30SÉRIE <strong>Debates</strong> <strong>CI</strong> A Blogosfera policial no Brasil: do tiro ao Twitterpal articulador de uma estratégia de mobilizaçãodos policiais sergipanos intitulada Tolerância Zero.Divulgada em posts diários durante o mês dejunho, a campanha pretendia pressionar a Secretariade Segurança por melhores salários, valendo-sede uma estratégia original. Os policiais passaram aexigir que a lei fosse cumprida, também, no seuambiente de trabalho. Os PMs que aderiram àcampanha exigiam equipamentos de proteção,recusavam-se a dirigir viaturas sem curso específicoe ameaçavam deixar de trabalhar em presídiose delegacias.Elegemos a questão salarial como prioridade etrabalhamos arduamente o tema, acrescido dopré-requisito de nível superior para ingresso nacorporação na carreira de praças e oficiais e naimplementação de uma carga horária,escreveu em e-mail um dos autores do blog, quefez questão de manter o anonimato mesmo aoresponder à pesquisa do CESeC. A mobilizaçãoacabou vitoriosa: em 26 de junho, o governadorMarcelo Déda anunciou reajustes que até 2010somariam mais de 90%.Segundo o entrevistado, a mobilização paraque os policiais militares exigissem seus direitosmexeu com a tropa. Um exemplo:Antes do blog, muitos policiais militares trabalhavamem eventos particulares coercitivamente e deforma gratuita. Hoje, o militar tem plena consciênciade que não deve trabalhar e se o forçarem,ele denuncia no blog e ainda coloca osuperior para responder na Justiça.Por conta dessa atuação, dizem os autores, oCapitão Mano teria sido alvo de investigação etentativas de censura em Sergipe.Há algum tempo o acesso ao blog foi bloqueadonos quartéis da Polícia Militar de Sergipe. Em virtudedeste fato publicamos um post de críticacondenando tal atitude que, felizmente, os MANOSE MANAS conseguiram burlar pelo site de buscado Google. Atualmente, como perceberam quenão podem bloquear, passaram a criar mecanismosque impossibilitam que o leitor coloquecomentários e outros mecanismos virtuais paramandar vírus e etc. Acrescente-se que tivemosuma informação recente que o Ministério PúblicoEstadual pediu apoio à Polícia Federal para descobrirde onde é que o Capitão Mano está postando,ou seja, ele quer descobrir o IP do computadorque o Capitão Mano usa. Desde já avisamos queserá uma busca infrutífera, mas fiquem à vontade.informou o blogueiro.Os autores classificam o blog como um produtocoletivo. Seus colaboradores, diz o entrevistado,são pessoas de “18 a 100 anos”, “do primeiroposto de praça ao de oficiais, sejam da ativa ou dareserva, além dos civis manos que nos acompanham”.Todos com curso “superior completo”.Indagado sobre quantas pessoas trabalham noblog, o blogueiro respondeu: “aproximadamente7 mil pessoas” – ou, como explicou mais tarde, “onúmero aproximado de policiais e bombeiros militaresda ativa em Sergipe”.“Hoje” – explica ele –Capitão Mano tornou-se todo aquele, seja civilou militar, que fica indignado com o não cumprimentoda legalidade. É aquele cuja voz não éouvida. É aquele brasileiro trabalhador que nãoentende o porquê das injustiças, privilégios, regalias,desmandos, roubalheiras de dinheiro público.Nos seus posts, os autores do blog atribuem onascimento da página à “demanda reprimida” pormeios de expressão dos policiais. Este blog, assimcomo outros, seria uma respostaà negação dos direitos humanos e fundamentaisaos militares, seja da federação ou dos estados(...). Como é que pode sob a justificativa depreservar a hierarquia e disciplina, ressalte-se emtempo de paz, cercear direitos humanos e fundamentaiscomo é o caso do direito de reunião?Passada a campanha salarial, o Capitão Manotem incorporado novos temas, defendendo a unificaçãodas polícias militares de todo o Brasil e discutindoa Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg).Um post de agosto gerou grande polêmica ao relatarcasos de infrações de trânsito cometidas porpoliciais. “Precisamos rever nossos atos. O policialnão deve estar nunca acima das leis! Como poderácobrar da população algo que ele não executa?”A missão do site, diz o autor, é “criar uma conscientizaçãocoletiva sobre assuntos institucionais
da Policia Militar de Sergipe”. Para os “manos”,o surgimento de dezenas de blogs de policiais noBrasil aponta para um futuro mais promissorna área de segurança. “Entendemos que haveráuma profissionalização com o consequente melhoraproveitamento da mão-de-obra disponível emdecorrência da limitação aos abusos decorrentes”,diz o blogueiro, referindo-se a desvios defunção dos policiais, como motoristas e segurançasde eventos promovidos pelos comandantes.Em Sergipe, pelo menos, a criação do blog institucionalda PM, anunciado como veículo dediálogo entre o comando, a corporação e apopulação, sinaliza o início de um processo deabertura e democratização que certamente teráefeitos positivos.Momento de criação. Na Blogpol, o primeiroblog surgiu em junho de 2004 (veja o quadro com aentrevista de Roger Franchini, criador do Cultcoolfreak).Entre os 70 blogs que responderam à pesquisa,apenas 12 foram criados antes ou no próprio ano de2006. Isto significa que o fenômeno é extremamenterecente e ainda em franco desenvolvimento, apesarde sua exuberância. Também significa que tende acrescer. Tomando o ano de 2009, foram criadosentre janeiro e início de agosto 15 blogs. Provavelmente,no segundo semestre de 2009, quandodivulgamos esta pesquisa, novas páginas seguemaparecendo.806040200Quando o blog foi criado? (por blog)2006 ou antes2007Nº %12 17,119 27,124 34,315 21,420082009Total 70 100,0122006 ouantes“OS BLOGS SÃO UMA VÁLVULA DE ESCAPE”Criador do pioneiro Cultcoolfreak, RogerFranchini questionacapacidade dos blogs de modificarem a PolíciaO paulista Roger Franchini decidiu inscrever-seno concurso para a Polícia Civil paulista quandocursava Direito na Universidade Estadual Paulista(Unesp), em Franca. “Sempre achei que trabalharna Polícia era uma forma de ter uma atuação socialintensa. Outra razão era a grana. Era um bom salário,cerca de R$ 1 mil, e eu não tinha dinheiro nenhum.”Contra suas próprias expectativas, foi aprovado,em julho de 2002. Mas a alegria durou pouco. Aoentrar na corporação, diz ele, não sonhava valer-sedo futuro diploma de Direito para tentar tornar-sedelegado. “Logo no início me decepcionei. Fuivendo que as coisas não funcionavam de maneirademocrática, ficam muito atreladas a uma política193124552007 2008 2009Total do anoAcumuladoFonte: Blogosfera Policial no Brasil. CESeC/UNESCO, 2009.de compadrio, amizades internas. Só quem se submeteao esquema vai pra frente.”Seu primeiro posto foi na delegacia de Pedregulho,cidade de cerca de 14 mil habitantes a 80 quilômetrosde Franca. “Tive uma dificuldade muito grandede continuar frequentando as aulas. Eu viajava deônibus e tinha de sair mais cedo do que o horáriopara chegar a tempo. Mas o delegado não aceitava.”Naqueles primeiros tempos, Roger sentiu a faltade mais preparo e estrutura para exercer a função.Havia um amadorismo muito grande. Fiquei quatromeses na academia e nunca tinha visto um BO[Boletim de Ocorrência]. Tive de aprender tudo naprática. Eles me mandaram para a delegacia sem701531SÉRIE <strong>Debates</strong> <strong>CI</strong> A Blogosfera policial no Brasil: do tiro ao Twitter