produzidas, já é<br />

fruto das novas<br />

experiências de<br />

ampliação<br />

utilizando<br />

densidades<br />

mais altas.<br />

© <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong><br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

ARTIGO<br />

45


Artigo<br />

46<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


O açude Castanhão<br />

e a cadeia<br />

produtiva da tilápia<br />

Profa. Dra. Elenise Gonçalves de Oliveira<br />

Departamento de Engenharia de Pesca<br />

Universidade Federal do Ceará (UFC)<br />

elenisego@yahoo.com.br<br />

Prof. Dr. Sergio Alberto Apolinario<br />

Almeida<br />

Curso de Engenharia de Aquicultura<br />

Instituto Federal do Ceará, Campus de Morada Nova<br />

sergio.alberto@ifce.edu.br<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

47<br />

© Elenise Gonçalves


O açude Padre Cícero, conhecido pelo nome<br />

de açude Castanhão, teve a sua construção iniciada<br />

em 1995 e concluída em 2003, com a finalidade precípua<br />

de drenar as águas da bacia hidrográfica do Médio<br />

Jaguaribe/CE e receber as águas da transposição<br />

do Rio São Francisco. O Castanhão, cujo complexo é<br />

administrado pelo Departamento Nacional de Obras<br />

Contra as Secas (DNOCS), é apontado como o maior<br />

açude para usos múltiplos da América Latina, estando<br />

à aquicultura entre as finalidades para ele projetadas.<br />

O Castanhão possui uma bacia hidráulica de<br />

44.800 km², vindo sua barragem a ser construída no<br />

leito do principal rio do Ceará, o Rio Jaguaribe. Em<br />

junho de 2004 o açude já acumulava 4,99 bilhões de<br />

m 3 de água (74,58% de sua capacidade). Em 2008 o<br />

açude registrou o seu segundo maior volume (6,01<br />

bilhões de m 3 = 89,73% de sua capacidade) e em maio<br />

de 2009, o maior (6,55 bilhões de m 3 = 97,82 % de sua<br />

capacidade).<br />

Implantação dos primeiros projetos de piscicultura<br />

Enquanto os primeiros projetos aquícolas<br />

do Castanhão se instalavam (Estação de Piscicultura<br />

Rui Simões de Menezes - DNOCS; o projeto Curupati-Peixe<br />

de iniciativa da Secretaria Especial de Aquicultura<br />

e Pesca da Presidência da República – SEAP/<br />

PR; e o projeto Piscicultura Castanhão, de iniciativa<br />

do SEBRAE), a piscicultura cearense se consolidava<br />

em outras localidades do Polo de Produção Aquícola<br />

do Médio Jaguaribe e nos demais Polos de Produção<br />

(Alto Jaguaribe; Baixo Jaguaribe; Curu; Região<br />

Metropolitana e Região Norte). Em todos os Polos, a<br />

produção tinha como foco a tilápia do Nilo (Oreochromis<br />

niloticus), linhagem chitralada.<br />

Em 2013 a Agência Nacional de Águas (ANA),<br />

outorgou ao Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA<br />

– hoje extinto), as áreas de três parques aquícolas<br />

(Alto Santo, Jaguaribara e Jaguaribe/Jaguaretama), estabelecendo<br />

uma capacidade de suporte de 10.800 t de<br />

peixes/ano, e uma carga diária de ração da ordem de<br />

47.342,5 kg de ração.<br />

Os produtores de tilápia em tanques-redes, escolhidos por meio de processos<br />

licitatórios com vigência de 5 anos, foram subdivididos em duas categorias:<br />

não onerosa (674 lotes, sendo 337 para o parque aquícola de Jaguaribara,<br />

199 em Alto Santo e 138 em Jaguaribe/Jaguaretama) - concedida a produtores<br />

locais, sem aporte de recursos; e o restante de forma onerosa - concedida a<br />

empresários, os quais obrigam-se a pagar pelo uso da água.<br />

48<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Migração de produtores e mudanças<br />

Na metade da década atual (2013-2014), houve<br />

grande expansão da tilapicultura no açude Castanhão,<br />

expansão essa que pode ser atribuída à redução do<br />

volume de água dos demais reservatórios do Ceará,<br />

maioria dos Polos Aquícolas do Estado. Assim, para não<br />

paralisar as atividades, os piscicultores migraram para o<br />

Castanhão, se instalando em fazendas com “base terrestre”,<br />

para atender as demandas de alevinos, e com “base<br />

aquática”, para realizar a recria e terminação (engorda)<br />

em tanques-rede.<br />

O influxo de produtores fortaleceu a cadeia produtiva<br />

da tilápia no Castanhão, mas exigiu do setor o<br />

enfrentamento de grandes desafios, dentre os quais podem<br />

ser citados: implantação de estradas, energia elétrica,<br />

galpões, residências e laboratórios; convivência com<br />

a falta de saneamento básico no local; readequação das<br />

instalações de cultivo, substituindo os tanques-redes de<br />

Não obstante aos desafios enfrentados, em 10<br />

anos de atividade o setor piscícola do Castanhão investiu<br />

em capacitação, incorporou tecnologias inovadoras, adquiriu<br />

novas linhagens genéticas de tilápia (Chitralada,<br />

GIFT, SUPREME e Spring) e desenvolveu protocolos<br />

alimentares mais eficientes, utilizando ração com melhor<br />

balanço nutricional. Também passou a monitorar de forma<br />

sistemática o oxigênio dissolvido e temperatura da<br />

água, adotou programas de imunização dos peixes e de<br />

aproveitamento de resíduos sólidos e o uso de softwares<br />

para o gerenciamento da produção. Isso contribuiu para<br />

a melhoria de índices zootécnicos e econômicos, de forma<br />

que em condições de normalidade é possível obter<br />

taxas de sobrevivência entre 82 a mais de 95%; produção<br />

pequeno volume (6 a<br />

9 m 3 ), pelos de médio<br />

e grande volume<br />

(15 a mais de 150<br />

m 3 ); construção de<br />

plataformas flutuantes<br />

para suportar<br />

operações de estocagem,<br />

classificação,<br />

repicagem, vacinação<br />

e despesca<br />

de grandes volumes<br />

de peixes; atração<br />

de fornecedores de<br />

insumos e serviços<br />

O influxo de<br />

produtores<br />

fortaleceu a<br />

cadeia produtiva<br />

da tilápia no<br />

Castanhão, mas<br />

exigiu do setor o<br />

enfrentamento<br />

de grandes<br />

desafios.<br />

para a região; mortalidades repentinas e de forma massiva<br />

dos peixes cultivados.<br />

Profissionalização do setor<br />

que pode superar 50 kg/m 3 ; conversão alimentar entre<br />

1,4 e 1,8:1; duração do ciclo de cultivo de 140 a 220 dias,<br />

para tilápia com peso médio final de 1,0 kg, com rendimento<br />

acima de 70% para peixes dessa classe de peso; e<br />

lucratividade de R$ 0,50 a 1,00 por kg de peixe produzido.<br />

Graças a isso, Jaguaribara entrou nas estatísticas<br />

como o município com a segunda maior produção de<br />

peixes no <strong>Brasil</strong>, por três anos consecutivos (2014=16,92<br />

mil toneladas; 2015=13,80 mil toneladas; 2016=17,36<br />

mil toneladas), produção essa absorvida, na maior parte,<br />

pelos mercados da grande Fortaleza e região metropolitana,<br />

com destaque para o mercado do Carlito Pamplona,<br />

redes de supermercados e comércio varejista.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

49<br />

© Sergio Almeida


Jaguaribara: Terra da tilápia!<br />

Jaguaribara, município sede do<br />

açude Castanhão, conta com uma população de pouco<br />

mais de 10.000 habitantes, sendo que a cadeia produtiva<br />

da tilapicultura envolve direta e indiretamente<br />

cerca de 2.000 pessoas, cerca de 80 empreendimentos<br />

entre pequeno e médio porte e centenas de produtores<br />

não onerosos, organizados em associações ou<br />

produzindo de forma individualizada. Além disso, a<br />

cadeia produtiva da tilápia envolve: 12 associações de<br />

piscicultores, 01 cooperativa de produtores de tilápia,<br />

cerca de 80 produtores privados não associados; 08<br />

empresas produtoras de alevinos de tilápia, 02 unidades<br />

de pequeno porte para beneficiamento do pescado,<br />

02 fábricas de gelo, 03 metalúrgicas fabricantes<br />

de tanques-rede e equipamentos diversos para auxiliar<br />

a produção, 08 empresas que trabalham com a revenda<br />

de ração e 01 empresa especializada no recolhimento<br />

de resíduos e transformação em óleo de peixe a partir<br />

das vísceras do pescado abatido. Importante destacar<br />

que todos os empreendimentos mantêm pelo menos<br />

um profissional com Graduação na área de conhecimento<br />

das Ciências Agrárias, e alguns dos empreendimentos<br />

mantem parcerias com instituições de ensino<br />

e pesquisa, recebendo alunos em programas de estágios<br />

e de pesquisas.<br />

50<br />

© Elenise Gonçalves<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Início dos problemas<br />

As características do açude, com períodos de<br />

ausência de ventos, dias nublados, entrada de água<br />

nova, temperaturas elevadas (acima dos 30°C) e ocasionais<br />

mudanças da qualidade da água, além de manejo<br />

inadequado de comportas do açude, são apontadas<br />

como os principais responsáveis por mortalidades repentinas<br />

de peixes. Esse fato se agravou nos últimos<br />

anos, em função da redução drástica do volume de<br />

água do açude (31/12/2011 = 73,62%; 15/11/2017 =<br />

2,92% da capacidade de armazenamento).<br />

Em 2015, o setor registrou uma mortalidade<br />

de aproximadamente 2.500 toneladas de peixes, o que<br />

suspendeu a atividade em várias fazendas e levou alguns<br />

produtores a transferirem suas atividades para<br />

reservatórios dos vizinhos Estados da Paraíba, Piauí,<br />

Pernambuco e Bahia.<br />

A espera das chuvas...<br />

Em 2017 os tilapicultores do Castanhão<br />

entraram em compasso de espera para colocar o Ceará<br />

de volta ao ranking dos maiores produtores de peixes<br />

do <strong>Brasil</strong>. Para isso aguardam as águas da transposição<br />

do Rio São Francisco (a previsão inicial era para 2012<br />

e a atual é para 2018), uma vez que são cada vez menores<br />

as expectativas de recuperar o nível das águas do<br />

açude com as poucas chuvas de 2017.<br />

Enquanto aguardam a recuperação do nível<br />

do açude, os tilapicultores vem buscando tecnologias<br />

que diminuam o consumo de água (sistemas de recirculação<br />

de água – RAS; Bioflocos – BFT; cultivos integrados<br />

– Aquaponia, etc). Outra medida importante<br />

diz respeito à realização de estudos técnicos para um<br />

reordenamento dos parques aquícolas e o estabelecimento<br />

de novas diretrizes para o setor. Essa medida<br />

envolve uma parceria entre o DNOCS (órgão que<br />

gerencia o Castanhão), o setor produtivo e os profissionais<br />

da iniciativa privada e do setor público.<br />

Figura 1. Volume de água acumulado no açude Castanhão, no período de janeiro de 2004 a maio de 2017.<br />

Fonte: Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH)/Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME).<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

ARTIGO<br />

51


Artigo<br />

52<br />

© Elisandra Pereira<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


O dia a dia da<br />

compostagem<br />

orgânica:<br />

Manejo, relação C/N e<br />

aplicação<br />

Me. Ivã Guidini Lopes<br />

Laboratório de Compostagem<br />

Centro de Aquicultura da Unesp (CAUNESP)<br />

ivanguid@gmail.com<br />

Dra. Rose Meire Vidotti<br />

Polo Regional Centro Norte<br />

Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios<br />

Profa. Dra. Mara Cristina Pessôa da Cruz<br />

Laboratório de Fertilidade do Solo<br />

Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV/UNESP)<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

53


Minimizar impactos ambientais, aumentar o<br />

caráter sustentável da produção aquícola e possibilitar<br />

o incremento da geração de renda com um novo produto.<br />

Esses são apenas alguns dos múltiplos benefícios<br />

da adoção da compostagem orgânica em empreendimentos<br />

aquícolas, sejam eles piscicultura (alevinagem<br />

e engorda), frigorífico ou mesmo centros de pesquisas<br />

na área. O fato é que não podemos mais ser negligentes<br />

com os resíduos que geramos, pois mesmo quando<br />

o impacto não é visível prontamente, é certo que cedo<br />

ou tarde ele será sentido por todos.<br />

Por ser um método de baixo custo e de fácil<br />

implementação, além de se adequar a praticamente<br />

todos os resíduos sólidos gerados na cadeia,<br />

a compostagem orgânica vem ganhando importância<br />

e maior visibilidade entre aquicultores, os quais, em<br />

sua maioria, não costumam incluir em seus projetos<br />

iniciais a gestão dos resíduos. A falta de planejamento<br />

leva os produtores a iniciarem o projeto de gestão<br />

de resíduos com certa desconfiança e desânimo, pois<br />

estes, de imediato, podem pensar apenas nos gastos<br />

e nas horas de dedicação ao processo que serão subtraídas<br />

das atividades consideradas principais. No<br />

entanto, a gestão dos resíduos gerados em qualquer<br />

produção animal possui tanta importância quanto<br />

qualquer outra atividade típica do empreendimento e<br />

deve ser realizada da forma mais adequada e consciente<br />

possível.<br />

© Elisandra Pereira<br />

Figura 1. Resíduos dispostos em uma pilha de compostagem.<br />

54<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Materiais utilizados e relação C:N<br />

Os resíduos de animais aquáticos variam significativamente<br />

de acordo com o tipo de empreendimento<br />

e incluem, de modo geral, carcaças de peixes<br />

mortos naturalmente em pisciculturas, resíduos do<br />

processamento de diferentes organismos ou mesmo<br />

carcaças oriundas de pesquisas científicas (Vidotti e<br />

Lopes, 2016). Esses resíduos podem ser destinados à<br />

compostagem da maneira como são gerados (p. ex.<br />

carcaças inteiras) (Figura 1), sendo desnecessária<br />

sua moagem. Além destes, para a compostagem<br />

é necessária também a inclusão de um substrato<br />

vegetal, o qual servirá primordialmente como agente<br />

estruturante das composteiras. Existem muitas possibilidades<br />

de substratos vegetais, como por exemplo,<br />

poda de árvores, serragem, cascas e palhas de grãos<br />

(p. ex. arroz, amendoim, milho), que não precisam<br />

estar secos para serem utilizados, pois a umidade<br />

desses materiais contribui de forma significativa para<br />

o bom andamento do processo de compostagem.<br />

Os resíduos de animais servem como fornecedores<br />

de um nutriente importante, o nitrogênio,<br />

enquanto os resíduos vegetais são fontes principais<br />

de carbono. Assim, é importante saber ao menos a<br />

relação carbono: nitrogênio (C: N) dos materiais que<br />

estão sendo utilizados, dado que auxiliará no planejamento<br />

dos manejos a serem feitos nas composteiras.<br />

Por exemplo, a relação C: N de resíduos de animais<br />

aquáticos (carcaças de peixes, camarões e rãs)<br />

pode variar entre 5,0 e 6,5, enquanto a serragem e a<br />

casca de amendoim possuem relações C: N de 257,9 e<br />

38,4, respectivamente. Com isso, é possível planejar a<br />

relação C: N inicial de uma composteira no momento<br />

da montagem.<br />

Em diversos materiais didáticos é possível<br />

encontrar recomendações para a montagem de leiras<br />

com a relação C: N inicial de 30: 1, ou seja, 30 partes<br />

de carbono para 1 parte de nitrogênio (Inácio e<br />

Miller, 2009). No entanto, o cálculo dessas proporções<br />

não se enquadra<br />

para todos os tipos<br />

de resíduos<br />

existentes, como<br />

no caso da compostagem<br />

com<br />

resíduos de animais<br />

aquáticos,<br />

na qual é muito<br />

difícil atingir esse<br />

critério, mesmo<br />

sabendo a quantidade<br />

de C e N<br />

dos resíduos uti-<br />

A gestão dos<br />

resíduos gerados<br />

em qualquer<br />

produção animal possui<br />

tanta importância<br />

quanto qualquer outra<br />

atividade típica do empreendimento<br />

e deve<br />

ser realizada da forma<br />

mais adequada<br />

e consciente<br />

possível.<br />

lizados. Mesmo<br />

assim, é possível<br />

trabalhar com proporções específicas de resíduos de<br />

animais e vegetais e verificar o andamento normal do<br />

processo de compostagem, obtendo-se um composto<br />

orgânico de boa qualidade (Lopes et al., 2017).<br />

Com o passar dos anos, fomos aprimorando<br />

os métodos de compostagem de animais e estabelecendo<br />

procedimentos essenciais, como a necessidade<br />

de altura mínima da leira de 55 cm para<br />

a temperatura atingir os valores recomendados, de<br />

revolvimentos periódicos e da manutenção da umidade<br />

no interior da composteira. Um dos aprendizados<br />

mais importantes foi que a relação C: N é de<br />

difícil equilíbrio. Contudo, vale destacar que apesar<br />

das dificuldades, o andamento da compostagem depende<br />

significativamente do “olho” do responsável<br />

pelo manejo, pois a cada dia surgem problemas novos,<br />

sem procedência, e que devem ser resolvidos<br />

prontamente. Tratando-se da compostagem orgânica,<br />

não há melhor aprendizado do que colocar a mão<br />

na massa e acompanhar o processo com seriedade. O<br />

acompanhamento de uma composteira deve ser feito<br />

diariamente, quanto à:<br />

Temperatura;<br />

Aspecto da pilha (exposição de carcaças ou vazamento de chorume); e<br />

Umidade dos materiais dispostos.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

ARTIGO<br />

55


© Elisandra Pereira<br />

Figura 2. Adição de água em uma composteira com 10 dias de compostagem, para manutenção da umidade no interior e na superfície da pilha.<br />

A temperatura pode ser verificada com a<br />

inserção de um vergalhão de ferro no interior da<br />

composteira, o qual deverá estar quente após a inserção.<br />

Já a exposição de carcaças e o vazamento<br />

de chorume devem ser evitados, adicionando mais<br />

substrato caso necessário. O parâmetro mais difícil<br />

de manter em níveis adequados, sem o uso de<br />

equipamentos específicos é a umidade, a qual dependerá<br />

muito do olho do observador (Figura 2).<br />

Uma composteira com baixa umidade possui<br />

grande quantidade de pó, o qual é levantado no ar<br />

quando se revolve a pilha, enquanto materiais úmidos<br />

não causam esse fenômeno. Além disso, é perceptível<br />

quando o material está úmido pelo seu aspecto geral,<br />

mas essa percepção só é obtida com o tempo. A umidade<br />

da composteira estará visualmente acima dos<br />

níveis recomendados (acima de 60%) quando a temperatura<br />

não atingir altos níveis (próximos a 65 °C) no<br />

primeiro ou segundo dia após a montagem da mesma,<br />

ou quando for perceptível um excesso de chorume<br />

sendo gerado na pilha. Para evitar o vazamento excessivo<br />

de chorume e o excesso de umidade, é recomendada<br />

a adição de mais substrato na composteira, até<br />

que esses eventos parem de ocorrer. Vale ressaltar que<br />

a temperatura no interior da leira estável com a temperatura<br />

ambiente, é o indicativo de que a compostagem<br />

está finalizada, desde que os manejos periódicos<br />

tenham sido realizados corretamente.<br />

56<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Aplicação do composto orgânico no solo<br />

Compostos orgânicos de carcaças de animais<br />

podem ter uso direto, puros ou em mistura com outros<br />

materiais, para composição de substratos utilizados na<br />

produção de mudas de espécies frutíferas e ornamentais,<br />

que já são mercados consumidores de compostos<br />

orgânicos. Além do uso direto, os compostos podem ser<br />

aplicados no solo.<br />

A composição do composto depende da combinação<br />

dos materiais utilizados, entretanto, compostos<br />

produzidos a partir de carcaças de peixes são, de modo<br />

geral, ricos em nitrogênio e fósforo. Uma característica<br />

obrigatória do composto é que ele deve apresentar<br />

relação C: N menor do que 20. A aplicação e incorporação<br />

ao solo de materiais ricos em carbono e pobres em<br />

nitrogênio (com alta relação C: N) não é recomendável,<br />

pois no processo de transformação do composto aplicado<br />

pode haver consumo do nitrogênio mineral do solo<br />

por microrganismos, o que pode resultar em deficiência<br />

temporária de nitrogênio para as plantas e perda de produtividade.<br />

No entanto, obedecendo aos princípios da<br />

compostagem e fazendo manejo adequado do produto<br />

no solo, a aplicação de compostos é altamente benéfica<br />

não só pelo fornecimento de nutrientes às plantas, mas<br />

pelo potencial de aumento do teor de matéria orgânica<br />

do solo. Aumentar o teor de matéria orgânica do solo<br />

não é um processo fácil, mas quando ocorre, o solo<br />

ganha qualidade: melhora a estrutura e a capacidade<br />

de armazenar água e nutrientes, o que é extremamente<br />

importante para manter e melhorar a produtividade das<br />

culturas.<br />

© Elisandra Pereira<br />

Figura 3. Setor de compostagem do Caunesp.<br />

Conclusão<br />

A compostagem dos animais mortos, além de resolver o problema da destinação do resíduo, pode, com<br />

algum investimento, resultar em um produto que permite reciclar nutrientes e melhorar a qualidade do solo, com<br />

geração de renda extra para o aquicultor.<br />

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

ARTIGO<br />

57


Artigo<br />

Segurança do trabalho é<br />

o conjunto de medidas técnicas,<br />

educacionais, médicas e psicológicas,<br />

empregadas para prevenir<br />

acidentes, quer eliminando as<br />

condições inseguras do ambiente,<br />

quer instruindo ou convencendo<br />

as pessoas da implantação de<br />

práticas preventivas (Chiavenato,<br />

2002).<br />

Manter um ambiente<br />

de trabalho seguro e saudável é<br />

obrigação de todos os empregadores<br />

do <strong>Brasil</strong>, independente<br />

do ramo de atividade. Segundo o<br />

Artigo 7º da Constituição Federal<br />

<strong>Brasil</strong>eira, são direitos dos trabalhadores<br />

urbanos e rurais, a<br />

redução dos riscos inerentes ao<br />

trabalho, por meio de normas de<br />

saúde, higiene e segurança. Esta<br />

obrigação constitucional, em muitos<br />

casos, é desrespeitada por algumas<br />

empresas, já que nelas as<br />

normas de saúde e segurança do<br />

trabalho não são postas em prática.<br />

Neste artigo iremos<br />

abordar sobre a segurança do trabalho,<br />

aplicando-a a situações do<br />

dia a dia de quem trabalha com<br />

aquicultura.<br />

58<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


A importância da<br />

Segurança do<br />

Trabalho na<br />

Atividade<br />

Aquícola<br />

Prof. Dr. Renato Teixeira Moreira*<br />

Prof. Dr. Antonio Glaydson Lima Moreira<br />

Prof. Dr. José Reges da Silva Lobão<br />

Instituto Federal do Ceará – IFCE, Campus Morada Nova<br />

*drrtm234@gmail.com<br />

Prof. Esp. Gabriel Teixeira Pinto<br />

Instituto Federal do Ceará – IFCE, Campus Fortaleza<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

© Pedro Haack<br />

59


©brianskerry.com<br />

60<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


O que diz a legislação?<br />

Segundo a Lei 8.213/1991, em<br />

seu artigo 19, o acidente do trabalho<br />

é o que ocorre pelo exercício do trabalho<br />

a serviço de empresa, provocando<br />

lesão corporal ou perturbação funcional<br />

que cause a morte, a perda ou<br />

redução, permanente ou temporária,<br />

da capacidade para o trabalho. Os colaboradores<br />

estão expostos a cortes no<br />

manuseio de equipamentos utilizados<br />

na aquicultura e utensílios como facas,<br />

facões dentre outros, a quedas e<br />

escorregões, choques elétricos, caso os<br />

equipamentos não estejam instalados<br />

e/ou aterrados de forma correta, presença<br />

de plantas urticantes e cortantes,<br />

presença de animais peçonhentos e/ou<br />

insetos nocivos e na manipulação dos<br />

próprios organismos cultivados.<br />

Este último pode ser exemplificado<br />

no cultivo da tilápia-do-Nilo<br />

(Oreochromis niloticus), onde a espécie<br />

apresenta espinhos ósseos nas<br />

nadadeiras, e no cultivo do camarão<br />

Litopenaeus vannamei, que apresenta<br />

uma estrutura pontiaguda na extremidade<br />

da cauda denominada telson.<br />

Ambas estruturas corporais destes<br />

animais, podem provocar cortes,<br />

perfurações e outros ferimentos nos<br />

técnicos que inadvertidamente os manipulam<br />

sem a devida proteção.<br />

Ainda sobre a Lei 8.213/1991,<br />

em seu artigo 21, também considera<br />

como acidente de trabalho, o acidente<br />

de trajeto. Este é ocorrido no percurso<br />

entre a residência e o local de trabalho<br />

ou do local de trabalho para a<br />

residência do trabalhador e também as<br />

doenças (artigo 20) que os empregados<br />

possam adquirir no exercício de suas<br />

funções. A empresa deve comunicar o<br />

acidente do trabalho à Previdência Social<br />

até o primeiro dia útil seguinte ao<br />

dia do ocorrido. Essa Comunicação de<br />

Acidente de Trabalho – CAT, garante<br />

aos trabalhadores os benefícios<br />

previdenciários que porventura lhes<br />

sejam devidos (Lei 8.213/1991, artigo<br />

22).<br />

Os trabalhadores que laboram<br />

tanto em empreendimentos aquícolas<br />

de água salgada, salobra e/ou em ambientes<br />

de água doce, estão constantemente<br />

expostos a outros riscos que<br />

podem comprometer sua segurança<br />

e principalmente sua saúde. Devido<br />

às condições de trabalho, o ambiente<br />

pode tornar-se insalubre. Por<br />

definição, insalubre é considerado<br />

aquele ambiente que, por sua natureza,<br />

condições ou métodos de trabalho,<br />

exponham os empregados a agentes<br />

nocivos à saúde, acima dos limites de<br />

tolerância fixados em razão da natureza<br />

e da intensidade do agente e do tempo<br />

de exposição aos seus efeitos (Art.<br />

189 da CLT). No entendimento geral<br />

da Norma Regulamentadora Nº 15<br />

(NR-15), do Ministério do Trabalho<br />

e Emprego – MTE, insalubridade fica<br />

definida como sendo a exposição a<br />

riscos físicos, químicos e biológicos.<br />

Os trabalhadores de empreendimentos<br />

aquícolas estão constantemente<br />

realizando suas atividades à céu<br />

aberto, em algumas situações expostos<br />

ao sol, consequentemente, submetidos<br />

aos riscos físicos de radiação não ionizante<br />

(raios UV) e calor. Eles também<br />

estão expostos ao risco físico umidade,<br />

caso permaneçam em contato com<br />

a água do ambiente de cultivo sem a<br />

devida proteção, como por exemplo<br />

em procedimento de despesca por arrasto.<br />

Já em relação aos riscos<br />

químicos, estão expostos a materiais<br />

particulados (poeira) característico<br />

de ambientes rurais e sem cobertura<br />

vegetal, e ao pó proveniente dos “finos<br />

da ração” e outros produtos como os<br />

materiais calcários. O uso de conservantes<br />

para manter a qualidade do<br />

pescado pós-despesca, também pode<br />

ser considerado de risco químico. Em<br />

relação aos riscos biológicos, de acordo<br />

com a NR-15, em seu anexo 14, o<br />

trabalhador desta atividade só estará<br />

exposto a este risco caso tenha contato<br />

permanente com carnes, glândulas,<br />

vísceras e sangue de animais que estejam<br />

acometidos com doenças infectocontagiosas.<br />

Isso ocorre devido ao<br />

contato com vírus, bactérias, fungos<br />

ou qualquer outro microrganismo que<br />

possa afetar sua saúde, onde uma simples<br />

lesão ou corte superficial pode levar<br />

a infecção cruzada provocada pelo<br />

agente infeccioso.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

ARTIGO<br />

61


Levantamento dos acidentes de trabalho na aquicultura brasileira<br />

De acordo com o mais recente anuário estatístico<br />

de acidentes do trabalho, divulgado pela Previdência<br />

Social, entre os anos de 2013 e 2015 foram comunicados<br />

221 acidentes (Tabela 1), incluindo os típicos, de trajeto<br />

e doenças, envolvendo trabalhadores na atividade de<br />

aquicultura em água salgada e salobra. Já em aquicultura<br />

de água doce foram comunicados à Previdência Social<br />

291 acidentes, incluindo os típicos, de trajeto e doenças<br />

(Tabela 2). Um outro risco a qual os trabalhadores<br />

estão expostos é o ergonômico. Segundo a Norma<br />

Regulamentadora Nº17 (NR-17) do MTE, não deverá<br />

ser exigido nem admitido o transporte manual de cargas,<br />

por um trabalhador cujo peso seja suscetível de comprometer<br />

sua saúde ou sua segurança. Isso muitas vezes não é<br />

respeitado na aquicultura, já que é constante o manuseio<br />

de peso excessivo, como por exemplo a movimentação<br />

manual de vários sacos de ração ao longo da jornada de<br />

trabalho, fazendo com que os trabalhadores possam ter<br />

problemas (doenças) na coluna vertebral.<br />

De acordo com a NR 06 do MTE, toda empresa<br />

é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente,<br />

Equipamento de Proteção Individual (EPI) adequado<br />

ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento,<br />

orientações e treinamentos quanto ao uso<br />

adequado destes equipamentos. Já na NR 31, que, entre<br />

outros ramos de atividade, cita obrigações sobre saúde<br />

e segurança do trabalho na Aquicultura, o empregador<br />

rural, de acordo com as necessidades de cada atividade,<br />

deve garantir ao empregado, equipamentos de proteção<br />

individual, dos quais podemos destacar para atividades<br />

aquícolas, chapéu ou outra proteção contra o sol, chuva<br />

e salpicos; protetores faciais contra lesões ocasionadas<br />

por partículas, respingos, vapores de produtos químicos<br />

e radiações luminosas intensas; óculos contra a ação da<br />

poeira e do pólen; protetores auriculares para as atividades<br />

com níveis de ruído prejudiciais à saúde; proteção<br />

das vias respiratórias, luvas e mangas de proteção contra<br />

lesões ou doenças provocadas por materiais ou objetos<br />

escoriantes ou vegetais, abrasivos, cortantes ou perfurantes<br />

e picadas de animais peçonhentos; botas impermeáveis<br />

e antiderrapantes para trabalhos em terrenos<br />

úmidos e/ou lamacentos; botas com solado reforçado,<br />

onde haja risco de perfuração; calçados fechados, jaquetas,<br />

aventais, entre outros.<br />

Tabela 1. Acidentes notificados na atividade aquícola praticada em ambientes de água salobra ou salgada nos anos de 2013 a 2015.<br />

Tipo<br />

Tipo<br />

de<br />

de<br />

Acidente<br />

Acidente<br />

Aquicultura<br />

Aquicultura<br />

em<br />

em<br />

água<br />

água<br />

salgada<br />

salgada e<br />

salobra<br />

salobra<br />

2013<br />

2013<br />

2014<br />

2014<br />

2015<br />

2015<br />

Típico<br />

Típico<br />

56<br />

56<br />

48<br />

48<br />

55<br />

55<br />

Trajeto<br />

Trajeto<br />

17<br />

17<br />

23<br />

23<br />

19<br />

19<br />

Doenças<br />

Doenças 0 3 0<br />

Total<br />

Total<br />

73<br />

73<br />

74<br />

74<br />

74<br />

74<br />

Tabela 2. Acidentes notificados na atividade aquícola praticada em ambientes de água doce nos anos de 2013 a 2015.<br />

Tipo de Acidente Aquicultura em água doce<br />

2013 2014 2015<br />

Típico 115 76 63<br />

Trajeto 12 12 12<br />

Doenças 1 0 0<br />

Total 128 88 75<br />

62<br />

ARTIGO<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Conclusões<br />

Para finalizar é importante ressaltar o comprometimento<br />

em cumprir as normas de saúde e segurança<br />

do trabalho, não só para as atividades aquícolas, mas<br />

para todas as atividades realizadas em ambiente rural.<br />

Assim como é muito importante que os empregadores<br />

comuniquem, de forma oficial, todos os<br />

acidentes de trabalho, seja ele típico, trajeto ou doenças<br />

adquiridas no trabalho. Esta comunicação, além de garantir<br />

aos empregados seus direitos previdenciários,<br />

mantém os dados estatísticos de acidentes de trabalho,<br />

que ocorrem na atividade aquícola atualizados. Essa não<br />

é uma forma de punir o empresário, mas sim de possibilitar<br />

o desenvolvimento de melhores práticas laborais<br />

e construir uma atividade mais responsável, segura e<br />

saudável.<br />

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos<br />

©thebalance.com


A rt i g o s pa r a cur t i r<br />

e compa rt i l h a r<br />

Aquaponia em RAS!<br />

Editada pelo brasileiro Wagner Cotroni Valenti, em parceria com os pesquisadores A. A. Van Dam e W.<br />

Zhang, a revista científica <strong>Aquaculture</strong> Reports é mais um periódico científico superinteressante e disponível online<br />

para consultas em geral.<br />

Em seu 7º volume (páginas 77-82, agosto de 2017), foi publicado o artigo “Valuation of vegetable crops<br />

produced in the UVI Commercial Aquaponic System”, de autoria de Donald S. Bailey e Rhuanito S. Ferrarezi. O<br />

trabalho está na lista dos mais baixados da <strong>Aquaculture</strong> Reports e, de fato, vale a pena a leitura!<br />

O sistema “UVI Commercial Aquaponic” foi projetado<br />

com intuito de produzir peixes e vegetais<br />

em um sistema de recirculação aquícola;<br />

Os aquicultores podem produzir uma variedade<br />

de culturas ou se especializarem nas culturas<br />

mais valiosas para aumentar a lucratividade;<br />

Cada ciclo produz um valor diferente por unidade<br />

de área. Neste contexto, a seleção de variedades é<br />

importante visando o maior retorno do investimento.<br />

Confira os resultados do trabalho e o artigo completo no link:<br />

https://doi.org/10.1016/j.aqrep.2017.06.002<br />

64<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


C h a r g e s<br />

Fonte de cálcio?<br />

Brincadeira tem hora!<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

65


BIOTECNOLOGIA DE ALGAS<br />

Sistemas de Cultivo de<br />

Microalgas – Parte II<br />

Dr. Roberto Bianchini Derner<br />

Laboratório de Cultivo de Algas<br />

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)<br />

Florianópolis, SC<br />

roberto.derner@ufsc.br<br />

S<br />

eguindo com o assunto sobre a produção de microalgas,<br />

a escolha do sistema de cultivo a ser implantado<br />

deve ser feita levando em consideração o<br />

produto a ser obtido e/ou a sua aplicação. Na literatura<br />

são encontrados artigos apontando tanto as vantagens<br />

e desvantagens dos sistemas abertos quanto dos sistemas<br />

fechados, entretanto, é consenso que os sistemas<br />

abertos têm menores custos de implantação e<br />

de operação e manejo simplificado, no entanto, não<br />

permitem o controle dos parâmetros ambientais que<br />

implicam no crescimento das culturas e na qualidade<br />

da biomassa. Tanto em sistemas abertos quanto em<br />

sistemas fechados é possível a aplicação de diferentes<br />

Métodos de Cultivo: Estacionário (batelada ou<br />

“batch”), Semicontínuo ou Contínuo; que podem implicar<br />

em grandes variações na produtividade das culturas,<br />

no valor nutricional da biomassa e nos custos de<br />

produção. Quase como uma regra, nos cultivos para a<br />

alimentação dos organismos de aquicultura (rotíferos,<br />

copépodes, artêmias, cladóceros, larvas de camarões e<br />

moluscos etc.) a produção de microalgas é desenvolvida<br />

com o emprego do Método Estacionário, no qual<br />

um recipiente (garrafa, bolsa plástica, cilindro, tanque<br />

etc.) é enchido com água tratada (através de filtração,<br />

cloração, UV ou ozônio, p. ex.), logo são adicionados<br />

os nutrientes e na sequência é feita a inoculação (geralmente<br />

uma cultura com menor volume). Esta cultura<br />

é mantida por algum tempo - sem qualquer manejo,<br />

enquanto as microalgas se multiplicam por sucessivas<br />

divisões mitóticas, e após alguns dias é integralmente<br />

66<br />

COLUNA<br />

Figura 1. Curva de crescimento de uma cultura de microalgas em cultivo do tipo/método estacionário (batelada ou “batch”).<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


empregada na alimentação dos organismos, ou pode servir<br />

de inóculo para o desenvolvimento de culturas com maior<br />

volume. Neste método de cultivo o crescimento das culturas<br />

pode ser representado por uma Curva de Crescimento<br />

(Figura 1) que apresenta (teoricamente) cinco fases distintas:<br />

1) Fase de Aclimatação (Indução ou Lag),<br />

na qual as células microalgais recém inoculadas podem<br />

sofrer temporariamente alguma forma de estresse por conta<br />

das novas condições ambientais (irradiância, concentração<br />

de nutrientes, pH, temperatura etc.), e até ocorrer a morte<br />

de parte das células em casos de estresse extremo - na prática,<br />

isto ocorre por falta de atenção ou de conhecimento do<br />

microalgicultor;<br />

2) Fase Exponencial (Log), na qual a multiplicação<br />

celular é intensa e constante. Ao final desta fase<br />

(Fase Exponencial Tardia) as culturas alcançam elevada<br />

densidade celular e as células têm significativos teores de<br />

proteínas e de ácidos graxos poli-insaturados, assim apresentam<br />

a melhor qualidade nutricional para uso na alimentação<br />

em aquicultura. Além disso, em geral a contaminação<br />

microbiana - sempre presente em culturas em maior escala<br />

– ainda permanece em baixo nível. Cabe apontar que o<br />

crescimento das culturas decorre da assimilação (ou consumo)<br />

dos nutrientes do meio de cultura e, recomendamos<br />

o desenvolvimento de estudos da nutrição das microalgas<br />

visando que os nutrientes sejam integralmente consumidos<br />

até o final desta fase;<br />

3) Fase de Redução do Crescimento<br />

Relativo, onde, por conta da diminuição da passagem da<br />

luz para o interior da cultura causado pelo autossombreamento<br />

- e não necessariamente pela falta de nutrientes –<br />

ocorre redução na taxa de divisão celular;<br />

4) Fase Estacionária, na qual, devido ao agravamento<br />

do autossombreamento e da depleção dos nutrientes,<br />

a taxa de divisão celular é contrabalançada pela taxa<br />

de morte, assim, a densidade celular permanece constante<br />

por algum tempo. A limitação do crescimento da cultura<br />

causa intensas alterações metabólicas que refletem na composição<br />

bioquímica da biomassa, e que podem levar à perda<br />

do valor nutricional, mas isto pode ser interessante se o<br />

objetivo é a extração de alguns pigmentos, ácidos graxos<br />

saturados e outros produtos de valor comercial;<br />

5) Fase de Morte, quando as condições de cultivo<br />

já não mais permitem o desenvolvimento da cultura.<br />

Apesar da informação geral sobre o cultivo de<br />

microalgas, é incomum que nos laboratórios tenham sido<br />

desenvolvidos estudos para o conhecimento da máxima<br />

densidade celular (ou biomassa) possível de ser alcançada<br />

nos sistemas de cultivo – é ainda menos comum que<br />

seja conhecido o momento em que a biomassa apresenta<br />

o maior valor nutricional para os organismos a serem<br />

alimentados. Em geral, alguém decidiu (sem conhecimento<br />

aprofundado) que as culturas em cultivo estacionário<br />

estão “prontas” em três dias, por exemplo, e daí aquela<br />

informação é propagada ad aeternum. Ocorre que, na<br />

maioria dos casos, neste tempo de cultivo as culturas ainda<br />

não atingiram a maior densidade celular possível de ser<br />

alcançada naquelas condições de cultivo, podendo levar<br />

a um gasto desnecessário de água e de nutrientes. Dentre<br />

diversos pontos que precisam ser considerados, um muito<br />

importante é que o nitrogênio do meio de cultura (usualmente<br />

nitrato) quando não corretamente dosado pode levar<br />

a um consumo luxuriante (excessivo e sem vantagem<br />

para o desenvolvimento da cultura) e, pior, caso ainda esteja<br />

em elevada concentração no momento de uso da cultura<br />

na alimentação dos organismos pode se tornar tóxico<br />

(nitrogênio amoniacal) para estes organismos. Portanto, o<br />

profundo conhecimento dos sistemas de cultivo e, principalmente,<br />

do metabolismo das microalgas é fator determinante<br />

nos laboratórios, quando devem ser considerados os<br />

custos de produção, e principalmente a qualidade das culturas<br />

e da biomassa.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

COLUNA<br />

67


Green Technologies<br />

A<br />

Bioflocos:<br />

todas as espécies são aptas?<br />

no após ano depois de diversas visitas, cursos e<br />

treinamentos realizados no <strong>Brasil</strong> e fora dele, cada vez<br />

mais venho escutando nas rodas “informais” de conversas<br />

sobre o potencial e aplicação do sistema de bioflocos para<br />

diferentes espécies de organismos aquáticos. Mas afinal, quais<br />

seriam os fatores que devem ser levados em consideração<br />

antes de escolher uma espécie? Durante muito tempo, precisamente<br />

desde 2011 no meu primeiro curso ministrado<br />

sobre BFT realizado no México, sempre indago e questiono<br />

• Hábito alimentar filtrador e/ou detritívoro: neste<br />

sentido haveria um melhor aproveitamento dos<br />

agregados microbianos, com consumo direto dos<br />

bioflocos e consequentemente redução na conversão<br />

alimentar e economia com rações;<br />

• Aparato morfológico adequado: como rastros<br />

branquiais mais desenvolvidos nos peixes<br />

e maxilípedes diferenciados nos camarões, onde<br />

facilitaria a apreensão das partículas suspensas e/<br />

ou aderidas em algum substrato (biofilme);<br />

• Tolerantes a níveis intermediários dos compostos<br />

nitrogenados: visando um melhor enfrentamento<br />

dos picos de amônia e nitrito que normalmente<br />

ocorrem durante os ciclos produtivos;<br />

• Tolerantes aos sólidos suspensos: presentes<br />

nos sistemas e que devem ser monitorados e, se<br />

necessário, controlados, visando o bem-estar da<br />

espécie e a manutenção da qualidade de água do<br />

cultivo;<br />

• Tolerante a altas densidades de estocagem: item<br />

importante para uma correta formação dos bioflocos<br />

e ajudando a viabilizar o sistema;<br />

• Preferencialmente de ciclo curto de produção:<br />

“fugindo” dos riscos inerente de qualquer cultivo<br />

intensivo;<br />

• Possuir bom valor de mercado: justificando os<br />

altos custos de investimento necessários para o<br />

sistema.<br />

Dr. Maurício Gustavo Coelho Emerenciano<br />

UDESC, Laguna, SC<br />

mauricioemerenciano@hotmail.com<br />

os participantes sobre quais seriam os fatores que devem ser<br />

levados em consideração antes de escolher uma espécie apta.<br />

Muitas vezes nossas “fronteiras” são limitadas às tilápias e aos<br />

camarões marinhos Litopenaeus vannamei. Mas em diversas<br />

regiões do <strong>Brasil</strong> e também em outros países, outras espécies<br />

desempenham papel fundamental na aquicultura regional e<br />

o sistema BFT poderia ser uma alternativa, ao menos em alguma<br />

etapa de produção. Neste sentido alguns pontos devem<br />

ser atendidos ou levados em consideração, tais como:<br />

Figura 1. Exemplos de espécies alternativas como piracanjuba Brycon orbignyanus e pacu<br />

Piaractus mesopotamicus sendo testadas no Laboratório de Aquicultura da Universidade do<br />

Estado de Santa Catarina (UDESC), Campus Laguna-SC.<br />

Estes são apenas alguns fatores, mas certamente com<br />

o avanço da ciência nas Universidades e Centros de pesquisa,<br />

somados às experiências da iniciativa privada, vamos ampliar<br />

os horizontes do conhecimento e poder aplicar com maior<br />

segurança este desafiador sistema (BFT) nas espécies alternativas<br />

brasileiras e mundiais. É ver para crer! Nas próximas<br />

colunas iremos relatar algumas experiências que deram certo<br />

e perspectivas para o futuro do sistema BFT para espécies alternativas!<br />

© Tayna Sgnaulin<br />

68<br />

COLUNA<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Empreendedorismo<br />

Aquícola<br />

André Camargo<br />

Escama Forte<br />

andre@escamaforte.com.br<br />

Q<br />

ue temos os maiores potenciais do mundo para<br />

produção de peixes tropicais de água doce, todos<br />

já estamos cansados de saber, porém muito pouco<br />

se fala nos enormes potenciais que temos para a<br />

produção de peixes tropicais de água salgada. Falamos<br />

pouco pois trata-se de um potencial ainda mais distante.<br />

O mar oferece uma realidade distinta da água<br />

doce que torna o processo muito mais difícil de se<br />

transformar em realidade produtiva.<br />

Se pensarmos em pacote tecnológico, a piscicultura<br />

marinha encontra-se um pouco atrás, pois a<br />

alevinagem comercial, por exemplo, somente há poucos<br />

anos foi dominada de forma a garantir a instalação<br />

de unidades de engorda em todo o País. Contamos<br />

com apenas duas espécies com volume comercial, o<br />

bijupirá (Rachycentron canadum) e a garoupa (Epinephelus<br />

marginatus), enquanto na água doce temos<br />

mais de 20 espécies em produção. Mas serão estes os<br />

motivos pelos quais a atividade ainda não deslanchou?<br />

Não! A piscicultura marinha possui um dificultador<br />

maior que torna o processo muito mais complicado: o<br />

Mar. Este ambiente exige mais em todos os pontos de<br />

vista: investimentos, instalações, tecnologia, logística<br />

e assim por diante. Se na água doce já é difícil viabilizar<br />

pequenos projetos, na água salgada isso passa<br />

a ser praticamente impossível. Os investimentos<br />

necessários em processos básicos como embarcações,<br />

tanques-rede, fundeio das estruturas, entre outros, são<br />

caros e devem ser planejados de forma extremamente<br />

profissional para que o dinheiro investido não se perca.<br />

Projetos como os das empresas Redemar<br />

Alevinos, da Fazenda Marinha Ilha de Búzios e da<br />

Maricultura Costa Verde, devem e com certeza serão<br />

extremamente valorizados pela aquicultura brasileira,<br />

pois o pioneirismo empenhado por estes empresários<br />

é digno de reverência por todos aqueles que sabem o<br />

quanto foi difícil chegar até aqui. Não podemos deixar<br />

de citar também os esforços realizados pelos pesquisadores<br />

de universidades e institutos de pesquisa, com<br />

destaque para UFSC, FURG, UFC, Instituto de Pesca,<br />

entre outros.<br />

Agora, uma coisa é fato, este pioneirismo<br />

ajudou o <strong>Brasil</strong> a caminhar e a estarmos cada vez mais<br />

O que é nosso está<br />

guardado<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

próximos de encontrar o caminho para investimentos<br />

de maior porte que venham a originar a indústria<br />

da piscicultura marinha brasileira. Indústria que tem<br />

tudo para ser muito grande e forte, levando para o<br />

<strong>Brasil</strong> e o mundo um pescado de alto valor agregado<br />

que não pode mais ser ofertado pela indústria da pesca<br />

extrativa. Portanto caros leitores, o que é do <strong>Brasil</strong><br />

está guardado e quando se tornar realidade será feito<br />

de forma triunfal.<br />

COLUNA<br />

69<br />

© André Camargo


NUTRIÇÃO<br />

Manejo alimentar<br />

Parte II:<br />

Taxa de arraçoamento<br />

Dr. Artur Nishioka Rombenso<br />

Laboratório de Nutrição, Instituto de Oceanografia,<br />

Universidade Autônoma de Baja California, Ensenada, México.<br />

artur.nishioka@uabc.edu.mx<br />

N<br />

a coluna passada apresentei o conceito de<br />

manejo alimentar e abordei com maiores<br />

detalhes a frequência alimentar. Se você<br />

ainda não teve a oportunidade de lê-la, recomendo<br />

que busque a edição número 8! Hoje continuarei<br />

no mesmo assunto, porém tratando sobre a taxa de<br />

arraçoamento. Vale ressaltar novamente que existe<br />

uma sinergia entre a frequência alimentar e a taxa<br />

de arraçoamento, portanto, para resultados mais<br />

precisos, recomendo avaliar esses dois parâmetros<br />

em conjunto através de um desenho experimental<br />

fatorial. A taxa de arraçoamento consiste na<br />

quantidade (em unidades de peso como kg e g) de<br />

alimento ofertado diariamente, que pode ser: (1)<br />

preestabelecida em função da porcentagem de biomassa<br />

de um tanque que, para muitas espécies de<br />

peixes, por exemplo, pode variar entre 3% e 7%; ou<br />

(2) baseada na saciedade aparente, a qual é definida<br />

pela redução do frenesi alimentar dos organismos,<br />

porém é algo subjetivo, variando de acordo com o<br />

bom senso de cada um. Ambas têm suas vantagens<br />

e desvantagens, e são utilizadas dependendo do objetivo<br />

da alimentação, sistema experimental ou de<br />

criação, espécie em questão, fase do ciclo de vida,<br />

entre outros fatores.<br />

É fato que quanto mais alimentarmos um<br />

organismo, mais ele crescerá, porém isso ocorre até<br />

certo ponto. O mais importante a ser considerado<br />

é o quão eficiente será o crescimento, pois o excesso<br />

de alimento pode alterar a composição proximal<br />

(principalmente acúmulo de gordura no filé e na<br />

região intraperitoneal), aumentar o fluxo gastrointestinal<br />

(aumento de fezes), aumentar o desperdício<br />

de alimento e ainda aumentar a entrada de nutrientes<br />

no sistema de criação, deteriorando a qualidade<br />

da água do mesmo.<br />

Como ilustração, cito um experimento<br />

realizado com juvenis de 3g do peixe marinho<br />

enxada (Chaetodipterus faber, de potencial aquícola<br />

comercial e ornamental) alimentados com duas frequências<br />

alimentares (1 e 3 vezes ao dia) e três taxas<br />

de arraçoamento (3, 5 e 7% da biomassa). Foi utilizada<br />

uma ração comercial de 1,4 mm para peixes<br />

marinhos com 50% de proteína bruta, 10% de lipídio,<br />

3% de fibra e 16% de cinzas. Após 39 dias, observamos<br />

que quanto maior a taxa de arraçoamento<br />

maior o crescimento, e quanto mais frequente<br />

a alimentação maior o crescimento, independente<br />

da taxa de arraçoamento. Assim, para essa espécie,<br />

tamanho de organismo, tipo de alimento e sistema<br />

de criação, a melhor frequência alimentar foi de 3<br />

vezes ao dia. Já em relação a taxa de arraçoamento,<br />

vale ressaltar que apesar do maior crescimento<br />

dos peixes alimentados a 7% da biomassa, o mesmo<br />

é menos eficiente que 5% da biomassa. Nesse mesmo<br />

estudo foram observados acúmulo de lipídio<br />

e redução de proteína na composição proximal de<br />

peixes inteiros conforme o aumento da taxa de arraçoamento.<br />

Para mais informações, sugiro a leitura<br />

do artigo Trushenski et al., (2012).<br />

O intuito dessas duas últimas colunas foi<br />

demonstrar a importância do regime alimentar<br />

na aquicultura e sua influência na produção,<br />

na qualidade nutricional do produto final, na<br />

sustentabilidade e viabilidade da fazenda.<br />

70<br />

COLUNA<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Figura 1. Crescimento (peso final individual) de juvenis de peixe enxada alimentados<br />

com diferentes frequências alimentares (1 e 3 vezes ao dia) e taxas de arraçoamento<br />

(3, 5 e 7% da biomassa) por 39 dias. (Trushenski et al., 2012).<br />

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/colunas<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

71


ATUALIDADES & TENDÊNCIAS<br />

NA AQUICULTURA<br />

Fenacam 2017:<br />

um mar de otimismo<br />

Fábio Rosa Sussel - Zootecnista, Dr.;<br />

Pesquisador científico da Apta - UPD<br />

Pirassununga, SP.<br />

sussel@apta.sp.gov.br<br />

A<br />

té já tinha um outro artigo começado para esta<br />

edição, porém, após ter participado da Fenacam<br />

2017 achei mais pertinente deixar registrado o<br />

meu relato sobre o evento. Tecnicamente impecável<br />

e comercialmente fantástico. Recorde de público<br />

e de negócios concretizados. Palestras da programação e<br />

eventos paralelos disputados. Entre outras observações,<br />

estas listadas representam bem o que foi o evento.<br />

Notou-se ainda uma postura diferente do público<br />

presente. Tanto estudantes quanto produtores,<br />

extremamente interessados em novas informações, tecnologias.<br />

Fazendas enviaram seus funcionários para<br />

conhecer o evento e as novidades do setor. O otimismo<br />

estava estampado no rosto de todos.<br />

Com todos os expositores que conversei, a<br />

reação foi a mesma: “Superou a melhor das expectativas.<br />

” E com uma particularidade bem interessante:<br />

preferência por produtos e marcas mais conceituadas,<br />

tecnificadas. Ou seja, estão captando a mensagem que o<br />

novo momento da aquicultura exige profissionalismo e<br />

dedicação. É possível sim conviver com a mancha branca<br />

e é viável financeiramente investir, mas é necessário<br />

mudar a postura para produzir.<br />

Me chamou a atenção ainda a participação expressiva<br />

da piscicultura no evento. Paralelamente ao<br />

XIV Simpósio Internacional de Carcinicultura ocorria<br />

também o XI Simpósio Internacional de Aquicultura,<br />

onde as palestras eram mais voltadas para a parte de<br />

peixes. Piscicultores de todas as regiões do país estavam<br />

presentes no evento. Aliás, que bela iniciativa da ABCC<br />

abrir mão de qualquer vaidade e pensar na aquicultura<br />

como um todo. É de iniciativas assim que precisamos<br />

cada vez mais.<br />

Por sinal, está mais que na hora de pensarmos<br />

em uma associação nacional que represente a aquicultura<br />

como um todo. Não tenho dúvidas que seria muito<br />

mais estratégico levar nossas reivindicações por meio<br />

de uma representação nacional bem consolidada (e temos<br />

condições pra isto) que continuarmos vinculados<br />

(e sem representatividade) a pesca extrativa. Por que não<br />

a fusão da Peixe BR e ABCC? Precisamos urgentemente<br />

pensar na aquicultura como um todo. Por casualidade,<br />

no intervalo de uma semana tive a grata oportunidade<br />

de conversar sobre este assunto com Itamar Rocha<br />

(Presidente da ABCC) e Ricardo Neukirchner (Presidente<br />

da Peixe BR). Ficou claro para mim o entendimento<br />

e o desejo de fusão entre as duas entidades. Peixe<br />

BR tem muito a agregar com a ABCC e vice-versa.<br />

Algumas “vaidades” (não sei se seria este o termo<br />

mais adequado) precisam ser superadas. O mais<br />

importante é que ambos os lados possuem o entendimento<br />

da importância disso. Uma associação nacional<br />

forte com seus respectivos representantes estaduais.<br />

Lembrando da necessidade urgente de conscientizar<br />

todos os associados e envolvidos que associação não é<br />

para ajudar produtores em suas particularidades. E sim<br />

representatividade dos interesses comuns. Associação é<br />

para reivindicar e não reclamar. Vale a pena refletir sobre<br />

o assunto.<br />

Voltando a Fenacam 2017, sem sombra de dúvidas<br />

o maior evento da aquicultura brasileira dos últimos<br />

anos. Evento técnico e objetivo, que conciliou transferência<br />

de tecnologias e negócios. Fica o exemplo para<br />

todos os outros eventos técnicos e científicos a serem<br />

realizados no <strong>Brasil</strong>: quanto de dinheiro público será<br />

usado, qual a abrangência do evento e qual o resultado<br />

prático esperado/obtido?<br />

72<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

Figura 1. Vista a partir do Centro de Convenções de Natal - Fenacam 2017


RANICULTURA<br />

MONITORAMENTO DA<br />

QUALIDADE DA ÁGUA:<br />

CONCEITOS INICIAIS<br />

Dr. Andre Muniz Afonso<br />

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Palotina, PR.<br />

andremunizafonso@gmail.com<br />

C<br />

aros leitores, pode parecer surreal, mas existe um<br />

grande grupo de produtores que nunca avaliou<br />

a qualidade da água que abastece a sua propriedade.<br />

O mesmo pode ser extrapolado para a quantidade,<br />

também conhecida como vazão. A produção aquícola<br />

tem a sua base na água, ela é, sem sombra de dúvida, o<br />

elemento mais importante da aquicultura. As soluções<br />

e os problemas passam por ela, inclusive, a causa destes<br />

pode estar nela. Sendo assim, a pergunta é: “-Por que<br />

isso ocorre?” Falta amadurecimento no setor produtivo<br />

aquícola nacional. Quando vemos as notícias recentes da<br />

proibição da importação do pescado brasileiro por mercados<br />

tradicionais, nos deparamos com essa triste realidade.<br />

O país ainda não amadureceu para o que pode ser<br />

uma das suas grandes riquezas econômicas!<br />

Para começar a falar da água de abastecimento,<br />

assim como faço com meus alunos, antes de entrar no<br />

detalhamento dos quesitos de qualidade da água, é importante<br />

falar sobre a quantidade disponível. Pelo que foi<br />

exposto no início, quando não se sabe a vazão, principalmente<br />

na época de secas, não se tem a real dimensão<br />

do quanto de água disponível existe para a execução do<br />

projeto aquícola. Ainda que existam modernos sistemas<br />

Figura 1. Exemplo de filtro mecânico e biológico compartimentalizado.<br />

de recirculação e de reaproveitamento de água, e acredito<br />

que o caminho seja aprimorá-los e adotá-los mesmo, a<br />

noção da quantidade de água disponível para o sistema<br />

por dia é fundamental para iniciar qualquer aquicultura.<br />

Outro fator de importância se refere à fonte da<br />

água de abastecimento, que pode limitar todo o planejamento<br />

inicial de uma ranicultura. Normalmente encontramos<br />

ranários que utilizam água proveniente de<br />

poço semiartesiano ou artesiano, de rios, de córregos, de<br />

represas e de nascentes na própria propriedade. Poucos<br />

são aqueles que se utilizam de água encanada tratada,<br />

principalmente por conter cloro, prejudicial a girinos<br />

e a reprodutores. Em todos os casos, ao se elaborar um<br />

projeto de ranicultura, deve-se atentar para o volume<br />

de água que será utilizado por dia, prevendo-se as futuras<br />

expansões e estimando-se um reservatório de pelo<br />

menos três vezes esse valor, de modo a evitar aqueles imprevistos<br />

que acontecem na sexta-feira à noite e que não<br />

poderão ser resolvidos no final de semana.<br />

Uma vez estabelecido o volume, o segundo passo<br />

é a análise fisicoquímica e microbiológica da água,<br />

realizada em laboratórios da rede privada ou pública.<br />

Ainda que esses valores sejam compatíveis com uma<br />

boa qualidade de água, recomenda-se a instalação de filtros,<br />

que podem ser construídos pelo próprio produtor<br />

e irão servir como grandes aliados na manutenção da<br />

qualidade da água e como barreiras físicas à entrada de<br />

problemas externos ao ranário. A água, por ser veículo<br />

de patógenos, por exemplo, pode determinar o sucesso e<br />

o fracasso de um ranário muito bem estruturado.<br />

Os filtros mais comuns podem ser do tipo<br />

mecânicos, químicos, biológicos, um misto de dois ou<br />

mais de dois desses fatores, ou ainda purificadores. Têm<br />

como propósito a separação e a eliminação de partículas<br />

físicas, químicas ou biológicas da água, tais como sólidos<br />

de argila em suspensão na água, ferro e ovos de parasitas,<br />

respectivamente. Ainda que existam argumentos<br />

para invalidá-los, são sempre bem-vindos, uma vez que<br />

seu custo-benefício se prova na eficiência produtiva dos<br />

modelos que o adotam, independentemente da escala<br />

utilizada.<br />

O assunto da água ideal para a ranicultura se<br />

estende, portanto, esses comentários iniciais são apenas<br />

uma introdução ao assunto, que será desbastado em futuras<br />

colunas... até breve!<br />

SAUDAÇÕES RANÍCOLAS!<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

COLUNA<br />

73


Aquicultura de Precisão<br />

“Precisão nas pesquisas aplicadas”<br />

Dr. Eduardo Gomes Sanches - Instituto de Pesca / APTA/SAA, Ubatuba, SP<br />

esanches@pesca.sp.gov.br<br />

R<br />

ecentemente li um editorial de Carole R. Engle, editor<br />

do Journal of the World <strong>Aquaculture</strong> Society, intitulado<br />

“High-Impact Research: The Critical Need for<br />

Strong Engagement with <strong>Aquaculture</strong> Producers” (traduzindo:<br />

Pesquisas de alto impacto: as críticas necessárias<br />

para um forte envolvimento com o setor produtivo da<br />

aquicultura) e resolvi escrever esta coluna baseado nas<br />

discussões sobre este assunto que tive com minha colega, a<br />

Dra. Vanessa Villanova Kuhnen. O editor discorre sobre a<br />

importância em produzir pesquisas que gerem resultados<br />

com potencial para publicação em periódicos científicos<br />

de elevado fator de impacto (termo relacionado com o<br />

número de citações que recebe um artigo). Ele destaca a<br />

importância dos pesquisadores ao realizarem pesquisas<br />

não apenas em seus laboratórios, mas nos empreendimentos<br />

comerciais de aquicultura. Acho que seria “chover no<br />

molhado” discutir a relevância destas afirmações. Mas<br />

onde podemos chegar com esta abordagem simplificada<br />

do problema? E o que está acontecendo hoje no <strong>Brasil</strong>?<br />

Há mais de duas décadas trabalho com pesquisa<br />

em aquicultura. Desde minha graduação sempre fui ligado<br />

ao segmento produtivo da aquicultura, seja implantando<br />

cultivos, realizando atividades de assessoria e consultoria<br />

e até mesmo produzindo peixes. O que tenho visto,<br />

ao longo do tempo, foi realmente um significativo distanciamento<br />

entre as necessidades do setor produtivo e as<br />

pesquisas realizadas pela academia (onde podemos incluir<br />

as universidades e outras instituições de ensino, pesquisa<br />

e extensão). Mas posso garantir, por experiência própria,<br />

que este distanciamento nem sempre ocorre por vontade<br />

das partes mas sim pelas necessidades ditadas por entidades<br />

diversas que estabelecem as “regras do jogo”. Existe<br />

uma expressiva dificuldade de publicar, em periódicos de<br />

elevado impacto, artigos que apresentem pouca precisão<br />

estatística (ex. poucas réplicas) e que não abordem fronteiras<br />

do conhecimento. Por outro lado, as demandas do<br />

segmento produtivo apresentam muitas interfaces que<br />

exigem estudos em períodos de tempo mais prolongados,<br />

com indivíduos de maior peso, o que consequentemente,<br />

exigirá mais espaço e infra-estrutura para realização das<br />

réplicas exigidas para precisão estatística e a obtenção de<br />

resultados confiáveis. Por exemplo, os estudos de nutrição<br />

de peixes marinhos, são feitos, em sua maioria com formas<br />

© Eduardo Sanches<br />

Figura 1. Pesquisa em fazendas.<br />

jovens, e em curtos períodos de experimentação. Decorre<br />

que os maiores desafios da cadeia produtiva estão na nutrição<br />

de peixes de maior peso (acima de 500 gramas) até o<br />

peso comercial (muitas vezes acima de 3 kg). Desta forma,<br />

podemos ver a dificuldade em transpor este desafio para<br />

compor parcerias.<br />

Claro que este assunto é bem mais complexo que<br />

isto, mas dizer simplesmente que o pesquisador deve se<br />

aproximar e desenvolver seus trabalhos junto ao segmento<br />

produtivo, sem considerar as dificuldades inerentes<br />

do rigor no delineamento amostral que os periódicos<br />

74<br />

COLUNA<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


científicos exigem para publicação,<br />

me parece uma forma de apenas<br />

“falar o que os ouvidos gostam de<br />

ouvir”...<br />

© Eduardo Sanches<br />

Pensem em como é difícil<br />

um pesquisador entender a<br />

dinâmica de um empreendimento<br />

de aquicultura. Agora imaginem<br />

um empresário e os funcionários<br />

entenderem a forma de trabalhar<br />

do pesquisador. Tente alinhar as<br />

expectativas de ambos os lados. Vejam<br />

que expectativas não alinhadas<br />

geram frustações. E críticas de ambos<br />

os lados são comumente ouvidas<br />

em diferentes fóruns.Além disto, se<br />

por um lado os produtores esperam<br />

ansiosamente aplicar os resultados<br />

obtidos com a pesquisa, os pesquisadores<br />

são alijados pelas regras<br />

impostas pelos órgãos financiadores<br />

de suas pesquisas, que exigem cada<br />

vez mais volume de publicação em<br />

periódicos internacionais.<br />

Figura 2. Pesquisa em fazendas.<br />

Apesar das dificuldades,<br />

muitos pesquisadores no <strong>Brasil</strong> têm rompido esta barreira,<br />

trabalhando alinhados com as necessidades do setor produtivo,<br />

o que tem resultado em excelentes artigos publicados<br />

em periódicos de elevado impacto e desatando grandes<br />

“nós” que existiam para produção nos empreendimentos<br />

comerciais de aquicultura. Apesar de ainda estarem longe<br />

de ser maioria, estão mostrando que este caminho é possível.<br />

Neste sentido as universidades e seus programas de<br />

pós-graduação podem fazer toda a diferença na formação<br />

dos jovens cientistas em possibilitar a aproximação destes<br />

com o setor produtivo. Assim como também cabe aos produtores<br />

“abrirem as porteiras” tendo a compreensão de que<br />

parte de seu empreendimento não irá produzir no ritmo<br />

comercial, pois estará seguindo o ritmo da ciência. Neste<br />

sentido, o programa de financiamento Pesquisa Inovativa<br />

em Pequenas Empresas, da Fundação de Amparo a Pesquisa<br />

no Estado de São Paulo (FAPESP), tem possibilitado a<br />

aproximação entre pesquisador e empresa, com resultados<br />

animadores.<br />

Acredito que temos muito o que evoluir para realmente<br />

aproximar a academia do setor produtivo. O setor<br />

produtivo tem demandas que precisam ser atendidas pela<br />

ciência. E a ciência tem que ser realizada, também, dentro<br />

da realidade de produção de organismos aquáticos.<br />

Como pudemos abordar, temos muitos bons exemplos de<br />

trabalhos feitos em cooperação pesquisador & empreendimentos<br />

de aquicultura no <strong>Brasil</strong>, o que nos deixa a certeza<br />

de que, apesar do longo caminho ainda a ser trilhado, nossos<br />

resultados indicam que estamos no rumo certo. Neste<br />

sentido, a <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong> tem um importante papel em<br />

proporcionar a aproximação entre estes dois mundos. Vida<br />

longa para esta iniciativa. Até a próxima coluna.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

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Aquicultura<br />

Latino-americana<br />

FENACAM:<br />

mais que uma Feira!<br />

Dr. Rodolfo Luís Petersen<br />

Universidade Federal do Paraná<br />

(UFPR), Pontal, PR.<br />

rodolfopetersen@hotmail.com<br />

N<br />

ão existem dúvidas que a FENACAM é umas das principais<br />

feiras de negócios aquícolas da América Latina. As<br />

principais empresas do mundo inseridas no mercado<br />

brasileiro, ou querendo entrar, vêm apresentar seus produtos e<br />

serviços. Renomados conferencistas nacionais e internacionais<br />

financiados pelas empresas. A maioria das apresentações são<br />

comerciais, porém, longe de tirá-las o mérito. Do meu ponto<br />

de vista, a parte acadêmica de apresentações orais e de pôster<br />

não são muito relevantes. Como reunião científica, no <strong>Brasil</strong>,<br />

o AQUACIÊNCIA é o evento principal. Nos anos em que a<br />

FENACAM fez parte da agenda da Sociedade Mundial de Aquicultura<br />

(WAS), como a histórica edição da conferência anual em<br />

Salvador, ou nos capítulos Latino-americanos, a parte científica<br />

torna-se mais importante. A seção gastronômica lamentavelmente<br />

é praticamente inexistente. Eu retiraria como parte das<br />

programações do evento.<br />

Das 14 edições devo ter ido a 12. No início os protagonistas<br />

eram as fábricas de ração, hoje é a<br />

© <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong><br />

biotecnologia genômica e os manejos intensivos<br />

de berçários, juvenis e engorda.<br />

A primeira totalmente futurística e a segunda<br />

já sendo aplicada com resultados<br />

promissores, principalmente pelo fantasma<br />

da mancha branca para o povoamento<br />

final de uma larva mais robusta. Outro<br />

tema coadjuvante e apavorante foi o de<br />

doenças emergentes, principalmente o<br />

EMS- AHPND. Achei esquisito o pessoal<br />

não comentar nada nos corredores sobre<br />

a chegada do EMS- AHPND nas larviculturas<br />

equatorianas.<br />

qualquer um com um pouco de conhecimento na plateia. Fábio<br />

mandou um recado muito certo ao setor acadêmico: os pesquisadores<br />

precisam de FOCO. Não é possível que numa mesma<br />

universidade tenhamos pesquisadores trabalhando em 4 a 5<br />

espécies diferentes. Além disso, mandou outro recado contundente:<br />

temos que pesquisar os peixes realmente de destaque na<br />

aquicultura brasileira atual: tilápia e peixes redondos.<br />

Voltando ao camarão, palestra magistral do Dr. Daniel<br />

Lanza (UFRN), pontuando claramente as consequências de<br />

uma possível abertura do mercado para o camarão de fora com<br />

relação aos riscos de entrada de novos patógenos. Bela justificativa<br />

para ABCC defender a manutenção do fechamento das<br />

importações em Brasília! Ninguém reclamou da Fenacam2017<br />

ter sido ruim de negócios. Esperamos que o novo governo e o<br />

sindicato de restaurantes não tenham suficiente força para abrir<br />

o mercado, despencando o preço salvador na era WSV. Se isso<br />

acontecer, a FENACAM 2018 estará banhada de lágrimas.<br />

Outro dos fatores interessantes<br />

que vieram a enriquecer a FENACAM<br />

foi a incorporação de temas de piscicultura<br />

em suas edições. Isso foi herdado da<br />

época do IMNV onde o desespero por alternativas<br />

colocou a piscicultura na Feira.<br />

Destaque para a palestra de Fábio Sussel,<br />

nosso correspondente na TV, divulgando<br />

e defendendo a aquicultura em todo<br />

canto do País. A palestra de Fábio, como<br />

ele mesmo diz, não foi motivacional mas<br />

foi contundente e objetiva, motivando a<br />

Figura 1. Itamar Rocha, presidente da ABCC, encerrando as palestras do Simpósio de Carcinicultura na<br />

Fenacam 2017.<br />

76<br />

COLUNA<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Piscicultura Marinha<br />

<strong>Brasil</strong> x México<br />

E<br />

m novembro de 2017 tive a oportunidade de participar<br />

do Congresso Latino Americano de Aquicultura<br />

(LACQUA), realizado na cidade de Mazatlán, no<br />

México. Na ocasião, pude conversar com vários colegas Latino-americanos<br />

e visualizar o que vem sendo realizado a nível<br />

de piscicultura marinha. Foram poucas as apresentações sobre<br />

a temática, mas me impressionou o que vem sendo realizado<br />

no México. Várias espécies nativas desse país sendo estudadas<br />

e produzidas comercialmente. Exemplo esse que poderia<br />

servir de espelho ao <strong>Brasil</strong>, pois temos muito em comum com<br />

nossos amigos mexicanos. Ao que pude ver, as semelhanças<br />

são a nível climático, cultural, diversidade de espécies, níveis<br />

econômicos e burocráticos... E, no entanto, ao contrário do<br />

<strong>Brasil</strong>, a piscicultura marinha deu grandes passos no México.<br />

Na terceira edição desta revista, foi publicado um<br />

artigo onde se comenta que além da produção do atum azul<br />

do Pacífico (Thunnus orientalis), o México vem produzindo<br />

ainda a totoaba (Totoaba macdonaldi), a corvina (Scianoeps<br />

ocellatus) e o olhete (Seriola dorsalis). Pude acompanhar durante<br />

o LACQUA, que além dessas espécies ainda há o robalo<br />

(Centropomus undecimalis), o pargo (Lutjanus guttatus) e o<br />

© Artur Rombenso<br />

Figura 1. Fazenda de produção de atum Baja Aqua Farms, no México.<br />

Dr. Ricardo Vieira Rodrigues<br />

Estação Marinha de Aquicultura (EMA)<br />

Universidade Federal do Rio Grande (FURG)<br />

vr.ricardo@gmail.com<br />

olhete (S. rivoliana) sendo estudadas e/ou produzidas.<br />

Outra questão que me chamou muito a atenção é que<br />

as dificuldades são as mesmas que enfrentamos no <strong>Brasil</strong> para<br />

o desenvolvimento da piscicultura marinha. Uma grande diversidade<br />

de espécies sendo estudadas, a escala de produção<br />

ainda é pequena - o que acaba dificultando o desenvolvimento<br />

adequado e específico de uma dieta para cada espécie - e<br />

a escassez de mão de obra qualificada, principalmente para a<br />

produção de juvenis em larga escala. Observando essas dificuldades,<br />

chama a atenção a comparação com o <strong>Brasil</strong>, pois<br />

são exatamente as mesmas dificuldades enfrentadas aqui.<br />

Por outro lado, um aspecto importante impulsiona<br />

o desenvolvimento da piscicultura marinha no<br />

México: sua proximidade com os Estados Unidos e Canadá!<br />

Essa proximidade facilita a importação de equipamentos<br />

americanos para desenvolvimento dos laboratórios de produção<br />

de juvenis (por exemplo: equipamentos de sistemas de<br />

recirculação de água), facilitam a importação de ração comercial<br />

para peixes marinhos e de mão de obra especializada, e a<br />

proximidade com um mercado consumidor com grande poder<br />

de compra. Esses aspectos acabam encarecendo a produção,<br />

mas, por outro lado, proporcionam<br />

aos poucos o desenvolvimento<br />

da atividade e uma<br />

nova geração de renda ao país,<br />

que já é um grande produtor<br />

de camarão e tilápia.<br />

Falando em produção de<br />

camarão e tilápia, tive a oportunidade<br />

de visitar uma fazenda<br />

de produção de camarão<br />

que aos poucos está migrando<br />

para a produção em sistema<br />

de bioflocos. Outra iniciativa,<br />

junto a universidades locais,<br />

é a inclusão da tilápia em bioflocos<br />

como alternativa e diversificação<br />

da produção de<br />

camarão em fazendas comerciais,<br />

devido as doenças que<br />

vêm afetando a carcinicultura.<br />

E por que a tilápia vem sendo<br />

introduzida em sistema<br />

de bioflocos marinho? Justamente<br />

pela falta de juvenis de<br />

peixes marinhos e de espécies<br />

adaptadas a esse sistema de<br />

produção, ou seja, mais um<br />

nicho de estudo com espécies<br />

marinhas, as adaptadas a sistemas<br />

de bioflocos!<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

COLUNA<br />

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Recirculating <strong>Aquaculture</strong> Systems<br />

UMA INTRODUÇÃO<br />

AS MOTOBOMBAS<br />

Dr. Marcelo Shei<br />

Altamar Equipamentos e Sistemas Aquáticos<br />

shei@altamar.com.br<br />

www.altamar.com.br<br />

I<br />

ndependente da espécie ou do sistema de produção,<br />

movimentar ou transportar a água é<br />

uma necessidade contínua na maioria dos sistemas<br />

de aquicultura mais atuais. Em um sistema de<br />

recirculação (RAS), o sistema de bombeamento é<br />

uma etapa fundamental, possibilitando que a água<br />

circule continuamente entre as diferentes etapas de<br />

tratamento e os tanques de cultivo. Nessa edição<br />

irei abordar alguns aspectos básicos que devem ser<br />

considerados na seleção, instalação e manutenção<br />

desse processo.<br />

Demanda e energia: como o processo de<br />

bombeamento de água opera de forma ininterrupta<br />

e requer uma quantidade substancial de energia, a<br />

seleção do equipamento e instalações adequadas<br />

são importantes para manter os custos operacionais<br />

mais baixos possíveis. A demanda de bombeamento<br />

é conhecida a partir da soma da elevação total<br />

necessária, da perda de carga da tubulação, das<br />

conexões e equipamentos que estiverem nessa linha<br />

e da vazão requerida no sistema. A partir dessas<br />

informações, podemos fazer a seleção do tipo e<br />

modelo de motobomba que atenda essas condições<br />

com o menor consumo elétrico possível.<br />

Instalação: quanto as motobombas centrífugas<br />

externas (instaladas fora da água), apesar<br />

de existirem modelos auto escorvantes, o ideal é<br />

que a água chegue até a motobomba por gravidade,<br />

conhecida como “sucção afogada”. Desse modo, a<br />

motobomba opera com maior eficiência, sem a necessidade<br />

de puxar a água que será bombeada. As<br />

bombas auto escorvantes são utilizadas em locais<br />

aonde não é possível utilizar um modelo submerso<br />

ou uma instalação afogada. Essas motobombas possuem<br />

um reservatório acoplado que fica permanentemente<br />

preenchido de água e garante a partida do<br />

sistema quando a motobomba está acima do nível<br />

de água.<br />

Prevenção de problemas: por esse ser um<br />

equipamento crítico em um RAS, o recomendado<br />

é que ele seja instalado com um outro reserva ou<br />

opere com dois ou mais equipamentos em paralelo.<br />

Essa estratégia visa garantir que mesmo com a falha<br />

de um equipamento, exista outro para que o sistema<br />

continue a funcionar, diminuindo as chances de<br />

falha. O uso de inversores de frequência permitem<br />

ajustar a velocidade dos motores, otimizando a<br />

relação entre pressão, vazão e consumo elétrico. A<br />

operação em velocidades mais baixas também diminui<br />

o desgaste do selo mecânico e do motor.<br />

© Altamar<br />

Figura 1. Motobombas plásticas, com motores blindados e de baixa rotação<br />

instaladas em paralelo.<br />

Manutenção: O ideal é que as motobombas<br />

sejam instaladas sempre com válvulas, e uniões,<br />

permitindo que o equipamento seja desconectado<br />

facilmente para a manutenção. Válvulas de retenção<br />

também podem ser usadas para evitar acidentes,<br />

principalmente em bombas instaladas em paralelo.<br />

Também é recomendado que a cada seis meses<br />

os equipamentos passem por uma revisão, principalmente<br />

nos rolamentos e selos mecânicos, isso<br />

aumentará a vida útil dos equipamentos e evitará<br />

surpresas desagradáveis.<br />

A Altamar possui experiência e suporte<br />

de diversos fabricantes para selecionar e fornecer<br />

soluções que podem ser utilizadas em sistemas de<br />

água doce ou marinha.<br />

78<br />

COLUNA<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

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TECNOLOGIA DO<br />

PESCADO<br />

C<br />

onforme publicado na coluna da 8ª <strong>Edição</strong>, a<br />

evolução tecnológica na indústria do pescado<br />

está intimamente relacionada à globalização,<br />

competitividade, capacidade tecnológica da indústria e<br />

finalmente do conhecimento das tecnologias emergentes<br />

– das inovações tecnológicas.<br />

Nesse sentido, muitas indústrias internacionais<br />

estão se adaptando e seguindo esse caminho, principalmente<br />

na adoção de inovações em suas plantas de<br />

processamento. No <strong>Brasil</strong>, existia ainda um impasse,<br />

pois tais inovações tecnológicas ainda eram vistas pelo<br />

MAPA como preocupantes, principalmente por alimentar<br />

um problema muito discutido – a fraude econômica.<br />

Para melhorar ainda mais esse cenário, com<br />

uma visão global, buscando a maior competitividade,<br />

padronização, segurança e até mesmo vislumbrando<br />

possível implementação da rastreabilidade na indústria,<br />

o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento<br />

(MAPA) recentemente publicou a Instrução Normativa<br />

Nº 30, de 9 de agosto de 2017 – SDA/MAPA, que estabelece<br />

os procedimentos para submissão de proposta,<br />

avaliação, validação e implementação de inovações<br />

tecnológicas a serem empregadas em qualquer etapa<br />

da fabricação de produtos de origem animal<br />

em estabelecimentos com registro no Departamento de<br />

Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA/SDA.<br />

No Art. 2º, alínea III da IN 30/2017 temos a<br />

definição para “inovação tecnológica” como sendo o<br />

processo, equipamento, substância ou material, isolado<br />

ou em combinação, tecnologicamente novo ou significativamente<br />

aperfeiçoado, que proporcione a melhoria<br />

do processo de fabricação ou da qualidade do produto<br />

de origem animal.<br />

No Art. 3º estão apresentados os itens que o<br />

interessado em aprovar qualquer inovação tecnológica<br />

que possa ser implementada em sua empresa:<br />

I – Identificação e descrição da inovação tecnológica:<br />

denominação; objetivo; efeitos tecnológicos<br />

e sanitários benéficos, e possíveis efeitos adversos,<br />

Ministério da Agricultura, Pecuária e<br />

Abastecimento (MAPA) finalmente<br />

possibilita a entrada das inovações<br />

tecnológicas dentro das indústrias<br />

de produtos de origem animal.<br />

Prof. Dr. Alex Augusto Gonçalves<br />

Chefe do Laboratório de Tecnologia e Controle de Qualidade do<br />

Pescado - LAPESC<br />

Universidade Federal Rural do Semi Árido - UFERSA<br />

Mossoró, RN, <strong>Brasil</strong><br />

alaugo@gmail.com<br />

no processo e no produto; fatores que a caracterizam<br />

como uma inovação tecnológica; revisão bibliográfica<br />

atualizada, incluindo legislação internacional, com os<br />

fundamentos da inovação tecnológica e justificativas<br />

que amparam sua aplicação no processamento de produtos<br />

de origem animal;<br />

II – Avaliação de conformidade com a legislação<br />

nacional: aqui talvez tenhamos alguma dificuldade, pois<br />

a evolução tecnológica e as inovações tecnológicas estão<br />

bem a frente da atualização da legislação brasileira,<br />

porém, podemos nos basear na lei maior, o Codex Alimentarius;<br />

III – Descrição detalhada dos seguintes<br />

itens relacionados à aplicação da inovação tecnológica:<br />

equipamentos e utensílios de processamento; método<br />

utilizado; parâmetros operacionais e medidas de controle;<br />

parâmetros de inocuidade, identidade e qualidade<br />

do produto; metodologias e frequência de avaliação<br />

desses parâmetros;<br />

IV – Descrição das etapas de validação e implementação<br />

da inovação tecnológica: entende-se por<br />

validação o procedimento, executado e documentado,<br />

que tem como objetivo comprovar com dados técnico-científicos<br />

que a inovação tecnológica descrita<br />

no Termo de Não Objeção (documento emitido pelo<br />

DIPOA/DAS após avaliação final do requerimento, no<br />

qual informa que não há objeção à implementação da<br />

inovação tecnológica nas condições), quando aplicada<br />

pelo estabelecimento, reproduz de forma consistente os<br />

efeitos tecnológicos previstos e que não compromete a<br />

inocuidade, identidade e qualidade do produto de origem<br />

animal.<br />

Nos casos em que a inovação tecnológica não<br />

encontre respaldo na legislação vigente, o requerente<br />

deverá identificar essa situação no requerimento e esclarecer<br />

como a inovação tecnológica proposta assegurará<br />

a inocuidade, identidade e qualidade do produto.<br />

No Art. 4º está previsto a obrigatoriedade do<br />

requerente na realização de experimento (através de<br />

80<br />

COLUNA<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


um protocolo de experimento desenvolvido por profissional<br />

com comprovada formação e experiência na área<br />

do estudo, preferencialmente vinculado à instituição<br />

de pesquisa nacional ou internacional, o qual deverá,<br />

também, supervisionar a execução do experimento.<br />

Tal protocolo deverá conter a descrição detalhada do<br />

experimento pelo qual a inovação tecnológica proposta<br />

será testada e avaliada. Ao final do experimento<br />

o requerente deverá apresentar relatório ao DIPOA/<br />

SDA, contendo os resultados e a argumentação técnica<br />

necessária para respaldar a avaliação) para avaliação da<br />

inovação tecnológica nos casos em que sua aplicação<br />

não esteja amparada pela legislação vigente ou que possa<br />

resultar em: risco à inocuidade, identidade e qualidade<br />

do produto; prejuízo aos procedimentos de inspeção<br />

sanitária oficial; prejuízo ao bem-estar animal.<br />

No Art. 5º está previsto que toda bibliografia<br />

técnico-científica usada como suporte ao requerimento<br />

e ao protocolo de experimento deverá corresponder<br />

à área de conhecimento da inovação tecnológica a ser<br />

avaliada e, quando tratar-se de artigo científico, deve ter<br />

sido publicada em periódico indexado (revista científica<br />

com padrões definidos e minuciosos de revisão e publicação,<br />

de periodicidade regular, indexada em bases de<br />

dados nacionais ou internacionais e com amplo acesso e<br />

difusão).<br />

No Art. 6º está previsto que o requerente deverá<br />

obter o parecer, licença ou aprovação dos órgãos competentes<br />

quando a proposta de inovação tecnológica envolva<br />

o uso de novas substâncias, questões ambientais,<br />

de segurança do trabalho, ou outros casos fora da competência<br />

do DIPOA/SDA.<br />

No Art. 8º o resultado da avaliação da proposta<br />

será expresso por meio do Termo de Não Objeção ou<br />

do Termo de Rejeição emitido pelo Diretor do DIPOA/<br />

DAS, e o requerente terá o prazo de 60 dias para recorrer<br />

do Termo de Rejeição (Art. 9º).<br />

No Art. 10º está previsto que será rejeitada a<br />

proposta de inovação tecnológica na qual seja identificada<br />

a possibilidade ou intenção de mascarar fraude, adulteração<br />

ou falsificação de matéria prima ou produto.<br />

No Art. 11º a inovação tecnológica para a qual<br />

o DIPOA/DAS tenha emitido Termo de Não Objeção<br />

deverá passar por processo de validação em todos os<br />

estabelecimentos onde for utilizada, como pré-requisito<br />

para sua implementação. E na ocasião da implementação<br />

da inovação tecnológica será obrigatória a atualização<br />

dos programas de autocontrole do estabelecimento (Art.<br />

12º).<br />

No Art. 13º o estabelecimento que fizer uso de<br />

inovação tecnológica que tenha recebido o Termo de<br />

Não Objeção do DIPOA/DAS deverá manter os arquivos<br />

com os registros de validação e implementação da<br />

inovação tecnológica, os quais deverão estar acessíveis<br />

ao SIF para avaliação.<br />

No Art. 14º a não objeção a uma inovação tecnológica<br />

poderá ser suspensa cautelarmente pelo SIF ou<br />

pelo DIPOA/SDA para reavaliação, quando constatado o<br />

não atendimento à proposta avaliada pelo DIPOA/SDA.<br />

No Art. 15º a partir da divulgação da não objeção<br />

à uma inovação tecnológica pelo DIPOA/SDA,<br />

qualquer estabelecimento registrado neste Departamento<br />

poderá aplicá-la, desde que comunique essa intenção<br />

ao Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal<br />

da Superintendência Federal de Agricultura na Unidade<br />

da Federação onde o estabelecimento está localizado, e<br />

ainda, que a inovação tecnológica deverá ser adaptada às<br />

características específicas de instalações e de produção<br />

do estabelecimento que deseja aplicá-la.<br />

Portanto, chegou a hora das indústrias buscarem<br />

o apoio técnico-científico dos pesquisadores<br />

das inúmeras universidades espalhadas pelo país, e<br />

construírem um projeto bem alinhado com a inovação<br />

tecnológica (novos aditivos, novos equipamentos, novas<br />

tecnologias, como o ozônio, dentre outras), dentro dos<br />

padrões exigidos na IN 30/2017, respaldado principalmente<br />

com os resultados de pesquisas já publicadas na<br />

bibliografia técnico-científica nacional e internacional.<br />

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/colunas<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

COLUNA<br />

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DEFENDEU!<br />

Novidades em teses e dissertações<br />

Em algum lugar do <strong>Brasil</strong>, um acadêmico de pós-graduação<br />

contribui com novas informações para nossa aquicultura.<br />

Temos recebido em nossa redação uma série de trabalhos de conclusão de curso de graduação<br />

(TCC´s) que, em princípio, não se enquadrariam na Seção “Defendeu”, projetada para publicar<br />

somente dissertações e teses.<br />

Mas se os trabalhos têm qualidade, porque não publicar?<br />

A partir desta edição o “Defendeu”, aliás, mais uma seção da <strong>Revista</strong> <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong> que<br />

é feita por você, querido leitor, apresentará também TCC´s de excelência!<br />

No final ganhamos todos e ponto para a aquicultura brasileira!!!<br />

Vamos curtir um primeiro trabalho sobre a tambatinga?<br />

Acadêmico: Leonilton Rodrigues Barbosa da Silva<br />

Orientadora: Me. Rosália Furtado Cutrim Souza<br />

Coorientador: Engº de Pesca Luciano Falcão<br />

Instituição: Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA<br />

campus Belém<br />

Curso: Engenharia de Pesca<br />

Título: “Morfologia e distribuição das espinhas intramusculares<br />

do híbrido tambatinga (tambaqui Colossoma<br />

macropomum Cuvier, 1816 com pirapitinga Piaractus brachypomus<br />

Cuvier, 1817) cultivado em cativeiro<br />

Introdução:<br />

A tambatinga é um híbrido<br />

do cruzamento da fêmea do<br />

tambaqui Colossoma macropomum<br />

com o macho da pirapitinga<br />

Piaractus brachypomus e apresenta<br />

espinhas intramusculares<br />

que dificultam a degustação da<br />

carne. As espinhas intramusculares<br />

são pequenas espículas colagenosas<br />

localizadas no tecido<br />

muscular em ambos os lados do<br />

corpo com diferentes morfologias.<br />

Objetivo:<br />

Analisar a morfologia e distribuição<br />

das espinhas intramusculares<br />

do híbrido tambatinga<br />

(tambaqui com pirapitinga).<br />

Metodologia:<br />

Foram selecionadas<br />

42 tambatingas entre<br />

36,5 a 53 cm provenientes<br />

de uma piscicultura do Estado<br />

de Tocantins. Os indivíduos<br />

foram submetidos<br />

ao raio-x (Figura 2) para<br />

geração de imagens lateral<br />

do corpo e depois colocados<br />

em estufa a 200°C por<br />

20 minutos para extração Figura 1. Exemplar de tambatinga.<br />

das espinhas.<br />

As distâncias vertical<br />

e da primeira espinha para a vértebra mais próxima e o número<br />

da vértebra inicial e final foram registradas para cada lado do peixe<br />

(Figuras 3 e 4). As espinhas foram identificadas morfologicamente<br />

e registradas os comprimentos total, das hastes e de suas ramificações.<br />

© Globo Rural<br />

82<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


Ánalise e<br />

estatística:<br />

O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado<br />

para verificar se as espinhas tinham as mesmas<br />

dimensões entre as formas iguais e se as<br />

distâncias verticais das espinhas foram iguais<br />

nos peixes. O teste t de Student foi usado para<br />

verificar se média das distâncias verticais das<br />

espinhas no peixe e da imagem do raio-x eram<br />

iguais com α= 0,05. O teste χ2 foi usado para<br />

verificar se a quantidade das formas em cada<br />

região do corpo foi igual estatisticamente com<br />

α= 0,05. O comprimento total do peixe e comprimento<br />

total da espinha foram correlacionados<br />

por equação linear do tipo Y=a+b*X, onde<br />

a existência de correlação foi avaliada pelo coeficiente<br />

de Pearson (r).<br />

Figura 2. Nomenclatura para as regiões de distribuição das espinhas intramusculares.Nota:<br />

Epineural: Espinhas localizadas na região superior (dorsal); Epipleural:<br />

Espinhas localizadas na região inferior (nadadeira anal).<br />

A<br />

B<br />

A<br />

B<br />

Figura 3. Ilustração da metodologia para registro das distâncias da região<br />

dorsal (epineural): A) Distância da primeira vértebra a primeira espinha intramuscular<br />

e B) Distância vertical entre duas espinhas. Nota: Dt: Distância; V01:<br />

Primeira vértebra.<br />

Figura 4. Ilustração da metodologia para biometria das espinhas intramusculares:<br />

A) Nomenclaturas dadas as hastes e ramificações e B)<br />

Nomenclatura dada para espinha não bifurcada.<br />

Principais resultados:<br />

Os resultados mostraram 7 formas de espinhas com predominância numérica das formas<br />

não bifurcada, bifurcada desigual e bifurcada igual;<br />

O comprimento total das espinhas variou entre 4,78 e 62,39 mm e as formas não bifurcada,<br />

bifurcada desigual e bifurcada igual diferiam significativamente (p0,05);<br />

As espinhas se distribuíram principalmente entre as vértebras 1 e 25 na região epineural e<br />

entre 11 e 25 na epipleural e o t de Student mostrou que as distâncias médias entre as espinhas<br />

no peixe e no raio-x foram semelhantes estatisticamente para ambas regiões;<br />

A quantidade média total de espinhas por peixe foi de 82, sendo em média 28 espinhas para<br />

cada lado da região epineural e 12 para epipleural. O χ2 mostrou que as quantidades das<br />

formas são iguais entre os lados esquerdo e direito na região epineural e epipleural;<br />

O coeficiente r mostrou uma relação positiva do crescimento da espinha com o crescimento<br />

do peixe, onde as formas não bifurcada, bifurcada desigual, bifurcada duplahaste e polifurcada<br />

simples apresentaram correlação do tipo moderada enquanto que bifurcada igual a correlação<br />

foi do tipo forte (r= 0,93).<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

83


Conclusões<br />

1. O comprimento médio das formas<br />

foi crescente a medida que as espinhas<br />

se tornavam mais complexas;<br />

2. Há simetria lateral na quantidade<br />

das formas e distribuição das espinhas;<br />

3. As espinhas intramusculares não<br />

têm um único padrão de distribuição<br />

morfológica;<br />

4. O crescimento da espinha acompanha<br />

o crescimento do peixe. Figura 5. Formas de espinhas intramusculares identificadas na tambatinga: 1 – Não bifurcada,<br />

2 – Bifurcada desigual, 3 – Bifurcada igual, 4 – Polifurcada simples, 5 - Bifurcada duplahaste, 5 –<br />

Polifurcada multihaste e 7 – Bifurcada multihaste.<br />

O trabalho final será publicado em<br />

um periódico internacional.<br />

Figura 6. Comparação entre as técnicas de investigação de espinhas intramusculares: A)<br />

Técnica de extração eficiente para identificar a distribuição morfológica e B) Técnica do<br />

raio-x ineficiente para identificação morfológica. Nota: Setas brancas destacam algumas<br />

espinhas intramusculares.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

84


AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

85


ENTREVISTA<br />

© <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong><br />

86<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


GERALDO<br />

BERNARDINO<br />

O entrevistado da 9ª edição já percorreu uma longa jornada no setor aquícola brasileiro e<br />

recebeu, no ano de 2016, o título de cidadão do Amazonas, fruto de seus 15 anos de trabalho<br />

como Secretário Executivo Adjunto de Pesca e Aquicultura do Estado.<br />

AQUACULTURE BRASIL: Geraldo, você é natural<br />

da Paraíba e formou-se em Engenharia de Pesca pela<br />

Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1976, tornando-se,<br />

mais tarde, mestre em Ecologia e Recursos<br />

Naturais pela UFSCar. Conte-nos um pouco sobre estes<br />

mais de 40 anos de carreira profissional.<br />

Bernardino: Comecei no Pantanal Mato-grossense,<br />

em 1977, trabalhando como pesquisador no Centro<br />

de Pesquisa do Pantanal Mato-grossense (Cepimam/<br />

Sudepe), na área de biologia pesqueira e dinâmica de<br />

populações. Fiquei um certo tempo nesta Instituição e<br />

depois comecei a trabalhar especificamente com o pacu<br />

(Piaractus mesopotamicus), indo para São Paulo, onde<br />

atuei desde técnico da parte de manejo, até chegar ao cargo<br />

de Diretor do CEPTA (Centro Nacional de Pesquisa<br />

de Peixes Tropicais). Além disso, já fui coordenador de<br />

ensino do Centro Regional Latino-americano de Aquicultura<br />

– CERLA/FAO/SUDEPE (1981-1984), presidi a<br />

Associação <strong>Brasil</strong>eira de Aquicultura – ABRAq (1992-<br />

1999) e tive a oportunidade de ser Coordenador Nacional<br />

de Aquicultura do Ministério da Agricultura – DPA/<br />

MAPA (1999 e 2001), logo depois que saí de São Paulo.<br />

Na sequência, em 2003, mudei-me para Manaus, onde<br />

prontamente fui nomeado como Secretário Executivo de<br />

Pesca e Aquicultura, cargo que ocupo até hoje. A Secretaria<br />

trabalha não somente na área de aquicultura, mas<br />

também em parcerias com os profissionais da ciência e<br />

tecnologia, auxiliando no desenvolvimento de projetos<br />

de pesquisa e extensão em geral.<br />

AQUACULTURE<br />

BRASIL: A aquicultura<br />

sempre esteve<br />

presente em sua vida.<br />

Numa entrevista para<br />

a AQUABIO no ano<br />

de 2012 você apontou<br />

que para a aquicultura<br />

brasileira crescer<br />

era necessário superar<br />

limitações e dificuldades<br />

gerais do setor,<br />

tais como: pouca integração<br />

e gerenciamento<br />

de cadeias de<br />

produção, escalas de<br />

Há muitos<br />

projetos de<br />

pesquisas que não<br />

chegam a<br />

conclusões que<br />

possam ser<br />

utilizadas<br />

pelo<br />

setor<br />

produtivo.<br />

produção inadequadas, carga fiscal elevada, entre<br />

outras. O que mudou de lá para cá? O que conseguimos<br />

superar e o que ainda nos limita?<br />

Bernardino: Nós tivemos uma melhora na aquicultura,<br />

principalmente nos cultivos em águas interiores, com a<br />

tilápia e as espécies nativas (peixes redondos). Entretanto,<br />

o setor ainda carece de uma equipe multidisciplinar<br />

que trabalhe dentro de ações específicas, possibilitando<br />

que seja dado um salto qualitativo e bem substanciado.<br />

Existem muitas novas tecnologias, porém, existe muito<br />

modismo em relação a isso, e muitos projetos de pesquisas<br />

que não chegam a conclusões que possam ser utilizadas<br />

pelo setor produtivo. E nós precisamos é disso!<br />

Por exemplo, recentemente estamos com um problema<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

87


ENTREVISTA<br />

seríssimo que é a sanidade. Entretanto,<br />

estamos discutindo isto de<br />

uma maneira muito superficial. Temos<br />

que convocar a academia, institutos<br />

de pesquisa, Embrapa, e dizer:<br />

“- É isso que precisamos!”. Sanidade<br />

é um problema seríssimo. Um exemplo<br />

é o que vem ocorrendo com o camarão<br />

marinho e também a tilápia,<br />

tem muito vírus e parasitos no ambiente<br />

que estão comprometendo as<br />

produções desses organismos e em<br />

uma questão de tempo pode acontecer<br />

o mesmo com as espécies nativas.<br />

Mas a piscicultura cresceu,<br />

tivemos saltos de qualidade em<br />

toda a cadeia produtiva, incluindo<br />

o mercado e a comercialização.<br />

Outro aspecto importante é na área<br />

de qualificação profissional, com<br />

cursos profissionalizantes, formação<br />

de recursos humanos, o que é fundamental<br />

para o desenvolvimento da<br />

aquicultura brasileira.<br />

AQUACULTURE BRASIL: Recentemente<br />

(2016) uma legislação<br />

que permitia o cultivo de peixes<br />

©ABCC<br />

não nativos nos rios do Estado do<br />

Amazonas foi publicada e logo depois<br />

acabou sendo revogada, sob<br />

apelo de instituições ambientais.<br />

Em sua opinião, valeria a pena arriscar<br />

a introdução de uma espécie<br />

não nativa nestes locais? Ou as<br />

espécies da aquicultura nacional<br />

tem potencial para alavancar a produção<br />

do Amazonas?<br />

Bernardino: A tilápia foi introduzida<br />

há muito tempo no <strong>Brasil</strong> e também<br />

no Amazonas. Porém não de<br />

forma oficial, mas desde a década de<br />

70 já existe tilápia no Amazonas. Mas<br />

pensando em uma introdução nos<br />

dias atuais, previamente devemos<br />

analisar algumas perguntas que são<br />

chaves antes de tomar tal decisão. A<br />

primeira é sobre a questão econômica:<br />

“Ela vai aumentar o mercado?”,<br />

“Vai gerar emprego e renda para as<br />

famílias da região onde se está introduzindo<br />

a espécie?” a segunda<br />

pergunta é uma questão estratégica:<br />

“O que ela pode causar no ambiente<br />

natural?”, “Quais as doenças que ela<br />

pode trazer àquele ambiente?” Estas<br />

questões são interessantes de serem<br />

discutidas. Precisamos ter pesquisas<br />

visando a estas respostas e não sair<br />

introduzindo a espécie de qualquer<br />

modo. Por mais que exista uma<br />

tecnologia de produção definida<br />

para a tilápia, será que esta tecnologia<br />

vai adaptar-se perfeitamente<br />

ao Amazonas, uma região com suas<br />

particularidades e peculiaridades?<br />

E hoje a tilápia está com problemas<br />

seríssimos de doenças, problemas<br />

com vírus, parasitas, etc. Antes de<br />

ser introduzida, temos que provocar<br />

uma discussão abrangente, com<br />

a participação dos órgãos de controle,<br />

para saber realmente o perigo<br />

das introduções. Outra espécie que<br />

está se introduzindo no <strong>Brasil</strong> é o<br />

panga. Assim, daqui há uns anos não<br />

teremos uma aquicultura comercial,<br />

com espécies selecionadas, mas sim,<br />

vamos acabar nos transformando em<br />

uma aquicultura de modismo. Devemos<br />

pensar antes, fazer trabalhos<br />

de observação, ter a certeza de que<br />

a espécie vai trazer emprego e renda<br />

para quem optar por cultivá-la, e<br />

depois se discutir a introdução, com<br />

os impactos sociais, econômicos e<br />

ambientais bem estudados. A bacia<br />

amazônica é o maior banco genético<br />

que temos, com a maior biodiversidade<br />

de águas interiores do mundo.<br />

Dessa forma, é interessante pensar<br />

estes vários aspectos antes de introduzir<br />

uma determinada espécie<br />

exótica.<br />

AQUACULTURE BRASIL: Os planos<br />

de manejo para a captura do<br />

pirarucu, que já esteve ameaçado<br />

de extinção, foram um sucesso no<br />

Amazonas, resultando em um aumento<br />

considerável da produção.<br />

Neste sentido, quais os esforços que<br />

estão sendo feitos para alavancar<br />

88<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


também o cultivo desta espécie?<br />

Bernardino: O plano de manejo<br />

de fato deu muito certo e hoje é<br />

um sucesso. Saímos de uma captura<br />

de mil indivíduos para sessenta<br />

e cinco mil indivíduos. Quanto ao<br />

cultivo, é um peixe de grande interesse.<br />

Entretanto, como qualquer<br />

peixe, para começarmos a cultivá-lo<br />

são necessários uma série de estudos<br />

visando dar sustentação técnica<br />

à produção. Já iniciamos estudos<br />

do cultivo desta espécie não só<br />

em tanque-rede, como também em<br />

viveiros e raceways. E os resultados<br />

são positivos, apontando para uma<br />

alta biomassa produzida, com dados<br />

zootécnicos excelentes. Mas quando<br />

se refere à questão nutricional,<br />

esta ainda é um problema. A ração<br />

para peixe carnívoro ainda é muito<br />

cara e a conversão alimentar é alta,<br />

em torno de 1,8 a 2,3:1. Portanto,<br />

cultivar o pirarucu ainda não é um<br />

grande negócio. Temos que estudar<br />

mais, buscar aprimorar as técnicas<br />

de manejo, estudar a capacidade de<br />

suporte para cada sistema de produção,<br />

identificar as rações para as<br />

diferentes fases de cultivo, e então,<br />

com base na tecnologia, poderemos<br />

propagar o cultivo da espécie, que<br />

tem muito potencial, uma vez que<br />

em um ano o pirarucu pode chegar<br />

a 10 quilos.<br />

AQUACULTURE BRASIL: O segredo para aumentar a produção nacional está em apostar nas diferentes espécies<br />

ou estaria na hora de focarmos mais em poucas espécies?<br />

Bernardino: Temos que organizar<br />

melhor a piscicultura. Começando a<br />

organizar politicamente. A piscicultura<br />

como qualquer outra atividade<br />

zootécnica tem que ter uma “casa”<br />

onde se pode reclamar os aspectos<br />

políticos da atividade, principalmente<br />

com relação a mercado<br />

e formação de recursos humanos e<br />

pesquisas. Nós temos que fortalecer<br />

e brigar para que a Secretaria Especial<br />

de Aquicultura e Pesca se encontre<br />

em um órgão que possa fortalecer<br />

isso. O segundo ponto é exatamente<br />

focar em cima de espécies com tecnologia<br />

padronizada e bem definida.<br />

Neste ponto não adianta vulgarizar.<br />

Os chineses trabalham com poucas<br />

espécies, cerca de quatro, os americanos<br />

trabalham com uma espécie de<br />

água doce, o catfish, o chileno com<br />

uma espécie, o salmão. Nós não podemos<br />

ser um zoológico de peixes,<br />

trabalhando com espécies que não<br />

vão nos levar a nada. Temos que<br />

trabalhar com as espécies através de<br />

grupo formado, gerando tecnologia<br />

de acordo com as condições de cada<br />

região, evitando exatamente copiar<br />

as cartilhas prontas que muitas vezes<br />

não dão certo no <strong>Brasil</strong>.<br />

Nós não<br />

podemos ser um<br />

zoológico de peixes,<br />

trabalhando com espécies<br />

que não vão<br />

nos levar a nada.<br />

AQUACULTURE BRASIL: Quais as tendências e desafios para a produção de peixes nativos?<br />

Bernardino: Temos que ter<br />

especificidade, trabalhar com poucas<br />

espécies. Eu acredito que o Piaractus<br />

mesopotamicus (pacu) e o Colossoma<br />

macropomum (tambaqui) são<br />

duas espécies que vão se desenvolver<br />

muito no <strong>Brasil</strong>. O segundo ponto é<br />

ter investimento pós captura, com<br />

produtos diferenciados e com valor<br />

agregado, e não vender somente o<br />

peixe inteiro. Dessa forma é possível<br />

ter mercado tanto para o peixe<br />

pequeno quanto para o grande, tendo<br />

como subprodutos os embutidos,<br />

triturados, defumados, etc, o que<br />

pode dar uma diferença. O terceiro<br />

aspecto é deter tecnologia para reprodução<br />

induzida, tendo assim disponibilidade<br />

de alevinos o ano todo,<br />

e consequentemente a tendência da<br />

produção é aumentar. E por fim,<br />

a ração. A ração representa hoje o<br />

maior custo de uma produção, devendo<br />

ser muito bem estudada para<br />

todas as fases. Feito isso, daremos<br />

um salto no cultivo das espécies<br />

nativas. A perspectiva do mercado<br />

tanto interno quanto externo é<br />

muito grande. Outros países já produzem<br />

as nossas espécies nativas. Se<br />

demorarmos muito a gerar tecnologia<br />

e alavancar a produção, esse mercado<br />

vai ser preenchido por outros<br />

países. Assim como já ocorre com<br />

nossos peixes ornamentais.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

89


ENTREVISTA<br />

AQUACULTURE BRASIL: O cooperativismo foi um modelo que deu muito certo no estado do Paraná, hoje um<br />

dos maiores produtores de peixe do país. Caberia o modelo do cooperativismo na região Norte?<br />

AQUACULTURE BRASIL: Finalizando, como você vê o retorno da SEAP – Secretaria Especial de Aquicultura<br />

e Pesca?<br />

Bernardino: A princípio me preocupa<br />

muito. Principalmente pelo modo<br />

como ela está sendo reestruturada,<br />

levando em consideração o interesse<br />

de alguns políticos e não do setor<br />

aquícola e pesqueiro. E esse interesse<br />

político ligado a questões do seguro<br />

defeso, por exemplo, ao invés de objetivar<br />

fazer a política nacional da<br />

pesca, o desenvolvimento das áreas<br />

pesqueiras, o investimento em recursos<br />

humanos, discussões sobre<br />

os grandes problemas políticos e<br />

econômicos do setor, entre outros<br />

aspectos, é o que me preocupa. Ou<br />

nós temos uma SEAP que leve em<br />

consideração que o <strong>Brasil</strong> tem um<br />

dos maiores potenciais do mundo<br />

Bernardino: O cooperativismo<br />

dá certo em todo o canto. Porém<br />

existem cooperativas e cooperativas.<br />

Primeiramente temos que ter uma<br />

associação muito bem direcionada,<br />

com as regras “de jogo” muito bem<br />

definidas, para deixar de ser apenas<br />

uma forma de agregar pessoas,<br />

mas tendo sempre como foco a produção.<br />

Assim, quando você tem um<br />

grupo de pessoas, empresários e<br />

produtores, de forma organizada e<br />

bem definida, englobando a parte de<br />

insumos, sistema de produção e processamento,<br />

a cooperativa com certeza<br />

vai dar certo. Porque nesse sentido,<br />

ela tem um objetivo maior, que<br />

é diminuir os custos de produção e<br />

aumentar os lucros do pescado.<br />

para a piscicultura, porque tem uma<br />

grande disponibilidade de matéria<br />

prima, que é a água, mas que precisa<br />

ter políticas para poder ter ração,<br />

tecnologia e ter comércio, ou então<br />

vamos ficar nos programas de<br />

parques aquícolas que até então não<br />

levaram a nada.<br />

AQUACULTURE BRASIL: Uma mensagem, para finalizar...<br />

Bernardino: O setor pesqueiro e<br />

aquícola vem crescendo e tem um<br />

futuro interessante no <strong>Brasil</strong>. Não só<br />

através dos interesses a nível nacional,<br />

mas a nível internacional. Nós<br />

teremos ainda grandes empresas e<br />

grandes projetos internacionais no<br />

país. O importante é que o setor<br />

cresça com a certeza que vai contribuir<br />

ao desenvolvimento do país,<br />

gerando emprego e renda.<br />

90<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


NOVOS LIVROS<br />

Farmacologia aplicada à Aquicultura<br />

Editores: Bernardo Baldisserotto, Levy de Carvalho Gomes, Berta Maria Heinzmann e<br />

Mauro Alves da Cunha<br />

Editora: Editora UFSM<br />

Idioma: Português - 654 páginas<br />

Lançamento: 2017<br />

Este livro aborda a legislação existente para a utilização de fármacos de diferentes classes em<br />

cultivos aquícolas. Quais as doses ou concentrações, bem como o tempo de aplicação dos fármacos ou de<br />

outros produtos utilizados para tratar os animais contra bactérias, parasitas, fungos, vírus em aquicultura;<br />

como anestesiar animais aquáticos; quais produtos são úteis para melhorar o transporte de animais<br />

aquáticos; como utilizar prebióticos, probióticos, estimuladores do crescimento, antioxidantes e promotores<br />

da reprodução e inversão sexual em aquicultura. Este livro traz essas informações, que antes só eram<br />

possíveis de se obter através de uma busca em artigos publicados em revistas científicas especializadas.<br />

Success Factors for Fish Larval Production<br />

Editores: Luis Conceição e Amos Tandler<br />

Editora: Wiley Blackwell<br />

Idioma:Inglês – 512 páginas<br />

Lançamento:março de 2018<br />

O sucesso de uma produção aquícola depende fundamentalmente do sucesso da larvicultura.<br />

Neste contexto, o livro aborda os processos mais atuais na produção de larvas, e como os fatores<br />

externos (ambientais e nutricionais) e internos (moleculares, desenvolvimento, fisiologia, comportamento<br />

e fatores genéticos) interagem na definição do fenótipo e qualidade das larvas e juvenis de<br />

peixes. Tais informações tem as contribuições de um grupo de renomados pesquisadores e também<br />

especialistas de campo, o que o torna ainda mais completo.<br />

Piscicultura Continental com<br />

Enfoque Agroecológico<br />

Editores: Graciane Regina Pereira, Henrique da Silva Pires, Leonardo Schorcht Bracony,<br />

Porto Ferreira e Katiuscia Wilhelm Kangersk<br />

Editora:Publicação do IFSC<br />

Idioma:Português – 94 páginas<br />

Lançamento: julho de 2017<br />

A obra conta com 16 capítulos trazendo métodos de aquicultura mais agroecológica, contextualizada<br />

para a região Sul do país. Com uma abordagem das formas mais sustentáveis de cultivo<br />

de peixes de água doce, o trabalho torna-se interessante, uma vez que os consumidores têm buscado<br />

cada vez mais uma segurança alimentar e preocupam-se com a origem destes alimentos. Entre os<br />

temas dos capítulos estão assuntos como aquaponia, probióticos, selo de rastreabilidade, policultivo,<br />

patologia e parasitologia, e alguns estudos com espécies como jundiá (Rhamdia quelen), cascudo<br />

(Pterygoplichthys pardalis), carpas (Cyprinus carpio) e tilápia (Oreochromis niloticus).<br />

DIVULGUE AQUI O SEU LANÇAMENTO EDITORIAL!<br />

redacao@aquaculturebrasil.com<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

91


Eles fazem<br />

a diferença!<br />

N<br />

a seção “Eles fazem a diferença” escolhemos sempre<br />

uma personalidade da aquicultura para homenagear.<br />

Nesta edição, entretanto, ela é válida no plural. Sim,<br />

“Eles” fazem a diferença. Todos eles que, após a partida do<br />

querido biólogo e empresário Alexandre Wainberg, pioneiro<br />

no cultivo orgânico de camarão no <strong>Brasil</strong>, possibilitaram<br />

que a fazenda PRIMAR não fechasse suas portas.<br />

A fazenda PRIMAR se localiza em Tibau do Sul, a 70<br />

km da capital do Rio Grande do Norte, e nós da <strong>Aquaculture</strong><br />

<strong>Brasil</strong> fomos visitar. Quem nos recepcionou e contou um<br />

pouco desta história foi a Designer Gráfica (e mais aquicultora<br />

que você possa imaginar) Marcia Kafensztok, esposa do<br />

fundador da PRIMAR, Alexandre Wainberg (in memoriam).<br />

“Alexandre era formado em biologia marinha, com mestrado em bioecologia aquática e faleceu em 2015.<br />

Quando partiu deixou todo esse projeto da PRIMAR. Projeto que teve continuidade em função do apoio dos<br />

funcionários e várias outras pessoas, como amigos e o pessoal das universidades, que aceitaram dar seguimento<br />

mesmo sem tê-lo presente” comenta Marcia.<br />

Fundada em 1993, a fazenda iniciou suas atividades com o cultivo de camarão nativo em sistema extensivo,<br />

mas logo intensificou a produção com a introdução do Litopenaeus vannamei.<br />

“Chegamos a ter aeradores por toda a fazenda, produção intensiva, 48 funcionários e toneladas de ração que<br />

chegavam a todo momento. Contudo, Alexandre, que era quem administrava tudo, achou que iria esgotar a área e<br />

resolveu “puxar o freio de mão”, entrando em um processo de conversão para uma fazenda menos intensiva e mais<br />

sustentável”.<br />

Certificação orgânica – o pioneirismo<br />

que hoje tornou-se modelo no <strong>Brasil</strong><br />

Na época, A PRIMAR dava o passo inicial para<br />

tornar-se a primeira fazenda com selo de certificação<br />

na produção orgânica de camarão marinho. O processo<br />

teve início em 2001 e só foi concluído em 2003, quando<br />

finalmente recebeu a certificação pelo IBD - Instituto<br />

Biodinâmico.<br />

“Como éramos a primeira no <strong>Brasil</strong> a entrar com<br />

o pedido da certificação, eles não tinham outra fazenda<br />

para se basear. Sendo assim, Alexandre sentou com o<br />

pessoal do IBD e juntos formataram quais seriam as normas<br />

para a aquicultura orgânica, porque não existia. Eles<br />

trouxeram para a aquicultura alguns conceitos que eram<br />

adotados na agricultura, como por exemplo o consórcio<br />

de culturas, cultivo em baixo adensamento e sem uso de<br />

produtos químicos”.<br />

92<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


O cultivo de forma orgânica<br />

© <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong><br />

Sem uso de ração, o camarão alimenta-se da<br />

biota natural existente no fundo do viveiro, que é formada<br />

graças a água rica em nutrientes bombeada do<br />

estuário. Após a captação, em um período de 10 dias<br />

já se tem a formação do alimento natural. Os animais<br />

são estocados a partir de PL10 e cultivados em um<br />

sistema extensivo e de baixa densidade, com 4 camarões/m².<br />

“O ciclo de produção leva entre 55 e 60 dias,<br />

com sobrevivência em torno de 70 e 80% e conseguimos<br />

despescar um camarão com peso final entre<br />

10 e 12 gramas. Comercializamos o camarão fresco<br />

ou filezinho (sem casca) processado por mulheres<br />

da comunidade, que depois retorna e o embalamos<br />

para a venda”.<br />

Figura 2. Viveiros com cultivo integrado de camarões e<br />

ostras dispostas em travesseiros.<br />

© <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong><br />

Figura 1. Cantinho da Aroeira.<br />

O impasse da comercialização como<br />

orgânico<br />

“Infelizmente hoje o camarão não é vendido como<br />

orgânico, porque para permitir o uso do selo na embalagem<br />

para comercialização como orgânico, temos<br />

que processar em uma unidade de beneficiamento com<br />

o SIF. Na época, conseguimos uma unidade de processamento<br />

que possuía as exigências necessárias e assim<br />

elaboramos um trabalho de marketing, criamos uma<br />

embalagem, etc. Contudo, a unidade acabou fechando<br />

a planta de camarão logo depois. Perdemos todo o trabalho<br />

construído, uma vez que na época essa era a única<br />

da região passível a ser certificada pelo IBD. Hoje, 10<br />

anos depois, visitei duas unidades beneficiadoras que<br />

possuem os requisitos para serem certificadas. É um<br />

trabalho que estamos tentando retomar”.<br />

© <strong>Aquaculture</strong> <strong>Brasil</strong><br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

93


Eles fazem<br />

a diferença!<br />

Ostras nativas e orgânicas - um exemplo de persistência<br />

Em 2005 a PRIMAR resolveu<br />

introduzir o cultivo de os-<br />

Figura 4. Exemplar de ostra nativa Crassostrea gasar.<br />

tras, que deveriam ser nativas, tendo<br />

em vista que após a certificação,<br />

nenhuma outra espécie exótica,<br />

além do camarão que já estava<br />

presente, poderia ser introduzida<br />

na fazenda.<br />

Após muitas tentativas<br />

com ostras da espécie<br />

Crassostrea gasar, capturadas<br />

no ambiente natural e algumas<br />

provenientes do Laboratório de<br />

Moluscos Marinhos – LMM da<br />

UFSC, Alexandre percebeu que<br />

para manter uma regularidade na<br />

disponibilidade de sementes, teria<br />

que ter seu próprio laboratório.<br />

Assim, quase dez anos<br />

depois, em 2014 o laboratório foi<br />

montado e começou a operar. Mas<br />

nada foi fácil...<br />

“A primeira leva de sementes<br />

foi produzida com sucesso<br />

somente em 2015. Foram<br />

43 larviculturas sem êxito.<br />

Alexandre já estava desistindo,<br />

ficou longe do laboratório por 20 dias, mas depois voltou e na 44° tentativa fez um milhão e duzentas mil sementes.”<br />

Três meses depois, veio a falecer, mas deixou todo o protocolo utilizado documentado em detalhes.<br />

Figura 3. Futuras instalações da estação de Ciência Alexandre Wainberg.<br />

94<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017


O “tripé” que ajudou o laboratório a manter-se em atividade<br />

“Depois do ocorrido tivemos a força de pessoas essenciais que mantiveram<br />

o laboratório funcionando. Porque por mais que eu tivesse vontade de<br />

abrir, estava sem capital e além disso não entendia do funcionamento de um<br />

laboratório”.<br />

“A primeira pessoa com quem fui falar, Ana Carolina da Aquatec, logo<br />

se mostrou disposta a ajudar e deu suporte para que o laboratório funcionasse<br />

por 6 meses. Depois apareceu o Sebrae Nacional, o qual já tinha um projeto de<br />

ostreicultura para o Nordeste que estava baseado na produção do nosso laboratório.<br />

Eles queriam saber se iriamos reabrir. Comentei que apoio financeiro<br />

nós já tínhamos, precisávamos de um técnico e gostaria que fosse o “Pancho”<br />

(Prof. Dr. Francisco Jose Lagreze Squella, da UFPR), porque foi ele quem estruturou<br />

o laboratório junto com o Alexandre. O Sebrae então solicitou junto a<br />

UFPR, instituição na qual o Pancho é vinculado, o deslocamento de um técnico<br />

para o programa AquiNordeste, e a UFPR então o liberou para vir algumas vezes orientar o pessoal”.<br />

Depois do<br />

ocorrido tivemos<br />

a força de pessoas<br />

essenciais que<br />

mantiveram o<br />

laboratório<br />

funcionando.<br />

“Assim, a Aquatec, o Sebrae e a UFPR foram os responsáveis pela reabertura do laboratório, e em<br />

nossa primeira tentativa, conseguimos produzir 600 mil sementes”.<br />

Instituto Alexandre Alter Wainberg<br />

Mais de 30 trabalhos de graduação, mestrado e doutorado já foram realizados dentro da Fazenda PRIMAR.<br />

“Quando Alexandre faleceu o pessoal da Universidade ficava nos perguntando “E agora? Como vai ficar?”<br />

Porque poucas fazendas davam essa abertura para pesquisa e estágios”.<br />

O sonho de Alexandre era que a PRIMAR se tornasse um instituto, polo de referência para estudos em aquicultura.<br />

“Estou formalizando os contratos com as Universidades, aceitando estágio obrigatório, já temos estrutura de<br />

alojamento para poder receber os estudantes e coloquei a meta de 10 anos para que isso se torne um instituto, como<br />

queria ele”.<br />

“Nosso objetivo é realmente abrir para o pessoal entrar e fazer pesquisas. Estamos em um processo de<br />

construção coletiva de conhecimento. Porque eu acredito que quanto mais a gente se abre, mais a gente recebe”.<br />

AQUACULTURE BRASIL - NOVEMBRO/DEZEMBRO 2017<br />

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Crassostrea<br />

gigas<br />

Com sua ocorrência natural no litoral do Japão, a C. gigas é a espécie de ostra mais cultivada no mundo<br />

e também no <strong>Brasil</strong>, sobretudo no estado de Santa Catarina. Sua rusticidade e rápido crescimento é o que<br />

fazem dela a preferida para a criação.<br />

No <strong>Brasil</strong> os primeiros exemplares chegaram em 1974, importados da Inglaterra pelo Instituto de<br />

Pesquisas Marinhas de Cabo Frio (RJ). Contudo foi em Santa Catarina que de fato a atividade se estabeleceu,<br />

graças a iniciativa do Laboratório de Moluscos Marinhos (LMM) da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina),<br />

do órgão de extensão estadual (ACARPESC, atualmente EPAGRI) e do IBAMA, aliados, logicamente, ao<br />

clima favorável da região. Estas instituições realizaram diversas pesquisas a partir da década de 70, visando<br />

de fato tornar a ostreicultura uma atividade economicamente viável e uma fonte de renda às comunidades de<br />

pescadores artesanais do litoral catarinense.<br />

Biologia reprodutiva<br />

É uma espécie estuarina, que<br />

em ambiente natural prefere viver em<br />

áreas mais protegidas, como baías e estuários.<br />

São ovolíparas, ou seja, liberam<br />

os óvulos e espermatozoides na água<br />

para fertilização e desenvolvimento externos,<br />

não havendo dimorfismo sexual.<br />

São hermafroditas protândricas.<br />

Ostra do Pacífico ou<br />

ostra japonesa<br />

Alimentação<br />

A ostra do Pacífico é um<br />

organismo filtrador, cuja alimentação<br />

é constituída de fitoplâncton (sendo<br />

as microalgas o alimento principal) e<br />

matéria orgânica particulada e dissolvida,<br />

naturalmente presentes na coluna<br />

d´água. Desta forma, o local preferido<br />

para a implantação das estruturas de<br />

cultivo situa-se em regiões costeiras,<br />

onde há maior influência de rios e assim<br />

um maior predomínio de nutrientes<br />

que auxiliam na produtividade<br />

primária.<br />

Figura 1. Fazenda marinha de ostras em Santa Catarina.<br />

Obtenção de sementes<br />

No <strong>Brasil</strong> não há o estabelecimento natural da população<br />

de C. gigas, assim a obtenção de sementes é feita exclusivamente<br />

em laboratório. Em Santa Catarina o único laboratório que produz<br />

e comercializa as sementes é o LMM, da UFSC.<br />

96<br />

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Temperatura ideal e<br />

triploidia<br />

Apresenta faixa ideal de temperatura entre<br />

15 a 19°C (Walne, 1979). Contudo, para evitar o alto<br />

índice de mortalidade ao final da primavera e início do<br />

verão em virtude do gradativo aumento da temperatura<br />

da água que desencadeia o processo de maturação<br />

sexual, e consequentemente provoca um alto estresse,<br />

emagrecimento do animal e esgotamento energético,<br />

foi adotado em alguns países, como Chile, o cultivo<br />

com ostras triploides. As ostras triploides possuem<br />

baixa capacidade reprodutiva, assim, a energia é armazenada<br />

e empregada para seu crescimento.<br />

Sistema de cultivo<br />

No <strong>Brasil</strong> predomina o cultivo flutuante, tipo<br />

espinhel ou longline, cujas lanternas onde as ostras são<br />

acondicionadas estão presas ao cabo principal, que é suspenso<br />

por flutuadores. Nas regiões norte e nordeste, as ostras<br />

(no caso, espécies nativas) são produzidas em travesseiros.<br />

Principais parasitos que<br />

comprometem a produção<br />

No <strong>Brasil</strong> não são registrados surtos de<br />

mortalidades em decorrência de parasitos, contudo,<br />

é relatado principalmente a presença do poliqueta<br />

causador da Polidariose (Polydora websteri),<br />

e do fungo causador da doença chamada “mal do<br />

pé”. Ambos causam alteração na parte interna da<br />

concha e consequentemente diminuem o valor de<br />

comercialização do produto.<br />

Tamanho comercial<br />

No litoral de Santa Catarina as ostras são<br />

comercializadas de acordo com seu tamanho:<br />

• Baby: 7 cm, atingidos com 7 a 8 meses de cultivo;<br />

• Médias: 9 cm, atingidos com 9 a 10 meses de cultivo;<br />

• Master: 11 cm, atingidos com 11 a 12 meses de<br />

cultivo.<br />

Preço de mercado<br />

A dúzia direto do produtor é comercializada<br />

entre R$ 7,00 e R$ 9,00. Mas em restaurantes pode chegar<br />

a R$ 70,00.<br />

Volume nacional produzido<br />

Os dados estatísticos fornecidos pelo IBGE,<br />

agrupam as ostras com os demais grupos de moluscos<br />

bivalves. Contudo, segundo a EPAGRI, o Estado<br />

de Santa Catarina, obteve uma produção em 2016 de<br />

2.821 toneladas de C. gigas.<br />

ENTRAVES E DESAFIOS<br />

O consumo é culturalmente na forma fresca,<br />

ou seja in natura, o que causa uma diminuição<br />

do seu tempo de prateleira, que é de<br />

apenas 4 dias. Consequentemente, isso limita o<br />

produto de entrar em um dos mais importantes<br />

canais de comércio de alimentos, o varejista;<br />

Demora na licitação de novas áreas em<br />

parques que já estão demarcados, no caso<br />

de SC;<br />

Falta de políticas de crédito.<br />

CARACTERÍSTICAS POSITIVAS<br />

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É uma espécie rústica, tolerante a variações de salinidade;<br />

Pacote tecnológico já bem desenvolvido;<br />

Valor de mercado superior ao mexilhão;<br />

Atividade que possibilita à inclusão social.<br />

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DESPESCOU!<br />

Projeto Azul – Itapuã do Oeste (RO).<br />

A despesca apresentada nesta edição é do híbrido pintado real e foi realizada na região Norte do país,<br />

em Itapuã do Oeste (RO). O cultivo tem parceria com a Biofish Projetos, sendo 22 ha em sistema trifásico<br />

de produção (sistema desenvolvido pela Biofish para cultivo de peixes nativos). Essa foi a primeira, de quatro<br />

despescas de pintado que ainda acontecerão nos próximos meses.<br />

Área (m 2 ) 17.000<br />

Data de povoamento<br />

Número de alevinos 8.400<br />

Densidade inicial (peixes/m 2 ) 0,49<br />

Peso inicial (g) 8<br />

04/abr/17<br />

Biomassa inicial (kg) 67,2<br />

Data de despesca 26/dez/17<br />

Dias de cultivo 262<br />

Peso final (g) 1.500<br />

Biomassa final (kg) 12.000<br />

Produtividade (ton/ha) 7.058<br />

Sobrevivência (%) 95<br />

Total de ração (kg)<br />

Conversão alimentar<br />

98<br />

15.600<br />

1,29:1<br />

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